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Agradecimentos
Algumas palavras minhas para vocês
1. Capítulo primeiro
2. Capítulo segundo
3. Capítulo terceiro
4. Capítulo quarto
5. Capítulo quinto
6. Capítulo sexto
7. Capítulo. sétimo
8. Capítulo oitavo
9. Capítulo nono
10. Capítulo décimo
11. Capítulo décimo primeiro
12. Capítulo décimo segundo
13. Capítulo décimo terceiro
14. Capítulo décimo quarto
15. Capítulo décimo quinto
16. Capítulo décimo sexto
17. Capítulo décimo sétimo
18. Capítulo décimo oitavo
19. Capítulo décimo nono
20. Capítulo vigésimo
21. Capítulo vigésimo primeiro
22. Capítulo vigésimo segundo
23. Capítulo vigésimo terceiro
24. Capítulo vigésimo quarto
25. Capítulo vigésimo quinto
26. Capítulo vigésimo sexto
27. Capítulo vigésimo sétimo
28. Capítulo vigésimo oitavo
29. Capítulo vigésimo nono
Epílogo
Notas
30. Cena extra
Um Conde para Curar meu Coração
Sobre a autora
Outros livros da autora
Agradecimentos
Eu não poderia ter escrito e finalizado esse livro sem algumas pessoas
importantes que me ajudaram muito.
Minhas betas, Daiane, Fran e Verona foram fundamentais para que
qualquer coisa funcionasse. Eu estive insegura o tempo tudo durante o
planejamento da história e a ajuda e participação delas no processo criativo
foi de um valor inestimado. Obrigada, moças, por acreditarem nesse projeto e
caminharem comigo.
Minhas amigas Karina Heid e Sarah Summers, que tornam tudo no
universo literário mais divertido. Quando eu queria gritar, me esgoelar e
desabafar, elas sempre estiveram dispostas a me ouvir. Por mais encontros,
boas conversas e margaritas com vocês!
Minhas leitoras no Wattpad, principalmente aquelas que estão comigo em
todo livro. Elas acreditaram nessa proposta diferente e me incentivaram, com
comentários fofinhos e outros nem tanto, a prosseguir. Aliás, eu adoro
quando vocês surtam, gritam e querem matar meus personagens. Obrigada!
Escrever para mim é diversão e terapia. Vocês fazem parte disso comigo.
Tatiana Mareto
Algumas palavras minhas para vocês
Aiden Trowsdale foi preparado para assumir o ducado desde que nasceu. Ele
foi criado para ser um duque, foi praticamente treinado para a ser um
cavalheiro, um nobre, um homem respeitável na sociedade. Com o
falecimento de seu pai, dois anos atrás, ele herdou o título e se tornou o 13º
Duque de Shaftesbury, um dos títulos de nobreza mais antigos da Inglaterra.
A morte do pai não lhe trouxe apenas o ducado. Aiden também precisou
lidar com coisas para as quais não estava tão preparado assim, como as
mulheres da casa. Enquanto ele estudava e se formava com distinções,
treinava todos os esportes e se destacava em qualquer atividade masculina,
estava afastado de casa, da mãe e da irmã mais nova. Ao assumir o título e as
propriedades, as coisas ficaram reais e as responsabilidades não eram mais
hipotéticas.
Sua irmã, Lady Agatha nunca fora uma jovem difícil. Ao contrário, era
dócil e gentil, mas a morte do pai a transformou no demônio de saias. Como a
mãe era uma mulher doente que nunca saía da propriedade de verão da
família, a residência em Londres estava quase sempre desamparada. E a irmã,
quase sempre aprontando das suas. A quarta governanta tinha acabado de se
demitir, apesar do tentador salário que lhe fora oferecido, e Aiden não sabia
mais o que fazer para conseguir uma mulher para administrar sua casa - e sua
irmã, já que a mãe não fazia um bom trabalho.
Ele precisava se casar, essa era a opção mais esperada. Um homem na sua
posição e com sua idade já deveria estar casado e, preferencialmente, com um
herdeiro a caminho. Mas Aiden nunca desejou casar-se, apesar de saber que
deveria fazê-lo. O problema era que casamento exigia um esforço que ele não
estava interessado em empregar. Tinha que escolher uma noiva, cortejá-la,
ajustar os trâmites com a família dela, e todas as demais formalidades que
envolviam o enlace matrimonial entre a aristocracia. Aiden não conseguira
nem passar da primeira etapa, já que a maioria das damas eram lindas e
agradáveis, mas não o interessavam.
Todos os planos que ele não pretendia cumprir foram interrompidos pela
epidemia de Escarlatina que, de uma hora para outra, se alastrou por Londres.
Aiden preparou as carruagens, mandou a irmã na frente e, depois de deixar
tudo organizado na Casa Trowsdale, seguiu para Kent, onde ficava Thanet
Bay. O litoral, com seu ar fresco, deveria ser o melhor lugar para se esconder
até que as coisas estivessem melhores na capital.
Mas a irmã não o deixaria em paz durante esse período, ele já sabia. A
caminho de Kent, sua carruagem subitamente parou no meio do caminho e
um dos criados que o acompanhava, Geoffrey, desceu para falar com ele.
— O que houve, Geoffrey? Por que paramos?
— Vossa Graça… o cocheiro avistou a carruagem de sua irmã.
Aiden colocou a mão na porta e a abriu, saindo do transporte. Estavam no
meio do nada em uma estrada provavelmente muito utilizada como rota de
fuga dos nobres, e que deveria estar repleta de ladrões esperando para
arrancar até as botas dos aristocratas que por ali passavam. A preocupação de
que algo tivesse acontecido com Agatha o fez esquecer a prudência e lançar-
se para fora e dar alguns passos na direção de um pátio iluminado, até ver a
carruagem ainda parada na frente de uma estalagem.
— Céus, o que ela aprontou dessa vez?
— Deseja que eu vá verificar, Alteza?
— Não, vamos encostar. Estou mesmo precisando de uma boa dose de
uísque, está muito quente e úmido.
O duque voltou para dentro da carruagem, que se movimentou por mais
alguns metros até parar ao lado da outra. Havia um burburinho incessante
vindo do lado de dentro e Aiden suspeitou que todos ali estariam fugindo,
também. Provavelmente não haveria muitos nobres no lugar, que parecia não
ser o mais adequado para sua irmã tomar um chá ou jantar. Em alguns
quilômetros eles estariam no Birmingham Inn e poderiam desfrutar do
tratamento digno à aristocracia. Por que raios ela não esperou mais um
pouco?
Assim que entrou, percebeu que tinha razão. Apesar de bem vestidas, as
pessoas daquele lugar não eram nobres. Talvez burgueses endinheirados que
tinham adquirido propriedades nos arredores de Kent, mas não possuíam
títulos a ostentar. Logo encontrou sua irmã conversando com uma dama
qualquer.
Não. Aiden estava enganado, não era uma dama qualquer. Ele olhou para
sua irmã mas tudo que viu foram os cabelos louros, meio acobreados, que
engoliam a luz de todas as velas acesas naquele salão. Eles emolduravam o
rosto mais delicado e os olhos mais transparentes de toda a Inglaterra. Não
havia nada nela que não parecesse uma pintura renascentista, mas Aiden
podia jurar que os renascentistas não eram tão talentosos.
Ele percebeu que algo estava errado com ela. Sua face empalideceu
quando ela o viu, como se fosse um fantasma que tivesse vindo para
assombrá-la. Seu corpo começou a desmoronar como um castelo de cartas
mal feito e ele só teve tempo de se aproximar para segurá-la em seus braços e
impedir que caísse ao chão.
Capítulo segundo
Batidas à porta fizeram com que Elizabeth abrisse os olhos. Ela quis levantar
mas não conseguiu, seu corpo insistia em ficar deitado por causa da dor e da
febre. Sua garganta arranhava. A luz do dia já estava entrando pelas janelas e
iluminando o quarto onde ela estava, a cama onde estava acomodada. Ao
lado do duque.
Aquilo fez com que ela erguesse o corpo em um salto. Havia um homem
ao seu lado e ele dormia profundamente, relaxado e suando muito. Gotículas
de suor brilhavam em sua testa, escorriam por seu pescoço e por seu tórax nu.
Ele estava nu. Ela passou a noite ao lado de um homem nu.
Passou a mão seu corpo, ela também não estava completamente vestida.
Elizabeth sentiu calor imediato, e não era da febre, ao imaginar que aquele
duque a despira e a vira em suas roupas de baixo. Se ela soubesse que seria
desnudada por um nobre, teria vestido alguma seda. Bem, ela não tinha seda
para vestir.
Por mais que ela soubesse que aquilo era um escândalo e que não haveria
sobreviventes quando as fofocas começassem, ela não conseguia se importar
muito.
— Alteza. — A voz veio da porta. — Sou eu, Davies.
O médico. Elizabeth levantou de uma vez, sentindo seus ossos estalarem,
e se enrolou na coberta. O duque virou para o lado e grunhiu, agarrando-se ao
seu cobertor. Mesmo doente e febril, aquele grunhido era sensual. Aquele
homem era sensual.
Abrindo uma fresta da porta Elizabeth se apresentou ao doutor. Ele
colocou a mão na madeira e a empurrou sem pressa, entrando completamente
no quarto. Estava com um pano à frente do rosto e suas mãos cobertas por
plástico.
— Preciso examiná-los, senhora. — O médico apoiou uma maleta preta
sobre o aparador. Ele era baixinho e estava ficando calvo, um homem na
meia idade. Vestia-se com roupas bem cortadas e costuradas, indicando que
sua posição social era elevada. — Onde está o Duque de Shaftesbury?
— Vossa Graça está dormindo. Ele teve muita febre, ontem.
— Certo. Vou examiná-la primeiro, então. A senhora poderia…
O doutor Davies fez um gesto indicando que ela precisava se desenrolar
da coberta. Uma corrente fria a fez tremer da cabeça aos pés assim que o ar
entrou em contato com as finas camadas do tecido que pouco a cobria. Tudo
que vestia era uma camisola e calçolas.
Não precisou de muito esforço do médico para identificar a doença.
Elizabeth tinha manchas rosadas por todo o torso e braços, também
espalhadas pelas pernas. Sua garganta estava inflamada e a febre era alta,
ainda. Depois, ela conduziu o médico até o quarto, onde estava o duque, e foi
acender a lareira.
Elizabeth sempre acendia sua própria lareira. A casa onde morava, com
os filhos, era um sobrado simples e gelado, com chão de terra e alguma
umidade. Patrick vivia adoecendo por causa disso, sempre espirrando e
tossindo. Para evitar o frio, até no verão, ela mantinha a lareira
constantemente acesa, o que também ajudava a secar as paredes. Carregar
madeira e fazer fogo nunca foram mistério para ela. Naquele momento, no
entanto, ela sentia dor e ajeitar a lenha no compartimento foi uma tarefa
árdua.
Feriu o dedo com uma farpa e arranhou o braço com um pequeno tronco
mais rebelde. Depois de algum esforço, o fogo estava finalmente queimando
e ela pode se acomodar na poltrona ao lado.
— Senhora. — O médico retornou. — A infecção é mesmo Escarlatina,
mas parece uma forma mais branda. Só o tempo dirá. Não há muito que eu
possa fazer, além de recomendar banhos frios para baixar a febre, repouso e
muita sopa. Deixarei um tônico de acônito para a infecção que pode ser muito
útil, e recomendarei láudano se a febre causar euforia.
— Podemos ir para casa? — Ela perguntou, ansiosa.
— Recomendo que fiquem em isolamento para evitar que essa doença se
alastre. Sei que as condições são… impróprias. — Ele pigarreou e frisou a
última palavra indicando que a permanência de um duque, em um quarto,
com uma viúva, causaria a ruína da reputação dela. — Mas informarei aos
criados e pedirei vigilância.
Elizabeth assentiu antes de o médico deixar a saleta. Ela suspeitava que o
duque não fosse um cavalheiro preocupado com sua virtude e aquilo podia
rapidamente transformar-se em um escândalo impossível de se reverter. Ele
estava dormindo sem roupas ao seu lado. Ela não o vira nu, apenas seu peito
descamisado, mas a sua calça estava pendurada em uma cadeira próxima à
cama. Um homem sem calças é um homem nu.
Ele também a despira e a deixara em suas roupas de baixo. Ela não sabia
se estava mais frustrada por não ter impedido ou por não ter sentido as mãos
firmes do duque em seu corpo. Céus, ele tinha mãos enormes.
— Sra. Collingworth?
A voz grave e masculina veio do quarto. Elizabeth reuniu forças para
respondê-lo, preferindo se levantar e ir até o duque. Se ela conhecia bem os
nobres, ele provavelmente daria algumas ordens a ela, mesmo que não fosse
sua criada. Nobres adoravam dar ordens para pessoas como ela, adoravam
mandar e ser obedecidos.
— Pois não, Alteza?
Ele estava sentado na cama e, por Deus, como era lindo. Elizabeth não
sabia como conseguira dizer qualquer coisa diante daquela escultura
masculina que terminava de abotoar suas calças. Com os pés descalços e
peito descoberto, ela podia ver o bronzeado natural de sua pele e os músculos
proeminentes por todo o corpo. Como aquele homem, um aristocrata, poderia
ter tantos músculos? Ele não fazia trabalhos braçais, nunca deveria ter costas
tão largas, ombros tão firmes e uma barriga tão…
As palavras faltavam para defini-lo.
— Acredito que vamos passar alguns dias presos, aqui. — Ele lhe sorriu e
ela quase desmontou em seus joelhos, como se aquele sorriso estivesse
mergulhado em láudano e pudesse anestesiá-la. — Pode abandonar os
tratamentos formais. Como a senhora está se sentindo?
— Dolorida. — Ela se sentou novamente, em uma cadeira. O mais longe
que podia daquele pecado em forma masculina. — Se vamos nos tratar por
nomes informais, senhor, pode me chamar de Elizabeth.
Um homem e uma mulher, desconhecidos, nunca se tratariam por
primeiros nomes. Nem os conhecidos faziam aquilo, era indecoroso. Mas
Elizabeth precisava sempre lembrar que ela não era uma dama da sociedade e
que aquelas regras não foram feitas para os miseráveis plebeus.
— É um nome muito bonito. — O duque se levantou e sua altura era
ainda maior à luz do dia. Ele todo era maior - e melhor - com o sol reluzindo
em sua pele e cabelos. Nem as manchas da Escarlatina conseguiam deixá-lo
menos lindo. — Vou dar algumas orientações ao meu criado. Se a senhora
quiser, pode tomar um banho.
Tomar um banho. Elizabeth notou a banheira próxima a outra lareira, que
já estava acesa antes, um pouco afastada da cama. Também havia um balde
de metal e uma bica de água. Aquela não era uma estalagem modesta e
aquele não era, definitivamente, o quarto pelo qual ela fora cobrada, antes. As
instalações eram caras demais para hospedar uma trabalhadora como ela.
O médico dissera que banho frio era bom para a febre. O corpo cansado
de Elizabeth pedia por aquela banheira, pedia por uma água morna que lhe
banhasse a sujeira de um dia inteiro de fuga inútil. Suas roupas estavam um
pouco encardidas por fuligem e poeira da estrada e seu cabelo cheirava a
fumaça. Ela adoraria deitar naquela banheira e lavar a cabeça, ficar cheirosa e
limpa para que o duque a visse…
Ele não a veria de forma alguma, como estava sendo tola. Homens como
Aiden Trowsdale não notavam plebeias como ela, provavelmente nem
mesmo para deitarem na sua cama.
Perdida nos devaneios, ela se pôs a preparar o banho. Deixou a água
esquentar no fogo da lareira, pegou a pedra de sabão que estava em uma
caixa de madeira e o tecido que servia de toalha, para se enxugar. Olhou para
a porta que separava o quarto da saleta e suspirou - não havia porta. A voz
imponente do duque ecoava por todo o espaço e ela considerou como, afinal,
iria entrar naquela banheira.
De uma vez só, fora a decisão. Apressada, na velocidade que a doença lhe
permitia, Elizabeth tirou a roupa, deixando-a ao lado, jogou o balde de água
quente e completou com água fria. Entrou na banheira e soltou uma blasfêmia
quando encostou na água quase gelada. Era o que o médico recomendou,
então era o que ela faria.
Seu corpo começou a tremer mas ela resistiu. Encolheu-se, agarrando os
joelhos com os braços e ficou ali por quase um minuto inteiro. Esfregou o
sabão nela, limpou as impurezas da pele, mas não lavou os cabelos. Também
não percebeu quando a voz do duque cessou e tomou um susto quando sentiu
a sua presença ali.
— Esse banho não parece estar sendo muito agradável.
O coração de Elizabeth saltou duas batidas e ela tentou não olhar para ele.
O que aquele homem estaria fazendo ali se ele sabia que ela iria se banhar.
Não deveria manter-se na sala, por decoro? Ou será que ele era um duque
devasso, libertino, daqueles que não tinham nenhuma decência? A fama do
Duque de Shaftesbury era de um homem que quase não se socializava, mas…
ele podia realizar orgias em sua casa. Oh.
— Está gelado. Ou eu estou muito quente, não sei dizer. Mas o médico
recomendou.
— Isso parece mais tortura do que tratamento.
Fingir que ele não estava ali não era uma possibilidade. Ele emanava
calor e fazia com que o coração dela disparasse. Elizabeth tremia de frio e
com a tensão daquele corpo masculino há menos de um metro de distância
dela. Um corpo masculino diferente de tudo que ela já tinha visto, porque ela
não estava acostumada a homens como aquele. Sem que ela esperasse, Aiden
se aproximou mais e, pegando a toalha em suas mãos, colocou sobre os
ombros dela.
— Você parece estar se sentindo melhor. — Elizabeth murmurou. Não
esperava que sua voz saísse tão fraca e trêmula, mas foi o que ela conseguiu
fazer, agarrada à toalha enquanto seus dentes trincavam.
— Sou um duque, ficar doente não é bem algo a que estou acostumado.
Ele sorriu e ela cometeu o erro de olhar. Aquela era a boca mais perfeita
que existia e ela só conseguiu pensar que ele poderia beijá-la. Não fazia
sentido querer ser beijada pelo duque quase desconhecido, mas ela queria. O
sorriso dele se transformou em uma linha fina e sua expressão assumiu
contornos densos, sombrios. Algo o incomodou.
— Acho que a senhora deveria sair dessa água fria. — Aiden disse. —
Não quero que morra sob meus cuidados.
Dando dois passos na direção da banheira, seus pés firmes encostaram no
metal e ele colocou as duas mãos nos ombros dela. Elizabeth sucumbiu a toda
espécie de sensação: calor, frio, ansiedade, fraqueza, medo, desejo. O simples
toque displicente daquele duque com poucos limites disparou todos os alertas
dentro dela. Ele a fez levantar, puxando-a para cima com delicadeza e
enrolando a toalha em seu corpo para que permanecesse coberto.
Ela parou de respirar e engoliu o ar. Aiden virou de costas para que
Elizabeth pudesse deixar a banheira e se vestir, desaparecendo em seguida
pela saleta. Bateu à porta e falou mais alguma coisa com seu criado. Seriam
mais alguns dias naquela tortura, como ela pretendia resistir a um homem
como aquele?
Capítulo quarto
Cuidar de Aiden Trowsdale poderia ter parecido uma ideia razoável no início,
mas se transformou na coisa mais imprópria que Elizabeth já fizera em toda a
sua vida. Ela chegou a duvidar de suas próprias intenções gentis depois que
seus dedos se perderam na pele e nos cabelos daquele homem que
personificava o pecado.
Claro que ele era um duque e os nobres não estava acostumados a fazer
nada por si próprios. Mas ela exagerou.
Não precisava lavar suas costas. Nem seus cabelos. Mas o fez mesmo
assim, sabendo que aquilo despertaria sensações que ela já tinha esquecido há
muito tempo. Na verdade, eram sensações completamente novas. Por mais
que ela e o falecido Gregory tivessem um relacionamento bastante romântico,
Elizabeth não se lembrava de ter sentido aquela sensação que fazia com que
as borboletas em seu estômago se agitassem.
Mas Elizabeth estava acostumada a cuidar de pessoas. Ela passara boa
parte de sua vida, até então, cuidando da família. Do marido, dos filhos. Dos
patrões. Cuidar do Duque de Shaftesbury não deveria ser tão difícil.
— Obrigado.
A voz do duque fez com que ela se sobressaltasse em seus devaneios.
Elizabeth estava na saleta, ajeitando a comida do desjejum, mesmo que seu
corpo não estivesse interessado em comida.
— Não precisa agradecer, Alteza. Afinal…
Ele estava muito perto dela e aquilo fez o coração de Elizabeth disparar,
martelando incessante em seu peito.
— Se me permitir retribuir, eu gostaria de trançar seu cabelo.
Elizabeth virou-se repentinamente, segurando um prato com pães,
presunto e ovos. Seus olhos esbugalhados indicavam que ela não estava
entendendo a suavidade daquele homem que, até então, só tinha blasfemado e
dado ordens.
— E o senhor sabe trançar cabelos?
— Ter uma irmã muito mais nova e uma mãe muito pouco afetuosa faz
com que aprendamos algumas coisas.
— Mas havia criados para isso. Sua irmã não tinha uma tutora?
— Nós temos dúzias de criados, mas Agatha sempre foi apegada a mim.
Ela deu uma risada curta e estendeu ao duque a comida que acabara de
servir. Elizabeth precisava de qualquer coisa para reduzir aquela intimidade
entre eles, mas apostava que a reclusão só faria com que se aproximassem
mais.
— Vamos comer, primeiro. Depois, precisamos descansar, como mandou
o doutor. Não precisarei de tranças, por enquanto.
Mas comer foi difícil enquanto sua garganta doía, seu corpo estava ainda
exausto e sua mente girava sem parar pensando em todas as coisas impróprias
que ela queria que o duque fizesse com ela. Era tudo certamente por causa
dos delírios da febre.
Elizabeth não era uma donzela, menos ainda uma dama, mesmo assim ela
não saía deitando com todos os homens de Londres. Depois do marido, ela
nunca mais teve um amante. E, cada vez que Aiden Trowsdale levava um
pãozinho à boca, ela desejava que ele deitasse aquela boca sobre a dela.
Desejava aquelas mãos em seu corpo. Desejava aquele corpo sob o seu.
Céus, e ela o conhecia há um dia. Um mísero dia era suficiente para fazê-
la desejar que aquele homem fizesse coisas impróprias com ela. No mais, a
doença não deveria abatê-la o suficiente para que não sucumbisse àqueles
desejos impuros?
— O senhor deveria se deitar.
Ela sugeriu, recolhendo os pratos e empilhando a louça. O duque,
parecendo ainda bastante afetado pela febre, levantou-se cambaleante e
desapareceu pelo quarto. Elizabeth bateu à porta e lá estava Granger, o criado
que tinha passado a noite em um corredor e estava passando o dia sentado no
chão frio. Aquilo era fidelidade ao seu patrão, mas ela não podia evitar sentir-
se mal pelo menino.
Com recomendações de que o jovem não tocasse diretamente em nada e
levasse tudo para a cozinha, onde as louças deveriam ser mergulhadas em
água quente, Elizabeth trancou a porta e deitou no sofá. Ela também
precisava repousar. Qualquer esforço era demais, seu corpo não aguentava
nem os trabalhos mais simples do dia-a-dia.
Já tinha fechado os olhos quando ouviu seu nome dançar na voz do
duque.
— Elizabeth. — Ele chamou e ela não respondeu. Queria ouvi-lo falar
outra vez, queria saborear aquela voz. — Sra. Collingworth?
Enrolada em uma coberta, ela foi até o quarto. Aiden estava embolado na
cama, escondido por cobertores.
— Diga, Alteza.
— Por favor, não fique naquele sofá. Ontem precisei trazê-la para a cama,
não me faça carregá-la novamente. Estou enfraquecido demais e gostaria de
poupar energias.
Oh. Então ela não tinha ido sorrateiramente até o duque no meio da
madrugada, ele a carregara até a cama. Ele a despira e deitara ao seu lado.
Aquilo era um absurdo. E ela então sofria por não ter sentido o calor daquele
corpo no dela.
— Mas não tenho outro lugar para ficar e preciso repousar. Estou me
sentindo muito mal.
— A cama é suficiente para nós dois. Acho que cabem umas quatro
pessoas aqui. Provavelmente o estalajadeiro esperava hospedar nobres
libertinos que gostavam de ter muitas mulheres de uma só vez.
Elizabeth sentiu as bochechas arderem e não era da doença. Ao mesmo
tempo, suas coxas tremeram e ela percebeu que sua intimidade se agitou com
a imagem que se formou daquele homem perfeito em uma cama rodeado das
maiores beldades de Londres. A imagem lhe causava repúdio porque não
queria que ele estivesse em uma cama com várias mulheres. Se alguém fosse
se deitar ali com ele seria ela.
E Elizabeth não tinha mais nenhum pudor em pensar aquelas coisas. Sua
alma estava encomendada para o inferno.
Cuidadosamente, para não entrar em um espaço físico que lhe conduziria
a um toque involuntário de pele, Elizabeth deitou no colchão macio e seu
corpo agradeceu silenciosamente. Ainda enrolada no cobertor, acomodou-se
virando as costas para o duque e ansiando para que ele adormecesse logo para
que, caso ela ficasse tentada a olhar e admirá-lo, o homem não percebesse.
— Elizabeth. — A voz abafada chamou a sua atenção. — Conte-me uma
história.
— Que tipo de história, Alteza?
— Qualquer uma. Conte-me sobre você. Quem é Elizabeth Collingworth?
Uma mulher perdida. Uma que causa inveja em outras como ela apenas
por poder dividir a cama com um duque, mesmo que seja só para conversar e
dormir. Uma devassa que só pensa em ser tocada de todas as formas mais
inapropriadas.
— Não há nada interessante sobre mim.
— Duvido. — A voz dele estava ficando mais embargada. — Aposto que
há muito por trás da mãe viúva que… onde a senhora trabalha, mesmo?
— Estou desempregada no momento. Eu trabalhava com os Pensington,
mas eles se mudaram para a França. Era dama de companhia de Lady
Charlotte.
— Os Pensington. — A risada dele indicou que sabia quem era a família.
— Então a senhora já deve ter conhecido o Conde de Cornwall.
— Ah, sim. Ele cortejava Lady Charlotte. Eu o conheci, certamente.
Um silêncio de alguns segundos fez com que Elizabeth pensasse que o
duque tinha caído em um sono súbito.
— Edward é meu amigo. Talvez o único amigo que eu tenha.
A voz saiu baixa e sonolenta. Elizabeth quis virar-se para ele e afagar
seus cabelos até que adormecesse. Ela gostava de fazer isso com os filhos e
sentia vontade de cuidar daquele duque que, provavelmente pela primeira vez
em sua vida, estava vulnerável. Mas ela não fez nada daquilo, apenas
continuou contando a ele a história que pedira.
— Lorde Edward é um bom homem. Recomendei várias vezes a Lady
Charlotte que aceitasse seus cortejos, mas ela estava muito envolvida com o
lorde francês. Eles devem se casar, acredito que serão felizes já que ela o
ama.
— A senhora amava seu marido?
Claro que amava.
— Pessoas como eu têm o luxo de poder se casar por amor, Alteza.
— Entendo. Continue falando.
Elizabeth então atendeu àquele pedido, que era uma ordem. Ela contou
sobre quando conheceu Gregory, em uma taverna. Fora buscar o pai, que
tinha bebido demais outra vez. Um agiota fora à casa deles informar que o pai
devia muito dinheiro e que estava embriagado em um dos antros de
Whitechapel. Que deveriam dar um jeito de pagar ou sofreriam
consequências piores. Enquanto a mãe ficou apavorada, Elizabeth
simplesmente dirigiu-se até a taverna para resgatar o pai.
Gregory estava bebendo com amigos e a ajudou. Ele era um homem
lindo, forte e másculo, mas muito castigado pelos anos de trabalho intenso.
Os dois se apaixonaram no instante em que se viram, ela soube depois. Eles
se amaram, verdadeiramente, até a prematura morte dele.
Contar aquela história fez com que Elizabeth tivesse belas recordações
que lhe acalentaram a mente. Por mais pobre que fosse, eles eram uma
família feliz. Tinham o necessário para sobreviver com alguma dignidade e
estavam sempre juntos. Foi muito difícil viver sem Gregory nos primeiros
meses, ela sofreu muito e passou muitas dificuldades financeiras até decidir
usar seu estudo e sua educação para ganhar dinheiro.
Enquanto Elizabeth narrava sua saga da juventude, o duque pegou no
sono. O silêncio precedeu ao som de sua respiração pesada e ressonante. A
dor e a febre acabaram por fazê-la sucumbir também.
Capítulo quinto
Já fazia três dias que Agatha estava em Thanet Bay e ela ainda não tivera
notícias de Aiden. O irmão estava confinado em uma estalagem, no meio do
caminho para Londres e os criados apenas disseram que ele continuava dando
ordens e mandando como um duque. Bem, era o que ele era, mas Agatha o
enxergava de outra forma. A maturidade a fez compreender o irmão e
perceber que ele era, no fundo, uma alma solitária que não sabia muito bem
como se aproximar das pessoas. Então ele usava sua autoridade sobre elas.
— John. — Ela interpelou o criado no jardim. O sol em Kent estava
agradável e o ar era limpo. As flores brancas e amarelas cobriam quase todo o
arredor da enorme casa e o gramado estava de um verde vivo esfuziante. —
Preciso que prepare a carruagem, vou ver o duque.
— Lady Agatha, temos ordens expressas de Vossa Graça para que a
senhorita não saia da propriedade.
— Bem, se você não preparar a carruagem, vou montar em um cavalo e
vou assim mesmo. — Ela colocou a mão na cintura e encarou o criado, que
esfregou a cabeça com desânimo. — Entenda, eu preciso de notícias dele.
Preciso falar com ele. Não vou fazer nada arriscado.
John fez uma reverência e saiu. Era muito difícil convencer Lady Agatha
de qualquer coisa quando ela não queria ser convencida. Logo, a carruagem
estava pronta esperando e conduziu a lady e sua dama de companhia até onde
Aiden Trowsdale estava. Ela entrou estalagem adentro e, antes de chegar até
à casa dos fundos, foi interpelada pelo estalajadeiro. O homem pequeno e
barrigudo arrumava os bigodes enormes com os dedos. Ele tinha uma
aparência horrível, parecia um enfeite de jardim mal feito e mal pintado.
Ele queria lembrá-la que a conta do irmão estava alta e que ele temia que,
com a morte do duque, não recebesse o que lhe era devido.
— Meu irmão não vai morrer, isso eu lhe asseguro.
— Mas a Escarlatina é uma doença grave, milady. — O homem insistiu.
— Por que não fazemos o seguinte: a senhorita me paga o que o duque deve
até agora e depois ajustamos o restante. Claro que terá que pagar a parte da
mulher também, já que ela parece não ter onde cair morta.
— O senhor é uma pessoa odiosa. — Agatha moveu os ombros e olhou
para sua criada com desânimo. — Mais interessado pelo dinheiro do que pela
vida das pessoas. Não se preocupe, eu pagarei o que o senhor tem a receber.
Dou a minha palavra.
Mesmo com a promessa, o estalajadeiro seguiu Agatha. Para ele, a
palavra de uma mulher não valesse nada. Claro que, se Aiden morresse, ela
não seria sua herdeira. Mas Agatha tinha certeza que o irmão garantira a ela e
à mãe uma forma de subsistência, por testamento. Ele tinha certeza que ela se
casaria e teria uma confortável vida ao lado de um nobre endinheirado, mas
Agatha preferia acreditar que o irmão não contara com a sorte e deixara um
testamento em seu favor.
Geoffrey estava na porta do quarto com as costas recostadas na madeira.
— Milady. — O jovem criado levantou-se ao ver Agatha se aproximar,
marchando firme com o estalajadeiro e uma criada atrás dela.
— Como está o duque, Geoffrey?
— Em silêncio, milady. Desde ontem ele não bate na porta nem atende
meus chamados. Já insisti e insisti e nada. Eu troquei com o Granger, mandei
o menino descansa e estou aguardando ser solicitado por Vossa Graça. Mas
confesso que estou preocupado.
Agatha não disse nada, apenas bateu delicadamente à porta. Como não
obteve resposta, bateu mais forte. E por fim, esmurrou a madeira na intenção
de ser ouvida, sem muito sucesso. Não havia um som vindo de dentro do
quarto.
— Preciso entrar. — Ela disse, virando-se para o estalajadeiro. — Faça
valer o dinheiro que receberá e abra essa porta.
— O quarto está em isolamento, senhora. Não devemos entrar até que…
— Eu pareço preocupada com isso? Apenas pegue uma chave reserva e
abra essa porta, ou pedirei que meu criado a arrombe.
Elizabeth sentiu que dormira por uma semana inteira. A dificuldade em reagir
à doença e ao delírio fora enorme mas, depois de algum esforço, ela
conseguiu abrir os olhos. Estava em um sono agitado havia horas e queria
muito acordar, sem conseguir. O ambiente desconhecido fez com que ela
sentasse na cama, assustada. Eram muitos sustos em menos de uma semana,
muitos eventos inquietantes.
Enrolada em um cobertor, tentou fazer um reconhecimento rápido. Era
um espaço novo, aquele, muito mais elegante do que a estalagem. A cama era
menor, de mogno e com enormes dosséis que chegavam ao teto. A parede
decorada com papel damasco e algumas pinturas que ela não reconheceu. Ela
estava sozinha. Calor emanava de outro cômodo e Elizabeth podia jurar que
sentia a brisa fresca com cheiro de mar entrando pela única janela aberta no
quarto.
— A senhora acordou. — A voz do duque veio antes de sua imagem
gloriosa na porta. Estava tudo muito escuro e ele carregava uma vela, que
iluminava seus olhos escuros. A forma como ele a olhava não sugeria que ele
fosse um aristocrata - Aiden Trowsdale tinha feições duras e uma expressão
masculina que sugeria que ele fosse como os homens com quem ela lidava
em Shadwell, como os negociantes e industriários, como os plebeus.
— Onde estamos? O que aconteceu?
— Tivemos alguns contratempos e pedi que nos trouxessem para Thanet
Bay. Estamos na minha residência de praia e essa é uma casa isolada. Não se
preocupe, não estamos colocando ninguém em risco.
Talvez ela estivesse em risco ficando em qualquer lugar isolado com
aquele homem, mas entendeu que ele falava da doença. Ela não se sentia
doente naquele momento.
— O médico nos verá amanhã. — O duque prosseguiu. — Meus criados
providenciaram comida, imagino que a senhora deva estar faminta.
Oh, ela estava. Elizabeth sentiu o estômago reclamar assim que Aiden
mencionou comida, apesar de que ela estava muito distraída com as
ondulações que a chama da vela fazia no semblante sereno do duque. Apesar
de parecer tranquilo, ele tinha uma expressão indissolúvel, impassível, rígida.
Havia tanta informação em seus traços duros e masculinos que ela precisaria
de muitos dias para entendê-los por completo.
A casa em que estavam era pequena, mas confortável e acolhedora. A
lareira acesa mantinha o calor dentro da sala e havia sofás espalhados, além
de cristaleiras, estantes com livros e aparadores. Aiden serviu dois copos de
uísque e entregou um a Elizabeth. Ela encarou o líquido âmbar e ficou
curiosa pelo seu gosto. Molhou a ponta da língua e fez uma careta. Era
amargo.
— Nunca bebeu uísque?
O duque sentou em uma cadeira enquanto a observava. Ele aparentava
estar um pouco melhor, apesar das olheiras perceptíveis debaixo de seus
olhos perfeitos.
— Não. Na verdade, não temos dinheiro para essas comodidades. Algum
xerez, eventualmente.
Ela não tinha nenhum dinheiro - aquela era a realidade. O pouco que
sobrava ia para as economias dos filhos, portanto Elizabeth vivia com o
mínimo. Mas ela não falaria aquilo para o duque naquele momento. Ele
parecia bastante alheio ao abismo que os separava. Serviu-se da sopa que
estava na terrina e o caldo não fumegava, porém estava quente o suficiente.
— Precisa de ajuda, Alteza?
Elizabeth deu uma risada baixa ao ver o duque tentar servir-se de um
pouco de sopa e derramar boa parte pela mesa.
— Geralmente estou cercado de criados. Não é comum, para um duque,
servir sua própria comida.
Ele disse e finalizou a tarefa, tomando o cuidado de limpar a sujeira com
um pano. O duque não era tão inapto quanto sugeria a sua criação e Elizabeth
divertiu-se ao vê-lo desempenhar uma tarefa tão ordinária - comer. O
movimento corporal de Aiden Trowsdale indicava que ele era consciente do
poder masculino que possuía. A forma como segurava a colher, a pressão que
seus dedos exerciam no metal e o flexionar dos antebraços para conduzir a
sopa até a boca.
Ele tornava qualquer coisa ao seu redor mais interessante apenas por estar
presente. Ela ainda não compreendia os motivos pelos quais ele era tão
atraente, mas podia imaginar alguns. Força. Poder. Gentileza. Ele a tratava
como uma pessoa, enquanto nenhum aristocrata o fazia.
— Eu gostaria de agradecer ao senhor por fazer isso. — Disse, tentando
livrar-se dos pensamentos divagantes. — Por cuidar de mim.
— Prometi a um jovem que faria isso.
— Mesmo assim, o senhor não precisava prometer nada. — Elizabeth
ergueu o copo de uísque, quase intocado. Era um brinde desajeitado, porém
sincero. Como uma mulher, ela nunca brindou à mesa de ninguém, antes. —
Obrigada, Alteza.
Aiden aceitou o agradecimento dela e sorriu. Aquele sorriso que
congelaria o frio e aqueceria o sol, que seria capaz de causar uma guerra ou
selar a paz. Ele tinha a boca tão perfeita, os lábios grossos e vermelhos que
eram simétricos e pareciam… saborosos. Ela quis saber o gosto que eles
tinham. A barba que começava a crescer e esconder o maxilar quadrado dava
ao duque um ar despojado de homem comum.
Elizabeth desejou, naquele instante, que ele fosse realmente comum. Que
o sangue azul dos Trowsdale não corresse nas veias dele para que ela pudesse
simplesmente deixar que soubesse que ela o queria. Mulheres não tomavam a
iniciativa, mas ela não se importaria que ele percebesse que ela aceitaria ser
cortejada.
Mas mulheres como ela jamais seriam cortejadas por nobres. Aquele
duque podia ser um bom homem mas ela nunca seria suficiente. Aborrecida
com aqueles pensamentos, Elizabeth virou o uísque em um gole, como o vira
fazer. Estendeu o copo e pediu que ele lhe servisse mais.
— Não exagere. — Ele disse ao entregar-lhe a bebida. — É sua primeira
vez.
— Eu estava prestes a morrer. Ainda estou correndo risco de morte.
Beber um pouco não pode ser pior do que convalescer da Escarlatina. Ao
menos ameniza a dor.
E ela então virou a segunda dose toda de uma vez. O uísque desceu
arranhando e queimando em sua garganta mas Elizabeth fingiu que não sentiu
nada. A ardência logo passou e, depois da terceira dose, tudo que ela via eram
estrelas.
— A senhora deve parar. — O duque impediu que ela mesma se servisse
da quinta dose. — Vamos, converse comigo. Conte sobre os Pensington,
qualquer segredo sujo que eles possam ter.
— É a sua vez de contar histórias, Alteza. — Elizabeth jogou-se em um
sofá, com modos pouco femininos. Sua delicadeza e sutileza estavam
obnubiladas pelo álcool. — Conte-me por que ainda não se casou.
A pergunta saiu crua e intrusiva, como aquelas que ele lhe fizera na
estalagem.
— Não achei ser necessário até agora. Mas sei de minhas
responsabilidades, devo escolher uma noiva em breve.
Claro que escolheria. Afinal, por que um duque ficaria solteiro depois dos
trinta? Elizabeth não tinha certeza, mas aquele homem deveria estar por volta
dos trinta. Já era para estar casado e cheio de herdeiros.
— Um brinde à próxima duquesa. — Ela ergueu o copo com o restante do
uísque e despejou-o garganta abaixo. Talvez não tivesse vontade de
entorpecer-se antes, mas o próprio álcool a puxava cada vez para mais perto
dele. — Tenho certeza que ela será uma boa esposa e vai amá-lo bastante.
— Infelizmente, Elizabeth, algumas pessoas como eu não possuem o
direito de escolher se casar por amor.
Oh. A forma como ele disse aquilo fez com que ela imediatamente se
arrependesse de zombar da nobreza e seus arranjos casamenteiros. Claro que
um duque precisava de uma dama que atendesse aos padrões ingleses, que a
Rainha fosse abençoar. Seus desejos não eram importantes diante da
necessidade de manter a linhagem e garantir que o ducado permanecesse com
a família.
Mas aquilo era muito triste e solitário. Ela tivera um casamento feliz, por
amor. Alguns nobres que conhecia também casavam por amor. O duque não
deveria precisar se submeter ao casamento com uma mulher que ele não
amasse.
— Desculpe-me, não quis soar rude. — O duque pegou o copo da mão
dela e colocou de volta na bandeja. — A senhora deveria voltar para a cama.
Se não repousarmos, podemos voltar a sucumbir da febre.
Ela assentiu e Aiden desapareceu por uma porta escura. Elizabeth deitou a
cabeça para trás e fitou o teto, sonolenta. A claridade precária da casa deixava
o ambiente melancólico. O dia seguinte seria, provavelmente, um dia de
liberdade. Quando o médico chegasse, veria que eles estavam bem o
suficiente para sair do isolamento e Elizabeth poderia retomar seu caminho -
direto para algum lugar, ela apenas não sabia qual.
Edward McFadden conhecia Aiden Trowsdale por toda a sua vida. Não era
tanto tempo, mas parecia que nunca existiu um sem o outro. Quando
começaram a estudar juntos, Edward era um garoto introspectivo e com
dificuldades de relacionamento. Sendo filho mais velho de uma família
grande, assumira muitas responsabilidades e não tinha atenção suficiente dos
pais.
Mas Aiden era diferente. O garoto de cabelos e olhos escuros como a
meia noite tinha uma aura que fazia com que todos o admirassem. Edward
não entendia bem o que havia naquele jovem que o colocava sempre em
posição de destaque. Ele brilhava e chamava a atenção. Nunca se metia em
problemas, não gastava muito dinheiro, era o melhor aluno.
E ele se interessou por Edward no primeiro momento em que cruzaram na
biblioteca. Fizeram uma amizade que permaneceu e Edward talvez fosse a
única pessoa que sabia quase tudo da vida de Aiden. Sabia, por exemplo, que
suas qualidades se intensificaram. Ele cresceu mais inteligente, sagaz e
persistente. Passou a conquistar mulheres com sua extrema capacidade de
seduzir. Era eloquente e sempre se saía bem em ambientes sociais.
Alguns defeitos sugiram, no entanto. Depois que eles voltaram para casa,
já formados, Aiden foi lançado no caos silencioso da sua família. A mãe era
uma megera cheia de traumas que ignorava a filha pequena e o marido. O pai
era um benfeitor altruísta, um homem generoso que passava mais tempo
cuidando de sua filantropia que dos filhos. E, com isso, Aiden se tornou a
antítese em pessoa. Muito habilidoso em lidar com pessoas, sem nenhuma
vontade de se relacionar com elas.
Enquanto ele sabia muito bem se portar em sociedade, Aiden detestava
eventos sociais. Desenvolveu certa repulsa pelas regras rigorosas da
aristocracia e se tornou um devasso incorrigível. Nisso, eles eram quase
iguais. Gostavam de mulheres, principalmente se elas estivessem nuas em
suas camas. Achavam as damas entediantes e não queriam se casar.
Isso, somado a um “que” autoritário que sempre esteve presente no
menino brilhante que ganhava todos os prêmios na escola, transformou Aiden
no duque mais extravagante de Londres. Ele vivia em um permanente
conflito entre o que queria fazer e o que deveria fazer, assumindo uma faceta
dúbia que o tornou um aristocrata investidor e que circulava facilmente entre
os burgueses.
Por isso, quando ficou sabendo que o amigo estava em quarentena por
causa de uma doença fatal, isolado em um quarto com uma mulher
desconhecida, ele se preocupou mais com a segunda parte.
Os homens que estavam reunidos em Greenwood Park eram todos de um
círculo curioso de amizade. Todos muito ricos, a maioria rejeitada por uma
sociedade que só valorizava o sangue azul. Edward McFadden era o centro
das atenções por ser o anfitrião do pequeno encontro. O conde recebera seus
convidados com um brunch farto, repleto de pães, carnes temperadas e muito
uísque. Estavam presentes o Visconde de Whitby, o Sr. Sawbridge,
industriário no ramo de locomotivas, o Sr. Hartright, investidor e importador
de produtos das Índias, e o Sr. Riderhood, dono de um dos maiores clubes de
aposta de Londres.
Todos eles tinham em comum o projeto de revitalização de uma área em
Shadwell, que pretendia atrair lojistas e famílias de classe média, além de
viajantes e estrangeiros que visitassem a cidade. Alguns eram amigos há mais
tempo, como o conde e Sawbridge, que tinham a mesma idade e
frequentaram a mesma escola.
— Aonde está Shaftesbury?
Foi a questão levantada por Riderhood. O duque nunca perdia aqueles
encontros de negócios.
— Fiquei sabendo que ele está doente. — Edward serviu do seu melhor
vinho do porto para os cavalheiros, depois que estavam recolhidos no
escritório. — Não me explicaram direito, mas parece que é contagioso.
— Ele está doente. — Sawbridge disse. — E há muitas fofocas sobre as
condições em que nosso amigo se encontra. Parece que ele está
comprometendo a integridade de uma mulher.
— Isso parece com algo que ele faria. — Hartright não tinha a melhor das
considerações pelo duque. Apesar da diferença de origem entre eles, o
investidor era um homem muito religioso e devotado à família. A vida de
perversão e libertinagem de Aiden Trowsdale o incomodava. — Quem é a
mulher, as fofocas dizem?
— Não, apenas sabemos que eles estão confinados. Os dois, apenas,
sozinhos.
— Isso é um escândalo, mas nosso amigo vai superar. Temos que
continuar as negociações até que ele esteja apto a retornar para nossa
presença.
Edward manteve os ouvidos atentos ao que conversavam os homens,
porém seus pensamentos estavam no amigo duque e no que poderia estar
acontecendo. Apesar do que pensavam de Aiden, principalmente em relação à
sua capacidade de arruinar mulheres, ele sabia que o duque não era uma
pessoa tão depravada. Aiden não costumava se envolver com virgens
incautas, ele se relacionava com prostitutas ou mulheres livres que desejavam
tornar-se amante de um nobre.
Se ele estava doente e trancafiado com uma mulher, aquilo poderia não
causar nenhum prejuízo à sua reputação já muito arranhada. Mas, se fosse
uma dama honrada, se a reputação dela estivesse me risco, talvez o duque se
visse forçado a casar-se com ela para reparar o dano. Edward precisava saber
melhor sobre isso.
Quando o dia seguinte chegou, ele decidiu ir até Thanet Bay ter notícias
do duque. Pediu que selassem seu cavalo se preparou para ir à propriedade do
amigo, já preocupado em como a duquesa viúva estaria em razão de tantas
fofocas circulando.
O SOL em Kent era mais brilhante do que em Londres. Foi com essa certeza
que Aiden acordou no dia seguinte, depois de uma noite de sono sem
intercorrências. Ele ainda estava quente, sentia sua pele ardendo pela febre e
as manchas continuavam dizendo que a doença continuava ali - mas também
sentia que estava melhorando. A morte provavelmente não pairava mais
sobre sua cabeça.
Mas tinha alguma coisa que ainda o incomodava. Ele descobriu isso
quando, olhando pela janela, viu Elizabeth Collingworth caminhando do lado
de fora da casa. Descalça, com apenas uma camisola branca e com os cabelos
mal trançados, ela parecia uma visão mística, etérea, do Paraíso. Ele não era
um homem muito religioso, mas aquela mulher o instigava a pecar todos os
minutos do dia.
Em breve, ela não estaria mais ali e isso era bom. Aiden tinha que
escolher uma noiva, casar-se com uma dama da aristocracia e aquela mulher,
ali, bailando pela grama verde como se fosse uma fada, não servia para ser
sua esposa. Também não iria aceitar se tornar sua amante. O melhor, para
ambos, era que seguissem seus caminhos, totalmente opostos.
E sua mãe o infernizaria por toda uma eternidade. Se Agatha era o
demônio, ele precisaria de um adjetivo mais satânico para definir a duquesa.
Aiden tentara compreender a amargura da mãe depois de perder tantas
crianças, as que nasceram entre ele e sua irmã. A cada bebê que nascia morto,
a duquesa definhava mais e mais. Aquilo significava que, para se manter sã, a
mãe fizera um pacto com o inferno. Provavelmente, prometera a sua alma e a
de mais algumas pessoas que pudesse arrebanhar. Tudo que ele menos
desejava fazer era desagradá-la, principalmente porque a duquesa estava
sempre muito doente.
Então, por que diabos ele não queria deixar Elizabeth ir? Por que tinha a
ilusória sensação de que poderia tê-la, mesmo que por uma vez, e que isso
seria o suficiente? Porque era um tolo, e a tolice não deveria ser característica
de um duque.
Ao sair do quarto, depois de tomar banho e se barbear, algo que ele fez
com nenhuma destreza, encontrou uma linda mesa de desjejum, posta com
perfeição.
— Bom dia, Alteza. Pode se servir, espero que tenha acordado com fome.
Havia chá recém preparado em um bule e ovos mexidos. Elizabeth
manejava a cozinha com talento e ele subitamente lembrou que precisava de
alguém como ela. Era urgente. Talvez oferecer emprego àquela mulher fosse
a melhor forma de mantê-la por perto mais algum tempo. Até que a nova
duquesa - sua futura esposa - pudesse decidir sobre os criados.
— Sente-se bem, Elizabeth? — Aiden perguntou, sentando e servindo-se
de ovos e presunto. Não era muito difícil colocar a comida no próprio prato,
afinal.
— Sim, tenho certeza que a febre diminuiu. E minhas manchas estão
menos vermelhas.
— Sorte da senhora. Eu ainda estou bastante avermelhado, como se um
artista vesgo tivesse me usado como tela de pintura.
Ela deu uma risada e o som daquele sorriso fez com que o duque se
inquietasse na cadeira. Elizabeth aproximou-se dele sem muita cautela e
puxou a gola de sua camisola, expondo a clavícula.
— Veja.
— Não consigo perceber nenhuma melhora. Talvez se…
Mostre mais, mostre tudo. O desejo de vê-la com menos tecido superou a
razoabilidade e a decência que ainda restavam em Aiden. Elizabeth não
pareceu perceber a malícia por trás daquele comentário e ergueu a barra da
camisola para exibir a panturrilha.
— Agora não tem como dizer que não percebe. As manchas quase
sumiram.
Aiden respirou fundo e olhou para as pernas à sua frente. Elas eram
condizentes com a mulher perfeita com quem compartilhara os últimos dias.
Suas mãos adquiriram vida própria e tocaram os tornozelos de Elizabeth, com
cuidado. Ele pensou que ela fosse estapeá-lo, o que não aconteceu. Vidrado
na pele delicada desnuda, deixou que as mãos tocassem as panturrilhas. E a
parte de trás dos joelhos.
— Parece tudo muito bem. Porém eu não saberia dizer. Esperemos o
doutor.
O duque desconversou e voltou a se concentrar na comida. Ele podia
ignorar a prudência e beijá-la ali mesmo, mas aquilo seria irresponsável.
— A senhora deveria vestir-se. — Ele disse, finalmente. Não dava para
continuar resistindo a uma mulher seminua e seu pênis já reclamava dentro
das calças. Precisava de alívio ou de parar de lidar com aquela mulher em
roupas ínfimas.
— Minhas roupas estão úmidas. Eu as lavei hoje cedo.
— Cedo? Mais cedo? Que horas a senhora acordou?
— Bem cedo. — Os lábios dela se partiram em um sorriso. — Estou
acostumada a despertar por volta das cinco horas.
— Pelo bom Deus, isso é realmente muito cedo.
— Meu trabalho exigia minha presença nas primeiras horas da manhã.
Agora, desempregada, eu acordo cedo para buscar serviço pela cidade. Já
estava fazendo isso há dois meses, até que a epidemia chegou.
Aiden respirou e continuou comendo. Elizabeth sentou-se e serviu o chá,
bebericando na xícara de porcelana que tinha a cor de sua pele. Aquilo era
mesmo um absurdo, mas não apenas por ela levantar cedo ou não ter roupas
secas. Era um absurdo o quanto ele se importava, o quanto ele, sem motivo
algum, desejou mudar a situação em que ela se encontrava.
O pai era um bom samaritano. Um homem que gastou parte de sua
fortuna em caridade. Construiu escolas para filhos de pessoas pobres,
manteve hospitais, orfanatos e casas de apoio para mães viúvas. Ele visitava
suas obras frequentemente e levava o jovem Aiden com ele. O duque cresceu
aprendendo que o dinheiro representava caráter e que um homem era
respeitado pelas obras que realizava.
Talvez por aquilo ele desprezasse o ócio da nobreza e preferisse a
companhia de investidores, industriários, negociantes. Na residência
Trowsdale todas as pessoas de negócios eram bem vindas e o pai nunca
deixou de convidar plebeus para seus eventos. O valor dos homens que
frequentavam sua casa era medido pelas ações respeitáveis que eles
realizavam na vida.
E aquela era a primeira pessoa necessitada que cruzava seu caminho
desde que assumiu o ducado. Elizabeth Collingworth era uma mulher de
valor que precisava de ajuda para conseguir dinheiro para a sua
sobrevivência.
— Não posso me vestir ainda, mas está tudo bem. — Ela retomou o
assunto. — Eu… nós já compartilhamos uma intimidade maior do que essa,
não?
Ela disse e se levantou, recolhendo as louças e levando para uma tina.
Depois, despejou o conteúdo de um balde que estava aquecendo no fogo e
ergueu os cabelos para prendê-los. Naquele breve instante, Elizabeth deixou
sua nuca à mostra, os fios dourados por entre seus dedos enquanto ela
indicava que sentia calor com a pequena atividade. O esforço a estava
deixando agitada e a febre, debilitada.
Era demais, até mesmo para um homem doente.
O duque deixou a comida e se levantou. De novo, desejou que Elizabeth
não estivesse atenta à sua anatomia, pois duvidava que fosse capaz de
esconder a ereção que forçava suas calças. Aproximou-se da mulher, que
ainda estava de costas para ele. Segurou-a pelos ombros e fez com que se
virasse e olhasse para si. Apenas para si.
— Sabe qual é o problema dessa intimidade, Elizabeth?
O corpo dela tremeu sob suas mãos. Ele sentiu que sua pele estava quente
por baixo do tecido fino.
— Sei. É indecorosa.
Arriscou, sem certeza. A voz vacilante e abafada também era sensual e
sugeria para Aiden que ela poderia desejá-lo tanto quanto ele a desejava. Que
aquela conexão imediata entre eles não era fantasia de sua cabeça. Ou talvez
ele quisesse tanto que ela o desejasse que estava apenas imaginando coisas.
— Não. É irreversível. Uma vez que nos acostumamos um com o outro e
que ignoramos as convenções, não conseguimos voltar atrás.
— E Vossa Graça quer voltar atrás?
Não, claro que ele não queria. O que Aiden queria, naquele momento, era
tomar aquela boca perfeitamente desenhada para si. E foi assim que ele fez,
dobrando o corpo sobre Elizabeth e colando seus lábios nos dela.
Ela sentia como se tivesse caindo em queda livre em um precipício. Era uma
sensação inesperada e que arrebatava Elizabeth em uma espiral infinita
enquanto a boca quente e macia de Aiden Trowsdale estava sobre a sua. O
beijo começou ríspido, um pouco abrupto, mas não demorou nem cinco
segundos para que os dedos dele subissem pela nuca dela e se amoldassem
ali, fazendo com que o toque de lábios suavizasse.
Não era a primeira vez que Elizabeth era beijada. Era só infinitamente
diferente do que ela se lembrava. Talvez fosse o calor que emanava daquele
corpo masculino bruto, esculpido em músculos. Ou talvez fosse a enorme
atração que ela sentira pelo duque desde que o vira na estalagem, antes de
desmaiar.
Talvez fosse também o cheiro masculino e amadeirado que emanava de
sua pele lisa. Poderia ser o toque daquelas mãos fortes e marcadas por calos,
mas que mantinham uma suavidade e maciez comuns às mãos aristocráticas.
A pressão na nuca se intensificou no instante em que ele procurou abri-la
para ele, pressionando delicadamente sua língua contra os lábios ansiosos de
Elizabeth. Ao invés de resistir e afastá-lo, ela se pegou oferecendo espaço
para acomodá-lo em sua boca, para receber o calor febril que se enroscava
com sua própria língua e fazia com que ela sentisse aquele gosto de uísque
que poderia inebriá-la em segundos. Ao invés de fazê-lo parar, Elizabeth
ergueu os braços e o enlaçou pelo pescoço. Com um grunhido sensual e
rouco, Aiden desceu os dedos pelo corpo dela, traçando as linhas de seus
braços até posicionar-se em sua cintura e puxá-la para perto.
No instante em que os dois corpos se uniram e ela sentiu-se esmagada
contra aquele peito duro e viril, uma voz do lado de fora os tirou do transe.
— Trowsdale!
Era um homem que Elizabeth não identificou como nenhum dos criados,
que jamais chamariam o duque daquela forma, nem como o doutor Davies.
Mas ouvir o sobrenome causou um efeito imediato em Aiden, que se afastou
repentinamente dela. Os olhares se cruzaram e ficaram presos um no outro
enquanto ele passava os dedos pelos próprios lábios.
— Edward, seu maldito. — O duque deu três passos largos e se apoiou na
janela. Elizabeth sentiu os joelhos amolecerem e sentou em um dos sofás que
estavam na sala mesmo. Não achou que conseguiria ir até o quarto se
esconder e teve medo do que poderia acontecer se ele fosse até ela, lá. Não,
não era medo. Ela temia, sim, que algo muito mais inadequado pudesse
acontecer, mas o que sentiu foi antecipação. Ansiedade.
— Fui até a mansão para confirmar as fofocas sobre você e me disseram
que você estava aqui. É tão grave assim? Você não parece doente.
O duque pressionou as têmporas, demonstrando que a interrupção o
deixou agitado.
— Estou doente. Tenho Escarlatina e o doutor Davies me orientou ficar
isolado para não arriscar contaminar mais ninguém. Sei que temos assuntos
para conversar e conhaques para tomar, mas precisaremos adiar por mais uns
dias, até que eu esteja recuperado.
— Claro, jamais me colocaria como obstáculo à sua recuperação. Eu e os
cavalheiros estamos conduzindo as negociações enquanto isso. Agora, o mais
absurdo de tudo, também há fofocas de que você está comprometendo a
virtude de uma dama. Você está com uma mulher, Aiden?
Ah, claro que havia esse tipo de fofoca. Desde o momento em que Aiden
pegou Elizabeth no colo para impedir que ela caísse, as pessoas já devem ter
elaborado as mais cruéis teorias sobre o quanto o devasso Duque de
Shaftesbury estaria comprometendo a reputação de uma mulher.
— Edward, um cavalheiro não faz esse tipo de pergunta.
— E outro cavalheiro dá respostas evasivas a esse tipo de pergunta. É
bom saber que não esteja morrendo. Pedirei a John que me mantenha
informado sobre sua saúde.
Barulho de patas de cavalo indicaram que o homem, Edward McFadden,
o Conde de Cornwall, estava se afastando. Como Elizabeth não ouviu que ele
se aproximava, antes? O silêncio ruidoso do beijo fez com que ela se
concentrasse apenas naquele momento e, se o conde não fosse cuidadoso,
poderia tê-los pego no ato.
Ela riu de nervoso e colocou a mão sobre a boca para esconder o riso. Era
ridículo que pensassem que o duque estava comprometendo a virtude de
alguém - Elizabeth não tinha mais nenhuma virtude para ser comprometida.
Mesmo assim, ela sabia que um escândalo daqueles iria colocar um fim nas
suas possibilidades de trabalhar para uma família nobre, novamente.
Sorrateira, ela escondeu-se no quarto tentando se manter fora da visão de
Aiden Trowsdale.
Por minutos, a casa ficou em silêncio absoluto. O lado de fora era
barulhento, com o farfalhar da copa das árvores e os pássaros gorjeando nos
galhos. Aquela característica do verão deixava Elizabeth em êxtase, sempre.
Ela sonhava em poder visitar o litoral nos meses mais quentes. Mas sua
atenção estava toda capturada pelos movimentos sutis que aconteciam na
sala. Ela não podia ouvir, mas ela sabia que ele estava ali.
Sua respiração. Sua presença. A hesitação. Tudo aquilo que era percebido
e sentido por ela enquanto os pelos de sua nuca se arrepiavam ao recordar do
toque e da pressão dos dedos masculinos. Ah, por que ela tinha deixado que
aquilo acontecesse? Só serviria para deixá-la contemplativa e mulheres
trabalhadoras não podiam se dar ao luxo de serem contemplativas. O duque
tinha razão, aquela intimidade compartilhada por eles era, de todas as formas,
irreversível.
Ele apareceu na porta do quarto e ela deu um sobressalto. Passou as mãos
suadas pela camisola e sentiu uma súbita vergonha de ter o corpo tão exposto.
Antes do beijo ela não acreditava que aquele homem que estava ali à sua
frente, aquela personificação do pecado e da beleza humana, poderia sequer
notá-la. E então ele a segurou, ele a beijou, e ele fez com que o corpo dela
despertasse e desejasse mais.
— Edward já foi. O médico deve vir em algumas horas, se meus criados
foram diligentes. Eu…
— Assim que o médico vier e nos liberar, eu preciso ir.
A frase saiu desajeitada, interrompendo o duque. Não parecia muito
inteligente interromper um nobre, afinal, mas ela não pode evitar. Continuava
esfregando a camisola com as mãos, sem conseguir livrar-se da ansiedade.
Por estar muito centrada em suas próprias reações, Elizabeth acabou não
notando a confusão estampada na face do homem.
— E para onde pretende ir?
— Não tenho certeza, mas deve haver algum lugar por aqui em que uma
viúva e seus filhos possam se abrigar.
O duque recostou no batente da porta e cruzou os braços. Encarou
Elizabeth por alguns segundos e ela ficou ainda mais desconfortável em ser
escrutinada daquela forma. Quis correr para o lado de fora e pegar suas
roupas, mas duvidava que estivessem secas.
— Elizabeth, você não tem para onde ir e eu preciso de uma governanta.
Por que não fica em Thanet Bay durante o verão? Nossos aposentos de
empregados são muito confortáveis, tenho certeza que seus filhos ficarão
muito bem acomodados. A duquesa, minha mãe, é muito doente e quase não
sai de seu quarto, por isso a casa está sempre à deriva e minha irmã carente
de orientação feminina.
— Está me oferecendo emprego, Alteza?
Era difícil crer que o duque a quisesse como governanta. Bem, nem tanto,
afinal ela contara a ele toda a sua saga com os Pensington. Como foi
companhia de Lady Charlotte e a ajudou a se tornar uma dama respeitável.
Como cuidava de tudo para a família e mantinha a casa em Londres
impecável. Outros nobres poderiam contratá-la por suas referências, porém a
situação entre ela e Aiden era diferente. Ele não a enxergava como uma
governanta nem pretendia empregá-la antes. O que havia mudado?
— Sim, estou. — Ele finalmente respondeu. — Não vou conseguir
dormir à noite se deixar que uma mulher e seus filhos pequenos saiam de
minha propriedade para vagar por Kent, principalmente sem dinheiro.
Os olhos dele a fitavam como um felino. Elizabeth não conseguia evitar o
que sentia com aquele escuro profundo que a devorava. Aquela oferta poderia
ser algo mais. Ele poderia estar com a impressão errada sobre ela, depois do
bendito beijo.
— Espero que Vossa Graça não esteja incluindo uma oferta para que eu
me torne sua amante.
Aiden ergueu as sobrancelhas depois que ela fez aquela insinuação de
forma direta, porém suave.
— Não, não estou. Mas a senhora estaria aberta a esse tipo de oferta?
As palavras dele foram ditas com cuidado. A voz baixa era sensual e
Elizabeth não sabia se a proposta realmente lhe ofenderia tanto ou se, no
final, não parecesse tão ruim assim.
Ela conhecera algumas amantes de nobres. Em uma sociedade que se
casava por conveniência, muitos homens e mulheres buscavam satisfação
sexual e espiritual em outras pessoas que não seus cônjuges. Mas Elizabeth
não se sentia confortável com aquela realidade. Da forma como fora criada,
ser amante de alguém não era muito diferente de ser a prostituta de alguém.
— Não, Alteza. — Ela baixou o olhar para não ver se ele parecera
frustrado, decepcionado ou aliviado. — Eu não estou aberta a ser a amante de
nenhum nobre. Sou uma mulher honrada.
— A minha oferta também é honrada. — Aiden disse, por fim. Ela voltou
a olhá-lo e quase se arrependeu de tê-lo feito - o duque tinha uma expressão
decidida e quase faminta que pouco condizia com o que estava dizendo. —
Aceite-a, são apenas alguns meses.
Alguns meses de bonança. De comida na mesa e dinheiro para pagar as
contas. As poucas libras que tinha na bolsa eram fruto de muitas economias e
ela não queria gastá-las deliberadamente. Pensava no futuro dos filhos e na
possibilidade de pagar uma educação melhor para Patrick, que era tão
inteligente. Provavelmente, Elizabeth estava apostando muito na bondade e
generosidade daquele duque, mas não havia possibilidade de recusar trabalho
remunerado naquele momento.
Capítulo oitavo
Um dia passou sem que o duque sucumbisse ao desejo inadmissível que seu
corpo sentia por aquela mulher. Ele tentou afastá-la de todas as formas,
buscando se convencer de que ela era inadequada, uma plebeia, viúva. Que
ela não poderia oferecer a ele nada além do que todas as outras já lhe tinham
oferecido, mas isso não surtiu efeito. Toda vez que ela respirava perto dele,
Aiden relembrava o beijo breve que compartilharam e desejava beijá-la
novamente.
O último dia de isolamento começou com Elizabeth chateada. Ela não
levantou cedo da cama, como fizera das outras vezes, nem perambulou pelo
gramado exterior. Não preparou o desjejum nem se incomodou em deixar o
quarto. Aiden deveria comemorar não precisar resistir à tentação dourada que
o provocava a cada segundo desde que seus olhares cruzaram naquela
estalagem, mas havia algo errado com aquela reclusão.
Já passava do meio dia quando ele decidiu fazer alguma coisa. Um
Trowsdale raramente fugia de uma dificuldade e ele fora ensinado a enfrentar
todos os desafios. Dobrou as mangas da camisa, abriu alguns botões no
colarinho e decidiu preparar ovos com presunto. Ele já a vira fazer aquilo por
três vezes, não devia ser tão difícil.
Mas era quase impossível. As duas primeiras tentativas representaram
ovos queimados. Aiden também não obteve muito sucesso preparando um
chá, já que ele não sabia como fazer a infusão. Ferveu água, mergulhou as
ervas, e aquilo simplesmente não parecia certo. Já estava se sentindo
frustrado e com sua virilidade ferida por não conseguir superar as mínimas
habilidades de uma mulher quando ela abriu a porta e apareceu.
— Está tentando colocar fogo na casa?
A voz dela estava embargada, porém divertida. Elizabeth estava enrolada
em um cobertor e tinha os cabelos despenteados. Não havia nenhum
resquício de vaidade feminina naquela figura pálida que se mostrava para
Aiden, mesmo assim ele nunca vira nada tão belo à sua frente.
— Não creio que eu seja capaz, já que não consegui nem mesmo ferver
um chá. Aparentemente, colocar fogo em qualquer coisa é uma tarefa
complexa demais para um duque realizar.
Ela se aproximou e mexeu o chá que estava em infusão, ainda. Provou um
pouco e franziu a testa, encarando o duque com uma expressão que o deixou
apreensivo. Era surreal que ele tivesse expectativa pela aprovação daquela
mulher, que ele desejasse fazer qualquer coisa certa para que ela gostasse.
— Basta coar, agora. O sabor muito bom, é camomila?
— Sim, há muitas flores logo aqui perto. Eu gosto bastante de camomila.
— Ora. — Ela ergueu as sobrancelhas em uma expressão surpresa. — O
senhor colheu flores, Alteza?
Apesar da aparente normalidade que o olhar dela transmitia, Aiden
pressentiu que Elizabeth não estava bem. Aquela mulher tinha se mostrado
forte e lutadora durante a doença, mesmo sucumbindo à febre. Ela cuidou
dele, ele cuidou dela, os dois compartilharam momentos intensos demais e
aquilo deu a ele conhecimento sobre coisas que não pretendia conhecer. A
frequência de sua respiração, o som de sua voz, o olhar altivo e sempre alerta.
Algumas dessas coisas estavam diferentes.
— A senhora está se sentindo bem?
Aiden continuou insistindo em preparar os ovos enquanto aguardava que
ela lhe respondesse. A quarta tentativa deveria ser a da sorte.
— Não estou. — Ela por fim confessou, longos segundos depois. —
Tenho saudades dos meus filhos. E não tenho nada para vestir.
Os ovos que estavam nas mãos de Aiden caíram na frigideira, com casca
e tudo. Ele bateu no cabo de metal quente e queimou a mão, derrubando tudo
pelo chão. Virou-se repentinamente para a mulher enrolada em um cobertor.
Ela estava nua por baixo daquele tecido grosso? Não havia nenhuma peça de
roupas entre eles? Se havia um jeito de distraí-lo e causar um incêndio na
casa, Elizabeth tinha descoberto sem muito esforço.
— Suas roupas não secaram?
Ele tentou recolher a bagunça e ela se abaixou para ajudar, tentando
segurar o cobertor com uma mão, apenas. As pernas dela ficaram expostas e
Aiden jogou o corpo para trás, batendo a cabeça no fogão à lenha.
— Secaram, mas estão cheirando a… não sei, estão com um cheiro
horrível. E minha camisola estava muito antiga, acabou rasgando quando
tentei lavá-la, hoje cedo.
O duque não acreditava que nada dela pudesse ter um cheiro horrível. Ali,
naquele instante, a proximidade fazia com que ele sentisse o aroma de sabão
que exalava do corpo de Elizabeth. E tinha as malditas gardênias, de onde
aquele cheiro surgia?
— Vou mandar que lhe tragam roupas limpas. — Aiden levantou. —
Apesar de… eu não tenho como chamar os criados daqui. Isso pode ser um
problema.
— Está tudo bem, Alteza. — Ela sorriu e tomou a frigideira da mão dele,
recolocando sobre o fogão. Depois, pegou um pano escurecido e umedeceu
em água para limpar o chão, que era de pedra. Tudo aquilo com uma mão
segurando aquele cobertor enrolado nos ombros. — Amanhã estaremos
liberados para seguir nossos caminhos. Deixe-me fazer isso.
Ela parecia realmente disposta a cozinhar naquelas condições. Aiden não
impediria, já que tinha fome, mas ele podia ajudá-la de alguma forma.
Foi algo rápido mas que durou um ano inteiro. Elizabeth estava de costas
para o duque, equilibrando-se para manter sua dignidade enquanto tentava
cozinhar nua. Não estava tecnicamente nua, já que havia um grosso tecido
sobre ela, mas aquele tecido cobria apenas sua pele desnuda. Talvez aquela
condição a deixasse mais vulnerável, porém foi capaz de sentir com
exagerado entusiasmo a aproximação de Aiden.
Ele foi silencioso como um fantasma e ficou cinco segundos parado atrás
dela antes de tomar uma atitude. Cinco segundos em que o coração dele
martelou oito vezes. Elizabeth parou de respirar quando Aiden colocou as
mãos em seus cabelos soltos e desarrumados e juntou os fios com os dedos,
elaborando uma trança frouxa. Aquelas mãos eram habilidosas demais para
um duque. Ele não mentiu quando disse que sabia trançar cabelos.
Depois, segurou o cobertor com as mãos grandes e seus dedos tocaram a
pele dela, no pescoço e na clavícula. Elizabeth fechou os olhos enquanto os
ovos estalavam na frigideira.
— Confie em mim.
Aiden sussurrou bem próximo ao ouvido dela. Elizabeth quis gritar que
sim, ela confiava, apesar de não ter motivos para aquilo. O corpo dela inteiro
retumbava com a mera proximidade do duque. Não havia certeza maior em
sua realidade - ela queria ser tocada por ele.
Elizabeth soltou o cobertor. O duque o manteve firme no lugar e,
juntando as pontas, deu um nó na altura do pescoço dela. O tecido caiu
frouxo por seu corpo, não cobrindo exatamente como deveria. Se ela se
movesse, o cobertor também se moveria e partes dela ficariam expostas.
Mas, ao menos, permitia que ela tivesse as mãos livres.
— Vou me sentar ali atrás.
O duque se afastou e ela sentiu um frio repentino, como se uma corrente
de ar lhe atingisse. A presença dele a envolvia em calor e fazia tempo desde a
última vez em que se sentira daquela forma. Provavelmente Elizabeth nunca
percebera que sentia falta ou que precisava daquele tipo de calor, mas Aiden
Trowsdale estava causando nela um efeito problemático. Estava fazendo com
que ela desejasse coisas que não poderia ter.
Cozinhar se tornou mais fácil. Os ovos ficaram com uma aparência ótima
e o pão, que ela havia feito no dia anterior, ainda estava macio. Passando um
braço pela própria cintura para evitar uma exposição desonrosa, Elizabeth
levou a comida até a mesa e se sentou, tentando manter os olhos afastados do
duque.
— É sua vez de contar uma história. — O duque disse, cortando o pão
com as mãos. Ela tentou evitar os olhos dele, o que não fez nenhuma
diferença. Qualquer parte do corpo de Aiden despertava os sentidos de
Elizabeth. — Fale-me dos sonhos de Elizabeth Collingworth.
Ela riu. Claro que tinha que rir, mulheres como ela não tinham sonhos.
Ao menos ela não tinha mais sonhos, eles foram despedaçados, pisoteados e
incinerados quando ela tinha quatorze anos. Tudo pelo que ela foi criada
virou pó aos seus pés e ela precisou encarar outra realidade - a de trabalhar
por seu sustento e de viver em uma sociedade muito diferente daquela que
deveria acolhê-la.
— Quando eu era uma menina, e minha mãe me ensinava coisas sobre o
futuro e sobre como eu deveria me portar… quando minha tutora me dava
orientações sobre a sociedade e a nobreza… eu tinha um sonho. Era uma
coisa tola, mas eu por vezes sentia que poderia atingi-lo.
— E que sonho tolo era esse? Vamos, a senhora não pode começar uma
história e não terminá-la.
— Meu sonho era se casar com um duque.
Aiden engasgou com o pedaço de pão que levou à boca. A expressão
resoluta de Elizabeth indicava que ela esperava aquela reação.
— Parece o sonho de uma dama. — Ele disse, depois de beber um pouco
de chá. Não, ele praticamente virou uma xícara inteira de chá enquanto
Elizabeth o fitava preocupada. Aiden tinha a voz rouca, ela não sabia se era
por algum incômodo em sua garganta ou se ele estava constrangido com o
sonho dela.
— Acontece que eu não sou uma dama. Não mais. Eu tive sonhos, mas
Vossa Graça pode perceber que hoje eu apenas luto pela sobrevivência.
Naquela época eu era uma menina e eu fui criada para me casar. Hoje eu sou
uma mulher adulta e sei que há coisas mais importantes na vida do que
escolher maridos aristocratas.
— A sua família, ela… tinha ascendência?
— Não. Mas eu podia conquistar um nobre, claro. Um baronete, talvez,
até um visconde poderia ter interesse em desposar uma moça rica com um
dote excelente. E eu era refinada, fui treinada para ser uma anfitriã perfeita,
uma esposa dedicada. Seria fácil transitar comigo nas festas e bailes, eu não
tinha estirpe mas tinha classe. O duque era apenas um sonho, mesmo.
Nenhum deles se interessaria por mim. Eu não era boa o bastante.
Elizabeth tinha certeza que jamais se casaria com um duque. Era um
título alto demais, havia pretendentes muito melhores do que ela. Duques se
casavam com mulheres nobres, filhas de condes ou outros duques. Eles não
escolheriam ela, por mais que ela fosse a escolha perfeita. Ainda assim, ela
sonhava. Ela sonhou. Aquilo tinha ficado no passado.
— E então o seu pai perdeu tudo.
Ele não precisava de muito esforço para entender a situação.
— E eu perdi meu dote. Sem estirpe e sem dote, a minha vida miserável
me conduziu a outros caminhos.
— Lamento. A senhora certamente daria uma ótima esposa para qualquer
homem na minha posição.
— O senhor não pode saber disso. — Ela o encarou. Nunca tivera tanta
proximidade com um homem a ponto de conversar abertamente com ele
sobre aquelas tolices sentimentais. Primeiro, porque nenhum homem queria
realmente conversar sobre aqueles assuntos. Segundo, porque ela não se
sentia confortável em falar deles. — Só me conheceu em posição de
subserviência, como uma criada. Talvez possa acreditar que eu seja uma boa
ama de companhia, ou tutora, ou até mesmo governanta. Mas, esposa?
Aiden riu e terminou de comer o que havia em seu prato. A luz da vela
que estava sobre a mesa bruxuleava em seu semblante rígido, amenizado por
um breve sorriso nos lábios perfeitos.
— Tem razão. Mas eu suspeito que minhas impressões estejam corretas.
Capítulo nono
Ela o rejeitara. Desde a noite, quando sua ereção dolorida se frustrou porque
Elizabeth Collingworth preferia ser parte da criadagem a se tornar sua
amante, sua virilidade estava mortalmente ferida. Será que ele esteve
enganado e ela não o desejava? A forma como reagiu ao primeiro beijo,
depois ao toque dos dedos dele indicavam que sim, ela o queria. Talvez da
mesma forma que ele a queria.
Se Aiden não estava errado, por que ela o rejeitava? Ser sua amante era
menos digno do que ser uma criada invisível? Ele poderia dar a ela todo luxo
que ela merecesse. Cobriria-a de seda e jóias, possibilitaria a melhor
educação para os filhos dela, faria com que ela tivesse tudo que sempre
sonhou. E ele garantiria amá-la, compartilhar o calor de seu corpo com ela,
oferecer prazer sem limites.
E Elizabeth não o quis. Aquilo o magoara profundamente, mas ele não
pretendia deixá-la ir. Se ela fosse embora ele nunca mais a veria e Aiden
Trowsdale não estava pronto para esquecê-la.
Caminhando de volta para a casa, ele ia à frente. O sol estava forte já
durante a manhã e aquele seria provavelmente um bom dia para ir à praia. Era
também provável Edward o convidaria para uma cavalgada que ele aceitaria.
Combinariam uma caçada pelos bosques, Aiden encheria a casa de
convidados e tudo voltaria ao normal. O duque não precisaria rememorar os
dias em que esteve doente, temendo pela vida e isolado com uma completa
desconhecida.
— Seja bem-vindo de volta, Alteza. — John o recebeu pela entrada
principal. — O conde pediu que eu o avisasse assim que retornasse, ele
deseja lhe fazer outra visita. Uma mais adequada.
— Certo. Mande o mensageiro até ele. Minha irmã já acordou? Aliás, que
horas são? Minha mãe, ela…
Aiden lembrou-se de não ter pego o relógio nem uma vez durante aquele
confinamento. Não prestou atenção em horários nem em convenções. Foram
dias de uma liberdade que ele desconhecia existir.
— Quanto às horas, estamos por volta das dez, Alteza. Sua irmã está
dormindo e a duquesa está como sempre, porém um pouco mais como
sempre. Vossa Graça deseja tomar seu desjejum?
— Eu já comi. — E muito bem, Aiden quis dizer, porém manteve-se com
a postura de duque que ele sabia usar perfeitamente. — Mas quero me
encontrar com Agatha quando ela acordar. Vou para meus aposentos, ainda
estou muito fraco. Mande Geoffrey preparar um banho para mim.
O duque caminhou pela extensão do salão de entrada e encarou as
escadas com desânimo. Ele não se sentira mal no dia anterior mas, desde que
estivera liberado para voltar, fora abatido de um cansaço terrível. Talvez
tivesse sido a caminhada.
— Ah. John, eu contratei a Sra. Collingworth para ser nossa governanta.
Por favor, receba-a e indique para ela o serviço. Ordene que preparem
aposentos para que ela e os filhos sejam devidamente acomodados.
O mordomo moveu a cabeça em concordância e se retirou. Aiden foi para
o quarto e Geoffrey já estava lá, preparando a calefação para aquecer a água
do banho. Havia um banheiro no quarto principal daquele andar, para uso do
duque, e outro no quarto ocupado por sua mãe, para uso das mulheres.
Ambos foram construídos por seu pai. Não mentira quando disse que ele era
um visionário, Aiden não fazia ideia da fortuna que o pai gastara naquelas
engenhocas de encanamento e aquecimento para que eles não precisassem
carregar jarras e baldes de água quente escada acima.
O criado o ajudou a retirar as roupas e, depois que o duque entrou na
banheira, ajoelhou-se para lavar-lhe as costas. Aiden fechou os olhos por um
instante e teve vontade de blasfemar. Maldição, aquilo estava muito errado.
Aquele não era o toque de Elizabeth.
— Pode deixar, Geoffrey. — O duque indicou que o criado deveria sair.
— Eu quero apenas relaxar um pouco na banheira .
Quando Elizabeth entrou pelos fundos e viu seus filhos, ela teve vontade de
chorar. Além das saudades que apertavam seu peito, eles estavam parecendo
pequenos aristocratas. Nunca eles tiveram roupas tão belas e bem talhadas
como a que estavam vestindo. Peter veio correndo e a abraçou, gritando
mamãe. Patrick, mais contido, se aproximou com cuidado. Ela afagou a
cabeça do filho mais velho e o beijou na testa.
— Vocês se portaram bem?
— Sim, mas Peter não quis dormir na cama dele.
— Aquela não é minha cama. — O menino resmungou, com o nariz
enfiado na saia da mãe. — Você vai nos levar para casa agora, mamãe?
— Ainda não podemos. — Elizabeth ajoelhou-se e fez com que os
meninos olhassem para si. Ela costumava conversar com eles de forma que
seus olhos estivessem na mesma direção. — Eu fui contratada por essa
família, portanto ficaremos aqui pelo verão. Será bom, quando voltarmos a
cidade estará livre da doença. E temos um quarto confortável para ocupar.
Sabiam que na propriedade há um poço dos desejos?
Não havia testado fazer desejos naquele poço, mas os meninos poderiam
fantasiar um pouco. Talvez algum pedido deles fosse atendido, por que não?
— Vamos nos mudar para cá? — Patrick não estava convencido.
— Não, será temporário. Mas o quarto em que vamos ficar é melhor do
que a nossa casa inteira. Vocês adorarão.
Ela estava arriscando, mas provavelmente estava certa. Ambos
concordaram. Elizabeth levantou-se e os encarou. Tanto Patrick quanto Peter
vestiam um conjunto de linho e lã, com bermuda, camisa branca e colete. As
meias cobriam todas as pernas e os sapatos eram certamente novos. Tudo era
novo.
— Quem lhes vestiu dessa forma, Patrick? — Ela precisava perguntar.
— Lady Agatha nos deu roupas novas. Muitas roupas, uma mulher
chegou aqui com caixas e mais caixas de roupas e nós experimentamos e ela
ajustou.
Oh. Elizabeth nunca seria capaz de recompensar a bondade daquelas
pessoas. Talvez devesse trabalhar sem receber um salário, para ser justa. Mas
ela precisava do dinheiro e o aceitaria de bom grado.
— Nós dissemos obrigado, mamãe. — Peter complementou.
— Fizeram bem. Agora eu preciso conversar com os empregados, vocês
devem voltar a fazer o que vinham fazendo até agora.
Os garotos correram para fora da casa e foram brincar no quintal.
Elizabeth notou que o gato que o duque alimentara estava então rondando a
casa e miando. Ele disse que não havia animais domésticos naquela região,
talvez as coisas estivessem para mudar.
John a estava aguardando para explicar sobre o serviço. Ela fora tutora de
Lady Charlotte, naquela casa ela teria funções mais domésticas. Coordenar as
criadas, a cozinha, cuidar da aparência dos aposentos. Não precisaria fazer
serviços pesados, porém teria toda a responsabilidade do funcionamento das
engrenagens. E responderia apenas ao mordomo.
Aquilo parecia um bom emprego, melhor do que trabalhar servindo
cervejas em uma taverna qualquer ou ser obrigada a prostituir-se. Aquela
seria, definitivamente, sua última opção, porém ela nunca deixaria seus filhos
sem ter o que comer ou vestir. Faria de tudo que estivesse ao seu alcance. Por
sorte do destino, o trabalho que lhe ofereceram era digno.
— Lady Agatha pediu que a senhora fosse vê-la ao chegar. Ela ainda não
acordou, porém a criada subiu para apagar a lareira e abrir as cortinas.
— Eu servirei seu desjejum, então. Obrigada pelo acolhimento, John.
O mordomo era um homem grande e esguio, com cabelos descoloridos
pela idade. Sua dicção era muito boa, o que indicava que ele também tivera
boa educação. Depois que ele se retirou, Elizabeth procurou as cozinheiras,
Gretha e Loretta, para se inteirar dos procedimentos regulares. A casa parecia
bem cuidada, apesar da insistência do duque de que eles precisavam de uma
governanta. Ela ainda teria que conferir todos os aposentos da casa, mas faria
aquilo depois que todos acordassem definitivamente.
Levou as duas cozinheiras para inspecionarem a despensa e fazer um
inventário do que havia para ser utilizado. Não se decepcionou com a fartura
de comida e logo se sentou para elaborar um cardápio que serviria para a
semana. Como as cozinheiras garantiram que sabiam ler, ela pediu papel e
tinta para escrever e até mesmo considerou algumas receitas que duvidava
que fossem servidas naquela residência.
A criada de Lady Agatha informou que ela tomaria seu desjejum no salão.
E que o irmão lhe faria companhia, portanto ela deveria servir comida para
dois. Aquilo não parecia nada bom. Era ainda muito cedo para rever Aiden
Trowsdale. Ela esteve com ele por vários dias, ela esteve com ele tempo
demais - e ainda assim parecia muito pouco. Se fechasse os olhos podia sentir
as mãos dele sobre ela. Em lugares que ela não estava acostumada a ser
tocada.
Maldito fosse aquele duque.
Equilibrando uma bandeja e seguida por duas outras criadas, que eram
assistentes da cozinha, Elizabeth entrou no salão principal sem nem ter
trocado ainda de roupa. Ela usava sua saia de lã crua que cheirava como um
cachorro molhado e sua blusa amarrotada que estava amarelada pela água
suja do poço. Seus cabelos estavam razoavelmente trançados porque pedira
ajuda a Moira, a criada privada de Lady Agatha. Ela tinha olheiras por dormir
mal e seu corpo todo tremia de fadiga.
Mesmo assim, manteve uma altivez esperada de sua posição. Não que ela
fosse ser notada, as criadas não eram comumente vistas.
— Elizabeth! — Lady Agatha agitou-se ao vê-la. — Que bom que esteja
curada. Fiquei muito preocupada quando meu irmão precisou trazê-la quase
desmaiada em seus braços.
— Estou como nova, milady. Obrigada por tudo que fez por meus filhos.
Eu jamais poderei pagar-lhe de volta.
Enquanto servia a comida, Elizabeth não conseguiu deixar de antecipar a
chegada dele. Apenas a jovem Agatha e sua presença entusiasmada estavam
ali, falando bastante sobre tudo que acontecera na casa durante o período de
confinamento. Aparentemente, ela não se importava em conversar com os
criados, ou considerava Elizabeth algo além de uma criada.
— Eu gostaria que viesse comigo à vila. — Lady Agatha por fim disse.
— Preciso fazer duas visitas e a senhora poderia me acompanhar.
— Será muito bom poder ajudá-la, milady. Eu apenas tenho algumas
tarefas que…
— Que podem ser negligenciadas se for para que Agatha tenha a melhor
companhia.
A voz. Se Elizabeth não estivesse preparada para ouvi-la, teria desabado
sobre as próprias pernas. O que havia naquela voz que causava tanto impacto
sobre ela? Não ouvira o duque falar durante dias, e não o ouvira poucas horas
atrás? Por que ele ainda estava causando tanto rebuliço em seu corpo a ponto
de seu coração disparar e sua respiração travar?
— Aiden, pensei que precisaria tirá-lo da cama. — Lady Agatha abraçou
brevemente o irmão. — Então você me empresta Elizabeth? Sei que a
contratou como governanta, mas eu me sinto muito sozinha aqui, minhas
amigas ficam muito distantes e mamãe não sai do quarto!
— A Sra. Collingworth pode acompanhá-la sempre que quiser. As tarefas
da casa são importantes, porém fazer com que você tenha companhia
qualificada é ainda mais. Quem sabe assim você não se torna uma dama
respeitável?
O Duque de Shaftesbury sentou-se à mesa. Ele também tinha sinais da
convalescença, mas como estava magnífico. Tinha se banhado e barbeado, e
usava um conjunto de colete e paletó azuis sobre uma camisa branca. O lenço
em seu pescoço estava perfeitamente ajustado e preso com um alfinete
perolado.
— O que o faz pensar que ela é capaz de me transformar em uma dama?
— Lady Agatha riu. A criada serviu-lhe ovos, presunto e torradas. Elizabeth
levou até ela uma xícara fumegante de chá.
— Ela fez um bom trabalho com a Srta. Pensington, pelo que sei.
Charlotte Pensington era uma excelente referência. A jovem era
completamente desqualificada para a sociedade quando fora tutelada por
Elizabeth e terminou noiva de um lorde francês. Agatha Trowsdale era muito
mais amável e adequada do que a jovem Lady Charlotte, seria muito mais
simples moldá-la aos propósitos casadoiros do irmão. Mas, será que era isso
mesmo que Elizabeth deveria fazer?
Por algum motivo, desde que fora obrigada a enfrentar o desemprego, a
fuga, a doença e o desejo carnal mundano, ela começou a duvidar de algumas
coisas.
— Deseja chá, Alteza? — Ela perguntou sem virar-se para esperar uma
resposta. Aiden assentiu com os lábios comprimidos e não disse nada em voz
alta. Mas Elizabeth sabia o que ele tinha dito. Ou querido dizer.
Providenciou uma xícara de chá de camomila e adoçou com uma pedra de
açúcar e um pouco de leite. Mesmo que o duque conversasse com a irmã,
Elizabeth não conseguia prestar atenção nas palavras, apenas na voz. E no
calor que emanava dela. Aproximou-se com cuidado para que ninguém
percebesse o quanto suas mãos tremiam e colocou a xícara à frente do
homem.
— Obrigado.
A proximidade era um veneno, então Elizabeth afastou-se bruscamente da
mesa.
— Estarei na cozinha. Quando desejar sair, milady, avise para que eu me
vista adequadamente.
Capítulo décimo primeiro
Lady Agatha estava no jardim tomando seu chá quando Lady Caroline
Eckley chegou em sua carruagem elegante, ornada em preto, dourado e
vermelho. Fazia bastante tempo que Caroline não visitava Thanet Bay. Ela
passara meses no continente com a família e se afastara do Duque de
Shaftesbury, mas o tempo não fez com que seu interesse nele esmorecesse.
Ao contrário, ela tinha certeza que desejava se tornar a nova duquesa, mesmo
que ela não fosse a mais qualificada pretendente.
Aiden não era um homem que se prendesse tanto às tradições. Na maioria
das vezes ele as desprezava, e era com isso que Caroline contava. Eles eram
bons amantes e ela sabia que o satisfazia. Suas chances eram poucas, mas ela
se agarraria a elas como um caçador à sua presa.
E ela estava ali para revê-lo. Escolheu um vestido de cetim amarelo e
prendeu os cabelos escuros com tiaras ornamentadas em fitas de veludo.
Parte dos seus seios estava à mostra, mesmo que o acabamento de renda
atrapalhasse um pouco a visão. Poucas mulheres tinham noção plena do
poder que os decotes exerciam sobre os homens, mas Caroline sabia bem que
eles dificilmente resistiam a belos seios expostos.
Sua chegada não fora programada porque nunca era. A forma como a
jovem Trowsdale a encarou deu a dimensão de que sua presença ali não era
bem vinda. O que também era comum. Caroline costumava ser pouco
desejada nos espaços da sociedade. O que lhe permitia trânsito fácil era o fato
de ser sobrinha de Granville. Tendo se tornado órfã de pai e mãe ainda
criança, o Marquês assumiu sua criação e, com isso, possibilitou que ela
transitasse pela sociedade.
O que ele não conseguiu prover a ela foi uma criação dentro das regras da
feminilidade. Por vezes, Caroline parecia um homem.
— Olá, querida.
Lady Eckley acenou para Agatha, que não demonstrou nenhuma
satisfação ao vê-la.
— Caroline! Que prazer revê-la, como foi sua viagem pelo continente?
Claro que aquele encantamento era fingido.
— Ah, foi ótima! Aprendi muita coisa com outras sociedades, inclusive
que a nossa é a mais elegante de todas. Os italianos são ótimos, mas os
vestidos… que horror! Muito espalhafatosos.
Os franceses eram muito melhores, mas Caroline achou melhor não
comentar sobre todos os hábitos que faziam os franceses mais interessantes
que os italianos.
— Um dia teremos que combinar um chá para que me conte todas as
fofocas. Preciso saber se é verdade que os homens italianos podem se casar
com mais de uma mulher ao mesmo tempo.
— Por que não começamos essa conversa agora? — Caroline se sentou
em um banco de mármore para os convidados, sem conseguir evitar que seu
olhar divagasse pela propriedade. Ela sabia exatamente em que janela estava
o quarto do duque, mas não havia nenhum sinal dele em lugar algum.
A anfitriã chamou a criada e pediu mais uma xícara para Caroline.
— Seria mais simples se você dissesse logo que deseja ver meu irmão. —
Agatha esticou para ela um olhar de quem sabia, e reprovava, as suas
intenções.
— E ele está? Ele já se recuperou?
— O duque está recolhido em seus aposentos. — Lady Agatha disse, com
o olhar ainda sobre o semblante de Caroline. A jovem Trowsdale era como
uma águia que não deixava passar nenhuma expressão. — Ele precisa
repousar, ainda mais depois de receber uma visita do Conde de Cornwall.
— Claro que precisa.
Caroline sorriu e decidiu que não aceitaria ser enxotada de Thanet Bay. A
família de Aiden tinha bons motivos para saber do envolvimento indecoroso
entre eles, mas ela não se importava. Queria vê-lo, estava ali para isso.
Continuou sentada com Agatha por mais algum tempo, provocando a jovem
lady com assuntos frívolos da sociedade francesa e das mulheres que
arrancavam os pelos do corpo com cera e pinças, até ter certeza que não havia
nenhum movimento estranho na casa.
Fingindo que ia embora, Caroline despediu-se de Agatha e entrou em sua
carruagem. Mas, ao invés de deixar a propriedade, mandou que o cocheiro
desse a volta e parasse na entrada dos fundos. Ela espreitaria a casa até que
escurecesse o suficiente para escapar pela entrada lateral. Por sorte, ela sabia
alguns caminhos para chegar ao quarto do duque.
Capítulo décimo segundo
O RUÍDO na porta fez com que Aiden se animasse. Depois de passar o dia na
cama e ter fingido para os criados que o repouso era orientação do doutor
Davies, ele esperava que Elizabeth voltasse para visitá-lo. Afinal, ela tinha
cuidado dele, dado ordens a ele - e ninguém dava ordens a um duque, então
era desejado que ela retornasse para conferir seu bem-estar. Ela era a única
pessoa que sabia da extensão do ferimento, ele não confiara aquela
informação a mais ninguém.
Ninguém deveria saber suas fraquezas, mas com Elizabeth era diferente.
Quando a porta de seu quarto se abriu, a decepção que abateu sobre o
duque foi evidente. Ver Caroline Eckley ao invés do objeto de seu desejo o
frustrou a ponto de não conseguir segurar uma interjeição de desagrado.
— Olá, meu senhor. — A mulher disse, em baixa voz. — Eu voltei.
Sim, ela tinha voltado. Ele já sabia e aquilo não lhe parecia importante. O
duque mal se recordava de Caroline nas últimas semanas. Não pensou nela
nem lembrou que ela estava em uma viagem pelo continente.
— Estou vendo. O que está fazendo aqui em meu quarto, Lady Caroline?
Como entrou nessa casa sem ser anunciada?
Aiden ajeitou-se na cama, subitamente tomando consciência de sua
nudez. O lençol que o cobria era fino demais para protegê-lo da mulher que
escapava sorrateiramente para dentro do seu quarto. Houve um tempo em que
ele não queria se proteger dela, que ele a receberia em sua cama de bom
grado. Mas Aiden nunca gostou de mulheres que tomavam aquela decisão
por ele.
— Eu já entrei nessa casa sem ser anunciada várias vezes. — Ela piscou,
os longos cílios escondendo a malícia no olhar que lançava ao duque. — Sua
irmã não pareceu favorável a me deixar ver como o senhor está.
— Talvez porque nenhuma dama deva ser recebida no quarto de um
cavalheiro.
Caroline deu uma risada e tentou abafar o som com sua mão enluvada.
Foi até a cama onde Aiden estava e olhou-o de cima em baixo, demorando
um pouco de tempo demais examinando sua virilha. Normalmente ele teria se
levantado e a arrastado para fora do quarto. Mas, estando nu, ele não
pretendia se expor.
— Nós vamos mesmo por esse caminho, Aiden? — Ela finalmente sorriu
e colocou a mão no ombro desnudo dele. As formalidades tinham acabado.
— Sua irmã disse que você está repousando por causa da doença, tem algo
mais que não esteja revelando?
— Caroline, eu não te devo nenhuma explicação. Você pode sair do meu
quarto e retornar para sua casa. Não estou em condições de ter esse tipo de
encontro, agora.
Os dedos dela desceram pelo peito do duque e puxaram o lençol. Antes
que Aiden pudesse tomar o tecido de linho das mãos dela, Caroline deu uma
apreciada no que conseguiu ver. Com os lábios ligeiramente esticados, ela
deu dois passos para trás, sabendo a hora de se afastar. O duque a encarava
com tanta irritação que era um movimento inteligente não estar ao alcance de
suas mãos.
— Você continua em forma, milorde. — Ela passou a língua pelos lábios.
— A doença não afetou em nada esse corpo que eu aprecio. De todos os
lordes e vagabundos de Paris e Roma, nenhum deles tinha tanto vigor quanto
Vossa Graça.
Aiden desejou pular daquela cama e expulsar Caroline Eckley sem
nenhuma elegância. Expor sua audácia por invadir o quarto de um duque sem
ser convidada, anunciada, esperada. Mas ela foi mais rápida e saiu da mesma
forma sorrateira que entrou, fechando cuidadosamente a porta depois de
deixar os aposentos ducais.
Ele não entendera a forma como reagira a ela. Caroline sempre fora uma
boa amante, ela sabia jogos divertidos na cama e o deixava satisfeito
sexualmente. Aiden estava dolorido de desejo há dias, sentindo seu corpo
reagir violentamente à proximidade da governanta sem poder possuí-la. Se
ele tivesse deixado que Caroline ficasse, poderia ter aliviado a tensão que o
incomodava. Mas não, ele sequer considerou compartilhar a cama naquela
noite com uma criatura tão irritante quanto Lady Eckley.
Os motivos para rejeitá-la eram muitos, porém apenas um o impediu.
Aiden recusava admitir que Elizabeth pudesse afetá-lo a ponto de fazê-lo se
fechar para outras mulheres, mas não havia outra explicação para o que
acabara de acontecer.
Havia coisas que os empregados sempre sabiam em uma casa. Uma dessas
coisas era a presença de visitantes inesperados e pessoas passando pelas
passagens escondidas que eram geralmente utilizadas por eles. Quando Lady
Eckley entrou na casa, ela acreditava que estivesse protegida pelo anonimato.
Mas as cozinheiras sabiam exatamente quem ela era e o que ela sempre fazia
perambulando pelas escadas laterais da mansão em Thanet Bay.
Quando Elizabeth entrou na cozinha naquela noite, o assunto que estava
na roda de fofocas das empregadas era exatamente o retorno da amante do
Duque de Shaftesbury.
— Já disse que ela não é amante dele. — Gretha parou de cortar o pedaço
de carne e empunhou a faca na direção de Loretta. — Amantes são mantidas
pelos nobres. Eu até as entendo, o que as motiva. Essa daí não, ela é apenas
uma imoral.
— Não importa o nome que dão. Sei que ela está de volta para a cama de
Vossa Graça depois de desaparecer. Será que ela teve criança e escondeu?
Será que o duque tem um bastardo perdido por aí?
— Por Deus, espero que não!
— O que está havendo? — Elizabeth interferiu porque não entendera
nada do que as cozinheiras falavam. Algo sobre uma mulher na cama do
duque e filhos bastardos fez com que ela se interessasse pelo assunto. —
Estão fofocando sobre a vida privada dos patrões?
— Não é fofoca. — Loretta sussurrou, virando-se para Elizabeth na
intenção de poder falar bem baixo. — É que uma das amantes do duque
estava no quarto dele, mais cedo.
— Não é amante. — Gretha manejou a faca na direção da outra,
indicando sua insatisfação com a escolha imprudente das palavras.
— De quem estão falando? Quem é essa amante?
— Lady Caroline Eckley. Ela é sobrinha de um marquês, mulher fina e
sempre com vestidos tão elegantes. Mas não tem nenhuma moral, nunca vai
se casar porque nenhum homem quer uma mulher como ela.
— Ela sempre frequentou a casa. — Gretha explicou. — Sabemos que ela
e o duque…
A mulher fez um sinal da cruz indicando que não pronunciaria o ato em
voz alta. Elizabeth raramente se envolvia com aquele tipo de mexerico de
empregadas, porém a ideia de que uma amante de Aiden estivesse rondando a
casa a incomodou. O duque estava ferido e repousando, não era possível que
ele estivesse recebendo mulheres em sua cama.
Ela não se surpreenderia com nada que viesse dos homens. Talvez a
melhor estratégia fosse manter-se afastada e atenta, observando os fatos.
— Avisem-me imediatamente se virem essa mulher na casa, novamente.
— Ela ordenou às cozinheiras.
— Sim, Sra. Collingworth. Alguma outra orientação?
— Vamos conferir o cardápio do jantar.
Elizabeth aproximou-se do fogão para conferir o que estava sendo
preparado e se tudo estava conforme suas instruções. A presença de uma
dama do passado de Aiden, no entanto, a deixou incomodada e com um
desejo ridículo de tirar satisfações com ele. Quase riu mais de uma vez por
sequer considerar cobrar qualquer coisa do duque. Ele nunca lhe prometera
nada e ela recusara a proposta que ele fizera.
Sua relação com ele era profissional, apenas.
Ficar na cama era a maior punição que Aiden poderia sofrer por sua
inconsequência. Foram dois dias parados, sem poder descer as escadas,
esperando cumprir as ordens da governanta. Desde que Lady Eckley deixou
seu quarto, a única pessoa que viu foi o criado Geoffrey. Agatha esteve em
seu quarto logo depois do chá, mas ele fingiu que estava tudo bem e ela não
retornou. E Aiden ficou ali, pensando em caçadas, bailes e casamento.
A caçada era sua parte preferida. Adorava se embrenhar na floresta e
fazer uma atividade coletiva e social que não representasse uma interação
muito delicada, já que Aiden tinha péssimo jeito com as palavras. Os bailes
ele organizava mais por causa de sua mãe. Eram a única ocasião em que a
duquesa aparecia em público, mesmo que por pouco tempo. Não que ele
adorasse bailes, mas às vezes ficava feliz em ao menos ver a mãe.
Já o casamento, aquele ele gostaria de poder esquecer.
Aiden não queria se casar. A próxima temporada parecia perto demais,
nenhuma das damas solteiras que ele conhecia o interessavam. Talvez
houvesse alguma que ele não conhecesse, provavelmente a ideia de Edward
era boa - naquele período do ano, havia moças de todas as partes da Inglaterra
espalhadas por Kent, era possível que Aiden encontrasse alguém.
Ou o problema podia ser que ele já tivesse encontrado.
Mesmo que ninguém o tivesse visitado além de Caroline Eckley, a única
pessoa que ele quis ver fora Elizabeth. Estava insatisfeito porque Geoffrey
lhe banhara, mesmo sabendo que era aquela a função do criado. Estava
insatisfeito porque ela não apareceu mais para fazer uma inspeção fingida nos
aposentos, usando aquela desculpa para vê-lo. Estava insatisfeito porque seu
corpo sentiu falta dela assim como sua mente.
A pior parte de tudo foi espreitá-la do lado de fora. Por duas vezes,
acompanhada por Hodges. O que diabos o cavalariço queria com a sua
governanta? Alguma coisa ferveu dentro dele e tudo que ele pode fazer fora
desejar transformar o homem em sua caça, levá-lo até o galpão e surrá-lo,
mas não faria nada daquilo. Aiden Trowsdale não perdia a linha por causa de
uma criada.
Naquele dia, quando acordou cedo demais porque não aguentava mais
dormir, ouviu o barulho das crianças. Aiden não tinha notado a presença dos
filhos de Elizabeth naquela casa, ainda, mas eles gritavam do lado de fora e
aquilo aguçou a curiosidade do duque.
Não chamou o criado, apenas levantou-se e vestiu a calça e a camisa
branca. Dispensou o colete e o casaco, pressentindo o calor do lado de fora, e
desceu. Quando Geoffrey o viu, ficou agitado e preocupado, já que o duque
não havia solicitado sua presença.
— Vossa Graça precisa de algo? Devo mandar servir seu desjejum?
— Está tudo bem, Geoffrey. Eu só precisava sair da cama, estou me
sentindo ótimo. Onde está minha irmã?
— Dormindo ainda, Alteza. Ela pediu que avisasse que hoje terá amigas
para o chá das cinco e que solicita os serviços da Sra. Collingworth para si,
durante todo o dia.
Ah, mas ele não estava nada interessado em passar outro dia sem ver
Elizabeth. Só não podia deixar que percebessem.
— Certo. Peça à Sra. Collingworth que venha me ver e traga a comida.
Conversarei com ela.
O criado assentiu e moveu-se na direção da cozinha. Aiden se sentiu
subversivo e decidiu dar um passo além.
— Geoffrey.
— Pois não, Alteza.
— Mudei de ideia. Vou comer na sala privativa. Peça que meu desjejum
seja servido lá, e que eu não seja incomodado.
A sensação de que faria algo proibido, algo muito secreto, encheu seu
peito de ansiedade. Por mais que Aiden tivesse sido criado de uma forma
menos convencional por seu pai, mesmo que ele não fosse fosse um daqueles
nobres que zelasse pela moralidade imaculada, ele não costumava fazer
muitas coisas erradas. Ele tinha sua quota de libertinagem porque podia. Ele
era um duque, era um homem, ele poderia ter vinte amantes espalhadas pela
Inglaterra e pela Escócia e ninguém criticaria sua moral.
Fora isso, Aiden era correto. Ele se esforçava para levar adiante o legado
de seu pai. Os desejos de sua mãe doente, que não eram poucos. As loucuras
de sua irmã. Mas ali, enquanto se dirigia à sala privativa, seu espaço
particular, onde estavam seus livros mais queridos e o sofá já tinha a marca
de seu corpo, o duque se sentiu como um menino travesso.
Minutos depois que se sentou e abriu um livro, apenas para fingir que não
estava antecipando demais a chegada dela, Elizabeth entrou na sala com uma
bandeja. O cheiro de camomila preencheu o ambiente, porém Aiden preferia
gardênias.
— Deseja me falar, Alteza?
Ela perguntou enquanto colocava a comida sobre uma mesa redonda. A
lareira da sala não estava acesa, mas fazia muito calor naquela manhã. Ou era
apenas o duque que se sentia quente, ainda.
— Minha irmã precisa de seus serviços hoje. Peço que atenda-a. A
senhora… está bem acomodada na casa?
Elizabeth serviu o chá, colocou o açúcar e o leite. Ela não se virou nem
olhou para ele enquanto servia um prato com torradas e geleia fresca. Fazia
tempo que Aiden não comia geleia.
— O quarto que ocupamos é melhor do que merecemos. Vossa Graça foi
muito gentil.
Fechando o livro, Aiden levantou-se e sentiu uma pequena fisgada no
ferimento. Aproximou-se da mesa, ou dela, não tinha certeza, e sentiu quando
Elizabeth travou os músculos. Ele não queria que ela o repelisse. Precisava
que ela tivesse sentido falta daquele contato tanto quanto ele.
Segurando a xícara, ela se virou. Parecia uma tentativa não muito
eficiente de colocar alguma coisa entre eles. Aiden pegou o objeto com as
duas mãos e depositou sobre a mesa. Depois, levou os dedos até o queixo de
Elizabeth e ergueu sua face. Ela finalmente olhou para ele, o azul mais
límpido que ele já vira. Nenhuma paisagem do lado de fora concorria com
aquele brilho.
— Seu chá vai esfriar. — Ela murmurou.
— Esperei te ver, durante esses dias. — Ele confessou. — A senhora
esteve no meu quarto quando me feri, então pensei…
— Alteza. — Elizabeth baixou novamente o olhar. — Eu pensei que
estivéssemos de acordo sobre isso. Que eu não serei sua amante.
— Estamos de acordo. — Ele fingiu concordar. Aquela tinha sido uma
decisão dela que ele respeitava, porém esperava que Elizabeth mudasse de
ideia. — Ao mesmo tempo, eu ansiei pela senhora. Quis ouvir histórias.
Saber mais sobre sua vida. Fiquei observando pela janela enquanto a senhora
cuidava de tarefas que não são suas. Geoffrey comentou sobre como a
senhora é cuidadosa e respeitosa. Eu a vi caminhar com Hodges e brincar
com as crianças. Não sei como cumprir esse acordo se eu não estou
conseguindo parar de pensar em…
Ah, o proibido. Era difícil até mesmo completar as frases. Nem ele, nem
ela, conseguiam ser explícitos naquilo que não compreendiam.
— O senhor esteve ocupado nesses dias. Não seria prudente interromper.
— Ocupado? — O duque ergueu uma sobrancelha enquanto analisava
superficialmente a expressão da governanta. — Eu passei dois dias na cama,
por sua orientação. Não havia nada…
— Alteza. — Elizabeth o interrompeu. Ela tinha aquela mania inaceitável
de interrompê-lo, porém ele não se aborrecia com isso. — Os criados sabem
tudo que acontece em uma casa. Não é porque nos silenciamos que não
saibamos. Eu não ousaria retornar ao seu quarto e deparar-me com uma
mulher em sua cama.
Maldição. Ela sabia sobre Caroline, e sabia tudo. Certo que as camareiras,
as cozinheiras, as arrumadeiras fofocavam. Ele só não tinha considerado que
Elizabeth era uma delas e acabaria descobrindo seus segredos não tão
secretos.
— Não havia esse risco. — O duque confessou, por fim.
— Ela não é sua amante? — A suavidade da voz dela não escondeu a
crudeza da pergunta. Nem a latente mágoa em sua face. — Não é uma mulher
que compartilha sua cama e…
— Elizabeth. — Foi a vez dele interrompê-la. Aproximou-se e segurou a
mão dela, colocando-a sobre seu peito. — Eu e Caroline, o que tenha havido
entre nós ficou no passado. Ela não demonstrou ter entendido isso, portanto
precisei ser mais claro com ela. Ela esteve em meu quarto, mas foi embora
logo em seguida.
O governanta olhou para baixo. Por alguns segundos fez-se tanto silêncio
que era possível ouvir as respirações dentro da sala.
— Não há nada entre nós. — Aiden reforçou sua afirmação. Elizabeth
não parecia acreditar no que ele dizia. Não havia motivos para que ela
acreditasse. Ele sempre fora um devasso. Qualquer mulher que se
aproximasse seria rotulada de amante. Ainda mais uma que invadia seu
quarto sorrateiramente.
— Se houvesse, não seria de minha conta. — Ela ergueu o olhar e havia
uma nota de desapontamento no azul translúcido que encarava o duque. —
Eu não deveria questionar o que ocorre em sua vida privada. Quanto ao
ferimento, o senhor está bem?
Aiden quis gritar que não. Ele não estava bem porque um mal entendido
atrapalhou o momento que ele planejara. A presença indesejada de Lady
Eckley fora notada pelos empregados. Por Elizabeth. E ele estava ali, como
um jovem tolo tentando se explicar para sua governanta sobre as mulheres
que não frequentavam mais a sua cama.
Aquilo estava errado. Aiden era um duque, não devia satisfações a
ninguém. E ele queria ajoelhar à frente dela e implorar que ela acreditasse
nele.
— O ferimento foi superficial. A senhora exagerou nas recomendações
— Voltou a sangrar depois que saí?
— Apenas quando me levantei à noite, logo parou.
— Não parece tão ruim. Eu fiquei preocupada.
Ali estava a rendição que ele esperava. Que ele desejava, quando pediu
para que ela fosse conduzida à sala privativa. O duque queria saber se
Elizabeth pensou nele. Se ela se preocupou com ele. Não apenas porque viu
uma mulher de moral duvidosa se esgueirando pela casa.
E então ele estava tão próximo dela que sentia a respiração morna de
Elizabeth. Ela parecia hesitante.
— Eu pedi que viesse aqui porque eu precisava te ver. Se quiser, eu me
afasto e a senhora retorna para suas tarefas.
Ela não se moveu. Não disse nenhuma palavra, não resistiu à
proximidade, não deu um passo para trás. Ao contrário, colocou as duas mãos
na camisa que ele vestia, ajustou o lenço no pescoço e fechou um botão que
estava aberto. Depois, ergueu o olhar e quase foi engolida pela escuridão.
Aiden sabia que a encarava com desejo demais, só não conseguia evitar.
— Desculpe, Alteza, mas eu não sei como fazer isso.
— O que seria isso? — Aiden levou a mão até a cintura dela e a puxou
para perto. Os corpos trombaram, o cheiro dela era tudo que ele conseguia
sentir. A outra mão retirou uma mecha de cabelo da testa de Elizabeth.
Desceu pela face, deslizando suavemente os dedos pela tez macia e suave até
os lábios, que estavam vermelhos. Intensidade, era aquilo que ele admirava
tanto nela. Tudo em Elizabeth pulsava como se ela inteira fosse um vulcão
prestes a entrar em erupção. Consciente apenas do seu desejo, o duque levou
sua boca até a dela.
Não fora um beijo, apenas um roçar de lábios. Ela ficou imóvel, a
princípio.
— Isso. — Elizabeth murmurou novamente. — Não sei como fazer isso.
— Parece que sabe muito bem.
Ele a beijou novamente. Daquela vez, Elizabeth segurou-o pela camisa e
forçou o contato mais íntimo de seus corpos. A boca dela se abriu para
receber a língua quente que a invadia. A sensação de beijá-la era algo que
Aiden ainda não sabia descrever, talvez algo que ele nunca sentira antes. Ela
tinha uma textura única, um gosto singular, um toque indescritível. Era como
se ele estivesse beijando pela primeira vez.
Capítulo décimo terceiro
A paz em Thanet Bay tinha acabado. Ao menos foi o que Myrtle Trowsdale,
a duquesa viúva, determinou enquanto se aproximava da janela para ver o
que significava aquela algazarra. Ela odiava barulho e odiava ainda mais
barulho de crianças. Não havia crianças na mansão, ela sempre deu ordens
expressas aos criados para não permitirem que os filhos dos arrendatários
chegassem a menos de um quilômetro da casa. Mas não tinha dúvidas, aquela
gritaria indicava que suas ordens não eram mais cumpridas.
O motivo ficou claro quando percebeu Aiden no meio da confusão. A
doença deveria tê-lo prejudicado intelectualmente, pois o ranzinza do seu
primogênito não era dado àquele tipo de atividade. Também não era dado a
crianças. Ela tinha certeza que Aiden só lhe daria um neto pela extrema
necessidade de produzir um herdeiro.
— Emma. — A duquesa chamou e a criada entrou no quarto em menos
de dois segundos. — Quem é essa mulher com meu filho?
A criada não entendeu o que dizia a duquesa. Ajeitou a touca e passou a
mão na saia, nervosa.
— Que mulher, Alteza?
— Venha aqui e veja, sua inútil.
Mais do que depressa, a criada se aproximou da janela e viu a governanta
conversando com o duque. A forma como estavam dispostos era bastante
incomum entre um patrão nobre e uma empregada, mas Emma não se
surpreendia mais com nada naquela casa. Os Trowsdale não eram muito
tradicionais.
— É a Sra. Collingworth, a nova governanta. Vosso filho não lhe
informou, Alteza?
— Não estou sabendo de governanta alguma. Por que ele a contratou? De
onde veio essa mulher?
Emma explicou à duquesa sobre o confinamento do duque e da Sra.
Collingworth durante a doença, sobre ela estar desempregada e sobre os
filhos que precisavam de abrigo. Falou sobre a experiência com os
Pensington e estava até mesmo entusiasmada em contar sobre como a
governanta geria bem a cozinha e tratava bem os empregados.
— Quero conhecer essa mulher. — A duquesa disse, mais para si mesma
do que para a criada.
— Vossa Graça deseja que mande chamá-la?
— Não, eu vou descer para o chá de minha filha, hoje. Avise a Lady
Agatha que estarei presente, mas não conte à governanta. Não quero que ela
saiba, prefiro surpreendê-la.
Com um aceno de concordância, a criada tratou de deixar o quarto da
duquesa o mais rapidamente possível. Aquele era o covil do diabo, ninguém
gostava de passar mais tempo do que o necessário. E, logo, o próprio
demônio iria sair para passear, o que era muito incomum - a duquesa não saía
de seu quarto a não ser nos poucos bailes oferecidos pelo filho.
Mas ela precisava descobrir sobre a mulher que estava em sua casa.
Durante cinco ou dez minutos, ela viu seu filho reluzir como o sol e não era
pelo astro rei que brilhava imponente no céu. Ela era uma mãe, claro que
sabia tudo sobre seus filhos. Não era difícil perceber que Aiden estava
flutuando ao redor daquela criada e aquilo era muito preocupante. Myrtle
tinha que tomar alguma providência e não podia esperar mais um dia.
— Eu convidei Lady Anne, Lady Sarah e Lady Madeline para o chá das
cinco. Elas são divertidas, mas um pouco travessas. Aiden não gosta muito
delas, na verdade… ele não liga para Anne, mas acha Sarah e Madeline muito
atrevidas. “Não chame essas Westphallen para a casa, elas são irritantes”.
A jovem Agatha tagarelava enquanto finalizava seu desjejum, na
companhia da governanta. Elizabeth tinha habilidades de tomar notas mentais
das tarefas que precisava cumprir, mas precisava que elas fossem ditadas com
um pouco menos de rapidez. Frear a irmã do duque, no entanto, parecia uma
difícil missão. Agatha tinha a jovialidade dos seus filhos.
— Mas a senhorita as convidou assim mesmo, porque o duque não lhe diz
o que fazer. Certo, milady?
— Certíssimo. A senhora compreende as coisas rapidamente, gosto disso.
— A dama sorriu. — Quero que mande preparar bolos e biscoitos para o chá.
Quando estamos apenas nós, as mulheres, podemos comer sem que critiquem
nosso apetite. Ah. E quero que me ajude na organização das brincadeiras para
o baile. Sei que Aiden está programando uma caçada, e o baile é quase um
evento de negócios. Ele e Edward adoram reunir gente para falar coisas sobre
política, investimentos e outros assuntos masculinos, mas eu e as mulheres
podemos nos divertir. Pensei em alguns jogos para nos entreter e precisarei
de ajuda.
Eram muitos eventos em tão pouco tempo, mas Elizabeth estava
acostumada. Chá naquele dia, baile, jantar - e uma casa cheia de convidados.
E ela só pensava em um dia na praia ao lado do duque. Pensava que teria paz
naquele dia de afazeres, porém não conseguia se desconectar de nenhum dos
momentos vividos ao lado de Aiden Trowsdale.
Nem quando alimentou seus filhos, ou mandou que eles fossem para o
quarto se lavar depois de um dia inteiro jogando rounders com os vizinhos.
Nem quando ajudou as cozinheiras a fazer uma receita nova de biscoitos, ou
a arrumadeira a fazer um inventário das almofadas dos quartos de hóspedes,
que poderiam ser ocupados em breve. Também não conseguia parar de sentir
as mãos dele ao seu redor ou os lábios dele em sua pele nem quando ajudou
Granger, o jovem criado que tanto lhes auxiliou na estalagem, a carregar
lenha para dentro da casa.
Elizabeth não precisava fazer muitas das coisas que fazia, mas ela tinha
que se ocupar para não sucumbir à tentação de procurar o duque. Ou de
sonhar com ele enquanto estivesse acordada. Antes do horário do chá ela se
lavou e vestiu roupas limpas. Lady Agatha havia solicitado sua presença
durante o período em que suas convidadas estivessem na casa, então ela
precisava estar apresentável. Colocou sua melhor saia xadrez com sua camisa
branca de babados e prendeu os cabelos debaixo da touca de renda.
Não havia ninguém que lhe trançasse os cachos dourados, então pensara
em Aiden outra vez. Em como ele segurou seus cabelos entre os dedos e os
ajeitou em tranças frouxas durante aqueles dias confinados.
As convidadas de Lady Agatha chegaram por volta das dezesseis e trinta.
Uma carruagem preta com ornamentos dourados e dois cavalos também
pretos e magníficos trouxe as irmãs Westphallen. Outra carruagem, toda preta
e cinza, carregava a Srta. Anne Brighton. Elas eram falantes e animadas e
espalharam as enormes saias rodadas e bordadas pelos sofás e poltronas do
salão de chá. Elizabeth abriu as portas para o jardim de inverno e permitiu
que o sol do final da tarde iluminasse o ambiente.
Mas a surpresa da tarde ainda estava por acontecer. Sem anúncio prévio,
a duquesa desceu até o salão de chá e se juntou às damas. Ela era uma mulher
pequena, muito magra e de cabelos ralos e prateados, mas ostentava poder e
glória. Mesmo que seu corpo demonstrasse sinais de fraqueza, ela exalava
força. Seus olhos castanhos capturavam tudo ao seu redor. Quando chegou,
as damas fizeram uma reverência.
— Que honra ter a companhia da senhora, Alteza! — Lady Sarah estava
entusiasmada.
— Faz tempo que não tomo chá em companhia de jovens damas, nem que
tenho a oportunidade de discutir sobre o casamento do meu filho.
As mulheres se entreolharam. Elizabeth sentiu a boca seca e a língua
grossa, como se tivesse consumido láudano. Permaneceu impassível e
aguardou ser solicitada, mesmo que aquela não fosse sua função. Sua
curiosidade se aguçou pelo assunto inusitado.
— O que tem para conversar sobre o casamento de Aiden? — Lady
Agatha estranhou.
— Vamos ver seu irmão, Agatha? — Madeline Westphallen perguntou,
curiosa. — Ele está na propriedade?
— Duvido que o duque vá aparecer aqui. — Lady Anne bebericou um
pouco do chá que lhe fora servido. — Os homens raramente se interessam em
conversar com as damas. Eles preferem companhias masculinas.
— Eu espero que ele prefira minha companhia em breve. — Madeline
prosseguiu. Elizabeth ouvia a conversa de pé, próxima a um janelão, apoiada
no parapeito. — Ouvi dizer que ele pretende escolher sua noiva na próxima
temporada.
— Ele vai escolher. — A duquesa interrompeu. — E vai aparecer aqui. E
talvez a noiva que ele escolha possa estar nessa sala.
As damas não tentaram segurar o espanto com a fala da duquesa. Olhos
arregalados e bocas abertas indicaram que nenhuma delas esperava por
aquela revelação.
— Aiden precisa mesmo se casar. — Lady Agatha suspirou. Os olhos
dela vagaram até Elizabeth e ela espiou a governanta por sobre a xícara de
chá. — Quem sabe uma esposa não resolve aquele mal humor permanente
dele?
Aquela conversa aborreceu Elizabeth. Ela se virou para a janela e
observou o lado de fora por alguns instantes. A beleza do céu de verão a
distraiu por segundos enquanto seus ouvidos se desligavam do assunto Duque
de Shaftesbury. Não queria saber com qual das Westphallen ele se casaria
nem como uma esposa lhe faria bem.
As coisas pareciam bem ajustadas, de certa forma. A duquesa, que ela não
conhecera antes, estava determinada a decidir pelo filho sobre o casamento.
Aquela era a prática mais comum dentre a nobreza - quando não eram os pais
que escolhiam as noivas e maridos dos filhos, eles tinham grande poder de
persuasão naquela decisão.
Por um momento, naquele dia, durante a manhã, ela sonhou que poderia
ter algo com o duque. Que ela poderia significar algo para ele. Que os
momentos que compartilharam construíram algo entre eles. Mas ela estava se
iludindo. O duque se casaria com uma dama da sociedade e a melhor chance
que ela teria de se manter próxima a ele seria aceitando uma proposta
indecorosa que já havia rejeitado. Era melhor parar de se enganar, mas ela
sabia que falharia naquilo, também.
Capítulo décimo quarto
A volta para casa não representou conforto para Elizabeth. O restante do dia
passaria de forma mecânica. Os trabalhos com a casa, os preparativos para
garantir que tudo estivesse perfeito para o baile. Vários convidados da
sociedade estariam presentes. A lista continha alguns negociantes e
industriários também, mas eram homens ricos e influentes que certamente
conquistaram, com ouro e moedas, um lugar naqueles eventos. Os cuidados
com os meninos, depois que o jantar fora servido. A garantia que fossem para
a cama depois de um banho morno e uma oração.
Depois de tudo arrumado, Elizabeth aproveitou a tranquilidade da noite e
a folga para ver a estrelas. Saiu pela porta dos fundos segurando um
candeeiro e sentou-se em um banco improvisado próximo aos estábulos.
Esperava não incomodar os cavalos, mas sua presença ali acabou atraindo
outras atenções.
— Sra. Collingworth. — O cavalariço se aproximou. — Não consegue
dormir?
— Não é isso. Eu apenas gosto de observar as estrelas.
— Conhece as constelações?
O homem sentou-se ao lado dela, com uma distância respeitável. Ela o
fitou na quase profunda escuridão da noite e imaginou se ele conhecia as
constelações.
— Sim, algumas. Mas elas, aqui, ficam mais em evidência.
— Reggie gostou bastante do passeio hoje. Disse que a senhora foi muito
gentil.
— Deve agradecer ao duque. — Ela sorriu, pensando em Aiden e nos
momentos do dia. — O convite partiu dele.
— O duque é um bom homem, assim como foi seu pai. Diga-me, senhora,
já que tem as noites livres, gostaria de jantar em minha casa, amanhã?
Elizabeth virou-se bruscamente para fitar novamente o cavalariço. Ele
tinha uma presença mais bruta quando iluminado apenas pela pouca claridade
da vela. Suas feições não eram feias e ele tinha uma gentileza que não era
comum dos homens da classe dele. Deles. Seria aquele convite um cortejo?
Uma forma de se aproximar dela com outras intenções? Depois de descobrir
que ele era viúvo como ela, as possibilidades se ampliaram.
E, se fosse, ela estaria disposta a aceitar o cortejo de James Hodges?
— Agradeço pelo convite, mas eu só folgo depois das vinte e duas.
— Os jantares dos nobres nunca acontecem mais cedo. — Hodges moveu
os ombros. — O horário não é importante.
— Tudo bem. Aceito seu convite, Sr. Hodges.
— Leve seus meninos, minha casa é bem espaçosa. Espero que goste da
comida feita por um homem.
O cavalariço levantou-se e, com uma reverência, se afastou. Aquele era
realmente um empregado diferenciado dos demais. Enquanto Granger,
Geoffrey e os outros homens da propriedade pareciam bastante brutos e eram
iletrados, Hodges tinha um ar mais erudito. Mesmo que seu corpo indicasse
os anos de trabalho pesado, ele tinha uma mente diferente.
Talvez não fosse tão ruim assim investir em Hodges. Elizabeth acreditava
que nunca mais se casaria e adoraria estar errada. A vida em Kent poderia ser
mais agradável do que em Londres.
Capítulo décimo sexto
Q UANTO MAIS TEMPO ele passava próximo de Elizabeth, mais ele a desejava.
E, insatisfeito em tê-la em sua casa, Aiden ainda inventava outras formas de
mantê-la por perto. Mas ele temia que poderia perdê-la. Da janela de seu
quarto era possível ver a claridade da vela que indicava uma pessoa no
quintal. Pela silhueta que se movia e o brilho dourado que a acompanhava,
aquela só podia ser a governanta. E, pouco depois, outra pessoa se juntara a
ela, o cavalariço James Hodges.
O que eles queriam, conversando sorrateiramente sob o véu silencioso da
noite? Estavam próximos e Aiden não conseguia ter certeza se estavam muito
próximos ou apenas em uma distância razoável. Não era possível distinguir se
fariam algo impróprio.
Oras, ela era uma criada viúva e Hodges também. Se eles quisessem ficar
juntos, o duque não poderia, nem deveria, impedir. Provavelmente seria
ótimo se Elizabeth conseguisse um marido para ajudá-la no sustento e criação
dos meninos. O cavalariço já tinha um filho e…
Mas o que ele estava pensando! Era óbvio que Aiden não queria que
Elizabeth se casasse com outro homem. Ela deveria ser dele, apenas dele.
Foi com aquele pensamento em mente que o duque pegou uma vela e
desceu as escadas, tentando ser o mais silencioso possível. Provavelmente ele
não se importaria se acordasse todos os criados, mas era melhor que estivesse
sozinho se fosse fazer o que pretendia. Quando Elizabeth entrou novamente
na mansão, ele a esperava na área de serviço anexa à cozinha.
— Alteza!
Ela se sobressaltou ao ver sua figura parcial e amarelada pela chama do
fogo que tremeluzia na vela. Aiden tinha plena certeza do que faria ali,
mesmo que temesse ser rejeitado pela terceira vez. Só sabia que, depois de
vê-la com o cavalariço tantas vezes e de imaginar que Elizabeth poderia ter
em Hodges interesses que iam além da boa convivência entre empregados,
ele precisava marcá-la como sua.
— Não consegue dormir? — A voz profunda e grave ecoou baixa. Os
criados dormiam do outro lado da casa, provavelmente não os ouviriam.
— Quis ver as estrelas outra vez, ficar um pouco sozinha.
— Mas não ficou sozinha.
— Vossa Graça estava me observando?
Havia uma nota de divertimento na forma como ela perguntou, mesmo
que tentasse parecer séria. Elizabeth estava achando graça dos ciúmes que ele
sentia. Maldição, Aiden não queria acreditar naquilo, mas tinha ciúmes da
governanta. Aquele era um dos vários problemas de uma casa sem uma
presença feminina marcante - o homem nunca deveria ficar por conta dos
empregados.
— Eu também cheguei à janela para ver as estrelas.
Mentiu, porque ele realmente a estava observando.
— O Sr. Hodges é um bom homem. Ele me convidou para jantar.
— E a senhora aceitou?
— Deveria recusar?
— Não sei. A senhora me recusou, duas vezes.
— Eu não o recusei, Alteza. — Ela murmurou, baixando o olhar. — Eu
recusei ser sua amante.
— E não é a mesma coisa?
— Não querer se tornar amante de um homem, da forma como me
propôs, é diferente de não querer esse homem.
A frase dela saiu confusa mas ele a compreendeu. Talvez tenha
compreendido da forma como desejou, interpretou-a como melhor atendesse
a seus interesses, só que Aiden não iria perguntar se entendera corretamente.
Aquele pequeno enfrentamento serviu para que ele soubesse de duas coisas
importantes: uma, aquela mulher sentia algo por ele. Mesmo que apenas uma
fagulha de desejo, mas ela sentia alguma coisa. E duas, ele não esperaria
mais para tê-la em sua cama.
Elizabeth não pretendia dizer ao duque que o desejava, mesmo porque ela
não conseguia medir as dimensões daquele desejo. Só que as palavras a
atropelaram, saindo de sua boca sem muito cuidado. Toda vez que tinha
conversas particulares com Aiden, ela falava demais. Claro que ele entenderia
tudo errado, porque logo as velas estavam apoiadas em algum lugar e ele
estava com as mãos em seu corpo.
Aiden deu apenas um passo em sua direção e reivindicou boca dela com
uma intensidade que Elizabeth ainda não tinha experimentado. As mãos dele
a seguraram pela cintura e puxaram os corpos para mais perto, provocando o
contato das roupas dele com as dela. Ele estava quente e os músculos
tremiam.
Não era o primeiro beijo que compartilhavam e era um totalmente novo.
— Alguém pode nos ver. — Ela disse, abafada nos lábios dele, tentando
não ser completamente entorpecida pelo toque da língua de Aiden na sua.
O duque pareceu refletir sobre o que ela disse porque o beijo ficou suave
e lânguido.
— Tem razão. Venha comigo para meu quarto.
Com uma martelada forte, o coração dela passou a bater alto demais,
como se fosse sair do peito e pular pela boca. O ar ficou pesado e impossível
de respirar. Se ela fosse com ele, sabia o que iria acontecer porque não estava
disposta a recusá-lo mais uma vez. Se ela estivesse sozinha com ele no quarto
principal, não iria conseguir dizer não.
E, ao mesmo tempo, ela não lembrava de ter menos vontade de recusar
alguma coisa. Queria dizer sim a Aiden, queria gritar para ele e pedir que
fizesse o que tivesse vontade. Sua hesitação foi entendida como aceitação e
ele segurou-a pela mão para conduzi-la pelos corredores.
Não havia muita luz pela casa - as velas estavam apagadas - e não havia
quase nenhuma luz no quarto de Aiden. A claridade avermelhada da lareira,
proveniente da chama indolente que queimava desde cedo, fazia com que o
ambiente fosse tomado por um efeito melancólico que combinava com a
expressão severa do duque que a encarava.
Depois de fechar a porta e girar a chave, Aiden deixou o lado de fora, o
restante da casa, em segundo plano. As marteladas do coração dela podiam
ser ouvidas no silêncio do quarto e Elizabeth tentava bravamente continuar
respirando. Quando ele a tocou novamente, com os dedos nos cabelos
dourados e tocando suavemente os contornos da sua face, ela exalou
profundamente e soltou um gemido de prazer.
— Diga-me se eu fizer algo que não devo.
Ele sussurrou com os lábios em seus ouvidos. Ela se agarrou aos ombros
dele para não cair, sentindo os joelhos moles quando a boca de Aiden
deslizou por seu maxilar e tomou a sua.
— O senhor não deveria me beijar assim. — Deu uma risadinha nervosa
quando ele desceu os carinhos para o pescoço dela. — Nem assim. — A boca
dele já estava delineando a clavícula exposta pelo decote da camisa branca
que ela vestia.
— E eu deveria tocá-la assim?
Aiden levou as mãos à cintura dela e desceu para as nádegas, fazendo
com que ela segurasse um gritinho abafado.
— Com certeza, não.
Ele riu, esticando os labios que ainda a beijavam. Os dedos subiram e se
colocaram nos botões da camisa dela, abrindo-os lentamente. Elizabeth era
uma criada, ela não usava espartilho e seus seios estavam livres sob o tecido,
esbarrando nas mãos do duque enquanto ele expunha partes do corpo dela
que deveriam ficar bem cobertas. Toda vez que a pele dele roçava nos
mamilos, Aiden soltava um grunhido de prazer. Até perder a paciência e
arrebentar todos os botões que faltavam.
Despudoradamente exposta, Elizabeth sentiu o ar fresco da noite tocando
sua pele e a língua morna do duque lambendo seus seios livres. Ao invés de
sair correndo ou mandar que ele parasse, tudo que ela fez foi arquear o corpo
para permitir mais contato.
— Acho que também não deveria fazer isso.
Aiden colocou um mamilo entre os dentes, envolveu-o com os lábios e o
sugou. Foi como ver as estrelas novamente, só que aquelas vinham
acompanhadas de um prazer mais intenso. Ele já tinha feito aquilo antes mas
as sensações ainda eram inebriantes.
— Oh, Aiden, o senhor não…
Ela perdeu a fala quando o outro seio foi para a boca dele, que alternava
entre um e outro com lambidas suaves e mordiscadas leves.
— Eu não devo prosseguir? — O duque desceu uma das mãos e começou
a desamarrar os laços da saia que ela vestia. A hesitação do seu discurso não
era sentida em suas ações. — Diga-me, Elizabeth, eu devo parar?
Não pare. O grito de sua mente quase pode ser ouvido quando ela abriu a
boca em surpresa ao sentir o tecido que a cobria descendo pelas pernas. Mas
tudo que saiu foi um gemido constrangedor de prazer, que a deixou
envergonhada e fez com que ele esticasse mais ainda os lábios.
O duque também não demonstrou paciência alguma com as calçolas ou
com as meias. Empurrou tudo para baixo mas fez aquilo passando as mãos
pelas formas do corpo dela, delineando as coxas, as panturrilhas, acariciando
os tornozelos com cuidado.
— Maldita seja a escuridão desse quarto. — Ele grunhiu ao ficar
novamente de pé. Elizabeth sentiu-se estranhamente desprotegida naquele
instante. Sua pele desnuda se arrepiou ante o olhar de inspeção que Aiden lhe
dirigia. Era como se ele pudesse vê-la por inteiro, mesmo na parca
luminosidade, e se deleitasse com a visão.
Quando ele exigiu a boca dela novamente, Elizabeth entendeu que não
pensara nas consequências de se entregar daquela forma.
— Acha que é inapropriado se eu tocá-la assim?
O duque disse e deslizou um das mãos por entre as coxas dela, subindo e
descendo lentamente. Ela arfou em resposta e ele, segurando-a firme pela
nuca para mantê-la em um beijo ansioso, conduziu os dedos até a
feminilidade de Elizabeth.
— Deus. — A blasfêmia não importou — É absurdamente inapropriado
que o senhor me toque assim.
Ele riu. O maldito duque ria do constrangimento e do prazer que causava
a ela, sabendo que a colocava entre escolhas impossíveis. Enquanto isso os
dedos dele acariciavam seu botão rosado, inchado pelo desejo. Ela poderia
desfalecer de prazer ali mesmo, nas mãos dele, como foi na casa do poço,
enquanto se recuperavam. Só que Aiden tinha outras intenções.
Fez com que ela se deitasse no colchão macio, com as pernas penduradas
e os pés quase tocando o chão. Naquela posição, a feminilidade de Elizabeth
estava exposta para que ele pudesse acessá-la da forma que desejasse. E ela
deixaria que ele fizesse qualquer coisa se ele pedisse, tamanho era o desejo
que sentia pelo toque de Aiden.
Ela quis se cobrir com os lençóis mas ele impediu. Deitou o corpo sobre o
dela, colocando uma das pernas, ainda vestidas, por entre suas coxas,
tomando-a nos lábios novamente. O beijo desceu para o pescoço e a clavícula
até encontrar os mamilos intumescidos. O duque não permitia que ela
antecipasse muito o que ele faria, ele simplesmente fazia. Colocou um dos
seios na boca e sugou devagar, deliciosamente devagar, depois repetiu com o
outro.
Gemendo sob aquele corpo pesado, Elizabeth estava completamente
entregue. Sem pudor ou decoro. Ele a tinha completamente e não havia nada
que ele quisesse para o que ela não dissesse sim. Os beijos continuaram
descendo enquanto Aiden dobrava o corpo e separava as pernas dela com
cuidado.
— Alguém já te tocou aqui, Elizabeth? — Ele passou os dedos sobre os
cachos dourados de seu sexo.
— O senhor. — Ela riu.
— Além de mim?
— Não, eu lamento informar que só o senhor.
— Isso não me desanima em nada. — Ele também riu. — A senhora me
permite ser o primeiro?
— Primeiro? Mas eu pensei que…
— Eu ainda não te toquei aqui como eu pretendo fazer, agora.
Oh. Ela não entendeu o que ele dizia até que um beijo na região do seu
baixo ventre fez com que seu estômago borbulhasse.
Ele se ajoelhou e ficou de frente para a intimidade desnuda. Ela ergueu
um pouco o corpo para vê-lo e a lascívia nos olhos dele a deixou corada e
excitada. Com os dois polegares, Aiden acariciou e abriu sua intimidade para
fazer o que prometeu - ele a tocou lá, com a língua.
O prazer imediato que irradiou pelas terminações nervosas dela fez com
que Elizabeth jogasse o corpo para trás novamente. Nocauteada.
— Aiden! — Ela se lamuriou enquanto sentia-o com a boca ao redor de
sua feminilidade. — O que o senhor está fazendo? Isso não é contra a lei?
Ele riu.
— Sou um membro do Parlamento. — O duque ergueu o olhar. — Eu
saberia se fosse.
— Se não é contra a lei dos homens, deve ser contra a lei de Deus.
Aiden ergueu o corpo e beijou-a na boca. Um beijo rápido, mas intenso,
que significou sua vontade de silenciá-la.
— Elizabeth, não há pecado em fazer algo que nós dois queremos tanto.
A senhora não quer?
Ah, ela queria. Queria muito, mesmo sabendo que não poderia, ou
deveria, tê-lo. Ao invés de falar, ela apenas assentiu movendo a cabeça.
— Então me deixe te dar prazer. Não se reprima.
Ela faria qualquer coisa que ele pedisse. Com aquela certeza, Elizabeth
relaxou os músculos e aceitou a boca dele quando tocou novamente seu
centro de prazer. Aiden beijou e acariciou com os dedos e com a língua toda
a sua extensão. Depois, penetrou-a com um dedo e, não sentido muita
resistência, inseriu mais um. Dentro dela, uma agonia deliciosa começava a
crescer em seu ventre.
Mesmo que ele soubesse que Elizabeth não era nenhuma virgem, Aiden
divertiu-se ao constatar que ela nunca havia sentido prazer da forma como ele
lhe proporcionava. Havia algo de poderoso em ser qualquer primeira vez em
uma experiência nova para ela, principalmente quando ele pretendia marcá-la
de forma incontestável.
E ela era tão deliciosa. Além do aroma de flores, ela tinha um sabor
adocicado de pêssego e bergamota, com a nota exata de acidez que fazia o ato
de beijá-la ali, em sua intimidade, tão bom. Claro que ele queria que fosse
bom para ela, em primeiro lugar, mas estava sendo gostoso demais para ele,
também.
A cada desbravada de sua língua, Elizabeth gemia e se retorcia sobre a
cama. Quando ele adicionou os dedos e a penetrou, pode sentir que ela se
entregava totalmente. E a vontade de possuí-la ali, naquele instante, se
intensificava a cada murmúrio delicado que ela exalava. Aiden queria vê-la
gemer seu nome e desfalecer em seus braços de todas as formas possíveis.
Mas ele não faria aquilo a não ser que ela pedisse.
Enquanto Elizabeth resistisse em ser dele, Aiden respeitaria aquela
decisão e se concentraria em fazer com que ela mudasse de ideia. Seu pênis
dolorido e duro que clamava por sair de dentro das calças discordava daquela
decisão.
Enquanto sua língua circulava o centro de prazer de Elizabeth e seus
dedos a penetravam, ele deixou a imaginação se perder e começou a divagar.
Ela delirava com o toque dele e gemia até convulsionar em sua boca. A
indicação de que ela chegava ao clímax o abalou. Se levantasse e a possuísse,
ela não diria que não. Era fácil colocar fim ao seu martírio. Mas seria injusto
e imoral se ela não o desejasse da mesma forma.
Exaurido, Aiden deitou-se na cama ao lado de Elizabeth. Ela estava nua e
extenuada sobre o colchão. Seu corpo imaculado parecia incapaz de se mover
e ela tinha uma expressão indecente de quem ainda não tinha superado o
êxtase. Ele estava com as calças úmidas de sua excitação, a camisa
desgrenhada e os cabelos despenteados. Se aquela não fosse a melhor
representação de duas pessoas que haviam acabado de fazer sexo, ele não
sabia de mais nada.
Abraçou-a com todo cuidado e ela enfiou o nariz em seu peito. Aquela
era uma ótima sensação com a qual ele poderia se acostumar.
O sol penetrou indolente pelas cortinas mal fechadas do quarto ducal e fez
com que Aiden despertasse cedo. Ele demorou um minuto inteiro para
perceber o espaço em sua cama e suas mãos acabaram repousando sobre sua
virilha. Era uma manhã diferente, ele não acordou duro nem entorpecido pelo
desejo.
— Bom dia, Alteza.
Geoffrey entrou no quarto e abriu as janelas. O criado tinha ordens para
despertá-lo cedo todos os dias, para que o duque tivesse tempo suficiente para
seus exercícios físicos. Aiden sentou-se na cama e olhou ao redor - ela não
estava ali. Elizabeth saiu dos aposentos do duque pelo meio da madrugada,
ciente de que ela não deveria ser vista pelos criados.
— Um mensageiro do Conde de Cornwall deixou uma mensagem para
Vossa Graça. Devo separar suas roupas de cavalgada?
— Sim, por favor. — Aiden levantou-se e foi até o banheiro lavar-se. O
cheiro de Elizabeth estava por todo lugar. Ele temeu que alguém pudesse
senti-lo. — Antes, preciso comer alguma coisa.
— Serviremos seu desjejum na sala privativa, Alteza.
O criado saiu e retornou minutos depois para ajudar Aiden a vestir-se. O
duque já suspeitava do que se tratava a mensagem de Edward e seria bom
passar o dia na presença do amigo. Se ficasse na casa, sem nenhuma
atividade, acabaria procurando a governanta novamente. Ele deveria estar
satisfeito, mas não estava.
Sua pretensão de passar uma noite com Elizabeth para abrandar seu
desejo não teve sucesso. Ele não se satisfez fisicamente. Dar prazer a ela só
fez com que a ânsia aumentasse. A vontade de tê-la em seus braços
permaneceu. Ele acordou querendo vê-la. O melhor que podia acontecer era
ser arrastado por Edward para algum tipo de atividade masculina.
Depois de comer, dirigiu-se aos estábulos e seu cavalo já estava selado a
sua espera. James Hodges estava sorridente segurando os arreios do puro
sangue castanho cujo pelo brilhava na claridade do dia.
— Como ele está hoje, Hodges?
— Bem disposto, Alteza. Esse meninão vai adorar um passeio.
Aiden olhou ao redor para ver se a encontrava. Viu os meninos passarem
correndo para uma parte mais afastada da propriedade e os jardineiros indo
cuidar das flores da duquesa. O dia estava lindo e a brisa era fresca, mas ele
se chateou por não ver Elizabeth antes de sair.
Precisava parar de pensar naquelas bobagens. Conduziu o cavalo pelas
trilhas na direção de Greenwood Park, onde se encontraria com o amigo e
passaria um dia longe dos problemas que aquela mulher representava.
Capítulo décimo sétimo
— Alteza.
John entrou no escritório do duque depois de confirmar que ele estava ali.
Aiden acordara mais cedo do que gostaria, com a cama vazia e fria. Ele não
via Elizabeth por um dia inteiro e aquilo o estava deixando um pouco
ansioso. Não sabia como ela reagiria depois do que houve, já que ela fora
sempre tão resoluta em negar que seria sua amante.
Talvez fosse possível negar. O que eles fizeram não foi sexo. Foi? Aiden
era homem, para ele o sexo era bem mais do que ele compartilhara com a
governanta. Ele precisava estar dentro dela. Sobre ela. Ela não era,
tecnicamente, sua amante. No fundo ele sabia que nenhum jogo de palavras
mudaria a realidade.
— Diga, John.
— O criado do Conde de Cornwall trouxe uma mensagem para Vossa
Graça. É o convite formal para o jantar em sua residência, amanhã.
Aiden ergueu a cabeça e pegou o papel da mão do mordomo. A
mensagem, escrita em linho e com caligrafia bastante elegante, convidava a
família Trowsdale para o tradicional jantar realizado na casa em Greenwood
Park.
Era uma festa para poucas figuras da aristocracia que estavam em Kent.
Dois marqueses, um conde e um duque, além dele, eram convidados, com
suas respectivas familias. E, claro, as Westphallen. Por que diabos Edward
cismou que ele iria querer se casar com uma daquelas mulheres
desagradáveis? Também estariam presentes os Fairfax e os Oglethorpe, duas
famílias burguesas que não ostentavam título de nobreza, mas tinham muito
dinheiro e negócios de interesse do conde.
— Certo. Por favor, envie Geoffrey com a confirmação, diga que vamos.
A Sra. Collingworth, peça que venha me ver.
Com um movimento de cabeça, John se retirou e deixou Aiden pensativo.
Ele gostaria que Elizabeth fosse àquele jantar. Adoraria vê-la vestida em seda
e renda, usando um vestido que fizesse justiça à sua beleza angelical ao invés
das roupas cruas e sem graça dos criados. Mas não podia levá-la. Ela era sua
governanta. Também não a levaria como dama de companhia de Agatha, essa
não era uma prática comum em eventos como aquele. Aquilo o aborreceu em
dobro. Ele era um duque que tinha tanto poder e, ao mesmo tempo, nenhuma
decisão sobre a própria vida.
Voltou a analisar os documentos que tinha em mãos por alguns minutos
até que a porta novamente se abriu e ela entrou. Cabelos que reluziam com o
sol e um brilho perfeito no olhar.
— Mandou me chamar, Alteza?
— Sim. Eu queria te ver.
Ah, ele poderia falar bobagens tolas o tempo todo apenas para ver o rubor
que tingia as bochechas dela. Elizabeth limpou as mãos no avental que estava
pendurado em sua saia e sorriu, ajeitando uma mecha teimosa de cabelo para
dentro do gorro que usava.
— Quer que eu traga seu desjejum?
— Já comi. Eu realmente só queria te ver.
Ela sorriu novamente e suas bochechas estavam então quase vermelhas.
Aiden adorava levar cor àquela face linda. A timidez de Elizabeth fazia com
que ela se parecesse ainda mais jovem. Era quase impossível acreditar que ela
tinha um filho de sete anos.
— Apesar de grata pela lisonja, nós não podemos continuar fazendo isso,
Alteza. Eu… O Sr. Hodges pediu permissão para me cortejar. E eu dei.
Aquela frase atingiu Aiden no meio do peito, como uma espada prestes a
romper seu coração. Por mais que ele soubesse que havia algo suspeito na
interação dela com o cavalariço, desejava que não fosse nada além de um
flerte tolo. Mas, se Hodges fosse um homem esperto, ele jamais deixaria uma
mulher como aquela lhe escapar. E não havia como competir com ele. Era
ridículo que um duque se considerasse em posição de desvantagem em
relação a um criado, mas o cavalariço poderia oferecer a Elizabeth um status
que ele, Aiden, não tinha condições de fazê-lo.
— Bem, ele pode cortejá-la, mas vocês não possuem nenhum
compromisso. Estou enganado?
— Não temos um compromisso. Ele não me pediu em casamento, se é
isso que Vossa Graça quer dizer.
— Então, enquanto não houver compromisso, significa que podemos nos
ver.
Aquela era uma atitude que lhe cabia bem. Aiden não costumava deixar
aquilo que era de seu apreço sem esgotar todas as suas possibilidades de
mantê-lo. Elizabeth era de seu apreço. E ele daria qualquer coisa para que ela
mudasse de opinião sobre sua oferta.
— Tudo bem, o senhor tem um bom argumento. Agora que estou aqui, se
quiser pode me contar em que está trabalhando. Eu sempre acreditei que
aristocratas não trabalhavam.
Aiden riu e levantou. Pegou um documento nas mãos, considerou se
deveria compartilhar com ela aquelas informações. Não eram segredo, mas a
maioria das pessoas não o compreenderia.
— Não trabalhamos. Mas eu não acredito que a saúde financeira da
nobreza vá durar muito tempo. A Inglaterra é agora dos investidores, dos
negociantes, de quem movimenta a indústria. Esses homens estão
acumulando o dinheiro e nós, os nobres, apenas gastando nossas posses. Em
pouco tempo, seremos engolidos por essa classe média que sonha em chegar
no nosso posto.
Os olhos dela brilharam. Elizabeth estava interessada no que ele falava,
então o duque indicou que ela deveria sentar em um sofá próximo. Depois,
sentou ao lado dela e entregou o documento que segurava.
— Essa é uma teoria e tanto. Acredita mesmo que ela vá se concretizar?
— Talvez sim, talvez não, mas não ficarei esperando para ver se estou
certo ou errado.
Ela fixou a atenção nos papéis. Aquele era um contrato de investimento
com um industriário importante e muito rico, que estava construindo prédios
novos em Londres. Eram regiões empobrecidas que estavam sendo renovadas
e atraindo a atenção da burguesia e dos americanos. Já havia hotéis e lojas
abertas e convidando as pessoas de dinheiro a frequentarem os arredores, que
eram afastados de Mayfair.
Elizabeth sabia. Ela era uma observadora, Aiden já notara, e a região mais
afetada por aqueles contratos ficava próxima de Shadwell, o bairro em que
ela morava.
— Vossa Graça vai investir com esse homem, então. Não é arriscado?
— Um pouco. Por isso começarei com um investimento de média monta,
para não me descapitalizar muito. Com o tempo, posso investir mais, só
depende dele.
A luz que refletia no azul límpido dos olhos dela indicava seu fascínio
pelo assunto, mesmo que ele entediasse, ou confundisse, a maioria das
damas.
— Parece uma decisão muito inteligente, Alteza. Cada vez mais percebo
a cidade crescendo na vertical, as docas recebendo mercadorias e turistas, e
enviando nossos produtos para fora. Não sei se acredito que os nobres
perecerão, mas eles já precisam dividir espaço com um novo grupo de
pessoas que, até pouco tempo, não era admitido nas rodas sociais.
— E amanhã, dois negociantes estarão na festa do meu amigo conde. Um
deles é o homem que subscreve esses papéis na sua mão. Eles já estão entre
nós.
Aiden gostaria de encerrar a pequena distância entre eles e beijá-la. Ele
não estava satisfeito. O prazer auto-infligido, duas noites atrás, não serviu
para aplacar o desejo que ele sentia por ela. Ao contrário, fez com que ele se
intensificasse. A vontade de estar com Elizabeth era maior do que antes,
principalmente porque ela compreendia - e apoiava? - as decisões que ele
vinha tomando.
Mas ele não fez isso porque o escritório foi invadido por uma Agatha
agitada e animada demais.
— Aiden, preciso sair para visitar minha estilista. Edward, aquele
tratante, enviou esse convite em cima da hora e não tenho um vestido
adequado para…
Ela percebeu os dois sentados no sofá. Elizabeth levantou-se, um tanto
constrangida, assim que a porta se abriu, mas Agatha era perspicaz. Parecia
que o destino de Aiden era estar cercado de mulheres sagazes que não
deixavam de notar nada ao redor.
— Você tem mais vestidos do que pode usar, Agatha. Mas, se precisa de
um novo, vá à estilista.
— Certo. — Agatha os olhava com curiosidade. A irmã desconfiava de
algo, claro que sim, mas ele não fazia ideia do que aquilo significava. —
Então vou levar Elizabeth comigo.
Aiden quis dizer que ela não deveria fazer aquilo, que a governanta tinha
outros serviços. Mas ele havia garantido que a irmã era a prioridade sempre,
então não deveria voltar atrás. Concordou e suspirou por passar o restante do
dia sem poder ver Elizabeth novamente.
Capítulo décimo oitavo
A inocência de Lady Agatha era tocante. Elizabeth engasgou duas vezes com
a própria risada nervosa durante uma conversa bastante constrangedora em
que a lady insistia que Aiden Trowsdale gostava dela e poderia se casar com
ela. Claro que o duque não se casaria com ela, em nenhuma das vidas que ela
tivesse vivido. Se houvesse vinte vidas possíveis, ainda assim o duque não
desposaria uma mulher como ela.
— Milady, por mais que eu me sinta honrada com sua aprovação, seu
irmão jamais desposará uma plebeia. Ele é um duque, tem responsabilidades
a cumprir.
A jovem deu uma risada divertida e terminou de soltar o espartilho. Foi
bom voltar a respirar, Elizabeth não estava acostumada a ser tão apertada.
Aquilo era coisa que tinha ficado na sua adolescência.
— Vamos ver. Deixe-me seguir com o plano. Você não gostaria de ser
cortejada por um duque? Sei que ele é meu irmão, mas Aiden é um homem
bonito. Ele é meio mandão todas as vezes, mas tem um bom coração.
Ah, ela sabia muito bem o quanto o duque era bonito. E o quanto ficaria
feliz em ser publicamente cortejada por ele. Não mais por causa de um sonho
de juventude, mas porque ela gostava de Aiden. Poderia continuar negando e
fingindo que sentia apenas desejo pelo homem, mas a verdade era que
Elizabeth gostava da companhia do duque, muito mais do que deveria.
Ele era divertido e falava coisas com ela que nenhum outro homem
falaria. Tinha ideias progressistas demais para um duque e pensava no bem
estar das pessoas menos afortunadas. Ele tratava bem os empregados, mesmo
que agisse como um nobre quase sempre. Aqueles detalhes, que ela percebeu
no pouco tempo ao lado dele, faziam de Aiden um nobre incomum. Ele a
notara e ele a reconhecera como pessoa, enquanto nenhum outro aristocrata o
fizera.
Mas aquela situação criada por Lady Agatha era absurda. Se ela deixasse
que o plano prosseguisse, por melhores que fossem as intenções da jovem,
apenas um coração sairia ferido - e era o dela. Elizabeth não podia ser tão
inconsequente. Mesmo assim, ela nada fez para impedir. Não recusou o
vestido nem os sapatos nem o convite para ir à festa, mesmo que aquela
informação só fosse ser revelada para Aiden no dia seguinte, poucas horas
antes do jantar.
— Eu irei aos festejos do conde. — Elizabeth concordou, já arrependida
de tê-lo feito. — Mas a senhorita não pode provocar seu irmão a me tirar para
dançar nem inventar uma história mirabolante sobre mim. Minha família já
foi burguesa e frequentou eventos sociais com a nobreza. Não é preciso ser
muito criativo para contar uma história sobre mim.
— Combinado! — Lady Agatha bateu as palmas das mãos. — Estou
muito excitada, quase poderia gritar de euforia.
Não dava para compreender por que aquela jovem estava tão empolgada
em casar seu irmão com uma mulher fora da sociedade. Um casamento
daqueles representaria a exclusão de Aiden Trowsdale de todos os círculos
sociais que ele conhecia. Deixaria de ser convidado para bailes e eventos e
seria motivo de chacota nos clubes de cavalheiros.
Também não dava para entender por que Elizabeth concordou em deixá-
la prosseguir com aquela loucura, sabendo dos riscos e das consequências.
Talvez ela quisesse, afinal, ter um dia de realeza e frequentar um baile na alta
sociedade aristocrática.
Se não fosse sua vestimenta de criada e seu caminhar sempre dois passos
atrás da lady, talvez ela até pudesse acreditar que passar a tarde na vila fosse
um programa de uma dama. Quando retornaram para casa, a jovem ordenou
esconder todas as compras em seu quarto e determinou que, no dia seguinte,
Elizabeth deveria estar disponível para se arrumar quando faltassem três
horas para o jantar. Greenwood Park ficava próximo de Thanet Bay, então
elas não precisavam de muito tempo.
Aquele era um plano que a deixou agitada. Mesmo já deitada, na cama,
com as crianças dormindo, Elizabeth não conseguia pegar no sono. Olhava
fixamente para a chama de uma vela que queimava solitária em uma
arandela, sonhando com um salão de baile iluminado por muitos candelabros
e cheio de cavalheiros elegantes, com casacas pretas, cartolas e bengalas, e
damas com vestidos bordados e cheios de babados.
A condessa era uma mulher elegante e com uma expressão austera, para
quem Elizabeth não fora apresentada antes do jantar. Ela estava em uma das
pontas da mesa e Edward, o conde, em outra. Ele tinha mais outros três
irmãos, homens, que estavam em partes espalhadas da mesa. Todos eles eram
solteiros ainda, Elizabeth desconfiou pela quantidade de damas que
disputavam a atenção deles. A irmã mais nova também estava espalhada entre
os convidados.
A mesa era muito grande, quase poderia acomodar toda a população de
Kent. A louça e a prataria estavam impecavelmente dispostas e Elizabeth
sentiu um prazer secreto em ver uma mesa tão bem posta. Aquele era um
serviço que ela apreciava, no final.
O lugar que lhe tinha sido destinado era ao lado de Aiden Trowsdale. O
mais cobiçado dos lugares para uma dama solteira. Ao ver Agatha e Edward
se cumprimentarem sutilmente à distância, Elizabeth teve certeza que eles
estavam juntos naquela armação. Por que aquelas pessoas tinham decidido
que o Duque de Shaftesbury deveria cortejá-la? Claro que eles não tinham
ideia do que já acontecera entre eles, mas, de qualquer forma, com tantas
damas solteiras, ela deveria ser a última opção para retirar o duque da
solteirice. Se houvesse uma lista, ela nem estaria nela.
— A senhora sabe que eles fizeram isso de propósito, não sabe? — Aiden
sussurrou para Elizabeth, depois que estavam sentados e sendo servidos.
— Desconfio que tenham feito. Mas não entendo por que fizeram.
— Nem eu. Prefiro aproveitar o momento a tentar desvendá-lo.
Sim, ela também. Se gastasse seus esforços tentando compreender as
pessoas ela acabaria perdendo boas oportunidades de se divertir. O serviço
em Greenwood Park também era tão surpreendente quanto a decoração. A
comida era muito bem coordenada e as bebidas harmonizavam perfeitamente
com cada prato.
Como uma dama não comia muito, ela se controlou para aceitar apenas
pequenas porções e levou bastante tempo com cada bocado, movendo a
cabeça em atenção às conversas da mesa. Todas elas giravam, de certa forma,
sobre negócios, construções, empreendimentos. A vida em Londres estava
mesmo mudando e ela considerou que Aiden tinha razão: em breve, a
Inglaterra seria comandada pela burguesia.
— E Vossa Graça, quando deixará essa vida libertina para trás e
sossegará com uma esposa? Está na hora de encomendar um herdeiro, não?
— Um homem de cabelos permeados por fios prateados disse. Elizabeth não
tinha sido apresentada a ele, também. — O meu já está a caminho, dessa vez
será um menino.
— Você disse isso nas outras três vezes, Lockwood. — Edward
provocou.
— Pretendo escolher uma noiva na próxima temporada. — O duque
disse, mas não havia nenhuma emoção ou entusiasmo em sua voz. Ele
parecia querer apenas encerrar o assunto, não deixar que aquela conversa se
prolongasse.
— Se for sortudo como seu pai, terá logo um filho. O homem era uma
máquina de produzir herdeiros.
Elizabeth franziu a testa e olhou para o semblante de Aiden. Ele estava
tenso e aquele homem que falava parecia não saber muito sobre limites. O
que ele quis dizer com aquilo? O duque tivera apenas dois filhos e um deles
era Lady Agatha, uma menina. Ou ela estaria enganada?
— Vamos esperar que eu seja como meu pai. Detestaria precisar
engravidar minha esposa tantas vezes apenas para conseguir produzir um
varão.
— Senhores, por favor, vamos falar de assuntos mais agradáveis. — A
condessa interviu. — Por que não conversamos sobre o baile e a caçada que o
gentil Duque de Shaftesbury nos oferecerá em breve?
O tema da conversa mudou e logo todos estavam falando dos eventos que
teriam vez em Thanet Bay. Elizabeth sentiu Aiden ainda tenso. Depois ela
perguntaria por que aquela discussão o incomodava e o que ela significava.
Afinal, o peso da necessidade de se casar não deveria incomodar tanto um
duque, deveria?
Ela preferiu apenas observar durante o restante do jantar. Estava em uma
posição complicada no meio dos nobres, agindo como se não fosse uma
criada. Elizabeth queria acreditar que não estavam mentindo a seu respeito, já
que ela não foi apresentada como uma dama. Mas não podia se enganar -
ninguém ali queria acreditar em quem ela era de verdade.
Ao final, as mulheres saíram para outro salão, coberto com papéis de
parede de tons pastéis e muitos quadros, enquanto os homens permaneciam à
mesa para tomar um vinho do porto. Aquela seria a melhor hora para
Elizabeth voltar para Thanet Bay, mas Lady Agatha insistiu que ela deveria
ficar.
— Sei que Aiden te pediu uma dança. — Ela sussurrou.
— Mas não tem ninguém dançando, milady. Nem música tocando.
— Terá. Em breve. Apenas espere e ouça.
Esperar era perigoso, principalmente quando algumas das damas
presentes pareciam tão interessadas nela. Ou quando a conversa sobre o
clima, sobre vestidos e sobre maridos futuros estava tão enfadonha. No meio
das mulheres trabalhadoras, da classe mais baixa de Londres, os assuntos
eram bem mais variados.
Porém ela esperou, e se surpreendeu quando a música realmente começou
a tocar.
Eram cordas, ela reconheceria o violino e o violoncelo em qualquer lugar.
Aliás, eram os violinos, e eles tocavam obras clássicas que Elizabeth
aprendera a admirar na infância. A condessa apareceu no salão onde as damas
tomavam chá e as convidou para o salão de baile, de onde vinha a música.
Seria muito assustador acreditar que aquela mudança repentina no evento
decorresse das intenções do duque em dançar com ela. Claro que Edward
McFadden já tinha uma orquestra planejada desde o início, ele não
conseguiria músicos para tocar em evento tão rapidamente. Se estivessem em
Londres, talvez, mas ali? Não. Era apenas coincidência, mas a coincidência
às vezes podia ser a mãe de todas as tragédias.
Assim que pisou no salão de baile, ela o viu. Aiden estava como que a
esperando e como se ninguém mais existisse naquele ambiente. Mil homens e
mulheres poderiam estar naquela sala, mas Elizabeth só conseguia vê-lo. A
forma como ele a olhava fazia com que ela se sentisse a única mulher daquele
salão.
— A senhora me prometeu a sua primeira dança. — Aiden segurou-a pela
mão enluvada.
— Se eu me lembre, o senhor exigiu que eu lhe prometesse minha
primeira dança. — Ela riu e suas bochechas coraram. Ficaram no tom de rosa
do vestido, dando àquela pele clara o tom de quem estava constrangida.
— Se não fosse inadequado, todas as suas danças seriam minhas. — O
duque a encarou com seriedade. Os olhos, dois globos escuros que a
devoravam com ansiedade, indicavam que ele não estava brincando. — Não
vou gostar que nenhum outro homem aqui coloque as mãos na senhora.
— Ninguém mais vai me tirar para dançar, Alteza.
— Acredito que a senhora se surpreenderá, então.
O duque conduziu-a para o centro do salão. Havia já alguns casais que
iniciavam sua dança e Elizabeth sentiu um breve temor de não se recordar
dos passos que aprendeu ainda muito jovem. Ela nunca fora convidada para
os bailes, apenas conseguia ver as danças quando elas aconteciam na casa dos
Pensington.
Mas Aiden era um exímio dançarino. Com a mão na cintura dela e a outra
segurando seus dedos trêmulos, ele fez um movimento com a cabeça
indicando que ela deveria apenas segui-lo e passou a rodopiar pelo salão
como se os pés dele fossem feitos de nuvens.
Elizabeth segurou a saia e tentou fingir que estava relaxada e
aproveitando a dança. Ela estava. Mas a presença de Aiden, em um evento
social como aquele, depois de algum tempo sem que pudessem ao menos se
ver, a deixou desorientada.
— Eu gostaria de elogiar minha irmã e dizer que Agatha fez um ótimo
trabalho com a senhora, hoje. — Ele disse. — Mas seria injusto, mesmo que
verdadeiro. A sua beleza não precisava de retoques.
— Alteza, eu…
— Aiden. — Ele sorriu.
— Eu não mereço elogios tão exagerados.
— Não há nenhum exagero nas minhas palavras. — Os olhos indicavam
mais uma vez que ele dizia a verdade. — Minha vontade, agora, era de girar
com a senhora para fora desse salão e encontrar um local com privacidade o
suficiente para que eu pudesse beijá-la.
Ela corou novamente, a face rubra pelo desejo que estava estampado em
cada expressão vinda do duque. Ao mesmo tempo, temeu que as pessoas
pudessem notar. Que todo mundo ali percebesse que ela estava apaixonada
pelo Duque de Shaftesbury e que nada bom poderia vir daquilo.
Capítulo vigésimo
A IDEN NÃO LIGAVA para bailes nem festejos sociais. Achava danças muito
entediantes e preferia discutir negócios com os homens em outros espaços
menos excêntricos. Mas ali, naquele momento, tudo que ele queria era dançar
com Elizabeth Collingworth. Mostrar para todos naquele evento que ela
concedera a sua primeira dança para ele, demarcar seu território de alguma
forma.
Desde que ela chegou ele mal conseguia disfarçar que não tirava os olhos
dela. Se Agatha havia planejado aquilo para constrangê-lo em público, ela
tinha conseguido atingir seu objetivo. O mais absurdo era que Aiden não
conseguia entender o que sentira a ver Elizabeth chegar, vestindo seda e
renda, produzida como uma dama da sociedade que ele conhecia, impactando
com sua presença suave, porém marcante.
Ela estava mais linda do que quando a viu pela primeira vez, na
estalagem? Ou mais perfeita do que quando a despiu em seu quarto? Estaria
Elizabeth mais digna de sua admiração apenas porque vestia roupas elegantes
e tinha o cabelo empoado e penteado?
Não. Ele duvidava que aquela produção toda fosse a razão de seu coração
bater totalmente fora de um ritmo razoável. Então, por que ele sentia aquele
aperto no peito e tanta dificuldade para respirar enquanto giravam pelo salão
de baile ao som de Handel e conversavam sobre bobagens?
— A Srta. Westphallen está enciumada de nossa valsa. — Elizabeth
murmurou, movendo sutilmente a cabeça para o lado. O duque notou a figura
de Lady Madeline segurando uma taça de champanhe com força demais
enquanto os observava.
— Ela não tem motivos para ter ciúmes.
— Não tem?
— Não. Eu nunca prometi nada a ela, nem dei nenhuma esperança de que
tenho algum interesse nela. Todos os meus negócios com os Westphallen
envolvem o pai, que é um nobre negociante, como eu.
Elizabeth respirou profundamente e ele não soube dizer se aquela reação
se deu pela resposta dele ou porque a música estava prestes a acabar.
— A senhora entende que eu devo dançar com as outras damas, não
entende? — Aiden perguntou, assim que os últimos acordes da valsa
terminaram. — Inclusive com Lady Madeline.
— Assim como eu não devo recusar o pedido de outros cavalheiros. —
Ela o seguiu para o canto do salão, deixando o centro para os próximos casais
que já se posicionavam para a próxima dança. — Mas eu acho que devo
voltar para Thanet Bay, Alteza. Continuar aqui é…
— Justo, para a senhora. Uma tortura, para mim. Eu gostaria de pedir que
me espere, que vá para casa comigo.
— E isso não seria inapropriado? Se nos virem saindo juntos, vão
comentar. Já estão comentando.
Claro que iam comentar, mas Aiden suspeitava que fariam isso de
qualquer jeito. Já havia várias fofocas sobre uma mulher que passou dias
trancada com o duque, e como ele foi desonroso com ela, como ele a
arruinou. Depois da presença de Elizabeth em Greenwood Park, todos
acabariam associando a misteriosa mulher à visitante desconhecida que
estava hospedada na propriedade ducal. Então, deixar a festa com ela seria
apenas mais um ingrediente para servir de combustível à fofoca.
Que ele não pretendia fomentar, pelo bem da honra de Elizabeth. Aiden
pouco se importava que o considerassem um libertino. Ele não era, mas
ganhara fama por não demonstrar nenhum interesse em se casar ou cortejar
uma dama. Só que Elizabeth não merecia ser o centro do escárnio da maldosa
sociedade londrina. Mesmo que ela não fosse uma dama. Mesmo que ela não
fosse uma virgem que ele pudesse arruinar. Se ele pudesse evitar que ela
fosse atirada aos leões, então o faria.
— Tem razão. — Aiden beijou os nós dos dedos dela, por cima do tecido
fino da luva. Eles ainda estavam trêmulos. — Aguarde algumas poucas
músicas e volte para casa, se assim desejar. Nos vemos em outra
oportunidade.
Durante todo o trajeto para Thanet Bay, Elizabeth tentou aceitar o que
significavam as palavras de Aiden, ao despedir-se dela. Era uma promessa,
mas uma promessa futura. Eles se veriam, aquilo aconteceria um momento ou
outro, mas seria depois. Depois daquela noite. Depois daquela valsa. Apenas
depois.
Então, depois de algumas músicas e duas valsas dançadas com homens
que ela fora apresentada superficialmente pouco antes, ela escapuliu pela
porta lateral do salão. Fora cobertada por Lady Agatha. A jovem não
concordou muito com a fuga, mas parecia tão satisfeita com alguma coisa que
a auxiliou a sair sem ser notada.
Ele quer te ver. Uma voz ecoava no vazio da mansão em que todos
dormiam. Não havia nenhum som humano produzido nos espaços comuns.
Todos os criados já tinham se recolhido, os filhos dela dormiam
profundamente em suas camas e a duquesa estava em sua clausura regular.
Espere por ele, a voz insistia. Mas onde? Sentada como um espectro em uma
sala qualquer?
Elizabeth fechou a porta dos fundos, deixando-a cuidadosamente
destrancada para que o cocheiro pudesse entrar quando chegasse e olhou para
a escuridão. Acendeu uma vela e tomou uma decisão - ela esperaria por
Aiden até que ele chegasse, mesmo que demorasse muito. E ela o esperaria
da forma como gostaria que ele a visse.
Cada passo dado na escada que conduzia aos quartos foi uma sentença
que a condenava a uma vida de pecado. Era uma resolução importante - a
aceitação de que o desejo que sentia por Aiden Trowsdale era mais forte do
que o medo de partir seu coração. Que a paixão que experienciava precisava
de vazão.
Em silêncio e tremendo como se seus músculos estivesse virando pudim,
Elizabeth entrou nos aposentos do Duque de Shaftesbury e começou a
acender todas as velas que haviam em sua vista. Logo, o quarto estava
iluminado, aquecido e aconchegante.
O ambiente era ricamente decorado. Aquela era a primeira vez que ela
realmente notava os aposentos do duque - aquele espaço ainda nem mesmo
tinha sido inventariado por ela. Papéis de parede com padrões sóbrios e cores
pastéis, uma cama de mogno imponente, com um enorme dossel que subia
até o teto e cortinas de seda, em tom verde claro com bordados, que se
embolavam ao chegar ao chão. Havia duas janelas grandes, uma de cada lado
da cama, e uma lareira com lenha queimando na parede da esquerda.
Tudo ali era masculino e cheirava a Aiden. Era como se cada parte
daquele lugar estivesse impregnado de sua presença. Elizabeth então
começou a retirar suas roupas - ao menos as partes que ela conseguia
alcançar. Desfez o penteado, retirou a maquiagem do rosto com um pano
úmido, arrancou os sapatos e puxou as meias pelas pernas. Também retirou
as calçolas e restou apenas com os impossíveis botões do corpete e das saias,
que seus dedos não conseguiam alcançar.
O coração dela martelava em batidas tão altas que ela teve medo de
acordar a duquesa. Sentou-se em um sofá próximo à lareira e esperou,
temendo que precisasse esperar demais. Talvez Aiden não fosse chegar logo
e, se chegasse, estaria com Lady Agatha. E se a lady visse a claridade vinda
do quarto do irmão? Mas ela ainda assim queria arriscar.
Duas horas inteiras se passaram até que ela ouviu os cavalos e uma
carruagem parou no pátio frontal. Seu coração disparou novamente mas
Elizabeth não se moveu. Manteve-se ali, sentada e tentando demonstrar que
não estava ansiosa em invadir o quarto de seu patrão no meio da madrugada.
Mas, quando a porta se abriu e ele entrou, todas as suas dúvidas viraram
certezas. No instante em que ele a viu ali e a forma como os olhos dele
capturaram os dela, tudo aquilo pareceu apenas a coisa certa a se fazer.
Sem dizer uma palavra, Aiden deu alguns passos na direção dela, puxou-a
para cima pelas mãos e a beijou.
— Eu sonhei em encontrá-la aqui. — Ele murmurou com os lábios ainda
colados ao dela. Elizabeth levou a mão até o pescoço dele e entrelaçou os
dedos em seus cabelos. — Estou sonhando, ainda?
— Eu não deveria estar aqui. — Ela disse. — Mas não é como se eu fosse
uma virgem sendo arruinada por um duque libertino.
Elizabeth afastou-se alguns centímetros e enxergou a confusão divertida
nos olhos dele.
— Eu vim porque eu… — Ela tentou complementar, mas ficou sem
palavras para explicar o óbvio. Estava ali porque desejava Aiden Trowsdale
da forma mais proibida e não sabia como fazer para evitar aquele sentimento.
O duque entendeu que ela precisava de ajuda e voltou a clamar por sua
boca, silenciando-a.
Quando chegou ao quarto e viu as luzes, Aiden parou de respirar. Ele
suspeitou o que poderia encontrar, mas não imaginava tamanha sorte. A visão
de Elizabeth sentada em seu sofá fez com que qualquer resquício de controle
o abandonasse completamente e tudo que ele pode fazer foi beijá-la. Ela
estava ali, ela o queria e isso era o suficiente por aquela noite.
Enquanto as línguas se enroscavam durante um lânguido e demorado
beijo, ele levou as mãos aos botões do vestido dela e percebeu que alguns
estavam abertos. Por mais que fosse dolorido separar-se dela naquele
momento de intensa intimidade, ele fez com que Elizabeth girasse em seus
braços para poder acessar seu espartilho.
Notou que seus dedos tremiam um pouco. Ele era um homem seguro,
forte e indiferente aos sentimentos insensatos da paixão, porém era a segunda
vez que notava seu corpo reagir tolamente na presença daquela mulher.
— A senhora está linda. — Ele sussurrou na orelha dela. — Mas eu vou
ter que tirar esse vestido.
— Por favor, eu mal consigo respirar com esse espartilho.
Ela riu pelo alívio do espartilho afrouxado. O tecido caiu por sua pele
branca e Aiden então notou que ela não estava mais vestindo nada por baixo
do amontoado de anáguas. Aquilo o excitou mais, mesmo quando ele
acreditou que fosse impossível sentir mais desejo por aquela mulher.
— A senhora foi assim para o jantar?
— Claro que não. — Ela riu, virando-se de volta para ele, o tecido do
vestido escorregando por sua pele sedosa. — Eu nunca andaria por aí sem
roupas íntimas. Eu apenas…
Os olhos dela baixaram. A timidez que o encantava contrastava com toda
a iniciativa que a conduziu ao quarto dele. Aiden a beijou suavemente
enquanto os tecidos deslizavam para o chão. Logo, todas as roupas que ela
vestia eram uma pilha amontoada em um canto e, daquela vez, havia luz o
suficiente para que ele pudesse vê-la.
— Obrigado pelas velas. — Ele se afastou alguns centímetros. As
bochechas dela irradiavam alguns tons variados de vermelho. Pelo calor do
fogo, pela intensidade do momento, pela vergonha da nudez. — Eu queria
mesmo poder te ver.
— O senhor havia amaldiçoado escuridão, antes. — Elizabeth riu. —
Agora que me vê, era o que esperava?
O duque suspirou profundamente e levou alguns segundos para formular
um pensamento. As chamas conjugadas das muitas velas acesas faziam com
que ele pudesse finalmente apreciar a mulher em seus braços.
— Não. É bem melhor.
Quando ele reivindicou a boca dela novamente, o beijo foi urgente, porém
gentil. Os lábios dele sobre os dela davam a dimensão do desejo e o encontro
das línguas era como o toque do veludo. Com as duas mãos na cintura nua,
ele puxou Elizabeth para si e forçou a carne macia dela contra suas roupas.
— Maldição. — Praguejou novamente. Ele ainda usava as roupas
elegantes do jantar e era tecido demais para tirar. Os dedos vacilantes dela
assumiram a função de abrir os botões do colete cinza, depois da camisa.
Aiden puxou o tecido pela cabeça e descartou as peças na pilha que já tinha
se formado.
Com cuidado, ele a conduziu até a cama e fez com que deitasse. Começou
a abrir os botões da calça mas Elizabeth colocou suas mãos sobre as dele.
— Eu também quero te ver. — Ela piscou e o azul reluziu sob os longos
cílios castanhos. Aiden respirou fundo novamente e colocou-se de pé. Ela
apoiou o corpo nos cotovelos para observá-lo e aquela foi a primeira vez que
ele, o quase insensível Duque de Shaftesbury, ficou envergonhado em se
despir para uma mulher.
A audácia de pedir para vê-lo nu fora algo que surpreendeu Elizabeth. Aquele
duque libertava o que havia de mais devasso dentro dela e ela estava
adorando. Quando a linda calça acinzentada que ele vestia, de corte perfeito e
elegantemente costurada, caiu pelos quadris e o expôs com completo, ela
quase se arrependeu do seu pedido.
Aiden era ainda mais lindo inteiramente despido. Seu corpo era realmente
incomum em um nobre e os músculos proeminentes de seus braços e coxas
fizeram com que ela se fixasse naquelas partes com excessiva atenção. Ele
pareceu pudico ao ser escrutinado por ela, que não conseguiu evitar deixar
seus olhos passearem por cada centímetro do homem mais lindo que ela já
vira.
Elizabeth conduziu seu olhar desde a boca vermelha e inchada dos beijos
trocados até o peito permeado de fios escuros e o abdômen esculpido. Sua
mão se ergueu na intenção de tocá-lo, mas ela não o fez. Os pelos desciam do
peito e seguiam até a magnífica ereção que despontava proeminente em sua
direção. Sua boca salivou e ela ansiou por tê-lo.
Aiden tinha razão. Não podia ser pecado se era o que desejavam.
— Eu quero você. — Ela disse, quase um murmúrio. — Eu quero que
você me possua, Aiden.
O brilho escuro daqueles olhos flamejou. Toda a expressão dele se
resumia à volúpia do momento.
— Seu desejo é uma ordem, minha senhora.
A frase, em tom zombeteiro, a chacoalhou por dentro. O duque se
posicionou sobre ela e a beijou, abrindo sutilmente espaço para si entre as
coxas trêmulas e ansiosas. Sem tirar a boca da dela, aproximou o pênis
intumescido da sua feminilidade e se introduziu lentamente em Elizabeth,
forçando seu peito másculo sobre ela e movendo os quadris com força
moderada. Ela estava tão pronta para ele, tão ansiosa por recebê-lo que não
foi difícil que Aiden encontrasse seu caminho até penetrá-la profundamente.
Ela gemeu.
— Desculpe-me por isso. Eu vou tentar ser delicado, mas não posso
prometer isso.
Não seja delicado, ela quis gritar. Não seja sutil. Mas as palavras não
saíram. A força das estocadas foram se intensificando à medida em que ele
movia o corpo sobre ela, forçando-a a abrir mais as pernas, provocando-a a
enlaçá-lo pelos quadris, empurrando-a contra os colchões macios. Alternando
as estocadas com beijos suaves nos lábios dela, Aiden mantinha o olhar firme
sobre Elizabeth. E ela sentia crescer, novamente, o calor que ardia em seu
ventre e descia até onde ele entrava e saía.
Era uma pena que não podia durar para sempre. Que o corpo sucumbia ao
prazer e o clímax fosse o indicativo de que aquela fricção de corpos chegaria
ao fim. Aos poucos ela ergueu os quadris para buscar mais contato. Quando
Aiden sentiu que ela estava próxima do êxtase, levou o polegar até o feixe de
nervos que ansiava por aquele toque. Elizabeth não resistiu mais. Seu corpo
inteiro convulsionou em ondas de prazer enquanto seus músculos apertavam
o membro rijo que continuava entrando e saindo dela.
A mudança de ritmo dele indicava que Aiden estava buscando a própria
liberação. Com um beijo mais intenso, ele investiu mais duas vezes.
Elizabeth o sentiu se expandir dentro dela. O corpo dele ficou pesado e uma
pegada mais forte nos quadris dela marcou o momento em que ele, com um
gemido grave, atingiu o orgasmo.
Eles não se desencaixaram imediatamente. Aiden tinha a respiração
acelerada e o corpo suado pendia sobre Elizabeth enquanto as bocas se
encontravam. Beijaram-se por minutos até que ele rolou para o lado, deitou
no colchão e puxou-a para um abraço.
A maior parte das mulheres que ela conhecia detestava o sexo. Não
queriam que os maridos as procurassem e preferiam dormir em camas
separadas. Quase todas ela reclamavam da relação sexual como se fosse uma
tortura nas vidas de cada uma. Mas ali, naquele instante, Elizabeth sentiu-se
abençoada. Nunca fora desagradável, antes, mas Aiden fez com que a
experiência fosse transcendental.
Era uma pena que ela precisasse ir embora em seguida.
Não era preciso palavras. Qualquer coisa que fosse dita poderia estragar a
perfeição daquele momento, então eles ficaram ali por muitos minutos,
deixando que seus corpos se aquecessem.
Não era amor. Não tinha nada a ver com amor, mas era o suficiente.
Quando a luz das muitas velas se extinguiu e apenas a lareira iluminava o
quarto, eles estavam abraçados sob os lençóis. Elizabeth apoiava a cabeça no
peito firme do duque e traçava os contornos de seu abdômen com a ponta dos
dedos. Mesmo na penumbra alaranjada era possível notar o quanto ele era
lindo. E ele acariciava seus cabelos e suas costas. Em silêncio, não havia
nenhum ruído que não fossem os insetos e animais do bosque ao redor da
propriedade.
— Eu preciso ir.
Foi uma afirmação duvidosa, quase soada em tom de pergunta.
— Sim, precisa. Mas eu não quero que vá. — Ele a estreitou mais forte
entre os braços. — Sou o Duque de Shaftesbury, será que não posso decidir
nem mesmo quem pode dormir ao meu lado?
Ela deu uma risada.
— Talvez Vossa Graça possa. — A saudação formal tinha um tom
zombeteiro e ele percebeu. Elizabeth levantou-se e se sentou sobre as suas
coxas, deixando que seus dedos passeassem por uma extensão maior daquele
corpo que ela adorava. — Mas, se eu ficar mais tempo aqui, talvez nenhum
de nós vá dormir, exatamente.
— E a senhora pretende me deixar acordado como?
Havia luxuria no brilho escuro dos olhos dele. Elizabeth sentiu sua
garganta arranhar, mas ela não tinha como voltar atrás. Estava ali, com aquele
homem à sua disposição, e ele a autorizava brincar com ele. Talvez brincar
não fosse uma boa palavra, mas foi a que veio à sua cabeça. As mãos então
passearam pelo tórax, pelo abdômen e encontraram os quadris firmes.
Acariciou suavemente a cicatriz avermelhada que ainda estavam ali,
demonstrando que sabia que ele havia se ferido. Ela se afastou um pouco e
tocou a base da ereção que pulsava à sua frente.
Era a primeira vez que ela prestava atenção naquela parte do corpo de um
homem. O seu marido era tímido e não gostava de luz quando iam para a
cama. Ela quase nunca vira Gregory nu. Já o duque, ele era bastante
depravado. Ele a beijou em seu sexo, tocou sua intimidade com a língua, fez
com que ela sentisse prazeres pecaminosos, e não se importava em exibir sua
masculinidade para que ela pudesse… tocar.
Então, ela tocou. Segurou-o com as duas mãos, passou o polegar pela
ponta úmida, deliciou-se com o gemido que ele soltou. Depois, levou as mãos
para cima e para baixo, simulando os movimentos que ele fazia dentro dela.
Ele gemeu mais, fechando os olhos e arqueando as costas. E foi quando ela
pensou, talvez também fosse bom se ela o beijasse ali. Afinal, ele fizera
aquilo com ela e foi uma das melhores sensações de sua vida. Por que ela não
poderia dar o mesmo a ele?
Elizabeth segurou cuidadosamente o pênis em sua mão e tocou a ponta
com os lábios. Aiden gemeu e abriu os olhos, o desejo pulsando em sua face.
Ela lambeu, passando a língua em toda a sua extensão, e o encarou. Havia
uma certa súplica em seu olhar, para que ele dissesse se gostava daquilo. Para
que ele a orientasse como fazer.
— Você pode colocá-lo na boca, se quiser.
Aiden murmurou e ela atendeu. O gosto era ácido e o toque era macio,
muito macio. Com cuidado, ela envolveu o membro rígido em sua boca e o
engoliu. O duque gemeu, se retorceu, segurou-a pelos cabelos e a fez
movimentar-se sobre ele. E foi então que ela percebeu que não era apenas ele
que estava gostando, mas ela também.
— Elizabeth. — Aiden gemeu mais. — Eu não vou aguentar.
— Não seja exagerado. — Ela riu. — Mas fico feliz que tenha gostado.
— Eu estou gostando. Suba em mim, deixe-me entrar em você. Venha.
Ele a puxou pelas mãos e ela se acomodou com a ereção em sua barriga.
Outra coisa que não estava acostumada, aquela proatividade toda. Aiden lhe
permitia o comando e ela estava adorando. Atendendo ao seu pedido, fez com
que ele entrasse completamente dentro de si. Ah, a sensação de
preenchimento era sempre fantástica. E o controle também, porque ela adorou
cavalgá-lo até que ele não resistisse mais, virasse por sobre ela na cama e
terminasse conduzindo-os ao ápice mais uma vez.
Capítulo vigésimo primeiro
O bom humor de Aiden se esvaiu quando ele soube que sua mãe estaria
presente no desjejum. Alguns meses atrás ele adoraria tê-la para as refeições.
Enquanto o pai ainda era vivo, sua admiração pela mãe era imaculada,
mesmo que ela nunca lhe dirigisse uma palavra de afeto. Desde o falecimento
do duque, tudo que a mãe fazia era aborrecê-lo. Principalmente no trato com
Agatha. E ele estava começando a se fatigar disso.
— Vossa Graça, há um mensageiro aguardando. — Geoffrey disse,
enquanto ajudava o duque a se vestir. — Ele diz que traz um convite do
Visconde de Whitby.
— Certo. Pode descer e dizer a ele que me aguarde.
O criado assentiu e retirou-se, deixando Aiden sozinho e pensativo. Ele
mal tinha acordado e ainda sentia o calor do corpo de Elizabeth sob o seu.
Sentia o gosto dela em sua boca e céus, era como se ele ainda pudesse sentir
os espasmos do prazer que ela lhe proporcionou. O desejo que nutriu pela
mulher, desde que a conhecera, não amenizou apenas porque ele a possuiu.
Ao contrário, se intensificou.
Seus compromissos não o deixariam divagar sobre o rompante da noite.
O criado de Miles Westphallen portava um convite para uma tarde de
cavalheiros e incluía os investidores. Os planos para a revitalização das
docas, para a construção de navios e para a indústria ferroviária não estavam
mais no papel. Em breve a primeira fábrica de locomotivas seria inaugurada e
Aiden estava certo que ela instauraria uma nova era para a nobreza inglesa.
E ele ainda precisava enfrentar a duquesa.
— Bom dia, mamãe. — O duque fez uma reverência e beijou a mão da
senhora franzina que estava sentada à mesa. — Vejo que anda disposta,
descendo com frequência para as refeições.
— Quero as novidades do jantar. Como foi sua dança com Lady
Madeline?
— Foi uma dança. — Aiden sentou-se e aguardou ser servido. — Minha
irmã já acordou?
— Ainda não, Alteza. — Disse o criado.
— Eu exigi que fosse a primeira, Aiden. E eu exigi que ela significasse o
início de um cortejo. Não era para ser “uma dança” apenas.
— Mamãe, eu fiz exatamente o que prometi. Mas devo lembrá-la que a
senhora não exige nada nessa casa. Eu sou o Duque de Shaftesbury.
A duquesa não demonstrou nenhum abalo pela autoridade do filho. Ela
não acreditava que ele fosse desobedecê-la porque ele nunca o fez. Aiden
sempre tentou agradar a mãe, principalmente depois do nascimento de
Agatha e de sua reclusão pela doença. Mas ela estava começando a extrapolar
limites. Ou ele estava incomodado por saber que precisava cortejar e noivar
uma mulher que não fosse aquela que frequentou sua cama na noite anterior.
Depois de alguns minutos, Agatha desceu para o desjejum e tratou de
ocupar a mãe com assuntos femininos. Isso deu ao duque a oportunidade de
retirar-se.
— John, vou ao meu escritório. Peça que a Sra. Collingworth me encontre
para as orientações do dia.
— Estou bem aqui. — A duquesa se manifestou. — Posso muito bem
cuidar dos afazeres da governanta.
— A senhora não cuida de nada há anos. — O sorriso na face de Aiden
não suavizava a dureza de suas palavras. — A governanta sabe que responde
a mim, portanto prefiro continuar mantendo o bom funcionamento da casa.
O duque ignorou os resmungos da mãe e fez aquilo que se propôs.
Enquanto selecionava documentos para a reunião na casa do Visconde de
Whitby, pensava em como resolver os problemas que estava causando.
Envolver-se com a plebeia por quem estava certamente apaixonado era a pior
decisão possível - e nunca parecera tão adequada. Ele sabia que não devia,
mas não conseguia evitar.
E, quando ela entrou pela porta, já despida do vestido elegante da festa e
trajando suas roupas simples de criada, Aiden sabia que estava com
problemas. Seu coração parou de bater por alguns segundos e ele sorriu.
— Mandou me chamar, Alteza?
O brilho azul dos olhos dela estava mais cintilante pela luz do sol que
penetrava pela janela aberta. Aiden apoiou os documentos na mesa e quis ir
até ela, pegá-la nos braços e beijá-la. Limitou-se a expirar uma grande
quantidade de ar para dentro de seus pulmões.
— Preciso que organize a casa para o final de semana. Vamos receber
muitos convidados e já enviei mensageiros para os quatro cantos de Kent. —
O duque serviu-se de um conhaque. — Também gostaria de saber como a
senhora está.
Elizabeth corou. O rubor rosado em suas bochechas fazia com que ela
ficasse exatamente como na noite anterior.
— Assim que eu tiver a lista de convidados em mãos, farei a melhor
distribuição de quartos e organizarei os lugares à mesa. O senhor pode se
tranquilizar, eu tenho alguma experiência com jantares e eventos da nobreza.
— Tenho plena confiança em sua competência, Elizabeth.
Aiden se aproximou dela e levou uma das mãos para cuidar de uma
mecha de cabelo que caía para fora do gorro que ela sempre usava para
trabalhar. O polegar deslizou pelas bochechas e ela baixou o olhar, não
conseguindo encará-lo. O duque levou sua boca até a dela e a beijou.
Não foi erótico, não foi intenso, foi apenas um carinho com os lábios.
— Preciso passar o dia fora, estarei com Miles Westphallen. Não deixe
que minha mãe a aborreça, mesmo que ela tente.
— Terei muito trabalho por esses dias. Manterei-me longe da duquesa.
Aiden sorriu e a dispensou. Assim que Elizabeth deixou o escritório, ele
se deu conta de que estava sorrindo e sentindo seu coração bater no ritmo. Ele
já gostava tanto da presença daquela mulher e se permitia ficar tão feliz
quando conversava com ela, ou simplesmente a tocava, que não imaginava
mais passar um dia sem vê-la. Ele a queria ainda mais depois da noite
anterior, se aquilo fosse possível.
Não era difícil evitar a duquesa viúva. Elizabeth tinha muitas tarefas e ainda
tinha que cuidar dos filhos, cuidar do felino que ficava em seu quarto para
evitar causar distúrbios, dar atenção a James Hodges, o homem interessado
em cortejá-la. Isso tudo depois de ter passado alguns bons momentos na cama
do duque, fazendo tudo que ela sabia ser pecado e sem nenhum remorso em
pecar.
Faltavam apenas três dias para o grande evento em Thanet Bay e ela
precisou contar com todos os empregados para que os preparativos dessem
certo. Montou um cardápio impecável com as cozinheiras, solicitou que
Granger fosse à vila para repor a dispensa e adquirir alguns itens necessários
para os pratos que foram escolhidos, deu orientações às arrumadeiras para
que ajustassem cada quarto de acordo com o convidado que fosse ocupá-lo.
Os quartos das mulheres teriam flores frescas todo dia e roupa de cama
clara, em tons de rosa, amarelo e lilás. Os quartos dos homens seriam os de
móveis mais escuros e papéis de parede com padrões mais agradáveis aos
gostos masculinos. Os casais ficariam na ala esquerda, o mais longe possível
do quarto da duquesa viúva. Seria conveniente para os maridos e suas esposas
que os momentos de amor entre eles, caso acontecessem, não fossem chegar
aos ouvidos sensíveis da mãe do Duque de Shaftesbury.
A casa inteira estava agitada pela proximidade do evento e o duque se
manteve o máximo possível ocupado com negócios. Elizabeth sabia que ele
precisava fechar alguns investimentos importantes e que aquele final de
semana seria um marco para os seus projetos. Mesmo assim, sentiu falta de
vê-lo, de conversar com ele, de estar com ele.
— Mamãe, o gato fugiu. — Peter apareceu na cozinha, enquanto ela
escrevia a distribuição dos assentos durante os almoços e jantares. — Patrick
deixa a porta aberta, ele não presta atenção.
— Certo, conversarei com Patrick sobre isso. — Ela chamou o filho e
afagou sua cabeça. — Vá procurá-lo e tente não fazer muito barulho. Não
queremos incomodar as pessoas.
O menino assentiu. Elizabeth pegou um pedaço de presunto e entregou ao
filho, para que ele usasse o cheiro como isca para o bichano. Acabou
preocupando-se com Patrick, que passava tempo demais nos estábulos com
Reggie. O filho não estava fazendo as tarefas que ela mandava nem
estudando. Tudo que fazia era cuidar de cavalos.
Naquele momento, Elizabeth considerou que precisava tomar uma
decisão quanto a James Hodges. Se ela fosse aceitar se casar com ele, e
aquela era a evolução natural do cortejo que ela tinha autorizado, ela não
poderia ter dormido com Aiden. O que aconteceu entre ela e o duque não
representava mais do que libertação carnal, porém ela se sentia muito imunda
aceitando o cortejo de um homem enquanto se entregava ao pecado com
outro.
Ela não queria pensar naquilo por enquanto. Sabia que tinha, preferia
evitar. Os dias passaram atarefados e ela quase não interagiu com a família
Trowsdale, mesmo que se sentisse observada todos os minutos. Apenas um
episódio fez com que ela se constrangesse - quando Lady Agatha a inquiriu
dois dias depois do baile.
— Elizabeth. — A jovem entrou no salão de chá enquanto a governanta
inventariava as louças. — Conte-me sobre a noite em Greenwood Park.
— Não sei o que dizer, milady. — Ela continuou a tomar nota de todos os
pratos, xícaras, bules e porcelanas enquanto conversava. — Mas gostaria de
agradecer por ter me dado a oportunidade de recordar minha adolescência.
Foi uma noite muito agradável.
— Quero saber sobre a senhora e meu irmão! — A lady falava baixo,
demonstrando que não queria ser ouvida por ninguém além da sua
interlocutora. — Vocês dançaram, ele estava fascinado pela senhora!
Sim, ele estava. Elizabeth se deixou perder por alguns segundos,
relembrando o baile, a dança, os olhares. Depois a noite, a entrega, o prazer
que compartilharam. E, então, ela não esteve mais com ele. Da mesma forma
que sabia que o duque estava muito ocupado, ela não podia deixar de sentir
insegurança.
— Milady, mesmo que ele estivesse, o fascínio era por uma personagem.
Eu não sou uma dama com quem Vossa Graça pode pensar em se casar.
Lady Agatha fez uma careta de reprovação, demonstrando que ela não
queria saber das diferenças sociais entre eles. Que ela as ignorava e que
apostava que Aiden também ficasse satisfeito em descumprir as regras
impostas pela rígida sociedade londrina. Mas a jovem não tinha a malícia de
quem já vivera nos dois mundos. Elizabeth sabia que a aceitação social era
importante. Que todos os negociantes burgueses que tinham projetos com o
duque só pensavam no prestígio social que aquela aproximação poderia
causar.
— Eu quero conversar com ele, mas Aiden está o tempo todo envolvido
com assuntos masculinos. E mamãe está tão presente esses dias! Mas ela é
cruel, ela me monitora e ela faz perguntas desagradáveis, então estou
tentando me portar mais adequadamente.
A lady deixou o salão insatisfeita por não obter as respostas desejadas.
Elizabeth não podia deixar que Agatha soubesse que o baile produziu parte
dos efeitos que ela imaginava. Ela e o duque se envolveram, mas aquele
envolvimento só representava a degradação moral de Elizabeth.
Na sexta-feira os convidados chegariam e começariam a ocupar os
quartos e demandar atendimento. Ela precisava garantir que tudo saísse a
contento.
Mesmo que o gato continuasse fugindo. Mesmo que Patrick insistisse em
passar mais tempo com cavalos que com livros. Mesmo que Hodges se
oferecesse para realizar alguns trabalhos e flertasse com ela durante o
processo. Todos os seus esforços estavam voltados para fazer com que o final
de semana fosse um sucesso. Apenas isso
O DIA FOI EXAUSTIVO , mas transcorreu com perfeição. Por volta de meia
noite os convidados se recolheram, já que haveria uma caçada no dia
seguinte. Os criados também foram dormir, mesmo que alguns não
conseguissem ter um sono tranquilo. Nobres sempre chamavam, no meio da
madrugada, com desejos estranhos. Elizabeth conferiu que seus filhos
dormiam, que o gato estava preso no quarto com eles, e foi para quintal com
seu romance.
Não havia mais luz pela casa. A lua brilhava alta no céu e as estrelas
proporcionavam um lindo cenário para que ela pudesse avançar na leitura.
Com uma vela pendurada na parede, Elizabeth acomodou-se na parte de trás
da mansão. Ninguém ia ali além dos empregados.
Ela não conseguiu se concentrar. Seus olhos se perderam no horizonte,
para além dos estábulos. Havia fumaça saindo das casas que ficavam nos
arredores. Uma delas era de James Hodges, seu pretendente, e ela tinha
ficado tão ocupada que não o vira naquele dia. Também não queria vê-lo.
Depois do episódio na lavanderia, tudo que ela queria era Aiden Trowsdale.
Com tantas coisas para ocupá-la, ela esperava não pensar no duque a cada
minuto. Mas estava enganada.
Cinco páginas depois, Elizabeth desistiu de ler. Olhou para cima e viu luz
na janela do quarto do duque. A brisa causou-lhe calafrios. Se aquele trabalho
não fosse tão importante para ela, a coisa certa a fazer seria ir embora no dia
seguinte. Aquilo já tinha passado dos limites. Seus sentimentos por Aiden
eram perigosos demais, ela acabaria com o coração partido.
— Essa iluminação não é adequada para uma boa leitura.
A voz fez com que ela se sobressaltasse e virasse para trás. A figura
soturna de um homem vestindo calças cinza e camisa branca de linho entrou
em seu campo de visão. Ele tinha os cabelos um pouco desalinhados, mas foi
como esteve o dia inteiro. Aiden Trowsdale era lindo de toda forma que
desejasse aparecer.
— Já estava me recolhendo.
Ela fechou o livro e se levantou. Os olhar dele observou cada movimento
do seu corpo.
— Estou indo à casa do poço. — Ele disse, sem desprender os olhos dela
por nenhum segundo.
— Está muito escuro por lá, Alteza. É perigoso.
— Não há perigo algum. Qualquer pessoa poderia ir até a casa se
soubesse o caminho.
Ele não disse mais nada, apenas deu alguns passos e se afastou. Elizabeth
ficou ali, segurando o livro na mão e em dúvida se aquilo era um convite ou
uma ameaça.
Mesmo sabendo que nada bom sairia de seu relacionamento com o Duque de
Shaftesbury, Elizabeth se sentiu muito bem quando ele disse que a desejava.
Melhor ainda, porque ele disse que era dela. Ele pertencia a ela, mesmo que
não pertencesse. Aquilo significava mais do que um simples desejo carnal.
Sentada na banheira de metal ao lado da lareira, com água cobrindo seus
ombros, ela olhava para a chama flamejante enquanto seu pensamento
divagava. Não sentiu a aproximação dele até que mãos firmes tocassem sua
pele sensível.
Aiden segurou os cabelos dela e ajeitou com as mãos, deixando a nuca
desnuda. A respiração dele aqueceu a pele exposta e logo foi substituída
pelos lábios quentes. Elizabeth sentiu um calafrio percorrer-lhe a coluna.
— Eu vou cuidar de você, agora.
Ela sorriu. Naquele momento ela não era mais senhora. No breve tempo
que passavam juntos, não eram necessários pronomes de tratamento. Depois
que ele declarou pertencer a ela, não havia mais hierarquia entre o que
sentiam um pelo outro.
— Preciso voltar para a casa. Se derem por minha falta…
— Você é a governanta. — Ele colocou sabão nas mãos e as enfiou na
água. Elizabeth se contorceu ao toque dos dedos longos em sua barriga, em
seus quadris, em suas coxas. — Não tem que atender chamados de
madrugada. Ainda tem muito que eu queira fazer essa noite.
— Vossa graça é muito mimado.
Elizabeth deitou a cabeça na borda da banheira. Aiden massageava a parte
interna das coxas dela e roçava a ponta dos dedos em sua abertura feminina.
— Eu sou. Mimado, devasso e estou morrendo de desejo.
Aquilo foi o suficiente para que ela risse, mas o riso se transformou em
um gemido baixo quando ele acariciou-a no ponto mais sensível do seu sexo.
Elizabeth abriu-se para que ele pudesse tocá-la melhor. Mais profundamente.
Enquanto Aiden usava os dedos para estimulá-la, beijava seu pescoço, seu
ombro, mordiscava o lóbulo da orelha.
Os sons que ela não conseguia evitar a deixariam constrangida, antes. O
duque libertou o seu lado mais impudico. E ele demonstrava satisfação em
fazê-la gemer, provocando-a e excitando-a ao máximo. Os carinhos cessaram
e ela abriu os olhos querendo protestar. Viu Aiden crescer em seu campo de
visão e entrar na banheira com ela.
— Aiden. — Ela se encolheu, dobrando as pernas. — Não há espaço para
nós dois.
— Da forma como eu planejo ficar, há bastante espaço.
O duque riu e acomodou-se, erguendo-a pela cintura para fazer com que
ela se sentasse sobre suas pernas. A água estava esfriando, não importava. A
compreensão daquele corpo nu e excitado no qual ela estava apoiada fez com
que ela desejasse ser possuída. Imediatamente.
Ele não tinha mais o sorriso em seus lábios. Olhava para ela com desejo e
reverência, passando as mãos espalmadas pelos seus braços, pernas, barriga.
A expressão dele era perturbadora e capaz de confundi-la.
A posição era incômoda mas não atrapalhou que Elizabeth segurasse o
membro rígido do homem e sentasse sobre ele, permitindo uma penetração
profunda. Daquela vez ele não tinha pressa. Com as mãos apoiadas nos
ombros dele e os joelhos dobrados dentro do espaço reduzido, ela o cavalgou
lentamente enquanto ele esfregava seu botão rosado com o polegar.
Mais uma vez, Aiden não permitiu que ela atingisse o clímax. Ergueu-se
da banheira, derramando água pelo chão, e jogou-a sobre o colchão macio da
cama que estava pronta esperando por eles. Depois, forçou os joelhos dela
abertos e levou a boca até o centro de sua intimidade.
Elizabeth praguejou e se contorceu com a língua dele em suas partes
íntimas. Não era a primeira vez. Ela já sabia que não era ilegal, ao menos
para as leis britânicas. Porém, as sensações foram mais inebriantes. Talvez
porque ela o desejasse mais, ou porque ele já a havia estimulado o suficiente.
Todo o interior dela pulsava e ansiava por um contato mais profundo.
— Aiden, por favor. — Ela disse, a voz embargada pelo prazer iminente.
O duque lambia e chupava o feixe de nervos intumescido e protuberante em
sua feminilidade e quase lhe tirava os sentidos. — Por favor, me possua.
— Não agora, minha querida. — Ele a penetrou com os dedos para
proporcionar algum alívio. — Como eu disse, ainda há muito o que eu queira
fazer. Vamos nos divertir muito essa noite.
Ela quis dizer que obviamente eles não tinham muito mais tempo, mas foi
silenciada pela boca dele novamente. Aiden a beijou, sugou os lábios, passou
a língua pelos mamilos tesos. Segurou um com o dente e mordiscou enquanto
acariciava-a entre as pernas. Toda vez que Elizabeth sentia que iria explodir
em um prazer inebriante, ele retrocedia e começava tudo novamente.
Até que ele a atendeu e a penetrou enquanto mantinha os estímulos na
zona mais sensível da sua intimidade. Elizabeth cravou os dedos nos lençóis e
arqueou os quadris para receber o orgasmo mais intenso de sua vida. Ela não
tinha experiência naquelas sensações. Depois de conhecer Aiden ela teve
certeza que nunca tivera nenhum tipo de prazer como aquele durante o ato
sexual. O duque fazia com que ela desejasse ser tocada, penetrada e
manipulada. Fazia com que ela quisesse passar um dia inteiro sendo beijada e
possuída por dele.
A mulher era deliciosa. Vê-la gozar em sua boca, em sua mão, enquanto ele a
possuía, dava a Aiden uma sensação de poder que ele achava já ter sentido
outras vezes. Mas não. Havia algo diferente nela. Podia ser a resistência da
governanta em ceder às suas propostas de tomá-la como amante. Mulheres
difíceis eram sempre mais intrigantes. Porém ele suspeitava que era algo mais
do que a sedução pela caçada. Por mais que o duque gostasse de ser
desafiado, não era apenas o desafio que o atraía.
Ele estava olhando para ela havia vários minutos. Era tarde, muito tarde, e
até os ruídos do bosque estavam silenciosos. Os dois já tinham feito amor três
vezes desde que chegaram à casa do poço e Elizabeth cochilava nos braços
dele. Os cabelos loiros e cacheados estavam desgrenhados, ela tinha as
bochechas rosadas e a respiração suave.
A imagem fez com que o coração dele pulasse algumas batidas. Todo o
corpo dela era de uma beleza que ele ainda não vira. A pele era branca e
macia como se uma porcelana pudesse ser estofada com algodão. Os seios
eram fartos, os mamilos rosados e do tamanho perfeito. Para ele.
Ela era perfeita para ele.
E, ainda assim, Elizabeth guardava algumas marcas de quem ela era.
Pequenas cicatrizes, calos nas mãos, notas de que sua pele fora castigada pelo
tempo sem os cuidados merecidos. Nada que diminuisse sua beleza. Ao
contrário, aquelas marcas davam a ela personalidade. Elizabeth era única.
Aiden aconchegou-se ao lado dela, garantindo que a mulher não
acordasse, e adormeceu. A exaustão do dia e da noite fizeram com que ele
dormisse profundamente até os primeiros raios de sol penetrarem pelo vidro
da janela, fazendo-o despertar.
— Volte para a cama.
Ele se ajeitou entre os lençóis quando viu Elizabeth saindo da banheira.
Ela já tinha acordado, tomado banho e estava pronta para voltar para a vida
real. E a vida real não permitia que eles ficassem juntos.
— Bom dia, Alteza. — Ela lhe sorriu. — Está na hora de retomar minhas
atividades. Os criados vão questionar onde estive e terei que inventar
mentiras. Meus filhos já devem ter acordado e também vão me questionar. Eu
não deveria ter dormido tanto.
Aiden se levantou, vestiu suas calças e a interceptou no meio do quarto.
Ajudou-a a abotoar as saias e ordenou que ela se sentasse à frente do espelho.
Ele também queria ajudá-la com os cabelos. O duque adorava os cabelos de
Elizabeth.
— Não tenho nenhuma vontade de voltar. Gostaria de ficar aqui pelo dia
inteiro. Talvez o final de semana. Mas aguardarei que você saia para que não
sejamos vistos juntos.
Ela lhe sorriu e ele não resistiu. Fez com que se levantasse e a beijou na
boca. Elizabeth se abriu para recebê-lo, a lingua tocando a dele como se fosse
veludo e seda.
Claro que Elizabeth estava perdendo o juízo. Louca, talvez, como se a doença
não lhe tivesse afetado os pulmões, mas a cabeça. Ainda assim, saiu sorrindo
da casa do poço. Cada momento compartilhado com o duque fazia sua visão
mais clara, o dia mais ensolarado e o cantar dos pássaros mais belo. A mesma
realidade que a impedia de ser a nova duquesa também a fazia sorrir como as
mocinhas tolas dos romances.
Ela não conseguiu enganar nenhum dos empregados, mas eles também
não lhe perguntaram nada. Os filhos estavam acordados e sendo alimentados
por Loretta, que adorava entupir os pequenos de pães e bolos logo nos
primeiros minutos da manhã.
— Eles me ajudam provando a comida. — Era a desculpa que ela dava.
Elizabeth sabia que a solteirona desenvolvera afeto pelos meninos e fazia
aquilo porque queria cuidar deles. Depois de vestir uma roupa mais adequada
à manhã de atividades da casa, a governanta foi coordenar a preparação do
desjejum porque os homens sairiam para caçar.
— Não consigo entender o prazer em perseguir animais indefesos.
Ela resmungou enquanto conferia as louças que Gertie estava secando. As
criadas estavam no salão principal. As cortinas de tecido bordado,
estampadas com dourado, estavam abertas e havia muita luz solar penetrando
pelas janelas.
— Mas eles não caçam animais! — Gertie respondeu a uma pergunta não
feita. — A senhora não sabe? O duque é contra maltratar animais. A caçada é
uma espécie de busca por um tesouro escondido. Os cães sentem o cheiro que
os criados deixaram nas pistas e o prêmio final é sempre algo muito valioso.
— Por isso os nobres adoram a caçada dos Trowsdale!
Outra criada demonstrou animação. Elas começaram a falar sobre as
vantagens de se trabalhar para a família, mesmo com a presença da duquesa
na casa. Elogios ao duque e a Lady Agatha, elogios ao falecido Albert
Trowsdale, elogios os eventos e festas que eles faziam e aos trabalhos
comunitários que eles conduziam. Se Elizabeth já não estivesse apaixonada
pelo duque, ela imaginaria que aquela conversa era um plano de Lady Agatha
para mostrar a ela o quanto o irmão era um homem interessante.
Depois de supervisionar o salão e garantir que tudo estava perfeito,
Elizabeth precisava ir à vila buscar algumas encomendas. Pediu que a
carruagem dos empregados a levasse para não ficar muito tempo fora. Sua
programação costumava ser impecável, ela nunca se atrasava ou deixava de
cumprir o cronograma. Sem intercorrências, estaria de volta logo após os
convidados terminarem a refeição e poderia, assim, organizar o salão de baile
como desejava quando todos estivessem na caçada.
Mas, quando ela retornou para Thanet Bay, carregando caixas e mais
caixas de ornamentos para decoração, percebeu uma agitação nos estábulos.
O jovem Reggie estava nervoso e, assim que ela saiu da carruagem, veio
correndo ao seu encontro. Sua expressão era de medo e o menino estava
branco como cera de vela.
— Sra. Collingworth. Sra. Collingworth, o Patrick.
A menção do nome de seu filho fez com que ela quase derrubasse a caixa
que carregava.
— O que tem o Patrick, Reggie?
— Ele pegou um cavalo e saiu, senhora. Tem poucos minutos, eu tentei
impedir mas ele é muito rápido. Ia montar para ir atrás dele mas vi a senhora
chegando.
Reggie estava agitado e atropelando a fala. James Hodges apareceu para
intervir ao ver o filho transtornado.
— Como assim ele pegou um cavalo?
— O que houve para ele fazer isso, Reggie? — Hodges questionou. —
Você fez algo com ele?
— Não. Ele saiu da casa, correndo. Estava chorando.
O centro de gravidade de Elizabeth girou e ela precisou ser amparada pelo
cavalariço para não cair ao chão. Aquilo não fazia sentido para ela. Patrick
sempre fora um garoto tranquilo e muito educado. Ele nunca pegaria um
cavalo sem permissão e sairia galopando pela propriedade se algo muito
grave não tivesse acontecido.
— Reggie, reúna alguns homens. Vou levar a Sra. Collingworth para
dentro e vamos sair em busca do garoto. Chame os arrendatários e seja
rápido.
Capítulo vigésimo quarto
A BUSCA por Patrick gerou uma comoção que se espalhou rapidamente por
Thanet Bay. Elizabeth não quis aceitar ser conduzida para a mansão, mas ela
tremia muito e não estava em condições de ficar de pé. Loretta preparou um
chá de valeriana e fez com que ela bebesse, enquanto uma operação de
resgate era montada nos bastidores.
Hodges conseguiu reunir três dos arrendatários. O ajudante do estábulo
ficaria porque os nobres estavam já saindo para perseguir o tesouro. Para não
perturbar o evento, o cavalariço decidiu conduzir a busca como uma atividade
paralela. Esforçou-se para evitar que os convidados percebessem qualquer
movimentação que não fosse aquela planejada para eles.
Mas ele não conseguiu enganar o Duque de Shaftesbury. Vestindo uma
calça de montaria de camurça escura, camisa branca e colete de brocado,
Aiden Trowsdale percebeu que alguns dos seus arrendatários estavam ali nos
estábulos e que as baias estavam todas vazias. Os cavalos menos valiosos
tinham sido retirados e estavam selados nos fundos do estábulo.
— Há algo errado. — Aiden disse, atraindo a atenção do conde. Edward
aproximou-se para ver o mesmo que via o amigo. — Sr. Hodges, por que os
arrendatários estão nos estábulos e porque os cavalos estão selados nos
fundos?
O cavalariço se aproximou com algum receio. O duque era um homem
gentil, mas seu excesso de autoridade fazia com que os criados temessem
algumas explosões.
— Eles vão sair em uma busca pela propriedade, Alteza.
— Busca de que?
— O filho da governanta. Ele desapareceu e vamos procurar o menino.
A informação atingiu o duque como um soco no queixo ou uma pontada
do florete. Ele olhou ao redor mas não viu Elizabeth.
— Explique-me isso. Quem desapareceu e o que houve?
— Não sabemos direito, Alteza. Meu filho, Reggie, viu o jovem Patrick
sair correndo da casa, pegar um cavalo sem sela e galopar descontrolado pelo
campo. Prometemos à Sra. Collingworth que acharíamos o menino. Ninguém
sabe por que ele fugiu.
Aiden ficou em silêncio por alguns segundos para organizar o
pensamento. O filho de Elizabeth estava em perigo e aquela informação era
muito importante.
— Há quanto tempo foi isso? — O conde perguntou.
— Menos de meia hora, milorde.
— Avise aos convidados que a caçada mudou. — Aiden disse. — Vamos
todos sair em busca do menino. Quero todos os homens disponíveis e
indisponíveis em um cavalo. Vamos varrer cada centímetro dessa
propriedade e vamos até a vila, mas não retornamos para cá sem o garoto.
— Sim, senhor. — Hodges fez um movimento com a cabeça —
Convocarei todos os criados.
— É uma ordem minha, Sr. Hodges. — O duque insistiu. — Não aceito
nenhuma escusa de ninguém. Quem não estiver doente ou inválido nessa
propriedade deve montar um cavalo e ajudar a encontrar Patrick. Eu vou
conseguir roupas dele para provocar os cães. Edward…
Aiden virou-se para o amigo, que já estava segurando as rédeas de seu
puro-sangue. O conde costumava entendê-lo mesmo antes de dizer alguma
coisa.
— Eu coordenarei as buscas no bosque. Pedirei a Sawbridge que organize
uma expedição até a vila. Vá falar com ela.
Quando Elizabeth viu o duque se aproximando, ela não conseguira notar toda
a mobilização na casa. As mulheres estavam reunidas no jardim e
observavam, sem compreender bem, os homens se organizando em grupos. A
conversa se dava de ouvido em ouvido e, se ela estivesse consciente do que
estava acontecendo, saberia que a a fofoca não a pouparia. Não daquela vez.
Mas tudo que ocupava sua mente era Patrick. Ela ainda não sabia onde
estava Peter, tudo tinha acontecido há minutos. O chá de Loretta não tinha
produzido efeito ainda quando o duque segurou-a pelas mãos.
O movimento parou. Dava para ouvir um gota de orvalho tocar a relva.
As criadas que as cercavam se afastaram e foram cuidar de outros afazeres.
As mulheres no jardim se viraram. Aiden usava luvas, mas ele segurou a mão
despida de Elizabeth entre as suas. A forma como ele fez aquilo era íntima
demais. Um duque não deveria ter aquela intimidade com uma governanta.
— O que houve?
Ele perguntou, no instante em que Peter apareceu. O pequeno estava
escondido na cozinha e se aproximou ao ver o duque.
— Eu não sei. Cheguei da vila e Reggie veio falar comigo. Eu preciso
achá-lo, Aiden, eu tenho que… eu não posso…
— Acalme-se. — O duque esfregou os dedos dela. — Nós vamos
encontrá-lo. Todos os homens vão procurá-lo e ele não deve ter ido longe.
Provavelmente se aborreceu com alguma coisa.
— Foi a senhora elegante. — Peter murmurou por trás da saia da mãe.
Aiden ajoelhou e indicou que o menino devia se aproximar. — Ela brigou
com Patrick e ele ficou triste.
— Que senhora, Peter? — O duque segurou o menino pelos ombros.
Peter parecia assustado. — Qual das damas brigou com seu irmão?
— A fada. — O pequeno murmurou. — Ela tem os cabelos prateados
como uma fada, não tem?
A expressão estampada na face do duque indicava que ele sabia de quem
Peter estava falando. Elizabeth também sabia. Não era novidade que a
duquesa não gostava de crianças. Mas eles não esperavam que ela fosse
ofender tanto um menino a ponto de fazê-lo fugir.
— O que ela disse para o Patrick? — Aiden insistiu.
— Ele estava na biblioteca procurando o gato. Ele foge muito, Alteza. Ela
disse que ele tinha que ir embora. Que criados não podiam estar ali, que ele
não era bem vindo na casa.
Elizabeth pegou Peter no colo. O filho mais novo era pequeno, mas muito
esperto. Poucas coisas o incomodavam e ele jamais teria se afetado tanto com
uma fala da duquesa. Já Patrick era muito sensível.
O duque se levantou e limpou a poeira dos joelhos.
— Vou trazer seu filho de volta.
— Eu também vou procurá-lo. Pegarei com o Sr. Hodges um cavalo e…
— Você não vai a lugar algum, Elizabeth. — O duque interrompeu-a. —
É muito perigoso para uma mulher sair cavalgando por bosques.
— Aiden, é o meu filho. Eu vou sair atrás dele com ou sem sua
autorização. Se quiser garantir minha segurança, leve-me com você.
Nenhum dos dois notou a informalidade do tratamento na frente dos
criados. Menos ainda se preocuparam que alguém estivesse ouvindo. O
duque fitou Elizabeth por alguns segundos. Eles estavam perdendo tempo.
— A senhora sabe montar?
— Eu monto com as pernas passadas pelo cavalo. Como você.
— Pelos céus! — Aiden pressionou as têmporas. — E como pretende
fazer isso com esse vestido?
— Dê-me um minuto. Eu tenho vestes de montaria.
E ela tinha, realmente. Elizabeth não tinha a oportunidade de cavalgar há
muito tempo, mas ela adorava fazer isso como se fosse um homem. Nunca
conseguiu se adaptar à sela feminina, nem à cavalgada com saias. Entregando
Peter para que Loretta cuidasse, ela foi até seu quarto e vestiu sua roupa de
montaria. Ainda servia perfeitamente. Talvez estivesse um pouco justa nos
quadris. Mas ela iria procurar por Patrick, mesmo que isso lhe custasse o
restante de dignidade que sobrava.
D AVIES ERA um bom médico e Elizabeth não tinha motivos para não acreditar
nele. Se ele dissera que seu filho estava bem, então não havia nada a temer.
Pouco antes do doutor chegar, Patrick acordou assustado. Estava agitado e
precisou da mãe para ser contido. O médico o examinou e encontrou um
concussão apenas, nada grave. Pediu repouso, muito líquido e compressa para
a dor.
A situação fez com que Elizabeth precisasse considerar algumas coisas.
Desde o momento em que segurou o corpo inerte de seu filho, ela se culpou.
Se estivesse em casa para protegê-lo, aquilo não teria acontecido. Patrick
teria ido até ela. Ele se sentiria seguro com ela. E ela explicaria para ele que a
duquesa era uma mulher amarga e cruel. Que ele não deveria se sentir
diminuído pelo que ela falasse.
Mas Elizabeth passou a vida trabalhando e estando ausente. Tinha que
estar ausente ou não levava comida para casa. Os filhos ficavam mais tempo
com estranhos do que com ela. Aquilo tinha que acabar.
Ela não toleraria mais uma vida de ausências. De faltas. De não ter o que
comer, ou de precisar se submeter aos trabalhos mais degradantes.
Isso dava a ela duas opções. Casava-se com Hodges e se tornava dona de
casa, novamente, ou se entregava ao duque e sua proposta indecente.
Era como se não houvesse opção. Por mais digno que James Hodges
fosse, ela não sentia nada por ele além de respeito e admiração. Um homem
de certa instrução, devotado a seu filho. Ela poderia tê-lo como marido, mas
se sentira impura se pensasse no duque toda vez que se deitasse com Hodges.
Ser amante de alguém nunca passou por sua cabeça. Por não achar que
seria sequer considerada por um nobre endinheirado ou por não aceitar
tamanha humilhação. Mas, seria mesmo tão humilhante assim ser cuidada por
um homem que ela amava? Ludibriar as rígidas exigências de uma sociedade
impiedosa, para viver ao lado do homem por quem seu coração clamava,
parecia mais uma forma de rebeldia do que uma vergonha.
Os nobres estavam descansando antes da soirée e exigindo pouco de sua
atenção. Elizabeth lavava roupas pessoais quando ele chegou. Ela tinha
passado o tempo quase todo ao lado da cama de Patrick e se afastou apenas
porque ele dormia tranquilo. O duque tinha tomado banho, se barbeado e
vestia roupas limpas e engomadas. A calça bege ficava justa em suas coxas
musculosas e ela não deveria estar olhando para os quadris dele enquanto seu
filho dormia depois de um grave acidente.
— Como ele está?
Aiden parecia saber que a lavanderia conferia privacidade suficiente.
Nenhum nobre ou convidado iria ali. Os criados eram todos de confiança.
— Vai ficar bem. O doutor disse que foi uma pancada forte, mas crianças
se recuperam rápido.
— Minha mãe pagará por ter sido tão cruel. — Ele a tocou no ombro, mas
Elizabeth não estava bem para ser tocada. Ela se afastou sutilmente. — Se a
senhora preferir não mais ficar na mesma casa que ela, eu posso conseguir
que trabalhe para o Conde de Cornwall. Edward não vai negar-me esse
pedido e assim a senhora não precisará lidar com a duquesa novamente.
Elizabeth virou-se e o encarou. Ele dizia que arrumaria para ela um
emprego em outro lugar apenas para que não se sentisse mal. Se ela não o
conhecesse, pensaria que Aiden pretendia livrar-se dela. Mas Elizabeth
entendeu suas intenções ao olhar em seus olhos. Havia dor e agonia no escuro
que a engolia. A expressão rígida do duque entregava a contradição dentro
dele.
— Eu não me importo com a duquesa. Ela pode ser uma mulher cruel
mas quem deveria estar aqui para proteger meu filho era eu. São sete anos de
privações em que Patrick não pode ter a mãe em tempo integral. Estou
cansada, Alteza, exausta.
Ela explodiu e largou a roupa que estava segurando, baixando os braços
na lateral do corpo. Seu coração batia rapidamente.
— Não é culpa sua.
— Não será mais culpa minha. A sua oferta ainda está disponível?
O duque levou dez segundos para entender a pergunta que ela lhe fez. Seu
olhar era confuso até que ele ergueu uma sobrancelha e a encarou.
— Até que a senhora a aceite, sim.
— Então considere-a aceita. Eu quero que Vossa Graça seja meu protetor,
desde que prometa garantir o futuro dos meus filhos.
Um relâmpago cruzou o céu e, em seguida, um trovão anunciou a
tempestade. Não era incomum chover nos verões do litoral, mas não havia
nada que prenunciasse a chuva, antes. Aiden levou a mão para tocá-la
novamente. Daquela vez, Elizabeth aceitou. Assim como aceitou quando ele
a puxou para um abraço.
A tensão do dia desabou sobre ela como os pingos grossos que caíam do
lado de fora da casa. Abalada, Elizabeth mal percebeu quando começou a
chorar e foi amparada pelos braços fortes do duque.
— Por favor, não chore. — Ele beijou o topo da cabeça dela. — Não
posso permitir que aceite ser minha amante se isso lhe causa tanto mal.
— Não é isso. Eu estou exausta, Aiden. Eu só quero descansar. Quase
perdi meu filho, hoje. Eu não quero perder mais ninguém.
Ele levou a mão até o queixo dela e o ergueu.
— Vou pedir que meus advogados elaborem um contrato. Abrirei um
fundo em nome dos seus filhos e eles serão matriculados nas escolas que
você desejar. Também comprarei alguns bens e colocarei em seu nome, para
garantir que minha ausência não a deixe desamparada. Eu vou cuidar de você
como prometi, Elizabeth.
Ela sabia. No fundo, Elizabeth sabia que o duque era um bom homem e
que cumpriria suas promessas. Em troca de carinho, cuidado e encontros
amorosos, ele a trataria como uma princesa. Com a condição de que ela fosse
invisível.
Não frequentaria a sociedade, não seria vista em público com ele. Se
fosse, seria ignorada pelas outras damas e cobiçada pelos outros cavalheiros.
Talvez eles disputassem quando ela estaria disponível para que se tornassem
seus próximos protetores. A amante do Duque de Shaftesbury teria fama de
mulher desejável.
Tudo aquilo era repugnante para Elizabeth Baynes, a filha de um burguês
que frequentava alguns círculos sociais. A viúva Collingworth, mãe de duas
crianças, que trabalhava como criada, não podia se sentir humilhada por uma
oferta tão generosa. Muitas mulheres desejariam a posição dela. Ser a amante
de um duque era mais do que a maioria delas poderia sonhar.
E ela já tinha se entregado para ele. Seu corpo e sua alma já pertenciam a
Aiden Trowsdale.
— Quando o senhor se casar…
— Eu não vou me casar agora. — Ele a silenciou com um beijo breve. —
Eu tenho tempo ainda para produzir herdeiros que satisfaçam as exigências
legais para que o ducado permaneça na família.
Ah, como ele era bom em iludi-la. Como Aiden era habilidoso em fazê-la
acreditar em ilusões, como se ele não tivesse responsabilidades com o título
que os impedissem de viver o amor com que ela sonhava. Talvez fosse
suficiente que ela o amasse.
— Quando o senhor se casar, a sua esposa não me aceitará. — Ela
finalizou a frase, mesmo quando ele a segurava nos braços e a distraía com
carícias suaves em suas costas.
— Eu não me casarei por amor. Minha esposa não me amará a ponto de
se importar.
Era provável que não. E aquilo, também, poderia ser suficiente. Ela
poderia acreditar que, no final de tudo, ele a amasse. Apenas.
O DUQUE ESPEROU POR E LIZABETH , mas ela não apareceu. Sabendo que não
deveria continuar sendo tão indiscreto em relação a Elizabeth, tentou não
procurá-la pela casa à noite. Deu atenção aos seus convidados, mas só
conseguia pensar em tê-la nos braços novamente. A frustração quando a
manhã chegou sem que ela o tivesse visitado foi grande o suficiente para
fazer com que ele deixasse o quarto irritado.
Claro que ela não iria até ele. Com um filho se recuperando de um
acidente e tantos escândalos pela casa, Elizabeth não seria imprudente. Ela
nunca era.
Mas saber disso não aplacava a irritação de Aiden. Precisava socar
alguma coisa, bater em alguém, quebrar uma parede. Vestiu-se precariamente
e foi até o galpão dos fundos. Para sua sorte, Edward estava lá. O conde
treinava esgrima e parou ao ver o amigo.
— Você está péssimo.
Edward apontou para as olheiras que Aiden exibia. Passara a noite em
claro sem conseguir acalmar o desejo que fazia seu corpo desconfortável.
— Tive uma noite ruim. Está disposto para um desafio?
— Eu estou, mas não lutarei novamente com você enquanto estiver tão
desfocado. — O conde jogou um rolo de ataduras para cima do duque, que
deixou o objeto cair. — Vamos socar alguma coisa, assim essa ansiedade
diminui.
— Não estou ansioso.
Aiden mentiu. Enfaixou as mãos para não se ferir com o saco de areia,
enquanto o amigo fazia o mesmo. Depois, desabotoou a camisa e a pendurou
em um cabide.
— A Sra. Collingworth saiu. — Edward disse, segurando o saco de areia
para que Aiden pudesse socá-lo. — Acordei cedo e fui até a cozinha
incomodar as criadas. Ela estava vestida e de saída com Granger. Os dois
meninos dela são crianças muito bonitas.
— Ela levou os filhos? — Aiden desferiu alguns socos e sentiu uma
fisgada no pulso. Cansaço. Mas ele submeteria seu corpo à exaustão absoluta
para livrar-se daquele sentimento que o impelia a ficar com Elizabeth em seus
braços por um dia inteiro.
— Sim, saíram todos de carruagem. Acho que ouvi dizerem que iam
comprar provisões.
— Vou levá-la para Hampshire.
— É uma boa ideia. Vai ter uma casa para ela em Londres, também?
O conde empurrou o duque para o lado e trocou de posição com ele.
— Eu quero que ela esteja onde eu estiver. — Aiden confessou enquanto
ajudava o amigo a treinar. — Não é assim que as coisas são com as amantes,
certo? Estou fazendo alguma coisa errada, não estou?
— Amantes não são esposas, Aiden. Você está satisfeito com os arranjos
que fez com a Sra. Collingworth? Ela está? Acha mesmo que isso vai dar
certo?
— Eu cuidarei dela, ela terá o luxo de uma princesa, os filhos estudarão
em boas escolas. Em troca, eu a terei em minha cama. Por que raios não
estaríamos satisfeitos?
Edward deu um soco mais forte e Aiden cambaleou para trás.
— Porque você não está sendo você mesmo desde que se conheceram.
Nunca te vi passar a noite sem dormir e treinar tão desatento. Todo mundo
está percebendo que tem algo errado, Aiden. Por que não resolve isso e casa
logo com essa mulher?
O segundo soco fez com que Aiden caísse sentado no chão. Ele não
saberia dizer se o que o nocauteou foi a força do golpe de Edward no saco de
areia ou se foram suas palavras.
Ele já tinha cogitado casar com Elizabeth. Claro que tinha. O desejo que
sentia por ela era tanto que, para tê-la, ele faria a proposta. Mas ela o aceitou
como protetor, então a loucura de desposar uma plebeia sem origem não
precisava ser levada a cabo.
— Eu não posso fazer isso, Edward. Elizabeth nunca seria aceita na
sociedade, ela seria massacrada. E eu tenho minhas responsabilidades. Não
posso estar no meio de um escândalo.
— Você não liga para a sociedade. Não liga para escândalos. Você sequer
deve ter perguntado à mulher a opinião dela. Então, continue com suas
desculpas para não enfrentar seus sentimentos por ela.
O conde ofereceu a mão para que o duque se levantasse. Depois de bater
a terra da calça de camurça, ele ouviu a carruagem retornar. O barulho das
crianças. Uma partida de rounders foi organizada próxima ao galpão onde
estavam. Enquanto desenfaixava a mão, considerou que atividade ao ar livre
seria mais proveitosa do que se esconder do sol.
— Vamos ensinar a uns moleques como que se segura um bastão?
Depois que conversaram sobre os jogos, Elizabeth garantiu que tudo estivesse
em ordem para o almoço e foi até os fundos da casa. Ela não tinha nada para
fazer lá, exatamente. Queria apenas um pouco de paz. Com seu livro em
mãos, tentou ler mais algumas páginas para descobrir se o malvado marquês
obrigaria sua filha a se casar com o nobre ainda mais malvado.
Sentou-se à relva, ajeitou as saias e abriu o livro. Uma presença já
conhecida fez com que todos os pelos de sua nuca se eriçassem. Mãos
quentes tocaram seus cabelos e os soltaram das presilhas.
— Vossa Graça sabe que estamos em um lugar público, não sabe?
Ela disse sem nem precisar olhar para ele. O cheiro de almíscar e menta,
que misturava perfume e loção pós-barba, levaram Elizabeth a fechar os
olhos. Ela nunca estava preparada para resistir a ele.
— Eu tenho plena consciência disso. Da mesma forma que sei que esse
lugar não é frequentado por nenhum dos convidados, que estão se
organizando para o almoço. E que estamos distantes o suficiente para não
sermos nem vistos, nem ouvidos.
Em um segundo, Aiden estava sentado ao lado dela. No outro, ele a
deitara sobre a grama. O beijo que se seguiu foi suave, mas urgente. A boca
dele estava ansiosa e quente. Elizabeth se rendeu quando a língua dele tocou
a sua.
— Por Deus, Elizabeth. Por que não foi me ver essa noite?
Ele traçou a linha do maxilar dela com carícias. As mãos tocavam-na nos
braços e ombros. Ela o segurava pelo colarinho da camisa, impedindo que se
afastasse.
— Há muitos rumores sobre nós. Achei que deveríamos silenciá-los,
primeiro.
— Para o inferno os rumores. — Ele desceu os beijos para o pescoço, a
língua ateando fogo por onde tocava. — Eu devo estar fora do meu juízo
completo, de tanto que preciso de você.
Ah, ela também precisava dele. Daqueles lábios sobre os dela. Aiden
ajeitou-se por entre as saias e seu joelho tocou-a na parte interna das coxas.
Uma fisgada de prazer fez com que ela arqueasse os quadris na direção dele.
— Vossa graça está cortejando Lady Madeline?
A pergunta direta fez com que ele parasse com as carícias e a encarasse.
— Eu fiz uma promessa de que não me casaria agora. Não sou um
homem que rompe promessas, Elizabeth. Nós dançamos.
— A primeira dança.
Levando as duas mãos aos quadris dele, Elizabeth puxou a camisa de
dentro da calça. Deixou que seus dedos tocassem a pele nua do duque.
— Você não estava lá. Eu dancei com aquelas damas porque não pude
dançar com você.
— Isso vai acontecer com frequência, não vai?
Ela não quis soar desapontada, mas a forma como colocou a pergunta deu
a impressão de que o fato a incomodava. Claro que incomodava. Elizabeth
não queria que outras mulheres colocassem as mãos em Aiden. Ela não podia
pensar que outras mulheres fossem receber dele a atenção que deveria dedicar
a ela.
— Eu odeio eventos sociais. — Aiden voltou a beijá-la. Com mais
urgência, a boca desceu até os seios. Ele afrouxou os laços da camisa que ela
vestia e os expôs para seu deleite. — Eu odeio dançar. Isso vai acontecer o
mínimo que eu puder garantir.
O duque beijou cada um dos seios dela. Depois, sugou lentamente os
mamilos túrgidos, arrancando gemidos constrangedores. Em público.
— Elizabeth, você está insatisfeita com nosso arranjo? — Ele perguntou,
enquanto as mãos suspendiam as saias.
— Não é justo fazer essa pergunta enquanto o senhor me toca… — Ela
abafou um rosnado ao senti-lo abrir sua feminilidade com os dedos. — Eu
não estou nem um pouco insatisfeita com nada.
— Mas preferia que fosse diferente?
A risada não saiu alta porque o prazer que ele lhe proporcionava a
emudecia.
— Aiden, não tem como ser diferente. — Ela desabotoou as calças dele e
puxou seu membro ereto para fora. O duque arqueou as costas pelo toque em
sua pele sensível. — Possua-me, eu preciso de você agora.
Ele atendeu àquele desejo, como ele já tinha atendido a tudo que ela
pedira. O duque a penetrou lentamente, entrando e saindo, garantindo que ela
acomodasse todas as partes dele. Elizabeth nem acreditava que toda aquela
extensão pudesse caber dentro dela. Com um beijo intenso, ele passou a se
mover em estocadas firmes até conduzi-la ao ápice.
E LA SABIA QUE O MACHUCARA . Dizer que a criança deveria mesmo não ter
nascido impactou o duque, mas era a verdade que precisava ser falada. Aiden
era como Lady Agatha, duas pessoas gentis que foram criadas em um mundo
de perfeição que só existia para as pessoas da sociedade britânica. E eram as
pessoas como eles que engravidavam as pessoas como elas com crianças que
não podiam sobreviver.
Elizabeth teve dois filhos legítimos. Ela poderia aguentar qualquer coisa.
Suportaria ser a amante de um homem. Viver à margem da sociedade,
invisível. Ela já não era mesmo vista. Suportaria que ele se casasse com
outra. Que ele tivesse que se deitar com outra. Que ele engravidasse outra.
Mas ela não estava preparada para gerar um bastardo.
E foi por aquele motivo que o mundo quase perfeito que ela idealizou,
ruiu. Quando aceitou ser amante de Aiden, ela se permitiu sonhar. A ideia era
boa e ela seria feliz. Mas aquela consequência ela não queria suportar. Ela
não podia.
— Mas você se prevenia, não? — Gretha perguntou, oferecendo um chá
para que ela bebesse. Já era o dia seguinte, mas Elizabeth ainda não podia
levantar da cama. Ela tivera novos sangramentos de madrugada e estava
muito fraca. Geoffrey havia saído cedo para encomendar o tônico que fora
recomendado pelo doutor.
— Sim, Gretha. Eu tomava todas as precauções possíveis. Inclusive
aqueles chás horríveis que só serviram para me tirar o paladar.
— A senhora deveria ter contado ao Sr. Hodges. Se vocês se casassem, a
criança não nasceria bastarda.
Loretta entrou no quarto com o desjejum de Elizabeth. As duas
cozinheiras gostavam dela, e era recíproco. Tinham desenvolvido um bom
relacionamento durante o período em Thanet Bay. Ela sentiria falta das duas.
— O filho não era do Hodges, sua tonta.
— Ora, mas não era ele que cortejava a senhora… — Gretha se
interrompeu e colocou a mão na frente da boca. O que não foi dito acabou
sendo compreendido e nenhuma das três mulheres completou a frase não
terminada.
Não havia segredo entre os criados. Todos sabiam que Elizabeth era
amante do duque. E não era como se eles estivessem escondendo o
relacionamento de forma muito eficiente.
As duas cozinheiras saíram no instante em que o duque apareceu. Ele
tinha olheiras e a camisa estava por fora da calça. Ou não dormira a noite, ou
não tivera ajuda para se vestir. Elizabeth estava sentada, comendo ovos,
presunto e torradas. Ela quis parecer menos desarrumada para ele, mas não
podia nem mesmo se levantar para ajeitar o cabelo.
— Como você está? — Ele se sentou novamente ao lado dela.
— Vou me recuperar. Não sou a primeira mulher que passa por isso, nem
serei a última.
— Gostaria de movê-la para um quarto no andar superior. — Ele tomou
os talheres da mão dela e cortou fatias de presunto. Depois, colocou sobre a
torrada e ofereceu para que ela comesse. — Uma cama mais confortável, até
que possa viajar de carruagem novamente.
— Esse quarto está ótimo.
Aiden passou as mãos pelos cabelos dela e colocou algumas mechas por
trás das orelhas. Ajeitou o colarinho da camisola que ela vestia e acariciou-a
nas bochechas. Ela também sentiria falta daquele toque. Porque, depois do
que aconteceu no dia anterior, Elizabeth teria que repensar suas decisões.
— Assim que o doutor Davies te liberar, vou levá-la para Londres.
Oglethorpe possui um dos melhores hotéis na região do Piccadilly e eu tenho
uma suíte reservada no último andar.
Elizabeth levou a mão até a face de Aiden. Ela passou a noite toda
pensando e sabia que qualquer decisão que tomasse a faria sofrer. Mesmo
assim, decidiu não mais chorar.
— Eu não vou.
— Como assim, não vai? Não quer ir para Londres? Se uma suíte de hotel
for ruim para você, então posso te acomodar em Trowsdale House. Ou
podemos ir para Hampshire.
— Eu quis dizer que não vou mais aceitar sua proteção, Aiden.
Ela afastou a bandeja e se ajeitou na cama. O duque a encarou com
incredulidade. Aquela era mais uma fala que o machucaria, porém a decisão
de voltar atrás em sua decisão já havia sido tomada.
— Não posso arriscar engravidar novamente. Não de um amante. Por
mais que eu queira estar com você e ser cuidada por você, estamos correndo
um risco que não vale a pena. — Ela acariciou os cabelos dele. — Você vai
se casar e ter uma família com sua esposa. Eu talvez me case novamente,
também, e posso ter outros filhos, mas serão todos legítimos. Não podemos
fazer isso, não dessa forma.
Aiden se levantou. A forma como ele a encarava era de estupefação e
ódio. Ele demonstrava raiva naquele momento.
— Eu não posso permitir que você vá, Elizabeth. Eu tenho planos para
nós, só preciso de um pouco mais de tempo.
O duque rosnou. As mãos dele estavam fechadas em punhos.
— Creio que Vossa Graça não tenha opção. Eu já tomei a minha decisão,
Aiden, e eu não posso ser sua amante. Eu me iludi, achando que meus
sentimentos eram suficientes para suportar a desonra e a humilhação. Que
amar você superasse saber que se casaria com outra e teria filhos com outra.
Mas não é.
— Se você diz que me ama, como pode simplesmente desistir assim?
Desistir de nós?
— Não há nós. — Ela se exaltou. Elizabeth nunca se exaltava, ela era
sempre comedida e educada. O treinamento que a fez ser uma dama, mesmo
sem títulos, a ensinou a nunca elevar a voz. Mas, naquele instante, ela estava
quase gritando. — Eu sou uma governanta, uma plebeia, uma viúva que não
tem nada a oferecer. E você é… é o Duque de Shaftesbury. Nós vivemos em
mundos opostos. É melhor que seja assim.
Antes que pudesse replicar qualquer coisa, Lady Agatha entrou no quarto.
Não esperando ver o irmão ali, nem totalmente desgrenhado, ela se assustou
com a cena que encontrou.
— Agatha, agora não.
— O que houve, Aiden? Eu vim ver como Elizabeth está.
— Estamos em uma conversa privada.
— Podemos prosseguir depois, Alteza. — Elizabeth sorriu, tentando
fingir normalidade. — Ainda não estou apta a deixar a propriedade.
— Deixar? — Lady Agatha estranhou. — Por que pretende deixar Thanet
Bay, Elizabeth?
— Porque ela está me recusando, Agatha. — O duque passou as mãos
pelos cabelos. Os olhos dele estavam vermelhos, a boca ressequida. Sua
aparência estava longe de ser a mesma de uma semana atrás. — Elizabeth
decidiu me deixar, não tem nada a ver com a propriedade.
Ele não conseguia mais ficar ali. O ar dentro do quarto estava pesado e Aiden
não conseguia respirar. Passou pela irmã como se ela não existisse e saiu pela
porta dos fundos. Quando foi que tudo que ele havia planejado deu errado?
Tudo parecia ajustado, porque ele sempre esteve disposto a ter um casamento
de fachada. E então ele teria uma amante para os momentos de paixão e
felicidade.
Elizabeth o faria feliz. Mas ela estava indo embora e ele sequer entendera
como chegaram àquele momento.
No fundo, ele entendia. Aiden não era tolo. Elizabeth podia amá-lo, mas
ela queria mais. Ela merecia mais. Ser uma amante invisível apenas porque
queria proteger os filhos não era digno dela. Ela podia estar disposta a deixar
muita coisa de lado, mas a gravidez a fez enxergar que ela precisa de mais
para estar com ele.
Sentindo o coração quase parar e uma vontade desesperadora de gritar, o
duque vagou sem destino até desabar sentado em um banco no jardim. Ele
estava quase no bosque, ao lado de trepadeiras e uma fonte de água fresca
que jorrava o ano inteiro. Apoiou a cabeça nas mãos e permaneceu imóvel
por algum tempo. Ele precisava se recompor. Aquele não era um
comportamento digno de um duque.
Aiden iria perdê-la.
Por todas as decisões equivocadas que tomou, ele se sentiu seguro depois
que Elizabeth aceitou ser sua amante. Ele a teria, da forma como era
permitido. Ele faria qualquer coisa por ela.
Mas ele iria perdê-la se não antecipasse as suas pretensões. Não podia
continuar esperando, ele teria que tomar atitudes imediatamente.
O barulho de passos na grama fez com que o duque levantasse a cabeça.
Seus olhos estavam úmidos. Aiden deveria se importar em demonstrar
qualquer tipo de emoção na frente de alguém, porém nada parecia realmente
importá-lo naquele instante.
— O senhor está bem, Alteza?
O jovem Patrick estava à sua frente. Com os braços estendidos ao lado do
corpo pequeno, o menino era magro e idêntico à sua mãe. Com a luz do sol
batendo atrás de seus cabelos, ele facilmente poderia ser confundido com um
anjo das pinturas.
— Sim, Patrick. Eu tive uma noite ruim, só isso.
O menino se sentou ao lado do duque. Poucas pessoas ousavam tanta
impertinência, mas ele era uma criança. E, se fosse mesmo parecido com a
mãe, não se importaria com o título de nobreza de Aiden.
— Mamãe também teve. Ela chorou a noite toda, mas escondeu para que
não víssemos. Ela tenta parecer forte para mim e para o Peter.
O duque ajeitou os cabelos. Ergueu o corpo e ajeitou a postura. O menino
olhava para ele com alguma reverência. Se Elizabeth podia fingir força para
os filhos, ele também conseguiria.
— Sua mãe teve um mau momento. Ela vai ficar bem.
— Eu sei. Mas nós vamos embora, não vamos?
Aiden assentiu. Eles iam.
— Que pena, eu gosto daqui. Obrigado por nos acolher, Alteza.
Patrick levantou-se e abraçou o duque. O menino simplesmente jogou os
braços ao redor do pescoço de Aiden e o abraçou, afastando-se em seguida. O
homem ficou paralisado por segundos, sem conseguir reagir exatamente à
demonstração de carinho.
Depois de recuperar parcialmente a razão, o duque foi até os estábulos e
montou seu cavalo. Ele precisava fazer alguma coisa. Não importava mais a
sociedade, os compromissos ou a responsabilidade que ele tinha como duque.
Não interessava o que dissessem as fofocas. Não importava se ele nunca mais
seria bem vindo em nenhum evento social. Ele podia suportar ser excluído
daquela sociedade hipócrita, mas não podia deixar aquelas pessoas irem
embora da sua vida.
O duque não retornou para casa. Passou a noite em Londres porque não
admitia retornar para Thanet Bay sem uma solução para a crise que se
instaurou em sua vida. E a solução não era muito ortodoxa, mas ele estava
certo do que queria. Do que precisava. Aiden precisava de Elizabeth
Collingworth em sua vida e não mediria esforços para tê-la.
Ele não tinha muita certeza de quando foi que se apaixonou por ela.
Provavelmente, fora no dia em que se viram na estalagem. A doença, o
confinamento, a intimidade só serviram para confirmar o que o coração dele
já sabia. Mas Aiden não era um homem dado a romance. Nem paixões. Ele
não acreditava que estava apaixonado até ouvi-la dizer que iria partir.
Aquele foi o momento em que ela partiu o coração dele em pedaços.
Mas, naquela manhã, ele sentia que as coisas podiam ser diferentes. Ele
sabia que tinha um trunfo nas mãos. Algo que só o Duque de Shaftesbury
conseguiria, algo que poderia fazer Elizabeth mudar de ideia. Quando ele
falasse novamente com ela, seria para garantir que ela seria sua mulher e que
nunca mais sairia do lado dele.
Com essa certeza, o duque cavalgou até Kent. Fez algumas paradas,
alimentou o cavalo, descansou, e chegou de volta a sua propriedade pouco
depois das duas da tarde. A casa estava vazia. Não, não estava, mas não havia
crianças correndo pelos arredores.
— John. — Ele cumprimentou o mordomo que o recebia. Havia
certamente algo estranho, a expressão de John era de quem escondia alguma
coisa importante. — Onde está a Sra. Collingworth?
— Creio que Vossa Graça deva perguntar isso a sua irmã.
— Elas saíram? Mas Elizabeth não está de repouso?
— Ela estava, Alteza. Porém…
Aiden não esperou. Entrou pela casa adentro e foi até os aposentos dos
criados. O quarto estava vazio. A cômoda vazia, as camas arrumadas. Não
havia nem mesmo mais o cheiro das gardênias no ar. Tudo estava vazio.
Ele então subiu as escadas. Não se importava mais se parecia
transtornado, ele estava. Bateu à porta do quarto da irmã sem nenhuma
moderação. Seu exagero poderia derrubar a peça de madeira maciça, que se
abriu antes que ele conseguisse seu intento.
— Pois não, Alteza? Lady Agatha está ainda dormindo.
— Para o inferno, acorde-a. Eu quero saber onde está Elizabeth.
— Alteza, eu…
Ele não esperou novamente. Não havia mais nenhum resquício de
paciência nem decoro em suas atitudes. Aiden parecia um bruto, um homem
sem escrúpulos que não reconhecia os limites da boa educação. Entrou quarto
adentro e encontrou Agatha sentada na cama, de camisolas e o cabelo
desarrumado, coberta pelos lençóis.
— Espero que haja um motivo razoável para entrar no meu quarto como
um animal raivoso. — Ela tentou demonstrar bom humor, mas o irmão não
estava racional.
— John disse que você sabe onde está Elizabeth.
— Eu sei. — Agatha se levantou e caminhou na direção de Aiden. Ele
estava trêmulo, com o maxilar travado e os braços arqueados. Aquela era
uma posição de ataque. — E quando você estiver mais calmo eu posso te
contar.
— Agatha, você não quer testar a minha sanidade. Não agora, não nesse
momento.
— Não quero testar nada, Aiden. Mas me diga, se eu te contar onde ela
está, agora, o que fará? Vai correr até ela e tentar convencê-la a…
— Eu vou me casar com ela, Agatha.
O duque tirou do bolso o casaco um papel enrolado. A lady arregalou os
olhos e tentou decidir se sorria ou chorava com a notícia.
— O que é isso?
— Uma permissão de casamento. — Ele desenrolou o documento e o
entregou à irmã. — Eu voltei a Londres para conseguir uma. Eu não vou
deixar Elizabeth ir embora, ao menos eu não pretendia deixar. Como você
pode permitir que ela saísse dessa casa?
Lady Agatha deu uma gargalhada. Ela queria expulsar o irmão do quarto
para se vestir e acompanhá-lo até Greenwood Park, mas não conseguia parar
de rir.
— Meu irmão, acha mesmo que eu controlo Elizabeth? Ela é uma mulher
livre. E muito teimosa. Vocês dois combinam mais do que pensam.
— Aonde ela está, Agatha?
— Eu a deixei com Edward, ontem à noite.
Pela terceira vez, ele não esperou. Bastou ouvir que Elizabeth estava em
Greenwood Park para sair correndo do quarto da irmã, que gritou pedindo
que ele esperasse porque ela queria ir com ele. Aiden fingiu não ter ouvido.
Nada o seguraria naquele momento, ele não esperaria nenhum minuto a mais
para tornar Elizabeth sua esposa.
Capítulo vigésimo nono
Uma das damas quase desmaiou. Foi amparada por uma criada e terminou
sentada em um canapé. O burburinho voltou e Elizabeth conseguia ouvir
tudo, mas não reagia a nada. Depois de piscar algumas vezes, a imagem que
seus olhos viam ainda era a mesma. Em sua frente estava o Duque de
Shaftesbury segurando uma caixa de veludo com um anel obsceno. Para ela.
O anel. O homem. A proposta. Era tudo para ela.
— Nós não podemos nos casar. — Ela murmurou, tão baixo que mal
conseguiu ouvir a si mesma. — A sociedade, eles nunca me aceitariam. Isso
te afetaria.
— Para o inferno com a sociedade! O problema é meu título? Então eu
abro mão dele. A partir de agora, não sou mais o Duque de Shaftesbury.
Mais comoção fez com que o burburinho das damas se intensificasse.
Ninguém se movia, todas querendo saber o desfecho daquele momento.
— Você não pode abrir mão do seu título, Aiden.
— Então eu continuo sendo um duque, mas não deixe que isso nos
impeça, Elizabeth. Case comigo. Seja minha esposa.
— E os negócios? As responsabilidades como membro do Parlamento?
Vai colocar tudo em risco por minha causa?
— Eu não me importo mais com nada disso. Eu me importo com você e
com os meninos. Eu te amo. Você me disse, um dia, que homens como eu
deveriam poder se casar por amor. E é você que eu amo, Elizabeth. Você é a
mulher que eu amo.
E ele era o homem que ela amava.
— Sim, Alteza. Eu ficarei honrada em me tornar a sua esposa.
Ela não sabia como conseguira dizer uma frase completa com a voz
embargada e os olhos cheios de lágrimas. O duque se levantou e a tomou nos
braços, selando com um beijo o compromisso que acabavam de firmar.
No meio das damas. Na frente da condessa. O maior escândalo que a
sociedade teria que enfrentar.
2. Capítulo segundo
1 Esse não é um evento histórico confirmado. Foi inserido para justificar o temor das
pessoas em uma nova epidemia.
Cena extra
NOITE DE NÚPCIAS
Fúria e Redenção
Queda e Redenção
A Patricinha e o Milionário
Jogos de Adultos
Paixão em um Verão
Paixão em Jogo
Dezembro
Sequestrados
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O Segredo de Esplendora - Ascensão
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