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UM DUQUE PARA CHAMAR DE MEU

Série Amores em Kent - Livro 1


TATIANA MARETO
Um Duque para Chamar de Meu @ 2019. Todos os direitos reservados. Obra
protegida pela Lei 9.610 de 1998 (Lei de Direitos Autorais).
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créditos autorais.
Essa uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera
coincidência.
Plágio e crime. Crie, não copie.

Para saber mais sobre a autora, visite


http://www.tatianamaretoescritora.com
Dedico esse livro à minha amiga e leitora Verona, porque ela acreditou que
eu era capaz de escrevê-lo.
CON TEN TS

Agradecimentos
Algumas palavras minhas para vocês
1. Capítulo primeiro
2. Capítulo segundo
3. Capítulo terceiro
4. Capítulo quarto
5. Capítulo quinto
6. Capítulo sexto
7. Capítulo. sétimo
8. Capítulo oitavo
9. Capítulo nono
10. Capítulo décimo
11. Capítulo décimo primeiro
12. Capítulo décimo segundo
13. Capítulo décimo terceiro
14. Capítulo décimo quarto
15. Capítulo décimo quinto
16. Capítulo décimo sexto
17. Capítulo décimo sétimo
18. Capítulo décimo oitavo
19. Capítulo décimo nono
20. Capítulo vigésimo
21. Capítulo vigésimo primeiro
22. Capítulo vigésimo segundo
23. Capítulo vigésimo terceiro
24. Capítulo vigésimo quarto
25. Capítulo vigésimo quinto
26. Capítulo vigésimo sexto
27. Capítulo vigésimo sétimo
28. Capítulo vigésimo oitavo
29. Capítulo vigésimo nono
Epílogo
Notas
30. Cena extra
Um Conde para Curar meu Coração
Sobre a autora
Outros livros da autora
Agradecimentos

Eu não poderia ter escrito e finalizado esse livro sem algumas pessoas
importantes que me ajudaram muito.
Minhas betas, Daiane, Fran e Verona foram fundamentais para que
qualquer coisa funcionasse. Eu estive insegura o tempo tudo durante o
planejamento da história e a ajuda e participação delas no processo criativo
foi de um valor inestimado. Obrigada, moças, por acreditarem nesse projeto e
caminharem comigo.
Minhas amigas Karina Heid e Sarah Summers, que tornam tudo no
universo literário mais divertido. Quando eu queria gritar, me esgoelar e
desabafar, elas sempre estiveram dispostas a me ouvir. Por mais encontros,
boas conversas e margaritas com vocês!
Minhas leitoras no Wattpad, principalmente aquelas que estão comigo em
todo livro. Elas acreditaram nessa proposta diferente e me incentivaram, com
comentários fofinhos e outros nem tanto, a prosseguir. Aliás, eu adoro
quando vocês surtam, gritam e querem matar meus personagens. Obrigada!
Escrever para mim é diversão e terapia. Vocês fazem parte disso comigo.

Tatiana Mareto
Algumas palavras minhas para vocês

Olá, leitoras e leitores.


Esse é o primeiro livro de uma série, “Amores em Kent”. É também meu
primeiro romance de época, portanto é fundamental que todo mundo,
principalmente aquelas e aqueles que me seguem normalmente deem uma
lida aqui antes de prosseguirem.
1) Esse é meu primeiro romance de época (já disse, né?). Em nenhum
momento da minha trajetória de escritora eu já escrevi ou esbocei um
romance ambientado em uma época histórica (passada), portanto eu precisei
de muita pesquisa e muito esforço para elaborar esse enredo e conseguir
desenvolver o romance dentro do contexto da Inglaterra Vitoriana.
2) Apesar de ter realizado pesquisas e ter adquirido um bom
conhecimento dos usos e costumes da era e do local escolhidos por mim
(Inglaterra Vitoriana), eu me dei algumas liberdades literárias para conseguir
desenvolver a história da forma como pensei. Assim, algumas datas foram
utilizadas de acordo com o meu interesse, sem que isso possa ter alterado
fatos históricos importantes, as propriedades foram inventadas para satisfazer
as necessidades da trama, e o comportamento dos protagonistas não
necessariamente segue os padrões mais rígidos daquela época.
Por que isso, Tatiana? Porque eu escrevi um romance em que padrões são
rompidos e diferenças são superadas. Talvez isso nunca fosse acontecer de
verdade, mas livros de ficção são para que possamos sonhar, não é mesmo?
Então vamos sonhar.
3) Mesmo sendo um romance de época, Um Duque para Chamar de
Meu é um livro com cenas eróticas. Como meus demais romances, há cenas
com conteúdo sexualmente descritivo, mesmo que essas cenas tenham sido
descritas dentro de um vocabulário adequado para a época, dentro de um
padrão de comportamento sexual da época. Esse é um romance com conteúdo
erótico e cenas de sexo, adequado apenas para quem gosta desse tipo de
livro.
Era isso que eu tinha para contar nesse momento. Espero que vocês se
divirtam durante a leitura.
A autora
Capítulo primeiro

Arredores de Kent. Inglaterra, 1891


E LIZABETH NÃO AGUENTAVA MAIS ANDAR . Ela praticamente arrastava uma
valise quadrada, pesada, e duas crianças, que também estavam exaustas, pela
mão. Patrick e Peter já tinham parado de reclamar do cansaço havia alguns
minutos e ela esperava um pouco de paz, só que eles precisavam parar em
algum lugar e descansar, já que era quase noite e fazia horas que estavam
fugindo de Londres.
Fugindo. A cidade tinha sido tomada pela Escarlatina. Até os adultos
estavam adoecendo e já havia muitas mortes declaradas. As equipes sanitárias
passavam pelas ruas lavando as vias com jatos de água, como faziam com a
cólera, acreditando que, assim, lavariam a doença embora. Elizabeth tinha
suas dúvidas e preferiu não arriscar com os dois filhos pequenos.
Pessoas como ela ficavam. Só os nobres fugiam quando uma epidemia
começava, recluindo-se em suas propriedades afastadas do epicentro do
problema. Pessoas como ela não tinham propriedades, precisavam trabalhar
para garantir sustento e não sabiam para onde ir em caso de calamidade. Mas
ela já tinha perdido o marido para a cólera, não queria arriscar a vida de seus
meninos.
— Mamãe, estou com fome. — Peter reclamou, puxando-a pela saia e
tirando-a de seus devaneios.
— Já vamos conseguir um lugar para jantar. Mas precisamos encontrar
uma estalagem.
Ela dissera sem muita convicção, já que não tinham visto nenhuma
construção nos últimos quilômetros. Caminhavam por uma rua de pedras e
muitas carruagens passavam por ali, mas nenhuma ousaria perguntar se
queriam ser levados a algum lugar. Para os nobres, eles eram invisíveis,
apenas plebeus miseráveis que serviam como criados, mas não eram para ser
vistos fora desse contexto.
A esperança de Elizabeth se acendeu quando viu uma fumaça em
distância considerável. Aquilo vinha certamente de uma chaminé e, onde
tinha chaminé, tinha uma casa ou hospedaria. Qualquer lugar serviria para
que ficassem, ela só esperava que fossem aceitos. Não por sua condição
plebeia, mas porque vinham de um lugar infectado.
— Eu não aguento mais andar. — Patrick parou e sentou no chão de terra.
— Vamos parar só um pouco, por favor.
— Não podemos nos dar ao luxo de parar se quisermos chegar em algum
lugar, meu filho. — Elizabeth segurou as mãos pequenas do menino e o
puxou para cima. Ele se recusou, voltando a sentar. Ah, Patrick sempre fora
teimoso, mas ele estava certo. Os pés dela também a estavam matando, quase
a ponto de abandonar os sapatos em um ponto qualquer da estrada.
Enquanto debatia com as crianças se paravam ou seguiam, mais uma
carruagem passou por eles. Era apenas outro transporte que os ignoraria, mas
aquela, curiosamente, fez meia-volta e parou ao lado da família. Estava
escuro, mas Elizabeth percebeu uma dama que colocava a cabeça para fora e
os encarava. A dama era muito jovem e usava um gorro para esconder os
cabelos castanhos.
— Estão em apuros? — Ela perguntou a Elizabeth. Era uma surpresa que
uma dama tão refinada, em uma carruagem maravilhosa, suntuosa, cheia de
adornos e arabescos, falasse com ela.
— Cansados apenas, milady. — Elizabeth fez uma referência. Ela sabia
como se portar com a nobreza. — As crianças estão exaustas e com fome.
A porta da carruagem subitamente se abriu e um criado desceu,
colocando um caixote para que a dama pudesse descer. Ela, no entanto, disse
algo próximo a seu ouvido e se manteve dentro do transporte.
— Minha senhora está se oferecendo para conduzi-los até seu destino.
Elizabeth arregalou os olhos enquanto as crianças pulavam em animação.
Eles nunca tinham viajado em uma carruagem e ela precisou segurar Peter
pelo colarinho da camisa, porque ele já estava correndo para entrar no
veículo.
— Mas não temos destino. Estamos procurando uma estalagem para
passar a noite, fugindo da epidemia em Londres.
O criado voltou a ter com sua senhora e conversaram mais uma vez em
tom baixo. Peter se debatia, querendo entrar na carruagem, afirmando que
tinha sido convidado, que queria sentar nas almofadas. As crianças estavam
sujas de poeira e vermelhas de suor, já que fazia calor naquele início de
verão.
— Levaremos vocês até a estalagem. — A jovem dama disse, colocando
novamente a cabeça para fora. — Ela fica a poucos quilômetros daqui.
Podem entrar.
Elizabeth não conseguiu mais segurar os filhos. Os dois meninos
correram para entrar no veículo, como se não tivessem sido educados nos
melhores modos. Um pouco desconfiada da bondade inesperada da dama, ela
se aproximou da carruagem e viu que era tão luxuosa por dentro quanto por
fora. Nem nos áureos dias em que sua família tinha dinheiro e eles viviam em
uma zona mais abastada de Londres, ela tinha viajado em uma carruagem
como aquela.
Era certamente o veículo de um nobre. Seria aquela dama uma duquesa
gentil demais que assumira o compromisso de oferecer conforto aos menos
afortunados? Elizabeth entrou e se sentou, puxando os filhos para seu lado,
ficando de frente para a jovem.
— Como se chamam? — A dama perguntou. — Sou Lady Agatha,
também estamos fugindo da epidemia.
— Elizabeth Collingworth. — Ela baixou a cabeça, tentando fazer uma
reverência no espaço apertado. A carruagem voltou a andar e os meninos
celebraram. A vantagem de crianças pobres era que elas se empolgavam com
tudo, porque não eram acostumados a ter nada. — Esses são meus filhos
Patrick e Peter. É muita gentileza da senhorita nos conduzir até um abrigo,
milady.
— Meu pai era um homem que fazia o bem a todos, sempre. Ele jamais
deixaria uma família necessitada à margem de uma estrada.
O seu pai era um homem único, foi o que Elizabeth quis dizer, mas não
disse. Nenhum nobre se preocuparia com uma família como a dela, não
importa onde estivesse. Quando avistaram a estalagem, os meninos
comemoraram mais uma vez e Lady Agatha sorriu, contagiada com a alegria
deles.
A carruagem parou em frente à construção, que tinha muitas janelas e
lamparinas a gás iluminando o pátio. O criado abriu a porta e ofereceu a mão
para que Elizabeth descesse. Nenhum dos dois usava luvas, mas não havia
aqueles códigos de etiquetas entre criados. Os meninos desceram sozinhos,
correndo para dentro da estalagem em enorme algazarra. Será que algum dia
aqueles meninos ficariam sem energia para gastar? Ela duvidava.
— Obrigada, milady. O bom Deus lhe pagará tamanha bondade. — Ela
agradeceu à dama, que estendeu a mão para o criado, intencionando descer.
— Gosto de honrar a memória do meu pai, mesmo que isso me coloque
toda semana nas colunas de fofocas dos folhetins locais. — Ela riu. — John,
farei uma pausa na viagem, preciso esticar meus pés.
— Milady, seu irmão pode…
— Deixe que me entendo com Aiden depois. — Lady Agatha moveu os
ombros, indicando que não se importava com as ordens do irmão, quaisquer
que fossem. — Vamos conhecer essa estalagem e ver se suas instalações são
dignas de uma dama.

Elizabeth entendeu que seu agradecimento a desvinculava da senhora nobre e


se aproximou do balcão onde um jovem magricela, de cabelos espetados para
cima e dentes mal formados, fazia anotações em um papel.
— Boa noite. Preciso de abrigo para mim e meus filhos, e de um bom
jantar.
— Vai te custar três libras, uma por pessoa.
Sem nem olhar para ela, o rapazote continuou rabiscando o papel.
— Mas esse valor é muito acima do que é praticado! — Elizabeth se
indignou. Uma noite em uma estalagem como aquela não lhe custaria mais do
que alguns xelins. Três libras era dinheiro que ela não poderia dispor naquele
momento. Ficaria sem ter como alugar um casebre para se abrigar quando
chegasse a… algum lugar.
— Tempos de crise, senhora. O dono mandou cobrar uma libra de
qualquer um que requisitasse hospedagem nesse período. Como a senhora
está com duas crianças…
— Isso é um absurdo! — Ela bateu com a mão sobre o balcão,
pretendendo que isso mostrasse sua indignação. — Vocês estão explorando o
sofrimento das pessoas, isso é imoral. Quero falar com o dono.
Outras pessoas entraram na estalagem e se aglomeraram no balcão. O
rapazote desapareceu por uma porta para buscar o gerente e Lady Agatha
também se aproximou. Os filhos começaram a reclamar que tinham fome e
queriam a comida que viram em outro salão, mas foram impedidos de entrar
porque não eram hóspedes. A balbúrdia instalada fez com que ninguém
conseguisse ouvir ninguém.
Quando o dono chegou, Elizabeth protestou pelo valor cobrado. Sua
veemência, no entanto, fora tratada apenas como insubordinação de uma
mulher exagerada. Ela já estava acostumada a ser chamada de louca, sempre
se colocando contra as injustiças que presenciava.
— Senhora, o preço é esse. — O homem disse, irredutível. — Se quiser,
pague, se não, pode se retirar com esses pequenos vândalos.
— Meus filhos não são vândalos. — Elizabeth indignou-se ainda mais,
apesar de não poder afirmar com muita certeza que o homem estava errado.
Seus filhos eram muito educados, mas também muito ativos.
— O senhor não deveria se aproveitar das pessoas para lucrar. — Lady
Agatha se envolveu na discussão. — Isso é vil, vai manchar a reputação do
seu estabelecimento.
— São apenas negócios.
Eram apenas negócios, Elizabeth sabia, mas aquele dinheiro iria fazer
falta. Ela não podia pagá-lo mesmo sabendo que os meninos precisavam
comer. Teria que continuar caminhando pela estrada até encontrar um lugar
em que eles não fossem explorados.
— Pode ficar com sua ganância. Vamos embora daqui.
Os meninos protestaram, reclamando. Peter ameaçou chorar e lágrimas
rolaram por aqueles olhinhos pequenos e muito azuis. Elizabeth ajoelhou na
frente do filho para explicar a ele que pessoas pobres, como eles, não tinham
muitas escolhas na vida. Desistiu, não precisava destruir os sonhos dele, era
melhor ensiná-lo a progredir e não a aceitar sua miséria.
Elizabeth conhecia dos dois lados da vida, a riqueza e a ostentação e a
pobreza miserável das docas. Depois que o pai perdeu tudo que conquistou
em mesas de jogos, eles precisaram todos trabalhar para não passar fome.
Elizabeth tinha apenas quatorze anos quando começou a costurar para fora e,
depois, se tornou dama de companhia de jovens nobres. Sua educação
irretocável era seu talento e o que garantiu o sustento de sua família por
muitos anos, depois que seu marido morreu.
Os filhos foram criados com a mesma educação dos pequenos nobres,
mesmo que, de vez em quando, parecessem pequenos diabinhos. Bem, quase
sempre eles se pareciam diabinhos, mas sabiam se portar se quisessem.
— Vou pedir a meu irmão que interfira. — Lady Agatha disse para ela,
depois que o movimento dissipou. — Não é justo que esse homem explore as
pessoas em momentos de necessidade.
— Creio que não haja lei contra isso. — Elizabeth desanimou. —
Agradeço toda a sua bondade, Lady Agatha, mas não vejo como seu irmão
terá influência em uma situação como essa.
— Ele é o Duque de Shaftesbury.
Oh. Por aquela Elizabeth não esperava. Aquela gentil dama era irmã de
um duque. E não era um duque, mas o duque, um dos mais ricos e prósperos
da Inglaterra inteira.
Assim que Lady Agatha disse o título do irmão, como se as palavras
fossem mágicas e abrissem portas secretas, um barulho na entrada chamou a
atenção de Elizabeth. Talvez ninguém tivesse ouvido nada e fosse apenas a
presença intensa da pessoa que acabara de chegar, mas ela sentiu como se um
lufo de ar fresco lhe tivesse arrebatado o corpo. O vento imaginário bateu em
sua face e esvoaçou seus cabelos.
Pela porta entrava um homem que parecia iluminar o ambiente mais do
que qualquer lamparina. Elizabeth teve certeza, em um segundo e meio, que
aquele era o homem mais lindo de toda a Inglaterra porque era inadmissível
que outros como ele existissem. Vestindo calças de linho bege, camisa branca
e colete vinho com paletó da mesma cor, ele tinha os cabelos castanhos e
ondulados penteados cuidadosamente. Seus olhos eram de um castanho
escuro tão intenso que podiam conter a noite inteira dentro deles e sua pele
tinha uma tonalidade bronzeada similar a dos homens que trabalhavam nas
docas.
Mas aquele homem certamente não trabalhava nas docas. Ele tinha o
porte da realeza. Não havia dúvidas de que era um nobre perdido por aquela
região, provavelmente fugindo da epidemia como ela. Sua boca era vermelha
e os lábios grossos estavam comprimidos. Os olhos atentos procuravam
alguma coisa e miraram Elizabeth alguns segundos depois.
Ela quase deixou cair ao chão a bolsa de moedas que segurava. Sim, o
homem olhava para ela, não olhava? Sua expressão não era suave, havia um
vinco severo entre suas sobrancelhas que lhe conferia um ar de quem seria
capaz de implodir o lugar, se assim quisesse. Como se a sua presença já não
fosse impactante o suficiente, ele veio na direção dela.
E, naquele instante, enquanto seu coração disparava por causa de um
completo desconhecido que nunca deveria tê-la notado em lugar algum, a
fraqueza do dia a abateu. Elizabeth sentiu o peso de um dia inteiro de fuga,
caminhadas e desejos de matar um dono de estalagem, e seu corpo sucumbiu.
Tudo ficou escuro, girando, até que ela sentiu o chão se aproximar enquanto
caía desmaiada no meio do salão.

Aiden Trowsdale foi preparado para assumir o ducado desde que nasceu. Ele
foi criado para ser um duque, foi praticamente treinado para a ser um
cavalheiro, um nobre, um homem respeitável na sociedade. Com o
falecimento de seu pai, dois anos atrás, ele herdou o título e se tornou o 13º
Duque de Shaftesbury, um dos títulos de nobreza mais antigos da Inglaterra.
A morte do pai não lhe trouxe apenas o ducado. Aiden também precisou
lidar com coisas para as quais não estava tão preparado assim, como as
mulheres da casa. Enquanto ele estudava e se formava com distinções,
treinava todos os esportes e se destacava em qualquer atividade masculina,
estava afastado de casa, da mãe e da irmã mais nova. Ao assumir o título e as
propriedades, as coisas ficaram reais e as responsabilidades não eram mais
hipotéticas.
Sua irmã, Lady Agatha nunca fora uma jovem difícil. Ao contrário, era
dócil e gentil, mas a morte do pai a transformou no demônio de saias. Como a
mãe era uma mulher doente que nunca saía da propriedade de verão da
família, a residência em Londres estava quase sempre desamparada. E a irmã,
quase sempre aprontando das suas. A quarta governanta tinha acabado de se
demitir, apesar do tentador salário que lhe fora oferecido, e Aiden não sabia
mais o que fazer para conseguir uma mulher para administrar sua casa - e sua
irmã, já que a mãe não fazia um bom trabalho.
Ele precisava se casar, essa era a opção mais esperada. Um homem na sua
posição e com sua idade já deveria estar casado e, preferencialmente, com um
herdeiro a caminho. Mas Aiden nunca desejou casar-se, apesar de saber que
deveria fazê-lo. O problema era que casamento exigia um esforço que ele não
estava interessado em empregar. Tinha que escolher uma noiva, cortejá-la,
ajustar os trâmites com a família dela, e todas as demais formalidades que
envolviam o enlace matrimonial entre a aristocracia. Aiden não conseguira
nem passar da primeira etapa, já que a maioria das damas eram lindas e
agradáveis, mas não o interessavam.
Todos os planos que ele não pretendia cumprir foram interrompidos pela
epidemia de Escarlatina que, de uma hora para outra, se alastrou por Londres.
Aiden preparou as carruagens, mandou a irmã na frente e, depois de deixar
tudo organizado na Casa Trowsdale, seguiu para Kent, onde ficava Thanet
Bay. O litoral, com seu ar fresco, deveria ser o melhor lugar para se esconder
até que as coisas estivessem melhores na capital.
Mas a irmã não o deixaria em paz durante esse período, ele já sabia. A
caminho de Kent, sua carruagem subitamente parou no meio do caminho e
um dos criados que o acompanhava, Geoffrey, desceu para falar com ele.
— O que houve, Geoffrey? Por que paramos?
— Vossa Graça… o cocheiro avistou a carruagem de sua irmã.
Aiden colocou a mão na porta e a abriu, saindo do transporte. Estavam no
meio do nada em uma estrada provavelmente muito utilizada como rota de
fuga dos nobres, e que deveria estar repleta de ladrões esperando para
arrancar até as botas dos aristocratas que por ali passavam. A preocupação de
que algo tivesse acontecido com Agatha o fez esquecer a prudência e lançar-
se para fora e dar alguns passos na direção de um pátio iluminado, até ver a
carruagem ainda parada na frente de uma estalagem.
— Céus, o que ela aprontou dessa vez?
— Deseja que eu vá verificar, Alteza?
— Não, vamos encostar. Estou mesmo precisando de uma boa dose de
uísque, está muito quente e úmido.
O duque voltou para dentro da carruagem, que se movimentou por mais
alguns metros até parar ao lado da outra. Havia um burburinho incessante
vindo do lado de dentro e Aiden suspeitou que todos ali estariam fugindo,
também. Provavelmente não haveria muitos nobres no lugar, que parecia não
ser o mais adequado para sua irmã tomar um chá ou jantar. Em alguns
quilômetros eles estariam no Birmingham Inn e poderiam desfrutar do
tratamento digno à aristocracia. Por que raios ela não esperou mais um
pouco?
Assim que entrou, percebeu que tinha razão. Apesar de bem vestidas, as
pessoas daquele lugar não eram nobres. Talvez burgueses endinheirados que
tinham adquirido propriedades nos arredores de Kent, mas não possuíam
títulos a ostentar. Logo encontrou sua irmã conversando com uma dama
qualquer.
Não. Aiden estava enganado, não era uma dama qualquer. Ele olhou para
sua irmã mas tudo que viu foram os cabelos louros, meio acobreados, que
engoliam a luz de todas as velas acesas naquele salão. Eles emolduravam o
rosto mais delicado e os olhos mais transparentes de toda a Inglaterra. Não
havia nada nela que não parecesse uma pintura renascentista, mas Aiden
podia jurar que os renascentistas não eram tão talentosos.
Ele percebeu que algo estava errado com ela. Sua face empalideceu
quando ela o viu, como se fosse um fantasma que tivesse vindo para
assombrá-la. Seu corpo começou a desmoronar como um castelo de cartas
mal feito e ele só teve tempo de se aproximar para segurá-la em seus braços e
impedir que caísse ao chão.
Capítulo segundo

— O H ! — Agatha assustou-se e colocou a mão na boca. As pessoas se


afastaram. A epidemia deixou todos muito apavorados, já que a última, de
cólera, matou trinta por cento da população de Londres. 1
Mas Aiden não teve tempo de pensar que aquela mulher pudesse estar
doente. Ele apenas precisou segurá-la em seus braços quando ela desfaleceu,
não podia deixar que caísse ao chão e se machucasse. Em um movimento
rápido, ergueu-a e procurou um lugar onde pudesse estender seu corpo inerte.
Ela não pesava muito mais do que a metade do seu próprio peso.
— Ela não pode ficar aqui no meu salão!
Um homem se aproximou do duque, que o olhou de cima para baixo.
Aiden era alto, muito alto, e aquilo fazia com que quase todas as pessoas lhe
parecessem minúsculas.
— Além de explorar as pessoas, o senhor não tem um pingo de
humanidade? — Agatha se enfureceu. Pronto, lá estava a personificação do
diabo tomando forma nas bochechas vermelhas da irmã. Ela fechou as mãos
enluvadas em punhos e marchou na direção do dono da estalagem. — Ela
desmaiou de fraqueza porque você não deixou que ela comesse!
Novamente o burburinho cresceu e aquele falatório estava deixando
Aiden com dor de cabeça. Ele acomodou a mulher em seus braços, já que ela
não dava sinais de que acordaria, e encarou o homem de meia idade que tinha
segurava um monóculo para enxergar Agatha melhor. Talvez ele se
arrependesse disso, depois. Sua irmã sabia ser assustadora quando queria - e
isso era quase sempre.
— Dê-me um quarto. — Aiden disse. Sua voz grave retumbou pelo salão
e as pessoas pararam de falar. O dono da estalagem olhou para o duque com
um brilho dourado nos olhos. Um nobre nunca pedia algo, ele sempre
ordenava. E pagava bem.
— George! — O homem gritou e o menino magricela apareceu. — Leve
este senhor à casa dos fundos.
Com um movimento de cabeça que indicava um “sim senhor”, o garoto
pediu que o duque o seguisse. Antes que Aiden pudesse dar o segundo passo,
uma voz estridente veio gritando em sua direção.
— Mamãe! Aonde você vai levá-la?
Patrick segurava Peter pela mão e ambos tinham a boca suja de algum
doce, que tinham obtido de um hóspede gentil. Agatha se aproximou dos
garotos e eles olharam para ela como se pedissem respostas. Aiden não
entendeu, eles chamavam a mulher em seus braços de mãe? Mas ela não
podia ser mãe deles, ela não podia ter idade para ser a mãe de ninguém.
— Sua mãe desmaiou. — Agatha disse para o garoto, ajoelhando-se até
ficar de sua altura. — Meu irmão irá levá-la para o quarto para que possa
descansar. Vamos juntos?
Patrick concordou e Agatha indicou que era para prosseguirem. A casa
dos fundos era composta por dois ambientes e era suntuosa demais para uma
estalagem que não abrigava a nobreza. Havia uma antessala com um aparador
e dois sofás, além de uma lareira que estava apagada, e um quarto com uma
cama bastante grande, emoldurada por um dossel imenso com cortinas
aveludadas. Aiden depositou a mulher sobre os lençóis brancos e desamassou
a roupa com as mãos enluvadas.
— Os meninos não podem ficar sozinhos com ela desmaiada. — Agatha
disse, depois que o duque a encontrou na antessala. Os garotos estavam
agarrados à saia da irmã como se ela estivesse responsável por protegê-los.
— Agatha, como você conhece essas pessoas? — Aiden perguntou,
aproveitando para se servir de uma dose de uísque. Pelo bom Deus, como ele
precisava de uma bebida. Ainda bem que aquele quarto era adequado às suas
necessidades. O homem que atendeu sua ordem era esperto.
— Eu os recolhi na estrada. Estava fugindo da epidemia e trouxe-os até a
estalagem. Eu ia convidá-la para um chá em Thanet Bay quando você
chegou.
O duque puxou a irmã, que se desvencilhou dos meninos, e arrastou-a
para um canto.
— Pelos céus, você não pode sair por aí recolhendo pessoas! Nem deve
se relacionar com esse tipo de gente, Agatha!
— Esse tipo de gente, Aiden, é uma mãe e seus dois filhos! — A irmã se
soltou e cruzou os braços na frente do corpo. — Ela precisava de ajuda e não
me arrependo de tê-la ajudado. Igual você agora, carregando-a nos braços
enquanto todo mundo acha que ela tem uma doença contagiosa.
— Ela pode ter!
— Mas você não se importou.
Não, ele não se importou. Aiden passou as mãos pelos cabelos, que
estavam desgrenhados, e bebeu seu uísque todo em um gole. Serviu-se de
mais e encarou a irmã, que tinha razão. Quando viu a mulher prestes a
desmaiar, sua primeira - não, sua única atitude foi segurá-la. A criação que
receberam, principalmente do pai, impedia que vissem pessoas necessitadas e
não corressem em auxílio. Por isso, mantinham uma escola, dois orfanatos e
faziam bailes beneficentes para recolher fundos para o hospital.
Ninguém em Londres fazia bailes beneficentes, apenas Agatha. Ela talvez
não fosse o demônio, mas uma mulher muito diferente das outras. E ele sabia
que aquilo, provavelmente, dificultaria seus planos de arranjar para ela um
ótimo marido.
E Aiden, ele não podia falar muito diferente de si mesmo. O duque era
um espécime atípico na nobreza. Ele se envolvia com burgueses, negociantes
e industriários. Tinha pretensões de desenvolvimento econômico e social.
Não acreditava na indolência dos nobres que nunca precisavam trabalhar para
sobreviver e que apenas desperdiçavam a fortuna acumulada por seus
ascendentes.
Aiden era tão incomum e inadequado para a sociedade londrina quanto
sua irmã. A diferença era que, como homem e portador de um título
importante de nobreza, ele podia ser excêntrico. Sua indiferença às muitas
regras sociais e seu desprezo pela arrogância da nobreza eram toleradas
porque ele era o Duque de Shaftesbury.
— Certo, mas agora temos que ir. — Aiden decidiu. — Ela já está
abrigada e os filhos estão bem.
— Eles não podem ficar sozinhos. — A irmã insistiu. — Ficarei com ela
até que acorde.
O duque coçou a cabeça. Por mais que ela soasse gentil e delicada,
Agatha tinha uma determinação que nunca o permitia dizer não. Mesmo que
sua proposta fosse absurda. Ficar ali era atrasar sua ida para Thanet Bay, criar
atritos com sua mãe e, pior, expor-se à doença. Bem, talvez a pior parte fosse
levantar os questionamentos da duquesa. Tudo que Aiden não precisava era
da mãe lhe fazendo perguntas. Mas, mesmo assim, ele não sabia se havia
alguém contaminado naquela estalagem e, se houvesse, todo seu plano de
fugir de Londres um pouco antes do esperado e livrar sua família dos riscos
da Escarlatina seriam perdidos.
— Você sabe que basta que eu dê uma ordem e você será levada comigo,
não sabe? — O duque ameaçou, imaginando se a irmã seria capaz de temer
sua autoridade. — Sou seu irmão mais velho e o Duque de Shaftesbury, até
se casar, você obedece a mim. Se eu mandar, John…
— Então mande. — Agatha cruzou os braços e se sentou em uma
poltrona. — Só sairei daqui quando a Sra. Collingworth acordar.
Maldição. Ele não teria coragem de mandar o criado agarrar Agatha e
colocá-la nas costas. Talvez ele mesmo devesse fazer isso, mas… seus olhos
vagaram rapidamente para a mulher deitada na cama. Realmente, havia
alguma coisa errada com ela. Olhou depois para os dois meninos sentados no
sofá. Eles estavam abraçados um ao outro e tinham olhares assustados e
arregalados. Estavam sujos e magricelas, mas eram crianças muito bonitas. O
mais velho tinha o mesmo cabelo da mãe.
— Certo. Por que não jantamos e, se ela não acordar até terminarmos de
comer, chamamos um médico para vê-la? Por minha conta.
Agatha levantou-se e bateu palmas de alegria. Ela tinha vinte anos, mas
poderia ter dez. Sua empolgação era como a de uma criança em uma doceria.
— Eu sabia que você tomaria a decisão certa, Aiden.
O duque bufou e chamou John, seu mordomo, que viajava com Agatha.
Pediu que servissem um jantar privado naquele quarto em que estavam,
enquanto a Sra. Collingworth se recuperava. Depois, pediu a Geoffrey que
levasse os meninos para tomarem um banho, onde fosse possível encontrar
água quente. E para jantar. Havia uma banheira no quarto, mas lavar as
crianças ali faria muita algazarra.
A ama de companhia de Agatha se comprometeu a cuidar dos meninos,
que foram com ela na promessa de que a mãe estaria acompanhada. Depois
que o quarto esvaziou, Agatha disse que iria procurar um lugar para se
refrescar antes do jantar. Ela saiu e o duque ficou sozinho na companhia da
desacordada estranha.
Assustada, foi como Elizabeth despertou depois do desmaio. Ela lembrava de
ter caído, mas não de ter tocado o chão. Seu corpo estava deitado em uma
superfície tão macia que ela teve certeza que morrera e aquelas eram as
nuvens do céu. Ou talvez ela não fosse para o céu, já que era uma pecadora.
Não era?
Seus olhos demoraram a enxergar a silhueta de um homem que, daquela
vez, não olhava para ela. Velas iluminavam o lugar onde estava e nada tinha
mais luz do que ele. Acomodado no parapeito da janela, olhava para a
escuridão como se pudesse enxergar pela noite.
Ele estava de lado e seu perfil era duro como se tivesse sido talhado por
um machado. Queixo quadrado e nariz proeminente. Elizabeth podia jurar
que tinha uma covinha no queixo. Mas, afinal, quem era ele? Provavelmente
ela tinha morrido e ele era o Paraíso.
Desde a infância, Elizabeth acreditava em amor. Ela sonhava com o amor
que a arrebataria e a levaria aos céus. Com o homem para quem ela olharia e
se apaixonaria de forma instantânea. Suas amigas eram mais pragmáticas e
riam dela. Homens eram como negócios, só que ela era uma romântica.
Esperava viver um amor avassalador e tinha certeza que, um dia, ele
chegaria.
Talvez ela estivesse olhando para ele naquele momento.
— A senhora acordou. — O homem disse, virando-se para ela. Ele não
demonstrava muita emoção na voz. Elizabeth sentiu um pequeno desconforto
com a forma como os olhos dela a observavam.
— Onde estou? Onde estão meus filhos? Quem é o senhor?
— Muitas perguntas. — Ele veio na direção dela e seu coração martelou
alto demais. Os ombros largos davam a dimensão de que ele era grande, mas,
daquele ângulo, ele parecia ainda maior. Ela se sentou na cama, nervosa com
o que ele poderia fazer com ela. Só não tinha certeza se estava com medo ou
excitada.
Damas respeitáveis não se sentiam excitadas. Por sorte ela não era nem
dama, nem respeitável.
— Sou o Duque de Shaftesbury. A senhora está em um quarto nessa…
estalagem, já que desmaiou no meio do salão. Minha irmã insistiu para que
esperássemos que acordasse e seus filhos estão sendo lavados. Eles
estavam… imundos.
As pausas na fala do homem sugeriam que ele escolhia palavras. Então
era o duque. O irmão mencionado por Lady Agatha, dono de muitas
propriedades espalhadas pela Inglaterra. Poucas pessoas não tinham ouvido
falar do duque, seja por sua riqueza, seja por seu jeito pouco habilidoso nos
eventos sociais e no trato com pessoas.
— Alteza. — Elizabeth tentou fazer uma reverência, mesmo sentada, mas
estava se sentindo zonza. Tombou o corpo para frente e quase caiu
novamente. Foi amparada pelos braços do duque.
Aqueles braços. Eles estavam descobertos, ela conseguiu perceber e sentir
o calor da pele dele que passava através do tecido de sua camisa branca.
Eram fortes, firmes e masculinos. Ele tinha um cheiro de roupa lavada que a
deixou inebriada.
— Sra. Collingworth, acho que deve ver um médico. — O duque disse,
ajudando-a a sentar novamente. — A senhora está grávida?
— Por Deus, não! — Elizabeth deu um gritinho e colocou a mão na frente
da boca. Aquela percepção era absurda, mas o duque não podia saber. Ela
tinha dois filhos, ele certamente pensava que fosse casada. — Eu não comi
nada o dia inteiro, é isso.
O homem garantiu que ela estivesse acomodada no colchão da cama e
deu dois passos para trás. Claro que não era adequado que ele estivesse tão
perto dela, mas Elizabeth não queria que ele se afastasse. A proximidade
daquele corpo a fazia sentir-se melhor, menos vulnerável.
— Nosso jantar será servido. Minha irmã está retornando e creio que ela
insistirá para a senhora comer conosco.
Elizabeth engoliu e sentiu a boca seca. Olhou rapidamente ao redor e viu
uma jarra com água. Subitamente ela sentia muita sede. Levantou-se com
mais cuidado e pegou um copo do milagroso líquido. Suas mãos estavam
tremendo e ela olhou para elas, à luz da vela. Ficou um pouco assustada com
o que viu - havia manchas vermelhas por sua pele.
— Vossa Graça poderia me ajudar?
Ela se virou para o duque, que a observava com seriedade. Apesar da
ausência de expressões amistosas em sua face, ele estava com os olhos
cravados nela, sem conseguir desviá-los. Elizabeth deu dois passos na direção
dele e pediu que segurasse a vela. Depois, colocou juntas as duas mãos e
analisou cuidadosamente o que via.
— O que está havendo, Sra. Collingworth?
— Oh, céus. — Aquilo não era nada bom. Nada bom, ela sabia que as
manchas significavam uma coisa - ela estava doente. Não era fome que a
fizera desmaiar nem fome que a deixara fraca, ela estava contaminada. —
Alteza, afaste-se.
Com alguns passos para trás, Elizabeth bateu a cabeça na parede. Ela não
podia estar perto do duque, nem deveria ter ficado perto dos filhos ou da
gentil Lady Agatha. Ela estava doente e aquela moléstia era muito
contagiosa. Era dela que estavam fugindo.
O duque ignorou seu pedido e foi até Elizabeth, pegando suas mãos com
as dele. O homem tinha as mangas da camisa dobradas e não usava luvas, ele
não deveria estar tocando-a. Mesmo assim, pareceu não importar. Seus olhos
procuraram alguma coisa errada e não encontraram. Foi então que ela sentiu
novamente o calor emanando dele - não era um calor normal.
— Alteza, o senhor está se sentindo bem? — Perguntou, já imaginando
que ele dificilmente responderia que não.
— Estou com dor de cabeça. Minha irmã costuma me causar muita, por
que?
Elizabeth passou os dedos pelos antebraços do duque. Seus olhos estavam
cravados nos globos escuros que capturavam para si toda a luz ambiente.
Havia pavor nos dela e confusão nos dele. Mas ela apenas confirmou o que
suspeitava, o duque estava quente demais para ser apenas efeito do clima. Ele
estava quente porque tinha febre. E manchas vermelhas pelo corpo.
Antes que ela pudesse ter uma reação qualquer, a porta do quarto abriu e
a voz de Lady Agatha foi ouvida.
— Aiden, o criado já está subindo com o jantar. A Sra. Collingworth…
A jovem dama parou quando chegou à porta do quarto e viu que
Elizabeth segurava seu irmão, que a encarava sem qualquer reação razoável.
A cena não devia ser das mais agradáveis porque dava uma impressão
totalmente errada.
— Lady Agatha, por favor, não se aproxime. — Elizabeth bradou.
— O que está havendo?
— Saia do quarto, vou explicar. Mas preciso que mantenha distância de
nós.
— Sra. Collingworth, eu estou começando a ficar assustado. — O duque
deu um passo para trás e quebrou o contato entre eles.
— Estamos contaminados, Vossa Graça. — Ela disse, sem conseguir
pronunciar exatamente o nome da doença. — Temos os sintomas da
Escarlatina e ninguém deve entrar em contato conosco até vermos um
médico.
Com uma interjeição de espanto, Lady Agatha fez o que lhe foi pedido e
saiu, fechando a porta entre ela, Elizabeth e o duque.
— Eu não estou doente, eu me sinto ótimo.
— Claro que se sente, Alteza. — Elizabeth foi até a porta e trancou-a. A
sua agitação podia ser facilmente interpretada com algo inadequado,
principalmente por se isolar em um quarto de estalagem com um homem. Um
duque. Ele era um maldito duque. — Mas eu tenho motivos para suspeitar
que estamos contaminados.
— Isso é uma grande bobagem.
O duque fez menção de ir até a saleta de acesso para abrir a porta e
Elizabeth não podia permitir aquilo. Pensou rápido e tomou certamente uma
decisão desesperada, agarrando o homem pela roupa e fazendo-o virar para
si. Ele foi pego de surpresa e não reagiu quando ela, com dedos atrapalhados,
atacou os botões da camisa até abri-la quase que totalmente.
Só então Elizabeth entendeu que não deveria ter feito aquilo. Não porque
ele era um duque e ela não podia tocar a nobreza daquela forma. Ela deveria
ter sido cautelosa e mantido distância porque aquele homem era mais
perigoso que o diabo, com sua pele lisa e seu peito musculoso, permeado de
fios escuros que desapareciam onde a calça e a camisa se encontravam. Ela
esticou os dedos para tocá-lo mas recobrou o juízo antes de fazê-lo.
Pegou a vela e colocou próxima ao peito - aquele peito! - do duque.
— Veja, Alteza. — Ela apontou para a região do seu diafragma, onde
manchas vermelhas de vários matizes subiam na direção de seu pescoço. O
homem tomou-lhe a vela das mãos e terminou de retirar a camisa, ficando
seminu e fazendo com que Elizabeth não conseguisse mais respirar. Ela
desaprendera, naquele momento, como levar o ar até seus pulmões.
— Maldição. — Ele blasfemou, colocando a vela de volta sobre uma
bancada. — A senhora também tem essas manchas?
— Certamente que sim.
O duque foi até a porta de madeira e gritou pela irmã.
— Agatha, mande chamar o doutor Davies. É urgente. E não deixe
ninguém entrar nesse quarto.
— O que está havendo, Aiden? — A voz da jovem estava fraca do outro
lado da porta. — Os filhos da Sra. Collingworth já estão aqui, estamos
assustados.
— Parece que estamos doentes. — O duque disse. Não havia uma nota
naquela voz que não indicasse controle, mesmo em uma situação de pânico.
— Até que isso seja confirmado, não quero ninguém em contato conosco.
Chame o doutor, ele deve estar na vila.
— Certo. Vou alugar um quarto na estalagem, então. Para ficarmos.
— Não. Você pegará os meninos, uma carruagem e irá para Thanet Bay
assim que pedir a John para ir buscar o doutor. Geoffrey acompanhará vocês.
O silêncio indicara que Lady Agatha tinha entendido as ordens de seu
irmão. O choro, em seguida, indicara que Peter não estava satisfeito com os
arranjos, mesmo que eles viessem de um duque. O coração de Elizabeth
apertou e o ar ainda não conseguia entrar em seus pulmões. Medo era o que
corria em suas veias naquele momento, não porque seus filhos estavam do
outro lado da porta, mas porque, se ela morresse, eles não teriam ninguém
para olhar por eles. Seriam órfãos e ela sabia o destino que tinham os órfãos.
— Peter. — Ela correu até a porta e chamou a atenção do filho menor
com algumas batidas na madeira. — Preste atenção, filho. Eu preciso que
você e Patrick acompanhem Lady Agatha até a casa dela. Como ela é uma
dama, não pode andar sozinha por aí, à noite. Você é um cavalheiro, então
deve acompanhá-la. Você pode fazer isso?
O choro cessou.
— Eu posso. Mas quem vai cuidar de você, mamãe?
Elizabeth não sabia. Ela não tinha como responder ao filho porque não
havia, de fato, ninguém para cuidar dela. Desde a morte de Gregory, ela
cuidava de si mesma e dos filhos.
— Eu farei isso, meu jovem. — A voz grave do duque ecoou por cima
dela. Elizabeth virou-se repentinamente e ele estava ali, muito próximo a
ponto de seus corpos quase se tocarem. Seus olhos se encontraram e as
palavras morreram na garganta dela, como se qualquer coisa que pudesse
dizer fosse insignificante, então.
Capítulo terceiro

Q UANDO ACORDASSE DO PESADELO , Aiden iria descobrir o que andou


bebendo. Ele tinha que estar muito embriagado e entorpecido para ter o sonho
mais surreal de toda a sua vida. Nesse sonho, estava preso em uma casa
elegante para hóspedes, em uma estalagem qualquer, com uma plebeia. Eles
estavam padecendo de uma doença muito grave e isolados. E ele estava
morrendo de fome.
A parte estranha era que Aiden estava acordado, portanto não podia estar
sonhando. Girava pelo quarto em passos largos, iluminado pela chama débil
de algumas velas, enquanto era observado pela mulher mais linda que já vira.
Mulher que ele não conhecia, mas de quem tinha prometido cuidar. Reviveu
mentalmente as últimas horas e teve certeza que, se não estivesse
enlouquecendo, a doença já teria carcomido seu juízo.
Aiden nunca fora um homem que se incomodasse muito em cuidar das
pessoas. Ele cuidava das coisas. Aprendeu assim a ser um excelente duque,
atento às suas responsabilidades e afazeres. Depois da morte do pai ele fora
catapultado para um mundo que lhe era estranho. E, naquele momento,
mesmo que parecesse um absurdo, também era extremamente razoável que
ele decidisse cuidar de Elizabeth Collingworth.
— Aonde está o maldito jantar? — Esbravejou mais para si mesmo do
que para uma plateia, já que não havia nenhuma.
— Devem ter desistido de trazer, Vossa Graça. — A Sra. Collingworth
estava com a voz fraca e embargada. Aiden não sabia dizer se era cansaço,
nervoso ou a doença. — O senhor mandou que ninguém se aproximasse…
— Então decidiram nos matar de fome. — Ele parou de girar e percebeu-
se ainda sem camisa. Sua peça de roupa estava jogada no chão e de repente
fazia muito frio. A brisa fresca que entrava pela janela não poderia causar
nele tanto impacto. O duque estava acostumado a correr pela propriedade, a
tomar chuva e a fazer exercícios ao ar livre. Era um homem saudável, não
fazia sentido algum ficar doente.
Foi até a porta e a espancou. Bateu com uma das mãos com força,
querendo chamar a atenção de alguém. Por sorte, seus criados eram fiéis e um
deles estava de guarda, esperando qualquer demanda do duque.
— Vossa Graça precisa de algo? — Era a voz de Granger, o mais jovem
de seus empregados. Por que deixaram justo o menino para trás?
— Sim. Preciso que sirvam nosso jantar. Deixem as travessas na porta,
não interessa como vão fazer, mas estamos com fome. E descubra por que
raios o doutor Davies ainda não está aqui.
Mais silêncio. Aiden se irritou novamente porque ninguém o respondia.
Será que pensavam que podia ver através das paredes? Sentou-se em um sofá
e arrancou as botas, que o estavam incomodando. Desamarrou todos os
cadarços sem qualquer paciência e atirou-as longe, enquanto se encolhia entre
almofadas. Estava com mais frio, naquele momento, mas não pretendia
demonstrar fraqueza para a mulher que estava logo ali, no outro quarto.
Pressionou as têmporas com as duas mãos e sentiu, finalmente, o corpo
sucumbir. A dor de cabeça era lancinante e fazia com que ele desejasse
arrancar o membro fora com uma espada. Sua garganta ardia e ele sentia
como se tivesse engolido uma bola de pelos. Deitou a cabeça em uma
almofada e fechou os olhos. Estar naquele pesadelo, agora, não seria tão
ruim.
Estava prestes a perder os sentidos quando percebeu o frescor em sua
testa. Tecido cobriu seu corpo e ele se agarrou a ele como se sua vida
dependesse de um cobertor.
— A febre está muito alta, Vossa Alteza. — A voz suave e feminina
entrou em seus ouvidos como música. Como, no meio de tanta agonia, ela
conseguia ainda ter uma voz de anjo? Se os anjos falassem, Aiden duvidava
que tivessem um timbre tão delicado como aquele. — Precisamos abaixá-la.
Quis pedir para ser deixado em paz, mas não teve forças. As mãos
pequenas e firmes da Sra. Collingworth tocaram seu pescoço e ele pensou
que ela, se fosse uma mulher respeitável, não o estaria tocando ali. O
acetinado de seus dedos traçava uma linha suave por sua face enquanto ela
sussurrava qualquer coisa que se parecia uma música. Ela estava
cantarolando e sendo gentil com ele por motivo algum.
Aiden ouviu batidas na porta e depois vozes. Enrolou-se ainda mais nas
cobertas quando o trinco foi aberto e um vento forte esfriou a saleta. Logo a
temperatura se estabilizou e seu nariz captou o aroma de… comida.
— É o jantar?
— Sim, Alteza. Trouxeram uma sopa encorpada, vai lhe fazer bem tomar
um pouco.
Ele queria muito comer, havia um buraco em seu estômago. Ao mesmo
tempo, não conseguia nem mesmo abrir os olhos de tão cansado que estava.
Provavelmente não era cansaço, era a doença, a febre. As mãos que o tocaram
estavam tão quentes como ele, porém eram firmes e decididas, como se mãos
pudessem ter personalidade. Ergueram seu tronco e colocaram mais
almofadas em suas costas enquanto Aiden se sentia fraco e impotente. Tudo
que ele não era, que ele nunca foi.
Abriu os olhos e observou-a, mesmo que a razão já lhe tivesse
abandonado o corpo. Era realmente linda, a Sra. Collingworth. Tão linda
quanto plebeia, tão delicada quanto mãe de dois filhos, tão cheirosa quanto
distante. Tudo naquela mulher o atraía na direção dela ao mesmo tempo que
repelia qualquer possibilidade de relacionamento entre eles.
Ela levou a colher de sopa até a boca dele e o caldo morno tocou seus
lábios. O duque levou a mão para pegar a tigela de sopa, ele não precisava ser
alimentado como se fosse um bebê, porém os dedos trêmulos não
conseguiram cumprir a tarefa.
— Deixe que eu faço isso. — A Sra. Collingworth disse, enquanto
esfriava a sopa com um pequeno sopro de ar. Ela provavelmente fazia o
mesmo para os filhos dela e para os filhos das mulheres para quem
trabalhava. Aiden começou a divagar sobre o que fazia aquela mulher, se ela
era criada de alguém, se tinha um marido trabalhando que ela tinha deixado
para trás, se era uma meretriz e por isso vivia sozinha com crianças.
Enquanto pensava, histórias se formavam em sua cabeça e o duque não
conseguia parar de olhar para ela. A mulher tinha a suavidade de uma
orquídea e sua pele era tão branca quanto o leite. Ele pode ver as manchas
rosadas em suas bochechas e não teve certeza se eram pela Escarlatina ou
pela vergonha de estar ali, com ele, em uma intimidade que não era adequada.
Estava difícil comer e sua garganta ardia, mas ele se esforçou para fazê-lo
apenas para que ela continuasse ali, sentada próxima a ele, aquecendo-o com
seu calor.
— Obrigada. — Ela sussurrou com uma expressão cansada. — Obrigada
por ter feito meu filho se acalmar naquele momento. Ele é muito sensível e
apegado a mim.
— Sensibilidade não é uma qualidade muito adequada a um homem. —
Aiden resmungou, não sabendo dizer nada agradável. Ele era daquele jeito,
péssimo com interações sociais. Sua gentileza poderia ser comparada à de um
cavalo selvagem ou qualquer outro animal bruto e indomado. As mulheres,
elas eram bem vindas em sua cama e, de preferência, iam embora logo depois
do sexo. Se ficassem mais, era porque haveria mais sexo. Fora isso, ele não
tinha nenhuma habilidade em dialogar com elas.
— Sensibilidade é adequada a qualquer pessoa, Alteza. Ela nos faz
humanos.
A Sra. Collingworth se esforçou para sorrir. Ela não se irritou com ele por
ter criticado seu filho, o que era esperado - as pessoas não demonstravam
irritação com os duques. Duques tinham direito a opinião e frequentemente a
emitiam, sem que fossem censurados por isso. E ela era uma mulher, afinal.
Mas ele suspeitava que ela estava apenas sendo condescendente.
O barulho da colher raspando a louça indicou que a comida acabara. Ela
ofereceu mais, porém ele recusou, fechando novamente os olhos. A dor
continuava e a febre não tinha cessado. A mulher-anjo ao seu lado puxou a
coberta, forçando-o a levantar, e o conduziu, quase precisando arrastá-lo, até
a cama. Aiden não tinha forças para protestar nem discutir, ele apenas se
deixou levar até desabar no macio do colchão e sucumbir à doença.

Batidas à porta fizeram com que Elizabeth abrisse os olhos. Ela quis levantar
mas não conseguiu, seu corpo insistia em ficar deitado por causa da dor e da
febre. Sua garganta arranhava. A luz do dia já estava entrando pelas janelas e
iluminando o quarto onde ela estava, a cama onde estava acomodada. Ao
lado do duque.
Aquilo fez com que ela erguesse o corpo em um salto. Havia um homem
ao seu lado e ele dormia profundamente, relaxado e suando muito. Gotículas
de suor brilhavam em sua testa, escorriam por seu pescoço e por seu tórax nu.
Ele estava nu. Ela passou a noite ao lado de um homem nu.
Passou a mão seu corpo, ela também não estava completamente vestida.
Elizabeth sentiu calor imediato, e não era da febre, ao imaginar que aquele
duque a despira e a vira em suas roupas de baixo. Se ela soubesse que seria
desnudada por um nobre, teria vestido alguma seda. Bem, ela não tinha seda
para vestir.
Por mais que ela soubesse que aquilo era um escândalo e que não haveria
sobreviventes quando as fofocas começassem, ela não conseguia se importar
muito.
— Alteza. — A voz veio da porta. — Sou eu, Davies.
O médico. Elizabeth levantou de uma vez, sentindo seus ossos estalarem,
e se enrolou na coberta. O duque virou para o lado e grunhiu, agarrando-se ao
seu cobertor. Mesmo doente e febril, aquele grunhido era sensual. Aquele
homem era sensual.
Abrindo uma fresta da porta Elizabeth se apresentou ao doutor. Ele
colocou a mão na madeira e a empurrou sem pressa, entrando completamente
no quarto. Estava com um pano à frente do rosto e suas mãos cobertas por
plástico.
— Preciso examiná-los, senhora. — O médico apoiou uma maleta preta
sobre o aparador. Ele era baixinho e estava ficando calvo, um homem na
meia idade. Vestia-se com roupas bem cortadas e costuradas, indicando que
sua posição social era elevada. — Onde está o Duque de Shaftesbury?
— Vossa Graça está dormindo. Ele teve muita febre, ontem.
— Certo. Vou examiná-la primeiro, então. A senhora poderia…
O doutor Davies fez um gesto indicando que ela precisava se desenrolar
da coberta. Uma corrente fria a fez tremer da cabeça aos pés assim que o ar
entrou em contato com as finas camadas do tecido que pouco a cobria. Tudo
que vestia era uma camisola e calçolas.
Não precisou de muito esforço do médico para identificar a doença.
Elizabeth tinha manchas rosadas por todo o torso e braços, também
espalhadas pelas pernas. Sua garganta estava inflamada e a febre era alta,
ainda. Depois, ela conduziu o médico até o quarto, onde estava o duque, e foi
acender a lareira.
Elizabeth sempre acendia sua própria lareira. A casa onde morava, com
os filhos, era um sobrado simples e gelado, com chão de terra e alguma
umidade. Patrick vivia adoecendo por causa disso, sempre espirrando e
tossindo. Para evitar o frio, até no verão, ela mantinha a lareira
constantemente acesa, o que também ajudava a secar as paredes. Carregar
madeira e fazer fogo nunca foram mistério para ela. Naquele momento, no
entanto, ela sentia dor e ajeitar a lenha no compartimento foi uma tarefa
árdua.
Feriu o dedo com uma farpa e arranhou o braço com um pequeno tronco
mais rebelde. Depois de algum esforço, o fogo estava finalmente queimando
e ela pode se acomodar na poltrona ao lado.
— Senhora. — O médico retornou. — A infecção é mesmo Escarlatina,
mas parece uma forma mais branda. Só o tempo dirá. Não há muito que eu
possa fazer, além de recomendar banhos frios para baixar a febre, repouso e
muita sopa. Deixarei um tônico de acônito para a infecção que pode ser muito
útil, e recomendarei láudano se a febre causar euforia.
— Podemos ir para casa? — Ela perguntou, ansiosa.
— Recomendo que fiquem em isolamento para evitar que essa doença se
alastre. Sei que as condições são… impróprias. — Ele pigarreou e frisou a
última palavra indicando que a permanência de um duque, em um quarto,
com uma viúva, causaria a ruína da reputação dela. — Mas informarei aos
criados e pedirei vigilância.
Elizabeth assentiu antes de o médico deixar a saleta. Ela suspeitava que o
duque não fosse um cavalheiro preocupado com sua virtude e aquilo podia
rapidamente transformar-se em um escândalo impossível de se reverter. Ele
estava dormindo sem roupas ao seu lado. Ela não o vira nu, apenas seu peito
descamisado, mas a sua calça estava pendurada em uma cadeira próxima à
cama. Um homem sem calças é um homem nu.
Ele também a despira e a deixara em suas roupas de baixo. Ela não sabia
se estava mais frustrada por não ter impedido ou por não ter sentido as mãos
firmes do duque em seu corpo. Céus, ele tinha mãos enormes.
— Sra. Collingworth?
A voz grave e masculina veio do quarto. Elizabeth reuniu forças para
respondê-lo, preferindo se levantar e ir até o duque. Se ela conhecia bem os
nobres, ele provavelmente daria algumas ordens a ela, mesmo que não fosse
sua criada. Nobres adoravam dar ordens para pessoas como ela, adoravam
mandar e ser obedecidos.
— Pois não, Alteza?
Ele estava sentado na cama e, por Deus, como era lindo. Elizabeth não
sabia como conseguira dizer qualquer coisa diante daquela escultura
masculina que terminava de abotoar suas calças. Com os pés descalços e
peito descoberto, ela podia ver o bronzeado natural de sua pele e os músculos
proeminentes por todo o corpo. Como aquele homem, um aristocrata, poderia
ter tantos músculos? Ele não fazia trabalhos braçais, nunca deveria ter costas
tão largas, ombros tão firmes e uma barriga tão…
As palavras faltavam para defini-lo.
— Acredito que vamos passar alguns dias presos, aqui. — Ele lhe sorriu e
ela quase desmontou em seus joelhos, como se aquele sorriso estivesse
mergulhado em láudano e pudesse anestesiá-la. — Pode abandonar os
tratamentos formais. Como a senhora está se sentindo?
— Dolorida. — Ela se sentou novamente, em uma cadeira. O mais longe
que podia daquele pecado em forma masculina. — Se vamos nos tratar por
nomes informais, senhor, pode me chamar de Elizabeth.
Um homem e uma mulher, desconhecidos, nunca se tratariam por
primeiros nomes. Nem os conhecidos faziam aquilo, era indecoroso. Mas
Elizabeth precisava sempre lembrar que ela não era uma dama da sociedade e
que aquelas regras não foram feitas para os miseráveis plebeus.
— É um nome muito bonito. — O duque se levantou e sua altura era
ainda maior à luz do dia. Ele todo era maior - e melhor - com o sol reluzindo
em sua pele e cabelos. Nem as manchas da Escarlatina conseguiam deixá-lo
menos lindo. — Vou dar algumas orientações ao meu criado. Se a senhora
quiser, pode tomar um banho.
Tomar um banho. Elizabeth notou a banheira próxima a outra lareira, que
já estava acesa antes, um pouco afastada da cama. Também havia um balde
de metal e uma bica de água. Aquela não era uma estalagem modesta e
aquele não era, definitivamente, o quarto pelo qual ela fora cobrada, antes. As
instalações eram caras demais para hospedar uma trabalhadora como ela.
O médico dissera que banho frio era bom para a febre. O corpo cansado
de Elizabeth pedia por aquela banheira, pedia por uma água morna que lhe
banhasse a sujeira de um dia inteiro de fuga inútil. Suas roupas estavam um
pouco encardidas por fuligem e poeira da estrada e seu cabelo cheirava a
fumaça. Ela adoraria deitar naquela banheira e lavar a cabeça, ficar cheirosa e
limpa para que o duque a visse…
Ele não a veria de forma alguma, como estava sendo tola. Homens como
Aiden Trowsdale não notavam plebeias como ela, provavelmente nem
mesmo para deitarem na sua cama.
Perdida nos devaneios, ela se pôs a preparar o banho. Deixou a água
esquentar no fogo da lareira, pegou a pedra de sabão que estava em uma
caixa de madeira e o tecido que servia de toalha, para se enxugar. Olhou para
a porta que separava o quarto da saleta e suspirou - não havia porta. A voz
imponente do duque ecoava por todo o espaço e ela considerou como, afinal,
iria entrar naquela banheira.
De uma vez só, fora a decisão. Apressada, na velocidade que a doença lhe
permitia, Elizabeth tirou a roupa, deixando-a ao lado, jogou o balde de água
quente e completou com água fria. Entrou na banheira e soltou uma blasfêmia
quando encostou na água quase gelada. Era o que o médico recomendou,
então era o que ela faria.
Seu corpo começou a tremer mas ela resistiu. Encolheu-se, agarrando os
joelhos com os braços e ficou ali por quase um minuto inteiro. Esfregou o
sabão nela, limpou as impurezas da pele, mas não lavou os cabelos. Também
não percebeu quando a voz do duque cessou e tomou um susto quando sentiu
a sua presença ali.
— Esse banho não parece estar sendo muito agradável.
O coração de Elizabeth saltou duas batidas e ela tentou não olhar para ele.
O que aquele homem estaria fazendo ali se ele sabia que ela iria se banhar.
Não deveria manter-se na sala, por decoro? Ou será que ele era um duque
devasso, libertino, daqueles que não tinham nenhuma decência? A fama do
Duque de Shaftesbury era de um homem que quase não se socializava, mas…
ele podia realizar orgias em sua casa. Oh.
— Está gelado. Ou eu estou muito quente, não sei dizer. Mas o médico
recomendou.
— Isso parece mais tortura do que tratamento.
Fingir que ele não estava ali não era uma possibilidade. Ele emanava
calor e fazia com que o coração dela disparasse. Elizabeth tremia de frio e
com a tensão daquele corpo masculino há menos de um metro de distância
dela. Um corpo masculino diferente de tudo que ela já tinha visto, porque ela
não estava acostumada a homens como aquele. Sem que ela esperasse, Aiden
se aproximou mais e, pegando a toalha em suas mãos, colocou sobre os
ombros dela.
— Você parece estar se sentindo melhor. — Elizabeth murmurou. Não
esperava que sua voz saísse tão fraca e trêmula, mas foi o que ela conseguiu
fazer, agarrada à toalha enquanto seus dentes trincavam.
— Sou um duque, ficar doente não é bem algo a que estou acostumado.
Ele sorriu e ela cometeu o erro de olhar. Aquela era a boca mais perfeita
que existia e ela só conseguiu pensar que ele poderia beijá-la. Não fazia
sentido querer ser beijada pelo duque quase desconhecido, mas ela queria. O
sorriso dele se transformou em uma linha fina e sua expressão assumiu
contornos densos, sombrios. Algo o incomodou.
— Acho que a senhora deveria sair dessa água fria. — Aiden disse. —
Não quero que morra sob meus cuidados.
Dando dois passos na direção da banheira, seus pés firmes encostaram no
metal e ele colocou as duas mãos nos ombros dela. Elizabeth sucumbiu a toda
espécie de sensação: calor, frio, ansiedade, fraqueza, medo, desejo. O simples
toque displicente daquele duque com poucos limites disparou todos os alertas
dentro dela. Ele a fez levantar, puxando-a para cima com delicadeza e
enrolando a toalha em seu corpo para que permanecesse coberto.
Ela parou de respirar e engoliu o ar. Aiden virou de costas para que
Elizabeth pudesse deixar a banheira e se vestir, desaparecendo em seguida
pela saleta. Bateu à porta e falou mais alguma coisa com seu criado. Seriam
mais alguns dias naquela tortura, como ela pretendia resistir a um homem
como aquele?
Capítulo quarto

— S E O SENHOR QUISER , pode tomar um banho também.


A voz da tentação ecoou nos ouvidos de Aiden. Há segundos ele estava a
ponto de fazer uma besteira e não sabia como tinha resistido. Entrou no
quarto na intenção de vê-la nua, ele queria ver aquele corpo perfeito por
inteiro mesmo que estivesse doente. Aquela era a atitude de um devasso, de
um homem que não respeitava as mulheres - e ele não as respeitava muito,
mesmo. E aquela em especial o fez perder o senso desde a primeira troca de
olhares.
Pelo menos ela tinha se vestido, ou quase. Estava com uma camisola e
nada mais, o que significa que todo acesso àqueles seios estava ali, ao seu
alcance. Seria muito tempo sem uma mulher em sua cama? Será que Aiden
estava em uma abstinência muito longa e isso o estava afetando?
— Vou prepará-lo para o senhor.
— Posso preparar meu próprio banho. — Ele disse, sem saber exatamente
por quê. Ele não costumava nem preparar a roupa que vestiria, quanto mais
um banho. Nunca fizera isso em toda a vida. E ela sabia, porque o risinho em
sua boca vermelha dissera aquilo.
— Está tudo bem, Alteza… Aiden. No final, a água fria fez com que
minha temperatura abaixasse e estou me sentindo melhor.
A deusa dourada voltou para o quarto e ele notou seus cabelos soltos,
caindo por sobre os ombros. Ela desfez a trança para tomar banho e
obviamente não tinha ninguém para refazê-la. Nem fazia qualquer diferença
cobri-los com uma touca. O duque ouviu barulho de água e Granger trouxe a
comida - o desjejum. Os dois combinaram um código, já que o duque estava
confinado àquele quarto até segunda ordem do médico - sempre que
precisassem se falar, Aiden bateria. Ele não queria as pessoas entrando no
quarto sem necessidade.
O criado teria que ficar o dia inteiro na porta, mas o duque decidiu que
um pagamento extra o compensaria. Ele também pediu notícias de Agatha,
queria saber se mais alguém tinha adoecido em Thanet Bay. Achou prudente
não querer nenhuma informação sobre a duquesa, porque ela provavelmente
estava esbravejando e praguejando - mesmo que duquesas não esbravejassem
nem praguejassem - porque o filho estava preso em uma estalagem com uma
qualquer. Depois de colocar toda a comida para dentro, sentiu novamente o
cansaço da doença e imaginou que Elizabeth tinha razão - ele precisava de
um banho, como ela.
— Está pronto. — Ela reapareceu na saleta e viu a mesinha cheia de
iguarias, presunto e chá. — Vejo que ficar reclusa com um duque tem suas
vantagens, afinal. Eu nunca seria servida dessa forma, ainda mais se estivesse
doente.
— A senhora pode comer, se quiser.
— Sou grata. — Ela sorriu e era um sorriso perfeito. Merecia uma
moldura. Ele sentiu um incômodo na região da virilha e rezou secretamente
para que Elizabeth não prestasse nenhuma atenção à anatomia masculina.
Aquela parte em questão estava um tanto quanto alterada. — Agora venha ou
a água vai ficar gelada.
Com alguma hesitação, ela segurou-o pela mão e o puxou para o quarto.
Quando uma mulher fazia isso, ela geralmente o estava chamando para deitar
em sua cama. Não era aquele o caso, mas ele não se importaria. Ou se
importaria, já que nada daquilo era para acontecer.
— Depois que o senhor se despir e entrar na banheira, me avise.
Ela virou de costas e o duque olhou para seu próprio corpo. Ele
geralmente tinha orgulho de sua forma física e sua virilidade, mas estava
enfraquecido e todo manchado de vermelho. Podia fingir que não se sentia
mal, mas tudo que queria era baixar aquela febre e dormir o dia inteiro. Fez o
que ela pediu, arrancou as calças e se enfiou na banheira.
— Maldição! — Praguejou ao sentar no gelo. — A senhora chegou a
esquentar essa água?
Elizabeth virou-se ainda com aquele sorriso nos lábios e Aiden nem tinha
terminado de se ajeitar na água. Ela não olhava para ele, apenas pegou a
toalha e colocou sobre a banheira, cobrindo praticamente toda a
masculinidade quase exposta. Era como se ela já tivesse passado por aquilo
algumas vezes e soubesse exatamente o que fazer.
— Vou lavar suas costas, Alteza. — Elizabeth abaixou ao lado da
banheira e pegou a pedra de sabão. — Se quiser, posso lavar seus cabelos
também.
Aiden ficou em silêncio. Ele não sabia genuinamente o que dizer.
— Fique tranquilo, sou a mãe de dois e uma mulher trabalhadora. Sei
lidar com pessoas doentes.
— Onde está o seu marido?
A pergunta saiu rude, mas ele precisava de qualquer coisa para se distrair
das mãos pequenas e macias tocando sua pele ferida. Mesmo que isso fosse
fazer com que ela o achasse desrespeitoso, era melhor que servisse para que
ficasse longe dele.
— Sou viúva. — Ela respondeu, passando os dedos ensaboados por suas
costas. Eram toques de um querubim que despertavam as partes mais
sensíveis do duque. — Perdi meu marido para a cólera, cinco anos atrás.
— Seus dois filhos são dele?
Outra pergunta invasiva e inadequada, mas Elizabeth não pareceu se
abalar. Suas mãos delicadas continuavam passeando pelas costas de Aiden,
escorregando vez ou outra para seu peito. Ele desejou que ela pudesse abraçá-
lo e entrar ali, naquela banheira, mesmo que vestida.
— Não é porque sou uma plebeia que vive em Shadwell que sou uma
prostituta. — A voz suave cantou nos ouvidos dele. — Quando fiquei viúva,
Peter tinha acabado de nascer.
— Não quis soar rude. — Ele ganiu no instante em que as mãos dela
esfregavam sua lombar, quase dentro da água. Elas estavam muito perto,
perto demais. — Eu me entedio facilmente, por isso gosto de conversar.
Elizabeth levantou-se e começou a mexer no balde. O duque ajeitou-se na
banheira, temendo que ela pudesse vê-lo nu e excitado. Seu pênis duro
latejava dentro da água fria e ele nem mesmo lembrava que estava com uma
doença muito grave.
— Está tudo bem. — Ela despejou um pouco de água morna em sua
cabeça e Aiden gostou quando os dedos femininos se embrenharam em seus
cabelos. — Eu entendo a curiosidade. O senhor também não é casado? Não
há uma duquesa esperando em sua propriedade?
— Ainda não me casei. — O duque deitou a cabeça na borda da banheira.
Ele queria ser apenas sentidos enquanto Elizabeth acariciava seu couro
cabeludo, sua nuca, ensaboava seus cabelos como se fosse uma mãe cuidando
do filho.
Não, aquele não era o toque de uma mãe. Aiden já fora tocado por criados
e até por sua mãe, quando criança, e era tudo muito diferente. Aquela mulher
tinha dedos sensuais que indicavam que ela sabia o que estava fazendo -
banhando um homem que estava em ponto máximo de excitação. Bem, talvez
ela não estivesse muito consciente da segunda parte.
— Uma pena. Tenho certeza que há várias damas interessadas no seu
cortejo. O senhor é um homem muito… duque. O senhor é um duque.
Aiden deixou um sorriso esticar seus lábios porque ele tinha certeza que
ela completaria a frase com outra coisa que não a obviedade do seu título de
nobreza. Todos sabiam que ele era um duque e sim, muitas mulheres iriam
querê-lo exatamente por esse motivo. Mas Elizabeth não hesitaria ou
engasgaria nesse ponto específico.
Aquilo significava que ela também estava abalada? Que ele causava nela
o mesmo efeito intoxicante que ela causava nele? Elizabeth jogou mais água
sobre os cabelos do duque até tirar totalmente o sabão.
— Talvez sim, mas eu não me interessei muito em cortejá-las, até hoje.
Eu não sou um homem que corteja mulheres, Elizabeth. Eu geralmente não
presto nem atenção no nome delas.
A confissão extremamente grosseira extraiu uma interjeição sutil da
mulher ajoelhada ao lado de Aiden. Ela tentou disfarçar e engoliu a palavra,
mas ele percebeu que o momento a impactou, também. Elizabeth levantou-se
e estendeu outra toalha para o duque.
— Vou deixá-lo para que se vista. Acho que precisamos comer alguma
coisa.

Cuidar de Aiden Trowsdale poderia ter parecido uma ideia razoável no início,
mas se transformou na coisa mais imprópria que Elizabeth já fizera em toda a
sua vida. Ela chegou a duvidar de suas próprias intenções gentis depois que
seus dedos se perderam na pele e nos cabelos daquele homem que
personificava o pecado.
Claro que ele era um duque e os nobres não estava acostumados a fazer
nada por si próprios. Mas ela exagerou.
Não precisava lavar suas costas. Nem seus cabelos. Mas o fez mesmo
assim, sabendo que aquilo despertaria sensações que ela já tinha esquecido há
muito tempo. Na verdade, eram sensações completamente novas. Por mais
que ela e o falecido Gregory tivessem um relacionamento bastante romântico,
Elizabeth não se lembrava de ter sentido aquela sensação que fazia com que
as borboletas em seu estômago se agitassem.
Mas Elizabeth estava acostumada a cuidar de pessoas. Ela passara boa
parte de sua vida, até então, cuidando da família. Do marido, dos filhos. Dos
patrões. Cuidar do Duque de Shaftesbury não deveria ser tão difícil.
— Obrigado.
A voz do duque fez com que ela se sobressaltasse em seus devaneios.
Elizabeth estava na saleta, ajeitando a comida do desjejum, mesmo que seu
corpo não estivesse interessado em comida.
— Não precisa agradecer, Alteza. Afinal…
Ele estava muito perto dela e aquilo fez o coração de Elizabeth disparar,
martelando incessante em seu peito.
— Se me permitir retribuir, eu gostaria de trançar seu cabelo.
Elizabeth virou-se repentinamente, segurando um prato com pães,
presunto e ovos. Seus olhos esbugalhados indicavam que ela não estava
entendendo a suavidade daquele homem que, até então, só tinha blasfemado e
dado ordens.
— E o senhor sabe trançar cabelos?
— Ter uma irmã muito mais nova e uma mãe muito pouco afetuosa faz
com que aprendamos algumas coisas.
— Mas havia criados para isso. Sua irmã não tinha uma tutora?
— Nós temos dúzias de criados, mas Agatha sempre foi apegada a mim.
Ela deu uma risada curta e estendeu ao duque a comida que acabara de
servir. Elizabeth precisava de qualquer coisa para reduzir aquela intimidade
entre eles, mas apostava que a reclusão só faria com que se aproximassem
mais.
— Vamos comer, primeiro. Depois, precisamos descansar, como mandou
o doutor. Não precisarei de tranças, por enquanto.
Mas comer foi difícil enquanto sua garganta doía, seu corpo estava ainda
exausto e sua mente girava sem parar pensando em todas as coisas impróprias
que ela queria que o duque fizesse com ela. Era tudo certamente por causa
dos delírios da febre.
Elizabeth não era uma donzela, menos ainda uma dama, mesmo assim ela
não saía deitando com todos os homens de Londres. Depois do marido, ela
nunca mais teve um amante. E, cada vez que Aiden Trowsdale levava um
pãozinho à boca, ela desejava que ele deitasse aquela boca sobre a dela.
Desejava aquelas mãos em seu corpo. Desejava aquele corpo sob o seu.
Céus, e ela o conhecia há um dia. Um mísero dia era suficiente para fazê-
la desejar que aquele homem fizesse coisas impróprias com ela. No mais, a
doença não deveria abatê-la o suficiente para que não sucumbisse àqueles
desejos impuros?
— O senhor deveria se deitar.
Ela sugeriu, recolhendo os pratos e empilhando a louça. O duque,
parecendo ainda bastante afetado pela febre, levantou-se cambaleante e
desapareceu pelo quarto. Elizabeth bateu à porta e lá estava Granger, o criado
que tinha passado a noite em um corredor e estava passando o dia sentado no
chão frio. Aquilo era fidelidade ao seu patrão, mas ela não podia evitar sentir-
se mal pelo menino.
Com recomendações de que o jovem não tocasse diretamente em nada e
levasse tudo para a cozinha, onde as louças deveriam ser mergulhadas em
água quente, Elizabeth trancou a porta e deitou no sofá. Ela também
precisava repousar. Qualquer esforço era demais, seu corpo não aguentava
nem os trabalhos mais simples do dia-a-dia.
Já tinha fechado os olhos quando ouviu seu nome dançar na voz do
duque.
— Elizabeth. — Ele chamou e ela não respondeu. Queria ouvi-lo falar
outra vez, queria saborear aquela voz. — Sra. Collingworth?
Enrolada em uma coberta, ela foi até o quarto. Aiden estava embolado na
cama, escondido por cobertores.
— Diga, Alteza.
— Por favor, não fique naquele sofá. Ontem precisei trazê-la para a cama,
não me faça carregá-la novamente. Estou enfraquecido demais e gostaria de
poupar energias.
Oh. Então ela não tinha ido sorrateiramente até o duque no meio da
madrugada, ele a carregara até a cama. Ele a despira e deitara ao seu lado.
Aquilo era um absurdo. E ela então sofria por não ter sentido o calor daquele
corpo no dela.
— Mas não tenho outro lugar para ficar e preciso repousar. Estou me
sentindo muito mal.
— A cama é suficiente para nós dois. Acho que cabem umas quatro
pessoas aqui. Provavelmente o estalajadeiro esperava hospedar nobres
libertinos que gostavam de ter muitas mulheres de uma só vez.
Elizabeth sentiu as bochechas arderem e não era da doença. Ao mesmo
tempo, suas coxas tremeram e ela percebeu que sua intimidade se agitou com
a imagem que se formou daquele homem perfeito em uma cama rodeado das
maiores beldades de Londres. A imagem lhe causava repúdio porque não
queria que ele estivesse em uma cama com várias mulheres. Se alguém fosse
se deitar ali com ele seria ela.
E Elizabeth não tinha mais nenhum pudor em pensar aquelas coisas. Sua
alma estava encomendada para o inferno.
Cuidadosamente, para não entrar em um espaço físico que lhe conduziria
a um toque involuntário de pele, Elizabeth deitou no colchão macio e seu
corpo agradeceu silenciosamente. Ainda enrolada no cobertor, acomodou-se
virando as costas para o duque e ansiando para que ele adormecesse logo para
que, caso ela ficasse tentada a olhar e admirá-lo, o homem não percebesse.
— Elizabeth. — A voz abafada chamou a sua atenção. — Conte-me uma
história.
— Que tipo de história, Alteza?
— Qualquer uma. Conte-me sobre você. Quem é Elizabeth Collingworth?
Uma mulher perdida. Uma que causa inveja em outras como ela apenas
por poder dividir a cama com um duque, mesmo que seja só para conversar e
dormir. Uma devassa que só pensa em ser tocada de todas as formas mais
inapropriadas.
— Não há nada interessante sobre mim.
— Duvido. — A voz dele estava ficando mais embargada. — Aposto que
há muito por trás da mãe viúva que… onde a senhora trabalha, mesmo?
— Estou desempregada no momento. Eu trabalhava com os Pensington,
mas eles se mudaram para a França. Era dama de companhia de Lady
Charlotte.
— Os Pensington. — A risada dele indicou que sabia quem era a família.
— Então a senhora já deve ter conhecido o Conde de Cornwall.
— Ah, sim. Ele cortejava Lady Charlotte. Eu o conheci, certamente.
Um silêncio de alguns segundos fez com que Elizabeth pensasse que o
duque tinha caído em um sono súbito.
— Edward é meu amigo. Talvez o único amigo que eu tenha.
A voz saiu baixa e sonolenta. Elizabeth quis virar-se para ele e afagar
seus cabelos até que adormecesse. Ela gostava de fazer isso com os filhos e
sentia vontade de cuidar daquele duque que, provavelmente pela primeira vez
em sua vida, estava vulnerável. Mas ela não fez nada daquilo, apenas
continuou contando a ele a história que pedira.
— Lorde Edward é um bom homem. Recomendei várias vezes a Lady
Charlotte que aceitasse seus cortejos, mas ela estava muito envolvida com o
lorde francês. Eles devem se casar, acredito que serão felizes já que ela o
ama.
— A senhora amava seu marido?
Claro que amava.
— Pessoas como eu têm o luxo de poder se casar por amor, Alteza.
— Entendo. Continue falando.
Elizabeth então atendeu àquele pedido, que era uma ordem. Ela contou
sobre quando conheceu Gregory, em uma taverna. Fora buscar o pai, que
tinha bebido demais outra vez. Um agiota fora à casa deles informar que o pai
devia muito dinheiro e que estava embriagado em um dos antros de
Whitechapel. Que deveriam dar um jeito de pagar ou sofreriam
consequências piores. Enquanto a mãe ficou apavorada, Elizabeth
simplesmente dirigiu-se até a taverna para resgatar o pai.
Gregory estava bebendo com amigos e a ajudou. Ele era um homem
lindo, forte e másculo, mas muito castigado pelos anos de trabalho intenso.
Os dois se apaixonaram no instante em que se viram, ela soube depois. Eles
se amaram, verdadeiramente, até a prematura morte dele.
Contar aquela história fez com que Elizabeth tivesse belas recordações
que lhe acalentaram a mente. Por mais pobre que fosse, eles eram uma
família feliz. Tinham o necessário para sobreviver com alguma dignidade e
estavam sempre juntos. Foi muito difícil viver sem Gregory nos primeiros
meses, ela sofreu muito e passou muitas dificuldades financeiras até decidir
usar seu estudo e sua educação para ganhar dinheiro.
Enquanto Elizabeth narrava sua saga da juventude, o duque pegou no
sono. O silêncio precedeu ao som de sua respiração pesada e ressonante. A
dor e a febre acabaram por fazê-la sucumbir também.
Capítulo quinto

A VOZ de um anjo continuava ecoando na cabeça de Aiden enquanto ele


lutava contra a febre. Estava muito cansado, o suficiente para não conseguir
sair da cama mesmo sentindo fome e sede. Também sentia dor e frio e aquilo
era o bastante para decidir ficar aonde estava. Abriu os olhos, encarou as
costas e os cabelos claros de Elizabeth e não evitou sorrir. Por que, com
tantas donzelas perfeitas em toda a Inglaterra, era aquela plebeia viúva que
estava causando tanto rebuliço em suas entranhas?
Enquanto a observava, ela se virou para ele. A face delicada acomodada
sobre as mãos, apoiada no travesseiro. A Escarlatina não afetou em nada a
beleza que Elizabeth carregava consigo.
— O senhor está com uma aparência péssima. — Ela disse e sorriu.
Maldição, aquele sorriso ainda iria fazer com que ele perdesse a linha.
Depois, levou a mão à testa de Aiden e permaneceu ali por alguns segundos.
— E a febre está muito alta. Tome outro banho.
— Não tenho forças.
Elizabeth fechou os olhos.
— Nem eu. Também estou me sentindo como se fosse morrer, talvez eu
vá. Há uma luz me atraindo, a luz está atraindo o senhor, também?
— Deve ser o sol do lado de fora. — Ele riu.
Não era o sol, Aiden também sentia que a morte poderia estar próxima.
Não conseguiu nem se mover, apenas voltou a dormir. O sono, dessa vez, foi
agitado e inconstante. Parecia um pesadelo, ele por vezes pensou estar caindo
em um precipício, outras vezes sendo sugado por uma tempestade em alto
mar. E o duque nunca nem tinha estado em alto mar para saber que sensação
era aquela - mas era como se seu corpo adoecido inventasse as memórias por
si próprio.
Ah, seria tão melhor ter memórias do corpo quente de Elizabeth sob o
seu. Seria tão melhor saber como era tê-la em seus braços, aninhada em seu
peito, o gosto dela em sua boca. Aiden nunca quisera mulheres aninhadas,
nem fazia questão de lembrar-se delas depois. O prazer carnal era efêmero e
satisfatório, ele não precisava rememorar gostos e texturas.
A mente lhe pregou peças substituindo o pesadelo pelo desejo. Ele não
estava mais caindo ou sendo atirado na parede ou esfaqueado em um beco,
estava apenas ouvindo Elizabeth rir e contar histórias. Imaginou o corpo dela
nu, suado e ofegante, chamando por seu nome. Aiden. E então a agitação
passou e o duque adormeceu profundamente.
Ouviu batidas à porta e seu criado o chamava, fazendo com que
despertasse. Não sabia se era dia, ainda, ou noite. Se já era o dia seguinte ou
o mesmo. Piscou várias vezes e a escuridão do quarto fez com que se
localizasse no tempo. Uma brisa fria entrava pela janela aberta, que permitia
que a luz da lua clareasse um pouco a cama onde estava. Não queria falar
com Geoffrey, não tinha nem forças para se levantar e o calor o estava
fazendo suar.
Calor?
Aiden tentou se mover e percebeu Elizabeth em seus braços. Ela estava
aconchegada em seu peito, ele a tinha envolvido com o braço direito e ela
segurava seu tórax com as mãos pequenas e macias. O duque fechou os olhos
e colocou o nariz naqueles cabelos acobreados como o por do sol, inspirando
o aroma que eles exalavam. Rosas? Não, gardênias. Elizabeth tinha um cheiro
doce e marcante que ele não tinha sentido ainda, nem nas damas com quem
compartilhara a cama, nem nas donzelas da aristocracia.
Geoffrey continuou chamando e foi ignorado. Com cuidado, Aiden puxou
Elizabeth para mais perto e a comprimiu em seus braços. O calor dela se
misturava com o dele e aquilo foi o suficiente para que sua excitação
aflorasse. O que veio a seguir apenas agravou a situação.
Ela começou a despertar. Estendeu os braços e passou as mãos pelo peito
nu de Aiden. Ele reprimiu um gemido quando os dedos dela deslizaram por
sua barriga, hesitantes, em reconhecimento, e se enroscaram brevemente nos
fios escuros que desapareciam na calça que ele vestia. Elizabeth então abriu
os olhos, piscou e ergueu a cabeça. Sua expressão assustada estava misturada
com a mais genuína confusão. Se ela tivesse descido os carinhos um pouco
mais… ele não seria capaz de impedi-la.
Os olhares se cruzaram e permaneceram um no outro por um minuto
inteiro. Aiden levou a mão até a face corada, enrubescida de Elizabeth e
afastou alguns fios quase alaranjados da testa dela, limpando o suor que
estava ali. Desceu o polegar pelas bochechas, pelo queixo delicado, parou ao
tocar os lábios. Estavam tão próximos que ele podia sentir a respiração suave
e morna tocando sua pele.
E então o encanto se rompeu. O que ele estava fazendo? Aonde eles
queriam chegar com aquilo? Elizabeth rolou para o lado e o espaço que ela
ocupava ficou subitamente muito vazio, frio, oco. O duque encarou o teto por
longos minutos, o silêncio quebrado pelas insistentes batidas na madeira, pela
água gotejando em algum lugar do lado de fora, pelo ressonar das respirações
aceleradas. Talvez ele conseguisse ouvir seu próprio coração martelando. A
dor estava toda concentrada em sua virilha. Ele precisava dar um jeito de
tomar aquela mulher para si ou livrar-se dela de uma vez.

Martelada. Outra martelada. Mais uma martelada. O coração de Elizabeth


parecia a oficina de um ferreiro ou um canteiro de construção. Ela estava
imóvel deitada de costas na cama, fitando o escuro do teto enquanto o ar
escapava de seus pulmões sem que ela conseguisse respirar. Em algum
momento durante o sono conturbado pela febre ela rolou para o lado do
duque e acabou nos braços dele.
Se não fosse morrer pela doença, precisava dar um jeito de sair daquela
cama. O duque até parecia um homem gentil, mas era apenas isso. Ele
poderia querê-la para uma noite, só que a simples ideia de ser amante de
alguém a deixava enjoada. Elizabeth podia ser pobre e desempregada, mas
não se prestaria a ser sustentada por um nobre como sua amante. E se daquela
loucura ela engravidasse? E se gerasse um bastardo?
A febre fez com que ela sucumbisse ao delírio novamente e seu corpo
apagou.

Já fazia três dias que Agatha estava em Thanet Bay e ela ainda não tivera
notícias de Aiden. O irmão estava confinado em uma estalagem, no meio do
caminho para Londres e os criados apenas disseram que ele continuava dando
ordens e mandando como um duque. Bem, era o que ele era, mas Agatha o
enxergava de outra forma. A maturidade a fez compreender o irmão e
perceber que ele era, no fundo, uma alma solitária que não sabia muito bem
como se aproximar das pessoas. Então ele usava sua autoridade sobre elas.
— John. — Ela interpelou o criado no jardim. O sol em Kent estava
agradável e o ar era limpo. As flores brancas e amarelas cobriam quase todo o
arredor da enorme casa e o gramado estava de um verde vivo esfuziante. —
Preciso que prepare a carruagem, vou ver o duque.
— Lady Agatha, temos ordens expressas de Vossa Graça para que a
senhorita não saia da propriedade.
— Bem, se você não preparar a carruagem, vou montar em um cavalo e
vou assim mesmo. — Ela colocou a mão na cintura e encarou o criado, que
esfregou a cabeça com desânimo. — Entenda, eu preciso de notícias dele.
Preciso falar com ele. Não vou fazer nada arriscado.
John fez uma reverência e saiu. Era muito difícil convencer Lady Agatha
de qualquer coisa quando ela não queria ser convencida. Logo, a carruagem
estava pronta esperando e conduziu a lady e sua dama de companhia até onde
Aiden Trowsdale estava. Ela entrou estalagem adentro e, antes de chegar até
à casa dos fundos, foi interpelada pelo estalajadeiro. O homem pequeno e
barrigudo arrumava os bigodes enormes com os dedos. Ele tinha uma
aparência horrível, parecia um enfeite de jardim mal feito e mal pintado.
Ele queria lembrá-la que a conta do irmão estava alta e que ele temia que,
com a morte do duque, não recebesse o que lhe era devido.
— Meu irmão não vai morrer, isso eu lhe asseguro.
— Mas a Escarlatina é uma doença grave, milady. — O homem insistiu.
— Por que não fazemos o seguinte: a senhorita me paga o que o duque deve
até agora e depois ajustamos o restante. Claro que terá que pagar a parte da
mulher também, já que ela parece não ter onde cair morta.
— O senhor é uma pessoa odiosa. — Agatha moveu os ombros e olhou
para sua criada com desânimo. — Mais interessado pelo dinheiro do que pela
vida das pessoas. Não se preocupe, eu pagarei o que o senhor tem a receber.
Dou a minha palavra.
Mesmo com a promessa, o estalajadeiro seguiu Agatha. Para ele, a
palavra de uma mulher não valesse nada. Claro que, se Aiden morresse, ela
não seria sua herdeira. Mas Agatha tinha certeza que o irmão garantira a ela e
à mãe uma forma de subsistência, por testamento. Ele tinha certeza que ela se
casaria e teria uma confortável vida ao lado de um nobre endinheirado, mas
Agatha preferia acreditar que o irmão não contara com a sorte e deixara um
testamento em seu favor.
Geoffrey estava na porta do quarto com as costas recostadas na madeira.
— Milady. — O jovem criado levantou-se ao ver Agatha se aproximar,
marchando firme com o estalajadeiro e uma criada atrás dela.
— Como está o duque, Geoffrey?
— Em silêncio, milady. Desde ontem ele não bate na porta nem atende
meus chamados. Já insisti e insisti e nada. Eu troquei com o Granger, mandei
o menino descansa e estou aguardando ser solicitado por Vossa Graça. Mas
confesso que estou preocupado.
Agatha não disse nada, apenas bateu delicadamente à porta. Como não
obteve resposta, bateu mais forte. E por fim, esmurrou a madeira na intenção
de ser ouvida, sem muito sucesso. Não havia um som vindo de dentro do
quarto.
— Preciso entrar. — Ela disse, virando-se para o estalajadeiro. — Faça
valer o dinheiro que receberá e abra essa porta.
— O quarto está em isolamento, senhora. Não devemos entrar até que…
— Eu pareço preocupada com isso? Apenas pegue uma chave reserva e
abra essa porta, ou pedirei que meu criado a arrombe.

Aiden imaginou que estivesse sonhando, delirando ainda com a febre.


Enfiado na banheira de água fria, ele sentia todos os seus ossos estalarem e os
músculos tremiam, mas sua temperatura estava baixando gradualmente.
Aquela tinha sido a primeira vez que preparara um banho e não pareceu ter
muito sucesso.
Em dois dias, era a primeira vez também que conseguia sair da cama. A
dor não havia cessado, mas estava tolerável. O tônico deixado por Davies
estava fazendo efeito.
Ele olhava para a mulher adormecida e não sabia se estava com medo que
ela acordasse e o pegasse nu novamente, ou se preferia que ela despertasse
para poderem conversar um pouco mais. Ela tinha uma vida interessante e ele
pouco conversava com mulheres interessantes. A maioria delas só falava com
ele sobre o clima, enquanto Elizabeth Collingworth tinha histórias para
contar.
Mas tudo que ele ouvia eram batidas à porta e elas ficavam mais fortes a
cada vez. Precisava conferir se não eram parte dos devaneios causado pela
febre. Depois do episódio do dia anterior, quando acordou com a mulher em
seus braços, ele não tinha mais certeza de nada.
Levantou-se com dificuldade e enrolou-se na toalha, tomando cuidado
para cobrir seus quadris e esconder aquilo que Elizabeth não deveria ver. Ela
não deveria ver nenhuma parte exposta do seu corpo, era verdade, mas
algumas eram menos ofensivas do que outras. Seu peito nu, suas panturrilhas,
seu pé descalço - isso ela podia tolerar. Mas nada muito além disso.
Arrastou-se até a porta no instante em que a maçaneta girava e se abria. A
imagem de uma Agatha agitada, vestindo rosa e dourado, surgiu à sua frente.
A irmã levou as duas mãos à boca ao vê-lo quase despido.
— Céus, Aiden. — Ela deu um risinho, afinal. — Você está vivo, graças
ao bom Deus.
— O que está fazendo aqui, Agatha? Você vai ficar doente, saia desse
quarto.
— Não seja tolo, estou o mais distante de você que posso. — Ela se
escondeu um pouco por trás da porta. — Mas não me recuperarei jamais de
ver tanto de você exposto. Que visão horrível.
O duque olhou para si mesmo e quis rir. Nunca imaginou receber a irmã
vestido - ou não vestido - daquela forma. Se alguém soubesse haveria um
escândalo. Mas os últimos dias foram bem escandalosos para ele, doente e
confinado com uma mulher viúva e de moral duvidosa em um quarto de
estalagem. Ele havia feito com ela coisas bem indecorosas, desenvolvera uma
intimidade física inédita. Mesmo que já tivesse se relacionado com várias
mulheres durante sua vida, Aiden geralmente as tinha para os desejos carnais,
apenas. Aquela proximidade etérea ele ainda não experimentara.
— Vou demitir John. — O duque quis parecer irritado. Bastava alguns
dias isolado para que suas ordens fossem ignoradas. — Quem deixou você vir
aqui?
— Até parece que John é capaz de me impedir quando quero fazer algo.
— Agatha riu. — Onde está a Sra. Collingworth? Ela…
— Ela está dormindo. A febre está muito alta. Nós passamos dois dias
muito difíceis.
— Quer que chame o doutor novamente?
— Para ele nos entupir de láudano e tônicos? Isso posso fazer sozinho.
— Certo, então vou deixá-lo e voltar para Thanet Bay. Eu apenas queria
notícias suas. Mas antes… o estalajadeiro quer receber seu pagamento.
Pagamento? Aiden levou alguns segundos para compreender que tipo de
pagamento um hóspede, ainda ocupando um quarto, poderia ter que fazer.
— Ele quer que eu pague antecipado? — O duque deu dois passos na
direção da porta. — Chame-o aqui.
— Ele está aqui. Ele é uma pessoa horrível, Aiden! Ele explorou a Sra.
Collingworth e agora está querendo explorar você também.
Agatha abriu a porta por completo e o duque viu Geoffrey, com uma
expressão assustada, e o estalajadeiro e seu bigode afiado na ponta. Toda a
dor e exaustão da doença foram colocados em segundo plano. Saber que
aquele homem explorava pessoas em situação de necessidade era uma afronta
à educação que ele recebera do pai.
Sem considerar as consequências do que estava fazendo, o duque agarrou
o estalajadeiro pelo colarinho. Geoffrey e Agatha se afastaram.
— Não gosto de gente mesquinha. — Aiden rosnou. — Vou pagar o que
devo, o que a Sra. Collingworth deve, e vou embora dessa estalagem. Depois,
tratarei para que ela receba as piores recomendações da região.
— Mas Alteza, é que, com sua condição, eu pensei que…
— Interessa-me pouco o que tenha pensado. — O duque o colocou
novamente no chão, sem deixar transparecer que o fazia porque seus
músculos estavam exaustos. Para quem estivesse observando, ele ainda era o
homem mais forte daquela arguição. Voltou para dentro do quarto e fechou a
porta, separando-o dos demais pela madeira carcomida. — Está decidido.
Geoffrey, preciso que despache Lady Agatha de volta para Thanet Bay.
Depois, pegue o cavalo e vá o mais rápido que puder para lá. Diga para John
preparar a casa próxima ao poço. Coloque provisões de comida, deixe a
lareira acesa e roupas de cama limpas.
— Claro, Alteza. E então volto para cá?
— Não, mande a carruagem nos buscar. Vamos para casa, vamos
continuar nossa quarentena lá.
Silêncio. Quando o duque decidia, estava decidido e apenas Agatha ou a
duquesa tinham coragem de desafiá-lo. Naquele momento, no entanto, o que
ele pedia era tão absurdo quanto coerente. Aiden não continuaria naquela
estalagem com apenas uma cama, sem o conforto ao qual estava acostumado.
Se tinha que ficar isolado, então faria isso do jeito que achasse mais
conveniente.
— Imediatamente, Alteza. — O criado disse. Nada mais foi ouvido e
Aiden relaxou finalmente. Quando estivesse em casa, em uma banheira
grande o suficiente para cabê-lo e enrolado em roupas limpas, ele mandaria
chamar o Davies e veria quanto tempo mais teria que se manter afastado das
pessoas em geral.
Elizabeth ainda dormia quando ele retornou ao quarto e ela não parecia
bem. Rolava de um lado para o outro, murmurando qualquer coisa
ininteligível. Quando tocou sua face suada com a palma da mão, Aiden
percebeu que ela estava muito quente. Aquela mulher não podia morrer sob
seus cuidados, ela tinha que resistir. Até porque o mundo seria um lugar
menos bonito sem a beleza dela.
O duque então colocou panos frios sobre a testa e o pescoço de Elizabeth.
Sentado ao lado dela na cama, passou os dedos pelos cabelos dourados e
esperou que ela se acalmasse com as duas mãos em seus ombros.
Semiconsciente, ela ergueu o braço e o tocou na face. Dedos delicados e
queimando como o fogo do inferno roçaram em sua barba por fazer e se
apoiaram em seu peito.
— Aiden. — Ela o chamou pelo nome. A sensação foi intrigante, ele
sentiu o coração aquecer. — Não me deixe morrer.
— A senhora não vai morrer. — O duque pegou a mão dela entre as suas.
Ela era delicada e suave como porcelana. — Apenas resista, vai ficar tudo
bem.
— Se eu morrer, meus filhos não terão ninguém.
Então ela estava preocupada com os filhos, claro que estava. Todas as
mães sempre colocavam os filhos à frente do próprio bem-estar. Aiden
lembrava bem de quando sua mãe teve o primeiro bebê natimorto. Cada um
que lhe fora tirado ressecou uma parte do seu coração. Uma mãe sempre
sofreria pelos filhos, mesmo que a sua mãe tivesse desenvolvido uma forma
tão eficiente de afastamento que Aiden duvidava que ela pudesse sentir
qualquer coisa, naquele momento.
Já Elizabeth, ela estava sofrendo.
— Prometo que cuidarei deles. — Aiden disse com convicção. —
Garantirei que estudem e trabalhem em minha casa. Não faltará abrigo para
seus filhos nem eles precisarão ir para um orfanato, Elizabeth. Eu prometo.
Ela sorriu e seu corpo amoleceu, flácido sobre os colchões. Não, ela não
poderia ter morrido. O duque baixou a cabeça para confirmar se Elizabeth
ainda respirava e sentiu alívio imediato ao perceber que sim. A temperatura
estava alta mas ele tinha certeza que conseguiria fazer com que ela se
recuperasse. Afinal, era o Duque de Shaftesbury e ninguém - quase ninguém
- ousava desafiar suas ordens. Se ele dissera que Elizabeth não morreria, ela
não se atreveria a morrer.
Capítulo sexto

T HANET B AY ERA uma propriedade enorme e produtiva, próxima ao litoral de


Kent. Com um passeio curto de carruagem era possível chegar às praias no
verão. Lá a família Trowsdale criava cavalos, algumas das mais belas raças
europeias. E também possuía arrendatários que plantavam para subsistência e
comércio locais. Não era a principal fonte de renda da família, porém era o
lugar preferido de Aiden Trowsdale, tanto na adolescência quanto na vida
adulta.
Quando ele avistou a casa, naquela tarde, seus olhos brilharam em júbilo.
A carranca que o acompanhava quase desapareceu de sua face e ele sorriu.
Havia criados nos jardins, cuidando das plantas de sua mãe, havia janelas
abertas e vida na casa. E duas crianças correndo pelo quintal.
Crianças que ele nunca quis ter mas que estavam ali por um acidente do
acaso. Dentro da carruagem, repousada em seus braços estava a mãe delas,
Elizabeth Collingworth, uma plebeia que ele não conhecia muito bem mas
que perecia da mesma doença que ele. Se aquela não era uma grande
zombaria do destino, ele não sabia de mais nada.
— Chegamos, Alteza.
O cocheiro avisou que estavam parados nos arredores da casa do poço.
Aquela era uma construção tão antiga quanto a mansão e ficava afastada
alguns metros, para dentro do bosque que ladeava a propriedade. Havia uma
trilha que passava pelas árvores frondosas e desembocava em um poço como
aqueles das histórias infantis. O casebre fora moradia de empregados e estava
vazio desde o 9º Duque de Shaftesbury
Já fora um lugar para o qual Aiden levara suas mulheres. Algumas delas.
Muitas delas. Quase todas elas já tinham passado pela casa. O que aquilo
queria dizer sobre sua própria relação com Elizabeth Collingworth?
Depois de abrir a porta da carruagem, o cocheiro se afastou conforme
orientado pelo duque. Com Elizabeth ainda apagada em seus braços, Aiden
entrou na casa e depositou a mulher em uma das camas. Deixou que ela
ficasse com a menor, porém naquela ele nunca tinha fornicado com ninguém.
Com um sinal, mandou o cocheiro levar a carruagem embora e checou se
todas as suas determinações tinham sido cumpridas. Havia comida, muita
água fresca e da lareira emanava um fogo suave. O médico só iria vê-los no
dia seguinte, então teria mais uma noite isolado. Não que esse fosse um
problema para Aiden, ele adorava ter razões para se livrar dos compromissos
sociais enfadonhos, principalmente quando sua mãe os organizava de sua
reclusão. E, quando ele estava na propriedade, ela insistia em fazer jantares e
bailes que apenas o irritavam porque eram todos com a intenção de arrumar
para ele um casamento.
Os músculos doloridos pela febre reclamaram do cansaço pela viagem,
por carregar uma mulher nos braços - duas vezes - e por insistir em fingir que
estava saudável. Sem nem mesmo se preocupar em tirar as botas, o duque
deitou em uma das camas e relaxou.

Elizabeth sentiu que dormira por uma semana inteira. A dificuldade em reagir
à doença e ao delírio fora enorme mas, depois de algum esforço, ela
conseguiu abrir os olhos. Estava em um sono agitado havia horas e queria
muito acordar, sem conseguir. O ambiente desconhecido fez com que ela
sentasse na cama, assustada. Eram muitos sustos em menos de uma semana,
muitos eventos inquietantes.
Enrolada em um cobertor, tentou fazer um reconhecimento rápido. Era
um espaço novo, aquele, muito mais elegante do que a estalagem. A cama era
menor, de mogno e com enormes dosséis que chegavam ao teto. A parede
decorada com papel damasco e algumas pinturas que ela não reconheceu. Ela
estava sozinha. Calor emanava de outro cômodo e Elizabeth podia jurar que
sentia a brisa fresca com cheiro de mar entrando pela única janela aberta no
quarto.
— A senhora acordou. — A voz do duque veio antes de sua imagem
gloriosa na porta. Estava tudo muito escuro e ele carregava uma vela, que
iluminava seus olhos escuros. A forma como ele a olhava não sugeria que ele
fosse um aristocrata - Aiden Trowsdale tinha feições duras e uma expressão
masculina que sugeria que ele fosse como os homens com quem ela lidava
em Shadwell, como os negociantes e industriários, como os plebeus.
— Onde estamos? O que aconteceu?
— Tivemos alguns contratempos e pedi que nos trouxessem para Thanet
Bay. Estamos na minha residência de praia e essa é uma casa isolada. Não se
preocupe, não estamos colocando ninguém em risco.
Talvez ela estivesse em risco ficando em qualquer lugar isolado com
aquele homem, mas entendeu que ele falava da doença. Ela não se sentia
doente naquele momento.
— O médico nos verá amanhã. — O duque prosseguiu. — Meus criados
providenciaram comida, imagino que a senhora deva estar faminta.
Oh, ela estava. Elizabeth sentiu o estômago reclamar assim que Aiden
mencionou comida, apesar de que ela estava muito distraída com as
ondulações que a chama da vela fazia no semblante sereno do duque. Apesar
de parecer tranquilo, ele tinha uma expressão indissolúvel, impassível, rígida.
Havia tanta informação em seus traços duros e masculinos que ela precisaria
de muitos dias para entendê-los por completo.
A casa em que estavam era pequena, mas confortável e acolhedora. A
lareira acesa mantinha o calor dentro da sala e havia sofás espalhados, além
de cristaleiras, estantes com livros e aparadores. Aiden serviu dois copos de
uísque e entregou um a Elizabeth. Ela encarou o líquido âmbar e ficou
curiosa pelo seu gosto. Molhou a ponta da língua e fez uma careta. Era
amargo.
— Nunca bebeu uísque?
O duque sentou em uma cadeira enquanto a observava. Ele aparentava
estar um pouco melhor, apesar das olheiras perceptíveis debaixo de seus
olhos perfeitos.
— Não. Na verdade, não temos dinheiro para essas comodidades. Algum
xerez, eventualmente.
Ela não tinha nenhum dinheiro - aquela era a realidade. O pouco que
sobrava ia para as economias dos filhos, portanto Elizabeth vivia com o
mínimo. Mas ela não falaria aquilo para o duque naquele momento. Ele
parecia bastante alheio ao abismo que os separava. Serviu-se da sopa que
estava na terrina e o caldo não fumegava, porém estava quente o suficiente.
— Precisa de ajuda, Alteza?
Elizabeth deu uma risada baixa ao ver o duque tentar servir-se de um
pouco de sopa e derramar boa parte pela mesa.
— Geralmente estou cercado de criados. Não é comum, para um duque,
servir sua própria comida.
Ele disse e finalizou a tarefa, tomando o cuidado de limpar a sujeira com
um pano. O duque não era tão inapto quanto sugeria a sua criação e Elizabeth
divertiu-se ao vê-lo desempenhar uma tarefa tão ordinária - comer. O
movimento corporal de Aiden Trowsdale indicava que ele era consciente do
poder masculino que possuía. A forma como segurava a colher, a pressão que
seus dedos exerciam no metal e o flexionar dos antebraços para conduzir a
sopa até a boca.
Ele tornava qualquer coisa ao seu redor mais interessante apenas por estar
presente. Ela ainda não compreendia os motivos pelos quais ele era tão
atraente, mas podia imaginar alguns. Força. Poder. Gentileza. Ele a tratava
como uma pessoa, enquanto nenhum aristocrata o fazia.
— Eu gostaria de agradecer ao senhor por fazer isso. — Disse, tentando
livrar-se dos pensamentos divagantes. — Por cuidar de mim.
— Prometi a um jovem que faria isso.
— Mesmo assim, o senhor não precisava prometer nada. — Elizabeth
ergueu o copo de uísque, quase intocado. Era um brinde desajeitado, porém
sincero. Como uma mulher, ela nunca brindou à mesa de ninguém, antes. —
Obrigada, Alteza.
Aiden aceitou o agradecimento dela e sorriu. Aquele sorriso que
congelaria o frio e aqueceria o sol, que seria capaz de causar uma guerra ou
selar a paz. Ele tinha a boca tão perfeita, os lábios grossos e vermelhos que
eram simétricos e pareciam… saborosos. Ela quis saber o gosto que eles
tinham. A barba que começava a crescer e esconder o maxilar quadrado dava
ao duque um ar despojado de homem comum.
Elizabeth desejou, naquele instante, que ele fosse realmente comum. Que
o sangue azul dos Trowsdale não corresse nas veias dele para que ela pudesse
simplesmente deixar que soubesse que ela o queria. Mulheres não tomavam a
iniciativa, mas ela não se importaria que ele percebesse que ela aceitaria ser
cortejada.
Mas mulheres como ela jamais seriam cortejadas por nobres. Aquele
duque podia ser um bom homem mas ela nunca seria suficiente. Aborrecida
com aqueles pensamentos, Elizabeth virou o uísque em um gole, como o vira
fazer. Estendeu o copo e pediu que ele lhe servisse mais.
— Não exagere. — Ele disse ao entregar-lhe a bebida. — É sua primeira
vez.
— Eu estava prestes a morrer. Ainda estou correndo risco de morte.
Beber um pouco não pode ser pior do que convalescer da Escarlatina. Ao
menos ameniza a dor.
E ela então virou a segunda dose toda de uma vez. O uísque desceu
arranhando e queimando em sua garganta mas Elizabeth fingiu que não sentiu
nada. A ardência logo passou e, depois da terceira dose, tudo que ela via eram
estrelas.
— A senhora deve parar. — O duque impediu que ela mesma se servisse
da quinta dose. — Vamos, converse comigo. Conte sobre os Pensington,
qualquer segredo sujo que eles possam ter.
— É a sua vez de contar histórias, Alteza. — Elizabeth jogou-se em um
sofá, com modos pouco femininos. Sua delicadeza e sutileza estavam
obnubiladas pelo álcool. — Conte-me por que ainda não se casou.
A pergunta saiu crua e intrusiva, como aquelas que ele lhe fizera na
estalagem.
— Não achei ser necessário até agora. Mas sei de minhas
responsabilidades, devo escolher uma noiva em breve.
Claro que escolheria. Afinal, por que um duque ficaria solteiro depois dos
trinta? Elizabeth não tinha certeza, mas aquele homem deveria estar por volta
dos trinta. Já era para estar casado e cheio de herdeiros.
— Um brinde à próxima duquesa. — Ela ergueu o copo com o restante do
uísque e despejou-o garganta abaixo. Talvez não tivesse vontade de
entorpecer-se antes, mas o próprio álcool a puxava cada vez para mais perto
dele. — Tenho certeza que ela será uma boa esposa e vai amá-lo bastante.
— Infelizmente, Elizabeth, algumas pessoas como eu não possuem o
direito de escolher se casar por amor.
Oh. A forma como ele disse aquilo fez com que ela imediatamente se
arrependesse de zombar da nobreza e seus arranjos casamenteiros. Claro que
um duque precisava de uma dama que atendesse aos padrões ingleses, que a
Rainha fosse abençoar. Seus desejos não eram importantes diante da
necessidade de manter a linhagem e garantir que o ducado permanecesse com
a família.
Mas aquilo era muito triste e solitário. Ela tivera um casamento feliz, por
amor. Alguns nobres que conhecia também casavam por amor. O duque não
deveria precisar se submeter ao casamento com uma mulher que ele não
amasse.
— Desculpe-me, não quis soar rude. — O duque pegou o copo da mão
dela e colocou de volta na bandeja. — A senhora deveria voltar para a cama.
Se não repousarmos, podemos voltar a sucumbir da febre.
Ela assentiu e Aiden desapareceu por uma porta escura. Elizabeth deitou a
cabeça para trás e fitou o teto, sonolenta. A claridade precária da casa deixava
o ambiente melancólico. O dia seguinte seria, provavelmente, um dia de
liberdade. Quando o médico chegasse, veria que eles estavam bem o
suficiente para sair do isolamento e Elizabeth poderia retomar seu caminho -
direto para algum lugar, ela apenas não sabia qual.

Edward McFadden conhecia Aiden Trowsdale por toda a sua vida. Não era
tanto tempo, mas parecia que nunca existiu um sem o outro. Quando
começaram a estudar juntos, Edward era um garoto introspectivo e com
dificuldades de relacionamento. Sendo filho mais velho de uma família
grande, assumira muitas responsabilidades e não tinha atenção suficiente dos
pais.
Mas Aiden era diferente. O garoto de cabelos e olhos escuros como a
meia noite tinha uma aura que fazia com que todos o admirassem. Edward
não entendia bem o que havia naquele jovem que o colocava sempre em
posição de destaque. Ele brilhava e chamava a atenção. Nunca se metia em
problemas, não gastava muito dinheiro, era o melhor aluno.
E ele se interessou por Edward no primeiro momento em que cruzaram na
biblioteca. Fizeram uma amizade que permaneceu e Edward talvez fosse a
única pessoa que sabia quase tudo da vida de Aiden. Sabia, por exemplo, que
suas qualidades se intensificaram. Ele cresceu mais inteligente, sagaz e
persistente. Passou a conquistar mulheres com sua extrema capacidade de
seduzir. Era eloquente e sempre se saía bem em ambientes sociais.
Alguns defeitos sugiram, no entanto. Depois que eles voltaram para casa,
já formados, Aiden foi lançado no caos silencioso da sua família. A mãe era
uma megera cheia de traumas que ignorava a filha pequena e o marido. O pai
era um benfeitor altruísta, um homem generoso que passava mais tempo
cuidando de sua filantropia que dos filhos. E, com isso, Aiden se tornou a
antítese em pessoa. Muito habilidoso em lidar com pessoas, sem nenhuma
vontade de se relacionar com elas.
Enquanto ele sabia muito bem se portar em sociedade, Aiden detestava
eventos sociais. Desenvolveu certa repulsa pelas regras rigorosas da
aristocracia e se tornou um devasso incorrigível. Nisso, eles eram quase
iguais. Gostavam de mulheres, principalmente se elas estivessem nuas em
suas camas. Achavam as damas entediantes e não queriam se casar.
Isso, somado a um “que” autoritário que sempre esteve presente no
menino brilhante que ganhava todos os prêmios na escola, transformou Aiden
no duque mais extravagante de Londres. Ele vivia em um permanente
conflito entre o que queria fazer e o que deveria fazer, assumindo uma faceta
dúbia que o tornou um aristocrata investidor e que circulava facilmente entre
os burgueses.
Por isso, quando ficou sabendo que o amigo estava em quarentena por
causa de uma doença fatal, isolado em um quarto com uma mulher
desconhecida, ele se preocupou mais com a segunda parte.
Os homens que estavam reunidos em Greenwood Park eram todos de um
círculo curioso de amizade. Todos muito ricos, a maioria rejeitada por uma
sociedade que só valorizava o sangue azul. Edward McFadden era o centro
das atenções por ser o anfitrião do pequeno encontro. O conde recebera seus
convidados com um brunch farto, repleto de pães, carnes temperadas e muito
uísque. Estavam presentes o Visconde de Whitby, o Sr. Sawbridge,
industriário no ramo de locomotivas, o Sr. Hartright, investidor e importador
de produtos das Índias, e o Sr. Riderhood, dono de um dos maiores clubes de
aposta de Londres.
Todos eles tinham em comum o projeto de revitalização de uma área em
Shadwell, que pretendia atrair lojistas e famílias de classe média, além de
viajantes e estrangeiros que visitassem a cidade. Alguns eram amigos há mais
tempo, como o conde e Sawbridge, que tinham a mesma idade e
frequentaram a mesma escola.
— Aonde está Shaftesbury?
Foi a questão levantada por Riderhood. O duque nunca perdia aqueles
encontros de negócios.
— Fiquei sabendo que ele está doente. — Edward serviu do seu melhor
vinho do porto para os cavalheiros, depois que estavam recolhidos no
escritório. — Não me explicaram direito, mas parece que é contagioso.
— Ele está doente. — Sawbridge disse. — E há muitas fofocas sobre as
condições em que nosso amigo se encontra. Parece que ele está
comprometendo a integridade de uma mulher.
— Isso parece com algo que ele faria. — Hartright não tinha a melhor das
considerações pelo duque. Apesar da diferença de origem entre eles, o
investidor era um homem muito religioso e devotado à família. A vida de
perversão e libertinagem de Aiden Trowsdale o incomodava. — Quem é a
mulher, as fofocas dizem?
— Não, apenas sabemos que eles estão confinados. Os dois, apenas,
sozinhos.
— Isso é um escândalo, mas nosso amigo vai superar. Temos que
continuar as negociações até que ele esteja apto a retornar para nossa
presença.
Edward manteve os ouvidos atentos ao que conversavam os homens,
porém seus pensamentos estavam no amigo duque e no que poderia estar
acontecendo. Apesar do que pensavam de Aiden, principalmente em relação à
sua capacidade de arruinar mulheres, ele sabia que o duque não era uma
pessoa tão depravada. Aiden não costumava se envolver com virgens
incautas, ele se relacionava com prostitutas ou mulheres livres que desejavam
tornar-se amante de um nobre.
Se ele estava doente e trancafiado com uma mulher, aquilo poderia não
causar nenhum prejuízo à sua reputação já muito arranhada. Mas, se fosse
uma dama honrada, se a reputação dela estivesse me risco, talvez o duque se
visse forçado a casar-se com ela para reparar o dano. Edward precisava saber
melhor sobre isso.
Quando o dia seguinte chegou, ele decidiu ir até Thanet Bay ter notícias
do duque. Pediu que selassem seu cavalo se preparou para ir à propriedade do
amigo, já preocupado em como a duquesa viúva estaria em razão de tantas
fofocas circulando.

A presença de Lady Caroline Eckley, em qualquer situação, era sempre


equivalente a um fenômeno da natureza. Ela podia ser comparada a um
furacão ou maremoto com grande facilidade. Quando ela entrou na mansão
em Greenwood Park naquela manhã, tratando os criados como se fossem os
dela e agindo como a dona da casa, o Conde de Cornwall considerou que
estivera se preocupando com as pessoas erradas.
O caos na vida de Aiden Trowsdale tinha um metro e meio de altura,
cabelos escuros como o ébano e olhos castanhos. Agia como uma dama e
tinha nas veias o sangue dos Granville, mas nunca se casara nem demonstrara
desejo em fazê-lo.
Caroline era uma mulher livre que recebia uma substancial mesada depois
do falecimento de seu tio, o Marquês de Granville. Com isso, acreditava que
não precisava de homem algum a quem devesse se submeter. Ela os usava
apenas para seus interesses pessoais - e sexuais.
Edward tinha certeza que ela queria notícias de Aiden. O duque era a
mais recente aquisição em sua coleção de amantes e ela parecia encantada
com ele, mesmo tendo desaparecido por meses.
— Lady Eckley. — Edward recebeu-a depois que o criado informou da
chegada turbulenta de Caroline. — A que devemos a honra de recebê-la tão
cedo, sem que tenha comunicado previamente sua visita?
— Seu motejo não me intimida, milorde. — Ela estendeu a mão enluvada
para que ele a cumprimentasse. — Tenho certeza que o senhor sabe dos
motivos de minha visita. Acabo de voltar de meu retiro no continente, onde
visitei França e Itália com minha tia Gertie. Preciso saber notícias do Duque
de Shaftesbury e não é como se eu pudesse perguntar sobre ele para qualquer
pessoa. Não desejo levantar suspeitas.
Edward deu uma risada e convidou a dama para que se sentasse. Ela
vinha sem uma dama de companhia e eles não deveriam ser vistos em lugares
privados. O grande salão era o espaço mais adequado da casa. Pediu a uma
criada que lhes trouxesse chá e acrescentou, no seu, uma boa dose de brandy.
— Por que não vai a senhorita mesmo até Thanet Bay e pergunta a Lady
Agatha sobre o irmão?
— A jovem Trowsdale não responderia a meus questionamentos. —
Caroline bebericou seu chá e exibiu uma expressão inocente. — Ela não
aprova a natureza do meu relacionamento com o irmão dela.
— Deus não aprova o relacionamento de vocês. — Edward riu
novamente. — Não que isso me importe, Ele também não aprova os meus.
Diga, o que quer saber?
— Ouvi que Aiden está doente. O que sabe sobre isso?
— O mesmo que a senhorita. Eu estou de saída para visitá-lo, sendo
atrapalhado por sua visita inoportuna.
Caroline fingiu-se ofendida com a acidez do conde, mas ele sabia que ela
raramente se importava com o que pensavam dela. Edward poderia ser rude,
até mesmo desagradável, e ela continuaria ali, impondo sua presença
indesejada.
Em verdade, ele não sabia bem o que ela estava fazendo ali, fingindo se
importar com Aiden. O conde também sabia que Lady Eckley não costumava
ligar para as pessoas a não ser que elas lhes estivessem garantindo alguma
vantagem. Mesmo que ela e Aiden fossem amantes ocasionais, ela tinha
diversos outros para deitar em sua cama em substituição ao duque.
— Certo, não irei mais atrapalhá-lo com minhas preocupações. Mande
minhas lembranças ao duque.
— Talvez eu me esqueça de fazê-lo. Diga-me, Caroline, o que veio fazer
realmente aqui? Não minta.
A lady encarou Edward por alguns segundos, ajeitando os dedos nas
luvas. Depois de um tempo longo demais, decidiu expor a verdade.
— Soube que ele está com uma mulher. Já disseram até que ele está
fingindo a doença para poder passar mais tempo com ela. Que mulher é essa,
você sabe?
— Não, e essas fofocas são provavelmente mentirosas. — Edward
levantou-se, ajeitando a calça de montaria, feita de camurça bege. Elas
combinavam perfeitamente com suas botas de couro que iam até os joelhos e
com o conjunto de paletó e colete azuis. O conde costumava ter os melhores
alfaiates à sua disposição porque vestir-se bem era um de seus prazeres. —
Agora, se me dá licença, eu preciso visitar meu amigo. A senhorita pode
terminar o chá e, se quiser, fazer companhia para Wilhelmina.
Lady Eckley não demonstrou interesse na irmã mais nova do conde e
tratou de acompanhá-lo na saída. Edward não sabia por que atraía mulheres
tão complicadas. Elas pareciam sempre decidir fazer de seus ouvidos um
muro de lamentações, como se ele fosse capaz de resolver os problemas que
elas apresentavam. Ele preferia quando elas tinham medo dele, ou eram
tímidas demais, ou falavam apenas sobre o clima.
Não, na verdade ele não preferia. Edward adorava mulheres desafiadoras
que não se importavam em olhá-lo nos olhos e dizer, talvez, uma blasfêmia
ou outra. Rindo de suas próprias conjecturas, o conde montou em seu cavalo
e dirigiu-se para Thanet Bay, ainda mais intrigado pelas fofocas que corriam
sobre o Duque de Shaftesbury. Se Aiden estivesse escondendo uma mulher
em sua propriedade ele acabaria descobrindo.
Capítulo. sétimo

O SOL em Kent era mais brilhante do que em Londres. Foi com essa certeza
que Aiden acordou no dia seguinte, depois de uma noite de sono sem
intercorrências. Ele ainda estava quente, sentia sua pele ardendo pela febre e
as manchas continuavam dizendo que a doença continuava ali - mas também
sentia que estava melhorando. A morte provavelmente não pairava mais
sobre sua cabeça.
Mas tinha alguma coisa que ainda o incomodava. Ele descobriu isso
quando, olhando pela janela, viu Elizabeth Collingworth caminhando do lado
de fora da casa. Descalça, com apenas uma camisola branca e com os cabelos
mal trançados, ela parecia uma visão mística, etérea, do Paraíso. Ele não era
um homem muito religioso, mas aquela mulher o instigava a pecar todos os
minutos do dia.
Em breve, ela não estaria mais ali e isso era bom. Aiden tinha que
escolher uma noiva, casar-se com uma dama da aristocracia e aquela mulher,
ali, bailando pela grama verde como se fosse uma fada, não servia para ser
sua esposa. Também não iria aceitar se tornar sua amante. O melhor, para
ambos, era que seguissem seus caminhos, totalmente opostos.
E sua mãe o infernizaria por toda uma eternidade. Se Agatha era o
demônio, ele precisaria de um adjetivo mais satânico para definir a duquesa.
Aiden tentara compreender a amargura da mãe depois de perder tantas
crianças, as que nasceram entre ele e sua irmã. A cada bebê que nascia morto,
a duquesa definhava mais e mais. Aquilo significava que, para se manter sã, a
mãe fizera um pacto com o inferno. Provavelmente, prometera a sua alma e a
de mais algumas pessoas que pudesse arrebanhar. Tudo que ele menos
desejava fazer era desagradá-la, principalmente porque a duquesa estava
sempre muito doente.
Então, por que diabos ele não queria deixar Elizabeth ir? Por que tinha a
ilusória sensação de que poderia tê-la, mesmo que por uma vez, e que isso
seria o suficiente? Porque era um tolo, e a tolice não deveria ser característica
de um duque.
Ao sair do quarto, depois de tomar banho e se barbear, algo que ele fez
com nenhuma destreza, encontrou uma linda mesa de desjejum, posta com
perfeição.
— Bom dia, Alteza. Pode se servir, espero que tenha acordado com fome.
Havia chá recém preparado em um bule e ovos mexidos. Elizabeth
manejava a cozinha com talento e ele subitamente lembrou que precisava de
alguém como ela. Era urgente. Talvez oferecer emprego àquela mulher fosse
a melhor forma de mantê-la por perto mais algum tempo. Até que a nova
duquesa - sua futura esposa - pudesse decidir sobre os criados.
— Sente-se bem, Elizabeth? — Aiden perguntou, sentando e servindo-se
de ovos e presunto. Não era muito difícil colocar a comida no próprio prato,
afinal.
— Sim, tenho certeza que a febre diminuiu. E minhas manchas estão
menos vermelhas.
— Sorte da senhora. Eu ainda estou bastante avermelhado, como se um
artista vesgo tivesse me usado como tela de pintura.
Ela deu uma risada e o som daquele sorriso fez com que o duque se
inquietasse na cadeira. Elizabeth aproximou-se dele sem muita cautela e
puxou a gola de sua camisola, expondo a clavícula.
— Veja.
— Não consigo perceber nenhuma melhora. Talvez se…
Mostre mais, mostre tudo. O desejo de vê-la com menos tecido superou a
razoabilidade e a decência que ainda restavam em Aiden. Elizabeth não
pareceu perceber a malícia por trás daquele comentário e ergueu a barra da
camisola para exibir a panturrilha.
— Agora não tem como dizer que não percebe. As manchas quase
sumiram.
Aiden respirou fundo e olhou para as pernas à sua frente. Elas eram
condizentes com a mulher perfeita com quem compartilhara os últimos dias.
Suas mãos adquiriram vida própria e tocaram os tornozelos de Elizabeth, com
cuidado. Ele pensou que ela fosse estapeá-lo, o que não aconteceu. Vidrado
na pele delicada desnuda, deixou que as mãos tocassem as panturrilhas. E a
parte de trás dos joelhos.
— Parece tudo muito bem. Porém eu não saberia dizer. Esperemos o
doutor.
O duque desconversou e voltou a se concentrar na comida. Ele podia
ignorar a prudência e beijá-la ali mesmo, mas aquilo seria irresponsável.
— A senhora deveria vestir-se. — Ele disse, finalmente. Não dava para
continuar resistindo a uma mulher seminua e seu pênis já reclamava dentro
das calças. Precisava de alívio ou de parar de lidar com aquela mulher em
roupas ínfimas.
— Minhas roupas estão úmidas. Eu as lavei hoje cedo.
— Cedo? Mais cedo? Que horas a senhora acordou?
— Bem cedo. — Os lábios dela se partiram em um sorriso. — Estou
acostumada a despertar por volta das cinco horas.
— Pelo bom Deus, isso é realmente muito cedo.
— Meu trabalho exigia minha presença nas primeiras horas da manhã.
Agora, desempregada, eu acordo cedo para buscar serviço pela cidade. Já
estava fazendo isso há dois meses, até que a epidemia chegou.
Aiden respirou e continuou comendo. Elizabeth sentou-se e serviu o chá,
bebericando na xícara de porcelana que tinha a cor de sua pele. Aquilo era
mesmo um absurdo, mas não apenas por ela levantar cedo ou não ter roupas
secas. Era um absurdo o quanto ele se importava, o quanto ele, sem motivo
algum, desejou mudar a situação em que ela se encontrava.
O pai era um bom samaritano. Um homem que gastou parte de sua
fortuna em caridade. Construiu escolas para filhos de pessoas pobres,
manteve hospitais, orfanatos e casas de apoio para mães viúvas. Ele visitava
suas obras frequentemente e levava o jovem Aiden com ele. O duque cresceu
aprendendo que o dinheiro representava caráter e que um homem era
respeitado pelas obras que realizava.
Talvez por aquilo ele desprezasse o ócio da nobreza e preferisse a
companhia de investidores, industriários, negociantes. Na residência
Trowsdale todas as pessoas de negócios eram bem vindas e o pai nunca
deixou de convidar plebeus para seus eventos. O valor dos homens que
frequentavam sua casa era medido pelas ações respeitáveis que eles
realizavam na vida.
E aquela era a primeira pessoa necessitada que cruzava seu caminho
desde que assumiu o ducado. Elizabeth Collingworth era uma mulher de
valor que precisava de ajuda para conseguir dinheiro para a sua
sobrevivência.
— Não posso me vestir ainda, mas está tudo bem. — Ela retomou o
assunto. — Eu… nós já compartilhamos uma intimidade maior do que essa,
não?
Ela disse e se levantou, recolhendo as louças e levando para uma tina.
Depois, despejou o conteúdo de um balde que estava aquecendo no fogo e
ergueu os cabelos para prendê-los. Naquele breve instante, Elizabeth deixou
sua nuca à mostra, os fios dourados por entre seus dedos enquanto ela
indicava que sentia calor com a pequena atividade. O esforço a estava
deixando agitada e a febre, debilitada.
Era demais, até mesmo para um homem doente.
O duque deixou a comida e se levantou. De novo, desejou que Elizabeth
não estivesse atenta à sua anatomia, pois duvidava que fosse capaz de
esconder a ereção que forçava suas calças. Aproximou-se da mulher, que
ainda estava de costas para ele. Segurou-a pelos ombros e fez com que se
virasse e olhasse para si. Apenas para si.
— Sabe qual é o problema dessa intimidade, Elizabeth?
O corpo dela tremeu sob suas mãos. Ele sentiu que sua pele estava quente
por baixo do tecido fino.
— Sei. É indecorosa.
Arriscou, sem certeza. A voz vacilante e abafada também era sensual e
sugeria para Aiden que ela poderia desejá-lo tanto quanto ele a desejava. Que
aquela conexão imediata entre eles não era fantasia de sua cabeça. Ou talvez
ele quisesse tanto que ela o desejasse que estava apenas imaginando coisas.
— Não. É irreversível. Uma vez que nos acostumamos um com o outro e
que ignoramos as convenções, não conseguimos voltar atrás.
— E Vossa Graça quer voltar atrás?
Não, claro que ele não queria. O que Aiden queria, naquele momento, era
tomar aquela boca perfeitamente desenhada para si. E foi assim que ele fez,
dobrando o corpo sobre Elizabeth e colando seus lábios nos dela.

Ela sentia como se tivesse caindo em queda livre em um precipício. Era uma
sensação inesperada e que arrebatava Elizabeth em uma espiral infinita
enquanto a boca quente e macia de Aiden Trowsdale estava sobre a sua. O
beijo começou ríspido, um pouco abrupto, mas não demorou nem cinco
segundos para que os dedos dele subissem pela nuca dela e se amoldassem
ali, fazendo com que o toque de lábios suavizasse.
Não era a primeira vez que Elizabeth era beijada. Era só infinitamente
diferente do que ela se lembrava. Talvez fosse o calor que emanava daquele
corpo masculino bruto, esculpido em músculos. Ou talvez fosse a enorme
atração que ela sentira pelo duque desde que o vira na estalagem, antes de
desmaiar.
Talvez fosse também o cheiro masculino e amadeirado que emanava de
sua pele lisa. Poderia ser o toque daquelas mãos fortes e marcadas por calos,
mas que mantinham uma suavidade e maciez comuns às mãos aristocráticas.
A pressão na nuca se intensificou no instante em que ele procurou abri-la
para ele, pressionando delicadamente sua língua contra os lábios ansiosos de
Elizabeth. Ao invés de resistir e afastá-lo, ela se pegou oferecendo espaço
para acomodá-lo em sua boca, para receber o calor febril que se enroscava
com sua própria língua e fazia com que ela sentisse aquele gosto de uísque
que poderia inebriá-la em segundos. Ao invés de fazê-lo parar, Elizabeth
ergueu os braços e o enlaçou pelo pescoço. Com um grunhido sensual e
rouco, Aiden desceu os dedos pelo corpo dela, traçando as linhas de seus
braços até posicionar-se em sua cintura e puxá-la para perto.
No instante em que os dois corpos se uniram e ela sentiu-se esmagada
contra aquele peito duro e viril, uma voz do lado de fora os tirou do transe.
— Trowsdale!
Era um homem que Elizabeth não identificou como nenhum dos criados,
que jamais chamariam o duque daquela forma, nem como o doutor Davies.
Mas ouvir o sobrenome causou um efeito imediato em Aiden, que se afastou
repentinamente dela. Os olhares se cruzaram e ficaram presos um no outro
enquanto ele passava os dedos pelos próprios lábios.
— Edward, seu maldito. — O duque deu três passos largos e se apoiou na
janela. Elizabeth sentiu os joelhos amolecerem e sentou em um dos sofás que
estavam na sala mesmo. Não achou que conseguiria ir até o quarto se
esconder e teve medo do que poderia acontecer se ele fosse até ela, lá. Não,
não era medo. Ela temia, sim, que algo muito mais inadequado pudesse
acontecer, mas o que sentiu foi antecipação. Ansiedade.
— Fui até a mansão para confirmar as fofocas sobre você e me disseram
que você estava aqui. É tão grave assim? Você não parece doente.
O duque pressionou as têmporas, demonstrando que a interrupção o
deixou agitado.
— Estou doente. Tenho Escarlatina e o doutor Davies me orientou ficar
isolado para não arriscar contaminar mais ninguém. Sei que temos assuntos
para conversar e conhaques para tomar, mas precisaremos adiar por mais uns
dias, até que eu esteja recuperado.
— Claro, jamais me colocaria como obstáculo à sua recuperação. Eu e os
cavalheiros estamos conduzindo as negociações enquanto isso. Agora, o mais
absurdo de tudo, também há fofocas de que você está comprometendo a
virtude de uma dama. Você está com uma mulher, Aiden?
Ah, claro que havia esse tipo de fofoca. Desde o momento em que Aiden
pegou Elizabeth no colo para impedir que ela caísse, as pessoas já devem ter
elaborado as mais cruéis teorias sobre o quanto o devasso Duque de
Shaftesbury estaria comprometendo a reputação de uma mulher.
— Edward, um cavalheiro não faz esse tipo de pergunta.
— E outro cavalheiro dá respostas evasivas a esse tipo de pergunta. É
bom saber que não esteja morrendo. Pedirei a John que me mantenha
informado sobre sua saúde.
Barulho de patas de cavalo indicaram que o homem, Edward McFadden,
o Conde de Cornwall, estava se afastando. Como Elizabeth não ouviu que ele
se aproximava, antes? O silêncio ruidoso do beijo fez com que ela se
concentrasse apenas naquele momento e, se o conde não fosse cuidadoso,
poderia tê-los pego no ato.
Ela riu de nervoso e colocou a mão sobre a boca para esconder o riso. Era
ridículo que pensassem que o duque estava comprometendo a virtude de
alguém - Elizabeth não tinha mais nenhuma virtude para ser comprometida.
Mesmo assim, ela sabia que um escândalo daqueles iria colocar um fim nas
suas possibilidades de trabalhar para uma família nobre, novamente.
Sorrateira, ela escondeu-se no quarto tentando se manter fora da visão de
Aiden Trowsdale.
Por minutos, a casa ficou em silêncio absoluto. O lado de fora era
barulhento, com o farfalhar da copa das árvores e os pássaros gorjeando nos
galhos. Aquela característica do verão deixava Elizabeth em êxtase, sempre.
Ela sonhava em poder visitar o litoral nos meses mais quentes. Mas sua
atenção estava toda capturada pelos movimentos sutis que aconteciam na
sala. Ela não podia ouvir, mas ela sabia que ele estava ali.
Sua respiração. Sua presença. A hesitação. Tudo aquilo que era percebido
e sentido por ela enquanto os pelos de sua nuca se arrepiavam ao recordar do
toque e da pressão dos dedos masculinos. Ah, por que ela tinha deixado que
aquilo acontecesse? Só serviria para deixá-la contemplativa e mulheres
trabalhadoras não podiam se dar ao luxo de serem contemplativas. O duque
tinha razão, aquela intimidade compartilhada por eles era, de todas as formas,
irreversível.
Ele apareceu na porta do quarto e ela deu um sobressalto. Passou as mãos
suadas pela camisola e sentiu uma súbita vergonha de ter o corpo tão exposto.
Antes do beijo ela não acreditava que aquele homem que estava ali à sua
frente, aquela personificação do pecado e da beleza humana, poderia sequer
notá-la. E então ele a segurou, ele a beijou, e ele fez com que o corpo dela
despertasse e desejasse mais.
— Edward já foi. O médico deve vir em algumas horas, se meus criados
foram diligentes. Eu…
— Assim que o médico vier e nos liberar, eu preciso ir.
A frase saiu desajeitada, interrompendo o duque. Não parecia muito
inteligente interromper um nobre, afinal, mas ela não pode evitar. Continuava
esfregando a camisola com as mãos, sem conseguir livrar-se da ansiedade.
Por estar muito centrada em suas próprias reações, Elizabeth acabou não
notando a confusão estampada na face do homem.
— E para onde pretende ir?
— Não tenho certeza, mas deve haver algum lugar por aqui em que uma
viúva e seus filhos possam se abrigar.
O duque recostou no batente da porta e cruzou os braços. Encarou
Elizabeth por alguns segundos e ela ficou ainda mais desconfortável em ser
escrutinada daquela forma. Quis correr para o lado de fora e pegar suas
roupas, mas duvidava que estivessem secas.
— Elizabeth, você não tem para onde ir e eu preciso de uma governanta.
Por que não fica em Thanet Bay durante o verão? Nossos aposentos de
empregados são muito confortáveis, tenho certeza que seus filhos ficarão
muito bem acomodados. A duquesa, minha mãe, é muito doente e quase não
sai de seu quarto, por isso a casa está sempre à deriva e minha irmã carente
de orientação feminina.
— Está me oferecendo emprego, Alteza?
Era difícil crer que o duque a quisesse como governanta. Bem, nem tanto,
afinal ela contara a ele toda a sua saga com os Pensington. Como foi
companhia de Lady Charlotte e a ajudou a se tornar uma dama respeitável.
Como cuidava de tudo para a família e mantinha a casa em Londres
impecável. Outros nobres poderiam contratá-la por suas referências, porém a
situação entre ela e Aiden era diferente. Ele não a enxergava como uma
governanta nem pretendia empregá-la antes. O que havia mudado?
— Sim, estou. — Ele finalmente respondeu. — Não vou conseguir
dormir à noite se deixar que uma mulher e seus filhos pequenos saiam de
minha propriedade para vagar por Kent, principalmente sem dinheiro.
Os olhos dele a fitavam como um felino. Elizabeth não conseguia evitar o
que sentia com aquele escuro profundo que a devorava. Aquela oferta poderia
ser algo mais. Ele poderia estar com a impressão errada sobre ela, depois do
bendito beijo.
— Espero que Vossa Graça não esteja incluindo uma oferta para que eu
me torne sua amante.
Aiden ergueu as sobrancelhas depois que ela fez aquela insinuação de
forma direta, porém suave.
— Não, não estou. Mas a senhora estaria aberta a esse tipo de oferta?
As palavras dele foram ditas com cuidado. A voz baixa era sensual e
Elizabeth não sabia se a proposta realmente lhe ofenderia tanto ou se, no
final, não parecesse tão ruim assim.
Ela conhecera algumas amantes de nobres. Em uma sociedade que se
casava por conveniência, muitos homens e mulheres buscavam satisfação
sexual e espiritual em outras pessoas que não seus cônjuges. Mas Elizabeth
não se sentia confortável com aquela realidade. Da forma como fora criada,
ser amante de alguém não era muito diferente de ser a prostituta de alguém.
— Não, Alteza. — Ela baixou o olhar para não ver se ele parecera
frustrado, decepcionado ou aliviado. — Eu não estou aberta a ser a amante de
nenhum nobre. Sou uma mulher honrada.
— A minha oferta também é honrada. — Aiden disse, por fim. Ela voltou
a olhá-lo e quase se arrependeu de tê-lo feito - o duque tinha uma expressão
decidida e quase faminta que pouco condizia com o que estava dizendo. —
Aceite-a, são apenas alguns meses.
Alguns meses de bonança. De comida na mesa e dinheiro para pagar as
contas. As poucas libras que tinha na bolsa eram fruto de muitas economias e
ela não queria gastá-las deliberadamente. Pensava no futuro dos filhos e na
possibilidade de pagar uma educação melhor para Patrick, que era tão
inteligente. Provavelmente, Elizabeth estava apostando muito na bondade e
generosidade daquele duque, mas não havia possibilidade de recusar trabalho
remunerado naquele momento.
Capítulo oitavo

A PERDA completa do juízo deveria ser um dos sintomas da Escarlatina.


Depois de beijar a mulher que convalescia com ele, Aiden ainda a contratou
para trabalhar na mansão durante o verão. Aquilo tinha tudo para dar muito
errado e ele simplesmente ignorou todos os riscos e ofereceu a Elizabeth um
emprego de governanta na casa em Thanet Bay.
Sua mãe definitivamente tornaria a sua vida muito difícil. Ela sabia que
precisavam de uma governanta, mas a duquesa tinha um faro para os
problemas que o filho arrumava. Elizabeth Collingworth era o maior deles.
Não teve tempo de pensar na besteira que fez porque, depois da visita de
Edward, uma carruagem se aproximou com o doutor Davies para examiná-
los. Fazia horas que se sentia bem e, se tivera febre, não era alta. O médico
concordou que os sintomas estavam desaparecendo e que a saúde dele estava
sendo recuperada. Era uma forma branda da doença, por sorte. Mesmo assim,
Davies recomendou que ainda ficassem pelo menos dois dias em isolamento.
— Vou morrer de tédio em dois dias. — O duque reclamou, abotoando a
camisa branca de linho.
— Ora, Alteza, não seja melodramático. Faça o que sabe fazer de melhor
nesse tempo: absolutamente nada.
Aiden rosnou para o médico e expulsou-o do quarto. Se Davies não fosse
um amigo antigo, ele o puniria por falar daquela forma desrespeitosa. Mas
afinal, o homem estava certo - duques e outros nobres usufruíam de longos
períodos contemplativos. A nobreza não trabalhava, não costumava mover
um músculo para fazer o que queria. Existiam criados, afinal.
Mas ele era diferente. Aprendeu que o valor do dinheiro estava em ganhá-
lo justamente. Conhecia vários herdeiros que já tinham começado a
desperdiçar suas fortunas em jogos, mulheres e outras diversões profanas.
Sabia de vários nobres que viviam apenas com as propriedades inalienáveis,
porque já tinham consumido todo o patrimônio que podiam vender. Aiden
trabalhava desde que saira da faculdade e já tinha, com a ajuda do pai, mais
do que quadruplicado o patrimônio dos Trowsdale. A família gozava de
imensa fortuna e ele pretendia investir ainda mais.
Também gostava de se exercitar. Praticava vários esportes, todos ao ar
livre, e gostava de seu corpo em movimento. Costumava cavalgar para sentir
o vento em suas roupas e cabelos assim como acordava cedo para correr e
aproveitar as primeiras horas da manhã e a energia que elas portavam. Eram
hábitos bastante incomuns para um duque, dos quais ele se orgulhava
bastante.
Seu melhor amigo, o conde, o acompanhava em suas atividades. Também
era o Edward que o auxiliava no relacionamento com homens de negócios.
Aiden sabia que a nobreza se tornaria obsoleta de alguma forma e que os
empreendedores engoliriam a Inglaterra. Com o aproximar do novo século, as
coisas estavam mudando muito rapidamente, principalmente no continente.
Ele já tinha estreitado relações com dois negociantes e um fabricante de
locomotivas.
Sim, ele poderia morrer de tédio em dois dias, mas a mulher do quarto ao
lado não permitiria que isso acontecesse. Talvez ela o matasse de desejo.
Quando Davies foi embora, deixou com Elizabeth Collingworth as
mesmas recomendações: dois dias a mais de isolamento, evitar atividades
extenuantes, repousar. Aiden sabia porque ouvira a conversa, porém a mulher
não reapareceu - manteve-se trancada em seu quarto até a noite cair sobre a
casa. Ninguém mais tentou contato com eles nem os incomodou e o duque
acabou adormecendo enquanto a luz do dia se esvaía.
Ele teve certeza que sonhou com gardênias e cabelos da cor do sol. Jurava
que no sonho havia risadas, vozes sensuais e uma mulher ofegante sob seu
corpo. Acordou horas depois sentido muita fome e o corpo quente e dolorido.
A febre voltara, mesmo que branda. Sentindo um mal estar incômodo e muita
dor de cabeça, Aiden foi até a sala para perceber que a lareira estava com
mais lenha, havia sopa fumegante sobre o fogão e algumas lamparinas acesas.
Serviu-se de uma dose de uísque e notou sua mão tremer. Ele odiava
aquela doença por fazê-lo vulnerável. Olhou pela janela pensando ter visto
uma luz do lado de fora e lá estava Elizabeth, vagando pela noite como um
espectro. A mulher era realmente diferente de tudo que ele já vira em sua
vida. Ela se portava como… um homem? Talvez. Ela não tinha um
comportamento de dama da sociedade e era exatamente por isso que ela era
tão interessante.
— Aconteceu algo? — Aiden perguntou, indo até a porta. A mulher ainda
não tinha se vestido e continuava desfilando com uma camisola quase
transparente. Na escuridão, sua visão era tão intimidadora quanto
fantasmagórica. Ela estava sentada na grama e olhava para o céu.
— Na verdade, não. Estou vendo como é bonito o céu no litoral. Tantas
estrelas…
Aiden colocou-se ao lado dela e se sentou com a lamparina entre eles.
Aquela posição era desconfortável e o deixaria com dor no pescoço. Jogou-se
para trás e deitou com a cabeça apoiada nas mãos.
— Londres tem muitas luzes. — Ele suspirou. — Eu gosto do campo, do
litoral, do afastamento da cidade.
Ela se deitou, também. Apoiou o cotovelo na grama e esqueceu o céu por
alguns segundos para espreitá-lo. Aiden sentiu-se escrutinado.
— Conte-me outra história, Alteza. O senhor e sua irmã parecem ser
pessoas muito boas, que acolhem os necessitados sem fazer muitos
questionamentos. A que isso se deve?
O duque sorriu e virou-se de lado para que ficassem frente a frente. A luz
da lamparina era fraca mas sombreava o corpo curvilíneo de Elizabeth e
deixava muito pouco para a imaginação. Dava inclusive para ver o escuro dos
mamilos e… ele precisava focar nos olhos dela, ou voltar a apreciar a lua.
— Meu pai era um homem muito bondoso. Ele nos criou dessa forma,
ensinando que a força de um homem não vem de seu título e suas posses,
apenas, mas do seu legado. Para ele, o legado estava além do sangue azul, era
o que esse homem deixou de contribuição para o mundo.
— Ele não acreditava que fazer filhos e disseminar o sangue dos
Trowsdale fosse um legado suficiente?
— Não, meu pai era um visionário. — As memórias vívidas do pai
inundaram a mente de Aiden naquele momento e ele sentiu nostalgia. Sabia
que, na realidade em que viviam, muitas famílias não desenvolviam afeto e as
relações eram quase negociais entre pais e filhos. Para ele as coisas eram
diferentes. Pelo menos em relação ao pai. Ele fora amado, mas tinha extrema
dificuldade em expressar os sentimentos de seu coração. — Albert Trowsdale
tinha ideias muito avançadas para a nobreza e ele era usualmente suplantado
no parlamento. Mas a força do ducado de Shaftesbury não esmoreceu.
— É muito intrigante ver sua admiração por seu pai. O meu colocou tudo
que tinha a perder com jogos e mulheres. Passamos fome e necessidades
materiais porque o homem não conseguia manter os botões das calças
fechados.
E eis que a mulher também não tinha nenhum decoro na fala. Aiden
pigarreou, engasgando com saliva, enquanto ela deu uma risadinha ao notar o
desconforto dele. O silêncio que se seguiu deu a dimensão da tensão
estabelecida entre eles. A beleza da natureza foi esquecida por minutos
inteiros em que eles apenas se olharam, até que o estômago de Aiden fez um
ruído animalesco que foi ouvido certamente até pelos criados da mansão.
— Acho que está na hora daquela sopa. — Elizabeth levantou, espanando
grama e terra da sua camisola. Aiden suspirou novamente e a seguiu, certo de
que dois dias eram muito tempo para compartilhar com aquela mulher sem
comprometê-la de todas as formas possíveis.

Um dia passou sem que o duque sucumbisse ao desejo inadmissível que seu
corpo sentia por aquela mulher. Ele tentou afastá-la de todas as formas,
buscando se convencer de que ela era inadequada, uma plebeia, viúva. Que
ela não poderia oferecer a ele nada além do que todas as outras já lhe tinham
oferecido, mas isso não surtiu efeito. Toda vez que ela respirava perto dele,
Aiden relembrava o beijo breve que compartilharam e desejava beijá-la
novamente.
O último dia de isolamento começou com Elizabeth chateada. Ela não
levantou cedo da cama, como fizera das outras vezes, nem perambulou pelo
gramado exterior. Não preparou o desjejum nem se incomodou em deixar o
quarto. Aiden deveria comemorar não precisar resistir à tentação dourada que
o provocava a cada segundo desde que seus olhares cruzaram naquela
estalagem, mas havia algo errado com aquela reclusão.
Já passava do meio dia quando ele decidiu fazer alguma coisa. Um
Trowsdale raramente fugia de uma dificuldade e ele fora ensinado a enfrentar
todos os desafios. Dobrou as mangas da camisa, abriu alguns botões no
colarinho e decidiu preparar ovos com presunto. Ele já a vira fazer aquilo por
três vezes, não devia ser tão difícil.
Mas era quase impossível. As duas primeiras tentativas representaram
ovos queimados. Aiden também não obteve muito sucesso preparando um
chá, já que ele não sabia como fazer a infusão. Ferveu água, mergulhou as
ervas, e aquilo simplesmente não parecia certo. Já estava se sentindo
frustrado e com sua virilidade ferida por não conseguir superar as mínimas
habilidades de uma mulher quando ela abriu a porta e apareceu.
— Está tentando colocar fogo na casa?
A voz dela estava embargada, porém divertida. Elizabeth estava enrolada
em um cobertor e tinha os cabelos despenteados. Não havia nenhum
resquício de vaidade feminina naquela figura pálida que se mostrava para
Aiden, mesmo assim ele nunca vira nada tão belo à sua frente.
— Não creio que eu seja capaz, já que não consegui nem mesmo ferver
um chá. Aparentemente, colocar fogo em qualquer coisa é uma tarefa
complexa demais para um duque realizar.
Ela se aproximou e mexeu o chá que estava em infusão, ainda. Provou um
pouco e franziu a testa, encarando o duque com uma expressão que o deixou
apreensivo. Era surreal que ele tivesse expectativa pela aprovação daquela
mulher, que ele desejasse fazer qualquer coisa certa para que ela gostasse.
— Basta coar, agora. O sabor muito bom, é camomila?
— Sim, há muitas flores logo aqui perto. Eu gosto bastante de camomila.
— Ora. — Ela ergueu as sobrancelhas em uma expressão surpresa. — O
senhor colheu flores, Alteza?
Apesar da aparente normalidade que o olhar dela transmitia, Aiden
pressentiu que Elizabeth não estava bem. Aquela mulher tinha se mostrado
forte e lutadora durante a doença, mesmo sucumbindo à febre. Ela cuidou
dele, ele cuidou dela, os dois compartilharam momentos intensos demais e
aquilo deu a ele conhecimento sobre coisas que não pretendia conhecer. A
frequência de sua respiração, o som de sua voz, o olhar altivo e sempre alerta.
Algumas dessas coisas estavam diferentes.
— A senhora está se sentindo bem?
Aiden continuou insistindo em preparar os ovos enquanto aguardava que
ela lhe respondesse. A quarta tentativa deveria ser a da sorte.
— Não estou. — Ela por fim confessou, longos segundos depois. —
Tenho saudades dos meus filhos. E não tenho nada para vestir.
Os ovos que estavam nas mãos de Aiden caíram na frigideira, com casca
e tudo. Ele bateu no cabo de metal quente e queimou a mão, derrubando tudo
pelo chão. Virou-se repentinamente para a mulher enrolada em um cobertor.
Ela estava nua por baixo daquele tecido grosso? Não havia nenhuma peça de
roupas entre eles? Se havia um jeito de distraí-lo e causar um incêndio na
casa, Elizabeth tinha descoberto sem muito esforço.
— Suas roupas não secaram?
Ele tentou recolher a bagunça e ela se abaixou para ajudar, tentando
segurar o cobertor com uma mão, apenas. As pernas dela ficaram expostas e
Aiden jogou o corpo para trás, batendo a cabeça no fogão à lenha.
— Secaram, mas estão cheirando a… não sei, estão com um cheiro
horrível. E minha camisola estava muito antiga, acabou rasgando quando
tentei lavá-la, hoje cedo.
O duque não acreditava que nada dela pudesse ter um cheiro horrível. Ali,
naquele instante, a proximidade fazia com que ele sentisse o aroma de sabão
que exalava do corpo de Elizabeth. E tinha as malditas gardênias, de onde
aquele cheiro surgia?
— Vou mandar que lhe tragam roupas limpas. — Aiden levantou. —
Apesar de… eu não tenho como chamar os criados daqui. Isso pode ser um
problema.
— Está tudo bem, Alteza. — Ela sorriu e tomou a frigideira da mão dele,
recolocando sobre o fogão. Depois, pegou um pano escurecido e umedeceu
em água para limpar o chão, que era de pedra. Tudo aquilo com uma mão
segurando aquele cobertor enrolado nos ombros. — Amanhã estaremos
liberados para seguir nossos caminhos. Deixe-me fazer isso.
Ela parecia realmente disposta a cozinhar naquelas condições. Aiden não
impediria, já que tinha fome, mas ele podia ajudá-la de alguma forma.

Foi algo rápido mas que durou um ano inteiro. Elizabeth estava de costas
para o duque, equilibrando-se para manter sua dignidade enquanto tentava
cozinhar nua. Não estava tecnicamente nua, já que havia um grosso tecido
sobre ela, mas aquele tecido cobria apenas sua pele desnuda. Talvez aquela
condição a deixasse mais vulnerável, porém foi capaz de sentir com
exagerado entusiasmo a aproximação de Aiden.
Ele foi silencioso como um fantasma e ficou cinco segundos parado atrás
dela antes de tomar uma atitude. Cinco segundos em que o coração dele
martelou oito vezes. Elizabeth parou de respirar quando Aiden colocou as
mãos em seus cabelos soltos e desarrumados e juntou os fios com os dedos,
elaborando uma trança frouxa. Aquelas mãos eram habilidosas demais para
um duque. Ele não mentiu quando disse que sabia trançar cabelos.
Depois, segurou o cobertor com as mãos grandes e seus dedos tocaram a
pele dela, no pescoço e na clavícula. Elizabeth fechou os olhos enquanto os
ovos estalavam na frigideira.
— Confie em mim.
Aiden sussurrou bem próximo ao ouvido dela. Elizabeth quis gritar que
sim, ela confiava, apesar de não ter motivos para aquilo. O corpo dela inteiro
retumbava com a mera proximidade do duque. Não havia certeza maior em
sua realidade - ela queria ser tocada por ele.
Elizabeth soltou o cobertor. O duque o manteve firme no lugar e,
juntando as pontas, deu um nó na altura do pescoço dela. O tecido caiu
frouxo por seu corpo, não cobrindo exatamente como deveria. Se ela se
movesse, o cobertor também se moveria e partes dela ficariam expostas.
Mas, ao menos, permitia que ela tivesse as mãos livres.
— Vou me sentar ali atrás.
O duque se afastou e ela sentiu um frio repentino, como se uma corrente
de ar lhe atingisse. A presença dele a envolvia em calor e fazia tempo desde a
última vez em que se sentira daquela forma. Provavelmente Elizabeth nunca
percebera que sentia falta ou que precisava daquele tipo de calor, mas Aiden
Trowsdale estava causando nela um efeito problemático. Estava fazendo com
que ela desejasse coisas que não poderia ter.
Cozinhar se tornou mais fácil. Os ovos ficaram com uma aparência ótima
e o pão, que ela havia feito no dia anterior, ainda estava macio. Passando um
braço pela própria cintura para evitar uma exposição desonrosa, Elizabeth
levou a comida até a mesa e se sentou, tentando manter os olhos afastados do
duque.
— É sua vez de contar uma história. — O duque disse, cortando o pão
com as mãos. Ela tentou evitar os olhos dele, o que não fez nenhuma
diferença. Qualquer parte do corpo de Aiden despertava os sentidos de
Elizabeth. — Fale-me dos sonhos de Elizabeth Collingworth.
Ela riu. Claro que tinha que rir, mulheres como ela não tinham sonhos.
Ao menos ela não tinha mais sonhos, eles foram despedaçados, pisoteados e
incinerados quando ela tinha quatorze anos. Tudo pelo que ela foi criada
virou pó aos seus pés e ela precisou encarar outra realidade - a de trabalhar
por seu sustento e de viver em uma sociedade muito diferente daquela que
deveria acolhê-la.
— Quando eu era uma menina, e minha mãe me ensinava coisas sobre o
futuro e sobre como eu deveria me portar… quando minha tutora me dava
orientações sobre a sociedade e a nobreza… eu tinha um sonho. Era uma
coisa tola, mas eu por vezes sentia que poderia atingi-lo.
— E que sonho tolo era esse? Vamos, a senhora não pode começar uma
história e não terminá-la.
— Meu sonho era se casar com um duque.
Aiden engasgou com o pedaço de pão que levou à boca. A expressão
resoluta de Elizabeth indicava que ela esperava aquela reação.
— Parece o sonho de uma dama. — Ele disse, depois de beber um pouco
de chá. Não, ele praticamente virou uma xícara inteira de chá enquanto
Elizabeth o fitava preocupada. Aiden tinha a voz rouca, ela não sabia se era
por algum incômodo em sua garganta ou se ele estava constrangido com o
sonho dela.
— Acontece que eu não sou uma dama. Não mais. Eu tive sonhos, mas
Vossa Graça pode perceber que hoje eu apenas luto pela sobrevivência.
Naquela época eu era uma menina e eu fui criada para me casar. Hoje eu sou
uma mulher adulta e sei que há coisas mais importantes na vida do que
escolher maridos aristocratas.
— A sua família, ela… tinha ascendência?
— Não. Mas eu podia conquistar um nobre, claro. Um baronete, talvez,
até um visconde poderia ter interesse em desposar uma moça rica com um
dote excelente. E eu era refinada, fui treinada para ser uma anfitriã perfeita,
uma esposa dedicada. Seria fácil transitar comigo nas festas e bailes, eu não
tinha estirpe mas tinha classe. O duque era apenas um sonho, mesmo.
Nenhum deles se interessaria por mim. Eu não era boa o bastante.
Elizabeth tinha certeza que jamais se casaria com um duque. Era um
título alto demais, havia pretendentes muito melhores do que ela. Duques se
casavam com mulheres nobres, filhas de condes ou outros duques. Eles não
escolheriam ela, por mais que ela fosse a escolha perfeita. Ainda assim, ela
sonhava. Ela sonhou. Aquilo tinha ficado no passado.
— E então o seu pai perdeu tudo.
Ele não precisava de muito esforço para entender a situação.
— E eu perdi meu dote. Sem estirpe e sem dote, a minha vida miserável
me conduziu a outros caminhos.
— Lamento. A senhora certamente daria uma ótima esposa para qualquer
homem na minha posição.
— O senhor não pode saber disso. — Ela o encarou. Nunca tivera tanta
proximidade com um homem a ponto de conversar abertamente com ele
sobre aquelas tolices sentimentais. Primeiro, porque nenhum homem queria
realmente conversar sobre aqueles assuntos. Segundo, porque ela não se
sentia confortável em falar deles. — Só me conheceu em posição de
subserviência, como uma criada. Talvez possa acreditar que eu seja uma boa
ama de companhia, ou tutora, ou até mesmo governanta. Mas, esposa?
Aiden riu e terminou de comer o que havia em seu prato. A luz da vela
que estava sobre a mesa bruxuleava em seu semblante rígido, amenizado por
um breve sorriso nos lábios perfeitos.
— Tem razão. Mas eu suspeito que minhas impressões estejam corretas.
Capítulo nono

D UAS COISAS IMPEDIAM Aiden de dormir naquela noite. Uma era a


antecipação de retornar para casa e retomar suas atividades sociais. Mesmo
que ele não gostasse da maioria delas, ficar enclausurado em uma casa
isolada não era seu melhor conceito de diversão. E ele tinha negócios a tratar,
investimentos a fazer, propriedades para supervisionar. Sua fortuna não se
multiplicaria sozinha.
A segunda era a mulher do quarto ao lado. Eles passaram momentos
interessantes durante o dia, enquanto ela vestia um cobertor e nada mais.
Durante todo o tempo ele desejou desatar aquele nó e despi-la para seu
deleite.
Pensar nela fazia com que o incômodo em sua virilha se transformasse
em algo imenso. Poderia ser o tempo sem mulheres. Aiden não estivera
ocupado em satisfazer seus desejos carnais nas últimas semanas, ele estava há
tempos sem alívio. Provavelmente era por causa daquilo que o desejo por
Elizabeth Collingworth estava lhe deixando louco.
Era tanta loucura que ele chegou a se animar quando ela perguntou se
havia uma oferta para torná-la sua amante. Por um minuto ele ansiou para que
ela aceitasse uma proposta não feita, como se adivinhasse o desejo em seu
peito. Ela negou, como era de se esperar. Apesar de pobre, aquela mulher
tinha a alma de uma dama da sociedade. Se ela não seria sua amante, ela não
seria nada além de sua governanta. E era inadmissível ter tanta vontade de
beijar sua empregada.
Desistindo de rolar de um lado para o outro, o duque se levantou e foi até
a sala servir-se de uísque. Se ele bebesse duas ou três doses talvez seu corpo
relaxasse e ele pudesse pegar no sono. Estava escuro demais para ler e não
havia nada que ele pudesse fazer para se divertir.
Aquilo era o que ele pensava, até ver Elizabeth de pé na janela.
Maldição, ela era apenas uma silhueta escura e avermelhada à luz da
lareira, mas os seus cabelos estavam esvoaçantes como se flamejassem.
— Não consegue dormir? — Ela perguntou, percebendo-o na sala.
— Não. Espero que o uísque me ajude a resolver esse problema.
Ela se virou para ele e estava lá, com aquele cobertor que não conseguia
mais cobrir seu corpo inteiro. Estando os dois de frente, ele podia vê-la. Será
que Elizabeth considerava que a ausência de luz a mantinha em segurança e
escondia suas formas? Será que ela não percebia que a lareira continha
claridade suficiente para expor sua pele parcialmente desnuda e deixar Aiden
duro como granito?
— Se tiver mais sorte do que eu. Bebi duas doses e só fiquei um pouco
confusa.
— O álcool faz isso conosco. — Aiden deu dois passos na direção dela.
— Ele desinibe e amortece.
Elizabeth foi até o bar e serviu duas doses do líquido âmbar. Entregou um
copo ao duque e ficou com outro para si. Ele bebeu tudo em um gole e
serviu-se de mais. Bebeu novamente de uma só vez para ganhar coragem.
Não que Aiden precisasse de coragem, mas ele nunca fizera nada como
aquilo que estava fazendo.
— Amanhã estaremos liberados. — Ele deu outros dois passos até ela. —
Provavelmente esse é o último momento em que ficaremos assim, sozinhos.
Ela baixou o olhar e Aiden percebeu seu constrangimento. Ao mesmo
tempo, não fez nada para impedir que ele se aproximasse mais.
— Provavelmente muitas fofocas já surgiram. A sua reputação pode estar
em perigo, Alteza
— A reputação de um homem nunca está em perigo. — Ele estava
perigosamente próximo e ela conseguia sentir o calor emanado da pele
descoberta dele. — Já a sua, tenho certeza que sairá daqui bastante arranhada.
Isso a preocupa, Elizabeth Collingworth?
— Não tenho muito mais com o que me preocupar, Alteza. Eu não sou
uma dama, não tenho reputação a zelar. Uma mulher das docas não será
rejeitada apenas porque passou alguns dias com um duque em uma casa
isolada.
— Talvez não. Mas isso pode atrapalhar seus planos de trabalhar como
tutora de jovens damas.
— Será uma consequência com a qual terei que lidar.
A forma como ela o olhou era determinada, porém triste. Não havia mais
virtude a ser arruinada nem as classes mais baixas davam tanta importância
assim aos intercursos sexuais entre pessoas não casadas. Mesmo assim, ela
parecia sempre presa entre dois mundos, aquele em que fora criada e aquele a
que pertencia. Havia a dignidade que ela tentou precariamente proteger
durante aquele curto período em que ficaram juntos. E ele teria total
responsabilidade pelo que estava para acontecer.
O silêncio perdurou enquanto Aiden se aproximava até estar a menos de
dois centímetros dela. O cobertor roçava em sua pele, já que ele estava sem
camisa. Aiden pegou o copo quase vazio da mão de Elizabeth e colocou
sobre a mesinha do bar. Sua mão, então livre, posicionou-se nos cabelos dela
e os dedos enrolaram os cachos loiros entre eles.
— A senhora é a mulher mais linda que já conheci.
A frase saiu quase como uma confissão. Um sussurro de sua alma, algo
que Aiden dificilmente diria em voz alta em sendo verdade. Já dissera a
outras mulheres que elas eram lindas, nunca que eram as mais lindas. Já
dissera coisas para levá-las para a cama, a maior parte era apenas para
conseguir um objetivo. Naquele momento, enquanto a face de Elizabeth
corou em vários tons de vermelho, o duque entendeu que não precisava
mentir para seduzi-la. Que a verdade era suficiente.
— Alteza, eu…
O duque calou os lábios dela com o polegar.
— Não diga nada. Apenas me peça para parar.
Ela não disse, então ele não parou. O polegar contornou os traços da boca
dela e desceu para o pescoço, até se posicionar sobre o nó inconveniente
daquele cobertor. Devagar, como se fosse um caçador prestes a pegar a presa,
Aiden levou a outra mão até a nuca de Elizabeth e a beijou.
Foi um toque de lábios, no início, em que a boca dele, muito quente e
ansiosa, encontrou a dela, trêmula. O gemido que se seguiu fez com que
Aiden forçasse uma abertura para sua língua. Como ela ainda não tinha
pedido para ele parar, o duque desceu as duas mãos até a cintura da mulher e
a puxou para mais perto.
Elizabeth estava começando a acreditar que ela nunca tinha sido beijada. O
falecido Gregory não foi o único homem a tomar algumas liberdades com ela
- depois dele, outros já tinham roubado um beijo ou outro, mas nada era
como aquilo. Nada fora sequer parecido com aquilo.
As duas mão do duque estavam firmes em sua cintura, os dedos
pressionando sua carne e quase penetrando o cobertor. Dava para sentir o
calor que delas emanava e a aspereza do toque, algo que não parecia muito
comum a um nobre. As mãos dos nobres eram lisas e incólumes, mas as
daquele homem pareciam rudes e até mesmo calejadas.
E a língua dele estava se enroscando na dela, fazendo com que Elizabeth
emitisse alguns sons muito constrangedores.
— Alteza. — Ela murmurou sem afastar a boca dele. Estava com as duas
mãos nos ombros do duque e os dedos já se arriscavam a delinear alguns
músculos proeminentes que não deveriam estar ali, tão evidentes. — Eu não
sou esse tipo de mulher.
Ela não era. Elizabeth fora criada, na infância, como uma lady. Ela
aprendeu o recato e o pudor necessários. Uma dama não sentia desejo. Uma
dama aceitava seu marido, apenas seu marido, para gerar filhos dele ou para
lhe dar o prazer carnal. Ela mesma não tinha aqueles interesses, uma dama
respeitável não tinha. Foi o que cresceu ouvindo, como aprendeu a ser.
Mas o mundo a fez diferente. Dura, talvez? Havia muito da antiga
Elizabeth nela, mas boa parte fora tomada por uma mulher que precisou
enfrentar uma realidade que não a permitia fragilidades. Ela entendeu que, na
verdade, aqueles ensinamentos estavam equivocados. Uma mulher tinha
desejos. Ela também poderia querer prazer. Uma mulher não pensava apenas
em vestidos, sombrinhas ou no clima. Ela sabia dos assuntos, aprendia com
facilidade e adorava conversar.
Naquele momento, em que ela sentia a boca do duque por todos os
lugares da sua pele, depois de todas as vezes em que o decoro fora
abandonado por eles, ela só conseguia sentir. O desejo a fazia enxergar tudo
nublado e não parecia errado que ela o quisesse. Daquela forma, de todas as
formas. Elizabeth não tinha mais nada a perder.
— Eu sei. — Aiden a puxou para mais perto ainda. Elizabeth sentiu a
dureza de sua masculinidade pressionando-a por baixo do cobertor, que não
cobria absolutamente mais nada. — Por favor, Elizabeth, peça-me para parar.
Mande-me de volta para o meu quarto.
— Eu não quero.
Céus, ela não queria mesmo. Não pretendia se entregar e não desejava se
afastar. Não pretendia deixar que ele a tocasse nem conseguia evitar gemer
por seu toque ou ansiar por mais. Mais contato. Mais intimidade.
— Você precisa.
— Talvez possamos fazer com que as fofocas não sejam fofocas, afinal.
Três doses inteiras de uísque não apenas a desinibiram, abriram uma
comporta por onde jorrava um rio que Elizabeth não podia mais represar. O
rosnado emitido por Aiden Trowsdale demonstrou que ele não parecia muito
preocupado com aquilo, que ele também gostaria de dar motivos para os
fofoqueiros. Ele provavelmente estava apenas sendo respeitoso com ela, de
uma forma bastante peculiar.
Não apenas o beijo, mas o toque ficou mais intenso. Ela fechou os olhos
para receber a boca dele novamente e daquela vez já se abriu para que ele a
invadisse com a língua. Passando as duas mãos pelo pescoço de Aiden,
Elizabeth uniu os corpos e seus seios nus tocaram o peito firme dele. A
sensação dos músculos em contato com a sua pele era indescritível.
Quando foi que ela se sentiu assim? Fazia tempo, ou talvez fosse nunca.
Provavelmente Elizabeth seria confrontada em suas verdades naquele minuto
em que passou beijando um duque - e nem era a primeira vez. Provavelmente
ela não tinha ainda experimentado um prazer como aquele.
Aiden direcionou seus beijos para outros lugares. As bochechas, o queixo,
o pescoço. Enquanto deixava um traço de fogo em sua pele, ele subia as mãos
devagar. Muito devagar, em um ritmo tão lento que causou agonia. Se ela
sempre fora pervertida daquela forma, não tinha percebido. Mas Elizabeth
jurou, naquele momento, que a culpa era do duque. Ele despertara nela
sensações que ignorava.
Quando o polegar dele escorregou para dentro do cobertor e tocou seu
mamilo, ela gemeu. Ele considerou aquilo um incentivo e circulou o mamilo
com o dedo, acariciando-o e provocando-o enquanto arrancava dela mais
gemidos. Não havia mais vergonha que impedisse Elizabeth de demonstrar o
prazer que sentia com aquele toque. Ela agradeceu estar apoiada no corpo
dele, pois seus joelhos se transformaram em gelatina.
Sem parar de beijá-la, Aiden segurou um seio nas mãos.
— Isso é perfeito. — Ele o encaixou entre os dedos e o acariciou, fazendo
com que ela se contorcesse de prazer. E então a boca de Aiden estava ali,
beijando e lambendo o seio que ele segurava. Ela arqueou o corpo para trás e,
não fosse a mão dele em suas costas, teria caído ao chão. — Não, isso é
perfeito. Isso. Peça-me para parar, Elizabeth.
Não quero que você pare. Quero mais e quero agora. Ela não era capaz
de impedi-lo em nome de uma honra que já tinha sido maculada. A única
forma de acreditarem que ela e o duque não fizeram nada impróprio naquele
período de quarentena era que ele a rejeitasse. Fora isso, ninguém acreditaria
que aquela mulher fosse capaz de dizer não ao Duque de Shaftesbury.
Talvez ela não fosse.
Aiden sugou o mamilo e ela não conseguiu pensar mais nada além
daquele prazer. Empurrada para a parede, ela se apoiou na pedra fria
enquanto ele conduzia a mão livre também para dentro do cobertor e descia
pelo corpo dela. Tocava suas curvas até embrenhar-se em seu sexo, buscando
algum espaço ali, naquele lugar que estava pulsante e dolorido desde que o
beijo começou.
— Oh, Aiden.
Ela suspirou ao senti-lo abrindo espaço para os dedos, por entre seus
cachos e suas dobras femininas. O duque conhecia tão bem a anatomia das
mulheres que não teve nenhuma dificuldade em encontrar seu centro de
prazer - e foi ali que ele concentrou sua atenção. Fazendo círculos com o
indicador, Aiden acariciava o botão rosado entre as pernas de Elizabeth
enquanto ela não tinha mais condições de ficar de pé.
— Faça isso. — Ele percebeu que ela estava trêmula em suas mãos. —
Entregue-se.
Parecia fácil para ele, mas era quase impossível que Elizabeth se
entregasse tão facilmente. Por mais que ela ansiasse por aquele toque e por
mais habilidoso que ele fosse, ela não fora treinada para sentir prazer, mas
para dar. Ela se preparou para deitar, nua, abrir as pernas e esperar que o
homem se satisfizesse. Mas aquele ali era diferente. Ele pedia que ela sentisse
- e ela sentia muito, forte e intenso.
— Eu não…
Aiden deslizou um dedo para dentro dela. Oh, ela não conseguiria evitar.
O calor que crescia em seu ventre parecia prestes a explodi-la em uma chuva
de fogos de artifícios, como se Elizabeth fosse se transformar em ano novo.
Seus olhos enxergavam luzes inexistentes enquanto ele colocava e tirava o
dedo, inseria um segundo, e a sustentava com firmeza de contra a parede.
Se já estava difícil sustentar sua dignidade, ele dedicar atenção a seus
mamilos não ajudou muito. Elizabeth soltou outros gemidos constrangedores
e sentiu seu corpo todo convulsionar.
— Sim, Elizabeth, você consegue. — Aiden murmurou, a boca muito
próxima à dela. — Apenas deixe vir.
E ela deixou. As luzes piscavam frenéticas e seus olhos não conseguiam
mais ficar abertos. As ondas de prazer inebriante que se abateram sobre ela
pareciam uma tormenta em alto mar, prestes a naufragá-la e deixá-la à deriva.
Mas, por algum motivo, ela acreditou que houvesse um bote salva-vidas à sua
espera.
Talvez ela já tivesse sentido aquilo, antes. Mas não foi com aquela
potência.
— Aiden. — Ela gemeu baixo enquanto o mar acalmava e as nuvens
escuras davam lugar à claridade do sol. Elizabeth era só metáforas e ela não
sabia nem mesmo o que dizer. — Oh.
O beijo que a silenciou foi sôfrego e intenso, mas suave. A boca dele
estava quente e ansiosa, deixando rastros suaves de calor pelos seus lábios.
— Considere essa como uma nova proposta.
Ela não estava capaz de entender o que ele dizia. Aiden continuava com
as mãos em seu corpo e os lábios em sua pele, mantendo-a muito estimulada
depois do orgasmo.
— Não entendo.
— Eu não quero que seja minha criada. Eu desejo você, Elizabeth. — A
boca traçou os contornos do seu maxilar, percorreu o caminho até a parte de
trás da orelha. — Venha viver comigo.
A nova proposta significava apenas uma coisa - ele a queria como
amante. O que estava fora da mesa de negócios, antes, passara a ser a oferta
principal muito rapidamente. Claro que para isso ela servia, para dar a ele
prazer. Elizabeth não esperava despertar os desejos do duque mas, já que ele
a queria, ele a queria apenas como sua concubina. E aquilo ela não poderia
aceitar.
— Não posso, Alteza.
— Por que não? — Ele ainda a beijava e ela estava dividia entre o desejo
de que ele a possuísse e o repúdio pelo que ele propunha. — Elizabeth, eu
cuidaria de você. Cuidaria de seus filhos. Você nunca mais precisaria
trabalhar. Só diga sim.
Seria muito fácil. Nada em sua vida fora fácil desde a falência do pai.
Mas Elizabeth não arriscaria levianamente colocar um bastardo no mundo,
nem abandonaria sua moral apenas para ter uma vida fácil.
Pense nos meninos, Elizabeth. Uma voz gritava dentro dela enquanto o
duque beijava seu pescoço. Ele não fazia nenhuma investida mais íntima,
apenas a mantinha presa naquela espiral de desejo enquanto ela decidia.
Pense no que você poderá proporcionar a Patrick e Peter. Eles terão uma
educação de qualidade e poderão ir até a universidade. Eles poderão se casar
com uma dama da classe média. Pense nos seus filhos.
E ela pensou. Por mais que quisesse, ali, naquele momento, ceder a Aiden
Trowsdale, ela não conseguiria olhar nos olhos dos meninos se virasse uma
concubina. E, quando ele se cansasse dela, ela seria trocada por uma mulher
mais jovem e com mais vigor, uma mais bonita e que soubesse fazer coisas
que ela não sabia.
— Não posso. — O momento findou. Ela puxou o cobertor para se cobrir
e Aiden se afastou alguns centímetros. — Eu não sou uma amante, não sou
esse tipo de mulher.
Voltando para seu quarto, ela fechou a porta e se enrolou nos cobertores,
sentindo um mal estar que certamente não era da doença. Seu corpo ardia de
desejo e sua cabeça doía pela negativa. No dia seguinte ela precisaria ir
embora e voltar para a miséria com seus filhos.

— Onde está meu filho?


A duquesa viúva perguntou à sua criada particular. Ela sabia que Agatha
estava na propriedade, mesmo que ainda não tivesse saído do quarto
nenhuma vez, nem tivesse mandado chamar a filha. A jovem impetuosa não
ia ver a mãe a não ser que fosse solicitada. Aquele fora um comportamento
treinado desde a infância - Agatha nunca deveria entrar no quarto da duquesa
sem um convite. Ninguém deveria.
— O duque está na casa do poço, senhora. — Emma abriu as cortinas
para deixar entrar luz solar no quarto. Já passava de meio dia, mas a nobreza
raramente acordava antes daquele horário. — Parece que ele está de
quarentena.
— O que ele tem? Ninguém nessa casa pensou em me contar que meu
único filho está doente?
— Ele tem a febre vermelha, senhora. Escarlatina. Mas John disse que
está tudo bem, eles estão se recuperando. Granger e Geoffrey têm garantido
que nada lhes falte.
— Eles?
O plural usado pela criada não tinha sido um mero acidente linguístico
em razão de sua alfabetização precária. Seu filho estava com outra pessoa
naquela casa isolada e a duquesa tinha que saber quem era.
— Sim, senhora. — Emma baixou o olhar e encarou o piso de madeira.
— O duque está abrigando a Sra. Collingworth, uma viúva de Londres. Ela
também está doente.
Uma viúva não parecia o tipo de mulher que atraía seu filho. Certamente
era uma senhora de meia idade que teve a infelicidade de contrair a doença.
Aquele comportamento bondoso Aiden aprendera com o pai e não parecia
haver nada que o demovesse de ajudar os necessitados. Myrtle imaginou que
não precisaria se preocupar com escândalos ou reputações porque seu filho
estivera deflorando mulheres indefesas.
— Assim que ele retornar para a mansão, informe-me. Quero acompanhar
todas as notícias sobre o convalescimento do duque.
Emma assentiu com a cabeça e saiu do quarto, ansiosa por libertar-se da
duquesa maligna. Myrtle sabia que os empregados a abominavam e que sua
fama de cruel era tão popular quanto a libertinagem de seu filho. Mas ela já
tinha deixado de se preocupar com isso desde que percebera que não havia
nada que pudesse fazer para evitar uma fofoca.
Aquele era um indicador do que ela já suspeitava. Sua longa abstenção da
família estava começando a cobrar um preço - o filho não se casava e a filha
não lhe seria de nenhuma serventia, já que ela não pretendia depender do
marido de Agatha para sobreviver. As melhores chances de Myrtle sempre
foram em um casamento conveniente do duque com uma mulher de boa
origem e que pudesse dar ao filho herdeiros suficientes.
Capítulo décimo

N ÃO FOI o sol nem o calor repentino que acordaram Elizabeth naquela


manhã, muito mais tarde do que ela geralmente despertava. Seus ouvidos
capturaram um miado e isso a tirou do transe do sono. Miado?
Ela sentou na cama e puxou o lençol para si ao se perceber nua. Claro que
ela estava nua, depois do que houvera na madrugada. A lembrança dos
momentos de extrema intimidade fizeram com que suas bochechas ardessem.
Sentiu-se muito devassa e impura, suja. Seu corpo estava marcado pelo toque
indecente do duque com quem compartilhava os dias e noites desde que
descobriu-se doente.
Ela podia ter sonhado tudo aquilo. Não era difícil de imaginar. A doença
sucumbiu seu corpo e a devassidão tomou conta de sua mente, então
Elizabeth provavelmente sonhara com um duque másculo e sedutor que a
beijava e tocava em partes inapropriadas. Com certeza foram sonhos todas
aquelas sensações inebriantes causadas pelos dedos de um homem que ela
nem imaginava que existia - lindo, forte, nobre, preocupado com a sua
satisfação.
Não tinha sido um sonho. A verdade doía em sua cabeça e ela sabia que
precisava ir embora.
O miado ainda ecoava em seus ouvidos mas, fora aquilo, não havia
nenhum outro ruído no quarto. A porta estava recostada e ela estava sozinha.
Ele a respeitara, não insistira para possuí-la, não forçou nenhum outro
contato. Provavelmente, Aiden estava irritado com ela.
Daquela vez ela se vestiu dignamente e seguiu o som do miado para
encontrou o duque na sala. Ele estava de costas para ela, de frente para a
janela, usando uma camisa branca perfeitamente passada e calças de camurça
muito justas. Ele tinha pernas enormes e qualquer roupa deveria ficar justa
nele. Os cabelos, desarrumados, reluziam sob o pálido sol da manhã. E ele
estava alimentando um gatinho.
— Oh, céus, o que é essa coisinha doce?
Aiden virou-se para ela e um sorriso ergueu os cantos de sua boca.
— Bom dia. Esperava que esse danadinho não acordasse a senhora, mas
ele parecia faminto.
— É muito gentil do senhor cuidar dele, Alteza.
O duque acariciou o pelo do gato, que pareceu muito confortável com ele,
e se virou para Elizabeth. Ela sentiu o cheiro de presunto e chá e entendeu
que ele, finalmente, tinha conseguido fazer a comida. Depois do fracasso do
dia anterior, aquela parecia uma vitória e tanto.
— Não temos animais domésticos em Thanet Bay. — Ele confessou,
colocando uma frigideira cheia de ovos sobre a mesa. — Nem pão fresco
nessa casa, portanto espero que ovos e presunto sejam suficientes para um
desjejum razoável. Creio que, depois de comermos, podemos caminhar até a
mansão.
Ansiedade dominou Elizabeth e fez seu coração disparar. Ela não sabia se
era porque ansiava ver os filhos ou porque estava gostando de ficar ali.
Depois que cruzassem a porta da casa e se lançassem de volta no mundo
exterior, eles voltariam a ser o duque e a criada, o homem de sangue azul e a
mãe viúva sem ter onde cair morta. Qualquer coisa que eles tivessem
experimentado naqueles dias isolados teria que ficar no passado.
— Será ótimo retornar. — Ela não tinha certeza do que dizia. — Se
Vossa Graça quiser, eu posso ir até a casa e pedir que sua carruagem venha
lhe buscar. Depois eu pegarei os meninos e deixarei a propriedade.
— Gosto de caminhar. — O homem bebeu um gole de chá e, por Deus,
ele ficava lindo de qualquer jeito. Vestido como um lorde que era, ele estava
tão magnífico quanto nos outros momentos em que ela o vira praticamente
sem roupas. — Mas… por que deixará a propriedade, Elizabeth?
A forma como ele a encarou a fez desejar esconder-se atrás da xícara.
— Porque preciso retomar meu caminho, Alteza. Eu devo achar um lugar
para ficar com os meus filhos e…
— Vai recusar trabalhar para mim também? — Ele a olhava com as
sobrancelhas unidas, sério, inquisidor. — Vai me rejeitar como homem e
como patrão?
— Vossa Graça não pode estar pensando… — Elizabeth bebeu um gole
do chá, sentindo a garganta seca. — Eu não o rejeitei, Alteza. — Ela
murmurou.
— Não entendo.
— Eu não o rejeitei. — Elizabeth disse com mais certeza. — Nem como
homem, nem como patrão. Apenas não posso aceitar ser a amante. O senhor
não entende, o senhor não faz ideia de como é, para mulheres como eu.
Quanto ao emprego, pensei que a oferta tinha sido retirada.
Ele a fitou por mais tempo e ela quis esconder-se debaixo da mesa.
— Nunca mais suponha as coisas por mim. — O tom de voz dele era
sério. — Espero que possa ser minha governanta, ainda preciso de uma
mulher qualificada para gerir os empregados.
Por aquilo ela não esperava. Os olhos escuros de Aiden a encaravam com
ansiedade, esperando uma resposta. Como poderia fazer aquilo funcionar? O
que ela sentia por ele era real, não parecia uma tarefa simples ignorar o
impacto que o Duque de Shaftesbury causou na vida dela.
— Não sei se devemos fazer isso. Haverá fofocas e a duquesa
dificilmente me aceitará. Sou jovem demais para ser uma governanta.
— Mamãe não determina nada na casa há uma década. — O duque
começou a recolher a comida de cima da mesa. Ela tentou impedi-lo,
tomando as vasilhas da mão dele, mas Aiden demonstrou que gostaria de
fazer o trabalho. — Eu quero que seja minha governanta. Pagamos bem aos
empregados, pode confirmar com qualquer criado da casa.
Elizabeth precisava decidir, mas não era uma escolha fácil. Ela teria que
trabalhar meses na mansão e isso significava ver o duque todo dia. Ou talvez
não, poderia ser que ela nem mesmo esbarrasse com ele em uma mansão tão
grande. Seu trabalho não seria de contato direto com ele, poderia apenas
administrar as empregadas e pronto. Eles precisavam do dinheiro.
Assentiu com a cabeça e foi o suficiente. O duque compreendeu que ela
dizia sim para aquela oferta específica, como já tinha dito antes. Trabalhar
para ele era tolerável, mesmo que seu corpo o quisesse de outras formas.

Ela o rejeitara. Desde a noite, quando sua ereção dolorida se frustrou porque
Elizabeth Collingworth preferia ser parte da criadagem a se tornar sua
amante, sua virilidade estava mortalmente ferida. Será que ele esteve
enganado e ela não o desejava? A forma como reagiu ao primeiro beijo,
depois ao toque dos dedos dele indicavam que sim, ela o queria. Talvez da
mesma forma que ele a queria.
Se Aiden não estava errado, por que ela o rejeitava? Ser sua amante era
menos digno do que ser uma criada invisível? Ele poderia dar a ela todo luxo
que ela merecesse. Cobriria-a de seda e jóias, possibilitaria a melhor
educação para os filhos dela, faria com que ela tivesse tudo que sempre
sonhou. E ele garantiria amá-la, compartilhar o calor de seu corpo com ela,
oferecer prazer sem limites.
E Elizabeth não o quis. Aquilo o magoara profundamente, mas ele não
pretendia deixá-la ir. Se ela fosse embora ele nunca mais a veria e Aiden
Trowsdale não estava pronto para esquecê-la.
Caminhando de volta para a casa, ele ia à frente. O sol estava forte já
durante a manhã e aquele seria provavelmente um bom dia para ir à praia. Era
também provável Edward o convidaria para uma cavalgada que ele aceitaria.
Combinariam uma caçada pelos bosques, Aiden encheria a casa de
convidados e tudo voltaria ao normal. O duque não precisaria rememorar os
dias em que esteve doente, temendo pela vida e isolado com uma completa
desconhecida.
— Seja bem-vindo de volta, Alteza. — John o recebeu pela entrada
principal. — O conde pediu que eu o avisasse assim que retornasse, ele
deseja lhe fazer outra visita. Uma mais adequada.
— Certo. Mande o mensageiro até ele. Minha irmã já acordou? Aliás, que
horas são? Minha mãe, ela…
Aiden lembrou-se de não ter pego o relógio nem uma vez durante aquele
confinamento. Não prestou atenção em horários nem em convenções. Foram
dias de uma liberdade que ele desconhecia existir.
— Quanto às horas, estamos por volta das dez, Alteza. Sua irmã está
dormindo e a duquesa está como sempre, porém um pouco mais como
sempre. Vossa Graça deseja tomar seu desjejum?
— Eu já comi. — E muito bem, Aiden quis dizer, porém manteve-se com
a postura de duque que ele sabia usar perfeitamente. — Mas quero me
encontrar com Agatha quando ela acordar. Vou para meus aposentos, ainda
estou muito fraco. Mande Geoffrey preparar um banho para mim.
O duque caminhou pela extensão do salão de entrada e encarou as
escadas com desânimo. Ele não se sentira mal no dia anterior mas, desde que
estivera liberado para voltar, fora abatido de um cansaço terrível. Talvez
tivesse sido a caminhada.
— Ah. John, eu contratei a Sra. Collingworth para ser nossa governanta.
Por favor, receba-a e indique para ela o serviço. Ordene que preparem
aposentos para que ela e os filhos sejam devidamente acomodados.
O mordomo moveu a cabeça em concordância e se retirou. Aiden foi para
o quarto e Geoffrey já estava lá, preparando a calefação para aquecer a água
do banho. Havia um banheiro no quarto principal daquele andar, para uso do
duque, e outro no quarto ocupado por sua mãe, para uso das mulheres.
Ambos foram construídos por seu pai. Não mentira quando disse que ele era
um visionário, Aiden não fazia ideia da fortuna que o pai gastara naquelas
engenhocas de encanamento e aquecimento para que eles não precisassem
carregar jarras e baldes de água quente escada acima.
O criado o ajudou a retirar as roupas e, depois que o duque entrou na
banheira, ajoelhou-se para lavar-lhe as costas. Aiden fechou os olhos por um
instante e teve vontade de blasfemar. Maldição, aquilo estava muito errado.
Aquele não era o toque de Elizabeth.
— Pode deixar, Geoffrey. — O duque indicou que o criado deveria sair.
— Eu quero apenas relaxar um pouco na banheira .

Quando Elizabeth entrou pelos fundos e viu seus filhos, ela teve vontade de
chorar. Além das saudades que apertavam seu peito, eles estavam parecendo
pequenos aristocratas. Nunca eles tiveram roupas tão belas e bem talhadas
como a que estavam vestindo. Peter veio correndo e a abraçou, gritando
mamãe. Patrick, mais contido, se aproximou com cuidado. Ela afagou a
cabeça do filho mais velho e o beijou na testa.
— Vocês se portaram bem?
— Sim, mas Peter não quis dormir na cama dele.
— Aquela não é minha cama. — O menino resmungou, com o nariz
enfiado na saia da mãe. — Você vai nos levar para casa agora, mamãe?
— Ainda não podemos. — Elizabeth ajoelhou-se e fez com que os
meninos olhassem para si. Ela costumava conversar com eles de forma que
seus olhos estivessem na mesma direção. — Eu fui contratada por essa
família, portanto ficaremos aqui pelo verão. Será bom, quando voltarmos a
cidade estará livre da doença. E temos um quarto confortável para ocupar.
Sabiam que na propriedade há um poço dos desejos?
Não havia testado fazer desejos naquele poço, mas os meninos poderiam
fantasiar um pouco. Talvez algum pedido deles fosse atendido, por que não?
— Vamos nos mudar para cá? — Patrick não estava convencido.
— Não, será temporário. Mas o quarto em que vamos ficar é melhor do
que a nossa casa inteira. Vocês adorarão.
Ela estava arriscando, mas provavelmente estava certa. Ambos
concordaram. Elizabeth levantou-se e os encarou. Tanto Patrick quanto Peter
vestiam um conjunto de linho e lã, com bermuda, camisa branca e colete. As
meias cobriam todas as pernas e os sapatos eram certamente novos. Tudo era
novo.
— Quem lhes vestiu dessa forma, Patrick? — Ela precisava perguntar.
— Lady Agatha nos deu roupas novas. Muitas roupas, uma mulher
chegou aqui com caixas e mais caixas de roupas e nós experimentamos e ela
ajustou.
Oh. Elizabeth nunca seria capaz de recompensar a bondade daquelas
pessoas. Talvez devesse trabalhar sem receber um salário, para ser justa. Mas
ela precisava do dinheiro e o aceitaria de bom grado.
— Nós dissemos obrigado, mamãe. — Peter complementou.
— Fizeram bem. Agora eu preciso conversar com os empregados, vocês
devem voltar a fazer o que vinham fazendo até agora.
Os garotos correram para fora da casa e foram brincar no quintal.
Elizabeth notou que o gato que o duque alimentara estava então rondando a
casa e miando. Ele disse que não havia animais domésticos naquela região,
talvez as coisas estivessem para mudar.
John a estava aguardando para explicar sobre o serviço. Ela fora tutora de
Lady Charlotte, naquela casa ela teria funções mais domésticas. Coordenar as
criadas, a cozinha, cuidar da aparência dos aposentos. Não precisaria fazer
serviços pesados, porém teria toda a responsabilidade do funcionamento das
engrenagens. E responderia apenas ao mordomo.
Aquilo parecia um bom emprego, melhor do que trabalhar servindo
cervejas em uma taverna qualquer ou ser obrigada a prostituir-se. Aquela
seria, definitivamente, sua última opção, porém ela nunca deixaria seus filhos
sem ter o que comer ou vestir. Faria de tudo que estivesse ao seu alcance. Por
sorte do destino, o trabalho que lhe ofereceram era digno.
— Lady Agatha pediu que a senhora fosse vê-la ao chegar. Ela ainda não
acordou, porém a criada subiu para apagar a lareira e abrir as cortinas.
— Eu servirei seu desjejum, então. Obrigada pelo acolhimento, John.
O mordomo era um homem grande e esguio, com cabelos descoloridos
pela idade. Sua dicção era muito boa, o que indicava que ele também tivera
boa educação. Depois que ele se retirou, Elizabeth procurou as cozinheiras,
Gretha e Loretta, para se inteirar dos procedimentos regulares. A casa parecia
bem cuidada, apesar da insistência do duque de que eles precisavam de uma
governanta. Ela ainda teria que conferir todos os aposentos da casa, mas faria
aquilo depois que todos acordassem definitivamente.
Levou as duas cozinheiras para inspecionarem a despensa e fazer um
inventário do que havia para ser utilizado. Não se decepcionou com a fartura
de comida e logo se sentou para elaborar um cardápio que serviria para a
semana. Como as cozinheiras garantiram que sabiam ler, ela pediu papel e
tinta para escrever e até mesmo considerou algumas receitas que duvidava
que fossem servidas naquela residência.
A criada de Lady Agatha informou que ela tomaria seu desjejum no salão.
E que o irmão lhe faria companhia, portanto ela deveria servir comida para
dois. Aquilo não parecia nada bom. Era ainda muito cedo para rever Aiden
Trowsdale. Ela esteve com ele por vários dias, ela esteve com ele tempo
demais - e ainda assim parecia muito pouco. Se fechasse os olhos podia sentir
as mãos dele sobre ela. Em lugares que ela não estava acostumada a ser
tocada.
Maldito fosse aquele duque.
Equilibrando uma bandeja e seguida por duas outras criadas, que eram
assistentes da cozinha, Elizabeth entrou no salão principal sem nem ter
trocado ainda de roupa. Ela usava sua saia de lã crua que cheirava como um
cachorro molhado e sua blusa amarrotada que estava amarelada pela água
suja do poço. Seus cabelos estavam razoavelmente trançados porque pedira
ajuda a Moira, a criada privada de Lady Agatha. Ela tinha olheiras por dormir
mal e seu corpo todo tremia de fadiga.
Mesmo assim, manteve uma altivez esperada de sua posição. Não que ela
fosse ser notada, as criadas não eram comumente vistas.
— Elizabeth! — Lady Agatha agitou-se ao vê-la. — Que bom que esteja
curada. Fiquei muito preocupada quando meu irmão precisou trazê-la quase
desmaiada em seus braços.
— Estou como nova, milady. Obrigada por tudo que fez por meus filhos.
Eu jamais poderei pagar-lhe de volta.
Enquanto servia a comida, Elizabeth não conseguiu deixar de antecipar a
chegada dele. Apenas a jovem Agatha e sua presença entusiasmada estavam
ali, falando bastante sobre tudo que acontecera na casa durante o período de
confinamento. Aparentemente, ela não se importava em conversar com os
criados, ou considerava Elizabeth algo além de uma criada.
— Eu gostaria que viesse comigo à vila. — Lady Agatha por fim disse.
— Preciso fazer duas visitas e a senhora poderia me acompanhar.
— Será muito bom poder ajudá-la, milady. Eu apenas tenho algumas
tarefas que…
— Que podem ser negligenciadas se for para que Agatha tenha a melhor
companhia.
A voz. Se Elizabeth não estivesse preparada para ouvi-la, teria desabado
sobre as próprias pernas. O que havia naquela voz que causava tanto impacto
sobre ela? Não ouvira o duque falar durante dias, e não o ouvira poucas horas
atrás? Por que ele ainda estava causando tanto rebuliço em seu corpo a ponto
de seu coração disparar e sua respiração travar?
— Aiden, pensei que precisaria tirá-lo da cama. — Lady Agatha abraçou
brevemente o irmão. — Então você me empresta Elizabeth? Sei que a
contratou como governanta, mas eu me sinto muito sozinha aqui, minhas
amigas ficam muito distantes e mamãe não sai do quarto!
— A Sra. Collingworth pode acompanhá-la sempre que quiser. As tarefas
da casa são importantes, porém fazer com que você tenha companhia
qualificada é ainda mais. Quem sabe assim você não se torna uma dama
respeitável?
O Duque de Shaftesbury sentou-se à mesa. Ele também tinha sinais da
convalescença, mas como estava magnífico. Tinha se banhado e barbeado, e
usava um conjunto de colete e paletó azuis sobre uma camisa branca. O lenço
em seu pescoço estava perfeitamente ajustado e preso com um alfinete
perolado.
— O que o faz pensar que ela é capaz de me transformar em uma dama?
— Lady Agatha riu. A criada serviu-lhe ovos, presunto e torradas. Elizabeth
levou até ela uma xícara fumegante de chá.
— Ela fez um bom trabalho com a Srta. Pensington, pelo que sei.
Charlotte Pensington era uma excelente referência. A jovem era
completamente desqualificada para a sociedade quando fora tutelada por
Elizabeth e terminou noiva de um lorde francês. Agatha Trowsdale era muito
mais amável e adequada do que a jovem Lady Charlotte, seria muito mais
simples moldá-la aos propósitos casadoiros do irmão. Mas, será que era isso
mesmo que Elizabeth deveria fazer?
Por algum motivo, desde que fora obrigada a enfrentar o desemprego, a
fuga, a doença e o desejo carnal mundano, ela começou a duvidar de algumas
coisas.
— Deseja chá, Alteza? — Ela perguntou sem virar-se para esperar uma
resposta. Aiden assentiu com os lábios comprimidos e não disse nada em voz
alta. Mas Elizabeth sabia o que ele tinha dito. Ou querido dizer.
Providenciou uma xícara de chá de camomila e adoçou com uma pedra de
açúcar e um pouco de leite. Mesmo que o duque conversasse com a irmã,
Elizabeth não conseguia prestar atenção nas palavras, apenas na voz. E no
calor que emanava dela. Aproximou-se com cuidado para que ninguém
percebesse o quanto suas mãos tremiam e colocou a xícara à frente do
homem.
— Obrigado.
A proximidade era um veneno, então Elizabeth afastou-se bruscamente da
mesa.
— Estarei na cozinha. Quando desejar sair, milady, avise para que eu me
vista adequadamente.
Capítulo décimo primeiro

— V OCÊ AGORA AGRADECE AOS CRIADOS ?


A voz estridente de Agatha despertou Aiden de um transe do qual ele não
entendeu como entrou nem conseguiu sair sozinho. O jornal que ele pretendia
ler estava na mesa à sua frente, o chá fumegava intocado e ele estava há
vários segundos tentando descobrir por que aquela mulher fazia com que tudo
girasse ao seu redor. Seria ela algum tipo de bruxa que o estivera enfeitiçando
durante os dias reclusos?
— Não seja petulante, Agatha. Agradecer a alguém é errado?
— Aos criados, Aiden Trowsdale. — Agatha escondeu uma risada com a
mão. — Você é mandão e autoritário, nunca vi você agradecer a ninguém,
quanto mais à criadagem. Ninguém na sua posição agradece aos criados!
Aconteceu algo que eu deva saber?
— Sim. — O duque ergueu o olhar e enfrentou a irmã. Ele sabia que, se
esmorecesse, ela não sossegaria enquanto não descobrisse o grande segredo
que sua alma escondia. Talvez não fosse tão grande, mas era um segredo
complicado o suficiente para permanecer secreto. — Eu fiquei doente e
aquela mulher cuidou de mim. Talvez eu esteja grato, apenas isso.
Se a explicação não fosse suficiente, com o tempo ele mostraria para a
irmã que Elizabeth Collingworth era apenas a governanta que ele pretendia
que cuidasse da casa pra que ele pudesse ter preocupações exclusivamente
masculinas. Ele até quis que ela fosse algo mais, que ela aceitasse sua
proteção e se tornasse sua amante. A partir do momento em que ela recusou,
a posição de Elizabeth estava definida na casa.
Depois do segundo desjejum do dia, forçado a não ficar na cama para não
parecer fraco, Aiden decidiu que precisava de exercício físico.
Alguns metros de caminhada para os fundos de Thanet Bay, o duque
construíra um galpão onde ele treinava sem ser incomodado. Era praticante
de esportes regularmente e gostava de colocar o corpo em movimento. Ele até
mesmo usava um saco de areia, como os boxeadores, para exercitar seus
chutes e socos. Não que fosse socar alguém, os cavalheiros como ele
decidiam suas desavenças em um duelo. Mas bater em alguma coisa ajudava
a gastar energia.
Quando o Conde de Cornwall chegou, Aiden já estava no seu galpão.
Vestia uma calça de camurça um pouco encardida, não usava camisa, estava
suado e com os cabelos grudados na testa e no pescoço. O duque tentava
cansar o corpo para desanuviar a mente, ignorando que estivera doente e
ainda convalescia de uma infecção grave.
— Já está bem o suficiente para rolar no chão com os porcos?
Edward se aproximou dobrando as mangas da camisa. Os dois tinham as
melhores conversas e ideias enquanto duelavam na esgrima ou treinavam
para jogos de rounders ou cricket. O conde sabia para o que era esperado.
— Não perco meu tempo com doenças. Coloque a proteção e escolha
suas espadas. — Aiden jogou um capacete de tela para o amigo e vestiu a
camisa e o colete de proteção. — Um longo treino com o florete pode me
ajudar a focar.
Ele precisava mesmo de foco. Qualquer um que não fossem as curvas do
corpo de Elizabeth.
— Muito bem. — Edward jogou uma espada para o duque. — Conte-me
seus planos para o verão. Pretendo fazer um jantar em Greenwood Park,
minha mãe vai me enlouquecer se eu não encher a casa de convidados.
— Pretendo organizar o final de semana tradicional de verão dos
Trowsdale. — Aiden fez uma investida mas não acertou o conde, que se
esquivou no momento certo.
— Então faça isso. Apenas evite o pessoal de Londres, por causa da
epidemia.
— Não deve ter ninguém em Londres, mais. Só os trabalhadores.
O duque tentou outra investida e sofreu um contra-ataque. Edward atingiu
Aiden no meio da proteção e ele cambaleou para trás.
— Concentre-se, homem. Quero um oponente à altura. Vamos organizar
a caçada, então. Você está com empregados novos, isso não será um
problema?
— Sou o melhor oponente que você pode ter. — Outra investida rebatida
e a espada de Aiden voou para longe. Ele se irritou e arrancou o capacete,
jogando-o longe. — Essa porcaria está me atrapalhando. Posso contar com
sua ajuda para fazer a lista de convidados e organizar as atividades? Quero
chamar todos os investidores possíveis.
— Sabe que sim. — Edward também retirou o capacete, para que
disputassem em total igualdade. Não valia nada, era apenas um treino, mas
dois cavalheiros sempre tinham regras rígidas a seguir. — Você pretende
convidar os Westphallen?
Daquela vez, Aiden não conseguiu defender uma investida de Edward e
foi novamente atingido na proteção.
— Provavelmente não, aquelas filhas são pegajosas.
O duque não gostava da companhia das damas da família Westphallen.
Eram três mulheres jovens, a mais velha tinha vinte e três anos e já estava à
beira da solterice, então viviam em uma saga para conquistar um marido
nobre. Tirando a mais nova, que ainda não fora apresentada à sociedade, as
outras duas poderiam facilmente enlouquecê-lo. Nem pelo respeito ao título
de Miles Westphallen, o Visconde de Whitby, ele desejava tê-las na sua
propriedade por muitos dias.
— Porque você é o mais cobiçado solteiro de toda a Inglaterra,
Trowsdale. — Outra investida de Edward jogou o amigo para trás e o atingiu
no braço, abrindo um corte na pele. Sangue verteu e manchou parte da calça
que Aiden vestia. — Tudo bem, vamos interromper.
— Não precisamos, não foi nada. — Aiden atacou mais uma vez. — Eu
não pretendo me casar com nenhuma das Westphallen. E não quero ser
assediado até a próxima temporada, quando definitivamente escolherei uma
noiva.
— Certo, vamos convidá-las, então. — Edward deu uma risada. A luta
não lhe parecia equilibrada, o duque não tinha nenhuma concentração nos
golpes e não conseguia nem atacar nem defender. — Vou selecionar outras
damas que estejam na região para que venham ao baile, com seus pais
endinheirados e que possam começar a te ajudar a definir teu gosto por uma
esposa.
Aiden já tinha um gosto, e ele continuava em sua língua desde a noite
anterior.
— Não vou escolher uma esposa agora, Edward.
— Certo. Então me explique por que contratou, como sua governanta, a
mulher que esteve doente com você.
O duque não queria explicar nada. Ele nunca explicava suas atitudes para
ninguém, estava acima daquelas necessidades. O amigo sabia disso, porém
estava disposto a perturbá-lo. Aiden hesitou com o florete e quase sofreu
outro golpe.
— Ela precisava de emprego.
— Eu ainda não a vi. Diga-me que ela tem cinquenta anos, uma verruga
no nariz e está ficando careca.
Edward investiu e recolheu a espada, provocando o duque a atacá-lo.
Aiden desferiu um golpe que foi amortecido pela proteção do conde. Ele não
queria falar de Elizabeth, ela o desorientava. Ele estava ali para não pensar
nela.
— Ela não é nada disso. O que te importa se eu contratei um novo
empregado, Edward? Você por acaso é meu contador?
— Sou seu amigo e me preocupo com você. Essa mulher, você a
comprometeu?
— Vá para o inferno. — Aiden investiu novamente. Os homens lutavam
como que em uma dança.
— Praguejar não vai me fazer deixar de me importar. Ah. Também
preciso te avisar, que Lady Eckley voltou do continente. E ela está querendo
notícias suas.
A menção em Caroline Eckley fez com que Aiden se desconcentrasse
ainda mais. Ele investiu contra o amigo, mas o conde foi mais rápido.
Revidou e acertou Aiden novamente. A espada escorregou e a dor que o
duque sentiu naquele momento foi aguda e incapacitante, fazendo com que
caísse ao chão segurando a coxa entre as mãos.
Havia uma perfuração de espada em sua perna direita. Aquilo não podia
estar acontecendo com ele, Aiden se recusava a crer que fora tão imprudente
e inconsequente em uma luta que se permitiu ser ferido pelo melhor amigo.
Era uma brincadeira que eles faziam quase sempre, praticar esgrima era uma
de suas paixões, mas eles nunca se machucaram. Alguns arranhões, que
deixavam a demonstração de força mais interessante, mas um ferimento
como aquele?
Mesmo sentindo muita dor, ele não iria deixar que sua fraqueza ficasse
tão evidente. Reassumiu sua posição ante o olhar apreensivo de Edward.
— Não lutarei com você assim, Trowsdale. — O conde jogou a espada no
chão. — Um cavalheiro precisa saber a hora de parar e você, pelo visto, está
ainda muito afetado pela doença.
— Não seja covarde. — O duque rasgou um pedaço da sua camisa, que
estava pendurada em um cabide, e amarrou no ferimento. — Já nos
arranhamos antes e nem por isso paramos.
— Isso não é um arranhão. Vamos para a sua casa, talvez aquele
conhaque seja uma boa ideia, agora.

A vila próxima a Thanet Bay era bastante movimentada naquele período do


ano. Elizabeth adorou poder acompanhar uma dama novamente,
principalmente em compras. Ela adorava compras, mesmo que nada daquilo
fosse para ela. Apesar dos gastos exagerados dos nobres, ela se sentia mais
feminina ajudando as ladies a experimentarem colares e dando opiniões sobre
tecidos.
Aquilo era fútil, no final. Havia coisas bem mais importantes do que jóias
e vestidos de seda para as mulheres trabalhadoras. Elas tinham que se
preocupar com a comida em suas despensas.
Mas fora divertido perambular com Lady Agatha pela vila, visitar uma
estilista de renome, um joalheiro exclusivo e comprar tecidos para vestidos.
A jovem também quis sapatos e, quando findou a tarde, elas tinham sacolas
demais para carregar.
Também fora providencial que Elizabeth não estivesse na mansão. Os
filhos estavam bem com os demais empregados, vestidos e alimentados, e ela
precisava ficar longe de Aiden Trowsdale. Quanto mais distante daquele
cheiro e daquela presença masculina, mais tempo ela poderia resistir sem
desejar estar em seus braços novamente.
Porque não havia novamente.
— Elizabeth, tem algo que gostaria de perguntar.
A voz de Lady Agatha a tirou do transe e fez com que parasse de divagar.
As duas estavam já dentro da carruagem, retornando para a propriedade. O
veículo estava duas vezes mais pesado com tudo que estava sendo carregado.
— Pois não, milady.
— Como a senhora sabia como meu irmão prefere o chá?
Elizabeth ergueu as sobrancelhas. Seria melhor se não se surpreendesse
por aquela pergunta, se agisse de forma indiferente, mas não conseguiu
evitar. Afinal, se aquela jovem notara alguma coisa em seu comportamento
que a instigara em questionamentos, talvez ela devesse se esforçar mais.
Precisava muito daquele emprego para arriscar.
— Eu servi Vossa Graça durante o período em que estivemos confinados.
A resposta estava acompanhada de um sorriso. Por favor, que ela
acreditasse porque era a coisa mais razoável a se dizer. Ele era um duque, por
que serviria o próprio chá? Ela era uma empregada, o esperado era que
fizesse seu papel. Certamente ela tinha memorizado aquela informação
porque servi-lo lhe deu algum prazer, durante aqueles poucos dias. Porque
era confortável demais estar na presença dele. Mas a lady não precisava
saber.
Aparentemente, a resposta satisfez a curiosidade da jovem aristocrata.
Depois que a carruagem parou na frente da propriedade e os criados
apareceram para carregar as sacolas de compras, Elizabeth decidiu que
deveria retomar suas atividades na casa. Ela precisava inspecionar e
inventariar os quartos. E eles eram muitos.
Pelas orientações de John, o quarto da duquesa ficava na ponta direita da
casa e deveria ser evitado. O mordomo não quis revelar muito sobre os
motivos, mas Elizabeth suspeitou que a mãe de Aiden não fosse uma mulher
fácil de lidar. Para tentar se manter longe daquele problema, ela começaria,
então, pelo lado esquerdo da casa. Só naquela direção havia mais de dez
quartos que precisavam ser vistoriados.
Já estava saindo do terceiro quando ouviu um rosnado. Era mais como o
ganido de dor de um cão, mas ela já fora informada que não havia animais na
propriedade. Outro rugido fez com que ela compreendesse que alguém estava
sentindo dor. E ela podia jurar que reconhecia aquele som.
Tateando as portas e tentando descobrir de onde vinham os ruídos,
Elizabeth acabou aonde ela suspeitava. Aquela era a imponente porta dos
aposentos ducais. Elaborando uma desculpa para invadir o quarto do duque,
caso fosse pega, ela abriu a enorme peça de madeira maciça, que rangeu
melancolicamente.
Dava para ouvir apenas os gemidos de dor que vinham de um quarto
anexo. Elizabeth entrou nos aposentos de Aiden Trowsdale e fechou a porta.
— Geoffrey, eu já disse que…
— Sou eu, Alteza. — Ela o interrompeu, mantendo as costas apoiadas na
madeira. Seu coração ribombava no peito porque ela não sabia o que iria
encontrar ali. Nem mesmo entendia porque estava ali. Jurara que manteria
distância daquele homem mas lá estava, flutuando na direção dele.
— Elizabeth? — Aiden colocou a cabeça para fora do quarto anexo e a
olhou. — O que houve?
— Estava inspecionando os quartos e ouvi vossos… ruídos. Precisa de
alguma ajuda?
— Não. — Ele desapareceu novamente. — Pode retornar para suas
atividades.
— Tem certeza? — Insistiu. — Porque Vossa Graça parece estar sentindo
dor.
Dez segundos de silêncio antecederam à aparição do Duque de
Shaftesbury. Ele estava pálido, com o rosto tomado por gotículas de suor. Seu
peito coberto por uma camisa branca com colarinhos abertos e mangas
dobradas e aquela era a única peça de roupa que o duque vestia. Em seus
quadris, uma toalha manchada de vermelho pendia.
— Oh. — Elizabeth colocou uma das mãos sobre a boca. — O que houve,
Alteza?
— Eu me feri treinando esgrima. — O homem desabou sobre o colchão,
segurando a perna com as duas mãos. Sua expressão de sofrimento era
visível, mas ele tentava manter a voz firme para resguardar sua virilidade. —
Está sendo difícil fazer o sangramento parar.
— Deveria chamar o doutor. — Ela disse. — Vou pedir a Geoffrey que…
— Não quero chamar o Davies para cuidar de um arranhão! — Aiden a
interrompeu. — Se quiser me ajudar de verdade, poderia conseguir um pouco
de láudano.
A mão do duque apontava para o quarto anexo e Elizabeth decidiu ir até
lá. Sabia que ele estava sendo teimoso e arrogante porque homens eram
sempre teimosos e arrogantes quase o tempo todo, principalmente em se
tratando de ferimentos. Nenhum deles queria demonstrar fraqueza, ainda
mais na frente de uma mulher.
Ela se deparou com um banheiro completo e precisou de alguns segundos
para admirar a construção. Nunca vira nada como aquilo, com paredes
cobertas, decoradas, banheira de cobre e todo o sistema de encanamento
necessário. Deveria ter custado uma fortuna ao duque construir aquilo. Havia
um armário de portas de vidro próximo à pia e lá ela encontrou o láudano.
Pegou também um pano limpo e iodo.
Aiden estava prostrado sobre a cama. Sua quase nudez não a espantava
mais, depois de tudo que acontecera durante o confinamento. Ela já tinha
inspecionado aquele corpo em partes e quase podia dizer que conhecia o
bastante de cada detalhe dele.
— Beba. — Entregou o vidro com o láudano ao duque. — E agora me
deixe tratar esse ferimento.
O homem a encarou com alguma incredulidade.
— O que pretende fazer?
Elizabeth não respondeu, apenas ergueu parcialmente a toalha para buscar
o ferimento. Como se o destino ainda não tivesse sido cruel o suficiente com
ela, o corte era profundo e estava na parte interna da coxa direita do duque.
— Se Vossa Graça puder afastar a toalha um pouco, eu farei um curativo.
Ela esperava que ele entendesse que “afastar a toalha” significava manter
suas partes masculinas longe do local onde Elizabeth precisaria trabalhar.
Aiden usou sua mão grande e angulosa para atendê-la.
— E a senhora sabe fazer curativos, Sra. Collingworth?
— Posso apostar que costuro pessoas melhor do que o doutor Davies.
Com um sorriso petulante, Elizabeth rasgou o pano que segurava em duas
partes, embebeu uma em iodo e colocou sobre o corte. Aiden quase saltou da
cama e mordeu o antebraço para não gritar - o láudano ainda não tinha feito o
efeito esperado. Depois que o ferimento estava limpo, ela usou o restante do
pano para enrolar a coxa ferida e manter o sangramento controlado.
— Se o senhor ficar na cama por um dia, creio que não precisará de
pontos. Beba mais um pouco do láudano e durma, Alteza.

Lady Agatha estava no jardim tomando seu chá quando Lady Caroline
Eckley chegou em sua carruagem elegante, ornada em preto, dourado e
vermelho. Fazia bastante tempo que Caroline não visitava Thanet Bay. Ela
passara meses no continente com a família e se afastara do Duque de
Shaftesbury, mas o tempo não fez com que seu interesse nele esmorecesse.
Ao contrário, ela tinha certeza que desejava se tornar a nova duquesa, mesmo
que ela não fosse a mais qualificada pretendente.
Aiden não era um homem que se prendesse tanto às tradições. Na maioria
das vezes ele as desprezava, e era com isso que Caroline contava. Eles eram
bons amantes e ela sabia que o satisfazia. Suas chances eram poucas, mas ela
se agarraria a elas como um caçador à sua presa.
E ela estava ali para revê-lo. Escolheu um vestido de cetim amarelo e
prendeu os cabelos escuros com tiaras ornamentadas em fitas de veludo.
Parte dos seus seios estava à mostra, mesmo que o acabamento de renda
atrapalhasse um pouco a visão. Poucas mulheres tinham noção plena do
poder que os decotes exerciam sobre os homens, mas Caroline sabia bem que
eles dificilmente resistiam a belos seios expostos.
Sua chegada não fora programada porque nunca era. A forma como a
jovem Trowsdale a encarou deu a dimensão de que sua presença ali não era
bem vinda. O que também era comum. Caroline costumava ser pouco
desejada nos espaços da sociedade. O que lhe permitia trânsito fácil era o fato
de ser sobrinha de Granville. Tendo se tornado órfã de pai e mãe ainda
criança, o Marquês assumiu sua criação e, com isso, possibilitou que ela
transitasse pela sociedade.
O que ele não conseguiu prover a ela foi uma criação dentro das regras da
feminilidade. Por vezes, Caroline parecia um homem.
— Olá, querida.
Lady Eckley acenou para Agatha, que não demonstrou nenhuma
satisfação ao vê-la.
— Caroline! Que prazer revê-la, como foi sua viagem pelo continente?
Claro que aquele encantamento era fingido.
— Ah, foi ótima! Aprendi muita coisa com outras sociedades, inclusive
que a nossa é a mais elegante de todas. Os italianos são ótimos, mas os
vestidos… que horror! Muito espalhafatosos.
Os franceses eram muito melhores, mas Caroline achou melhor não
comentar sobre todos os hábitos que faziam os franceses mais interessantes
que os italianos.
— Um dia teremos que combinar um chá para que me conte todas as
fofocas. Preciso saber se é verdade que os homens italianos podem se casar
com mais de uma mulher ao mesmo tempo.
— Por que não começamos essa conversa agora? — Caroline se sentou
em um banco de mármore para os convidados, sem conseguir evitar que seu
olhar divagasse pela propriedade. Ela sabia exatamente em que janela estava
o quarto do duque, mas não havia nenhum sinal dele em lugar algum.
A anfitriã chamou a criada e pediu mais uma xícara para Caroline.
— Seria mais simples se você dissesse logo que deseja ver meu irmão. —
Agatha esticou para ela um olhar de quem sabia, e reprovava, as suas
intenções.
— E ele está? Ele já se recuperou?
— O duque está recolhido em seus aposentos. — Lady Agatha disse, com
o olhar ainda sobre o semblante de Caroline. A jovem Trowsdale era como
uma águia que não deixava passar nenhuma expressão. — Ele precisa
repousar, ainda mais depois de receber uma visita do Conde de Cornwall.
— Claro que precisa.
Caroline sorriu e decidiu que não aceitaria ser enxotada de Thanet Bay. A
família de Aiden tinha bons motivos para saber do envolvimento indecoroso
entre eles, mas ela não se importava. Queria vê-lo, estava ali para isso.
Continuou sentada com Agatha por mais algum tempo, provocando a jovem
lady com assuntos frívolos da sociedade francesa e das mulheres que
arrancavam os pelos do corpo com cera e pinças, até ter certeza que não havia
nenhum movimento estranho na casa.
Fingindo que ia embora, Caroline despediu-se de Agatha e entrou em sua
carruagem. Mas, ao invés de deixar a propriedade, mandou que o cocheiro
desse a volta e parasse na entrada dos fundos. Ela espreitaria a casa até que
escurecesse o suficiente para escapar pela entrada lateral. Por sorte, ela sabia
alguns caminhos para chegar ao quarto do duque.
Capítulo décimo segundo

O RUÍDO na porta fez com que Aiden se animasse. Depois de passar o dia na
cama e ter fingido para os criados que o repouso era orientação do doutor
Davies, ele esperava que Elizabeth voltasse para visitá-lo. Afinal, ela tinha
cuidado dele, dado ordens a ele - e ninguém dava ordens a um duque, então
era desejado que ela retornasse para conferir seu bem-estar. Ela era a única
pessoa que sabia da extensão do ferimento, ele não confiara aquela
informação a mais ninguém.
Ninguém deveria saber suas fraquezas, mas com Elizabeth era diferente.
Quando a porta de seu quarto se abriu, a decepção que abateu sobre o
duque foi evidente. Ver Caroline Eckley ao invés do objeto de seu desejo o
frustrou a ponto de não conseguir segurar uma interjeição de desagrado.
— Olá, meu senhor. — A mulher disse, em baixa voz. — Eu voltei.
Sim, ela tinha voltado. Ele já sabia e aquilo não lhe parecia importante. O
duque mal se recordava de Caroline nas últimas semanas. Não pensou nela
nem lembrou que ela estava em uma viagem pelo continente.
— Estou vendo. O que está fazendo aqui em meu quarto, Lady Caroline?
Como entrou nessa casa sem ser anunciada?
Aiden ajeitou-se na cama, subitamente tomando consciência de sua
nudez. O lençol que o cobria era fino demais para protegê-lo da mulher que
escapava sorrateiramente para dentro do seu quarto. Houve um tempo em que
ele não queria se proteger dela, que ele a receberia em sua cama de bom
grado. Mas Aiden nunca gostou de mulheres que tomavam aquela decisão
por ele.
— Eu já entrei nessa casa sem ser anunciada várias vezes. — Ela piscou,
os longos cílios escondendo a malícia no olhar que lançava ao duque. — Sua
irmã não pareceu favorável a me deixar ver como o senhor está.
— Talvez porque nenhuma dama deva ser recebida no quarto de um
cavalheiro.
Caroline deu uma risada e tentou abafar o som com sua mão enluvada.
Foi até a cama onde Aiden estava e olhou-o de cima em baixo, demorando
um pouco de tempo demais examinando sua virilha. Normalmente ele teria se
levantado e a arrastado para fora do quarto. Mas, estando nu, ele não
pretendia se expor.
— Nós vamos mesmo por esse caminho, Aiden? — Ela finalmente sorriu
e colocou a mão no ombro desnudo dele. As formalidades tinham acabado.
— Sua irmã disse que você está repousando por causa da doença, tem algo
mais que não esteja revelando?
— Caroline, eu não te devo nenhuma explicação. Você pode sair do meu
quarto e retornar para sua casa. Não estou em condições de ter esse tipo de
encontro, agora.
Os dedos dela desceram pelo peito do duque e puxaram o lençol. Antes
que Aiden pudesse tomar o tecido de linho das mãos dela, Caroline deu uma
apreciada no que conseguiu ver. Com os lábios ligeiramente esticados, ela
deu dois passos para trás, sabendo a hora de se afastar. O duque a encarava
com tanta irritação que era um movimento inteligente não estar ao alcance de
suas mãos.
— Você continua em forma, milorde. — Ela passou a língua pelos lábios.
— A doença não afetou em nada esse corpo que eu aprecio. De todos os
lordes e vagabundos de Paris e Roma, nenhum deles tinha tanto vigor quanto
Vossa Graça.
Aiden desejou pular daquela cama e expulsar Caroline Eckley sem
nenhuma elegância. Expor sua audácia por invadir o quarto de um duque sem
ser convidada, anunciada, esperada. Mas ela foi mais rápida e saiu da mesma
forma sorrateira que entrou, fechando cuidadosamente a porta depois de
deixar os aposentos ducais.
Ele não entendera a forma como reagira a ela. Caroline sempre fora uma
boa amante, ela sabia jogos divertidos na cama e o deixava satisfeito
sexualmente. Aiden estava dolorido de desejo há dias, sentindo seu corpo
reagir violentamente à proximidade da governanta sem poder possuí-la. Se
ele tivesse deixado que Caroline ficasse, poderia ter aliviado a tensão que o
incomodava. Mas não, ele sequer considerou compartilhar a cama naquela
noite com uma criatura tão irritante quanto Lady Eckley.
Os motivos para rejeitá-la eram muitos, porém apenas um o impediu.
Aiden recusava admitir que Elizabeth pudesse afetá-lo a ponto de fazê-lo se
fechar para outras mulheres, mas não havia outra explicação para o que
acabara de acontecer.

Havia coisas que os empregados sempre sabiam em uma casa. Uma dessas
coisas era a presença de visitantes inesperados e pessoas passando pelas
passagens escondidas que eram geralmente utilizadas por eles. Quando Lady
Eckley entrou na casa, ela acreditava que estivesse protegida pelo anonimato.
Mas as cozinheiras sabiam exatamente quem ela era e o que ela sempre fazia
perambulando pelas escadas laterais da mansão em Thanet Bay.
Quando Elizabeth entrou na cozinha naquela noite, o assunto que estava
na roda de fofocas das empregadas era exatamente o retorno da amante do
Duque de Shaftesbury.
— Já disse que ela não é amante dele. — Gretha parou de cortar o pedaço
de carne e empunhou a faca na direção de Loretta. — Amantes são mantidas
pelos nobres. Eu até as entendo, o que as motiva. Essa daí não, ela é apenas
uma imoral.
— Não importa o nome que dão. Sei que ela está de volta para a cama de
Vossa Graça depois de desaparecer. Será que ela teve criança e escondeu?
Será que o duque tem um bastardo perdido por aí?
— Por Deus, espero que não!
— O que está havendo? — Elizabeth interferiu porque não entendera
nada do que as cozinheiras falavam. Algo sobre uma mulher na cama do
duque e filhos bastardos fez com que ela se interessasse pelo assunto. —
Estão fofocando sobre a vida privada dos patrões?
— Não é fofoca. — Loretta sussurrou, virando-se para Elizabeth na
intenção de poder falar bem baixo. — É que uma das amantes do duque
estava no quarto dele, mais cedo.
— Não é amante. — Gretha manejou a faca na direção da outra,
indicando sua insatisfação com a escolha imprudente das palavras.
— De quem estão falando? Quem é essa amante?
— Lady Caroline Eckley. Ela é sobrinha de um marquês, mulher fina e
sempre com vestidos tão elegantes. Mas não tem nenhuma moral, nunca vai
se casar porque nenhum homem quer uma mulher como ela.
— Ela sempre frequentou a casa. — Gretha explicou. — Sabemos que ela
e o duque…
A mulher fez um sinal da cruz indicando que não pronunciaria o ato em
voz alta. Elizabeth raramente se envolvia com aquele tipo de mexerico de
empregadas, porém a ideia de que uma amante de Aiden estivesse rondando a
casa a incomodou. O duque estava ferido e repousando, não era possível que
ele estivesse recebendo mulheres em sua cama.
Ela não se surpreenderia com nada que viesse dos homens. Talvez a
melhor estratégia fosse manter-se afastada e atenta, observando os fatos.
— Avisem-me imediatamente se virem essa mulher na casa, novamente.
— Ela ordenou às cozinheiras.
— Sim, Sra. Collingworth. Alguma outra orientação?
— Vamos conferir o cardápio do jantar.
Elizabeth aproximou-se do fogão para conferir o que estava sendo
preparado e se tudo estava conforme suas instruções. A presença de uma
dama do passado de Aiden, no entanto, a deixou incomodada e com um
desejo ridículo de tirar satisfações com ele. Quase riu mais de uma vez por
sequer considerar cobrar qualquer coisa do duque. Ele nunca lhe prometera
nada e ela recusara a proposta que ele fizera.
Sua relação com ele era profissional, apenas.

— O que vai fazer com ele?


Elizabeth estranhou Granger agarrado ao gatinho alaranjado que tinha
começado a rondar a mansão. O bichano já tinha frequentado a cozinha e
ganhando leite e restos de peixe. Mas o criado o estava arrastando para fora
da casa de forma um pouco bruta e aquilo despertou o interesse dela.
— O gato está miando muito e está incomodando a duquesa. — O
menino disse, um pouco constrangido. Elizabeth se aproximou dele e pegou o
gatinho no colo, mas ele estava arisco. — Ela pediu que alguém desse um
jeito no bicho.
— Certo. Vamos dar um jeito, então, de mantê-lo alimentado para que
não precise miar. Não é isso?
Granger não entendeu muito, mas não insistiria. Elizabeth era a chefe dos
criados, ele não deveria desacatá-la. Achou melhor concordar e se retirar
enquanto a mulher levava o bichano para o quarto que ocupava. Lá estava
Peter e ele adorou cuidar do gato de forma definitiva. Assumiu a
responsabilidade de tratar do animalzinho e deveria mantê-lo por perto
sempre que possível.
— Aonde está seu irmão? — Ela deu falta do filho mais velho.
— Patrick está nos estábulos. Ele foi lá com o filho do cavalariço, eles
estão amigos agora.
Elizabeth entendia de onde os filhos tiravam o amor por animais. Ela
sempre cuidava dos cães sarnentos que apareciam eventualmente e dos gatos
perdidos pelos becos. Patrick era fascinado por cavalos e passava horas
admirando as carruagens e cavaleiros que passavam pelas ruas de Londres.
Mas ela temia que ele se metesse em confusão, fazendo algo que o duque
desaprovasse. Precisava lembrar sempre que aquele trabalho era muito
importante para eles.
Ajeitou as saias e foi até os estábulos. Manter-se longe da casa parecia
sempre uma boa ideia, pois ela ainda não tinha cruzado com a duquesa e
esperava não fazê-lo tão cedo. Gretha e Loretta já tinham fofocado que ela
era cruel e adorava maltratar os empregados. Elizabeth lembrou que ouviu
algo como pacto com o tinhoso e apadrinhada por Satã para definir a mãe do
duque. Talvez fosse exagero, ela apenas não queria tirar a prova.
Os cavalos, aqueles eram magníficos. Um jovem escovava um puro
sangue castanho do lado de fora e seu filho estava ali, observando. Ela
levantou a saia para não sujar a barra e caminhou até ele, mas acabou
atolando o sapato em uma poça de lama causada pela água que escorria pelo
campo.
— A senhora está bem? — Um homem a interpelou, vendo-a praguejar
baixinho por causa do sapato arruinado. Elizabeth ergueu o olhar.
— Sim, foi apenas um acidente. Agora terei que trocar o sapato e não
tenho muitos pares sobrando.
— Deixe-me ajudá-la. — O homem ofereceu a mão para que ela apoiasse
e saísse da lama. — Sou James Hodges, o cavalariço do Duque de
Shaftesbury.
— Elizabeth Collingworth, a nova governanta.
Na sociedade, ela jamais se apresentaria a um cavalheiro. Jamais aceitaria
a mão dele se não tivessem sido apresentados primeiro, talvez apenas para
salvar sua vida. Como eram apenas empregados e, para eles, a sociedade era
outra, Elizabeth não se importou. O Sr. Hodges era um homem por volta dos
trinta e cinco, com cabelos escuros que continham alguns fios prateados, pele
marcada pelo sol e ombros largos, típico dos homens trabalhadores. Talvez
ele não fosse bonito, mas o sorriso em seus lábios era cativante. Ao menos
tinha todos os dentes na boca.
— O menino é seu? — Hodges indicou Patrick, ainda fascinado pelo
cavalo.
— Sim, ele adora animais. Espero que não esteja incomodando.
— Não, pode deixá-lo. Meu Reggie pode ensinar algumas coisas a ele, se
a senhora não se importar, e ele ajuda nos estábulos.
— Ah, seria uma ótima ideia. — Ela sorriu de volta para Hodges e o
momento ficou um pouco constrangedor. Era hora de se afastar. — Bem, vou
retornar para a casa. Obrigada por aceitar meu menino. Qualquer coisa, fale
comigo.
O cavalariço fez uma reverência com um chapéu que ia colocar na cabeça
e ela se afastou na direção da mansão. Aquele fora um encontro bem
esquisito. Se fosse em outra ocasião, como em uma taverna, Elizabeth
poderia supor que o homem flertara com ela. O comportamento foi de flerte,
mas certamente ela estava enganada.
Apesar de que não se importaria em ser cortejada por um homem
trabalhador como aquele. Claro que Hodges era casado, tinha até mesmo
filho, mas ele poderia ser um bom marido para ela. Tinha seus atrativos e um
emprego que deveria pagar um salário mais digno do que o de outros homens
nas docas. Um bom partido, era como chamava.

Ficar na cama era a maior punição que Aiden poderia sofrer por sua
inconsequência. Foram dois dias parados, sem poder descer as escadas,
esperando cumprir as ordens da governanta. Desde que Lady Eckley deixou
seu quarto, a única pessoa que viu foi o criado Geoffrey. Agatha esteve em
seu quarto logo depois do chá, mas ele fingiu que estava tudo bem e ela não
retornou. E Aiden ficou ali, pensando em caçadas, bailes e casamento.
A caçada era sua parte preferida. Adorava se embrenhar na floresta e
fazer uma atividade coletiva e social que não representasse uma interação
muito delicada, já que Aiden tinha péssimo jeito com as palavras. Os bailes
ele organizava mais por causa de sua mãe. Eram a única ocasião em que a
duquesa aparecia em público, mesmo que por pouco tempo. Não que ele
adorasse bailes, mas às vezes ficava feliz em ao menos ver a mãe.
Já o casamento, aquele ele gostaria de poder esquecer.
Aiden não queria se casar. A próxima temporada parecia perto demais,
nenhuma das damas solteiras que ele conhecia o interessavam. Talvez
houvesse alguma que ele não conhecesse, provavelmente a ideia de Edward
era boa - naquele período do ano, havia moças de todas as partes da Inglaterra
espalhadas por Kent, era possível que Aiden encontrasse alguém.
Ou o problema podia ser que ele já tivesse encontrado.
Mesmo que ninguém o tivesse visitado além de Caroline Eckley, a única
pessoa que ele quis ver fora Elizabeth. Estava insatisfeito porque Geoffrey
lhe banhara, mesmo sabendo que era aquela a função do criado. Estava
insatisfeito porque ela não apareceu mais para fazer uma inspeção fingida nos
aposentos, usando aquela desculpa para vê-lo. Estava insatisfeito porque seu
corpo sentiu falta dela assim como sua mente.
A pior parte de tudo foi espreitá-la do lado de fora. Por duas vezes,
acompanhada por Hodges. O que diabos o cavalariço queria com a sua
governanta? Alguma coisa ferveu dentro dele e tudo que ele pode fazer fora
desejar transformar o homem em sua caça, levá-lo até o galpão e surrá-lo,
mas não faria nada daquilo. Aiden Trowsdale não perdia a linha por causa de
uma criada.
Naquele dia, quando acordou cedo demais porque não aguentava mais
dormir, ouviu o barulho das crianças. Aiden não tinha notado a presença dos
filhos de Elizabeth naquela casa, ainda, mas eles gritavam do lado de fora e
aquilo aguçou a curiosidade do duque.
Não chamou o criado, apenas levantou-se e vestiu a calça e a camisa
branca. Dispensou o colete e o casaco, pressentindo o calor do lado de fora, e
desceu. Quando Geoffrey o viu, ficou agitado e preocupado, já que o duque
não havia solicitado sua presença.
— Vossa Graça precisa de algo? Devo mandar servir seu desjejum?
— Está tudo bem, Geoffrey. Eu só precisava sair da cama, estou me
sentindo ótimo. Onde está minha irmã?
— Dormindo ainda, Alteza. Ela pediu que avisasse que hoje terá amigas
para o chá das cinco e que solicita os serviços da Sra. Collingworth para si,
durante todo o dia.
Ah, mas ele não estava nada interessado em passar outro dia sem ver
Elizabeth. Só não podia deixar que percebessem.
— Certo. Peça à Sra. Collingworth que venha me ver e traga a comida.
Conversarei com ela.
O criado assentiu e moveu-se na direção da cozinha. Aiden se sentiu
subversivo e decidiu dar um passo além.
— Geoffrey.
— Pois não, Alteza.
— Mudei de ideia. Vou comer na sala privativa. Peça que meu desjejum
seja servido lá, e que eu não seja incomodado.
A sensação de que faria algo proibido, algo muito secreto, encheu seu
peito de ansiedade. Por mais que Aiden tivesse sido criado de uma forma
menos convencional por seu pai, mesmo que ele não fosse fosse um daqueles
nobres que zelasse pela moralidade imaculada, ele não costumava fazer
muitas coisas erradas. Ele tinha sua quota de libertinagem porque podia. Ele
era um duque, era um homem, ele poderia ter vinte amantes espalhadas pela
Inglaterra e pela Escócia e ninguém criticaria sua moral.
Fora isso, Aiden era correto. Ele se esforçava para levar adiante o legado
de seu pai. Os desejos de sua mãe doente, que não eram poucos. As loucuras
de sua irmã. Mas ali, enquanto se dirigia à sala privativa, seu espaço
particular, onde estavam seus livros mais queridos e o sofá já tinha a marca
de seu corpo, o duque se sentiu como um menino travesso.
Minutos depois que se sentou e abriu um livro, apenas para fingir que não
estava antecipando demais a chegada dela, Elizabeth entrou na sala com uma
bandeja. O cheiro de camomila preencheu o ambiente, porém Aiden preferia
gardênias.
— Deseja me falar, Alteza?
Ela perguntou enquanto colocava a comida sobre uma mesa redonda. A
lareira da sala não estava acesa, mas fazia muito calor naquela manhã. Ou era
apenas o duque que se sentia quente, ainda.
— Minha irmã precisa de seus serviços hoje. Peço que atenda-a. A
senhora… está bem acomodada na casa?
Elizabeth serviu o chá, colocou o açúcar e o leite. Ela não se virou nem
olhou para ele enquanto servia um prato com torradas e geleia fresca. Fazia
tempo que Aiden não comia geleia.
— O quarto que ocupamos é melhor do que merecemos. Vossa Graça foi
muito gentil.
Fechando o livro, Aiden levantou-se e sentiu uma pequena fisgada no
ferimento. Aproximou-se da mesa, ou dela, não tinha certeza, e sentiu quando
Elizabeth travou os músculos. Ele não queria que ela o repelisse. Precisava
que ela tivesse sentido falta daquele contato tanto quanto ele.
Segurando a xícara, ela se virou. Parecia uma tentativa não muito
eficiente de colocar alguma coisa entre eles. Aiden pegou o objeto com as
duas mãos e depositou sobre a mesa. Depois, levou os dedos até o queixo de
Elizabeth e ergueu sua face. Ela finalmente olhou para ele, o azul mais
límpido que ele já vira. Nenhuma paisagem do lado de fora concorria com
aquele brilho.
— Seu chá vai esfriar. — Ela murmurou.
— Esperei te ver, durante esses dias. — Ele confessou. — A senhora
esteve no meu quarto quando me feri, então pensei…
— Alteza. — Elizabeth baixou novamente o olhar. — Eu pensei que
estivéssemos de acordo sobre isso. Que eu não serei sua amante.
— Estamos de acordo. — Ele fingiu concordar. Aquela tinha sido uma
decisão dela que ele respeitava, porém esperava que Elizabeth mudasse de
ideia. — Ao mesmo tempo, eu ansiei pela senhora. Quis ouvir histórias.
Saber mais sobre sua vida. Fiquei observando pela janela enquanto a senhora
cuidava de tarefas que não são suas. Geoffrey comentou sobre como a
senhora é cuidadosa e respeitosa. Eu a vi caminhar com Hodges e brincar
com as crianças. Não sei como cumprir esse acordo se eu não estou
conseguindo parar de pensar em…
Ah, o proibido. Era difícil até mesmo completar as frases. Nem ele, nem
ela, conseguiam ser explícitos naquilo que não compreendiam.
— O senhor esteve ocupado nesses dias. Não seria prudente interromper.
— Ocupado? — O duque ergueu uma sobrancelha enquanto analisava
superficialmente a expressão da governanta. — Eu passei dois dias na cama,
por sua orientação. Não havia nada…
— Alteza. — Elizabeth o interrompeu. Ela tinha aquela mania inaceitável
de interrompê-lo, porém ele não se aborrecia com isso. — Os criados sabem
tudo que acontece em uma casa. Não é porque nos silenciamos que não
saibamos. Eu não ousaria retornar ao seu quarto e deparar-me com uma
mulher em sua cama.
Maldição. Ela sabia sobre Caroline, e sabia tudo. Certo que as camareiras,
as cozinheiras, as arrumadeiras fofocavam. Ele só não tinha considerado que
Elizabeth era uma delas e acabaria descobrindo seus segredos não tão
secretos.
— Não havia esse risco. — O duque confessou, por fim.
— Ela não é sua amante? — A suavidade da voz dela não escondeu a
crudeza da pergunta. Nem a latente mágoa em sua face. — Não é uma mulher
que compartilha sua cama e…
— Elizabeth. — Foi a vez dele interrompê-la. Aproximou-se e segurou a
mão dela, colocando-a sobre seu peito. — Eu e Caroline, o que tenha havido
entre nós ficou no passado. Ela não demonstrou ter entendido isso, portanto
precisei ser mais claro com ela. Ela esteve em meu quarto, mas foi embora
logo em seguida.
O governanta olhou para baixo. Por alguns segundos fez-se tanto silêncio
que era possível ouvir as respirações dentro da sala.
— Não há nada entre nós. — Aiden reforçou sua afirmação. Elizabeth
não parecia acreditar no que ele dizia. Não havia motivos para que ela
acreditasse. Ele sempre fora um devasso. Qualquer mulher que se
aproximasse seria rotulada de amante. Ainda mais uma que invadia seu
quarto sorrateiramente.
— Se houvesse, não seria de minha conta. — Ela ergueu o olhar e havia
uma nota de desapontamento no azul translúcido que encarava o duque. —
Eu não deveria questionar o que ocorre em sua vida privada. Quanto ao
ferimento, o senhor está bem?
Aiden quis gritar que não. Ele não estava bem porque um mal entendido
atrapalhou o momento que ele planejara. A presença indesejada de Lady
Eckley fora notada pelos empregados. Por Elizabeth. E ele estava ali, como
um jovem tolo tentando se explicar para sua governanta sobre as mulheres
que não frequentavam mais a sua cama.
Aquilo estava errado. Aiden era um duque, não devia satisfações a
ninguém. E ele queria ajoelhar à frente dela e implorar que ela acreditasse
nele.
— O ferimento foi superficial. A senhora exagerou nas recomendações
— Voltou a sangrar depois que saí?
— Apenas quando me levantei à noite, logo parou.
— Não parece tão ruim. Eu fiquei preocupada.
Ali estava a rendição que ele esperava. Que ele desejava, quando pediu
para que ela fosse conduzida à sala privativa. O duque queria saber se
Elizabeth pensou nele. Se ela se preocupou com ele. Não apenas porque viu
uma mulher de moral duvidosa se esgueirando pela casa.
E então ele estava tão próximo dela que sentia a respiração morna de
Elizabeth. Ela parecia hesitante.
— Eu pedi que viesse aqui porque eu precisava te ver. Se quiser, eu me
afasto e a senhora retorna para suas tarefas.
Ela não se moveu. Não disse nenhuma palavra, não resistiu à
proximidade, não deu um passo para trás. Ao contrário, colocou as duas mãos
na camisa que ele vestia, ajustou o lenço no pescoço e fechou um botão que
estava aberto. Depois, ergueu o olhar e quase foi engolida pela escuridão.
Aiden sabia que a encarava com desejo demais, só não conseguia evitar.
— Desculpe, Alteza, mas eu não sei como fazer isso.
— O que seria isso? — Aiden levou a mão até a cintura dela e a puxou
para perto. Os corpos trombaram, o cheiro dela era tudo que ele conseguia
sentir. A outra mão retirou uma mecha de cabelo da testa de Elizabeth.
Desceu pela face, deslizando suavemente os dedos pela tez macia e suave até
os lábios, que estavam vermelhos. Intensidade, era aquilo que ele admirava
tanto nela. Tudo em Elizabeth pulsava como se ela inteira fosse um vulcão
prestes a entrar em erupção. Consciente apenas do seu desejo, o duque levou
sua boca até a dela.
Não fora um beijo, apenas um roçar de lábios. Ela ficou imóvel, a
princípio.
— Isso. — Elizabeth murmurou novamente. — Não sei como fazer isso.
— Parece que sabe muito bem.
Ele a beijou novamente. Daquela vez, Elizabeth segurou-o pela camisa e
forçou o contato mais íntimo de seus corpos. A boca dela se abriu para
receber a língua quente que a invadia. A sensação de beijá-la era algo que
Aiden ainda não sabia descrever, talvez algo que ele nunca sentira antes. Ela
tinha uma textura única, um gosto singular, um toque indescritível. Era como
se ele estivesse beijando pela primeira vez.
Capítulo décimo terceiro

E LA PROVAVELMENTE ESTAVA FICANDO LOUCA . Abandonar a prudência nunca


levava a resultados desejáveis, Elizabeth sabia bem que precisava manter
distância de Aiden Trowsdale. Aquele homem era para ela como a cerveja
para os homens das docas - um alívio para os dias de trabalho intenso e uma
droga poderosa para derrubá-los quando a vida estivesse difícil demais para
lidar. O duque era como aquela droga, que a incapacitava e atrapalhava a
clareza de seus pensamentos.
Então o que estava fazendo ali? Com ele, naquela sala? Por que não ouviu
o comando e saiu, recatada como deveria, voltando para seus afazeres até que
fosse solicitada pela lady? Por que ela deixou que ele a beijasse, ou por que
ela queria tanto que ele a beijasse?
Porque ela queria. Porque sentira a falta dele durante os dias em que o
duque se manteve recluso. Porque, cada vez que ela ouvia alguém falar sobre
ele naquela casa, era algo bom, algo interessante. Porque ela aprendera mais
sobre o Duque de Shaftesbury e seus trabalhos de caridade e ficara tocada
com tanta bondade. Porque, mesmo que ela quisesse se convencer de que ela
não o desejava, Elizabeth sabia que era mentira.
Enquanto as línguas se enroscavam e alguns gemidos de desejo eram
reprimidos, Elizabeth sabia que tinha que se afastar. Nada bom poderia
resultar de seu envolvimento com o duque, tinha certeza. O problema era que
seu coração, que batia fora de ritmo, parecia discordar.
— Talvez eu deva retornar para meu trabalho. — Ela balbuciou, sem
força alguma na voz. Tudo que saía de sua garganta eram gemidos de prazer
ao sentir a língua dele na sua. Interromper o contato dos lábios parecia algo
muito errado de se fazer.
— Agatha está dormindo. — Aiden colou a testa na dela. — E eu mandei
que não me interrompessem.
Ela se assustou. Aquilo parecia muito mais imprudente do que ela estava
disposta a suportar.
— Por que fez isso? Os empregados vão desconfiar.
— John é meu mordomo há décadas. Ele cuida dessa casa há muito
tempo, confio nele. Assim como Geoffrey. — As mãos dele estavam em suas
costas, descendo e subindo em uma carícia delicada. Ela continuava agarrada
ao colarinho de sua camisa como se sua vida dependesse daquele contato. —
Mas eu não quero forçá-la a nada, Elizabeth. Eu não me aproximarei da
senhora novamente se for isso que desejar. A senhora pode preferir a
companhia de outro homem, mas eu fico louco quando te vejo.
Ah, ele ainda era um cavalheiro. O duque tinha todas as ferramentas para
subjugá-la, mas ele preferia que ela concordasse. Que fosse consensual, que
fosse por prazer.
— Eu não sei o que quero. — Ela confessou e o rubor cresceu por suas
bochechas. — Também não consegui parar de pensar no senhor, mas sei que
não devo. Nem mesmo conheço outros homens por aqui, e eu jamais quis a
companhia masculina depois que meu marido faleceu.
— A senhora pareceu apreciar a aproximação de Hodges.
Oh. Ela temeu que sua proximidade com o cavalariço pudesse lhe causar
problemas. Não que houvesse realmente alguma coisa errada em conversar
casualmente com outro empregado. Por dois dias, ele se mostrou uma
companhia agradável e interessado em Patrick. Não se confundia, no entanto,
com o desejo vulgar que sentia por Aiden.
— Ele é um homem gentil. Mas estávamos apenas conversando sobre
Patrick, ele tem cuidado do meu filho mais velho, ensinado muitas coisas
sobre cavalos e dado a ele uma atenção masculina que o menino não tem.
O duque estava então tenso sob seus dedos. Eles continuavam muito
próximos, ela sentia a respiração dele em sua pele, as batidas irregulares do
coração, o calor que emanava daquele corpo masculino. Ele não disse nada,
apenas fechou os olhos por alguns segundos e, quando os abriu novamente,
era como se a escuridão da noite estivesse dentro deles.
— Tenho uma sugestão, se me permite. — Aiden se aproximou dos
ouvidos dela e sussurrou. — Sei que não aceita se tornar minha amante, mas
podemos não fugir um do outro. Nem fingir o que sentimos. Prometa-me que
dará sinais se por acaso desejar minha companhia novamente. Eu farei o
mesmo. Ninguém precisa ficar sabendo.
Elizabeth afastou-se alguns centímetros. O que ele propunha era bastante
perigoso e excitante. Ela poderia demonstrar que o desejava e ele a atenderia.
Ela teria direito de escolher, de solicitar, e um duque - aquele duque - estaria
disposto a satisfazê-la. Parecia uma proposta irrecusável. Mas não era muito
diferente da anterior. Ela acabaria na cama dele e, depois, substituída por uma
esposa ou outras amantes.
— O que é esse lugar? — Ela desviou o assunto.
— Minha sala privativa. — Aiden olhou ao redor. Os dois ainda estavam
muito próximos, grudados. Elizabeth soltou a camisa dele e ajeitou-a para
eliminar os amassados. Depois ajeitou a própria saia e os cabelos, na intenção
de não parecer que tinha sido beijada.
— Ainda não consegui inventariar todos os cômodos. Vossa Graça tem
muitos livros. Gosta de ler?
— Sim, sempre li muito. E a senhora, lê?
— Adoro ler. Eu poderia passar horas entretida com um livro, se tivesse
horas disponíveis para isso.
— Claro que a senhora adora. — O duque sorriu e caminhou até a estante
que ocupava uma parede inteira. Examinou alguns volumes com
encadernamento azul escuro e letras douradas e pegou um nas mãos.
Entregou a Elizabeth depois de soprar um pouco de poeira da capa. — Pegue
esse, é um romance. Agatha costuma adorar o estilo, a senhora
provavelmente também gostará.
Com um sorriso tímido e bochechas vermelhas de tanta vergonha,
Elizabeth aceitou o livro e passou os dedos pelo baixo relevo do título. Ela
adorava romances, mesmo que eles a fizessem sonhar com amores que ela
não teria. Desde que conhecera o duque, já vinha sonhando com coisas que
não podia ter, mesmo.
— Devo mesmo retornar. Continuo não podendo aceitar sua proposta,
Alteza, mas obrigada pelo livro.
A forma como ele sorriu, antes dela se virar, indicou que Aiden estava
magoado. Outra recusa dela certamente era uma afronta à sua masculinidade
e provavelmente ele desistiria de insistir. Tentando não demonstrar sua
ansiedade, Elizabeth voltou para a cozinha, onde pretendia estabelecer o
cardápio do dia e determinar as tarefas das arrumadeiras. Teria pouco tempo
até Lady Agatha acordar, portanto precisava ser ágil.
Falhou em quase tudo. Seu corpo ardia e seus músculos não respondiam
adequadamente aos seus comandos. A boca tinha memória, continuava
sentindo o doce toque e sabor de Aiden sobre ela. Poderia ser muito fácil
sucumbir ao duque, mas era quase impossível fingir que nada tinha
acontecido. Que ela não estava completamente dominada por sensações que a
embriagavam como uísque.
Não, ela estava equivocada. Seus sentidos estavam exageradamente
aguçados, sua pele extremamente sensível, seu corpo muito desperto. O
duque não a entorpecia, ele libertava sensações dentro dela.

Havia bagunça do lado de fora, no quintal, e Elizabeth decidiu intervir. Os


filhos dela tinham feito amizade com os filhos de alguns arrendatários e
estavam brincando nos arredores da mansão, um pouco escondidos próximos
ao estábulo. A gritaria estava sendo ouvida da cozinha. Preocupada que eles
pudessem incomodar, foi até onde eles jogavam para pedir que se afastassem
mais ou fizessem menos algazarra. Como a duquesa não admitia nem mesmo
o miado de um gatinho, as crianças certamente eram barulhentas demais.
Fechou o romance que ganhara de Aiden Trowsdale, um pouco
aborrecida por interromper sua leitura em uma parte tão interessante do livro.
A jovem dama estava prestes a ser cortejada pelo vigoroso nobre e ela queria
saber como aquilo se desenrolaria. Mas precisava interferir na brincadeira dos
meninos.
A medida em que se aproximava, uma voz diferente chamou a sua
atenção. Não era infantil e Elizabeth podia jurar que ouvira aquele som em
seus ouvidos algumas vezes. Não estava enganada, os meninos jogavam com
outras três crianças e, no meio deles, estava o Duque de Shaftesbury. Em toda
a sua magnitude, o nobre tinha as mangas da camisa dobradas, segurava um
taco e ensinava os pequenos arruaceiros a melhorarem suas habilidades no
jogo de rounders.
Ela gastou alguns segundos olhando para ele. Não conseguiu se mover
enquanto o duque conversava com os meninos e empunhava o taco, exibindo
o bronzeado de seus antebraços. A camisa também tinha dois botões abertos,
exibindo alguns fios escuros do peito esculpido que ela já havia visto vezes
demais. A presença do duque era tão impactante que Elizabeth não conseguia
prestar atenção em nada além dele.
— Alteza. — Ela se aproximou. — Se eles estiverem incomodando muito
vou pedir que joguem em outro lugar.
— Não incomodam. — Aiden deu uma tacada na bola e os garotos
continuaram o jogo, correndo pelas bases. O duque afastou-se um pouco. —
Na verdade, vi que eles precisavam melhorar a pegada no taco e vim orientá-
los. Eu não estou acostumado com crianças ao redor. Eles possuem bastante
energia, não é mesmo?
— Até demais. — Elizabeth riu e percebeu que o duque se aproximou
dela, ficando ao seu lado.
— Eu gostaria de ir até a praia, amanhã. Seus meninos conhecem o
litoral?
— Eles nunca saíram de Londres, Alteza. É o primeiro contato que têm
com o campo, por isso estão tão animados. A vida aqui parece muito mais
saudável para eles.
— Com certeza é. Londres tem seus encantos, mas nada é como o litoral.
— Aiden continuava observando o jogo enquanto conversava. — Está
decidido. Providencie que estejam prontos para o passeio amanhã. Depois
não terei muito mais tempo, já que precisamos organizar um baile que dura
um final de semana inteiro.
Elizabeth virou-se e encarou o perfil severo do duque. Sua face angulada
e masculina estava suavizada por um sutil sorriso que pousara em seus lábios.
Ele tinha os braços cruzados no peito e observava as crianças com diversão
no olhar. Ela não acreditava no que estava ouvindo.
— Vossa Graça os está convidando para ir à praia?
— Sim, por que isso te espanta? — Ele também se virou para ela e quase
a engoliu com seus olhos de obsidiana. — Estou convidando vocês. Gostaria
que a senhora também estivesse no passeio.
Ela escondeu a boca com a mão para que ninguém percebesse que estava
estupefata com aquele convite.
— Como sua criada, devo dizer que isso é bastante inadequado. Os
patrões não convidam empregados para passeios, Alteza.
— Acho que eu tenho o poder de decidir o que é ou não inadequado em
relação aos meus criados.
— Lamento informar mas, infelizmente, Vossa Graça não tem esse poder.
O duque rosnou baixo e voltou a olhar para a frente, para os garotos. Ele
certamente estava chateado. Homens poderosos sempre ficavam aborrecidos
quando descobriam que seu poder era limitado.
— Certo. Mas talvez eu esteja ansioso demais pela sua companhia.
Perdoe-me.
Aquela confissão era tudo que ela desejava dele, porém a deixava em uma
posição desconfortável. Elizabeth tinha certeza do que decidira, porém sentia-
se mal em aceitar investidas do duque mesmo depois de recusar ser sua
amante. Mesmo assim, ela não conseguia evitar.
— Estaremos prontos para o passeio.
Elizabeth agradeceu e retornou para a casa. Seu coração continuava
disparado e aquilo não podia ser saudável. Elizabeth considerou se
sobreviveria àqueles meses na mansão de Thanet Bay, já que ela mantinha
uma taquicardia permanente desde que vira Aiden Trowsdale pela primeira
vez. Pelo menos ela teria distração com Lady Agatha pelo restante do dia e
poderia tentar não pensar naquele homem por pelo menos algumas horas.

A paz em Thanet Bay tinha acabado. Ao menos foi o que Myrtle Trowsdale,
a duquesa viúva, determinou enquanto se aproximava da janela para ver o
que significava aquela algazarra. Ela odiava barulho e odiava ainda mais
barulho de crianças. Não havia crianças na mansão, ela sempre deu ordens
expressas aos criados para não permitirem que os filhos dos arrendatários
chegassem a menos de um quilômetro da casa. Mas não tinha dúvidas, aquela
gritaria indicava que suas ordens não eram mais cumpridas.
O motivo ficou claro quando percebeu Aiden no meio da confusão. A
doença deveria tê-lo prejudicado intelectualmente, pois o ranzinza do seu
primogênito não era dado àquele tipo de atividade. Também não era dado a
crianças. Ela tinha certeza que Aiden só lhe daria um neto pela extrema
necessidade de produzir um herdeiro.
— Emma. — A duquesa chamou e a criada entrou no quarto em menos
de dois segundos. — Quem é essa mulher com meu filho?
A criada não entendeu o que dizia a duquesa. Ajeitou a touca e passou a
mão na saia, nervosa.
— Que mulher, Alteza?
— Venha aqui e veja, sua inútil.
Mais do que depressa, a criada se aproximou da janela e viu a governanta
conversando com o duque. A forma como estavam dispostos era bastante
incomum entre um patrão nobre e uma empregada, mas Emma não se
surpreendia mais com nada naquela casa. Os Trowsdale não eram muito
tradicionais.
— É a Sra. Collingworth, a nova governanta. Vosso filho não lhe
informou, Alteza?
— Não estou sabendo de governanta alguma. Por que ele a contratou? De
onde veio essa mulher?
Emma explicou à duquesa sobre o confinamento do duque e da Sra.
Collingworth durante a doença, sobre ela estar desempregada e sobre os
filhos que precisavam de abrigo. Falou sobre a experiência com os
Pensington e estava até mesmo entusiasmada em contar sobre como a
governanta geria bem a cozinha e tratava bem os empregados.
— Quero conhecer essa mulher. — A duquesa disse, mais para si mesma
do que para a criada.
— Vossa Graça deseja que mande chamá-la?
— Não, eu vou descer para o chá de minha filha, hoje. Avise a Lady
Agatha que estarei presente, mas não conte à governanta. Não quero que ela
saiba, prefiro surpreendê-la.
Com um aceno de concordância, a criada tratou de deixar o quarto da
duquesa o mais rapidamente possível. Aquele era o covil do diabo, ninguém
gostava de passar mais tempo do que o necessário. E, logo, o próprio
demônio iria sair para passear, o que era muito incomum - a duquesa não saía
de seu quarto a não ser nos poucos bailes oferecidos pelo filho.
Mas ela precisava descobrir sobre a mulher que estava em sua casa.
Durante cinco ou dez minutos, ela viu seu filho reluzir como o sol e não era
pelo astro rei que brilhava imponente no céu. Ela era uma mãe, claro que
sabia tudo sobre seus filhos. Não era difícil perceber que Aiden estava
flutuando ao redor daquela criada e aquilo era muito preocupante. Myrtle
tinha que tomar alguma providência e não podia esperar mais um dia.

— Eu convidei Lady Anne, Lady Sarah e Lady Madeline para o chá das
cinco. Elas são divertidas, mas um pouco travessas. Aiden não gosta muito
delas, na verdade… ele não liga para Anne, mas acha Sarah e Madeline muito
atrevidas. “Não chame essas Westphallen para a casa, elas são irritantes”.
A jovem Agatha tagarelava enquanto finalizava seu desjejum, na
companhia da governanta. Elizabeth tinha habilidades de tomar notas mentais
das tarefas que precisava cumprir, mas precisava que elas fossem ditadas com
um pouco menos de rapidez. Frear a irmã do duque, no entanto, parecia uma
difícil missão. Agatha tinha a jovialidade dos seus filhos.
— Mas a senhorita as convidou assim mesmo, porque o duque não lhe diz
o que fazer. Certo, milady?
— Certíssimo. A senhora compreende as coisas rapidamente, gosto disso.
— A dama sorriu. — Quero que mande preparar bolos e biscoitos para o chá.
Quando estamos apenas nós, as mulheres, podemos comer sem que critiquem
nosso apetite. Ah. E quero que me ajude na organização das brincadeiras para
o baile. Sei que Aiden está programando uma caçada, e o baile é quase um
evento de negócios. Ele e Edward adoram reunir gente para falar coisas sobre
política, investimentos e outros assuntos masculinos, mas eu e as mulheres
podemos nos divertir. Pensei em alguns jogos para nos entreter e precisarei
de ajuda.
Eram muitos eventos em tão pouco tempo, mas Elizabeth estava
acostumada. Chá naquele dia, baile, jantar - e uma casa cheia de convidados.
E ela só pensava em um dia na praia ao lado do duque. Pensava que teria paz
naquele dia de afazeres, porém não conseguia se desconectar de nenhum dos
momentos vividos ao lado de Aiden Trowsdale.
Nem quando alimentou seus filhos, ou mandou que eles fossem para o
quarto se lavar depois de um dia inteiro jogando rounders com os vizinhos.
Nem quando ajudou as cozinheiras a fazer uma receita nova de biscoitos, ou
a arrumadeira a fazer um inventário das almofadas dos quartos de hóspedes,
que poderiam ser ocupados em breve. Também não conseguia parar de sentir
as mãos dele ao seu redor ou os lábios dele em sua pele nem quando ajudou
Granger, o jovem criado que tanto lhes auxiliou na estalagem, a carregar
lenha para dentro da casa.
Elizabeth não precisava fazer muitas das coisas que fazia, mas ela tinha
que se ocupar para não sucumbir à tentação de procurar o duque. Ou de
sonhar com ele enquanto estivesse acordada. Antes do horário do chá ela se
lavou e vestiu roupas limpas. Lady Agatha havia solicitado sua presença
durante o período em que suas convidadas estivessem na casa, então ela
precisava estar apresentável. Colocou sua melhor saia xadrez com sua camisa
branca de babados e prendeu os cabelos debaixo da touca de renda.
Não havia ninguém que lhe trançasse os cachos dourados, então pensara
em Aiden outra vez. Em como ele segurou seus cabelos entre os dedos e os
ajeitou em tranças frouxas durante aqueles dias confinados.
As convidadas de Lady Agatha chegaram por volta das dezesseis e trinta.
Uma carruagem preta com ornamentos dourados e dois cavalos também
pretos e magníficos trouxe as irmãs Westphallen. Outra carruagem, toda preta
e cinza, carregava a Srta. Anne Brighton. Elas eram falantes e animadas e
espalharam as enormes saias rodadas e bordadas pelos sofás e poltronas do
salão de chá. Elizabeth abriu as portas para o jardim de inverno e permitiu
que o sol do final da tarde iluminasse o ambiente.
Mas a surpresa da tarde ainda estava por acontecer. Sem anúncio prévio,
a duquesa desceu até o salão de chá e se juntou às damas. Ela era uma mulher
pequena, muito magra e de cabelos ralos e prateados, mas ostentava poder e
glória. Mesmo que seu corpo demonstrasse sinais de fraqueza, ela exalava
força. Seus olhos castanhos capturavam tudo ao seu redor. Quando chegou,
as damas fizeram uma reverência.
— Que honra ter a companhia da senhora, Alteza! — Lady Sarah estava
entusiasmada.
— Faz tempo que não tomo chá em companhia de jovens damas, nem que
tenho a oportunidade de discutir sobre o casamento do meu filho.
As mulheres se entreolharam. Elizabeth sentiu a boca seca e a língua
grossa, como se tivesse consumido láudano. Permaneceu impassível e
aguardou ser solicitada, mesmo que aquela não fosse sua função. Sua
curiosidade se aguçou pelo assunto inusitado.
— O que tem para conversar sobre o casamento de Aiden? — Lady
Agatha estranhou.
— Vamos ver seu irmão, Agatha? — Madeline Westphallen perguntou,
curiosa. — Ele está na propriedade?
— Duvido que o duque vá aparecer aqui. — Lady Anne bebericou um
pouco do chá que lhe fora servido. — Os homens raramente se interessam em
conversar com as damas. Eles preferem companhias masculinas.
— Eu espero que ele prefira minha companhia em breve. — Madeline
prosseguiu. Elizabeth ouvia a conversa de pé, próxima a um janelão, apoiada
no parapeito. — Ouvi dizer que ele pretende escolher sua noiva na próxima
temporada.
— Ele vai escolher. — A duquesa interrompeu. — E vai aparecer aqui. E
talvez a noiva que ele escolha possa estar nessa sala.
As damas não tentaram segurar o espanto com a fala da duquesa. Olhos
arregalados e bocas abertas indicaram que nenhuma delas esperava por
aquela revelação.
— Aiden precisa mesmo se casar. — Lady Agatha suspirou. Os olhos
dela vagaram até Elizabeth e ela espiou a governanta por sobre a xícara de
chá. — Quem sabe uma esposa não resolve aquele mal humor permanente
dele?
Aquela conversa aborreceu Elizabeth. Ela se virou para a janela e
observou o lado de fora por alguns instantes. A beleza do céu de verão a
distraiu por segundos enquanto seus ouvidos se desligavam do assunto Duque
de Shaftesbury. Não queria saber com qual das Westphallen ele se casaria
nem como uma esposa lhe faria bem.
As coisas pareciam bem ajustadas, de certa forma. A duquesa, que ela não
conhecera antes, estava determinada a decidir pelo filho sobre o casamento.
Aquela era a prática mais comum dentre a nobreza - quando não eram os pais
que escolhiam as noivas e maridos dos filhos, eles tinham grande poder de
persuasão naquela decisão.
Por um momento, naquele dia, durante a manhã, ela sonhou que poderia
ter algo com o duque. Que ela poderia significar algo para ele. Que os
momentos que compartilharam construíram algo entre eles. Mas ela estava se
iludindo. O duque se casaria com uma dama da sociedade e a melhor chance
que ela teria de se manter próxima a ele seria aceitando uma proposta
indecorosa que já havia rejeitado. Era melhor parar de se enganar, mas ela
sabia que falharia naquilo, também.
Capítulo décimo quarto

Q UANDO G EOFFREY INFORMOU que a duquesa estava no salão de chá, Aiden


pensou que o criado estivesse ficando confuso. Sua mãe nunca descia do
quarto. Quando queria falar ou ver alguém, pedia que fosse até ela. Muito
fraca e debilitada desde o nascimento de Agatha, a duquesa era uma reclusa e
a última vez que ela saiu do quarto fora no enterro do marido.
O que a teria levado ao salão de chá? Ele precisava conferir aquilo,
mesmo que sua presença no momento das mulheres fosse inadequado. E que
ele tivesse que enfrentar as Westphallen, que sabia terem sido convidadas
pela irmã. Agatha não era a maior fã daquelas duas, porém não havia muitas
amigas na região.
Ajustou a roupa e sentiu necessidade de estar arrumado para… o chá da
irmã. Não, claro que Aiden não se preocupava em vestir-se bem para as
convidadas tediosas de Lady Agatha. Estava pensando em encontrar a
governanta pelos corredores da mansão, mesmo que a casa fosse tão grande
que ele pudesse passar dias sem ver os criados se não os chamasse. E foi o
que houve. Ela, Elizabeth, não estava em lugar algum à sua vista.
Não vê-la era frustrante. Não tê-la era tortura. E não parecia haver nada
que ele pudesse fazer para mudar aquilo. Havia?
Sua decepção durou até o momento em que chegou ao salão. Tudo que
ele viu em um canto foi a mulher que se destacava entre as outras.
— Vossa Graça! — Madeline Westphallen dirigiu-se ao duque com
algum entusiasmo. Eles tinham a intimidade adequada para que ela não
precisasse esperar o cumprimento do homem, mesmo assim era como se a
empolgação da jovem incomodasse Aiden. Ele descobriu que gostava de
mulheres empolgadas, porém não gostava de Madeline. Não o suficiente.
— Senhoritas.
Aiden aceitou as reverências que lhe foram dirigidas e se aproximou de
Sarah Westphallen, primeiro. Era a irmã menos inconveniente, então ele
segurou sua mão enluvada e beijou os dedos com sutileza. Fez o mesmo com
Anne Brighton e só então chegou a Madeline. As damas suspiraram pela
passagem do duque, que poderia revirar o olho em desânimo. Ele não queria,
mesmo, despertar nenhuma esperança nelas.
— Mamãe, a que devemos a honra de vossa presença? — Ele perguntou,
aproximando-se. Seus olhos passearam por Elizabeth brevemente e pousaram
na figura pouco expressiva da duquesa viúva.
— Decidi ver como estão as coisas, já que você escolheu não me contar
que contratou uma governanta.
Ah. O mistério estava parcialmente solucionado, a duquesa descobrira
sobre Elizabeth e queria explicações. Porém era esperado que ela chamasse o
filho em seus aposentos. O simples fato de exigir satisfações pela contratação
de uma empregada ainda não respondia totalmente a aparição surpreendente
da mulher.
— Foi uma decisão de oportunidade.
— Você anda saindo demais com negociantes. — A duquesa franziu a
testa, indicando seu desagrado com as companhias do filho. Um nobre de
linhagem tão expressiva quanto a dele deveria deixar de lado os burgueses e
relacionar-se com os portadores dos melhores títulos. — Bem, contanto que a
casa esteja sendo cuidada a contento, sua atitude será tolerada. Da próxima
vez, consulte-me antes.
Aquela era a postura comum de Myrtle Trowsdale - desafiar o filho
duque na frente das pessoas. Mais grave era quando ela tentava intimidá-lo na
presença dos homens, forçando-o a adotar uma postura debochada. Daquela
vez, eram apenas as ladies tolas que bebiam chá e só sabiam conversar sobre
rendas e o clima, mas sua virilidade ficava comprometida sempre que a mãe
media forças com ele.
Talvez Aiden pudesse mandá-la passar algum tempo na Escócia. Ou no
continente - Paris seria escandalosa o suficiente para deixar a duquesa viúva
com assunto para infernizar as criadas por um ano inteiro. Mas ele não tinha
coragem de livrar-se da mãe, aquilo não seria desejado nem aprovado por seu
pai.
— Como deseja, mamãe. — Aiden assentiu, sabendo que aquela não era a
melhor hora de lutar uma batalha desnecessária. Como esgrimista ele sabia
exatamente o momento de atacar - e de recuar.
— O senhor estará no jantar do Conde de Cornwall? — Perguntou Lady
Madeline Westphallen.
— Sim.
— Ah, será uma honra revê-lo no evento. — Ela deu uma risadinha.
— Aiden, você não tem nada masculino para fazer? — Agatha o
interpelou, demonstrando que a presença do irmão incomodava. — Talvez
fumar cigarros ou beber uísque em seu escritório.
— Claro que tenho. Vou deixar as senhoritas conversarem.
O duque se retirou do salão sem estar satisfeito. Havia mais por trás da
súbita exibição de sua mãe no andar de baixo. Algo na forma como ela o
escrutinava enquanto estava no meio do salão, mesmo que ele estivesse se
policiando para fingir desinteresse por tudo - e todas. A duquesa viúva era
mais perigosa do que parecia porque ela estava sempre espreitando a caça.
Ele precisava ficar alerta.

— Srta. Westphallen. — A duquesa chamou a atenção de Madeline, que


bebericava seu chá enquanto as outras damas conversavam sobre os solteiros
que encontrariam no jantar do Conde de Cornwall. Ao menos Sarah e Anne
estavam animadas a elencar as qualidades deles, já que Agatha apenas
comentava sobre os defeitos dos potenciais maridos.
— Pois não, Alteza.
— A senhorita demonstra claro interesse no meu filho.
Madeline fitou o chá. Certamente ela preferia não ser indiscreta, só não
conseguia evitar. Sempre que o Duque de Shaftesbury estava no mesmo
ambiente que ela, sentia uma necessidade visceral de falar com ele, de se
aproximar dele, de ser notada por ele. Seu pai ficaria bastante satisfeito em
casá-la com um duque, mas era mais do que um simples arranjo
casamenteiro. Madeline sentia alguma coisa pelo homem que ela não sabia
explicar.
— Vosso filho é um homem bastante intrigante, Alteza. Ele desperta o
interesse de todas as damas casadoiras.
— Inclusive o seu.
— Inclusive o meu.
A jovem estava corada e sentindo calor. A duquesa a olhava com
curiosidade e ela não conseguia mais beber seu chá. Por sorte, as outras
estavam ainda muito envolvidas em sua conversa para notar o seu
desconforto.
— Gostaria de casar-se com ele, Srta. Westphallen?
Sim. Sim. Mil vezes sim. Tudo que Madeline sonhava era casar com
Aiden Trowsdale. Ela desejava aquele homem ao seu lado, fazendo com ela
coisas que apenas um marido deveria fazer. O calor se intensificou e os tons
de rosa em sua bochecha também.
— Seria uma enorme honra, Alteza.
— Saiba que tem minha aprovação. — A duquesa ajeitou-se no canapé.
— Não gostaria de intervir na escolha do duque em relação à sua esposa, mas
ele não parece estar fazendo um bom trabalho decidindo sozinho.
— Vossa Graça me honra com vossa aprovação. — Madeline sentiu seu
coração disparar. — Mas não sei como isso poderia funcionar, o duque não
me nota com nenhum interesse especial.
— Isso vai mudar. Conversarei com ele e exporei meu desejo de vê-lo
casado com a senhorita. Preciso que me ajude, Srta. Westphallen, já que o
processo de cortejo nem sempre começa com o interesse do homem.
— Não entendi, Alteza.
— O cortejo, — a duquesa ajeitou-se novamente, tentando ficar mais
perto de Madeline para soprar em seus ouvidos. — só parece ser
responsabilidade do homem. Nós, mulheres, direcionamos o interesse deles
para nós. Fique tranquila, eu lhe darei algumas dicas.
Aquela conversa era de tudo intrigante para Madeline, que jamais esperou
despertar o interesse da duquesa viúva. Na verdade, ela só vira a duquesa
uma vez, no baile do ano passado, e a mulher não pareceu nem mesmo
perceber sua existência. De repente, ela aparecia em um chá e informava que
desejava ver Madeline casada com seu filho.
Talvez fosse um sonho se tornando realidade. Um filho zeloso como era o
Duque de Shaftesbury raramente deixaria de atender a um desejo de sua mãe
doente. E ela sabia, pelas conversas que ouvia sorrateiramente dos
cavalheiros, quando espiava enquanto eles tomavam o vinho do porto depois
do jantar, que Aiden Trowsdale era um homem que fazia tudo a seu alcance
para cuidar da mãe e da irmã.
— Adoraria seu apoio e suas dicas, Alteza. E garanto à senhora que serei
a melhor esposa para vosso filho.
Aquele evento de chá parecia um pesadelo para Elizabeth. Além de ficar de
pé ao lado da mesa para servir as damas, ela tinha que suportar a conversa
desagradável sobre um casamento sendo arranjado para o duque. Sua função
não era servir, mas Lady Agatha parecia solicitar sua companhia para todas
as ocasiões. Ela não se importava, gostava da jovem e estar na presença dela
era empolgante.
Mas aquele evento não estava sendo nada divertido. Sua invisibilidade se
acentuou com a chegada a duquesa viúva e nem mesmo Aiden pareceu notá-
la no salão. Sem contar o assunto que ouvira sem poder evitar. Deveria ser
discreta porque uma criada não revelava nada sobre seus patrões, mas não
concordava que a mãe decidisse a noiva do filho por suas costas.
Aquilo não deveria surpreendê-la, era como as coisas aconteciam na
sociedade.
— Como se chama?
A voz da duquesa atraiu a sua atenção. Elizabeth sentiu o coração
disparar e, pela primeira vez desde que fugira de Londres, não fora por uma
boa sensação.
— Elizabeth Collingworth, Alteza.
— Certo. Sirva-me mais chá.
Ela pegou a xícara da duquesa e serviu o Earl Grey com leite, sem açúcar.
Sua mão tremia e ela pensou que pudesse derrubar a louça quando a entregou
novamente.
— Ouvi que tem boas referências. — A duquesa continuou falando com
ela, mesmo sem olhar para ela. — E sei que Eleanor Pensington é uma
mulher bastante corajosa por contratar uma jovem tão bonita para ser
acompanhante de sua filha.
— Eu era tutora de Lady Charlotte, Alteza.
A duquesa virou-se para escrutinar Elizabeth e ela sentiu as bochechas
arderem.
— Quais idiomas fala?
— Inglês e Francês.
— A senhora é muito educada e limpa para ser uma criada qualquer.
Entendo por que meu filho a contratou e por que Agatha demonstra interesse
na sua companhia. Porém espero que não se esqueça do seu lugar nessa casa.
Elizabeth não sabia como reagir nem entendia o que significava aquele
momento. Provavelmente a duquesa viúva decidira aparecer para uma
demonstração de força e para garantir que o comando da casa ainda era de
sua responsabilidade.
— Jamais me esqueceria, Alteza.
— Isso é bom.
A duquesa terminou seu chá e cutucou Emma, indicando que subiria de
volta para seu quarto. A dama de companhia a auxiliou a levantar-se e depois
a seguiu, sempre um passo atrás, até saírem do salão de chá. O coração de
Elizabeth batia totalmente fora de ritmo e ela estava rígida como uma estaca
de madeira. Não relaxou nem mesmo depois que a duquesa viúva se fora
totalmente e ficara fora de suas vistas.
Como as jovens conversavam e o chá já estava no final, ela pediu licença
a Lady Agatha para retornar a seu trabalho. Não que tivesse muito a fazer,
mas queria garantir que o jantar saísse conforme o esperado e precisava
terminar de inspecionar o restante daquele andar. Só havia finalizado os
cômodos do segundo andar.
Eram cinco salões, todos muito bem decorados. O salão de baile era
enorme e não tinha mobiliário significativo, apenas quadros e candelabros
pendurados. O salão de jantar estava fechado havia algum tempo e a mesa
central era tão grande, mas tão grande, que ela imaginou ser capaz de
acomodar mais de cinquenta pessoas. Nunca vira uma mesa imensa como
aquela. Depois visitou os outros salões e terminou na biblioteca.
Por sorte não precisava inventariar os livros, pois eram três paredes
cobertas até o teto por estantes repletas de obras encadernadas com perfeição
e cores variadas. Azul, verde e marrom se dividiam em coleções bem
organizadas. Esperava que houvesse uma contagem daquelas obras em algum
lugar, por isso vasculhou as gavetas da escrivaninha localizada no canto.
Como nada achou, Elizabeth entendeu que precisaria fazer a contagem ela
mesma. Talvez devesse perguntar a John sobre aquela informação, mas seu
estado de espírito estava conturbado depois da breve conversa com a duquesa
viúva. A mulher pretendia afetá-la e conseguiu. Não esqueça do seu lugar
nessa casa, a frase ecoava em sua cabeça.
Não era como se ela pudesse se esquecer. Entendia que não precisava ser
lembrada daquilo.
— Elizabeth.
Ela piscou ao ouvir seu nome. Estava virada para a janela, segurando
alguns cadernos na mão, olhando para o monte de obras em diversos idiomas.
Não esperava encontrar ninguém, ou ser encontrada por alguém.
Era ele, o duque que parecia presente demais em todos os lugares nos
quais ela estava. Com uma casa daquele tamanho, deveria ser mais difícil que
eles se encontrassem tanto.
— Pois não, Alteza.
— A senhora está bem?
A forma como ele se dirigia a ela era muito informal e deveria deixá-la
constrangida. Só que, depois de tudo que aconteceu entre eles, era meio
ridículo que ela se sentisse ofendida por ser tratada sem cerimônias.
O problema foi que ela não conseguiu respondê-lo. Elizabeth não estava
bem. Havia toda a conversa que ouvira sobre o casamento de Aiden e o
quanto aquilo a incomodou. Também a forma como ela fora tratada pela
duquesa. Mesmo que Elizabeth soubesse que os criados eram sempre tratados
daquela maneira, acabou se acostumando rapidamente com a gentileza de
Lady Agatha e o interesse do duque. Isso a deixou um pouco incomodada,
sim, até mesmo irritada.
— Minha mãe estava no salão. — Ele se aproximou dela. A presença de
seu corpo próximo causava arrepios em sua nuca. — Se eu a conheço, ela
provavelmente falou algo desagradável. O que foi?
— A duquesa nem mesmo me notou ali.
— Acho difícil de acreditar. Ela desceu apenas por sua causa, Elizabeth.
Eu peço desculpas, se tivesse ido até ela falar sobre sua contratação…
Ele a tocou. Passou a mão sem luvas pelo braço dela e subiu até seu
ombro.
— Vossa mãe não disse nada demais.
Mas ela se virou e seus olhos a traíram, de forma que ele compreendeu
que ela mentia. Aiden levou as duas mãos à face de Elizabeth e roçou os
lábios nos dela, que deveria resistir e se afastar porém não conseguia.
— Eu queria tanto cuidar de você. — Arrastou um polegar por suas
bochechas. — Por que não me aceita, Elizabeth Collingworth?
Eu aceito, eu aceito tudo. Ela quis gritar, mas não diria nada. Por mais
que o desejo de ser cuidada fosse maior do que a razão, ela manteria sua
decisão. O silêncio fez com que o duque entendesse e se afastasse. O espaço
vazio que ele deixou era incômodo demais. Se ela continuasse com aqueles
encontros, seria difícil que resistisse por mais tempo.
Capítulo décimo quinto

A IDEN NÃO ESTAVA ACOSTUMADO A CRIANÇAS . Ele conviveu com Agatha,


somente, e achava que só precisaria lidar com os pequenos novamente
quando tivesse seus próprios filhos. E então, subitamente, ele decidiu levar
não apenas um, mas seis moleques para a praia. Os filhos de Elizabeth e
quatro meninos filhos dos arrendatários e do cavalariço.
Claro que ninguém entendeu nada e os pais das crianças mal acreditaram
quando receberam o criado pessoal do duque a solicitar a autorização deles
para levar os filhos em um passeio pelo litoral. Mesmo assim, ele decidiu que
iria fazer aquilo tudo apenas para que Elizabeth pudesse ver o mar. Precisou
de três carruagens e de entupir uma com meninos bagunceiros para conseguir
seu objetivo. Por sorte dele, o litoral não ficava muito distante de Thanet Bay.
— Você está sendo gentil demais. — Agatha observou. O duque não
tinha certeza se ela estava zombando de sua atitude ou confusa. Talvez as
duas coisas. — A doença deve ter afetado sua cabeça. Ou foi outra coisa.
— Não seja impertinente, Agatha. É triste que pessoas nunca tenham
visto o mar. Lembre-se que fomos ensinados a sempre fazer o bem com
nossas posses.
A atrevida riu, tentando inutilmente esconder sua risada com a mão.
Estavam os dois em uma carruagem, mas Aiden preferia dividir aquele
espaço com outra pessoa. Passar algum tempo sozinho com Elizabeth, dentro
de uma carruagem, ajudaria-o a aliviar a tensão. Porque ele estava tenso,
estava ansioso por alguma coisa que ele sabia que não aconteceria.
Foi uma longa hora até que a carruagem parou em uma via e permitiu que
todos descessem. A barulheira das crianças foi imediatamente ouvida,
seguida da risada dela. Descendo do transporte com a ajuda de Geoffrey,
Elizabeth gargalhava com a algazarra e aquilo fazia seu corpo chacoalhar. Ela
não era como uma das damas que Aiden conhecia, ela não refreava as
emoções. Assim que o sol tocou os cabelos dela, os raios iluminaram os fios
mais claros e a transformaram no vislumbre perfeito de um anjo.
— Patrick! — Gritou para o filho mais velho. — Vigie Peter e só entrem
na água até os joelhos.
— Pode deixar, mamãe.
E lá foram os meninos correndo para a areia e, logo, brincando com as
ondas que arrebentavam e deixavam rastros de espuma salgada. Havia muita
coisa para fazer em uma praia, desde catar conchinhas pelo chão até construir
castelos de areia. Aqueles garotos com certeza iriam ser divertir enquanto ele,
o duque, passaria mais tempo com Elizabeth.
Isso se Agatha deixasse. A irmã já tinha se juntado a ela e parecia um
soldado ao lado da governanta, tagarelando qualquer coisa sobre o quanto
eram audaciosos os trajes de banho das Américas. Por um momento, Aiden
desejou que estivessem na América apenas para poder ver Elizabeth em
roupas menores, mesmo que ele já a tivesse visto praticamente nua.
Sem muita chance de evitar o inevitável, o duque tirou os sapatos, as
meias, dobrou as calças até a metade da panturrilha e fez o mesmo com a
camisa. Retirou o colete, abriu dois botões no colarinho, dobrou as mangas.
Sem chapéu, o sol batia em sua face e fazia com que ficasse difícil enxergar.
Depois, sentou-se na areia fofa para observar. E observou por quase meia
hora.
Elizabeth e Agatha brincavam com as crianças. Nenhuma das duas
parecia uma dama da sociedade e ambas aparentavam ser adolescentes. Sem
sapatos, sem meias, com as saias levantadas e o decoro abandonado à própria
sorte, elas riam e os cabelos, que se soltavam das tranças, esvoaçavam com a
brisa.
Aiden considerou por que nenhuma das mulheres com quem deveria se
casar o interessavam. Elas eram damas bonitas, de boas famílias, ricas, bem
criadas e educadas, mas ele não sentia nenhum tipo de atração por nenhuma
delas. Ao contrário, as achava entediantes e enfadonhas. Enquanto via
Elizabeth Collingworth correr pela areia com um bando de crianças e
lembrava de tudo que ele já ouvira dela, e já a vira fazer, ele comecava a
entender os por quês.
Acabou distraído com alguns pássaros que pousaram bastante perto e não
notou quando ela se aproximou. Sentou-se ao seu lado, por sobre as pernas
dobradas, olhando para o horizonte.
— São lindos, não? — Elizabeth apontou para as aves. Ele desejou dizer
que, na presença dela, nada deveria ter o direito de receber aquele adjetivo.
— São intrigantes. A senhora está se divertindo?
— Sim, eu não me lembrava mais do oceano. Fazem muitos anos desde a
minha primeira e última vez no litoral, então é como se eu estivesse
debutando. E as crianças, elas estão eufóricas. Mas vejo que Vossa Graça não
está compartilhando dessa diversão.
Aiden se virou e respirou profundamente, encarando o perfil delicado e
perfeitamente desenhado daquela mulher. Ela fazia com que ele se sentisse
vulnerável e tolo. Só por isso ele deveria detestar estar ao lado dela, mas tudo
que ele queria era que ela percebesse. Que ela entendesse o quanto o afetava.
— Eu inventei essa excursão inteira apenas para desfrutar desse
momento. — Confessou. — Você ao meu lado, nós dois conversando como
se não houvesse nenhuma hierarquia entre nós. Já está valendo a pena.
— Mas há hierarquia.
— Ignore-a. Aqui, agora, hoje, apenas seja Elizabeth Collingworth e
converse comigo. Diga-me com sinceridade, a senhora acha que minha irmã
será uma dama respeitável qualquer dia desses?
Ela riu. Virou-se para ele e havia um brilho malicioso que Aiden ainda
não notara naqueles azuis que suplantavam o mar.
— Sua irmã já é uma dama respeitável. Se pensa em moldá-la conforme a
sociedade exige, já tive essa experiência uma vez e recomendo: não faça isso
com Lady Agatha. Sua irmã tem um espírito que poucas pessoas possuem,
ela é especial.
— Eu sei. — Aiden suspirou novamente. Agatha estava ainda brincando
com as crianças e seu vestido já estava ensopado. — Mas eu gostaria que ela
se casasse com um bom marido. Alguém que pudesse mantê-la em segurança
quando eu faltar. Mamãe, ela…
— Ela se casará. — Elizabeth interrompeu o duque. Foi ele mesmo que
disse que seria sem hierarquia e ela já o interrompia antes. — Sendo ela
mesma, ela conquistará um homem que a amará e não precisará se casar com
alguém que se importará mais com o dote do que com a mulher.
— Esqueci que a senhora acredita em casamento por amor.
— Eu acredito em amor, Alteza. Mas quem sabe sejam apenas devaneios
de uma mulher tola que uma vez sonhou com príncipes e castelos?
Elizabeth levantou-se e se pôs a caminhar pela orla. Claro que ele a tinha
ofendido, estúpido. Aiden nunca fora muito habilidoso em conversar com
mulheres, principalmente porque elas nunca conversavam com ele,
exatamente. Elas falavam sobre o clima. Ou também conversavam sobre
rendas, sombrinhas e vestidos. Até poucos dias, ele acreditava que aqueles
fossem os assuntos de toda mulher e que nunca valeria a pena falar mais do
que cinco minutos com nenhuma delas.
Ele não podia esperar para discutir com Elizabeth sobre suas pretensões
de negócios. Apostava que ela teria argumentos que ele gostaria de ouvir.
Então levantou-se e foi atrás dela, ignorando a presença de qualquer um que
pudesse não entender por que um aristocrata caminhava, sozinho, ao lado de
uma criada.
— A senhora não é uma mulher tola. Peço desculpas se algo que eu disse
fez com que entendesse que penso isso.
— Está tudo bem. Eu sei que a ideia de amor, em sua condição, parece
superestimada. Mas, se minha opinião tiver alguma valia, permita que sua
irmã continue a ser como ela é. Verá que tudo vai dar certo assim mesmo.
Pela forma como ela pisava na areia, parecia que Elizabeth estava
chateada. Aiden achou prudente não persistir naquele assunto nem tentar
fazê-la falar mais. Alcançou-a e ofereceu o braço para que ela o segurasse.
Confusa, ela olhou ao redor para conferir que o litoral estava estranhamente
vazio naquele dia. Se ela estivesse se perguntando aonde estariam todas as
pessoas, ele também não saberia dizer.
E então eles se olharam outra vez. Aiden tinha uma vaga memória da
primeira vez em que seu olhar tocou o dela, em um incidente causado pela
febre e um quarto com apenas uma cama. Naquele momento, eles estavam
bastante conscientes mas o impacto foi o mesmo. Ela levou a mão para
envolver seu braço com seus dedos macios e pequenos e ergueu a cabeça.
Havia um sorriso delicado, quase imperceptível, naqueles lábios rosados. O
sol reluzia nas mechas douradas dos cabelos de Elizabeth e faziam com que
ela ficasse ainda mais linda.
Aiden não conseguia respirar. Sua expressão era séria, de veneração.
Havia algo que ele não sabia explicar quando ela o olhava daquele jeito. Ele
poderia ajoelhar no chão e rezar para ela que não sentiria blasfêmia alguma.
Seu coração estrangulou no peito e bateu um baque surdo algumas vezes,
implorando para que ele fizesse alguma coisa para acabar com aquela agonia.
Eles voltaram a caminhar. Ela segurava a dobra do seu cotovelo e o
contato era pele com pele. Não havia barreira artificial de tecido que
impedisse que ele sentisse o calor daquele toque. A praia acabou, logo eles
estavam em um rochedo onde o mar agitado estourava.
— Vamos voltar? — Elizabeth perguntou.
— Não. Podemos sentar aqui e observar as ondas nas rochas. É um
espetáculo feroz, não acha?
Ela assentiu com um movimento de cabeça.
— Sua irmã vai desconfiar de algo, Alteza.
— Aiden. — Ele se sentou e estendeu a mão, convidando-a para fazer o
mesmo. — Chame-me pelo meu nome, eu imploro. Ele soa tão bem quando
você o pronuncia.
— Certo, Aiden. — Elizabeth sentou-se ao lado dele. Os ombros estavam
colados. — Então vamos observar a ferocidade da natureza e a elegância das
gaivotas.
Sim, mas não apenas isso. Quando ele decidiu segui-la naquela
caminhada, quando ofereceu o braço, o duque esperava que fossem longe o
suficiente para que ninguém conseguisse notá-los. Não havia pessoas por
perto nem carruagens, tudo que conseguiam identificar do outro lado da praia
eram pontos em movimento. Ninguém conseguiria vê-los ali, conseguiria?
Aiden esperava sinceramente que não. Por isso, passou a mão pelas costas
de Elizabeth e a puxou para mais perto. Ela não resistiu, ao contrário, deitou a
cabeça em seu ombro. Com os dedos trêmulos, ele percorreu a extensão dela
com um carinho intermitente, deslizando a mão para cima e para baixo nos
braços nus de Elizabeth.

O duque deveria ser um bom homem, mas possuía a ingenuidade dos


aristocratas. Elizabeth não podia esperar que ele a compreendesse nem
perderia seu tempo tentando fazê-lo entender coisas que não fariam diferença
na vida do nobre. Ela preferia aproveitar o toque de suas mãos quentes
enquanto compartilhavam a manhã na praia.
Mas o tempo passou e eles precisaram voltar para a companhia dos
outros. Enquanto caminhavam de volta para a realidade, ela via seus filhos se
divertindo, imundos e molhados, e imaginava que estava se iludindo. Em
breve aquilo iria acabar e eles voltariam para a vida medíocre que tinham,
mas era a vida que podiam ter. Que aproveitassem as boas coisas enquanto
elas durassem.
— Obrigada. — Foi o que conseguiu dizer antes que a mágica que lhes
permitia desfrutar de momentos a dois acabasse. — Isso significou muito
para Patrick e Peter, então eu agradeço por essa gentileza.
— Mesmo que eu tenha feito isso apenas pela senhora?
— Nesse caso, os fins justificam os meios.
Ele riu e aquele deveria ser o sorriso mais lindo que Deus criou. Nunca
lábios se ergueram daquela forma tão sensual, nem covinhas tão perfeitas se
formaram nas bochechas de ninguém como elas se formavam nas dele. Aiden
Trowsdale era uma obra de arte que andava e falava. E tinha um cheiro
incrível de madeira e bergamota.
— Foi um prazer ter sua companhia hoje.
O duque segurou a mão dela e beijou os dedos de uma forma reverencial.
Era impressionante como ele conseguia ser um devasso, tocando-a de forma
inadequada em algumas situações, e um perfeito cavalheiro, em outras.
Precisava parar de pensar no homem e conseguiu isso se ocupando de
alimentar as crianças. Ela e Moira, a criada pessoal da lady, trataram de
organizar um lanche para os meninos, mesmo que eles estivessem tão
molhados e sujos que fossem comer mais areia do que qualquer outra coisa.
Claro que ela não conseguiu evitar os olhares suspeitos que Lady Agatha
lançou tanto para ela quanto para o irmão, que fingia não estar prestando
atenção demais em tudo. Claro que também não conseguiu evitar pensar nele,
afinal.
Enquanto as crianças comiam, Elizabeth notou movimento ao redor. Duas
meninas, uma delas menor do que Peter, observavam a comitiva. Elas
estavam muito magras e pareciam famintas. Tinham olhos grandes e claros,
cabelos que pareciam loiros mas estavam encardidos. Quando perceberam
que estavam sendo vistas, tentaram se esconder atrás de algumas pedras que
estavam próximas.
Elizabeth foi até elas.
— Como vocês se chamam?
As duas a encararam sem saber se deviam responder. Seguravam a mão
uma da outra e pareciam também amedrontadas. Talvez as pessoas que
frequentassem a praia não as tratassem muito bem.
— Podem me dizer. Eu sou a Elizabeth, mãe daqueles dois garotinhos ali.
— Ela apontou Peter, que estava de pé imitando alguma coisa, e Patrick, que
comia de forma serena enquanto observava os outros. — Eu moro em
Londres. E vocês?
Uma delas apontou para a direção da vila.
— Meu nome é Helga. — A de aparência mais velha disse.
— Vocês querem se juntar a nós, Helga? Estamos comendo e acho que
vai sobrar um pouco de comida. Querem nos ajudar?
As duas se entreolharam e recuaram dois passos. Elizabeth se distraiu
com as meninas e não notou quem se aproximava. Por trás dela surgia a
figura imponente do Duque de Shaftesbury. Um pouco desgrenhado pelo
vento, pelo sol e pela maresia, ele ainda parecia o homem mais poderoso da
face da Terra. E sua presença causava estupefação e pavor em qualquer
pessoa.
— Ora vejam. Essas duas damas são suas convidadas, Sra. Collingworth?
— Sim, Alteza. Mas elas estão um pouco reticentes em aceitar meu
convite.
Aiden ajoelhou-se à frente das duas garotas e pediu que se aproximassem.
Um pouco receosas, elas deixaram que ele sussurrasse qualquer coisa e riram.
Em uma conversa que durou um minuto e duas frases trocadas, o duque
consegui convencê-las a se juntar aos meninos.
— O que disse para elas? — Elizabeth quis saber, caminhando ao lado do
duque na direção do grupo de moleques. — Como as convenceu tão
rapidamente a confiarem em nós.
— Eu apenas disse que, como um duque, eu poderia conceder um desejo
para cada uma se elas aceitassem seu convite.
— Oh. — Elizabeth colocou a mão na frente da boca para esconder seu
entusiasmo. — E se elas pedirem coisas muito difíceis?
— Eu sou um duque. — Ele sorriu e os olhares se cruzaram novamente.
Ela sentiu um calafrio que percorreu todo o corpo em um segundo. —
Mesmo que não seja minha função atender pedidos, eu posso conseguir tudo
que quiser. Quase tudo. Estou certo que consigo conceder-lhes um desejo.
Se a vida fosse justa com ela, Elizabeth jamais teria conhecido Aiden
Trowsdale. Ela atrasou o passo para vê-lo seguir à frente e poder admirá-lo.
Aquele homem era lindo por dentro e por fora. Ele tinha uma combinação
cruel que fazia com que qualquer pessoa rapidamente se encantasse. Mesmo
que ele fizesse questão de se mostrar autoritário e arrogante, ela entendera
que havia muito mais debaixo da superfície. E mais ainda que ela gostaria de
conhecer.
Mas ela não podia se interessar pelo Duque de Shaftesbury. Precisava
superar o dia perfeito ao lado daquele homem proibido.

A volta para casa não representou conforto para Elizabeth. O restante do dia
passaria de forma mecânica. Os trabalhos com a casa, os preparativos para
garantir que tudo estivesse perfeito para o baile. Vários convidados da
sociedade estariam presentes. A lista continha alguns negociantes e
industriários também, mas eram homens ricos e influentes que certamente
conquistaram, com ouro e moedas, um lugar naqueles eventos. Os cuidados
com os meninos, depois que o jantar fora servido. A garantia que fossem para
a cama depois de um banho morno e uma oração.
Depois de tudo arrumado, Elizabeth aproveitou a tranquilidade da noite e
a folga para ver a estrelas. Saiu pela porta dos fundos segurando um
candeeiro e sentou-se em um banco improvisado próximo aos estábulos.
Esperava não incomodar os cavalos, mas sua presença ali acabou atraindo
outras atenções.
— Sra. Collingworth. — O cavalariço se aproximou. — Não consegue
dormir?
— Não é isso. Eu apenas gosto de observar as estrelas.
— Conhece as constelações?
O homem sentou-se ao lado dela, com uma distância respeitável. Ela o
fitou na quase profunda escuridão da noite e imaginou se ele conhecia as
constelações.
— Sim, algumas. Mas elas, aqui, ficam mais em evidência.
— Reggie gostou bastante do passeio hoje. Disse que a senhora foi muito
gentil.
— Deve agradecer ao duque. — Ela sorriu, pensando em Aiden e nos
momentos do dia. — O convite partiu dele.
— O duque é um bom homem, assim como foi seu pai. Diga-me, senhora,
já que tem as noites livres, gostaria de jantar em minha casa, amanhã?
Elizabeth virou-se bruscamente para fitar novamente o cavalariço. Ele
tinha uma presença mais bruta quando iluminado apenas pela pouca claridade
da vela. Suas feições não eram feias e ele tinha uma gentileza que não era
comum dos homens da classe dele. Deles. Seria aquele convite um cortejo?
Uma forma de se aproximar dela com outras intenções? Depois de descobrir
que ele era viúvo como ela, as possibilidades se ampliaram.
E, se fosse, ela estaria disposta a aceitar o cortejo de James Hodges?
— Agradeço pelo convite, mas eu só folgo depois das vinte e duas.
— Os jantares dos nobres nunca acontecem mais cedo. — Hodges moveu
os ombros. — O horário não é importante.
— Tudo bem. Aceito seu convite, Sr. Hodges.
— Leve seus meninos, minha casa é bem espaçosa. Espero que goste da
comida feita por um homem.
O cavalariço levantou-se e, com uma reverência, se afastou. Aquele era
realmente um empregado diferenciado dos demais. Enquanto Granger,
Geoffrey e os outros homens da propriedade pareciam bastante brutos e eram
iletrados, Hodges tinha um ar mais erudito. Mesmo que seu corpo indicasse
os anos de trabalho pesado, ele tinha uma mente diferente.
Talvez não fosse tão ruim assim investir em Hodges. Elizabeth acreditava
que nunca mais se casaria e adoraria estar errada. A vida em Kent poderia ser
mais agradável do que em Londres.
Capítulo décimo sexto

Q UANTO MAIS TEMPO ele passava próximo de Elizabeth, mais ele a desejava.
E, insatisfeito em tê-la em sua casa, Aiden ainda inventava outras formas de
mantê-la por perto. Mas ele temia que poderia perdê-la. Da janela de seu
quarto era possível ver a claridade da vela que indicava uma pessoa no
quintal. Pela silhueta que se movia e o brilho dourado que a acompanhava,
aquela só podia ser a governanta. E, pouco depois, outra pessoa se juntara a
ela, o cavalariço James Hodges.
O que eles queriam, conversando sorrateiramente sob o véu silencioso da
noite? Estavam próximos e Aiden não conseguia ter certeza se estavam muito
próximos ou apenas em uma distância razoável. Não era possível distinguir se
fariam algo impróprio.
Oras, ela era uma criada viúva e Hodges também. Se eles quisessem ficar
juntos, o duque não poderia, nem deveria, impedir. Provavelmente seria
ótimo se Elizabeth conseguisse um marido para ajudá-la no sustento e criação
dos meninos. O cavalariço já tinha um filho e…
Mas o que ele estava pensando! Era óbvio que Aiden não queria que
Elizabeth se casasse com outro homem. Ela deveria ser dele, apenas dele.
Foi com aquele pensamento em mente que o duque pegou uma vela e
desceu as escadas, tentando ser o mais silencioso possível. Provavelmente ele
não se importaria se acordasse todos os criados, mas era melhor que estivesse
sozinho se fosse fazer o que pretendia. Quando Elizabeth entrou novamente
na mansão, ele a esperava na área de serviço anexa à cozinha.
— Alteza!
Ela se sobressaltou ao ver sua figura parcial e amarelada pela chama do
fogo que tremeluzia na vela. Aiden tinha plena certeza do que faria ali,
mesmo que temesse ser rejeitado pela terceira vez. Só sabia que, depois de
vê-la com o cavalariço tantas vezes e de imaginar que Elizabeth poderia ter
em Hodges interesses que iam além da boa convivência entre empregados,
ele precisava marcá-la como sua.
— Não consegue dormir? — A voz profunda e grave ecoou baixa. Os
criados dormiam do outro lado da casa, provavelmente não os ouviriam.
— Quis ver as estrelas outra vez, ficar um pouco sozinha.
— Mas não ficou sozinha.
— Vossa Graça estava me observando?
Havia uma nota de divertimento na forma como ela perguntou, mesmo
que tentasse parecer séria. Elizabeth estava achando graça dos ciúmes que ele
sentia. Maldição, Aiden não queria acreditar naquilo, mas tinha ciúmes da
governanta. Aquele era um dos vários problemas de uma casa sem uma
presença feminina marcante - o homem nunca deveria ficar por conta dos
empregados.
— Eu também cheguei à janela para ver as estrelas.
Mentiu, porque ele realmente a estava observando.
— O Sr. Hodges é um bom homem. Ele me convidou para jantar.
— E a senhora aceitou?
— Deveria recusar?
— Não sei. A senhora me recusou, duas vezes.
— Eu não o recusei, Alteza. — Ela murmurou, baixando o olhar. — Eu
recusei ser sua amante.
— E não é a mesma coisa?
— Não querer se tornar amante de um homem, da forma como me
propôs, é diferente de não querer esse homem.
A frase dela saiu confusa mas ele a compreendeu. Talvez tenha
compreendido da forma como desejou, interpretou-a como melhor atendesse
a seus interesses, só que Aiden não iria perguntar se entendera corretamente.
Aquele pequeno enfrentamento serviu para que ele soubesse de duas coisas
importantes: uma, aquela mulher sentia algo por ele. Mesmo que apenas uma
fagulha de desejo, mas ela sentia alguma coisa. E duas, ele não esperaria
mais para tê-la em sua cama.
Elizabeth não pretendia dizer ao duque que o desejava, mesmo porque ela
não conseguia medir as dimensões daquele desejo. Só que as palavras a
atropelaram, saindo de sua boca sem muito cuidado. Toda vez que tinha
conversas particulares com Aiden, ela falava demais. Claro que ele entenderia
tudo errado, porque logo as velas estavam apoiadas em algum lugar e ele
estava com as mãos em seu corpo.
Aiden deu apenas um passo em sua direção e reivindicou boca dela com
uma intensidade que Elizabeth ainda não tinha experimentado. As mãos dele
a seguraram pela cintura e puxaram os corpos para mais perto, provocando o
contato das roupas dele com as dela. Ele estava quente e os músculos
tremiam.
Não era o primeiro beijo que compartilhavam e era um totalmente novo.
— Alguém pode nos ver. — Ela disse, abafada nos lábios dele, tentando
não ser completamente entorpecida pelo toque da língua de Aiden na sua.
O duque pareceu refletir sobre o que ela disse porque o beijo ficou suave
e lânguido.
— Tem razão. Venha comigo para meu quarto.
Com uma martelada forte, o coração dela passou a bater alto demais,
como se fosse sair do peito e pular pela boca. O ar ficou pesado e impossível
de respirar. Se ela fosse com ele, sabia o que iria acontecer porque não estava
disposta a recusá-lo mais uma vez. Se ela estivesse sozinha com ele no quarto
principal, não iria conseguir dizer não.
E, ao mesmo tempo, ela não lembrava de ter menos vontade de recusar
alguma coisa. Queria dizer sim a Aiden, queria gritar para ele e pedir que
fizesse o que tivesse vontade. Sua hesitação foi entendida como aceitação e
ele segurou-a pela mão para conduzi-la pelos corredores.
Não havia muita luz pela casa - as velas estavam apagadas - e não havia
quase nenhuma luz no quarto de Aiden. A claridade avermelhada da lareira,
proveniente da chama indolente que queimava desde cedo, fazia com que o
ambiente fosse tomado por um efeito melancólico que combinava com a
expressão severa do duque que a encarava.
Depois de fechar a porta e girar a chave, Aiden deixou o lado de fora, o
restante da casa, em segundo plano. As marteladas do coração dela podiam
ser ouvidas no silêncio do quarto e Elizabeth tentava bravamente continuar
respirando. Quando ele a tocou novamente, com os dedos nos cabelos
dourados e tocando suavemente os contornos da sua face, ela exalou
profundamente e soltou um gemido de prazer.
— Diga-me se eu fizer algo que não devo.
Ele sussurrou com os lábios em seus ouvidos. Ela se agarrou aos ombros
dele para não cair, sentindo os joelhos moles quando a boca de Aiden
deslizou por seu maxilar e tomou a sua.
— O senhor não deveria me beijar assim. — Deu uma risadinha nervosa
quando ele desceu os carinhos para o pescoço dela. — Nem assim. — A boca
dele já estava delineando a clavícula exposta pelo decote da camisa branca
que ela vestia.
— E eu deveria tocá-la assim?
Aiden levou as mãos à cintura dela e desceu para as nádegas, fazendo
com que ela segurasse um gritinho abafado.
— Com certeza, não.
Ele riu, esticando os labios que ainda a beijavam. Os dedos subiram e se
colocaram nos botões da camisa dela, abrindo-os lentamente. Elizabeth era
uma criada, ela não usava espartilho e seus seios estavam livres sob o tecido,
esbarrando nas mãos do duque enquanto ele expunha partes do corpo dela
que deveriam ficar bem cobertas. Toda vez que a pele dele roçava nos
mamilos, Aiden soltava um grunhido de prazer. Até perder a paciência e
arrebentar todos os botões que faltavam.
Despudoradamente exposta, Elizabeth sentiu o ar fresco da noite tocando
sua pele e a língua morna do duque lambendo seus seios livres. Ao invés de
sair correndo ou mandar que ele parasse, tudo que ela fez foi arquear o corpo
para permitir mais contato.
— Acho que também não deveria fazer isso.
Aiden colocou um mamilo entre os dentes, envolveu-o com os lábios e o
sugou. Foi como ver as estrelas novamente, só que aquelas vinham
acompanhadas de um prazer mais intenso. Ele já tinha feito aquilo antes mas
as sensações ainda eram inebriantes.
— Oh, Aiden, o senhor não…
Ela perdeu a fala quando o outro seio foi para a boca dele, que alternava
entre um e outro com lambidas suaves e mordiscadas leves.
— Eu não devo prosseguir? — O duque desceu uma das mãos e começou
a desamarrar os laços da saia que ela vestia. A hesitação do seu discurso não
era sentida em suas ações. — Diga-me, Elizabeth, eu devo parar?
Não pare. O grito de sua mente quase pode ser ouvido quando ela abriu a
boca em surpresa ao sentir o tecido que a cobria descendo pelas pernas. Mas
tudo que saiu foi um gemido constrangedor de prazer, que a deixou
envergonhada e fez com que ele esticasse mais ainda os lábios.
O duque também não demonstrou paciência alguma com as calçolas ou
com as meias. Empurrou tudo para baixo mas fez aquilo passando as mãos
pelas formas do corpo dela, delineando as coxas, as panturrilhas, acariciando
os tornozelos com cuidado.
— Maldita seja a escuridão desse quarto. — Ele grunhiu ao ficar
novamente de pé. Elizabeth sentiu-se estranhamente desprotegida naquele
instante. Sua pele desnuda se arrepiou ante o olhar de inspeção que Aiden lhe
dirigia. Era como se ele pudesse vê-la por inteiro, mesmo na parca
luminosidade, e se deleitasse com a visão.
Quando ele exigiu a boca dela novamente, Elizabeth entendeu que não
pensara nas consequências de se entregar daquela forma.
— Acha que é inapropriado se eu tocá-la assim?
O duque disse e deslizou um das mãos por entre as coxas dela, subindo e
descendo lentamente. Ela arfou em resposta e ele, segurando-a firme pela
nuca para mantê-la em um beijo ansioso, conduziu os dedos até a
feminilidade de Elizabeth.
— Deus. — A blasfêmia não importou — É absurdamente inapropriado
que o senhor me toque assim.
Ele riu. O maldito duque ria do constrangimento e do prazer que causava
a ela, sabendo que a colocava entre escolhas impossíveis. Enquanto isso os
dedos dele acariciavam seu botão rosado, inchado pelo desejo. Ela poderia
desfalecer de prazer ali mesmo, nas mãos dele, como foi na casa do poço,
enquanto se recuperavam. Só que Aiden tinha outras intenções.
Fez com que ela se deitasse no colchão macio, com as pernas penduradas
e os pés quase tocando o chão. Naquela posição, a feminilidade de Elizabeth
estava exposta para que ele pudesse acessá-la da forma que desejasse. E ela
deixaria que ele fizesse qualquer coisa se ele pedisse, tamanho era o desejo
que sentia pelo toque de Aiden.
Ela quis se cobrir com os lençóis mas ele impediu. Deitou o corpo sobre o
dela, colocando uma das pernas, ainda vestidas, por entre suas coxas,
tomando-a nos lábios novamente. O beijo desceu para o pescoço e a clavícula
até encontrar os mamilos intumescidos. O duque não permitia que ela
antecipasse muito o que ele faria, ele simplesmente fazia. Colocou um dos
seios na boca e sugou devagar, deliciosamente devagar, depois repetiu com o
outro.
Gemendo sob aquele corpo pesado, Elizabeth estava completamente
entregue. Sem pudor ou decoro. Ele a tinha completamente e não havia nada
que ele quisesse para o que ela não dissesse sim. Os beijos continuaram
descendo enquanto Aiden dobrava o corpo e separava as pernas dela com
cuidado.
— Alguém já te tocou aqui, Elizabeth? — Ele passou os dedos sobre os
cachos dourados de seu sexo.
— O senhor. — Ela riu.
— Além de mim?
— Não, eu lamento informar que só o senhor.
— Isso não me desanima em nada. — Ele também riu. — A senhora me
permite ser o primeiro?
— Primeiro? Mas eu pensei que…
— Eu ainda não te toquei aqui como eu pretendo fazer, agora.
Oh. Ela não entendeu o que ele dizia até que um beijo na região do seu
baixo ventre fez com que seu estômago borbulhasse.
Ele se ajoelhou e ficou de frente para a intimidade desnuda. Ela ergueu
um pouco o corpo para vê-lo e a lascívia nos olhos dele a deixou corada e
excitada. Com os dois polegares, Aiden acariciou e abriu sua intimidade para
fazer o que prometeu - ele a tocou lá, com a língua.
O prazer imediato que irradiou pelas terminações nervosas dela fez com
que Elizabeth jogasse o corpo para trás novamente. Nocauteada.
— Aiden! — Ela se lamuriou enquanto sentia-o com a boca ao redor de
sua feminilidade. — O que o senhor está fazendo? Isso não é contra a lei?
Ele riu.
— Sou um membro do Parlamento. — O duque ergueu o olhar. — Eu
saberia se fosse.
— Se não é contra a lei dos homens, deve ser contra a lei de Deus.
Aiden ergueu o corpo e beijou-a na boca. Um beijo rápido, mas intenso,
que significou sua vontade de silenciá-la.
— Elizabeth, não há pecado em fazer algo que nós dois queremos tanto.
A senhora não quer?
Ah, ela queria. Queria muito, mesmo sabendo que não poderia, ou
deveria, tê-lo. Ao invés de falar, ela apenas assentiu movendo a cabeça.
— Então me deixe te dar prazer. Não se reprima.
Ela faria qualquer coisa que ele pedisse. Com aquela certeza, Elizabeth
relaxou os músculos e aceitou a boca dele quando tocou novamente seu
centro de prazer. Aiden beijou e acariciou com os dedos e com a língua toda
a sua extensão. Depois, penetrou-a com um dedo e, não sentido muita
resistência, inseriu mais um. Dentro dela, uma agonia deliciosa começava a
crescer em seu ventre.

Mesmo que ele soubesse que Elizabeth não era nenhuma virgem, Aiden
divertiu-se ao constatar que ela nunca havia sentido prazer da forma como ele
lhe proporcionava. Havia algo de poderoso em ser qualquer primeira vez em
uma experiência nova para ela, principalmente quando ele pretendia marcá-la
de forma incontestável.
E ela era tão deliciosa. Além do aroma de flores, ela tinha um sabor
adocicado de pêssego e bergamota, com a nota exata de acidez que fazia o ato
de beijá-la ali, em sua intimidade, tão bom. Claro que ele queria que fosse
bom para ela, em primeiro lugar, mas estava sendo gostoso demais para ele,
também.
A cada desbravada de sua língua, Elizabeth gemia e se retorcia sobre a
cama. Quando ele adicionou os dedos e a penetrou, pode sentir que ela se
entregava totalmente. E a vontade de possuí-la ali, naquele instante, se
intensificava a cada murmúrio delicado que ela exalava. Aiden queria vê-la
gemer seu nome e desfalecer em seus braços de todas as formas possíveis.
Mas ele não faria aquilo a não ser que ela pedisse.
Enquanto Elizabeth resistisse em ser dele, Aiden respeitaria aquela
decisão e se concentraria em fazer com que ela mudasse de ideia. Seu pênis
dolorido e duro que clamava por sair de dentro das calças discordava daquela
decisão.
Enquanto sua língua circulava o centro de prazer de Elizabeth e seus
dedos a penetravam, ele deixou a imaginação se perder e começou a divagar.
Ela delirava com o toque dele e gemia até convulsionar em sua boca. A
indicação de que ela chegava ao clímax o abalou. Se levantasse e a possuísse,
ela não diria que não. Era fácil colocar fim ao seu martírio. Mas seria injusto
e imoral se ela não o desejasse da mesma forma.
Exaurido, Aiden deitou-se na cama ao lado de Elizabeth. Ela estava nua e
extenuada sobre o colchão. Seu corpo imaculado parecia incapaz de se mover
e ela tinha uma expressão indecente de quem ainda não tinha superado o
êxtase. Ele estava com as calças úmidas de sua excitação, a camisa
desgrenhada e os cabelos despenteados. Se aquela não fosse a melhor
representação de duas pessoas que haviam acabado de fazer sexo, ele não
sabia de mais nada.
Abraçou-a com todo cuidado e ela enfiou o nariz em seu peito. Aquela
era uma ótima sensação com a qual ele poderia se acostumar.

O sol penetrou indolente pelas cortinas mal fechadas do quarto ducal e fez
com que Aiden despertasse cedo. Ele demorou um minuto inteiro para
perceber o espaço em sua cama e suas mãos acabaram repousando sobre sua
virilha. Era uma manhã diferente, ele não acordou duro nem entorpecido pelo
desejo.
— Bom dia, Alteza.
Geoffrey entrou no quarto e abriu as janelas. O criado tinha ordens para
despertá-lo cedo todos os dias, para que o duque tivesse tempo suficiente para
seus exercícios físicos. Aiden sentou-se na cama e olhou ao redor - ela não
estava ali. Elizabeth saiu dos aposentos do duque pelo meio da madrugada,
ciente de que ela não deveria ser vista pelos criados.
— Um mensageiro do Conde de Cornwall deixou uma mensagem para
Vossa Graça. Devo separar suas roupas de cavalgada?
— Sim, por favor. — Aiden levantou-se e foi até o banheiro lavar-se. O
cheiro de Elizabeth estava por todo lugar. Ele temeu que alguém pudesse
senti-lo. — Antes, preciso comer alguma coisa.
— Serviremos seu desjejum na sala privativa, Alteza.
O criado saiu e retornou minutos depois para ajudar Aiden a vestir-se. O
duque já suspeitava do que se tratava a mensagem de Edward e seria bom
passar o dia na presença do amigo. Se ficasse na casa, sem nenhuma
atividade, acabaria procurando a governanta novamente. Ele deveria estar
satisfeito, mas não estava.
Sua pretensão de passar uma noite com Elizabeth para abrandar seu
desejo não teve sucesso. Ele não se satisfez fisicamente. Dar prazer a ela só
fez com que a ânsia aumentasse. A vontade de tê-la em seus braços
permaneceu. Ele acordou querendo vê-la. O melhor que podia acontecer era
ser arrastado por Edward para algum tipo de atividade masculina.
Depois de comer, dirigiu-se aos estábulos e seu cavalo já estava selado a
sua espera. James Hodges estava sorridente segurando os arreios do puro
sangue castanho cujo pelo brilhava na claridade do dia.
— Como ele está hoje, Hodges?
— Bem disposto, Alteza. Esse meninão vai adorar um passeio.
Aiden olhou ao redor para ver se a encontrava. Viu os meninos passarem
correndo para uma parte mais afastada da propriedade e os jardineiros indo
cuidar das flores da duquesa. O dia estava lindo e a brisa era fresca, mas ele
se chateou por não ver Elizabeth antes de sair.
Precisava parar de pensar naquelas bobagens. Conduziu o cavalo pelas
trilhas na direção de Greenwood Park, onde se encontraria com o amigo e
passaria um dia longe dos problemas que aquela mulher representava.
Capítulo décimo sétimo

D EPOIS DE PASSAR o dia na casa de Lady Anne Brighton, passar por


Greenwood Park levaria Lady Agatha mais rapidamente para casa. Mas ela
tinha outras intenções quando decidiu pedir que a carruagem cortasse
caminho pela propriedade do Conde de Cornwall. Ela queria falar com
Edward McFadden. O conde era o melhor - e talvez único - amigo de Aiden e
poderia ajudá-la em um propósito.
— Granger! — Ela bateu no teto da carruagem e gritou pelo criado. —
Quero parar em Greenwood Park, peça ao cocheiro que me leve até a casa
principal.
— Como desejar, milady.
Agatha sabia que o conde não a estaria esperando e temia que, talvez, ele
não fosse estar em casa para recebê-la. Arriscou assim mesmo e teve sorte -
tão logo foi anunciada, ao chegar ao casarão da família McFadden, foi
recebida pelo irmão mais novo do conde, o segundo filho, Lorde Isaac.
Ele era um jovem bonito, até mais do que Edward. Mas Agatha não se
interessava exatamente pelos homens, ainda. Talvez fosse do gosto de Aiden
que ela se casasse com um dos meninos McFadden, já que Edward contava
com três irmãos, só que ela não tinha certeza se gostaria de desposar nenhum
deles.
— Lady Agatha. — Lorde Isaac beijou a mão enluvada da dama. — É um
prazer revê-la em Kent. Seu irmão acabou de sair. Se veio encontrá-lo, temo
ter perdido a viagem.
— Na verdade, gostaria de falar com seu irmão, o conde, milorde.
Ela deu um risinho que sabia poder ser facilmente confundido com um
flerte. Agatha fazia muito daquilo. O duque já a havia repreendido por sorrir
demais para os homens. Ela apenas não conseguia impedir.
— Então seja breve. — A voz de Edward ecoou vinda do salão. — Não
estou com tempo para perder com crianças.
— Ele é sempre assim? — Ela sussurrou para Lorde Isaac.
— Assim como? Um completo imbecil? Acho que sim.
Os dois riram e dispersaram quando o conde pigarreou e se intrometeu no
cochicho. Ofereceu o braço para Agatha acompanhá-lo até o jardim. Mesmo
sendo amigo da família, ela sabia que o conde só tomava aquela liberdade
porque ela estava devidamente acompanhada de sua criada.
— Diga o que quer, Lady Agatha. Se veio sozinha, já sei que está
tramando alguma coisa.
— Eu não tramo coisas, milorde. — Ela se fingiu ofendida com a
insinuação dele. — Mas gostaria de sua ajuda em nome da amizade que tem
com meu irmão.
O conde ajeitou-se na cadeira e chamou um criado, pedindo que servisse
um chá para os dois.
— Sou todo ouvidos. O que pretende?
— Primeiro, gostaria que me dissesse se notou algo diferente em Aiden
nesses dias. Se o percebeu distraído, um pouco arrebatado, talvez.
Edward coçou o queixo quadrado e fitou a dama com seus olhos azuis.
Ela enrubesceu ao se perceber examinada. Era a primeira vez que o conde
causava nela algum efeito que não a vontade de estapeá-lo por suas falas
rudes.
— Se diz depois da doença, devo confessar que sim. Ele tem estado muito
distraído, inclusive se feriu em um treino de esgrima e hoje quase bateu com
a cabeça em um galho de árvore, durante nossa cavalgada pelo bosque. É
como se a Escarlatina tivesse lhe afetado o cérebro. Estou até um pouco
preocupado.
Agatha riu. Um largo sorriso ao confirmar que sua percepção sobre o
irmão não estava equivocada. Que seu melhor amigo também estava
percebendo as mudanças no comportamento do duque.
— Pois é por isso que gostaria de sua ajuda, com total discrição. Acredito
que o problema de Aiden não tenha muito a ver com a doença. Ele está
apaixonado.
O conde engasgou com o chá que acabara de ser servido.
— O duque? Apaixonado? — Deu uma risada e limpou os lábios com um
guardanapo de tecido. Agatha se incomodou por estar tão atenta aos
movimentos do conde. — Deve estar enganada, Lady Agatha. Aliás, tenho
certeza que está enganada. Aiden não é do tipo que se apaixona.
— Pois ele está e eu gostaria que convidasse a Sra. Collingworth para seu
jantar. Pretendo dar a ele a chance de interagir socialmente com ela e até
mesmo tirá-la para uma dança.
— Collingworth? — Edward se ajeitou novamente na cadeira. Ele parecia
incomodado com a conversa. — Está falando da governanta?
— Sim. A mulher com quem ele ficou confinado por uma semana e só
eles sabem dizer o que aconteceu nesse tempo. Seja lá o que for, afetou meu
irmão de uma forma que talvez nem ele esteja percebendo.
A lady bebericou seu chá. Ela estava arriscando bastante se indispor com
Aiden ao interferir daquela forma. Pior, arriscava se indispor com sua mãe, a
duquesa que havia decidido casar o filho com Madeline Westphallen. Claro
que os planos da mãe não dariam certo, Aiden não se casaria com Madeline
apenas porque ela queria. Mesmo assim, a duquesa acreditava que tinha
muito poder sobre o filho e contrariá-la era comprar uma briga que Agatha
não poderia vencer.
Mas aquela era a primeira vez que Agatha via o irmão tão afetado por
uma mulher. O sempre indiferente Aiden Trowsdale tinha sido arrebatado
pela linda e delicada mulher que apareceu em sua vida por uma obra
zombeteira do destino. A jovem não tinha dúvida nenhuma que seu irmão
estava apaixonado.
— Milady, seu irmão é um duque. O Duque de Shaftesbury, um dos
maiores e mais prósperos ducados da Inglaterra. Ele continua o legado de
sucesso de seu pai e tem muitas responsabilidades. Atualmente, temos
inclusive fechado negócios com a nova classe de negociantes e industriários
para não ficarmos para trás na economia. Ele tem um papel relevante no
parlamento britânico e a senhorita deseja casá-lo com uma… criada?
A forma como o conde escolheu as palavras fez com que elas soassem
quase educadas demais, mas eram rudes mesmo assim. Por mais que Lady
Agatha soubesse das responsabilidades ducais do irmão, ela não conseguia
ver problemas se ele quisesse escolher uma esposa que não fosse nobre.
— Essa deveria ser uma decisão exclusivamente dele. — A jovem
manteve sua postura de quem fazia a coisa certa. — Eu apenas gostaria de
possibilitar que ele percebesse que está apaixonado.
— Certo. Se eu convidar a governanta e recebê-la em minha casa no meio
das famílias aristocratas, afrontando a condessa ao fazê-la cumprimentar uma
plebeia, a senhorita acredita que o duque compreenderá que gosta dela apenas
por vê-la em um vestido de seda?
— Apenas faça isso, milorde. Sei que peço algo grande, mas o senhor
vive convidando plebeus para seus eventos. O que são esses negociantes e
suas famílias sem estirpe que sempre frequentam sua casa? Eles não são
melhores do que Elizabeth apenas porque possuem dinheiro. No final vieram
da mesma classe social que ela.
O conde coçou novamente o queixo. Era difícil argumentar com Agatha e
ela sabia daquilo. Aquele era um dos motivos pelos quais Aiden sempre se
irritava com ela. Dizia que ela era inteligente e petulante demais para uma
dama e aquelas ofensas a entusiasmavam mais do que elogios.
— Vou enviar um convite para a Sra. Collingworth. — Ele cedeu. —Mas,
se Aiden não se encantar por ela nesse jantar, se seu plano não for bem
sucedido, prometa-me que deixará de interferir nas decisões amorosas do seu
irmão.
— Temos um trato, então. — Lady Agatha terminou seu chá e depositou
a xícara no pires sem fazer nenhum ruído. — Sabia que podia contar com sua
ajuda, é ótimo que meu irmão tenha amigos tão progressistas.
Ela se levantou para voltar para casa. Precisava colocar as outras partes
do seu plano em prática, afinal, o jantar aconteceria em dois dias.

A casa de James Hodges era simples, porém melhor do que a sua, em


Londres. Elizabeth percebeu aquilo no instante em que viu as grandes janelas
abertas e a luminosidade que provinha da lareira e das velas. Patrick e Peter
vinham atrás dela, um pouco desconfiados, mas entusiasmados em participar
de um evento social. Para eles, era um grande evento.
Como criada, ela não tinha nada muito elegante pra vestir. Estava com os
cabelos soltos e conseguira ajustar um vestido antigo, que possuía uma saia
em camadas e um decote generoso. Sentiu-se bonita e digna do cortejo de um
pretenso marido.
Ao mesmo tempo, sentiu-se impura como se estivesse prestes a cometer
traição. O sorriso que deu para si mesma, na frente do espelho, continha a
alegria de despertar o interesse de um bom homem e a tristeza de desejar
outro. Bem, ela não era uma virgem que precisava estar intocada para o
casamento. Se Hodges fizesse alguma proposta, no futuro, seria consciente de
que Elizabeth fora mãe duas vezes e teve um marido, antes.
Mas seu coração, aquele não conseguia parar de reclamar pelas decisões
racionais que a cabeça tomara.
— Sejam bem vindos! — Hodges os recebeu e beijou a mão de Elizabeth
quando ela se aproximou. — Reggie está na cozinha me ajudando com o
jantar, já vamos servi-lo. Estão com fome?
Os meninos assentiram com movimentos de cabeça. Do lado de dentro a
casa era ainda mais confortável - havia um sofá estofado na sala, uma lareira
grande e até mesmo livros em uma estante. O cheiro de ensopado que vinha
da cozinha era agradável.
— Deixe-me fazer algo. — Ela insistiu.
— Não, hoje a senhora é minha convidada. Vamos comer um guisado que
é receita da minha falecida mãe e tomar xerez barato.
Sim, claro que eles iam. Um lado de Elizabeth estava ansioso por aquilo,
outro desejava retornar para a mansão. Ela ainda não tinha visto Aiden depois
de ter ido com ele até os aposentos ducais e não sabia como interpretar aquele
afastamento.
Como prometido por Hodges, o jantar foi saboroso e divertido. Reggie
era um jovem espirituoso e inteligente, que vinha estudando sozinho porque
não tinham dinheiro para matriculá-lo em uma escola. A vila não dispunha de
escolas gratuitas financiadas pelos nobres e aquele pobre rapaz só poderia
contar com ele mesmo para aprender.
E o cavalariço era um viúvo que vivia para o trabalho e o filho, mas que
já estava cansado de cuidar sozinho da casa. Durante o tempo que passaram
juntos, Elizabeth teve certeza que ele pretendia casar-se novamente. E a
primeira pretendente que ele se dispôs a cortejar era ela.
— Obrigada pelo convite. — Elizabeth agradeceu enquanto caminhavam
de volta à mansão. O cavalariço ofereceu-se para conduzi-la. — Foi uma
noite muito agradável.
— Agradeço que tenha aceitado. Espero que não me considere muito
afoito, Sra. Collingworth, mas eu gostaria muito de poder cortejá-la, se for do
seu interesse.
Ela o fitou brevemente sob a luz prateada da lua. Suas impressões sobre o
homem não mudaram - ele não dispunha de muita beleza física, mas seus
traços singulares eram intrigantes e bem desenhados. Não havia mal algum
em aceitar as investidas daquele homem que poderia resgatá-la de uma vida
penosa que já se estendia por cinco anos. Mães viúvas eram uma das
categorias que mais sofriam na gelada e esfumaçada Londres.
Havia Aiden, no entanto. Mas o duque não poderia ser considerado um
impedimento para que ela aceitasse o cortejo de outro homem. Nem o que
eles compartilharam. As intenções de Aiden para com ela se resumiam ao
desejo de torná-la amante, enquanto Hodges demonstrava que tinha
pretensões bem mais honestas.
— Claro, Sr. Hodges. — Ela deu um risinho tímido ao perceber que ele
ficou aliviado com a sua resposta. — Mas fique sabendo que sou uma mulher
exigente.
— Tomarei nota de suas exigências e tentarei atendê-las.
Despediram-se ao chegarem à porta dos fundos. Elizabeth notou que
Loretta os espiava pela janela da cozinha, no escuro, tentando passar
despercebida. O cavalariço beijou a mão da governanta e ela entrou com os
filhos, levando-os logo para a cama. Já passava da meia noite e crianças
pobres dormiam bem mais cedo que aquilo.
Não pode deixar de notar, enquanto se aprontava para dormir, que James
Hodges a tratava com mais reverência do que Aiden Trowsdale. Seria aquilo
um efeito dos momentos íntimos involuntários que ela compartilhou com o
duque? Afinal, a conversa fluía com tanta facilidade e a proximidade era tão
natural entre ela e Aiden que era como se ele não precisasse pedir permissões
ou se prender a convenções. Eles eram íntimos, eles se tornaram íntimos
desde o início e aquilo certamente fez diferença na forma como se tratavam.
E ela precisava parar de pensar no duque. Aiden era um sonho de menina
que tinha ficado para trás. Tendo um pretendente interessado nela, era mais
prudente que se concentrasse em considerar um novo casamento e uma nova
vida fora de Londres.

— Alteza.
John entrou no escritório do duque depois de confirmar que ele estava ali.
Aiden acordara mais cedo do que gostaria, com a cama vazia e fria. Ele não
via Elizabeth por um dia inteiro e aquilo o estava deixando um pouco
ansioso. Não sabia como ela reagiria depois do que houve, já que ela fora
sempre tão resoluta em negar que seria sua amante.
Talvez fosse possível negar. O que eles fizeram não foi sexo. Foi? Aiden
era homem, para ele o sexo era bem mais do que ele compartilhara com a
governanta. Ele precisava estar dentro dela. Sobre ela. Ela não era,
tecnicamente, sua amante. No fundo ele sabia que nenhum jogo de palavras
mudaria a realidade.
— Diga, John.
— O criado do Conde de Cornwall trouxe uma mensagem para Vossa
Graça. É o convite formal para o jantar em sua residência, amanhã.
Aiden ergueu a cabeça e pegou o papel da mão do mordomo. A
mensagem, escrita em linho e com caligrafia bastante elegante, convidava a
família Trowsdale para o tradicional jantar realizado na casa em Greenwood
Park.
Era uma festa para poucas figuras da aristocracia que estavam em Kent.
Dois marqueses, um conde e um duque, além dele, eram convidados, com
suas respectivas familias. E, claro, as Westphallen. Por que diabos Edward
cismou que ele iria querer se casar com uma daquelas mulheres
desagradáveis? Também estariam presentes os Fairfax e os Oglethorpe, duas
famílias burguesas que não ostentavam título de nobreza, mas tinham muito
dinheiro e negócios de interesse do conde.
— Certo. Por favor, envie Geoffrey com a confirmação, diga que vamos.
A Sra. Collingworth, peça que venha me ver.
Com um movimento de cabeça, John se retirou e deixou Aiden pensativo.
Ele gostaria que Elizabeth fosse àquele jantar. Adoraria vê-la vestida em seda
e renda, usando um vestido que fizesse justiça à sua beleza angelical ao invés
das roupas cruas e sem graça dos criados. Mas não podia levá-la. Ela era sua
governanta. Também não a levaria como dama de companhia de Agatha, essa
não era uma prática comum em eventos como aquele. Aquilo o aborreceu em
dobro. Ele era um duque que tinha tanto poder e, ao mesmo tempo, nenhuma
decisão sobre a própria vida.
Voltou a analisar os documentos que tinha em mãos por alguns minutos
até que a porta novamente se abriu e ela entrou. Cabelos que reluziam com o
sol e um brilho perfeito no olhar.
— Mandou me chamar, Alteza?
— Sim. Eu queria te ver.
Ah, ele poderia falar bobagens tolas o tempo todo apenas para ver o rubor
que tingia as bochechas dela. Elizabeth limpou as mãos no avental que estava
pendurado em sua saia e sorriu, ajeitando uma mecha teimosa de cabelo para
dentro do gorro que usava.
— Quer que eu traga seu desjejum?
— Já comi. Eu realmente só queria te ver.
Ela sorriu novamente e suas bochechas estavam então quase vermelhas.
Aiden adorava levar cor àquela face linda. A timidez de Elizabeth fazia com
que ela se parecesse ainda mais jovem. Era quase impossível acreditar que ela
tinha um filho de sete anos.
— Apesar de grata pela lisonja, nós não podemos continuar fazendo isso,
Alteza. Eu… O Sr. Hodges pediu permissão para me cortejar. E eu dei.
Aquela frase atingiu Aiden no meio do peito, como uma espada prestes a
romper seu coração. Por mais que ele soubesse que havia algo suspeito na
interação dela com o cavalariço, desejava que não fosse nada além de um
flerte tolo. Mas, se Hodges fosse um homem esperto, ele jamais deixaria uma
mulher como aquela lhe escapar. E não havia como competir com ele. Era
ridículo que um duque se considerasse em posição de desvantagem em
relação a um criado, mas o cavalariço poderia oferecer a Elizabeth um status
que ele, Aiden, não tinha condições de fazê-lo.
— Bem, ele pode cortejá-la, mas vocês não possuem nenhum
compromisso. Estou enganado?
— Não temos um compromisso. Ele não me pediu em casamento, se é
isso que Vossa Graça quer dizer.
— Então, enquanto não houver compromisso, significa que podemos nos
ver.
Aquela era uma atitude que lhe cabia bem. Aiden não costumava deixar
aquilo que era de seu apreço sem esgotar todas as suas possibilidades de
mantê-lo. Elizabeth era de seu apreço. E ele daria qualquer coisa para que ela
mudasse de opinião sobre sua oferta.
— Tudo bem, o senhor tem um bom argumento. Agora que estou aqui, se
quiser pode me contar em que está trabalhando. Eu sempre acreditei que
aristocratas não trabalhavam.
Aiden riu e levantou. Pegou um documento nas mãos, considerou se
deveria compartilhar com ela aquelas informações. Não eram segredo, mas a
maioria das pessoas não o compreenderia.
— Não trabalhamos. Mas eu não acredito que a saúde financeira da
nobreza vá durar muito tempo. A Inglaterra é agora dos investidores, dos
negociantes, de quem movimenta a indústria. Esses homens estão
acumulando o dinheiro e nós, os nobres, apenas gastando nossas posses. Em
pouco tempo, seremos engolidos por essa classe média que sonha em chegar
no nosso posto.
Os olhos dela brilharam. Elizabeth estava interessada no que ele falava,
então o duque indicou que ela deveria sentar em um sofá próximo. Depois,
sentou ao lado dela e entregou o documento que segurava.
— Essa é uma teoria e tanto. Acredita mesmo que ela vá se concretizar?
— Talvez sim, talvez não, mas não ficarei esperando para ver se estou
certo ou errado.
Ela fixou a atenção nos papéis. Aquele era um contrato de investimento
com um industriário importante e muito rico, que estava construindo prédios
novos em Londres. Eram regiões empobrecidas que estavam sendo renovadas
e atraindo a atenção da burguesia e dos americanos. Já havia hotéis e lojas
abertas e convidando as pessoas de dinheiro a frequentarem os arredores, que
eram afastados de Mayfair.
Elizabeth sabia. Ela era uma observadora, Aiden já notara, e a região mais
afetada por aqueles contratos ficava próxima de Shadwell, o bairro em que
ela morava.
— Vossa Graça vai investir com esse homem, então. Não é arriscado?
— Um pouco. Por isso começarei com um investimento de média monta,
para não me descapitalizar muito. Com o tempo, posso investir mais, só
depende dele.
A luz que refletia no azul límpido dos olhos dela indicava seu fascínio
pelo assunto, mesmo que ele entediasse, ou confundisse, a maioria das
damas.
— Parece uma decisão muito inteligente, Alteza. Cada vez mais percebo
a cidade crescendo na vertical, as docas recebendo mercadorias e turistas, e
enviando nossos produtos para fora. Não sei se acredito que os nobres
perecerão, mas eles já precisam dividir espaço com um novo grupo de
pessoas que, até pouco tempo, não era admitido nas rodas sociais.
— E amanhã, dois negociantes estarão na festa do meu amigo conde. Um
deles é o homem que subscreve esses papéis na sua mão. Eles já estão entre
nós.
Aiden gostaria de encerrar a pequena distância entre eles e beijá-la. Ele
não estava satisfeito. O prazer auto-infligido, duas noites atrás, não serviu
para aplacar o desejo que ele sentia por ela. Ao contrário, fez com que ele se
intensificasse. A vontade de estar com Elizabeth era maior do que antes,
principalmente porque ela compreendia - e apoiava? - as decisões que ele
vinha tomando.
Mas ele não fez isso porque o escritório foi invadido por uma Agatha
agitada e animada demais.
— Aiden, preciso sair para visitar minha estilista. Edward, aquele
tratante, enviou esse convite em cima da hora e não tenho um vestido
adequado para…
Ela percebeu os dois sentados no sofá. Elizabeth levantou-se, um tanto
constrangida, assim que a porta se abriu, mas Agatha era perspicaz. Parecia
que o destino de Aiden era estar cercado de mulheres sagazes que não
deixavam de notar nada ao redor.
— Você tem mais vestidos do que pode usar, Agatha. Mas, se precisa de
um novo, vá à estilista.
— Certo. — Agatha os olhava com curiosidade. A irmã desconfiava de
algo, claro que sim, mas ele não fazia ideia do que aquilo significava. —
Então vou levar Elizabeth comigo.
Aiden quis dizer que ela não deveria fazer aquilo, que a governanta tinha
outros serviços. Mas ele havia garantido que a irmã era a prioridade sempre,
então não deveria voltar atrás. Concordou e suspirou por passar o restante do
dia sem poder ver Elizabeth novamente.
Capítulo décimo oitavo

E LA NÃO ESTAVA ENGANADA . O irmão e a Sra. Collingworth tinham um


relacionamento estranho. Aiden sempre fora um homem distante e
desinteressado pelos criados, Agatha duvidava que ele soubesse o nome de
todos eles. Mas a governanta, ele a tinha contratado e ela estava sempre com
ele em situações no mínimo inusitadas. Não que Agatha se importasse, ela
achava o máximo que o irmão tivesse, afinal, vontade de estar com alguma
mulher.
Mas ela era uma plebeia e a lady não sabia o que fazer com aquilo. Se
incentivasse Aiden, se ajudasse uma aproximação dos dois, isso poderia ferir
Elizabeth porque ele não se casaria com ela. Certo? Bem, e por que não?
A primeira coisa que ela precisava fazer era garantir que as duas fossem à
festa de Edward McFadden e aquilo tinha sido providenciado com sucesso.
Agatha não gostava muito do conde, ele era pedante e cheiro de regras e
manias, mas poderia tê-lo como aliado. Naquele momento ele seria seu único
aliado, já que a mãe não suportaria a ideia de aproximar o duque de uma
plebeia viúva.
Ela tinha um bom plano. Ele fez mais sentido no instante em que pegou o
irmão tocando Elizabeth enquanto pegava um papel das mãos dela. Inventou
a necessidade de levar a governanta para acompanhá-la até a estilista porque
precisava conseguir um vestido para ela. Não dava para levá-la ao baile sem
um vestido adequado.
— Elizabeth, preciso confessar uma coisa. — A lady disse, quando as
duas caminhavam na direção da loja de sapatos. Agatha também inventou
que precisava de sapatos, claro. — Não estamos aqui para comprar algo para
mim.
— Entendo. Será um presente, então? Algo para o duque?
— Não, o duque não é muito fã de presentes desse tipo. Eu pensei em
comprar um presente, sim, mas para a senhora.
— Para mim? — Elizabeth parou no meio da via e levou alguns segundos
para retomar o passo. — Lady Agatha, eu fico agradecida, mas não posso
aceitar. Nem teria onde usar um sapato refinado como os que vendem nessa
loja.
As duas entraram e foram recebidas por um vendedor de olhar amistoso.
Era um antigo conhecido de Agatha, que tinha uma coleção de sapatos que
mal cabia em um quarto.
— Terá, quando for comigo ao jantar do Conde de Cornwall, amanhã.
— Milady, eu não vou ao jantar. Não é comum uma dama levar criadas
de companhia em um evento social, portanto…
— Elizabeth. — Agatha virou-se e segurou-a pela mão. O vendedor
aguardou. — A senhora não irá como minha acompanhante, mas como
convidada. Tenho certeza que, quando retornarmos para Thanet Bay, haverá
uma mensagem do conde para a senhora. Concordamos que, apesar de seu
contrato como governanta, sua situação na casa é bastante atípica. E, bem, eu
sei que há algo entre a senhora e meu irmão.
Aquela última parte saiu sussurrada, mas não evitou que Elizabeth
enrubescesse e baixasse o olhar.
— Não se preocupe. — A lady prosseguiu. — Seja qual for, seu segredo
está seguro. Na verdade, eu estou empolgada não importa o que for que haja.
Por isso quero que vá ao jantar, quero que ele tenha a chance de tirá-la para
dançar. Você já participou desses eventos quando bem nova. Sabe como se
portar neles.
Elizabeth não parecia convencida e o plano de Agatha precisava da
concordância dela para dar certo. Talvez com um banho de seda e um pouco
de reforço da feminilidade dela, a resistência disspasse. E foi isso que a
jovem dama fez: experimentaram sapatos, depois foram para a estilista e
experimentaram alguns vestidos de segunda mão. Agatha só vestiria um
exclusivo, só que não tinham tempo e o vestido não era para ela. Elizabeth
tinha que estar perfeita para a noite seguinte. E ela estaria.
O vestido escolhido era rosa, um tom intenso e elegante, com a saia
enfeitada por laços, rendas e rosas. Não tinha mangas longas e o decote
exibia o colo de forma a provocar sem exageros. Depois de alguns ajustes, ele
coube perfeitamente em Elizabeth, como se tivesse originalmente sido feito
sob medida.
— Está perfeito. — Agatha disse, animada. — Só precisa de uma joia no
pescoço.
— Certo, mas a senhorita não vai comprar uma joia para mim.
— Não preciso, eu tenho várias. Há colares que foram de minha avó e
nunca nem mesmo usei. Tem um que tem um quartzo rosado que certamente
vai ficar perfeito com o vestido.
A governanta retornou para o outro lado do biombo.
— Lady Agatha, eu aprecio seu esforço, mas não entendo os motivos
pelos quais minha presença nesse jantar é adequada. Eu sou apenas uma
criada.
— Não é. — A lady foi até ela para ajudá-la com o espartilho. Dispensou
a estilista por um instante para poderem conversar. — Veja bem, eu sei que
Aiden gosta da senhora. Não me faça perguntas, mas eu conheço meu irmão.
E ele precisa de uma esposa, precisa de um herdeiro, e isso vai acabar
fazendo com que ele se case por obrigação com uma dama que ele não ame.
A risada de Elizabeth era um misto de nervosismo e horror. Agatha
adorava despertar aqueles sentimentos nas pessoas.
— E milady acha que eu sou a solução para isso? Que seu irmão
consideraria casar-se comigo?
— Por que não? Ele não precisa de uma dama com dote, somos muito
ricos. Basta que seja alguém que ele ame.

A inocência de Lady Agatha era tocante. Elizabeth engasgou duas vezes com
a própria risada nervosa durante uma conversa bastante constrangedora em
que a lady insistia que Aiden Trowsdale gostava dela e poderia se casar com
ela. Claro que o duque não se casaria com ela, em nenhuma das vidas que ela
tivesse vivido. Se houvesse vinte vidas possíveis, ainda assim o duque não
desposaria uma mulher como ela.
— Milady, por mais que eu me sinta honrada com sua aprovação, seu
irmão jamais desposará uma plebeia. Ele é um duque, tem responsabilidades
a cumprir.
A jovem deu uma risada divertida e terminou de soltar o espartilho. Foi
bom voltar a respirar, Elizabeth não estava acostumada a ser tão apertada.
Aquilo era coisa que tinha ficado na sua adolescência.
— Vamos ver. Deixe-me seguir com o plano. Você não gostaria de ser
cortejada por um duque? Sei que ele é meu irmão, mas Aiden é um homem
bonito. Ele é meio mandão todas as vezes, mas tem um bom coração.
Ah, ela sabia muito bem o quanto o duque era bonito. E o quanto ficaria
feliz em ser publicamente cortejada por ele. Não mais por causa de um sonho
de juventude, mas porque ela gostava de Aiden. Poderia continuar negando e
fingindo que sentia apenas desejo pelo homem, mas a verdade era que
Elizabeth gostava da companhia do duque, muito mais do que deveria.
Ele era divertido e falava coisas com ela que nenhum outro homem
falaria. Tinha ideias progressistas demais para um duque e pensava no bem
estar das pessoas menos afortunadas. Ele tratava bem os empregados, mesmo
que agisse como um nobre quase sempre. Aqueles detalhes, que ela percebeu
no pouco tempo ao lado dele, faziam de Aiden um nobre incomum. Ele a
notara e ele a reconhecera como pessoa, enquanto nenhum outro aristocrata o
fizera.
Mas aquela situação criada por Lady Agatha era absurda. Se ela deixasse
que o plano prosseguisse, por melhores que fossem as intenções da jovem,
apenas um coração sairia ferido - e era o dela. Elizabeth não podia ser tão
inconsequente. Mesmo assim, ela nada fez para impedir. Não recusou o
vestido nem os sapatos nem o convite para ir à festa, mesmo que aquela
informação só fosse ser revelada para Aiden no dia seguinte, poucas horas
antes do jantar.
— Eu irei aos festejos do conde. — Elizabeth concordou, já arrependida
de tê-lo feito. — Mas a senhorita não pode provocar seu irmão a me tirar para
dançar nem inventar uma história mirabolante sobre mim. Minha família já
foi burguesa e frequentou eventos sociais com a nobreza. Não é preciso ser
muito criativo para contar uma história sobre mim.
— Combinado! — Lady Agatha bateu as palmas das mãos. — Estou
muito excitada, quase poderia gritar de euforia.
Não dava para compreender por que aquela jovem estava tão empolgada
em casar seu irmão com uma mulher fora da sociedade. Um casamento
daqueles representaria a exclusão de Aiden Trowsdale de todos os círculos
sociais que ele conhecia. Deixaria de ser convidado para bailes e eventos e
seria motivo de chacota nos clubes de cavalheiros.
Também não dava para entender por que Elizabeth concordou em deixá-
la prosseguir com aquela loucura, sabendo dos riscos e das consequências.
Talvez ela quisesse, afinal, ter um dia de realeza e frequentar um baile na alta
sociedade aristocrática.
Se não fosse sua vestimenta de criada e seu caminhar sempre dois passos
atrás da lady, talvez ela até pudesse acreditar que passar a tarde na vila fosse
um programa de uma dama. Quando retornaram para casa, a jovem ordenou
esconder todas as compras em seu quarto e determinou que, no dia seguinte,
Elizabeth deveria estar disponível para se arrumar quando faltassem três
horas para o jantar. Greenwood Park ficava próximo de Thanet Bay, então
elas não precisavam de muito tempo.
Aquele era um plano que a deixou agitada. Mesmo já deitada, na cama,
com as crianças dormindo, Elizabeth não conseguia pegar no sono. Olhava
fixamente para a chama de uma vela que queimava solitária em uma
arandela, sonhando com um salão de baile iluminado por muitos candelabros
e cheio de cavalheiros elegantes, com casacas pretas, cartolas e bengalas, e
damas com vestidos bordados e cheios de babados.

O péssimo humor do duque podia ser sentido no ar da mansão. Apesar da


impecável postura do mordomo, John estava claramente temeroso ao
informá-lo que sua mãe, a duquesa demoníaca, desejava vê-lo. Aiden não
detestava a mãe, nem se importava muito em ir até ela, mesmo sabendo que
seria ofendido. Preferia que ela o fizesse na privacidade de seu quarto ao
invés de desqualificá-lo perante outros nobres, como costumava fazer quando
deixava sua reclusão.
O problema dele, naquela noite específica, era a falta da luz dourada dos
cabelos de Elizabeth. A ausência do azul cintilante como o céu daquele verão,
não poder sentir o cheiro das gardênias nem tocar aquela pele de porcelana. A
governanta estava tirando o seu juízo mas ele não podia deixar que ninguém
suspeitasse daquilo.
Preferiu não bater à porta, apenas entrou nos aposentos da duquesa. Ela
estava à janela, sentada em um canapé, observando o breu que começava a
engolir o bosque que circundava parte da propriedade. Quando percebeu o
filho chegando, ajeitou-se com sua mais inexpressiva face.
— Mandou me chamar, mamãe? — Aiden perguntou com um sorriso. Ele
nunca era correspondido, mas insistia em parecer feliz na presença dela.
— Sim. Quero que inicie o cortejo de Madeline Westphallen no jantar de
Cornwall, amanhã.
Ele engasgou. Talvez porque tentou não rir imediatamente do absurdo
que lhe era pedido.
— Cortejo? — Aiden repetiu a palavra marcando cada letra, desejando
confirmar que não tinha se equivocado.
— Sim, cortejo. Você é um homem de trinta e um anos que nunca
demonstrou interesse em nenhuma dama, nunca frequentou uma temporada a
sério. Já passou o momento desse comportamento, Aiden Trowsdale. Como o
Duque de Shaftesbury você tem responsabilidades em dar continuidade à sua
linhagem e precisa de uma esposa adequada.
— A senhora decidiu, portanto, que Lady Madeline é adequada? — O
duque mantinha sua atitude gentil mesmo que seu corpo indicasse seu
desconforto ante a intromissão da mãe em seus assuntos.
— Ela é filha de um visconde e está na idade certa para se casar. E tem
afeição por você. Amanhã você deve reservar a primeira dança dela para
você, isso indicará seu interesse.
Aquilo era um completo absurdo. Aiden levou as duas mãos às têmporas
e as pressionou, olhando para o chão enquanto respirava profundamente. Ele
deveria gargalhar logo de uma vez e garantir que sua mãe entendesse que ele
não pretendia, em nenhuma hipótese, cortejar Madeline Westphallen.
Ou ele podia concordar. Tirá-la para dançar, manter a paz dentro de sua
residência e, no final, escolher a noiva que desejasse. Ainda era cedo para a
próxima temporada, ele tinha tempo para decidir. De uma forma ou de outra,
ele acabaria se casando com uma dama como Lady Madeline e não havia
muito que pudesse fazer para evitar.
— Certo, mamãe. Amanhã, quando as danças começarem, eu tirarei Lady
Madeline para dançar. Mas eu não posso prometer nada além disso.
— A primeira dança, Aiden.
— Uma dança. — Ele sorriu novamente. — Não prometo mais do que
isso. Deseja mais alguma coisa?
A duquesa levantou-se e caminhou até ele, que prendeu a respiração e
sentiu seu coração acelerar. Por mais que fosse impossível amar Myrtle
Trowsdale, ele a amava. Conhecera a versão agradável da mãe, a versão
amorosa e gentil. A que não tinha sido amaldiçoada por cinco bebês que
morreram logo após o parto. A que não tinha sido contaminada pela
amargura, antes que ela se fechasse em uma armadura de desamor e azedume.
O duque que amava sua mãe ansiava por um abraço ou um sorriso. Mas o
que ele recebeu naquele instante foi um olhar de desprezo que o inspecionou
de cima em baixo.
— Não seja uma vergonha para seu título. — Ela murmurou. — Sabe que
odeio crianças tanto quanto você, mas precisamos de um herdeiro nessa casa.
Quanto mais cedo começar, mais tempo terá para produzir um varão. Pare de
agir como um irresponsável e procure uma esposa, Aiden. Agora pode ir.
Pode ir era sinônimo de vá logo, a realização do desejo de qualquer
pessoa que adentrasse nos aposentos da duquesa viúva. O duque engoliu uma
lufada de ar e saiu, fechando a porta atrás de si. Recostou por alguns
segundos na madeira bem lixada e ponderou brevemente se valia mesmo a
pena tudo aquilo. Se valia a pena abrir mão de qualquer coisa para satisfazer
um desejo de Myrtle. Ela continuaria odiando e desaprovando tudo que ele
fizesse, não importando o que nem como fizesse.
Ele dançaria com Madeline Westphallen. Mas ele se casaria com quem a
dama que escolhesse e a mãe não poderia impedir.

— A senhora está linda.


Lady Agatha estava mais animada do que de costume, dando saltinhos e
batendo palmas toda vez que olhava para sua criação. Era o que Elizabeth
significava naquela noite, o resultado de um dia inteiro de dedicação.
Três mulheres ficaram trancadas no quarto da lady, protegidas por uma
mentira fácil de acreditar: a necessidade de organizar o quarto de vestidos,
que ficava anexo, e preparar Lady Agatha para os festejos da noite. Era
desejável uma ajuda maior, mas elas não podiam confiar em mais ninguém
para aquele plano.
Se a duquesa desconfiasse que a governanta iria à festa do conde, ela teria
um ataque do coração. Elizabeth não queria estar desempregada no dia
seguinte, então precisava ser cuidadosa. Por isso, primeiro elas se banharam
com leite e sais, para que a pele ficasse macia. Depois, elas se ajudaram com
os vestidos, que necessitavam de muitas camadas e muitos ajustes. Por fim,
dedicaram-se a cuidar dos cabelos.
Quando Elizabeth se olhou no espelho, já no início da noite, a figura que
ela viu fazia jus à frase da lady. Aquela mulher que olhava de volta para ela
era uma dama, ninguém diria que não. Os cabelos estavam trançados, presos
e enfeitados com flores. O vestido rosa tinha um tom adequado para sua pele
e a gargantilha com a pedra rosada ficou perfeita em seu pescoço.
— Faz muito tempo que não me visto assim. — Ela girou lentamente no
próprio eixo para admirar o trabalho perfeito das suas ajudantes e da estilista
que elaborou aquele vestido perfeito. — Espero não me acostumar.
— Já eu espero que a senhora se acostume. Porque, quando meu irmão te
notar…
Ele já a notara, Elizabeth quis dizer. Mas ela só conseguia pensar no
quanto era ridículo aquele plano. Mesmo que o duque a desejasse, entre eles
nunca haveria mais do que aquilo. Ou ela aceitaria ser sua amante, ou ela
continuaria sendo sua criada. Não havia outra opção.
— Isso nunca acontecerá, milady. Sem contar que sua mãe jamais será a
favor de nada relacionado ao seu plano.
— Minha mãe também não manda em Aiden. A senhora pode ser uma
plebeia, mas Madeline Westphallen não é em nada mais qualificada.
— Ela tem um título, milady. Ela é totalmente mais qualificada do que eu.
— Bem, eu duvido que Aiden se importe mais com títulos do que com os
sentimentos dele. Ele foi criado por meu pai, por Deus!
Aquilo não acalmava o nervosismo que crescia dentro de Elizabeth desde
que se trancou naquele quarto com a lady. Mas não adiantava discutir ou
voltar atrás, ela tinha que enfrentar a estúpida decisão de se envolver naquela
bobagem de seduzir o duque em um evento formal. Era uma exposição
desnecessária de uma personagem fictícia, pois Elizabeth nunca poderia
aparecer em público como ela mesma.
— Moira vai garantir que um cabriolet te conduza a Greenwood Park. —
Agatha disse, já se preparando para sair. — Vamos à frente e a senhora chega
depois, porque eu quero ver a expressão de Aiden quando a senhora surgir
naquela festa. Sobre mamãe, não se preocupe - ela já se recolheu e nunca sai
do quarto à noite. A doença se agrava e ela sente dor.
Elizabeth ouviu tudo com cuidado mas o estômago estava cheio de
borboletas que voavam nervosas dentro dela. Os minutos viraram horas e,
quando Moira indicou que ela deveria descer para ser conduzida até a
propriedade do conde, ela quase não conseguiu sair do lugar. Só que, no final,
ela queria ir à festa e aproveitar uma noite sem que ela fosse a mulher
servindo os convidados.
A casa do conde não ficava muito longe de Thanet Bay e o vento da noite
estava fresco o suficiente para que Elizabeth não sentisse enjoo com a
ansiedade crescente. Aquele era um momento crucial porque, se o duque não
gostasse de sua aparição surpresa, ela teria que voltar para Londres no dia
seguinte, desempregada e desiludida.
Capítulo décimo nono

A PRIMEIRA COISA que Aiden viu, ao chegar a Greenwood Park, foram as


damas casadoiras. Elas o perseguiam, era como se estivessem ali esperando
os nobres solteiros para fisgá-los. O duque sabia que era um dos melhores
partidos para aquelas jovens já próximas da solteirice, mas ele não podia se
obrigar a querer nenhuma delas.
Sua educação não permitia que fosse deselegante com elas, mas ele
também não era gentil. Desceu da carruagem, ofereceu a mão para a irmã, e
caminhou carrancudo para a entrada principal da residência dos McFadden.
Várias pessoas se aglomeravam ali enquanto aguardavam para serem
anunciadas e entrar, algumas apenas queriam esperar um pouco antes de
enfrentarem as formalidades da noite.
— Vamos entrar logo e sair desse formigueiro. — Aiden sussurrou para
Agatha. Ela segurava a dobra do cotovelo dele e acenava para algumas ladies
que conhecia. — Suas amigas estão doidas para me pegarem sozinho.
— Não podemos entrar agora. — Ela murmurou de volta. — Tenho uma
surpresa e ela deve estar chegando.
O duque olhou para baixo e viu os olhos grandes e úmidos da irmã, que
se assemelhavam aos olhos dos filhotinhos pidões.
Céus, a irmã tinha aprontado alguma. Aquela era a certeza que emanava
das palavras “eu tenho uma surpresa” emanadas de Agatha, porque ela
sempre estava por trás das mais profanas armações. Tinha a quem puxar,
afinal, porque a mãe também era bem engenhosa.
— Que surpresa, Agatha? Por Deus, não me faça passar nenhum
constrangimento hoje. Essa é a casa do meu melhor amigo.
Ela riu, uma risadinha tímida que representava uma ingenuidade que ela
não tinha. Agatha era pura engenhosidade perversa e Aiden tinha medo do
que ela planejava.
— Vamos apenas aguardar, aí você decide se eu vou te constranger ou
não.
Aiden entregou a cartola e a bengala para um criado e colocou dois dedos
no colarinho justo da camisa. O lenço não estava apertado, nem a roupa, ele
tinha começado a suar por receito do que o esperava. Como a irmã olhava
fixamente para a entrada, ele também fez aquilo e aguardou. Minutos e mais
minutos se passaram até que um cabriolet parou na porta de Greenwood Park.
Não era comum que os nobres chegassem em transportes como aqueles e
por isso muitos dos presentes pararam para ver quem era o convidado
inusitado. O queixo de Aiden Trowsdale tocou o chão e seu coração deu um
salto pela boca quando de dentro do veículo saiu Elizabeth Collingworth
vestida como uma rainha.
Não. Ele conhecia a realeza e nenhuma dama real era tão bela, tão
elegante, tão angelical como aquela que caminhava em sua direção. Ela vinha
sozinha, o que era também incomum, e segurava o vestido com uma mão
enluvada. Tudo nela reluzia como ouro e ela irradiava tanta luz quanto
qualquer lamparina daquele jardim.
Aiden deveria ir até ela, mas seus pés estavam colados no chão. Agatha o
cutucou nas costelas e fez com que ele se movesse - era adequado que ele a
recebesse. Com alguns passos vacilantes o duque parou à frente de Elizabeth
e precisou de muitos segundos para estabelecer um raciocínio coerente.
— Elizabeth. — Ele murmurou. As pessoas então olhavam para eles. —
A surpresa de Agatha era… a senhora?
— Acredito que sim. — Elizabeth sorriu. — Peço desculpas por isso,
Alteza, mas a sua irmã sabe ser persuasiva.
— Ah, sabe. — Ele ofereceu o braço para ela segurar. — Mas eu não
quero que se desculpe eu… fico sinceramente feliz que esteja aqui, agora. Eu
quis te ver todos esses dias, porém os compromissos me impediram. E eu
quis muito que a senhora estivesse nessa festa, hoje.
Sim, ele quisera muito vê-la, tocá-la, beijá-la e fazer amor com ela por
três quase três dias inteiros, mas tudo conspirava para que se
desencontrassem. Naquele momento, a presença dela ali era como um desejo
secreto sendo atendido.
Elizabeth segurou a dobra do cotovelo de Aiden e o calor dos dedos dela
ultrapassavam qualquer barreira de tecido. Talvez ele estivesse enganado,
mas ela tremia e tinha o coração acelerado.
— Eu não sei se deveria ter vindo, afinal. Não sei como serei anunciada.
— Deixe que eu e Agatha nos preocupemos com isso. Afinal, a senhora
foi convidada, não foi?
— Sim, o conde me enviou um convite formal.
— Então seu nome está na lista, não há nada com o que se preocupar. Só
tem uma coisa, Elizabeth.
— Diga, Alteza.
— Bem, agora são duas. Uma, não me chame de Alteza. Duas, sua
primeira dança é minha.
Ela virou o pescoço e olhou para ele. Seus olhos azuis brilhavam
emoldurados por belíssimos cílios longos e fartos. Se Aiden sabia como
respirar, naquele instante ele tinha se esquecido.
Não fez diferença que a mãe lhe tivesse expressamente exigido que
reservasse a primeira dança para Madeline Westphallen. Nada ali, naquele
momento, importava além da iluminada presença de Elizabeth Collingworth.
— Isso não é um baile formal. Teremos dança?
— Sempre temos dança nos jantares de Edward. E eu quero ter uma
dança com você.

Todas as incertezas de Elizabeth desapareceram momentaneamente quando


ela entrou segurando o braço do Duque de Shaftesbury em um salão cheio de
nobres e pessoas com dinheiro. Ela podia ser recusada por todos aqueles
cavalheiros e damas que não seria importante - ela já tinha sido aceita por ele.
Por Aiden Trowsdale, o homem mais imponente, alto e lindo daquele lugar.
Quando eles passavam, homens cumprimentavam e mulheres suspiravam,
mas quem estava com as mãos nele era ela. A governanta, a plebeia incauta
que decidiu aceitar fazer parte dos planos inconsequentes de uma lady
bastante atrevida.
— O Duque de Shaftesbury. Lady Agatha Trowsdale e Sra. Elizabeth
Collingworth.
O criado os anunciou com um brado alto e metade do salão principal se
virou para vê-los entrar. A primeira face que Elizabeth reconheceu foi a de
Edward McFadden e ele foi da confusão para a estupefação assim que os viu.
Assim como algumas ladies, dentre elas as que estiveram na casa em Thanet
Bay para o chá das cinco.
Todo mundo ali poderia reconhecê-la. Todas aquelas mulheres saberiam
quem ela era, então não havia exatamente uma mentira sendo contada.
Apenas uma brutal afronta à sociedade que eles tanto prezavam - uma plebeia
qualquer não era introduzida como se fosse uma deles.
— Seja bem vindo, meu amigo. — O conde veio recebê-los. — Vejo que
trouxe uma convidada especial, hoje.
Elizabeth fez uma pequena reverência. Edward chamou o criado que
servia as bebidas e pegou duas taças de champanhe para as mulheres.
— Sei que você já tinha plena ciência da vinda dessa convidada.
— Claro. Isso já deixou mamãe louca, ela teve que mudar o mapa de
disposição de lugares de um dia para o outro. Será intrigante. Vou cuidar dos
meus outros convidados, divirtam-se.
O conde se afastou e Aiden indicou que faria o mesmo. Pegou a mão de
Elizabeth e beijou-a delicadamente por cima da luva. A forma como ele a
olhou enquanto fazia aquilo causou um rebuliço dentro dela.
— Moças, eu vou conversar com alguns cavalheiros. Nos vemos no
jantar.
Lançada aos lobos, à deriva em alto mar, perdida em um deserto. Aquelas
eram algumas das sensações experimentadas por Elizabeth naquele instante,
porque ela sentia como se todo mundo olhasse para ela e a escrutinasse de
forma a tentar entender quem era aquela mulher desconhecida que recebia
tanta atenção do duque.
O duque desejado e cobiçado pelas damas solteiras daquele evento. O
duque que administrava prósperas propriedades e fechava negócios
milionários com os novos ricos de Londres.
Talvez por causa da ansiedade, Elizabeth bebeu o champanhe muito
rapidamente. O salão girou duas vezes mas parou exatamente quando as
irmãs Westphallen se aproximaram dela e de Lady Agatha. Ela precisava se
esforçar, não podia chamar os patrões de forma a indicar que ela fosse uma
mera criada. Mesmo que ela fosse.
Madeline era uma jovem bonita, apesar de ter um olhar de quem estava
sempre prestes a atacar uma presa. Ela tinha cabelos castanhos escuros e
olhos palidamente verdes, o que lhe conferia um ar exótico que certamente
chamava a atenção dos homens. Por que ela ainda estava solteira, era um
mistério. Sua irmã, Sarah, era bastante baixa e tinha formas arredondadas que
estufavam o vestido. Ela certamente estava fora dos padrões estabelecidos
por aquela sociedade, porém parecia confortável com aquilo e sorria
francamente. As duas eram muito diferentes, não pareciam irmãs.
— Agatha! — Ela cumprimentou a lady. — Que bom vê-la, já estava
achando que não teria nenhuma jovem solteira para me fazer companhia além
de minha propria irmã. Precisamos garantir bons negócios na próxima
temporada, aqui está cheio de bons partidos.
— Não estou desesperada pela próxima temporada. — Lady Agatha
sorriu.
— Mas deveria! Não queira ficar como eu, com vinte e dois anos e sem
marido.
— Acredito que Agatha encontrará um ótimo casamento em breve. —
Elizabeth disse, metendo-se aonde não deveria. Ela não conseguia ficar
silente quando ouvia todo mundo insistindo que a lady deveria se tornar uma
caça maridos e mudar seu espírito para conquistar um homem. Elizabeth
acreditava que ela conseguiria aquilo sem precisar deixar de ser quem ela era.
— Oh. — Madeline pareceu notar Elizabeth pela primeira vez. — Você
trouxe a criada para a festa, Agatha?
A jovem murmurou, tentando fingir que se importava que alguém as
ouvisse.
— Elizabeth é minha amiga e está hospedada em Thanet Bay pelo verão.
Ela foi convidada pelo conde, por que eu não deveria trazê-la?
— Claro que deveria.
Mas a forma como Madeline começou a olhar Elizabeth a fez desconfiar
de que a lady Westphallen não tinha ficado convencida. Aquilo, e o fato de
ter sido ignorada pelas irmãs enquanto elas discutiam estratégias para caçar
maridos durante o jantar e durante o final de semana do baile tradicional em
Thanet Bay.
A noite poderia ser mais cansativa se o mordomo não chamasse todos
para servir o jantar. Elizabeth nem estava com fome, mas adoraria enfiar um
pouco de comida na boca de Madeline Wesphallen para que ela simplesmente
parasse de falar.

A condessa era uma mulher elegante e com uma expressão austera, para
quem Elizabeth não fora apresentada antes do jantar. Ela estava em uma das
pontas da mesa e Edward, o conde, em outra. Ele tinha mais outros três
irmãos, homens, que estavam em partes espalhadas da mesa. Todos eles eram
solteiros ainda, Elizabeth desconfiou pela quantidade de damas que
disputavam a atenção deles. A irmã mais nova também estava espalhada entre
os convidados.
A mesa era muito grande, quase poderia acomodar toda a população de
Kent. A louça e a prataria estavam impecavelmente dispostas e Elizabeth
sentiu um prazer secreto em ver uma mesa tão bem posta. Aquele era um
serviço que ela apreciava, no final.
O lugar que lhe tinha sido destinado era ao lado de Aiden Trowsdale. O
mais cobiçado dos lugares para uma dama solteira. Ao ver Agatha e Edward
se cumprimentarem sutilmente à distância, Elizabeth teve certeza que eles
estavam juntos naquela armação. Por que aquelas pessoas tinham decidido
que o Duque de Shaftesbury deveria cortejá-la? Claro que eles não tinham
ideia do que já acontecera entre eles, mas, de qualquer forma, com tantas
damas solteiras, ela deveria ser a última opção para retirar o duque da
solteirice. Se houvesse uma lista, ela nem estaria nela.
— A senhora sabe que eles fizeram isso de propósito, não sabe? — Aiden
sussurrou para Elizabeth, depois que estavam sentados e sendo servidos.
— Desconfio que tenham feito. Mas não entendo por que fizeram.
— Nem eu. Prefiro aproveitar o momento a tentar desvendá-lo.
Sim, ela também. Se gastasse seus esforços tentando compreender as
pessoas ela acabaria perdendo boas oportunidades de se divertir. O serviço
em Greenwood Park também era tão surpreendente quanto a decoração. A
comida era muito bem coordenada e as bebidas harmonizavam perfeitamente
com cada prato.
Como uma dama não comia muito, ela se controlou para aceitar apenas
pequenas porções e levou bastante tempo com cada bocado, movendo a
cabeça em atenção às conversas da mesa. Todas elas giravam, de certa forma,
sobre negócios, construções, empreendimentos. A vida em Londres estava
mesmo mudando e ela considerou que Aiden tinha razão: em breve, a
Inglaterra seria comandada pela burguesia.
— E Vossa Graça, quando deixará essa vida libertina para trás e
sossegará com uma esposa? Está na hora de encomendar um herdeiro, não?
— Um homem de cabelos permeados por fios prateados disse. Elizabeth não
tinha sido apresentada a ele, também. — O meu já está a caminho, dessa vez
será um menino.
— Você disse isso nas outras três vezes, Lockwood. — Edward
provocou.
— Pretendo escolher uma noiva na próxima temporada. — O duque
disse, mas não havia nenhuma emoção ou entusiasmo em sua voz. Ele
parecia querer apenas encerrar o assunto, não deixar que aquela conversa se
prolongasse.
— Se for sortudo como seu pai, terá logo um filho. O homem era uma
máquina de produzir herdeiros.
Elizabeth franziu a testa e olhou para o semblante de Aiden. Ele estava
tenso e aquele homem que falava parecia não saber muito sobre limites. O
que ele quis dizer com aquilo? O duque tivera apenas dois filhos e um deles
era Lady Agatha, uma menina. Ou ela estaria enganada?
— Vamos esperar que eu seja como meu pai. Detestaria precisar
engravidar minha esposa tantas vezes apenas para conseguir produzir um
varão.
— Senhores, por favor, vamos falar de assuntos mais agradáveis. — A
condessa interviu. — Por que não conversamos sobre o baile e a caçada que o
gentil Duque de Shaftesbury nos oferecerá em breve?
O tema da conversa mudou e logo todos estavam falando dos eventos que
teriam vez em Thanet Bay. Elizabeth sentiu Aiden ainda tenso. Depois ela
perguntaria por que aquela discussão o incomodava e o que ela significava.
Afinal, o peso da necessidade de se casar não deveria incomodar tanto um
duque, deveria?
Ela preferiu apenas observar durante o restante do jantar. Estava em uma
posição complicada no meio dos nobres, agindo como se não fosse uma
criada. Elizabeth queria acreditar que não estavam mentindo a seu respeito, já
que ela não foi apresentada como uma dama. Mas não podia se enganar -
ninguém ali queria acreditar em quem ela era de verdade.
Ao final, as mulheres saíram para outro salão, coberto com papéis de
parede de tons pastéis e muitos quadros, enquanto os homens permaneciam à
mesa para tomar um vinho do porto. Aquela seria a melhor hora para
Elizabeth voltar para Thanet Bay, mas Lady Agatha insistiu que ela deveria
ficar.
— Sei que Aiden te pediu uma dança. — Ela sussurrou.
— Mas não tem ninguém dançando, milady. Nem música tocando.
— Terá. Em breve. Apenas espere e ouça.
Esperar era perigoso, principalmente quando algumas das damas
presentes pareciam tão interessadas nela. Ou quando a conversa sobre o
clima, sobre vestidos e sobre maridos futuros estava tão enfadonha. No meio
das mulheres trabalhadoras, da classe mais baixa de Londres, os assuntos
eram bem mais variados.
Porém ela esperou, e se surpreendeu quando a música realmente começou
a tocar.
Eram cordas, ela reconheceria o violino e o violoncelo em qualquer lugar.
Aliás, eram os violinos, e eles tocavam obras clássicas que Elizabeth
aprendera a admirar na infância. A condessa apareceu no salão onde as damas
tomavam chá e as convidou para o salão de baile, de onde vinha a música.
Seria muito assustador acreditar que aquela mudança repentina no evento
decorresse das intenções do duque em dançar com ela. Claro que Edward
McFadden já tinha uma orquestra planejada desde o início, ele não
conseguiria músicos para tocar em evento tão rapidamente. Se estivessem em
Londres, talvez, mas ali? Não. Era apenas coincidência, mas a coincidência
às vezes podia ser a mãe de todas as tragédias.
Assim que pisou no salão de baile, ela o viu. Aiden estava como que a
esperando e como se ninguém mais existisse naquele ambiente. Mil homens e
mulheres poderiam estar naquela sala, mas Elizabeth só conseguia vê-lo. A
forma como ele a olhava fazia com que ela se sentisse a única mulher daquele
salão.
— A senhora me prometeu a sua primeira dança. — Aiden segurou-a pela
mão enluvada.
— Se eu me lembre, o senhor exigiu que eu lhe prometesse minha
primeira dança. — Ela riu e suas bochechas coraram. Ficaram no tom de rosa
do vestido, dando àquela pele clara o tom de quem estava constrangida.
— Se não fosse inadequado, todas as suas danças seriam minhas. — O
duque a encarou com seriedade. Os olhos, dois globos escuros que a
devoravam com ansiedade, indicavam que ele não estava brincando. — Não
vou gostar que nenhum outro homem aqui coloque as mãos na senhora.
— Ninguém mais vai me tirar para dançar, Alteza.
— Acredito que a senhora se surpreenderá, então.
O duque conduziu-a para o centro do salão. Havia já alguns casais que
iniciavam sua dança e Elizabeth sentiu um breve temor de não se recordar
dos passos que aprendeu ainda muito jovem. Ela nunca fora convidada para
os bailes, apenas conseguia ver as danças quando elas aconteciam na casa dos
Pensington.
Mas Aiden era um exímio dançarino. Com a mão na cintura dela e a outra
segurando seus dedos trêmulos, ele fez um movimento com a cabeça
indicando que ela deveria apenas segui-lo e passou a rodopiar pelo salão
como se os pés dele fossem feitos de nuvens.
Elizabeth segurou a saia e tentou fingir que estava relaxada e
aproveitando a dança. Ela estava. Mas a presença de Aiden, em um evento
social como aquele, depois de algum tempo sem que pudessem ao menos se
ver, a deixou desorientada.
— Eu gostaria de elogiar minha irmã e dizer que Agatha fez um ótimo
trabalho com a senhora, hoje. — Ele disse. — Mas seria injusto, mesmo que
verdadeiro. A sua beleza não precisava de retoques.
— Alteza, eu…
— Aiden. — Ele sorriu.
— Eu não mereço elogios tão exagerados.
— Não há nenhum exagero nas minhas palavras. — Os olhos indicavam
mais uma vez que ele dizia a verdade. — Minha vontade, agora, era de girar
com a senhora para fora desse salão e encontrar um local com privacidade o
suficiente para que eu pudesse beijá-la.
Ela corou novamente, a face rubra pelo desejo que estava estampado em
cada expressão vinda do duque. Ao mesmo tempo, temeu que as pessoas
pudessem notar. Que todo mundo ali percebesse que ela estava apaixonada
pelo Duque de Shaftesbury e que nada bom poderia vir daquilo.
Capítulo vigésimo

A IDEN NÃO LIGAVA para bailes nem festejos sociais. Achava danças muito
entediantes e preferia discutir negócios com os homens em outros espaços
menos excêntricos. Mas ali, naquele momento, tudo que ele queria era dançar
com Elizabeth Collingworth. Mostrar para todos naquele evento que ela
concedera a sua primeira dança para ele, demarcar seu território de alguma
forma.
Desde que ela chegou ele mal conseguia disfarçar que não tirava os olhos
dela. Se Agatha havia planejado aquilo para constrangê-lo em público, ela
tinha conseguido atingir seu objetivo. O mais absurdo era que Aiden não
conseguia entender o que sentira a ver Elizabeth chegar, vestindo seda e
renda, produzida como uma dama da sociedade que ele conhecia, impactando
com sua presença suave, porém marcante.
Ela estava mais linda do que quando a viu pela primeira vez, na
estalagem? Ou mais perfeita do que quando a despiu em seu quarto? Estaria
Elizabeth mais digna de sua admiração apenas porque vestia roupas elegantes
e tinha o cabelo empoado e penteado?
Não. Ele duvidava que aquela produção toda fosse a razão de seu coração
bater totalmente fora de um ritmo razoável. Então, por que ele sentia aquele
aperto no peito e tanta dificuldade para respirar enquanto giravam pelo salão
de baile ao som de Handel e conversavam sobre bobagens?
— A Srta. Westphallen está enciumada de nossa valsa. — Elizabeth
murmurou, movendo sutilmente a cabeça para o lado. O duque notou a figura
de Lady Madeline segurando uma taça de champanhe com força demais
enquanto os observava.
— Ela não tem motivos para ter ciúmes.
— Não tem?
— Não. Eu nunca prometi nada a ela, nem dei nenhuma esperança de que
tenho algum interesse nela. Todos os meus negócios com os Westphallen
envolvem o pai, que é um nobre negociante, como eu.
Elizabeth respirou profundamente e ele não soube dizer se aquela reação
se deu pela resposta dele ou porque a música estava prestes a acabar.
— A senhora entende que eu devo dançar com as outras damas, não
entende? — Aiden perguntou, assim que os últimos acordes da valsa
terminaram. — Inclusive com Lady Madeline.
— Assim como eu não devo recusar o pedido de outros cavalheiros. —
Ela o seguiu para o canto do salão, deixando o centro para os próximos casais
que já se posicionavam para a próxima dança. — Mas eu acho que devo
voltar para Thanet Bay, Alteza. Continuar aqui é…
— Justo, para a senhora. Uma tortura, para mim. Eu gostaria de pedir que
me espere, que vá para casa comigo.
— E isso não seria inapropriado? Se nos virem saindo juntos, vão
comentar. Já estão comentando.
Claro que iam comentar, mas Aiden suspeitava que fariam isso de
qualquer jeito. Já havia várias fofocas sobre uma mulher que passou dias
trancada com o duque, e como ele foi desonroso com ela, como ele a
arruinou. Depois da presença de Elizabeth em Greenwood Park, todos
acabariam associando a misteriosa mulher à visitante desconhecida que
estava hospedada na propriedade ducal. Então, deixar a festa com ela seria
apenas mais um ingrediente para servir de combustível à fofoca.
Que ele não pretendia fomentar, pelo bem da honra de Elizabeth. Aiden
pouco se importava que o considerassem um libertino. Ele não era, mas
ganhara fama por não demonstrar nenhum interesse em se casar ou cortejar
uma dama. Só que Elizabeth não merecia ser o centro do escárnio da maldosa
sociedade londrina. Mesmo que ela não fosse uma dama. Mesmo que ela não
fosse uma virgem que ele pudesse arruinar. Se ele pudesse evitar que ela
fosse atirada aos leões, então o faria.
— Tem razão. — Aiden beijou os nós dos dedos dela, por cima do tecido
fino da luva. Eles ainda estavam trêmulos. — Aguarde algumas poucas
músicas e volte para casa, se assim desejar. Nos vemos em outra
oportunidade.
Durante todo o trajeto para Thanet Bay, Elizabeth tentou aceitar o que
significavam as palavras de Aiden, ao despedir-se dela. Era uma promessa,
mas uma promessa futura. Eles se veriam, aquilo aconteceria um momento ou
outro, mas seria depois. Depois daquela noite. Depois daquela valsa. Apenas
depois.
Então, depois de algumas músicas e duas valsas dançadas com homens
que ela fora apresentada superficialmente pouco antes, ela escapuliu pela
porta lateral do salão. Fora cobertada por Lady Agatha. A jovem não
concordou muito com a fuga, mas parecia tão satisfeita com alguma coisa que
a auxiliou a sair sem ser notada.
Ele quer te ver. Uma voz ecoava no vazio da mansão em que todos
dormiam. Não havia nenhum som humano produzido nos espaços comuns.
Todos os criados já tinham se recolhido, os filhos dela dormiam
profundamente em suas camas e a duquesa estava em sua clausura regular.
Espere por ele, a voz insistia. Mas onde? Sentada como um espectro em uma
sala qualquer?
Elizabeth fechou a porta dos fundos, deixando-a cuidadosamente
destrancada para que o cocheiro pudesse entrar quando chegasse e olhou para
a escuridão. Acendeu uma vela e tomou uma decisão - ela esperaria por
Aiden até que ele chegasse, mesmo que demorasse muito. E ela o esperaria
da forma como gostaria que ele a visse.
Cada passo dado na escada que conduzia aos quartos foi uma sentença
que a condenava a uma vida de pecado. Era uma resolução importante - a
aceitação de que o desejo que sentia por Aiden Trowsdale era mais forte do
que o medo de partir seu coração. Que a paixão que experienciava precisava
de vazão.
Em silêncio e tremendo como se seus músculos estivesse virando pudim,
Elizabeth entrou nos aposentos do Duque de Shaftesbury e começou a
acender todas as velas que haviam em sua vista. Logo, o quarto estava
iluminado, aquecido e aconchegante.
O ambiente era ricamente decorado. Aquela era a primeira vez que ela
realmente notava os aposentos do duque - aquele espaço ainda nem mesmo
tinha sido inventariado por ela. Papéis de parede com padrões sóbrios e cores
pastéis, uma cama de mogno imponente, com um enorme dossel que subia
até o teto e cortinas de seda, em tom verde claro com bordados, que se
embolavam ao chegar ao chão. Havia duas janelas grandes, uma de cada lado
da cama, e uma lareira com lenha queimando na parede da esquerda.
Tudo ali era masculino e cheirava a Aiden. Era como se cada parte
daquele lugar estivesse impregnado de sua presença. Elizabeth então
começou a retirar suas roupas - ao menos as partes que ela conseguia
alcançar. Desfez o penteado, retirou a maquiagem do rosto com um pano
úmido, arrancou os sapatos e puxou as meias pelas pernas. Também retirou
as calçolas e restou apenas com os impossíveis botões do corpete e das saias,
que seus dedos não conseguiam alcançar.
O coração dela martelava em batidas tão altas que ela teve medo de
acordar a duquesa. Sentou-se em um sofá próximo à lareira e esperou,
temendo que precisasse esperar demais. Talvez Aiden não fosse chegar logo
e, se chegasse, estaria com Lady Agatha. E se a lady visse a claridade vinda
do quarto do irmão? Mas ela ainda assim queria arriscar.
Duas horas inteiras se passaram até que ela ouviu os cavalos e uma
carruagem parou no pátio frontal. Seu coração disparou novamente mas
Elizabeth não se moveu. Manteve-se ali, sentada e tentando demonstrar que
não estava ansiosa em invadir o quarto de seu patrão no meio da madrugada.
Mas, quando a porta se abriu e ele entrou, todas as suas dúvidas viraram
certezas. No instante em que ele a viu ali e a forma como os olhos dele
capturaram os dela, tudo aquilo pareceu apenas a coisa certa a se fazer.
Sem dizer uma palavra, Aiden deu alguns passos na direção dela, puxou-a
para cima pelas mãos e a beijou.
— Eu sonhei em encontrá-la aqui. — Ele murmurou com os lábios ainda
colados ao dela. Elizabeth levou a mão até o pescoço dele e entrelaçou os
dedos em seus cabelos. — Estou sonhando, ainda?
— Eu não deveria estar aqui. — Ela disse. — Mas não é como se eu fosse
uma virgem sendo arruinada por um duque libertino.
Elizabeth afastou-se alguns centímetros e enxergou a confusão divertida
nos olhos dele.
— Eu vim porque eu… — Ela tentou complementar, mas ficou sem
palavras para explicar o óbvio. Estava ali porque desejava Aiden Trowsdale
da forma mais proibida e não sabia como fazer para evitar aquele sentimento.
O duque entendeu que ela precisava de ajuda e voltou a clamar por sua
boca, silenciando-a.
Quando chegou ao quarto e viu as luzes, Aiden parou de respirar. Ele
suspeitou o que poderia encontrar, mas não imaginava tamanha sorte. A visão
de Elizabeth sentada em seu sofá fez com que qualquer resquício de controle
o abandonasse completamente e tudo que ele pode fazer foi beijá-la. Ela
estava ali, ela o queria e isso era o suficiente por aquela noite.
Enquanto as línguas se enroscavam durante um lânguido e demorado
beijo, ele levou as mãos aos botões do vestido dela e percebeu que alguns
estavam abertos. Por mais que fosse dolorido separar-se dela naquele
momento de intensa intimidade, ele fez com que Elizabeth girasse em seus
braços para poder acessar seu espartilho.
Notou que seus dedos tremiam um pouco. Ele era um homem seguro,
forte e indiferente aos sentimentos insensatos da paixão, porém era a segunda
vez que notava seu corpo reagir tolamente na presença daquela mulher.
— A senhora está linda. — Ele sussurrou na orelha dela. — Mas eu vou
ter que tirar esse vestido.
— Por favor, eu mal consigo respirar com esse espartilho.
Ela riu pelo alívio do espartilho afrouxado. O tecido caiu por sua pele
branca e Aiden então notou que ela não estava mais vestindo nada por baixo
do amontoado de anáguas. Aquilo o excitou mais, mesmo quando ele
acreditou que fosse impossível sentir mais desejo por aquela mulher.
— A senhora foi assim para o jantar?
— Claro que não. — Ela riu, virando-se de volta para ele, o tecido do
vestido escorregando por sua pele sedosa. — Eu nunca andaria por aí sem
roupas íntimas. Eu apenas…
Os olhos dela baixaram. A timidez que o encantava contrastava com toda
a iniciativa que a conduziu ao quarto dele. Aiden a beijou suavemente
enquanto os tecidos deslizavam para o chão. Logo, todas as roupas que ela
vestia eram uma pilha amontoada em um canto e, daquela vez, havia luz o
suficiente para que ele pudesse vê-la.
— Obrigado pelas velas. — Ele se afastou alguns centímetros. As
bochechas dela irradiavam alguns tons variados de vermelho. Pelo calor do
fogo, pela intensidade do momento, pela vergonha da nudez. — Eu queria
mesmo poder te ver.
— O senhor havia amaldiçoado escuridão, antes. — Elizabeth riu. —
Agora que me vê, era o que esperava?
O duque suspirou profundamente e levou alguns segundos para formular
um pensamento. As chamas conjugadas das muitas velas acesas faziam com
que ele pudesse finalmente apreciar a mulher em seus braços.
— Não. É bem melhor.
Quando ele reivindicou a boca dela novamente, o beijo foi urgente, porém
gentil. Os lábios dele sobre os dela davam a dimensão do desejo e o encontro
das línguas era como o toque do veludo. Com as duas mãos na cintura nua,
ele puxou Elizabeth para si e forçou a carne macia dela contra suas roupas.
— Maldição. — Praguejou novamente. Ele ainda usava as roupas
elegantes do jantar e era tecido demais para tirar. Os dedos vacilantes dela
assumiram a função de abrir os botões do colete cinza, depois da camisa.
Aiden puxou o tecido pela cabeça e descartou as peças na pilha que já tinha
se formado.
Com cuidado, ele a conduziu até a cama e fez com que deitasse. Começou
a abrir os botões da calça mas Elizabeth colocou suas mãos sobre as dele.
— Eu também quero te ver. — Ela piscou e o azul reluziu sob os longos
cílios castanhos. Aiden respirou fundo novamente e colocou-se de pé. Ela
apoiou o corpo nos cotovelos para observá-lo e aquela foi a primeira vez que
ele, o quase insensível Duque de Shaftesbury, ficou envergonhado em se
despir para uma mulher.

A audácia de pedir para vê-lo nu fora algo que surpreendeu Elizabeth. Aquele
duque libertava o que havia de mais devasso dentro dela e ela estava
adorando. Quando a linda calça acinzentada que ele vestia, de corte perfeito e
elegantemente costurada, caiu pelos quadris e o expôs com completo, ela
quase se arrependeu do seu pedido.
Aiden era ainda mais lindo inteiramente despido. Seu corpo era realmente
incomum em um nobre e os músculos proeminentes de seus braços e coxas
fizeram com que ela se fixasse naquelas partes com excessiva atenção. Ele
pareceu pudico ao ser escrutinado por ela, que não conseguiu evitar deixar
seus olhos passearem por cada centímetro do homem mais lindo que ela já
vira.
Elizabeth conduziu seu olhar desde a boca vermelha e inchada dos beijos
trocados até o peito permeado de fios escuros e o abdômen esculpido. Sua
mão se ergueu na intenção de tocá-lo, mas ela não o fez. Os pelos desciam do
peito e seguiam até a magnífica ereção que despontava proeminente em sua
direção. Sua boca salivou e ela ansiou por tê-lo.
Aiden tinha razão. Não podia ser pecado se era o que desejavam.
— Eu quero você. — Ela disse, quase um murmúrio. — Eu quero que
você me possua, Aiden.
O brilho escuro daqueles olhos flamejou. Toda a expressão dele se
resumia à volúpia do momento.
— Seu desejo é uma ordem, minha senhora.
A frase, em tom zombeteiro, a chacoalhou por dentro. O duque se
posicionou sobre ela e a beijou, abrindo sutilmente espaço para si entre as
coxas trêmulas e ansiosas. Sem tirar a boca da dela, aproximou o pênis
intumescido da sua feminilidade e se introduziu lentamente em Elizabeth,
forçando seu peito másculo sobre ela e movendo os quadris com força
moderada. Ela estava tão pronta para ele, tão ansiosa por recebê-lo que não
foi difícil que Aiden encontrasse seu caminho até penetrá-la profundamente.
Ela gemeu.
— Desculpe-me por isso. Eu vou tentar ser delicado, mas não posso
prometer isso.
Não seja delicado, ela quis gritar. Não seja sutil. Mas as palavras não
saíram. A força das estocadas foram se intensificando à medida em que ele
movia o corpo sobre ela, forçando-a a abrir mais as pernas, provocando-a a
enlaçá-lo pelos quadris, empurrando-a contra os colchões macios. Alternando
as estocadas com beijos suaves nos lábios dela, Aiden mantinha o olhar firme
sobre Elizabeth. E ela sentia crescer, novamente, o calor que ardia em seu
ventre e descia até onde ele entrava e saía.
Era uma pena que não podia durar para sempre. Que o corpo sucumbia ao
prazer e o clímax fosse o indicativo de que aquela fricção de corpos chegaria
ao fim. Aos poucos ela ergueu os quadris para buscar mais contato. Quando
Aiden sentiu que ela estava próxima do êxtase, levou o polegar até o feixe de
nervos que ansiava por aquele toque. Elizabeth não resistiu mais. Seu corpo
inteiro convulsionou em ondas de prazer enquanto seus músculos apertavam
o membro rijo que continuava entrando e saindo dela.
A mudança de ritmo dele indicava que Aiden estava buscando a própria
liberação. Com um beijo mais intenso, ele investiu mais duas vezes.
Elizabeth o sentiu se expandir dentro dela. O corpo dele ficou pesado e uma
pegada mais forte nos quadris dela marcou o momento em que ele, com um
gemido grave, atingiu o orgasmo.
Eles não se desencaixaram imediatamente. Aiden tinha a respiração
acelerada e o corpo suado pendia sobre Elizabeth enquanto as bocas se
encontravam. Beijaram-se por minutos até que ele rolou para o lado, deitou
no colchão e puxou-a para um abraço.
A maior parte das mulheres que ela conhecia detestava o sexo. Não
queriam que os maridos as procurassem e preferiam dormir em camas
separadas. Quase todas ela reclamavam da relação sexual como se fosse uma
tortura nas vidas de cada uma. Mas ali, naquele instante, Elizabeth sentiu-se
abençoada. Nunca fora desagradável, antes, mas Aiden fez com que a
experiência fosse transcendental.
Era uma pena que ela precisasse ir embora em seguida.

Não era preciso palavras. Qualquer coisa que fosse dita poderia estragar a
perfeição daquele momento, então eles ficaram ali por muitos minutos,
deixando que seus corpos se aquecessem.
Não era amor. Não tinha nada a ver com amor, mas era o suficiente.
Quando a luz das muitas velas se extinguiu e apenas a lareira iluminava o
quarto, eles estavam abraçados sob os lençóis. Elizabeth apoiava a cabeça no
peito firme do duque e traçava os contornos de seu abdômen com a ponta dos
dedos. Mesmo na penumbra alaranjada era possível notar o quanto ele era
lindo. E ele acariciava seus cabelos e suas costas. Em silêncio, não havia
nenhum ruído que não fossem os insetos e animais do bosque ao redor da
propriedade.
— Eu preciso ir.
Foi uma afirmação duvidosa, quase soada em tom de pergunta.
— Sim, precisa. Mas eu não quero que vá. — Ele a estreitou mais forte
entre os braços. — Sou o Duque de Shaftesbury, será que não posso decidir
nem mesmo quem pode dormir ao meu lado?
Ela deu uma risada.
— Talvez Vossa Graça possa. — A saudação formal tinha um tom
zombeteiro e ele percebeu. Elizabeth levantou-se e se sentou sobre as suas
coxas, deixando que seus dedos passeassem por uma extensão maior daquele
corpo que ela adorava. — Mas, se eu ficar mais tempo aqui, talvez nenhum
de nós vá dormir, exatamente.
— E a senhora pretende me deixar acordado como?
Havia luxuria no brilho escuro dos olhos dele. Elizabeth sentiu sua
garganta arranhar, mas ela não tinha como voltar atrás. Estava ali, com aquele
homem à sua disposição, e ele a autorizava brincar com ele. Talvez brincar
não fosse uma boa palavra, mas foi a que veio à sua cabeça. As mãos então
passearam pelo tórax, pelo abdômen e encontraram os quadris firmes.
Acariciou suavemente a cicatriz avermelhada que ainda estavam ali,
demonstrando que sabia que ele havia se ferido. Ela se afastou um pouco e
tocou a base da ereção que pulsava à sua frente.
Era a primeira vez que ela prestava atenção naquela parte do corpo de um
homem. O seu marido era tímido e não gostava de luz quando iam para a
cama. Ela quase nunca vira Gregory nu. Já o duque, ele era bastante
depravado. Ele a beijou em seu sexo, tocou sua intimidade com a língua, fez
com que ela sentisse prazeres pecaminosos, e não se importava em exibir sua
masculinidade para que ela pudesse… tocar.
Então, ela tocou. Segurou-o com as duas mãos, passou o polegar pela
ponta úmida, deliciou-se com o gemido que ele soltou. Depois, levou as mãos
para cima e para baixo, simulando os movimentos que ele fazia dentro dela.
Ele gemeu mais, fechando os olhos e arqueando as costas. E foi quando ela
pensou, talvez também fosse bom se ela o beijasse ali. Afinal, ele fizera
aquilo com ela e foi uma das melhores sensações de sua vida. Por que ela não
poderia dar o mesmo a ele?
Elizabeth segurou cuidadosamente o pênis em sua mão e tocou a ponta
com os lábios. Aiden gemeu e abriu os olhos, o desejo pulsando em sua face.
Ela lambeu, passando a língua em toda a sua extensão, e o encarou. Havia
uma certa súplica em seu olhar, para que ele dissesse se gostava daquilo. Para
que ele a orientasse como fazer.
— Você pode colocá-lo na boca, se quiser.
Aiden murmurou e ela atendeu. O gosto era ácido e o toque era macio,
muito macio. Com cuidado, ela envolveu o membro rígido em sua boca e o
engoliu. O duque gemeu, se retorceu, segurou-a pelos cabelos e a fez
movimentar-se sobre ele. E foi então que ela percebeu que não era apenas ele
que estava gostando, mas ela também.
— Elizabeth. — Aiden gemeu mais. — Eu não vou aguentar.
— Não seja exagerado. — Ela riu. — Mas fico feliz que tenha gostado.
— Eu estou gostando. Suba em mim, deixe-me entrar em você. Venha.
Ele a puxou pelas mãos e ela se acomodou com a ereção em sua barriga.
Outra coisa que não estava acostumada, aquela proatividade toda. Aiden lhe
permitia o comando e ela estava adorando. Atendendo ao seu pedido, fez com
que ele entrasse completamente dentro de si. Ah, a sensação de
preenchimento era sempre fantástica. E o controle também, porque ela adorou
cavalgá-lo até que ele não resistisse mais, virasse por sobre ela na cama e
terminasse conduzindo-os ao ápice mais uma vez.
Capítulo vigésimo primeiro

A NOTÍCIA de que a governanta de Thanet Bay tinha sido convidada para o


jantar em Greenwood Park chegou rapidamente até os ouvidos da duquesa
viúva. Ela nunca tentou se manter alheia às fofocas só porque não saía do
quarto - sua criada pessoal era quem fazia as vezes de alimentá-la com tudo
de podre que era dito nos bastidores da sociedade.
Claro que ela não ficou satisfeita em saber que seus filhos tinham levado
uma criada a um jantar. Mesmo que o Conde de Cornwall não tivesse feito
oposição, as fofocas maculavam o bom nome dos Trowsdale. Nem mesmo o
seu falecido marido tinha sido tão imprudente em suas aventuras como
benfeitor dos oprimidos. Albert Trowsdale era um bom samaritano, mas isso
não fez dele um tolo.
Aquilo significava que a duquesa teria que agir com mais rigidez. Ela
precisava sair de sua reclusão, mesmo que aquilo custasse um pouco da sua
saúde. Precisava controlar de perto a situação daquela governanta ousada que
não saiba colocar-se em seu lugar. Naquela manhã ela decidiu fazer seu
desjejum no salão principal, assim como seriam todas as demais refeições.
Até o final de semana do baile, ela fiscalizaria a atitude dos filhos e tomaria
as suas próprias, se necessário.

O bom humor de Aiden se esvaiu quando ele soube que sua mãe estaria
presente no desjejum. Alguns meses atrás ele adoraria tê-la para as refeições.
Enquanto o pai ainda era vivo, sua admiração pela mãe era imaculada,
mesmo que ela nunca lhe dirigisse uma palavra de afeto. Desde o falecimento
do duque, tudo que a mãe fazia era aborrecê-lo. Principalmente no trato com
Agatha. E ele estava começando a se fatigar disso.
— Vossa Graça, há um mensageiro aguardando. — Geoffrey disse,
enquanto ajudava o duque a se vestir. — Ele diz que traz um convite do
Visconde de Whitby.
— Certo. Pode descer e dizer a ele que me aguarde.
O criado assentiu e retirou-se, deixando Aiden sozinho e pensativo. Ele
mal tinha acordado e ainda sentia o calor do corpo de Elizabeth sob o seu.
Sentia o gosto dela em sua boca e céus, era como se ele ainda pudesse sentir
os espasmos do prazer que ela lhe proporcionou. O desejo que nutriu pela
mulher, desde que a conhecera, não amenizou apenas porque ele a possuiu.
Ao contrário, se intensificou.
Seus compromissos não o deixariam divagar sobre o rompante da noite.
O criado de Miles Westphallen portava um convite para uma tarde de
cavalheiros e incluía os investidores. Os planos para a revitalização das
docas, para a construção de navios e para a indústria ferroviária não estavam
mais no papel. Em breve a primeira fábrica de locomotivas seria inaugurada e
Aiden estava certo que ela instauraria uma nova era para a nobreza inglesa.
E ele ainda precisava enfrentar a duquesa.
— Bom dia, mamãe. — O duque fez uma reverência e beijou a mão da
senhora franzina que estava sentada à mesa. — Vejo que anda disposta,
descendo com frequência para as refeições.
— Quero as novidades do jantar. Como foi sua dança com Lady
Madeline?
— Foi uma dança. — Aiden sentou-se e aguardou ser servido. — Minha
irmã já acordou?
— Ainda não, Alteza. — Disse o criado.
— Eu exigi que fosse a primeira, Aiden. E eu exigi que ela significasse o
início de um cortejo. Não era para ser “uma dança” apenas.
— Mamãe, eu fiz exatamente o que prometi. Mas devo lembrá-la que a
senhora não exige nada nessa casa. Eu sou o Duque de Shaftesbury.
A duquesa não demonstrou nenhum abalo pela autoridade do filho. Ela
não acreditava que ele fosse desobedecê-la porque ele nunca o fez. Aiden
sempre tentou agradar a mãe, principalmente depois do nascimento de
Agatha e de sua reclusão pela doença. Mas ela estava começando a extrapolar
limites. Ou ele estava incomodado por saber que precisava cortejar e noivar
uma mulher que não fosse aquela que frequentou sua cama na noite anterior.
Depois de alguns minutos, Agatha desceu para o desjejum e tratou de
ocupar a mãe com assuntos femininos. Isso deu ao duque a oportunidade de
retirar-se.
— John, vou ao meu escritório. Peça que a Sra. Collingworth me encontre
para as orientações do dia.
— Estou bem aqui. — A duquesa se manifestou. — Posso muito bem
cuidar dos afazeres da governanta.
— A senhora não cuida de nada há anos. — O sorriso na face de Aiden
não suavizava a dureza de suas palavras. — A governanta sabe que responde
a mim, portanto prefiro continuar mantendo o bom funcionamento da casa.
O duque ignorou os resmungos da mãe e fez aquilo que se propôs.
Enquanto selecionava documentos para a reunião na casa do Visconde de
Whitby, pensava em como resolver os problemas que estava causando.
Envolver-se com a plebeia por quem estava certamente apaixonado era a pior
decisão possível - e nunca parecera tão adequada. Ele sabia que não devia,
mas não conseguia evitar.
E, quando ela entrou pela porta, já despida do vestido elegante da festa e
trajando suas roupas simples de criada, Aiden sabia que estava com
problemas. Seu coração parou de bater por alguns segundos e ele sorriu.
— Mandou me chamar, Alteza?
O brilho azul dos olhos dela estava mais cintilante pela luz do sol que
penetrava pela janela aberta. Aiden apoiou os documentos na mesa e quis ir
até ela, pegá-la nos braços e beijá-la. Limitou-se a expirar uma grande
quantidade de ar para dentro de seus pulmões.
— Preciso que organize a casa para o final de semana. Vamos receber
muitos convidados e já enviei mensageiros para os quatro cantos de Kent. —
O duque serviu-se de um conhaque. — Também gostaria de saber como a
senhora está.
Elizabeth corou. O rubor rosado em suas bochechas fazia com que ela
ficasse exatamente como na noite anterior.
— Assim que eu tiver a lista de convidados em mãos, farei a melhor
distribuição de quartos e organizarei os lugares à mesa. O senhor pode se
tranquilizar, eu tenho alguma experiência com jantares e eventos da nobreza.
— Tenho plena confiança em sua competência, Elizabeth.
Aiden se aproximou dela e levou uma das mãos para cuidar de uma
mecha de cabelo que caía para fora do gorro que ela sempre usava para
trabalhar. O polegar deslizou pelas bochechas e ela baixou o olhar, não
conseguindo encará-lo. O duque levou sua boca até a dela e a beijou.
Não foi erótico, não foi intenso, foi apenas um carinho com os lábios.
— Preciso passar o dia fora, estarei com Miles Westphallen. Não deixe
que minha mãe a aborreça, mesmo que ela tente.
— Terei muito trabalho por esses dias. Manterei-me longe da duquesa.
Aiden sorriu e a dispensou. Assim que Elizabeth deixou o escritório, ele
se deu conta de que estava sorrindo e sentindo seu coração bater no ritmo. Ele
já gostava tanto da presença daquela mulher e se permitia ficar tão feliz
quando conversava com ela, ou simplesmente a tocava, que não imaginava
mais passar um dia sem vê-la. Ele a queria ainda mais depois da noite
anterior, se aquilo fosse possível.

Não era difícil evitar a duquesa viúva. Elizabeth tinha muitas tarefas e ainda
tinha que cuidar dos filhos, cuidar do felino que ficava em seu quarto para
evitar causar distúrbios, dar atenção a James Hodges, o homem interessado
em cortejá-la. Isso tudo depois de ter passado alguns bons momentos na cama
do duque, fazendo tudo que ela sabia ser pecado e sem nenhum remorso em
pecar.
Faltavam apenas três dias para o grande evento em Thanet Bay e ela
precisou contar com todos os empregados para que os preparativos dessem
certo. Montou um cardápio impecável com as cozinheiras, solicitou que
Granger fosse à vila para repor a dispensa e adquirir alguns itens necessários
para os pratos que foram escolhidos, deu orientações às arrumadeiras para
que ajustassem cada quarto de acordo com o convidado que fosse ocupá-lo.
Os quartos das mulheres teriam flores frescas todo dia e roupa de cama
clara, em tons de rosa, amarelo e lilás. Os quartos dos homens seriam os de
móveis mais escuros e papéis de parede com padrões mais agradáveis aos
gostos masculinos. Os casais ficariam na ala esquerda, o mais longe possível
do quarto da duquesa viúva. Seria conveniente para os maridos e suas esposas
que os momentos de amor entre eles, caso acontecessem, não fossem chegar
aos ouvidos sensíveis da mãe do Duque de Shaftesbury.
A casa inteira estava agitada pela proximidade do evento e o duque se
manteve o máximo possível ocupado com negócios. Elizabeth sabia que ele
precisava fechar alguns investimentos importantes e que aquele final de
semana seria um marco para os seus projetos. Mesmo assim, sentiu falta de
vê-lo, de conversar com ele, de estar com ele.
— Mamãe, o gato fugiu. — Peter apareceu na cozinha, enquanto ela
escrevia a distribuição dos assentos durante os almoços e jantares. — Patrick
deixa a porta aberta, ele não presta atenção.
— Certo, conversarei com Patrick sobre isso. — Ela chamou o filho e
afagou sua cabeça. — Vá procurá-lo e tente não fazer muito barulho. Não
queremos incomodar as pessoas.
O menino assentiu. Elizabeth pegou um pedaço de presunto e entregou ao
filho, para que ele usasse o cheiro como isca para o bichano. Acabou
preocupando-se com Patrick, que passava tempo demais nos estábulos com
Reggie. O filho não estava fazendo as tarefas que ela mandava nem
estudando. Tudo que fazia era cuidar de cavalos.
Naquele momento, Elizabeth considerou que precisava tomar uma
decisão quanto a James Hodges. Se ela fosse aceitar se casar com ele, e
aquela era a evolução natural do cortejo que ela tinha autorizado, ela não
poderia ter dormido com Aiden. O que aconteceu entre ela e o duque não
representava mais do que libertação carnal, porém ela se sentia muito imunda
aceitando o cortejo de um homem enquanto se entregava ao pecado com
outro.
Ela não queria pensar naquilo por enquanto. Sabia que tinha, preferia
evitar. Os dias passaram atarefados e ela quase não interagiu com a família
Trowsdale, mesmo que se sentisse observada todos os minutos. Apenas um
episódio fez com que ela se constrangesse - quando Lady Agatha a inquiriu
dois dias depois do baile.
— Elizabeth. — A jovem entrou no salão de chá enquanto a governanta
inventariava as louças. — Conte-me sobre a noite em Greenwood Park.
— Não sei o que dizer, milady. — Ela continuou a tomar nota de todos os
pratos, xícaras, bules e porcelanas enquanto conversava. — Mas gostaria de
agradecer por ter me dado a oportunidade de recordar minha adolescência.
Foi uma noite muito agradável.
— Quero saber sobre a senhora e meu irmão! — A lady falava baixo,
demonstrando que não queria ser ouvida por ninguém além da sua
interlocutora. — Vocês dançaram, ele estava fascinado pela senhora!
Sim, ele estava. Elizabeth se deixou perder por alguns segundos,
relembrando o baile, a dança, os olhares. Depois a noite, a entrega, o prazer
que compartilharam. E, então, ela não esteve mais com ele. Da mesma forma
que sabia que o duque estava muito ocupado, ela não podia deixar de sentir
insegurança.
— Milady, mesmo que ele estivesse, o fascínio era por uma personagem.
Eu não sou uma dama com quem Vossa Graça pode pensar em se casar.
Lady Agatha fez uma careta de reprovação, demonstrando que ela não
queria saber das diferenças sociais entre eles. Que ela as ignorava e que
apostava que Aiden também ficasse satisfeito em descumprir as regras
impostas pela rígida sociedade londrina. Mas a jovem não tinha a malícia de
quem já vivera nos dois mundos. Elizabeth sabia que a aceitação social era
importante. Que todos os negociantes burgueses que tinham projetos com o
duque só pensavam no prestígio social que aquela aproximação poderia
causar.
— Eu quero conversar com ele, mas Aiden está o tempo todo envolvido
com assuntos masculinos. E mamãe está tão presente esses dias! Mas ela é
cruel, ela me monitora e ela faz perguntas desagradáveis, então estou
tentando me portar mais adequadamente.
A lady deixou o salão insatisfeita por não obter as respostas desejadas.
Elizabeth não podia deixar que Agatha soubesse que o baile produziu parte
dos efeitos que ela imaginava. Ela e o duque se envolveram, mas aquele
envolvimento só representava a degradação moral de Elizabeth.
Na sexta-feira os convidados chegariam e começariam a ocupar os
quartos e demandar atendimento. Ela precisava garantir que tudo saísse a
contento.
Mesmo que o gato continuasse fugindo. Mesmo que Patrick insistisse em
passar mais tempo com cavalos que com livros. Mesmo que Hodges se
oferecesse para realizar alguns trabalhos e flertasse com ela durante o
processo. Todos os seus esforços estavam voltados para fazer com que o final
de semana fosse um sucesso. Apenas isso

Agatha já estava ansiosa demais aguardando a chegada dos convidados


quando a primeira carruagem estacionou na entrada principal. O tradicional
baile dos Trowsdale era um momento de diversão em que a casa ficava cheia
de pessoas e muitas atividades afastavam o tédio. O primeiro grupo que
chegou foi a família Wesphallen, como esperado. Miles estava sempre
adiantado e, daquela vez, ele trazia a terceira filha, Diana. A jovem estava
com dezesseis anos e debutaria no ano seguinte. Ninguém na família perdia
tempo na busca de maridos ricos e nobres para alavancar o prestígio dos
Westphallen na sociedade londrina.
A duquesa viúva estava no salão para recebê-los. Aiden não estava em
lugar algum, mas Agatha sabia que ele logo apareceria. Os criados estavam
em fila para recolher os casacos, bengalas e chapéus dos convidados.
Duas outras carruagens chegaram, uma delas com Lady Caroline Eckley.
Agatha não se lembrava de vê-la na lista de convidados, mas dificilmente eles
deixariam de receber a sobrinha do Marquês Granville. Sua mãe preferia
aturar qualquer coisa a desagradar a alta nobreza. A outra trazia a família
McFadden - ou parte dela. Vinham Isaac, Nathaniel e Wilhelmina, enquanto
Edward vinha a cavalo. O outro irmão, Emile, estava na universidade e talvez
não pudesse atender ao evento.
Edward era um homem petulante e tinha muitas liberdades na
propriedade. Ao invés de entregar o cavalo para um dos criados, como todos
fariam, ele foi direto para os estábulos. Confabulou com o cavalariço, brincou
com o filho dele, entrou nas baias para ver os animais - tudo sem a presença
do duque. Agatha não tinha muito apreço por seu comportamento, mas eles
se conheciam desde sempre. Aquela família era mais próxima dela do que
seus outros parentes de sangue. Por isso, ela tolerava Edward e seus excessos.
— Milady. — O conde se aproximou e segurou a mão enluvada de
Agatha. Ela quis puxar os dedos e dizer que não queria ser beijada por ele,
mas a duquesa estava ali, olhando. Com uma careta, Agatha fez uma
reverência enquanto Edward levava sua mão até a boca. Havia um sorriso
zombeteiro em sua face e aquilo a incomodava ainda mais. Talvez a ponto de
bater nele com um objeto qualquer.
— Seja bem vindo, Lorde McFadden. O duque já deve estar descendo
para cumprimentar seus convidados. Por enquanto, estamos servindo um
brunch no salão principal.
— É encantador vê-la fingindo ser uma dama. — A voz baixa do conde
só pode ser ouvida por Agatha. Os olhos azuis dele, irritantemente profundos,
a fitaram antes que ele se afastasse, mantendo o sorriso insuportável. Sim,
Agatha adoraria bater nele com alguma coisa bem pesada, mas ela estava
realmente fingindo ser uma dama. Aquela atitude era exclusiva dos eventos
familiares. No dia-a-dia, a lady era bem menos comportada.
John informou que os outros convidados chegariam mais tarde, o que
conduziu Agatha e a mãe até o salão. Elas estavam incomodadas com a
ausência de Aiden, que ainda não tinha aparecido. Não era educado que ele
deixasse os convidados esperando, mesmo que eles estivessem entretidos
com o brunch delicioso que fora preparado com primor pela governanta.
Elizabeth estava de pé, na porta fechada que conectava o salão ao
corredor que levava aos fundos, observando o movimento. Usava uma saia de
xadrez azul e uma camisa branca impecável, com colarinho de babados. Os
cabelos estavam soltos do gorro que ela costumava usar e ela tinha os cabelos
loiros trançados com perfeição. Agatha conseguia perceber nela um porte
aristocrático que nenhuma das ladies daquele evento tinha. Elizabeth era a
esposa perfeita para seu irmão, ela só esperava que Aiden tivesse percebido
aquilo.
— A senhora viu meu irmão? — A lady se aproximou na intenção que
ninguém notasse seu questionamento.
— Fazem alguns dias que não vejo Vossa Graça, milady. Mas ele
solicitou que Geoffrey fosse até o escritório, é lá que deve estar.
— Ele precisa vir receber os convidados. O que está havendo com ele,
Elizabeth? Depois do baile, eu… houve algum desentendimento entre vocês?
A governanta tentou esconder sua estupefação com a pergunta. Era como
se Agatha colocasse situações absurdas que nem mesmo deveriam ser
pronunciadas.
— Não, milady. Nenhum desentendimento.
— Certo, tentarei arrancá-lo daquele escritório.
Ela provavelmente não era a pessoa mais adequada para arrancar Aiden
de nenhum lugar. O duque era teimoso e, se estava se escondendo de algo,
suas tentativas seriam inúteis. Mas ela sabia quem seria capaz de desafiar o
irmão - o Conde de Cornwall. Ela teria que falar com ele de novo, mas era
por um bem maior.
Capítulo vigésimo segundo

— E U NÃO ME lembro de ter autorizado visitas ao meu escritório. — Aiden


reclamou ao ver Edward McFadden passar pela porta. — Terei que demitir
todos os criados, será que ninguém compreende uma ordem nessa casa?
O conde colocou as duas mãos nos quadris e encarou o amigo. O Duque
de Shaftesbury estava sentado atrás de sua mesa, parcialmente escondido
atrás de uma pilha de papéis. Havia uma grande bagunça entre os documentos
e ele não parecia estar adequadamente vestido para receber cinquenta
convidados na mansão.
Ele não estava. Desde que acordara se sentia incapaz de enfrentar um
exército de damas casadoiras que estariam interessadas em ser a próxima
duquesa. Também não queria - ele não podia enfrentar Elizabeth. Depois da
noite em que fizeram amor ele fora quase um canalha, não a procurando e
colocando os compromissos profissionais na frente dos sentimentos dela. Isso
se ela tivesse algum sentimento para com ele, se o momento tivesse sido mais
do que puramente carnal.
— O que diabos faz trancado aqui, Trowsdale?
— Trabalho. Os nossos investidores chegam em breve e eu preciso
finalizar esses contratos.
Edward pegou os papéis e retirou da frente do duque. Colocou-os sobre
uma escrivaninha e admirou a nova pilha por alguns segundos.
— Pronto, eles estão finalizados. Agora vamos, sua irmã está nervosa
porque você ainda não apareceu para cumprimentar os convidados. E o
brunch está uma delícia.
— As Westphallen já chegaram?
— Miles nunca perde um brunch.
Não, o visconde não perdia um brunch. Aiden sabia que as irmãs estavam
ali e que sua mãe começaria a empurrar Madeline para ele.
— Mas tem outra coisa. — Edward prosseguiu. — Caroline apareceu.
Segundo Agatha, ela não foi convidada.
— Isso nunca a impediu. — Aiden se levantou e ajeitou as roupas. A
calça marrom era adequada para o dia, assim como o colete verde bordado.
Ele não usava casaco. — Estou muito cansado para fazer isso, Edward. Não
pensei que fosse ficar exausto de interações sociais tão cedo.
— Tem certeza que sua exaustão se deve as damas que perseguem um
duque como marido ou às conversas pouco profundas tidas com os nobres
que não adotaram nosso estilo de vida?
O conde tinha os braços cruzados no peito e continuava fitando o amigo
com olhos que o examinavam de dentro para fora. Aiden detestava sentir-se
escrutinado daquela forma, ele não gostava quando o conheciam tão bem
quanto Edward. E quase ninguém o conhecia.
— O que quer dizer? Não estou bem para decifrar enigmas.
— A Sra. Collingworth é mesmo muito bonita.
Edward exibiu um sorriso que despertou no duque a vontade de arrancá-
lo da face do amigo com um cruzado no queixo.
— Cuidado com a linha que pretende cruzar, Edward.
— Não pretendo cruzar linha alguma. Estou apenas constatando. Com
tantas damas que conhecemos, você por acaso já viu alguma mais bonita que
ela? É incrível acreditar que ela tenha dois filhos, seja viúva e tenha tanta
experiência. — Enquanto o conde falava, Aiden dava passos lentos em sua
direção. As mãos estavam fechadas em punhos e o olhar do duque indicava
que ele pretendia matar alguém. — Eu creio que ela seja uma jóia rara que se
perdeu no submundo londrino. Assim que cheguei eu a notei, ela não tem
nada ordinário. Você não concorda comigo? Que a Sra. Collingworth possa
ser a luz mais brilhante daquele salão?
Aiden sentiu sua respiração acelerada e foi quando percebeu que estava
erguendo o punho para agarrar o amigo pelo colarinho. Ele se irritou ao ouvir
Edward elogiar daquela forma a sua mulher. Até a noite em que fizeram amor
ele tinha certeza que poderia superá-la ou se satisfazer com uma vez apenas.
Só que ele estava errado.
— Edward. — O duque tinha os dentes cerrados e a voz saiu como um
rosnado baixo. — Se você estiver pensando em se aproximar dela, por
qualquer motivo, pense novamente.
O conde deu uma risada e colocou as duas mãos nos ombros de Aiden.
— Céus, homem, você está tenso como uma estaca de madeira! Eu não
quero me aproximar de ninguém, eu apenas queria provocá-lo para que isso
acontecesse. Você não consegue me enganar, Trowsdale.
— Isso o que?
— Essa explosão. — Edward se afastou alguns passos e observou o
duque, ainda em posição de ataque. — Você está pronto para me esganar
apenas porque eu elogiei a sua governanta. Foi um elogio, Aiden.
— Você faltou com o respeito.
— Não faltei. Você a ama, não ama? Você se apaixonou em algum
momento desde que ficaram confinados naquela estalagem e agora não sabe o
que fazer, não é isso?
— Você está louco. — O duque se afastou e virou de costas para o amigo.
Encarando a parede decorada com livros, ele ficou imaginando por um breve
momento se Elizabeth já lera o romance que ele emprestou a ela. Não queria
ter que pensar no que Edward lhe estava falando. Não podia pensar.
— Trowsdale, você já dormiu com ela? — O conde arriscou.
— Um cavalheiro não faz esse tipo de pergunta.
— Não sou um cavalheiro, sou seu amigo libertino. Somos devassos e
adoramos ter muitas mulheres em nossas camas. Já compartilhamos amantes,
Aiden. Você nunca se importou em comentar sobre uma mulher comigo.
Diga, você já…
— Aconteceu na noite depois do seu baile. — Aiden virou-se novamente
para Edward, sentindo sua cabeça doer tanto a ponto de pensar que ela
poderia explodir. O conde foi até o bar e serviu duas doses do conhaque
especial, o que eles bebiam quando o assunto era sério. Entregou uma dose ao
amigo, que bebeu tudo em apenas um gole. — Maldição, não era isso que
você e Agatha estavam tramando? Não tente fingir, eu sei que vocês
convidaram Elizabeth para o jantar apenas para me provocar. Bem, a armação
foi um sucesso. Depois que eu voltei para casa, doido para fugir de Caroline,
ela estava me esperando.
O duque serviu-se de mais conhaque e encarou o líquido âmbar por
segundos. Se ele ao menos pudesse ficar bêbado tempo o suficiente para não
precisar lidar com aquele conflito naquele momento.
— E eu acabei sendo um patife com ela. Depois que dormimos juntos eu
tive que ir à casa do Visconde de Whitby e desde então não nos falamos. Mas
não tem um minuto dos malditos dias em que eu não pense nela, ou que não a
sinta sob meus dedos. Em minha boca.
— Seu medo então é sair e enfrentar a sua governanta. Não tem nada a
ver com o fosso cheio de tubarões que terá que atravessar.
Aquela era a constatação mais óbvia. O duque temia reencontrar
Elizabeth em uma situação conflituosa como ter que cumprimentar, beijar a
mão e sorrir para suas possíveis pretendentes. Primeiro, porque ele não as
desejava. Não queria nenhuma delas. Segundo, porque ela provavelmente não
ficaria satisfeita em vê-lo interagir com as mulheres que um dia seriam sua
esposa.
Isso porque ele queria acreditar que ela poderia ter ciúmes dele. Como ele
tinha dela. Um dos motivos que fez com que Aiden se afastasse, de forma
covarde, foi não suportar vê-la, nem mesmo imaginá-la, com James Hodges.
Aquele comportamento era patético.
— Eu sou o Duque de Shaftesbury. — Aiden bebeu a terceira dose de
conhaque e apoiou o copo sobre a mesa. — Eu não tenho medo de nada.
Vamos ao salão, tenho convidados a receber.

Outras duas carruagens chegaram depois dos Westphallen, dos McFadden e


da espalhafatosa Lady Eckley. O Sr. Hartwright, com a esposa, um filho
jovem e uma filha pouca coisa mais velha do que Lady Agatha, e o Sr.
Sawbridge. Os criados estavam muito ocupados em recolher chapéus,
casacos, bengalas, sombrinhas, e em conduzir os convidados para o salão.
Granger e Reggie, que foi convocado para auxiliar durante o final de semana,
carregavam as malas para o andar de cima, de acordo com os quartos
indicados.
Até mesmo Patrick estava com tarefas importantes. Ele precisava ajudar o
cavalariço Hodges a cuidar do excedente de cavalos. Enquanto isso, a
cozinha trabalhava em ritmo acelerado para dar conta da comida do brunch,
do almoço e do jantar. Gretha trouxe duas primas suas para picar, cortar,
limpar e lavar. Elas sempre eram contratadas por um período quando Thanet
Bay estava cheia de convidados.
E Elizabeth estava ali. Assim como o mordomo John, a função dela era
garantir que tudo funcionasse a contento. Se houvesse falhas no serviço, ela
seria responsável. Se houvesse qualquer pequeno detalhe que não saísse de
acordo com as mais altas regras de etiqueta, a culpa recairia sobre ela.
Naquele final de semana ela provaria ser apta como governanta. Ou um
completo fracasso.
A segunda opção pareceu mais provável quando ele entrou no salão. O
Duque de Shaftesbury tinha o cabelo um pouco desalinhado, a corrente do
seu relógio de bolso estava exposta demais e o lenço em seu pescoço
precisava de ajustes. Mesmo assim, não houve uma pessoa dentre os
presentes que não parou para vê-lo tão logo ele chegou.
A sua simples presença dispersava tanto poder que as damas suspiravam e
os homens o respeitavam sem que ele precisasse dizer uma palavra.
Acompanhado do Conde de Cornwall, ele tinha a expressão rígida e
inamistosa, distante. Elizabeth não reconheceu imediatamente nele o homem
com quem passou uma semana trancada, que a conduziu em uma dança e que
fez amor com ela da forma mais terna. Ao mesmo tempo, ele era todo Aiden
Trowsdale e sua imponência ducal.
— Céus, como ele é lindo.
Elizabeth ouviu uma dama dizer. Não virou para ver quem ousava
admirar o seu homem, ela não conseguia desprender os olhos dele.
— Parece que ele está firmando compromisso com uma das filhas do
visconde. Hoje, Vossa Graça é o melhor partido no mercado dos casamentos.
Ela não sabia de onde tinham saído tantas damas para admirar o duque,
mas a conversa a incomodava. Ele não era um produto à venda em um
mercado. O casamento dele não deveria ser uma decisão de negócios. Aiden
merecia casar-se com a mulher que ele amasse. E, por Deus, como ela queria
ser aquela mulher.
— Não sei. — A primeira dama, que disse achar o duque lindo, foi até a
mesa para servir-se de ponche. — Ouvi fofocas de que ele tem uma amante
aqui nessa casa. Na verdade, duas amantes. A mulher que ele arruinou
durante a semana em que esteve doente e outra. O duque é um devasso
incorrigível, tenho pena da mulher que ele desposar.
Não era saudável continuar ali ouvindo aquela conversa. Elizabeth
examinou as mesas e os pratos ainda estavam cheios. Havia criados prontos
para repô-los, bem como para servir chá. O ponche precisava ser trocado,
essa foi a sua desculpa para esgueirar-se pelos cantos e desaparecer pela porta
de acesso.
Seu coração batia acelerado. Retumbava como os trovões dos dias de
chuva. Era como se uma tempestade estivesse acontecendo dentro dela. A
simples visão de Aiden Trowsdale não podia desorientá-la daquela forma.
Elizabeth era uma mulher experiente e madura, apesar da pouca idade. Ela
não admitia que ele a afetasse tanto, cada vez mais. E isso depois que ele
passou dias sem falar com ela, dias sem dirigir-lhe a palavra depois que
fizeram amor. Ela deveria estar magoada com ele, não ainda mais
apaixonada.
A cozinha estava um caos, por isso ela foi até a lavanderia. As pilhas de
roupas para lavar, lavadas e para passar conferiam um bom esconderijo.
Elizabeth enfiou-se entre os vestidos que estavam pendurados e apoiou as
duas mãos no tanque. Inspirou e expirou lentamente, algumas vezes. Não
havia motivo algum para aquela reação exagerada do seu corpo. E ela
precisava voltar para o salão.
— Sra. Collingworth?
John entrou na lavanderia. Seu porte era sempre elegante, como se nem o
rompimento de uma adutora pudesse atrapalhar seu foco. Elizabeth
recompôs-se e ajeitou os cabelos com as mãos.
— Estou aqui, John. Os criados precisam de minha atenção?
— Não, senhora. Eu apenas notei que tinha saído do salão e imaginei que
a senhora precisasse de alguma ajuda.
Ela precisava. Mas o mordomo não podia oferecer o alento que
necessitava.
— Eu tive um pequeno desconforto. — Ela mentiu para evitar que John
especulasse. — Minha cabeça está doendo um pouco, já está passando.
— Certo. Aguardaremos seu retorno.
John retornou para o salão, onde sua atenção era sempre necessária.
Nobres não realizavam quase nenhuma tarefa ordinária, fazendo com que os
criados fossem demandados com frequência. Elizabeth colocou um pouco de
água em uma bacia e usou para refrescar seu rosto. Já estava praticamente
recomposta quando ouviu passos em sua direção.
Ela não precisava vê-lo para saber que era o Duque de Shaftesbury quem
estava ali. Elizabeth não se virou, apenas esperou que ele se aproximasse.
Aiden colocou as mãos nos ombros dela e ajeitou o colarinho da camisa que
ela vestia. Naqueles segundos em que ele a tocara, tudo que ela ouvia era o
ruído da própria respiração.
— John me disse que a senhora estava se sentindo mal.
O duque segurou os cabelos dela e os afastou do pescoço. Elizabeth
sentiu um sopro frio em sua nuca e o toque dos dedos dele em sua pele.
— Já estou retornando para o salão, Alteza. Eu apenas…
— Elizabeth, olhe para mim. — Ele a interrompeu. Os polegares de
Aiden desenhavam círculos imperfeitos na pele tensa do pescoço dela,
enviando espasmos de prazer e dor pelo corpo intranquilo de Elizabeth. Por
dias, ela desejou senti-lo novamente. Aquele toque era mais necessário do
que o ar em seus pulmões. — Sei que minha atitude com a senhora não foi
digna de um cavalheiro, mas eu gostaria de me explicar. Dê-me essa chance.
— Essa não é a melhor hora nem o lugar adequado. Vossa Graça tem
convidados e logo todos notarão que não está mais no salão.
Ela se virou e ele estava ali. Real, a apenas alguns centímetros dela.
Daquela distância ela podia estender os braços e tocá-lo. Traçar os contornos
de sua face e afundar os dedos nos cabelos macios. Mas ele não era dela para
que tomasse aquelas liberdades.
— Meus convidados estão sendo devidamente entretidos pelo Conde de
Cornwall. Edward sabe conduzir uma festa melhor do que eu.
— O conde sabe que o senhor está aqui? — Ela perguntou. O silêncio
dele serviu como resposta. — Céus, o conde sabe que…
— Edward é meu melhor amigo. — O duque levou a mão até a face
enrubescida de Elizabeth. Ela não sabia se estava nervosa, com calor ou
envergonhada. — Ele não revelará a ninguém. Elizabeth, eu preciso dizer que
eu pensei na senhora todos os minutos dos últimos dias. Eu deveria tê-la
procurado, mas…
Ele respirou fundo e fechou os olhos por breves momentos. Ela o
observava tensa, os músculos retesados sob as camadas de tecido e a pele
queimando onde ele mantinha sua mão.
— Precisamos retornar, Alteza.
A voz trêmula indicava que ela não desejava realmente sair dali. Daquele
toque, daquele pequeno espaço que parecia tão seguro e assustador ao mesmo
tempo. Aiden olhou para ela e era muito fácil se perder nos caminhos escuros
daquele olhar. E então ele a beijou. Levou sua boca à dela e reivindicou um
contato mais íntimo, ignorando a prudência. Era a primeira vez que ele a
beijava sem que uma porta os isolasse do mundo exterior.
Elizabeth também não se sentia prudente. Ela levou as duas mãos até o
colete do duque e cravou os dedos no tecido, puxando-o para mais perto no
instante em que ele procurava a língua dela com a dele.
— Eu não quero que as coisas sejam assim. — Aiden traçou o queixo
dela com a boca, enviando espasmos por todas as partes do corpo de
Elizabeth. — Nós dois, escondidos, fingindo.
— Não há muitas opções, Alteza. — Ela deitou a cabeça para trás,
oferecendo a ele espaço para seus beijos. — A não ser que Vossa Graça
anuncie para seus convidados que cortejará uma plebéia viúva, não temos
como não esconder. Nem mesmo se eu aceitasse ser sua amante o senhor
poderia demonstrar esse tipo de afeto em público.
Aiden emitiu uma espécie de rosnado, indicando que ele entendia as
limitações impostas pela diferença social entre eles. Talvez o duque não
aceitasse que, sendo tão rico e influente, não houvesse nada que pudesse
fazer para mudar aquela situação. Não havia.
— Eu não sei o que fazer. — Ele disse por fim, afastando-se alguns
centímetros dela. A separação causou em Elizabeth uma sensação
desagradável, como se ele tivesse arrancado dela uma parte importante de seu
corpo. — Diga-me, Elizabeth. Eu sou o Duque de Shaftesbury e pela primeira
vez eu não sei o que fazer.
— Não vamos fazer nada. — O sorriso que ela estampou era falso.
Elizabeth também não sabia o que fazer. Por ele, ela abriu mão da sua própria
vergonha. — Na verdade, vamos retornar para a festa. O senhor vá para seus
convidados que orientarei às criadas a prepararem mais ponche.

A noite trouxe um encontro de negócios que acalmou a irritação do duque.


Ele tentou fingir que estava bem, porém demonstrou um comportamento
desagradável durante quase todo o brunch. As mulheres o cercaram e
insistiram em falar do clima em Thanet Bay, como se as estações do ano na
propriedade acontecessem de uma forma diferente. Sua mãe o observava ao
longe e demonstrava insatisfação por suas atitudes. Ao menos, ela tinha que
aguentar as entediantes esposas dos nobres e negociantes que estavam na
mansão.
O momento de interação masculina era tudo que ele precisava. Reunidos
no escritório do duque, um amplo espaço com sofás, cadeiras, mesas e muito
uísque, os homens discutiam sobre os investimentos nas regiões mais
degradadas de Londres. Apostando nas exportações e no comércio marítimo,
pretendiam reviver áreas em Shadwell e atrair pessoas de maior prestígio.
Quando o jantar foi servido, a governanta não estava presente. Aiden
sabia que ela precisava ficar na cozinha para garantir o melhor serviço, mas
isso não fazia com que ele se aborrecesse menos. Enquanto comia cada prato
que era primorosamente servido e agradecia os elogios dos convidados pelo
cardápio refinado, sua cabeça estava em outro lugar.
Elizabeth disse que ele deveria cortejá-la. Não, ela não disse, ela apenas o
lembrou que aquela era a única forma de serem vistos em público. Ele
precisava sondar o quanto aquilo afetaria a sua vida. E, como se suas preces
pudessem ser ouvidas, a conversa na mesa seguiu em uma direção intrigante.
— Ouviram comentários sobre o casamento do herdeiro do Marquês de
Westmore? — Lady Jocelyn, esposa do Conde de Fortshire, perguntou.
Estavam servindo o quinto prato, costeletas de cordeiro com molho.
— Soube que ele foi obrigado pelo pai a se casar com a camareira da irmã
mais nova. Ele comprometeu a mulher.
A reposta de Lady Sarah deixou os presentes em um silêncio de alguns
segundos. Apenas os talheres tocando a louça podiam ser ouvidos. Aiden
bebeu um longo gole do vinho tinto que estava à sua frente.
— É cruel arruinar a reputação de um jovem herdeiro assim. — Lady
Jocelyn prosseguiu. — Posso apostar que a camareira aplicou um belo golpe
no futuro Marquês. Será que ela era mesmo pura?
— Eles estão apaixonados. — O Visconde de Whitby disse. — Esses
jovens tolos acham que o amor é o motivo para um casamento. Conversei
com o Marquês e ele afirmou que Lorde Brandon quis se casar livremente.
Pena que sua vida social estará acabada.
O Duque de Shaftesbury deixou a faca bater no prato e fez um barulho
que chamou a atenção para si. Não era sua intenção. O burburinho causado
pelo assunto cessou e os olhares sobre ele indicavam que era preciso dizer
alguma coisa.
— Não sei o motivo de tanto alvoroço. O casamento deles foi abençoado
por Deus, a honra da jovem foi preservada e eles se amam. Isso não é o
suficiente?
— Ela é uma plebéia, Alteza. — Lady Madeline disse, um quase
murmúrio.
— É uma jovem muito intrigante, porém ela não é adequada para o futuro
marquês.
Depois que o Lorde Greenmore se manifestou e os criados chegaram para
retirar os pratos e servir a primeira sobremesa, o assunto mudou. Mas, para
Aiden, ele continuava ecoando em seus ouvidos. Ela não é adequada. A vida
social dele está acabada. Aquele deveria ser o aviso que ele precisava sobre
Elizabeth. Ele podia tê-la, podia amá-la, mas não podia casar-se com ela.
Lorde Brandon, o jovem futuro marquês de vinte e três anos, amigo de
sua irmã Agatha, era um homem mais corajoso do que ele. Apaixonara-se por
uma criada e arriscara sua vida inteira para viver aquele amor. Os homens da
mesa o achavam tolo, Aiden o achava admirável.
Mas Aiden era menos inconsequente que um jovem sem
responsabilidades. Até que Lorde Brandon tivesse que assumir o marquesado,
muita coisa poderia acontecer. A sociedade poderia acostumar-se com sua
esposa. Ou eles poderiam acostumar-se sem a sociedade. Aiden era um
duque, seus compromissos com o parlamento e com a sociedade eram
importantes. Ele não podia arriscar sua reputação.
Aquela constatação o abateu. Depois de ficar doente e quase morrer, de
ferir-se com sua própria espada e de ser humilhado por seu melhor amigo, ele
não esperava perder Elizabeth.
Capítulo vigésimo terceiro

O DIA FOI EXAUSTIVO , mas transcorreu com perfeição. Por volta de meia
noite os convidados se recolheram, já que haveria uma caçada no dia
seguinte. Os criados também foram dormir, mesmo que alguns não
conseguissem ter um sono tranquilo. Nobres sempre chamavam, no meio da
madrugada, com desejos estranhos. Elizabeth conferiu que seus filhos
dormiam, que o gato estava preso no quarto com eles, e foi para quintal com
seu romance.
Não havia mais luz pela casa. A lua brilhava alta no céu e as estrelas
proporcionavam um lindo cenário para que ela pudesse avançar na leitura.
Com uma vela pendurada na parede, Elizabeth acomodou-se na parte de trás
da mansão. Ninguém ia ali além dos empregados.
Ela não conseguiu se concentrar. Seus olhos se perderam no horizonte,
para além dos estábulos. Havia fumaça saindo das casas que ficavam nos
arredores. Uma delas era de James Hodges, seu pretendente, e ela tinha
ficado tão ocupada que não o vira naquele dia. Também não queria vê-lo.
Depois do episódio na lavanderia, tudo que ela queria era Aiden Trowsdale.
Com tantas coisas para ocupá-la, ela esperava não pensar no duque a cada
minuto. Mas estava enganada.
Cinco páginas depois, Elizabeth desistiu de ler. Olhou para cima e viu luz
na janela do quarto do duque. A brisa causou-lhe calafrios. Se aquele trabalho
não fosse tão importante para ela, a coisa certa a fazer seria ir embora no dia
seguinte. Aquilo já tinha passado dos limites. Seus sentimentos por Aiden
eram perigosos demais, ela acabaria com o coração partido.
— Essa iluminação não é adequada para uma boa leitura.
A voz fez com que ela se sobressaltasse e virasse para trás. A figura
soturna de um homem vestindo calças cinza e camisa branca de linho entrou
em seu campo de visão. Ele tinha os cabelos um pouco desalinhados, mas foi
como esteve o dia inteiro. Aiden Trowsdale era lindo de toda forma que
desejasse aparecer.
— Já estava me recolhendo.
Ela fechou o livro e se levantou. Os olhar dele observou cada movimento
do seu corpo.
— Estou indo à casa do poço. — Ele disse, sem desprender os olhos dela
por nenhum segundo.
— Está muito escuro por lá, Alteza. É perigoso.
— Não há perigo algum. Qualquer pessoa poderia ir até a casa se
soubesse o caminho.
Ele não disse mais nada, apenas deu alguns passos e se afastou. Elizabeth
ficou ali, segurando o livro na mão e em dúvida se aquilo era um convite ou
uma ameaça.

Aiden não sabia se ela entenderia seu recado. Se Elizabeth compreenderia


que ele lhe fizera um convite ao dizer que iria para a casa do poço e que
qualquer pessoa conseguiria chegar até lá. Ele esperava que ela fosse até ele,
então.
Aquele era um movimento arriscado. Com uma casa cheia de convidados
e uma caçada marcada para a manhã seguinte, ele deveria dormir. Os quartos
estavam todos ocupados e os criados ficavam de prontidão para atender
qualquer chamado. Mesmo que ele conhecesse algumas passagens quase
secretas, era quase impossível passar despercebido em sua própria casa.
Mesmo assim, ele queria se encontrar com Elizabeth. Se precisasse
mentir, enganar e infringir as leis para estar com ela, ele faria com prazer.
Só não estava muito certo de que ela nutria por ele os mesmos desejos. Os
minutos que sucederam à sua chegada à casa foram torturantes. Acendeu uma
vela, a lareira, serviu uma dose de uísque e esperou. Aiden não estava
acostumado a esperar por nada, nem ninguém. Quando Elizabeth abriu a
porta da casa e preencheu o ambiente com seu cheiro de gardênias, ele
pensou que seu coração fosse parar de bater.
— Eu me sinto muito imoral fazendo isso.
Ela recostou na madeira da porta e o encarou. Suas bochechas estavam
rosadas pelo esforço e pela vergonha, que ela abandonara para se render
àquele encontro. Sua expressão não denotava arrependimento, apenas
excitação. Elizabeth estava excitada pela possibilidade de repetir o ato
indecoroso.
O duque se levantou, apoiou o copo sobre a mesa e deu três passos na
direção dela. Ele pensou no que dizer. Tinha muito o que gostaria de falar
para Elizabeth, mas nenhuma palavra saiu de sua boca. Suas mãos se
apoiaram na parede e os braços aprisionaram a governanta em um pequeno
espaço que deixava os corpos muito próximos. Ela arfou, entreabrindo os
lábios, e isso foi demais.
Dobrando o corpo ele a beijou. Levou a boca até a dela e a reivindicou
como se tivesse o direito de possui-la. Que o inferno o carregasse, ele tinha.
Nenhuma mulher o fez sentir-se daquela forma e ele tinha experiência
sobrando para ter certeza.
A partir daquele momento, os dois corpos se uniram. Ele a segurou pelos
quadris e ela passou os braços pelo pescoço dele. Aiden viu, pela primeira
vez, vantagem no vestuário simples das criadas. Aquela saia era bem mais
fácil de ultrapassar do que as saias cheias de camadas e goma das aristocratas.
Suas mãos se amoldaram às formas das nádegas de Elizabeth e ele a
suspendeu, forçando-a buscar equilíbrio no contato mais profano com o corpo
dele.
Empurrando-a contra a parede, Aiden desabotoou suas calças. Sua ereção
dolorida fez contato com o tecido grosso da roupa dela e ele gemeu. As bocas
se procuravam, ele a acariciava com a língua enquanto procurava afastar as
poucas camadas que o separavam daquilo que desejava.
Com um movimento rápido, Aiden ergueu-a novamente e a penetrou.
Elizabeth gemeu e enfiou o rosto no pescoço dele. A sensação de estar dentro
dela era fantástica.
— Eu não quero mais que você aceite ser cortejada por Hodges. — O
duque estava imóvel, o membro latejando dentro de Elizabeth enquanto ele se
permitia acalmar. Ela o desorientava como nenhuma mulher nunca fez. —
Invente qualquer desculpa e o dispense. Você não pode se casar com ele,
Elizabeth. Você é minha, eu quero você para mim.
Ela emitiu um som que parecia um rosnado e apoiou a cabeça no espaço
entre o pescoço e o ombro do duque. Voltou a beijá-lo, mordendo
suavemente o lábio inferior dele.
— Isso parece bastante pretensioso. O senhor quer que eu seja sua, e não
posso exigir que seja meu?
— Você não precisa exigir. — Aiden voltou a se mover, investindo
contra ela com força. Ele precisava de alívio rápido, depois podia beijá-la,
cheirá-la, prová-la e conduzi-la a um prazer intenso. — Eu já sou seu,
Elizabeth. Por inteiro, sem restrições. Você é a única mulher que eu desejo e
eu quero você na minha cama. Todas as noites.
Ele estava embriagado pelo desejo. Abandonou o restante de dignidade
que lhe sobrara com estocadas firmes e profundas. Murmurou palavras que
não deveria dizer, fez promessas que não poderia cumprir. Manteve Elizabeth
em seus braços, suspensa no ar, até que a necessidade de estar dentro dela
amenizasse.

Mesmo sabendo que nada bom sairia de seu relacionamento com o Duque de
Shaftesbury, Elizabeth se sentiu muito bem quando ele disse que a desejava.
Melhor ainda, porque ele disse que era dela. Ele pertencia a ela, mesmo que
não pertencesse. Aquilo significava mais do que um simples desejo carnal.
Sentada na banheira de metal ao lado da lareira, com água cobrindo seus
ombros, ela olhava para a chama flamejante enquanto seu pensamento
divagava. Não sentiu a aproximação dele até que mãos firmes tocassem sua
pele sensível.
Aiden segurou os cabelos dela e ajeitou com as mãos, deixando a nuca
desnuda. A respiração dele aqueceu a pele exposta e logo foi substituída
pelos lábios quentes. Elizabeth sentiu um calafrio percorrer-lhe a coluna.
— Eu vou cuidar de você, agora.
Ela sorriu. Naquele momento ela não era mais senhora. No breve tempo
que passavam juntos, não eram necessários pronomes de tratamento. Depois
que ele declarou pertencer a ela, não havia mais hierarquia entre o que
sentiam um pelo outro.
— Preciso voltar para a casa. Se derem por minha falta…
— Você é a governanta. — Ele colocou sabão nas mãos e as enfiou na
água. Elizabeth se contorceu ao toque dos dedos longos em sua barriga, em
seus quadris, em suas coxas. — Não tem que atender chamados de
madrugada. Ainda tem muito que eu queira fazer essa noite.
— Vossa graça é muito mimado.
Elizabeth deitou a cabeça na borda da banheira. Aiden massageava a parte
interna das coxas dela e roçava a ponta dos dedos em sua abertura feminina.
— Eu sou. Mimado, devasso e estou morrendo de desejo.
Aquilo foi o suficiente para que ela risse, mas o riso se transformou em
um gemido baixo quando ele acariciou-a no ponto mais sensível do seu sexo.
Elizabeth abriu-se para que ele pudesse tocá-la melhor. Mais profundamente.
Enquanto Aiden usava os dedos para estimulá-la, beijava seu pescoço, seu
ombro, mordiscava o lóbulo da orelha.
Os sons que ela não conseguia evitar a deixariam constrangida, antes. O
duque libertou o seu lado mais impudico. E ele demonstrava satisfação em
fazê-la gemer, provocando-a e excitando-a ao máximo. Os carinhos cessaram
e ela abriu os olhos querendo protestar. Viu Aiden crescer em seu campo de
visão e entrar na banheira com ela.
— Aiden. — Ela se encolheu, dobrando as pernas. — Não há espaço para
nós dois.
— Da forma como eu planejo ficar, há bastante espaço.
O duque riu e acomodou-se, erguendo-a pela cintura para fazer com que
ela se sentasse sobre suas pernas. A água estava esfriando, não importava. A
compreensão daquele corpo nu e excitado no qual ela estava apoiada fez com
que ela desejasse ser possuída. Imediatamente.
Ele não tinha mais o sorriso em seus lábios. Olhava para ela com desejo e
reverência, passando as mãos espalmadas pelos seus braços, pernas, barriga.
A expressão dele era perturbadora e capaz de confundi-la.
A posição era incômoda mas não atrapalhou que Elizabeth segurasse o
membro rígido do homem e sentasse sobre ele, permitindo uma penetração
profunda. Daquela vez ele não tinha pressa. Com as mãos apoiadas nos
ombros dele e os joelhos dobrados dentro do espaço reduzido, ela o cavalgou
lentamente enquanto ele esfregava seu botão rosado com o polegar.
Mais uma vez, Aiden não permitiu que ela atingisse o clímax. Ergueu-se
da banheira, derramando água pelo chão, e jogou-a sobre o colchão macio da
cama que estava pronta esperando por eles. Depois, forçou os joelhos dela
abertos e levou a boca até o centro de sua intimidade.
Elizabeth praguejou e se contorceu com a língua dele em suas partes
íntimas. Não era a primeira vez. Ela já sabia que não era ilegal, ao menos
para as leis britânicas. Porém, as sensações foram mais inebriantes. Talvez
porque ela o desejasse mais, ou porque ele já a havia estimulado o suficiente.
Todo o interior dela pulsava e ansiava por um contato mais profundo.
— Aiden, por favor. — Ela disse, a voz embargada pelo prazer iminente.
O duque lambia e chupava o feixe de nervos intumescido e protuberante em
sua feminilidade e quase lhe tirava os sentidos. — Por favor, me possua.
— Não agora, minha querida. — Ele a penetrou com os dedos para
proporcionar algum alívio. — Como eu disse, ainda há muito o que eu queira
fazer. Vamos nos divertir muito essa noite.
Ela quis dizer que obviamente eles não tinham muito mais tempo, mas foi
silenciada pela boca dele novamente. Aiden a beijou, sugou os lábios, passou
a língua pelos mamilos tesos. Segurou um com o dente e mordiscou enquanto
acariciava-a entre as pernas. Toda vez que Elizabeth sentia que iria explodir
em um prazer inebriante, ele retrocedia e começava tudo novamente.
Até que ele a atendeu e a penetrou enquanto mantinha os estímulos na
zona mais sensível da sua intimidade. Elizabeth cravou os dedos nos lençóis e
arqueou os quadris para receber o orgasmo mais intenso de sua vida. Ela não
tinha experiência naquelas sensações. Depois de conhecer Aiden ela teve
certeza que nunca tivera nenhum tipo de prazer como aquele durante o ato
sexual. O duque fazia com que ela desejasse ser tocada, penetrada e
manipulada. Fazia com que ela quisesse passar um dia inteiro sendo beijada e
possuída por dele.

A mulher era deliciosa. Vê-la gozar em sua boca, em sua mão, enquanto ele a
possuía, dava a Aiden uma sensação de poder que ele achava já ter sentido
outras vezes. Mas não. Havia algo diferente nela. Podia ser a resistência da
governanta em ceder às suas propostas de tomá-la como amante. Mulheres
difíceis eram sempre mais intrigantes. Porém ele suspeitava que era algo mais
do que a sedução pela caçada. Por mais que o duque gostasse de ser
desafiado, não era apenas o desafio que o atraía.
Ele estava olhando para ela havia vários minutos. Era tarde, muito tarde, e
até os ruídos do bosque estavam silenciosos. Os dois já tinham feito amor três
vezes desde que chegaram à casa do poço e Elizabeth cochilava nos braços
dele. Os cabelos loiros e cacheados estavam desgrenhados, ela tinha as
bochechas rosadas e a respiração suave.
A imagem fez com que o coração dele pulasse algumas batidas. Todo o
corpo dela era de uma beleza que ele ainda não vira. A pele era branca e
macia como se uma porcelana pudesse ser estofada com algodão. Os seios
eram fartos, os mamilos rosados e do tamanho perfeito. Para ele.
Ela era perfeita para ele.
E, ainda assim, Elizabeth guardava algumas marcas de quem ela era.
Pequenas cicatrizes, calos nas mãos, notas de que sua pele fora castigada pelo
tempo sem os cuidados merecidos. Nada que diminuisse sua beleza. Ao
contrário, aquelas marcas davam a ela personalidade. Elizabeth era única.
Aiden aconchegou-se ao lado dela, garantindo que a mulher não
acordasse, e adormeceu. A exaustão do dia e da noite fizeram com que ele
dormisse profundamente até os primeiros raios de sol penetrarem pelo vidro
da janela, fazendo-o despertar.
— Volte para a cama.
Ele se ajeitou entre os lençóis quando viu Elizabeth saindo da banheira.
Ela já tinha acordado, tomado banho e estava pronta para voltar para a vida
real. E a vida real não permitia que eles ficassem juntos.
— Bom dia, Alteza. — Ela lhe sorriu. — Está na hora de retomar minhas
atividades. Os criados vão questionar onde estive e terei que inventar
mentiras. Meus filhos já devem ter acordado e também vão me questionar. Eu
não deveria ter dormido tanto.
Aiden se levantou, vestiu suas calças e a interceptou no meio do quarto.
Ajudou-a a abotoar as saias e ordenou que ela se sentasse à frente do espelho.
Ele também queria ajudá-la com os cabelos. O duque adorava os cabelos de
Elizabeth.
— Não tenho nenhuma vontade de voltar. Gostaria de ficar aqui pelo dia
inteiro. Talvez o final de semana. Mas aguardarei que você saia para que não
sejamos vistos juntos.
Ela lhe sorriu e ele não resistiu. Fez com que se levantasse e a beijou na
boca. Elizabeth se abriu para recebê-lo, a lingua tocando a dele como se fosse
veludo e seda.

Claro que Elizabeth estava perdendo o juízo. Louca, talvez, como se a doença
não lhe tivesse afetado os pulmões, mas a cabeça. Ainda assim, saiu sorrindo
da casa do poço. Cada momento compartilhado com o duque fazia sua visão
mais clara, o dia mais ensolarado e o cantar dos pássaros mais belo. A mesma
realidade que a impedia de ser a nova duquesa também a fazia sorrir como as
mocinhas tolas dos romances.
Ela não conseguiu enganar nenhum dos empregados, mas eles também
não lhe perguntaram nada. Os filhos estavam acordados e sendo alimentados
por Loretta, que adorava entupir os pequenos de pães e bolos logo nos
primeiros minutos da manhã.
— Eles me ajudam provando a comida. — Era a desculpa que ela dava.
Elizabeth sabia que a solteirona desenvolvera afeto pelos meninos e fazia
aquilo porque queria cuidar deles. Depois de vestir uma roupa mais adequada
à manhã de atividades da casa, a governanta foi coordenar a preparação do
desjejum porque os homens sairiam para caçar.
— Não consigo entender o prazer em perseguir animais indefesos.
Ela resmungou enquanto conferia as louças que Gertie estava secando. As
criadas estavam no salão principal. As cortinas de tecido bordado,
estampadas com dourado, estavam abertas e havia muita luz solar penetrando
pelas janelas.
— Mas eles não caçam animais! — Gertie respondeu a uma pergunta não
feita. — A senhora não sabe? O duque é contra maltratar animais. A caçada é
uma espécie de busca por um tesouro escondido. Os cães sentem o cheiro que
os criados deixaram nas pistas e o prêmio final é sempre algo muito valioso.
— Por isso os nobres adoram a caçada dos Trowsdale!
Outra criada demonstrou animação. Elas começaram a falar sobre as
vantagens de se trabalhar para a família, mesmo com a presença da duquesa
na casa. Elogios ao duque e a Lady Agatha, elogios ao falecido Albert
Trowsdale, elogios os eventos e festas que eles faziam e aos trabalhos
comunitários que eles conduziam. Se Elizabeth já não estivesse apaixonada
pelo duque, ela imaginaria que aquela conversa era um plano de Lady Agatha
para mostrar a ela o quanto o irmão era um homem interessante.
Depois de supervisionar o salão e garantir que tudo estava perfeito,
Elizabeth precisava ir à vila buscar algumas encomendas. Pediu que a
carruagem dos empregados a levasse para não ficar muito tempo fora. Sua
programação costumava ser impecável, ela nunca se atrasava ou deixava de
cumprir o cronograma. Sem intercorrências, estaria de volta logo após os
convidados terminarem a refeição e poderia, assim, organizar o salão de baile
como desejava quando todos estivessem na caçada.
Mas, quando ela retornou para Thanet Bay, carregando caixas e mais
caixas de ornamentos para decoração, percebeu uma agitação nos estábulos.
O jovem Reggie estava nervoso e, assim que ela saiu da carruagem, veio
correndo ao seu encontro. Sua expressão era de medo e o menino estava
branco como cera de vela.
— Sra. Collingworth. Sra. Collingworth, o Patrick.
A menção do nome de seu filho fez com que ela quase derrubasse a caixa
que carregava.
— O que tem o Patrick, Reggie?
— Ele pegou um cavalo e saiu, senhora. Tem poucos minutos, eu tentei
impedir mas ele é muito rápido. Ia montar para ir atrás dele mas vi a senhora
chegando.
Reggie estava agitado e atropelando a fala. James Hodges apareceu para
intervir ao ver o filho transtornado.
— Como assim ele pegou um cavalo?
— O que houve para ele fazer isso, Reggie? — Hodges questionou. —
Você fez algo com ele?
— Não. Ele saiu da casa, correndo. Estava chorando.
O centro de gravidade de Elizabeth girou e ela precisou ser amparada pelo
cavalariço para não cair ao chão. Aquilo não fazia sentido para ela. Patrick
sempre fora um garoto tranquilo e muito educado. Ele nunca pegaria um
cavalo sem permissão e sairia galopando pela propriedade se algo muito
grave não tivesse acontecido.
— Reggie, reúna alguns homens. Vou levar a Sra. Collingworth para
dentro e vamos sair em busca do garoto. Chame os arrendatários e seja
rápido.
Capítulo vigésimo quarto

A BUSCA por Patrick gerou uma comoção que se espalhou rapidamente por
Thanet Bay. Elizabeth não quis aceitar ser conduzida para a mansão, mas ela
tremia muito e não estava em condições de ficar de pé. Loretta preparou um
chá de valeriana e fez com que ela bebesse, enquanto uma operação de
resgate era montada nos bastidores.
Hodges conseguiu reunir três dos arrendatários. O ajudante do estábulo
ficaria porque os nobres estavam já saindo para perseguir o tesouro. Para não
perturbar o evento, o cavalariço decidiu conduzir a busca como uma atividade
paralela. Esforçou-se para evitar que os convidados percebessem qualquer
movimentação que não fosse aquela planejada para eles.
Mas ele não conseguiu enganar o Duque de Shaftesbury. Vestindo uma
calça de montaria de camurça escura, camisa branca e colete de brocado,
Aiden Trowsdale percebeu que alguns dos seus arrendatários estavam ali nos
estábulos e que as baias estavam todas vazias. Os cavalos menos valiosos
tinham sido retirados e estavam selados nos fundos do estábulo.
— Há algo errado. — Aiden disse, atraindo a atenção do conde. Edward
aproximou-se para ver o mesmo que via o amigo. — Sr. Hodges, por que os
arrendatários estão nos estábulos e porque os cavalos estão selados nos
fundos?
O cavalariço se aproximou com algum receio. O duque era um homem
gentil, mas seu excesso de autoridade fazia com que os criados temessem
algumas explosões.
— Eles vão sair em uma busca pela propriedade, Alteza.
— Busca de que?
— O filho da governanta. Ele desapareceu e vamos procurar o menino.
A informação atingiu o duque como um soco no queixo ou uma pontada
do florete. Ele olhou ao redor mas não viu Elizabeth.
— Explique-me isso. Quem desapareceu e o que houve?
— Não sabemos direito, Alteza. Meu filho, Reggie, viu o jovem Patrick
sair correndo da casa, pegar um cavalo sem sela e galopar descontrolado pelo
campo. Prometemos à Sra. Collingworth que acharíamos o menino. Ninguém
sabe por que ele fugiu.
Aiden ficou em silêncio por alguns segundos para organizar o
pensamento. O filho de Elizabeth estava em perigo e aquela informação era
muito importante.
— Há quanto tempo foi isso? — O conde perguntou.
— Menos de meia hora, milorde.
— Avise aos convidados que a caçada mudou. — Aiden disse. — Vamos
todos sair em busca do menino. Quero todos os homens disponíveis e
indisponíveis em um cavalo. Vamos varrer cada centímetro dessa
propriedade e vamos até a vila, mas não retornamos para cá sem o garoto.
— Sim, senhor. — Hodges fez um movimento com a cabeça —
Convocarei todos os criados.
— É uma ordem minha, Sr. Hodges. — O duque insistiu. — Não aceito
nenhuma escusa de ninguém. Quem não estiver doente ou inválido nessa
propriedade deve montar um cavalo e ajudar a encontrar Patrick. Eu vou
conseguir roupas dele para provocar os cães. Edward…
Aiden virou-se para o amigo, que já estava segurando as rédeas de seu
puro-sangue. O conde costumava entendê-lo mesmo antes de dizer alguma
coisa.
— Eu coordenarei as buscas no bosque. Pedirei a Sawbridge que organize
uma expedição até a vila. Vá falar com ela.

Quando Elizabeth viu o duque se aproximando, ela não conseguira notar toda
a mobilização na casa. As mulheres estavam reunidas no jardim e
observavam, sem compreender bem, os homens se organizando em grupos. A
conversa se dava de ouvido em ouvido e, se ela estivesse consciente do que
estava acontecendo, saberia que a a fofoca não a pouparia. Não daquela vez.
Mas tudo que ocupava sua mente era Patrick. Ela ainda não sabia onde
estava Peter, tudo tinha acontecido há minutos. O chá de Loretta não tinha
produzido efeito ainda quando o duque segurou-a pelas mãos.
O movimento parou. Dava para ouvir um gota de orvalho tocar a relva.
As criadas que as cercavam se afastaram e foram cuidar de outros afazeres.
As mulheres no jardim se viraram. Aiden usava luvas, mas ele segurou a mão
despida de Elizabeth entre as suas. A forma como ele fez aquilo era íntima
demais. Um duque não deveria ter aquela intimidade com uma governanta.
— O que houve?
Ele perguntou, no instante em que Peter apareceu. O pequeno estava
escondido na cozinha e se aproximou ao ver o duque.
— Eu não sei. Cheguei da vila e Reggie veio falar comigo. Eu preciso
achá-lo, Aiden, eu tenho que… eu não posso…
— Acalme-se. — O duque esfregou os dedos dela. — Nós vamos
encontrá-lo. Todos os homens vão procurá-lo e ele não deve ter ido longe.
Provavelmente se aborreceu com alguma coisa.
— Foi a senhora elegante. — Peter murmurou por trás da saia da mãe.
Aiden ajoelhou e indicou que o menino devia se aproximar. — Ela brigou
com Patrick e ele ficou triste.
— Que senhora, Peter? — O duque segurou o menino pelos ombros.
Peter parecia assustado. — Qual das damas brigou com seu irmão?
— A fada. — O pequeno murmurou. — Ela tem os cabelos prateados
como uma fada, não tem?
A expressão estampada na face do duque indicava que ele sabia de quem
Peter estava falando. Elizabeth também sabia. Não era novidade que a
duquesa não gostava de crianças. Mas eles não esperavam que ela fosse
ofender tanto um menino a ponto de fazê-lo fugir.
— O que ela disse para o Patrick? — Aiden insistiu.
— Ele estava na biblioteca procurando o gato. Ele foge muito, Alteza. Ela
disse que ele tinha que ir embora. Que criados não podiam estar ali, que ele
não era bem vindo na casa.
Elizabeth pegou Peter no colo. O filho mais novo era pequeno, mas muito
esperto. Poucas coisas o incomodavam e ele jamais teria se afetado tanto com
uma fala da duquesa. Já Patrick era muito sensível.
O duque se levantou e limpou a poeira dos joelhos.
— Vou trazer seu filho de volta.
— Eu também vou procurá-lo. Pegarei com o Sr. Hodges um cavalo e…
— Você não vai a lugar algum, Elizabeth. — O duque interrompeu-a. —
É muito perigoso para uma mulher sair cavalgando por bosques.
— Aiden, é o meu filho. Eu vou sair atrás dele com ou sem sua
autorização. Se quiser garantir minha segurança, leve-me com você.
Nenhum dos dois notou a informalidade do tratamento na frente dos
criados. Menos ainda se preocuparam que alguém estivesse ouvindo. O
duque fitou Elizabeth por alguns segundos. Eles estavam perdendo tempo.
— A senhora sabe montar?
— Eu monto com as pernas passadas pelo cavalo. Como você.
— Pelos céus! — Aiden pressionou as têmporas. — E como pretende
fazer isso com esse vestido?
— Dê-me um minuto. Eu tenho vestes de montaria.
E ela tinha, realmente. Elizabeth não tinha a oportunidade de cavalgar há
muito tempo, mas ela adorava fazer isso como se fosse um homem. Nunca
conseguiu se adaptar à sela feminina, nem à cavalgada com saias. Entregando
Peter para que Loretta cuidasse, ela foi até seu quarto e vestiu sua roupa de
montaria. Ainda servia perfeitamente. Talvez estivesse um pouco justa nos
quadris. Mas ela iria procurar por Patrick, mesmo que isso lhe custasse o
restante de dignidade que sobrava.

Quando Elizabeth chegou vestindo calças, o duque se dividiu entre a vontade


de cobri-la com uma toalha de mesa e tomá-la em seus braços e beijá-la. Ela
tinha conseguido um meio de provocá-lo ainda mais. O tecido envolvia as
pernas dela e deixava suas formas femininas em destaque. Ele iria
enlouquecer duas vezes até aquela busca acabar.
— Hodges vai te dar um cavalo. Não saia do meu lado.
A necessidade de protegê-la de qualquer coisa era tão forte quanto a
preocupação em encontrar o menino desaparecido. O duque não tivera muito
tempo para conviver com as crianças, mas elas eram os filhos daquela
mulher. Os sentimentos por Elizabeth ainda não estavam claros, mas ele não
podia negar que ela o afetava como ainda não fora afetado por ninguém.
Depois que ela estava montada, Aiden comandou um grupo que também
contava com o cavalariço Hodges, o Visconde de Whitby e Lorde McFadden,
o segundo filho na família de Edward. Eles iriam até as ruínas do lago e
encontrariam o grupo que fora até a vila em seguida.
O dia ainda estava claro e o verão proporcionava um período mais longo
de luz solar. Para cobrir uma área maior, os cavaleiros se afastaram enquanto
chamava por Patrick, mantendo contato apenas visual. O cavalo de Elizabeth
seguia o de Aiden. Ele não permitiria que ela se distanciasse.
— Alteza. Patrick é muito fechado. Se o avistarmos, deixe que eu fale
com ele.
— Como desejar. Eu gostaria de me desculpar por minha mãe. Não sei o
que ela disse, mas…
— Mas não é sua culpa para que a assuma. — Ela o interrompeu. Aiden
sorriu, mesmo na tensão do momento. Por mais estranho que fosse, ele
adorava ser interrompido por ela.
A busca prosseguiu até chegarem às ruínas e não encontrarem nada. Não
havia nem mesmo rastro do cavalo que Patrick teria montado. Como ainda
havia bastante luz, o grupo decidiu adentrar no bosque para se encontrar com
o Conde de Cornwall. De minuto em minuto, o duque conferia como estava
Elizabeth. Ela aparentava serenidade, ele suspeitava que era apenas fachada.
Antes de avistarem o outro grupo, ouviram um grito.
— Onde foi isso? — O visconde perguntou, aproximando-se do duque.
— À frente, tem uma clareira.
— Foi Patrick. — Elizabeth confirmou e disparou seu cavalo. O mestiço
passou pelos outros do grupo e desapareceu por entre as árvores.
Aiden não podia acreditar no que estava acontecendo. Ele odiava perder o
controle das coisas e podia afirmar que, naquele momento, não tinha o
controle de mais nada. Fez com que seu cavalo seguisse o de Elizabeth por
entre galhos e folhas secas, até vê-la parar e desmontar e se ajoelhar.
Aquela era a cena mais triste que ele já vira. O cavalo que o menino
montava não estava à vista, mas o duque pode ver o pequeno corpo imóvel da
criança no meio da folhagem. Sem saber o que tinha ocorrido, tudo que ele
pode fazer foi rezar.
O Duque de Shaftesbury era religioso, mas aquilo não dizia que Aiden
costumava expressar sua religiosidade com frequência. Ele costumava
frequentar a igreja e fazer caridade, mas nem sempre pensava no Divino com
o devido respeito. Naquele momento, ele desejou com toda a sua força que
houvesse um Deus. E que aquele Deus não tivesse levado o filho de
Elizabeth.
Ele não resistiria vê-la definhar como viu acontecer com sua mãe.
— Aiden! — Ela chamou pelo nome dele, erguendo o menino do chão.
— Ele bateu com a cabeça.
— Venha comigo, no meu cavalo.
Ele ofereceu a mão para pegar Patrick. Elizabeth hesitou em entregar o
filho, mas o duque ofertou-lhe um olhar de segurança. Ele não deixaria que
nada acontecesse com aquele garoto. Nada que ele pudesse impedir. Ela
então subiu no cavalo e se colocou à frente de Aiden, tomando o filho
novamente.
Os outros cavalos chegaram e o grupo de Edward também os encontrou.
Aiden ordenou a Hodges que fosse buscar o doutor Davies e disparou na
direção da mansão.

A chegada da comitiva causou mais rebuliço do que a partida. As mulheres


tomavam chá na varanda do solário quando perceberam o retorno dos homens
e foram bisbilhotar para descobrir o que estava acontecendo. As fofocas não
confirmadas pelas criadas indicavam que o filho da governanta fugiu e o
duque, um homem magnânimo e muito altruísta, decidiu ajudar a encontrá-lo.
Caroline Eckley sabia que era muito mais do que aquilo. Ela conhecia
Aiden melhor do que aquelas damas alienadas e não acreditava que o
deslocamento da programação se desse apenas a um surto de bondade. O
duque destacaria seus criados e arrendatários para encontrar o menino e
prosseguiria com sua caçada. Afinal, era a caçada dos Trowsdale, o maior
evento de Kent em todo verão.
Quando viu o puro-sangue marrom apontar no horizonte, ela teve certeza
que seu amante estava escondendo algo. Na noite anterior ele não estava em
seu quarto. Ela foi até ele, bateu à porta, mas Aiden não respondeu. Não
havia velas acesas, nada que indicasse que ele retornara depois de uma
escapada pelo campo. E, então, ele retornava da busca com a governanta
sentada em seu colo.
A forma como ele conduzia o cavalo e, ao mesmo tempo, protegia a Sra.
Collingworth era tocante. Lady Eckley não teve dificuldade de identificar o
gesto como cuidado. Carinho. Algo que um homem só faria por alguém que
ele nutrisse sentimentos de afeto.
O Duque de Shaftesbury estava envolvido com a governanta.
Elizabeth lembrava da ausência de sentidos apenas quando perdeu Gregory.
A cólera era cruel e já tinha levado muitos conhecidos e amigos, mas a perda
do marido a deixou desorientada. Peter, ainda recém nascido, chorara por
horas até que ela conseguira dar a ele a atenção necessária. Talvez aquilo
tivesse influenciado nas atitudes de Patrick. O filho mais velho era uma
criancinha quando precisou lidar com a perda súbita do pai.
E então ela estava vivendo tudo aquilo de novo. Desde o momento em
que viu Patrick no chão, tudo não passava de uma sucessão de eventos que
iniciavam mas não terminavam. Ela não veria, se terminassem.
Sentada à beira da cama onde o filho dormia, ela segurava a mão dele
enquanto as pessoas estavam alvoroçadas indo e vindo. Gretha colocou um
pano frio na cabeça ferida de Patrick. Havia um calombo em sua testa e a pele
estava machucada. John segurava um crucifixo e fazia uma oração. Geoffrey
trouxe um odorizante alcoólico e levou ao nariz do menino para que ele
cheirasse.
Até o doutor Davies chegar, dias poderiam ter se passado sem que ela
sequer percebesse. O barulho das vozes era ouvido, mas não lhe importava.
— Aiden. — Lady Agatha disse, em baixa voz. Elizabeth sabia que ele
estava ali, o duque. Ela quase podia sentir a mão dele em seu ombro. — Vá
entreter os convidados. Eu ficarei aqui com ela.
Elizabeth também não notou a negativa dele. O movimento de cabeça que
indicara que não, ele não sairia daquele quarto. Mas ele precisava ir. Lady
Agatha tinha razão e os convidados não podiam ser deixados sozinhos. Os
comentários se intensificariam e a duquesa…
— Se você insistir em ser cabeça dura, mamãe vai surgir aqui para saber
o que está acontecendo.
— Mamãe. — Aiden repetiu a irmã em uma súbita realização de algo. —
A duquesa. Ela causou tudo isso. Foi por causa dela que o menino fugiu.
— Ela é uma pessoa má. Cruel. Nós sabemos que ela é assim mas, de
qualquer forma, é nossa mãe.
— Ela quase matou uma criança, Agatha! — A voz do duque se
intensificou. — Não dá mais para ser complacente com as atitudes dela.
Mamãe passou dos limites e isso eu não vou tolerar.
Aiden rompeu para fora do quarto no mesmo instante em que Hodges
chegou, arfante, com o médico. O duque teve tempo de recomendar ao doutor
que fizesse tudo que estivesse ao alcance da medicina para curar o menino.
Que não faltaria dinheiro para pagar as despesas nem recursos para tratá-lo.
Enquanto as mulheres fofocavam no salão de chá, Myrtle Trowsdale
imaginava como faria para impedir que aquilo se espalhasse. Eles estavam ali
em Kent, um pouco afastados do furor londrino que ela há muito
desconhecia, mas o escândalo não demoraria a se alastrar como erva daninha.
Ela bebericava sua xícara com Earl Grey quando Aiden entrou salão adentro.
As damas se agitaram. As solteiras estavam animadas, mesmo depois de
terem visto o duque chegar com Elizabeth em seus braços. Para as ingênuas
perseguidoras de maridos nobres, ele era um herói. O salvador de crianças
indefesas, aquele que devolvia os filhos perdidos para suas mães. Para as
mais velhas, era apenas um devasso incorrigível que fizera da governanta o
mais novo nome no seu interminável rol de amantes.
— Mamãe. — Aiden colocou-se à frente de Myrtle. Seus cabelos estavam
desgrenhados e ele não se preocupou com a aparência. Era incomum que o
duque se postasse tão desalinhado na frente dos convidados, mas aquele era
um dia atípico. — Nós precisamos conversar. O que a senhora disse ao
menino Collingworth antes de ele sair galopando daqui?
O burburinho de vozes indicava que todas estavam prestando atenção no
duque.
— Nada demais. Por que acha que eu tenho algo a ver com o que
aconteceu?
— Porque a senhora tem. Diga, o que foi que a senhora falou que o
transtornou tanto?
— Já disse, Aiden - nada. O pirralho é muito sensível, eu apenas o impedi
de continuar mexendo nos livros.
Aiden pressionou as têmporas com os dedos, visivelmente perturbado. A
vontade de agredir a mãe era quase maior do que seu autocontrole. Era a
primeira vez em sua vida que ele não sentia pena de Myrtle, nem se
compadecia da condição dela.
— Mamãe, ele não estava “mexendo nos livros”. Estava procurando um
gatinho fujão. Mesmo assim, Patrick está aprendendo a ler e eu deixei que
lesse os títulos na biblioteca. Ele tem minha autorização para estar onde
quiser nessa casa. A senhora não pode achar que manda na minha casa.
Minha. Casa. — Ele enfatizou as palavras. Sua voz saía como um rosnado. O
Duque estava perto de uma síncope. — Se alguma coisa acontecer com esse
menino, o sangue dele estará nas suas mãos.
— Você é muito ingênuo se não consegue ver que está sendo manipulado
por essa família. — A duquesa se levantou. Emma se aproximou, mas ela
escorraçou a criada. — A governanta…
— Elizabeth é uma mulher honrada. — Ele a interrompeu e fez com que
se sentasse novamente. A duquesa quase caiu no sofá. — Ela foi contratada
por mim e os filhos dela são bem-vindos nessa casa. Se a senhora fizer
qualquer coisa que a incomode ou atacar aqueles meninos novamente, eu
prometo que Paris será um destino próximo demais para suas próximas férias.
Aquele era o fim do resquício de controle que restava ao duque. Ele saiu
pisando forte do salão. Não cumprimentou as damas, não demonstrou
nenhuma elegância nem fineza ao bater a porta atrás de si. Se continuasse ali,
Aiden faria algo do que se arrependeria. A mãe poderia ser uma alma sem
salvação, mas aquela tinha sido a última maldade da duquesa.
Capítulo vigésimo quinto

D AVIES ERA um bom médico e Elizabeth não tinha motivos para não acreditar
nele. Se ele dissera que seu filho estava bem, então não havia nada a temer.
Pouco antes do doutor chegar, Patrick acordou assustado. Estava agitado e
precisou da mãe para ser contido. O médico o examinou e encontrou um
concussão apenas, nada grave. Pediu repouso, muito líquido e compressa para
a dor.
A situação fez com que Elizabeth precisasse considerar algumas coisas.
Desde o momento em que segurou o corpo inerte de seu filho, ela se culpou.
Se estivesse em casa para protegê-lo, aquilo não teria acontecido. Patrick
teria ido até ela. Ele se sentiria seguro com ela. E ela explicaria para ele que a
duquesa era uma mulher amarga e cruel. Que ele não deveria se sentir
diminuído pelo que ela falasse.
Mas Elizabeth passou a vida trabalhando e estando ausente. Tinha que
estar ausente ou não levava comida para casa. Os filhos ficavam mais tempo
com estranhos do que com ela. Aquilo tinha que acabar.
Ela não toleraria mais uma vida de ausências. De faltas. De não ter o que
comer, ou de precisar se submeter aos trabalhos mais degradantes.
Isso dava a ela duas opções. Casava-se com Hodges e se tornava dona de
casa, novamente, ou se entregava ao duque e sua proposta indecente.
Era como se não houvesse opção. Por mais digno que James Hodges
fosse, ela não sentia nada por ele além de respeito e admiração. Um homem
de certa instrução, devotado a seu filho. Ela poderia tê-lo como marido, mas
se sentira impura se pensasse no duque toda vez que se deitasse com Hodges.
Ser amante de alguém nunca passou por sua cabeça. Por não achar que
seria sequer considerada por um nobre endinheirado ou por não aceitar
tamanha humilhação. Mas, seria mesmo tão humilhante assim ser cuidada por
um homem que ela amava? Ludibriar as rígidas exigências de uma sociedade
impiedosa, para viver ao lado do homem por quem seu coração clamava,
parecia mais uma forma de rebeldia do que uma vergonha.
Os nobres estavam descansando antes da soirée e exigindo pouco de sua
atenção. Elizabeth lavava roupas pessoais quando ele chegou. Ela tinha
passado o tempo quase todo ao lado da cama de Patrick e se afastou apenas
porque ele dormia tranquilo. O duque tinha tomado banho, se barbeado e
vestia roupas limpas e engomadas. A calça bege ficava justa em suas coxas
musculosas e ela não deveria estar olhando para os quadris dele enquanto seu
filho dormia depois de um grave acidente.
— Como ele está?
Aiden parecia saber que a lavanderia conferia privacidade suficiente.
Nenhum nobre ou convidado iria ali. Os criados eram todos de confiança.
— Vai ficar bem. O doutor disse que foi uma pancada forte, mas crianças
se recuperam rápido.
— Minha mãe pagará por ter sido tão cruel. — Ele a tocou no ombro, mas
Elizabeth não estava bem para ser tocada. Ela se afastou sutilmente. — Se a
senhora preferir não mais ficar na mesma casa que ela, eu posso conseguir
que trabalhe para o Conde de Cornwall. Edward não vai negar-me esse
pedido e assim a senhora não precisará lidar com a duquesa novamente.
Elizabeth virou-se e o encarou. Ele dizia que arrumaria para ela um
emprego em outro lugar apenas para que não se sentisse mal. Se ela não o
conhecesse, pensaria que Aiden pretendia livrar-se dela. Mas Elizabeth
entendeu suas intenções ao olhar em seus olhos. Havia dor e agonia no escuro
que a engolia. A expressão rígida do duque entregava a contradição dentro
dele.
— Eu não me importo com a duquesa. Ela pode ser uma mulher cruel
mas quem deveria estar aqui para proteger meu filho era eu. São sete anos de
privações em que Patrick não pode ter a mãe em tempo integral. Estou
cansada, Alteza, exausta.
Ela explodiu e largou a roupa que estava segurando, baixando os braços
na lateral do corpo. Seu coração batia rapidamente.
— Não é culpa sua.
— Não será mais culpa minha. A sua oferta ainda está disponível?
O duque levou dez segundos para entender a pergunta que ela lhe fez. Seu
olhar era confuso até que ele ergueu uma sobrancelha e a encarou.
— Até que a senhora a aceite, sim.
— Então considere-a aceita. Eu quero que Vossa Graça seja meu protetor,
desde que prometa garantir o futuro dos meus filhos.
Um relâmpago cruzou o céu e, em seguida, um trovão anunciou a
tempestade. Não era incomum chover nos verões do litoral, mas não havia
nada que prenunciasse a chuva, antes. Aiden levou a mão para tocá-la
novamente. Daquela vez, Elizabeth aceitou. Assim como aceitou quando ele
a puxou para um abraço.
A tensão do dia desabou sobre ela como os pingos grossos que caíam do
lado de fora da casa. Abalada, Elizabeth mal percebeu quando começou a
chorar e foi amparada pelos braços fortes do duque.
— Por favor, não chore. — Ele beijou o topo da cabeça dela. — Não
posso permitir que aceite ser minha amante se isso lhe causa tanto mal.
— Não é isso. Eu estou exausta, Aiden. Eu só quero descansar. Quase
perdi meu filho, hoje. Eu não quero perder mais ninguém.
Ele levou a mão até o queixo dela e o ergueu.
— Vou pedir que meus advogados elaborem um contrato. Abrirei um
fundo em nome dos seus filhos e eles serão matriculados nas escolas que
você desejar. Também comprarei alguns bens e colocarei em seu nome, para
garantir que minha ausência não a deixe desamparada. Eu vou cuidar de você
como prometi, Elizabeth.
Ela sabia. No fundo, Elizabeth sabia que o duque era um bom homem e
que cumpriria suas promessas. Em troca de carinho, cuidado e encontros
amorosos, ele a trataria como uma princesa. Com a condição de que ela fosse
invisível.
Não frequentaria a sociedade, não seria vista em público com ele. Se
fosse, seria ignorada pelas outras damas e cobiçada pelos outros cavalheiros.
Talvez eles disputassem quando ela estaria disponível para que se tornassem
seus próximos protetores. A amante do Duque de Shaftesbury teria fama de
mulher desejável.
Tudo aquilo era repugnante para Elizabeth Baynes, a filha de um burguês
que frequentava alguns círculos sociais. A viúva Collingworth, mãe de duas
crianças, que trabalhava como criada, não podia se sentir humilhada por uma
oferta tão generosa. Muitas mulheres desejariam a posição dela. Ser a amante
de um duque era mais do que a maioria delas poderia sonhar.
E ela já tinha se entregado para ele. Seu corpo e sua alma já pertenciam a
Aiden Trowsdale.
— Quando o senhor se casar…
— Eu não vou me casar agora. — Ele a silenciou com um beijo breve. —
Eu tenho tempo ainda para produzir herdeiros que satisfaçam as exigências
legais para que o ducado permaneça na família.
Ah, como ele era bom em iludi-la. Como Aiden era habilidoso em fazê-la
acreditar em ilusões, como se ele não tivesse responsabilidades com o título
que os impedissem de viver o amor com que ela sonhava. Talvez fosse
suficiente que ela o amasse.
— Quando o senhor se casar, a sua esposa não me aceitará. — Ela
finalizou a frase, mesmo quando ele a segurava nos braços e a distraía com
carícias suaves em suas costas.
— Eu não me casarei por amor. Minha esposa não me amará a ponto de
se importar.
Era provável que não. E aquilo, também, poderia ser suficiente. Ela
poderia acreditar que, no final de tudo, ele a amasse. Apenas.

Depois de comunicar ao duque sua decisão, Elizabeth precisava romper


definitivamente com James Hodges. O homem era bom demais para ser
enganado por ela por mais tempo. No que estava pensando quando aceitou
ser cortejada por ele? Ela sempre soube que não seria capaz de corresponder
ao que ele precisava, nem seria capaz de se casar com um homem sem estar
apaixonada.
— Foi bom encontrar a senhora. — Ele disse, assim que se viram nos
estábulos. — Gostaria de convidá-la para um passeio no litoral.
Oh, ele tornava as coisas mais difíceis sendo gentil. Elizabeth tinha sorte
em ter James em sua vida, mas ela estava cansada de passar necessidades e de
impor aos filhos uma vida miserável. Casar-se com o cavalariço era digno,
porém não resolvia os problemas de dinheiro. Quase perder Patrick a fez
enxergar tudo em outra perspectiva. Seu filho nunca mais seria humilhado.
— Eu terei que recusar, Sr. Hodges. — Ela disse, esperando não magoá-
lo de alguma forma. Sabia que o cavalariço não nutria sentimento algum por
ela. Apenas vira nela uma mulher disponível. — Vim aqui porque preciso
conversar com o senhor. Eu não posso mais aceitar seu cortejo.
Hodges sorriu. Amarrou o cavalo em uma estaca e começou a escová-lo.
A conversa acontecia nos fundos dos estábulos, onde os animais eram
lavados e cuidados.
— Acredito que entenda seus motivos. Mas, Sra. Collingworth, a senhora
sabe que ele não irá assumi-la, não sabe?
— Sim, eu sei. Estou trilhando caminhos sinuosos, Sr. Hodges, mas eu
preciso ser honesta ainda assim. O senhor merece coisa melhor.
Como não tinha mais nada para dizer, Elizabeth fez um movimento com a
cabeça e se retirou. Ela podia ter perdido parte da sua dignidade ao aceitar ser
amante do duque, mas não precisava arrastar ninguém para o inferno com ela.

Quando John entrou no salão de jantar e convidou os homens para uma


apresentação musical, o duque pediu que o visconde o seguisse até o segundo
andar. Foram até a sala privativa que dava para o salão de baile. Assim,
podiam conversar com privacidade sobre assuntos de negócios.
— Espero que tenha me chamado até aqui para dizer que tem interesse
em casar-se com minha filha. — O visconde se sentou em uma poltrona de
tecido estampado. — Depois da conversa lá em baixo, estou preocupado com
você.
— Não há motivo para preocupação, Miles. — Aiden serviu brandy em
dois copos e entregou um para o amigo. — Eu tenho uma amante, mas você
também tem. Isso não afetará em nada meus planos de casamento.
— Certo, digamos que isso seja verdade. Por que me chamou, Alteza?
— Para dizer que eu não pretendo me casar, agora. Sei que minha mãe
anda espalhando boatos, mas eu pretendo esperar um pouco mais. Assumi o
ducado há pouco tempo e tenho muito o que fazer antes de me dedicar ao
matrimônio.
O visconde encarou o copo de bebida por instantes. Aiden sabia que suas
palavras impactavam negativamente as expectativas de Miles Westphallen.
Todas as mulheres solteiras de Londres queriam ser a próxima Duquesa de
Shaftesbury. Todos os homens gostariam de casar suas filhas com o duque. A
prosperidade do ducado que ele comandava era motivo de inveja.
Mas casar-se com Madeline Westphallen não manteria as fofocas sob
controle. Faria com que ele precisasse se dedicar a uma esposa e ele não
queria nada daquilo. Não naquele momento.
— Não precisava de formalidade para me informar que não deseja se
casar, Alteza.
— Gosto de deixar meus negócios às claras. — Aiden levantou e colocou
o copo vazio sobre a bandeja. — Não tenho como impedir que falem sobre
mim ou cobicem uma posição ao meu lado, mas não quero que meus amigos
e parceiros comerciais pensem que estou agindo como um patife.
— Pois bem. — Miles Westphallen também se levantou. — Pedirei
apenas que impeça a duquesa de continuar iludindo minha filha. Madeline
acredita que tem chances de se tornar a próxima duquesa.
— Talvez ela tenha. Porém não agora. Caso outro homem, mais bem
intencionado que eu, deseje cortejá-la, não serei impedimento para que receba
uma proposta mais vantajosa.
Aquela era uma atitude razoável e o visconde sabia. Os homens
apertaram as mãos e saíram para a apresentação musical. Aiden desejava
dançar novamente com a mulher dos seus sonhos, mas teria que se contentar
e convencê-la a visitar seu quarto novamente.

— Acho que estamos prestes a ter uma nova duquesa.


Gretha disparou a informação, enquanto preparava a carne para o jantar.
Loretta bateu com a colher de pau na cabeça da amiga. As ajudantes fingiram
que não tinham ouvido nada. Elizabeth inspecionava o cardápio e ergueu o
olhar. Peter passou correndo pela cozinha atrás do gato.
— Não seja fofoqueira. Como sabe disso?
— Vossa Graça tirou agorinha mesmo a Srta Westphallen para dançar. A
primeira dança. E Emma já tinha dito que a duquesa prometeu convencer o
filho a se casar com ela.
— Ela é mais respeitável do que aquela prostituta. — Loretta voltou a
mexer o purê de batatas. — Se Vossa Graça se casasse com aquela biscate, eu
acho que pediria demissão.
— Que tolice! — Gretha riu. — O salário que nos pagam aqui vale
aguentar qualquer madame como patroa. Principalmente com ela como
governanta.
A cozinheira apontou para Elizabeth. Aquilo era um elogio, ela sabia.
Mas incomodou-se em ver que o duque rompera a promessa que lhe fez. Se
não pretendia casar-se prontamente, por que cortejava publicamente a jovem
Westphallen?
Peter passou correndo novamente, daquela vez segurando o gato. Ela
precisava sair daquela loucura. Ainda não estava confortável com a decisão
de aceitar ser a amante do duque. Não pretendia voltar atrás, as vantagens que
ela teria em ser protegida por ele eram muitas. Mas aquele era o preço de sua
dignidade. Era a afirmação pública de que ela não era, nem nunca mais seria,
uma dama.
Elizabeth precisava de paz. Mesmo antes de firmar um contrato com
Aiden, ela pretendia pedir a ele que a levasse para outro lugar. Qualquer
lugar, desde que não precisasse ficar no meio das fofocas sobre esposas e
outras libertinagens do duque.
Saiu da cozinha para conferir se o salão estava organizado. No caminho
estava a figura esguia e elegante de Caroline Eckley. Ela parecia perdida ali,
já que todos estavam no salão de baile. Faltava uma hora para o jantar, mas a
lady estava ali, solitária, observando a forma como a louça estava distribuída
na mesa.
— Sra. Collingworth. — Ela sorriu ao ver Elizabeth. A governanta
suspeitou que estava sendo aguardada. — Esperava mesmo vê-la sozinha.
— Posso ajudá-la em algo, Lady Eckley?
Elizabeth tentou manter a sanidade. Ainda eram dez horas da noite e ela
já tinha passado por tudo que era intolerável. Uma noite ao lado do duque.
Uma manhã sonhando. Uma tarde de horror. Tomou decisões lógicas, porém
indesejadas. Lidar com uma dama inconveniente não poderia ser nada
demais.
— Eu quero apenas olhar para a senhora. Saber quem é a senhora. Tentar
entender o que Aiden viu na senhora.
— Vossa Graça me contratou porque tenho ótimas referências. — Ela
começou a reorganizar alguns talheres que não estavam impecavelmente
dispostos. — Se estiver precisando de uma criada, eu posso…
— A senhora sabe quem eu sou?
Elizabeth parou o que fazia e ergueu o olhar.
— Sim, eu sei quem a senhorita é, milady. — A forma como ela encarou
Lady Eckley sugeria que ela sabia. Tudo. Seus olhos transpareceram a vez em
que vira a lady saindo do quarto do duque. As fofocas. As ofensas proferidas
pelas cozinheiras. — E não sei por que deveria me importar com isso.
— Eu vou me casar com o duque. — Lady Eckley disse, sorrindo. Ela
parecia um anjo às avessas, com os cabelos escuros e lisos que caíam por
seus ombros descobertos. O vestido vermelho bordado exibia um decote
indecoroso. Se fosse uma obra de arte, a dama teria sido esculpida por um
devasso. — Esteja a senhora no meu caminho ou não. E eu não vou tolerar
que ele tenha amantes.
— Isso não é da minha conta, milady.
Elizabeth decidiu sair dali, também. Parecia não haver lugar naquela casa
em que pudesse respirar sem ser incomodada por alguma coisa ou alguém.
Nunca pensou que, como criada, fosse atrair tanta atenção.
— É. — Lady Eckley colocou-se à frente da governanta, impedindo-a de
cruzar a porta. — Não pense que sou tola. Eu vi como Aiden fala com a
senhora, como ele olha para a senhora. O que ele tenta esconder eu consigo
perceber. Apenas preciso que fique fora do meu caminho.
— Parece-me que é a senhorita que está no meu caminho, milady. —
Elizabeth olhou-a de cima em baixo. Lady Eckley era mais alta do que ela e
usava um vestido de seda e veludo que encantaria a realeza. Mas ela não
estava a fim de ser destratada por uma mulher cuja moral não era nada
superior à dela. — E, provavelmente, a senhorita deveria ter essa conversa
com Lady Madeline. Pelo que dizem as fofocas, é ela quem se casará com
Vossa Graça.
Considerando ter dado um recado suficiente, a governante insistiu em
passar. A jovem dama deu dois passos para o lado e abriu espaço para que
Elizabeth pudesse sair do salão. Exausta e incomodada, ela decidiu que
tomaria um banho e afastaria-se do movimento pelo restante da noite.
Dormiria ao lado dos seus filhos e se manteria longe do veneno destilado pela
sociedade.
Capítulo vigésimo sexto

O DUQUE ESPEROU POR E LIZABETH , mas ela não apareceu. Sabendo que não
deveria continuar sendo tão indiscreto em relação a Elizabeth, tentou não
procurá-la pela casa à noite. Deu atenção aos seus convidados, mas só
conseguia pensar em tê-la nos braços novamente. A frustração quando a
manhã chegou sem que ela o tivesse visitado foi grande o suficiente para
fazer com que ele deixasse o quarto irritado.
Claro que ela não iria até ele. Com um filho se recuperando de um
acidente e tantos escândalos pela casa, Elizabeth não seria imprudente. Ela
nunca era.
Mas saber disso não aplacava a irritação de Aiden. Precisava socar
alguma coisa, bater em alguém, quebrar uma parede. Vestiu-se precariamente
e foi até o galpão dos fundos. Para sua sorte, Edward estava lá. O conde
treinava esgrima e parou ao ver o amigo.
— Você está péssimo.
Edward apontou para as olheiras que Aiden exibia. Passara a noite em
claro sem conseguir acalmar o desejo que fazia seu corpo desconfortável.
— Tive uma noite ruim. Está disposto para um desafio?
— Eu estou, mas não lutarei novamente com você enquanto estiver tão
desfocado. — O conde jogou um rolo de ataduras para cima do duque, que
deixou o objeto cair. — Vamos socar alguma coisa, assim essa ansiedade
diminui.
— Não estou ansioso.
Aiden mentiu. Enfaixou as mãos para não se ferir com o saco de areia,
enquanto o amigo fazia o mesmo. Depois, desabotoou a camisa e a pendurou
em um cabide.
— A Sra. Collingworth saiu. — Edward disse, segurando o saco de areia
para que Aiden pudesse socá-lo. — Acordei cedo e fui até a cozinha
incomodar as criadas. Ela estava vestida e de saída com Granger. Os dois
meninos dela são crianças muito bonitas.
— Ela levou os filhos? — Aiden desferiu alguns socos e sentiu uma
fisgada no pulso. Cansaço. Mas ele submeteria seu corpo à exaustão absoluta
para livrar-se daquele sentimento que o impelia a ficar com Elizabeth em seus
braços por um dia inteiro.
— Sim, saíram todos de carruagem. Acho que ouvi dizerem que iam
comprar provisões.
— Vou levá-la para Hampshire.
— É uma boa ideia. Vai ter uma casa para ela em Londres, também?
O conde empurrou o duque para o lado e trocou de posição com ele.
— Eu quero que ela esteja onde eu estiver. — Aiden confessou enquanto
ajudava o amigo a treinar. — Não é assim que as coisas são com as amantes,
certo? Estou fazendo alguma coisa errada, não estou?
— Amantes não são esposas, Aiden. Você está satisfeito com os arranjos
que fez com a Sra. Collingworth? Ela está? Acha mesmo que isso vai dar
certo?
— Eu cuidarei dela, ela terá o luxo de uma princesa, os filhos estudarão
em boas escolas. Em troca, eu a terei em minha cama. Por que raios não
estaríamos satisfeitos?
Edward deu um soco mais forte e Aiden cambaleou para trás.
— Porque você não está sendo você mesmo desde que se conheceram.
Nunca te vi passar a noite sem dormir e treinar tão desatento. Todo mundo
está percebendo que tem algo errado, Aiden. Por que não resolve isso e casa
logo com essa mulher?
O segundo soco fez com que Aiden caísse sentado no chão. Ele não
saberia dizer se o que o nocauteou foi a força do golpe de Edward no saco de
areia ou se foram suas palavras.
Ele já tinha cogitado casar com Elizabeth. Claro que tinha. O desejo que
sentia por ela era tanto que, para tê-la, ele faria a proposta. Mas ela o aceitou
como protetor, então a loucura de desposar uma plebeia sem origem não
precisava ser levada a cabo.
— Eu não posso fazer isso, Edward. Elizabeth nunca seria aceita na
sociedade, ela seria massacrada. E eu tenho minhas responsabilidades. Não
posso estar no meio de um escândalo.
— Você não liga para a sociedade. Não liga para escândalos. Você sequer
deve ter perguntado à mulher a opinião dela. Então, continue com suas
desculpas para não enfrentar seus sentimentos por ela.
O conde ofereceu a mão para que o duque se levantasse. Depois de bater
a terra da calça de camurça, ele ouviu a carruagem retornar. O barulho das
crianças. Uma partida de rounders foi organizada próxima ao galpão onde
estavam. Enquanto desenfaixava a mão, considerou que atividade ao ar livre
seria mais proveitosa do que se esconder do sol.
— Vamos ensinar a uns moleques como que se segura um bastão?

O silêncio na mansão significava que as damas não estavam reunidas.


Elizabeth procurou por Lady Agatha e não a encontrou em nenhum dos
lugares habituais. Descobriu que havia um distúrbio do lado de fora e decidiu
conferir do que se tratava. Ela e John eram os responsáveis por manter a
ordem e algo lhe disse que os filhos estariam envolvidos na balbúrdia.
Ela não estava errada. Mas, para sua surpresa, o causador da agitação era
o Duque de Shaftesbury. Ele e o Conde de Cornwall, mais exatamente.
Vestindo camisas brancas com botões abertos, mangas dobradas e cabelos
despenteados, os homens jogavam rounders com os meninos. Peter entre eles.
E havia uma fila de mulheres, com suas sombrinhas, que fingiam tomar sol
no jardim para observá-los.
— Meu Deus, como ele é lindo. — Lady Sarah suspirou.
— Qual deles? Confesso que se trata de uma escolha difícil. O que você
acha, Agatha?
Lady Agatha quase derrubou sua xícara de chá sobre a saia. Olhou
espantada para Lady Madeline, não acreditando na pergunta que lhe era feita.
— Pelos céus, Madeline. Um deles é meu irmão, o outro é o seu melhor
amigo desagradável. Eu não acho nenhum deles desejável.
— E eu nunca imaginei que veria nenhum dos dois se portando de forma
tão deselegante. — A duquesa reclamou. Ela estava mais distante, sentada em
um canapé.
— Eles são homens jovens, Alteza. — Lady Jocelyn tentou amenizar o
comportamento dos nobres. — Deixe que se divirtam enquanto não ficam
com barrigas enormes que lhes impedem de abotoar as próprias calças.
Algumas damas riram. Elizabeth não sabia como se aproximar de Lady
Agatha sem atrair atenção para si, então esperou. Recostada em uma coluna
de mármore, ela se distraiu com os homens jogando. Não era difícil de
entender por que as mulheres estavam tão entusiasmadas com a cena. A
exibição de músculos e pele masculina era sensual.
E fez com que ela sentisse um desconforto entre suas pernas. A ardência
que a provocou a pressionar as coxas uma na outra era pouco compreendida.
Elizabeth nunca se sentira excitada na presença de um homem como ela se
sentia pela mera visão do Duque de Shaftesbury.
Um toque delicado fez com que ela retornasse para a realidade.
— Elizabeth. — Lady Agatha sussurrou próxima a ela. — Precisamos
conversar. Venha comigo.
A lady arrastou a governanta para dentro enquanto as colegas
continuavam a suspirar. Entraram no escritório de Aiden e a jovem dama
trancou a porta.
— Seu irmão não gostará de nos pegar aqui.
— Só as portas dele trancam. Diga-me, as fofocas sugerem que ele será
seu protetor. É isso mesmo? A senhora aceitou esse arranjo?
Elizabeth olhou ao redor e não soube como responder à pergunta. Dizer a
verdade poderia chocar a jovem lady e ela não queria deixar de ser admirada
por Lady Agatha.
— Sim, milady. Depois do episódio que levou meu filho a cair de um
cavalo, eu percebi que preciso passar mais tempo com eles. Que preciso
cuidar deles. E de mim, também. Seu irmão me ofereceu isso, não pude
recusar.
— Sei disso, eu não julgo a senhora. Mas é que… — A lady começou a
girar pelo escritório. — Elizabeth, eu não quero que ele se case com essas
damas fúteis. Aiden não será feliz com elas. Eu planejei que ele se casasse
com a senhora. Eu sei que ele a ama.
Elizabeth deu uma risada. Ela não pretendia fazer troça da lady, mas
aquela história de que Aiden tinha sentimentos românticos por ela era
ridícula.
— Não vamos nos casar, milady. Eu sou uma criada, ele um duque. Nos
livros, talvez aconteça. Na realidade, homens como seu irmão não se casam
para ser felizes. Lamento decepcioná-la.
— E sou obrigada a aceitar essas regras sociais horríveis?
A frustração no olhar da lady era cortante. Elizabeth preferia não
responder.
— Diga-me, a senhorita gostaria de organizar jogos para as damas hoje,
no final da tarde, após o chá. Tenho algumas ideias, gostaria de conversar
sobre elas?
Mudar de assunto faria com que ela não precisasse continuar pensando no
que ganhava ou perdia aceitando os arranjos com o duque. E ela gostava de
Lady Agatha, seria ótimo poder continuar a conviver com a jovem dama.
Talvez até poder ajudá-la quando se casasse. Havia certamente mais
vantagens do que desvantagens e ela estava satisfeita com sua decisão.

Depois que conversaram sobre os jogos, Elizabeth garantiu que tudo estivesse
em ordem para o almoço e foi até os fundos da casa. Ela não tinha nada para
fazer lá, exatamente. Queria apenas um pouco de paz. Com seu livro em
mãos, tentou ler mais algumas páginas para descobrir se o malvado marquês
obrigaria sua filha a se casar com o nobre ainda mais malvado.
Sentou-se à relva, ajeitou as saias e abriu o livro. Uma presença já
conhecida fez com que todos os pelos de sua nuca se eriçassem. Mãos
quentes tocaram seus cabelos e os soltaram das presilhas.
— Vossa Graça sabe que estamos em um lugar público, não sabe?
Ela disse sem nem precisar olhar para ele. O cheiro de almíscar e menta,
que misturava perfume e loção pós-barba, levaram Elizabeth a fechar os
olhos. Ela nunca estava preparada para resistir a ele.
— Eu tenho plena consciência disso. Da mesma forma que sei que esse
lugar não é frequentado por nenhum dos convidados, que estão se
organizando para o almoço. E que estamos distantes o suficiente para não
sermos nem vistos, nem ouvidos.
Em um segundo, Aiden estava sentado ao lado dela. No outro, ele a
deitara sobre a grama. O beijo que se seguiu foi suave, mas urgente. A boca
dele estava ansiosa e quente. Elizabeth se rendeu quando a língua dele tocou
a sua.
— Por Deus, Elizabeth. Por que não foi me ver essa noite?
Ele traçou a linha do maxilar dela com carícias. As mãos tocavam-na nos
braços e ombros. Ela o segurava pelo colarinho da camisa, impedindo que se
afastasse.
— Há muitos rumores sobre nós. Achei que deveríamos silenciá-los,
primeiro.
— Para o inferno os rumores. — Ele desceu os beijos para o pescoço, a
língua ateando fogo por onde tocava. — Eu devo estar fora do meu juízo
completo, de tanto que preciso de você.
Ah, ela também precisava dele. Daqueles lábios sobre os dela. Aiden
ajeitou-se por entre as saias e seu joelho tocou-a na parte interna das coxas.
Uma fisgada de prazer fez com que ela arqueasse os quadris na direção dele.
— Vossa graça está cortejando Lady Madeline?
A pergunta direta fez com que ele parasse com as carícias e a encarasse.
— Eu fiz uma promessa de que não me casaria agora. Não sou um
homem que rompe promessas, Elizabeth. Nós dançamos.
— A primeira dança.
Levando as duas mãos aos quadris dele, Elizabeth puxou a camisa de
dentro da calça. Deixou que seus dedos tocassem a pele nua do duque.
— Você não estava lá. Eu dancei com aquelas damas porque não pude
dançar com você.
— Isso vai acontecer com frequência, não vai?
Ela não quis soar desapontada, mas a forma como colocou a pergunta deu
a impressão de que o fato a incomodava. Claro que incomodava. Elizabeth
não queria que outras mulheres colocassem as mãos em Aiden. Ela não podia
pensar que outras mulheres fossem receber dele a atenção que deveria dedicar
a ela.
— Eu odeio eventos sociais. — Aiden voltou a beijá-la. Com mais
urgência, a boca desceu até os seios. Ele afrouxou os laços da camisa que ela
vestia e os expôs para seu deleite. — Eu odeio dançar. Isso vai acontecer o
mínimo que eu puder garantir.
O duque beijou cada um dos seios dela. Depois, sugou lentamente os
mamilos túrgidos, arrancando gemidos constrangedores. Em público.
— Elizabeth, você está insatisfeita com nosso arranjo? — Ele perguntou,
enquanto as mãos suspendiam as saias.
— Não é justo fazer essa pergunta enquanto o senhor me toca… — Ela
abafou um rosnado ao senti-lo abrir sua feminilidade com os dedos. — Eu
não estou nem um pouco insatisfeita com nada.
— Mas preferia que fosse diferente?
A risada não saiu alta porque o prazer que ele lhe proporcionava a
emudecia.
— Aiden, não tem como ser diferente. — Ela desabotoou as calças dele e
puxou seu membro ereto para fora. O duque arqueou as costas pelo toque em
sua pele sensível. — Possua-me, eu preciso de você agora.
Ele atendeu àquele desejo, como ele já tinha atendido a tudo que ela
pedira. O duque a penetrou lentamente, entrando e saindo, garantindo que ela
acomodasse todas as partes dele. Elizabeth nem acreditava que toda aquela
extensão pudesse caber dentro dela. Com um beijo intenso, ele passou a se
mover em estocadas firmes até conduzi-la ao ápice.

No dia seguinte, todos os convidados iriam embora. A casa voltaria a ser


como Aiden gostava, vazia. Os compromissos sociais do verão tinham
acabado. Ele não se sentia obrigado a atender mais nada a não ser que fosse
algum evento organizado por Edward. Só o conde seria capaz de tirá-lo do
sossego.
Mas Aiden ainda precisaria fingir mais um pouco. Ao menos seu corpo
estava satisfeito, mesmo exausto. Depois de um banho e algumas doses de
conhaque, ele estava bem o suficiente para continuar a ser o anfitrião. Antes
do jantar ser servido, as damas se reuniram para algumas brincadeiras
organizadas por Agatha. Sua mãe também estava participando de tudo. A
duquesa não havia se dignado a pedir desculpas a Patrick, como Aiden
exigira. Mesmo assim, ela não havia mais levantado a voz para ser
desagradável com ninguém. Nem mesmo com os criados.
A paz parecia finalmente ter sido alcançada em Thanet Bay. Ele apenas
não esperava ser pego em uma emboscada.
Enquanto escolhia um uísque em sua coleção pessoal, em sua sala
privativa, foi encontrado por Lady Eckley. Ela vestia veludo azul e suas
formas estavam mais destacadas pelo corpete justo. Os seios, expostos em um
decote ousado, chamavam a atenção de todos os homens. O clique da porta se
fechando fez com que Aiden se virasse e olhasse para ela.
— O que faz aqui, Caroline? Essa sala é exclusiva para os homens.
— Vim falar com você. Que história absurda é essa de que a governanta é
sua amante, Aiden? E que você vai se casar com Madeline Westphalen?
— Não dê ouvidos às fofocas. — Ele continuou o que fazia antes.
Precisava do seu melhor uísque para entreter seus convidados. Os nobres,
porque só bebiam o melhor. Os investidores, porque precisava da confiança
deles. — No mais, não lhe devo explicações sobre minha vida. Não há nada
entre nós que justifique esse tipo de cobrança.
O duque ignorou qualquer indignação que pudesse vir da lady. De costas
para ela, apenas ouviu a porta bater atrás de si. Caroline Eckley precisava
descobrir o seu lugar. Ela não podia continuar insistindo em um
relacionamento inexistente. Eles foram amantes, tiveram bons momentos,
mas acabou.
Quando a porta de rugiu novamente, Aiden decidiu que expulsaria Lady
Eckley de sua propriedade. Virou-se abruptamente, segurando a garrafa do
uísque escolhido. Tinha algo pronto para dizer a ela e chegou a abrir a boca
para falar. Foi surpreendido pela figura soturna de Madeline Westphallen.
Até quando as mulheres insistiriam em agir como bem entendessem na
casa dele?
— Lady Madeline, estou de saída. Essa é minha sala privativa, não
costumo receber ninguém que não tenha sido convidado previamente.
A dama não disse nada. Aiden percebeu algo estranho nos olhos dela.
Uma indecisão, ou a determinação de quem faria algo muito perigoso. Ela
usava um vestido rosa pálido que não combinava com sua pele muito clara ou
seus cabelos escuros.
O duque deveria simplesmente ter saído da sala. Se ele forçasse passagem
por ela, a jovem não seria forte o suficiente para segurá-lo. Mas tudo
aconteceu muito rapidamente. Lady Madeline levou a mão aos laços em suas
costas e os soltou. O corpete afrouxou. Ela usou os dedos para puxar o decote
e o tecido fino de seda se rasgou. Botões e enfeites voaram.
Aiden assistiu à cena sem reagir. Os seios da mulher estavam expostos.
Ela deu dois passos na direção dele e o duque começou a tirar o casaco para
cobri-la. Era claro que a jovem estava em um surto. Talvez tivesse bebido
ponche demais. Antes que ele conseguisse completar seu objetivo, Lady
Madeline jogou-se sobre ele.
— A senhorita está louca! — Aiden a empurrou, mas a lady pressionava
sua boca sobre a dele. Fora de si, ela parecia mais forte e mais resoluta do que
nunca. — Lady Madeline, recomponha-se!
O duque a empurrou novamente e a dama caiu sentada no sofá. Com um
sorriso maléfico, ela se levantou e se atirou novamente por sobre Aiden.
Naquele instante, a porta se abriu outra vez e três homens entraram. Edward
McFadden, Grant Sawbridge e Thomas Riderhood.
A cena que eles viram remetera a um tórrido momento de amor. Um
homem sem casaco, com o colete mal fechado e os cabelos desarrumados.
Uma mulher com o corpete arruinado e os seios de fora. Os dois atracados,
nos braços um do outro. Lady Madeline fingiu recato e buscou o casaco do
duque, que ela descartara momentos antes, para se cobrir.
— O que está havendo aqui? — Riderhood perguntou, mesmo que a
resposta fosse óbvia.
— Lady Madeline está embriagada. — Aiden tentou explicar o que não
parecia possível de ser explicado. Ninguém acreditaria facilmente nele. Sua
fama não sugeria que ele fosse um grande respeitador de mulheres. Os boatos
já indicavam que ele se casaria com a dama. O cenário era totalmente
favorável para que ele a comprometesse.
— Madeline? — Lady Sarah surgiu por detrás dos cavalheiros. A porta
ainda estava aberta. Nem mesmo Edward foi sagaz o suficiente para trancar a
sala e tentar conter o escândalo. Com ela, vinha Lady Agatha.
Aquele era um escândalo que ele não podia prever e que daria muito
trabalho desfazer.
Capítulo vigésimo sétimo

O S HOMENS ESTAVAM REUNIDOS no escritório do duque. Aiden, seu padrinho


Edward, e o Visconde de Whitby. Havia uma certa animosidade no ar,
impossível de evitar depois do desagradável episódio na sala privativa.
— Como assim Vossa Graça não vai se casar com ela?
O visconde não estava satisfeito com a decisão do duque. Mesmo que,
pouco antes, Aiden tivesse garantido que não pretendia desposar ninguém no
momento, Miles Westphallen certamente esperava que aquilo mudasse após o
ocorrido na sala privativa.
Mas Aiden não se casaria com uma mulher que era capaz de simular uma
situação comprometedora apenas para fisgar um marido.
— Não há forma educada de dizer isso, Miles. Mas eu não comprometi a
virtude de sua filha. Não toquei em Madeline.
— E o que houve então? O que Vossa Graça está tentando sugerir?
— O que o duque está dizendo é que Lady Madeline deve estar um pouco
alterada pelo ponche. — Edward tentou contemporizar. O dano estava feito.
Se Aiden não se casasse com a filha do visconde, eles certamente perderiam o
parceiro de negócios. Aquilo afetaria o projeto de Shadwell. Era improvável
que Miles Westphallen mantivesse os negócios com o duque depois de uma
desfeita como aquela.
— Sim, é a explicação mais provável para o ocorrido. — O duque serviu
outra dose de conhaque para os cavalheiros.
— Eu não posso aceitar um insulto como esse.
Miles Westphallen se levantou. O duque se manteria firme na sua posição
de não aceitar ser intimidado por um visconde, nem por uma mulher de
poucos escrúpulos. Mas seus negócios seriam seriamente prejudicados por
aquela atitude.
Seriam, se os gritos femininos que vieram no terraço no segundo andar
não chamasse a atenção dos homens. As damas nunca gritavam, o que
significava que algo muito estranho estava acontecendo. Eles saíram em
direção ao distúrbio e encontraram Lady Madeline acuada em um canto,
abraçada a sua irmã mais nova, e Lady Eckley empunhando uma pistola.
Aiden não queria acreditar no que estava acontecendo. Caroline Eckley
sempre demonstrou alguma instabilidade, mas nunca a ponto de apontar uma
arma para alguém.
— Você vai falar a verdade agora, sua megera. — Ela gritava e sacudia a
pistola. Lady Madeline apenas chorava e se agarrava a Lady Diana. — Pare
de se lamuriar e fale a verdade!
Havia uma horda de expectadores que não sabia como agir. Outras
mulheres estavam apavoradas. Duas tinham passado mal e estavam sendo
acudidas por criadas. A esposa do visconde tinha sido retirada do terraço. Os
criados aguardavam a chegada do duque para tomar uma atitude. Se
tentassem tomar a arma das mãos de Lady Eckley, poderiam falhar e ela
atiraria.
— Caroline. — Aiden tentou não se aproximar muito. — O que está
havendo? Abaixe essa arma.
— Não. Eu só farei isso quando ela contar que armou para você. Ela
precisa confessar, ninguém vai acreditar em mim.
— Confessar o que? — O visconde questionou. Ele estava exaltado,
sendo parcialmente contido por Edward. — A senhorita perdeu o juízo, vai
ferir alguém.
— Eu vou matá-la, se ela não disser que se jogou em cima de Aiden para
obrigá-lo a se casar com ela. Madeline não foi comprometida, ela rasgou o
próprio vestido e criou toda aquela situação. E ainda teve ajuda!!
— Ela está mentindo, papai. — Lady Madeline chorava e se lamuriava.
— Não estou! Eu estava escondida na sala privativa e eu a vi. Uma das
criadas já tinha ouvido a megera confabulando o plano. Isso é um golpe,
Aiden, você não tem que se casar com ela.
— Não vou me casar com ela, Caroline. — O duque tentou se aproximar
mais. — Vamos, entregue a pistola para mim. Eu não me casarei com ela
independente do que aconteceu, eu acredito em você.
— Acredita? — Lady Eckley virou o pescoço e encarou o duque com
alguma ternura. — É muito gentil de sua parte mentir para salvá-la, mas eu
quero que ela confesse.
O burburinho era ensurdecedor. Os homens começaram a planejar algum
tipo de ataque, mas os nobres eram indolentes demais para saber reagir.
Aiden olhou para Geoffrey e indicou que o criado deveria sair para
interceptar Lady Eckley vindo de outra direção. Ele entendia de algumas
técnicas de combate, porém tentaria a diplomacia primeiro.
— Lady Madeline, por favor conte a verdade a todos. — Aiden insistiu.
— Eu sei que não tentei beijar a senhorita e cheguei a suspeitar que fosse
uma espécie de surto. Mas, o que Lady Eckley está falando realmente
aconteceu? A senhorita planejou me encurralar para forçar um casamento
indesejado?
Madeline Westphallen estava vermelha. A forma como ela olhou para o
pai indicava que escondia algo. Os soluços foram cessando enquanto o tempo
passava devagar.
— A duquesa disse que era a única forma. — A jovem Westphallen
murmurou. — Eu não quis fazer isso a princípio, mas ela insistiu. Ela disse
que Vossa Graça perdeu o juízo, que precisa de uma esposa adequada para
retornar à sanidade.
— Ah, e você pensa que é adequada? — Caroline Eckley gargalhou. — O
Duque de Shaftesbury vai se casar comigo, apenas comigo. Eu sou a mulher
que o satisfaz sexualmente.
— Pronto, Caroline. Você conseguiu sua confissão, agora me entregue a
pistola. Madeline Westphallen está arruinada na sociedade, ela nunca se
casará com um homem respeitável. Não mais.
O duque estendeu a mão na direção de Lady Eckley. Ela olhou para a
arma e para ele, pensou por alguns segundos, e deu um sorriso vitorioso.
Aiden pegou a arma e a entregou rapidamente a Edward, que desapareceu do
terraço com o objeto. Geoffrey e Granger entraram pela porta lateral e
seguraram a lady pelos braços, imobilizando-a.

A polícia foi chamada. Um médico e dois familiares de Caroline Eckley


também foram convocados. Parecia bastante claro que ela estava sofrendo
algum surto psicótico e precisava de tratamento. Quem a conhecia sabia que a
lady era espalhafatosa e tinha recebido uma criação bastante liberal, porém
ela nunca fora violenta.
— O desejo de desposar um duque está enlouquecendo essas damas.
Fora a constatação de Sawbridge. Havia verdade em suas palavras. Todos
ali sabiam que o desespero das jovens para se casarem com bons nobres as
levava a atitudes tolas. Daquela vez, levou Lady Madeline a arruinar sua
reputação tentando comprometer um duque e Lady Eckley a conquistar um
lugar em um hospital para loucos.
O que mais incomodava Aiden era a imputação feita à duquesa. Ele sabia
que a mãe era diabólica, mas nunca esperou tamanha infâmia da parte dela. A
possibilidade, no entanto, o fez buscar uma audiência privada com a mãe
assim que os ânimos esfriaram.
O dia já estava raiando quando entrou no quarto da duquesa. Ele não se
anunciou, não bateu, apenas abriu a porta com um empurrão e entrou. A
criada se apressou em interceptá-lo, mas ele a afastou com educação. Seu
alvo era a mulher franzina sentada em um canapé. Pela aparência da mãe, ela
não tinha dormido ainda, como nenhum dos demais convidados daquela casa.
— Preciso que a senhora negue o que Lady Madeline disse.
O tom de voz saiu mais educado do que ele esperava. Aiden tentava
conter um fenômeno da natureza dentro de si. Ele não podia perder a
compostura com a mãe. Se ele despejasse sobre ela a raiva que sentia, ele
certamente seria violento com ela.
— Não sei o que pode ter dito a jovem Westphallen que seja de minha
competência negar.
— Pare de mentir. A senhora sabe tudo que acontece nessa casa e só se
recolheu para seus aposentos depois que a polícia chegou. Vamos, mamãe.
Negue.
A duquesa se levantou. Ela raramente enfrentava o filho sentada ou em
posição de inferioridade. Aiden tinha que respeitá-la por isso. A forma como
ela o olhava era de escrutinação e desapontamento. Ele tentava não sentir
nada. Se afastasse o ódio e o desprezo, não sobrava muita coisa.
— Eu não nego. Lady Madeline não tinha brios suficientes para fazer o
que precisava ser feito e eu posso tê-la ajudado a formular um plano.
Aiden virou de costas para a mãe. Dos seus olhos emanava fogo. As mãos
se fecharam em punhos e ele precisou resistir para não agredi-la. O duque
nunca agrediu uma pessoa que não fosse em uma briga merecida, mas os atos
da mãe não podiam ser deixados impunes.
— Emma. — Ele chamou a criada, que se colocou à sua frente. — Quero
que você prepare as coisas da minha mãe. Encha as malas da duquesa com as
roupas favoritas dela, prepare bagagem para uma viagem longa.
— Pois não, Alteza. Posso saber para onde?
— Para as Américas. Mamãe vai passar uma temporada em Nova Iorque.
A duquesa levou a mão à boca para esconder o assombro.
— Emma, não faça isso. Não vou a lugar algum.
— Vai. — O duque então se voltou para ela. — Mamãe, eu suportei a
senhora por entender seu sofrimento. Mas o que a senhora fez, agora, é
imperdoável. Quase levou um garotinho à morte por sua arrogância e
orientou uma moça desesperada a arruinar a própria reputação para empurrar
seu filho em um casamento indesejado. Eu não quero mais a senhora na
minha casa, nem à minha vista. Nova Iorque é um ótimo lugar, liberal o
suficiente para que a senhora tenha muito assunto até o final de sua vida.
— E se eu me recusar a ir?
— Eu garantirei que a senhora entre no navio. Se não for por vontade
própria, será carregada para a embarcação nos ombros de um criado.
Aiden não disse mais nada nem conseguiu permanecer no quarto. Aquela
fora uma das mais difíceis decisões que ele já tomara. Seu amor pela mãe
obnubilara todo o seu discernimento a respeito dela. Porém a duquesa não
causaria mais nenhum mal às pessoas que ele gostava.

Todos os convidados deixaram Thanet Bay falando sobre os escândalos que


aconteceram na mansão. Aquele foi o final de semana mais intenso da vida
de Elizabeth Collingworth, principalmente porque ela fora personagem de
todos os burburinhos. Não poderia imaginar que uma fuga mal planejada, o
encontro inusitado com uma lady e uma doença fatal poderiam causar a ela
tantas emoções.
Quando todos os hóspedes foram embora, ela teria bastante trabalho
inventariando novamente todos os cômodos. Aquilo serviria, ao menos, para
fazê-la não pensar em todas as implicações que continuar na vida de Aiden
Trowsdale representaria. Ele pode ter decidido que não casaria com Lady
Madeline, mas ele se casaria em algum momento. A sua posição de amante
seria nítida e indiscutível quando aquilo acontecesse.
O dia já estava terminando quando Aiden a procurou. Elizabeth ainda
contava os talheres e louças, com a ajuda das criadas, quando John avisou
que o duque queria falar com ela. Ajeitou a touca na frente do espelho e
dirigiu-se à biblioteca.
Seu coração ainda disparava quando ela pensava em se encontrar com ele.
Mesmo depois de todas as vezes em que estiveram juntos, ela ainda sentia
como se fosse proibido. Como se fosse a primeira vez.
Elizabeth bateu à porta e entrou. O duque estava sentado atrás de uma
mesa e levantou-se quando ela chegou. Tinha acabado de tomar banho. Ela
sentiu o cheiro de sabonete e roupa limpa que ele exalava. Subitamente,
percebeu que precisava ser abraçada por ele. Que precisava ouvir dele que
tudo estava bem, porque ela acreditaria se ele dissesse.
E ele a abraçou. Como se ouvisse os desejos dela, foi em sua direção e a
segurou nos braços.
— Eu nunca pensei que passaria por tantos dissabores em um final de
semana.
A frase saiu abafada na touca de linho que ela vestia. Elizabeth se afastou
um pouco e o encarou.
— Eu quero voltar para Londres.
A frase saiu brusca. Elizabeth não sabia bem se era aquilo que ela
desejava, mas era o que precisava ser feito. Ela queria voltar para casa, sair
um pouco daquele espaço de loucura.
— Pode não ser completamente seguro, ainda. Para as crianças.
— Se não for, eu quero ir para qualquer outro lugar. Não posso continuar
aqui. Eu sou a sua amante, Aiden. Não posso morar com sua família, isso é
imoral. Não sei se suporto mais tantos escândalos em pouco tempo.
Aiden segurou-a pela face. Uma mão de cada lado do rosto dela.
Acariciou a pele, passou os dedos pela parte de trás das orelhas. Depois,
arrancou a touca que ela usava e libertou seus cabelos dourados. E tomou a
boca dela na dele em um beijo terno.
— Eu preciso ir a Londres hoje. Visitarei alguns negócios. Já que estou
imune à doença, sou a melhor escolha para inspecionar os trabalhos. Volto
em uma semana. Até lá eu terei uma propriedade organizada para receber
você e os meninos. Seja na capital ou seja em qualquer lugar que você
escolher.
Ele a beijou novamente. Toda vez que Aiden reivindicava a sua boca, ela
derretia de dentro para fora. Ela era completamente dele.
— Uma semana é bastante tempo sem você. — Ela se lamentou. —
Aguardarei ansiosa o seu retorno.
— São apenas negócios, Elizabeth.
Com um sorriso, ela deixou a biblioteca e retornou para seus afazeres. Em
alguns dias ela se mudaria de Thanet Bay para uma casa dela. Uma mansão.
Uma das propriedades do duque ou algo que ele compraria especialmente
para ela. Não era o sonho da sua infância, mas era o melhor que ela poderia
conseguir sendo Elizabeth Collingworth. Tinha que ser suficiente.

A Escarlatina enlouquecia. Aiden teve certeza que a doença lhe afetou o


cérebro depois de passar aquela semana em Londres. Sozinho na Trowsdale
House, não houve um minuto de seus miseráveis dias que ele não desejasse
passar ao lado de Elizabeth.
As futilidades do dia seriam mais interessantes com ela. O chá tinha um
gosto melhor quando compartilhado com ela. Os momentos que eles
compartilharam na semana em que estiveram confinados ainda reverberavam
nele como se tivessem acontecido no dia anterior.
Ele estava até mesmo com saudades da correria das crianças e do barulho
que elas faziam. Não havia paz se ela não estivesse por perto. Não havia luz
sem os olhos dela para refletirem o sol. Tudo lhe parecia faltar.
E isso fez com que ele tomasse algumas decisões. Depois que os negócios
estivessem fechados e que nada mais pudesse atrapalhar seus investimentos,
ele mudaria o status de Elizabeth. Ele não queria tê-la apenas como sua
amante. Enquanto estivessem juntos ele não conseguiria se casar ou se
envolver com nenhuma outra mulher. Ele precisava dela e a desejava de outra
forma. Mesmo que a sociedade inteira fosse deixá-lo no ostracismo, ele já
estaria com negócios encaminhados o suficiente para não precisar da
aprovação de ninguém.
Que se explodissem todos. Ele queria se casar com a mulher.
Aquele fora seu último dia em Londres e a ansiedade de retornar para
Kent o fez exagerar no conhaque com os investidores. Ele teve algumas
reuniões durante o dia e estava um pouco alterado durante o entardecer. Os
homens de negócios já tinham retornado para a capital e o movimento nas
ruas começava a voltar ao normal. Aos poucos, a cidade voltaria à sua feiúra
natural. E ele traria a sua mulher para casa.
Ah, Elizabeth não era a mulher dele, nem a Trowsdale House seria a casa
dela por enquanto. Ele teria que acomodá-la em outro lugar, onde ele
certamente passaria mais tempo do que na sua própria casa. Aquilo estava tão
errado de tantas formas diferentes que Aiden não conseguia imaginar-se
vivendo em outro lugar que não ao lado de Elizabeth.
Assim que a carruagem parou na entrada principal, Aiden soube que algo
estava errado. John não estava na porta para recebê-lo e apenas Granger veio
ajudá-lo com as malas.
— Onde estão todos, Granger?
— Nos fundos, Alteza. — O menino disse, a voz trêmula.
— E fazendo o que? O que está me escondendo?
— Nada… é que a Sra. Collingworth teve um acidente. O doutor Davies
está aqui.
Aiden ignorou a compostura. Deixou o chapéu e a bengala sobre um
aparador e correu até a ala dos criados. As cozinheiras estavam no corredor.
John estava à porta do quarto de Elizabeth, que estava fechado. Algumas
criadas tinham lágrimas nos olhos.
A chegada do duque causou alguma comoção. Todos o esperavam, porém
estavam desorganizados com o episódio envolvendo a governanta.
— O que diabos aconteceu aqui? Eu exijo que alguém me diga alguma
coisa.
— Alteza. — John fez uma reverência. — Desculpe-nos a imperdoável
falha por não termos recebido Vossa Graça em seu retorno.
— Para o inferno com meu retorno, John. O que houve com Elizabeth?
— A Sra. Collingworth passou mal. Ela teve uma indisposição e
desmaiou. Geoffrey buscou o doutor Davies e ele está com ela nesse
momento.
Um acidente. Uma indisposição. Um duque nunca fora tão mal informado
em toda a história da Inglaterra. Sem cerimônias, ele abriu a porta e entrou no
quarto de Elizabeth. Aquela era a sua casa, ao menos acesso aos cômodos ele
ainda tinha.
Sua irmã estava ali, sentada ao lado da cama. Elizabeth estava deitada,
pálida e encolhida, com os joelhos dobrados. O doutor Davies terminava de
escrever uma receita qualquer.
— Alteza. — O doutor o cumprimentou.
— Aiden, dê-nos licença. — Lady Agatha se levantou e quis empurrar o
irmão para fora do quarto. — Tenha mais respeito e não vá entrando assim
nos aposentos dos outros.
— O que houve com ela? — O duque se manteve imóvel. Seu corpanzil
ocupava todo o vão da porta, ninguém entrava ou saía sem o seu comando. —
Elizabeth, o que houve?
— Ela teve uma indisposição, mas vai ficar bem.
— Não foi uma simples indisposição se precisou que meus criados
chamassem o médico da família para cuidar dela.
Aiden afastou Lady Agatha e se ajoelhou ao lado da cama. Elizabeth
olhou para ele e esboçou um pequeno sorriso. Ela estava fraca e não havia
vida no azul cintilante de seus olhos. O duque passou as mãos pelos cabelos
dourados e afastou algumas mechas das têmporas suadas.
— Diga para mim o que houve. — Ele sussurrou próximo ao ouvido dela.
— Creio que seja melhor que Vossa Graça a deixe descansar. — O
médico insistiu. — Venha comigo, eu lhe darei mais detalhes.
O duque se pôs de pé e arrastou o médico para seu escritório. Já estava
começando a se irritar. Ninguém nunca lhe negava informações. Nem para
dar noticias ruins. O que podia ser tão grave com Elizabeth?
— Diga logo, Davies. — O duque se serviu de outra dose de conhaque.
Entregou também um copo para o médico. — E não deixe escapar nenhum
ponto.
— A situação de vossa governanta é peculiar. — O doutor se sentou em
uma poltrona. — Ela desmaiou e, quando cheguei, ela sangrava muito.
— Ela se feriu?
— Não, Alteza. O sangue era proveniente das regras femininas.
Aiden fez uma careta. Aquele era um pormenor que poderia ter sido
omitido e ele não se importaria.
— Certo. E?
— Bem, ela não estava no período das regras. A Srta. Collingworth teve
uma hemorragia causada por um abortamento.
Aquela não deveria ser uma palavra comum ao vocabulário de um duque.
Mas, tendo acompanhado a sucessão de gestações malsucedidas de sua mãe,
Aiden já a tinha ouvido antes. A duquesa teve não apenas alguns natimortos,
ela também gerou algumas crianças que nem mesmo chegaram a nascer.
Aiden levantou-se e derrubou o copo que estava sobre a mesa. Passou as
mãos pelos cabelos e deu dois giros completos ao redor de si mesmo.
— Elizabeth está grávida?
— Estava, Alteza. — O doutor terminou de beber seu conhaque. — Veja
que o assunto é bastante íntimo e eu não deveria estar discutindo com Vossa
Graça. Mas a gestação não foi adiante. É mais comum do que parece, porém
ela teve uma grande perda de sangue. Recomendei um tônico e muito repouso
por pelo menos três dias.
O duque deixou o médico no escritório e retornou ao quarto de Elizabeth.
Mandou que todos os empregados dispersassem, ameaçou-os com demissão
se continuassem por ali. Depois agradeceu-os por terem sido diligentes.
— Agatha, saia. — Aiden pegou a irmã pelo braço e a conduziu para fora
do quarto.
— Por Deus, Aiden! — A jovem dama bateu com os punhos no peito do
irmão. — Desde quando você age como um bruto?
— Preciso conversar com Elizabeth. A sós.
— Era seu, não era? — Agatha sussurrou. O duque sentiu um mal estar
súbito e pensou que ele também fosse desmaiar.
— Sim, era. Vamos, saia, eu preciso falar com ela.
Lady Agatha limpou uma lágrima que correu do olho e abraçou o irmão.
Aiden estava confuso demais para entender o turbilhão de emoções que o
arrebatava.
— Se você tivesse feito a coisa certa desde o início…
— Eu fiz a coisa certa.
— Não, meu irmão. Você fez o que a sociedade disse que é certo quando
deveria ter seguido o seu coração.
A jovem se afastou e o deixou no vazio. Aiden fechou a porta e se
ajoelhou novamente ao lado da cama. Elizabeth parecia um pouco melhor,
mas seus lábios ainda estavam sem cor. Sem vida. Ele beijou-a na testa e ela
segurou a mão dele entre as suas.
— Não havia nada que você pudesse ter feito para mudar isso, Aiden.
Foi o que ela conseguiu dizer. A voz estava fraca e débil. Nem durante a
Escarlatina ele a tinha visto tão decadente.
— Isso deveria me fazer sentir melhor?
— Não. Mas espero que saiba que a melhor coisa que pode acontecer
para essa criança foi não nascer.
O duque se levantou de supetão. O susto pelas palavras duras dela quase
o nocauteou.
— Você repudiaria ter um filho meu?
— Eu repudiaria ter um bastardo. — As lágrimas começaram a escorrer
pelos olhos dela. Aiden não conseguia entender o que ela dizia. — Você sabe
qual o tipo mais miserável de ser humano que existe na sociedade londrina?
O bastardo. Eu convivi com as mulheres como eu que pariam filhos de
homens como você. As crianças eram afogadas. Mortas. Ou entregues para as
fazendas de bebês. Não há nada mais degradante do que isso. Eu jamais…
Os soluços a impediram de continuar. Ele sentou ao lado dela e fez com
que deitasse em seu colo. Elizabeth o abraçou, envolvendo sua cintura com
os braços, e chorou. Ele não poderia suportar vê-la sofrer daquela forma, mas
talvez ela tivesse razão.
— Eu nunca deixaria um filho nosso desamparado, Elizabeth. Eu cuidaria
de qualquer criança sua. Eu estou disposto a cuidar de Patrick e Peter.
— É diferente. Eles não são bastardos. Você cuidaria de nós até quando?
Até se cansar de mim? Patrick e Peter são filhos de pessoas pobres, mas eles
são filhos de alguém. Bastardos não são considerados pessoas, Aiden!
Ele parou de discutir e deixou que ela continuasse a chorar. A reação dela
ao episódio poderia estar relacionada ao trauma de ter perdido uma criança.
Ele já vira aquilo antes. Esperava que Elizabeth não fosse despedaçada pela
dor e pela culpa como sua mãe fora.
Capítulo vigésimo oitavo

E LA SABIA QUE O MACHUCARA . Dizer que a criança deveria mesmo não ter
nascido impactou o duque, mas era a verdade que precisava ser falada. Aiden
era como Lady Agatha, duas pessoas gentis que foram criadas em um mundo
de perfeição que só existia para as pessoas da sociedade britânica. E eram as
pessoas como eles que engravidavam as pessoas como elas com crianças que
não podiam sobreviver.
Elizabeth teve dois filhos legítimos. Ela poderia aguentar qualquer coisa.
Suportaria ser a amante de um homem. Viver à margem da sociedade,
invisível. Ela já não era mesmo vista. Suportaria que ele se casasse com
outra. Que ele tivesse que se deitar com outra. Que ele engravidasse outra.
Mas ela não estava preparada para gerar um bastardo.
E foi por aquele motivo que o mundo quase perfeito que ela idealizou,
ruiu. Quando aceitou ser amante de Aiden, ela se permitiu sonhar. A ideia era
boa e ela seria feliz. Mas aquela consequência ela não queria suportar. Ela
não podia.
— Mas você se prevenia, não? — Gretha perguntou, oferecendo um chá
para que ela bebesse. Já era o dia seguinte, mas Elizabeth ainda não podia
levantar da cama. Ela tivera novos sangramentos de madrugada e estava
muito fraca. Geoffrey havia saído cedo para encomendar o tônico que fora
recomendado pelo doutor.
— Sim, Gretha. Eu tomava todas as precauções possíveis. Inclusive
aqueles chás horríveis que só serviram para me tirar o paladar.
— A senhora deveria ter contado ao Sr. Hodges. Se vocês se casassem, a
criança não nasceria bastarda.
Loretta entrou no quarto com o desjejum de Elizabeth. As duas
cozinheiras gostavam dela, e era recíproco. Tinham desenvolvido um bom
relacionamento durante o período em Thanet Bay. Ela sentiria falta das duas.
— O filho não era do Hodges, sua tonta.
— Ora, mas não era ele que cortejava a senhora… — Gretha se
interrompeu e colocou a mão na frente da boca. O que não foi dito acabou
sendo compreendido e nenhuma das três mulheres completou a frase não
terminada.
Não havia segredo entre os criados. Todos sabiam que Elizabeth era
amante do duque. E não era como se eles estivessem escondendo o
relacionamento de forma muito eficiente.
As duas cozinheiras saíram no instante em que o duque apareceu. Ele
tinha olheiras e a camisa estava por fora da calça. Ou não dormira a noite, ou
não tivera ajuda para se vestir. Elizabeth estava sentada, comendo ovos,
presunto e torradas. Ela quis parecer menos desarrumada para ele, mas não
podia nem mesmo se levantar para ajeitar o cabelo.
— Como você está? — Ele se sentou novamente ao lado dela.
— Vou me recuperar. Não sou a primeira mulher que passa por isso, nem
serei a última.
— Gostaria de movê-la para um quarto no andar superior. — Ele tomou
os talheres da mão dela e cortou fatias de presunto. Depois, colocou sobre a
torrada e ofereceu para que ela comesse. — Uma cama mais confortável, até
que possa viajar de carruagem novamente.
— Esse quarto está ótimo.
Aiden passou as mãos pelos cabelos dela e colocou algumas mechas por
trás das orelhas. Ajeitou o colarinho da camisola que ela vestia e acariciou-a
nas bochechas. Ela também sentiria falta daquele toque. Porque, depois do
que aconteceu no dia anterior, Elizabeth teria que repensar suas decisões.
— Assim que o doutor Davies te liberar, vou levá-la para Londres.
Oglethorpe possui um dos melhores hotéis na região do Piccadilly e eu tenho
uma suíte reservada no último andar.
Elizabeth levou a mão até a face de Aiden. Ela passou a noite toda
pensando e sabia que qualquer decisão que tomasse a faria sofrer. Mesmo
assim, decidiu não mais chorar.
— Eu não vou.
— Como assim, não vai? Não quer ir para Londres? Se uma suíte de hotel
for ruim para você, então posso te acomodar em Trowsdale House. Ou
podemos ir para Hampshire.
— Eu quis dizer que não vou mais aceitar sua proteção, Aiden.
Ela afastou a bandeja e se ajeitou na cama. O duque a encarou com
incredulidade. Aquela era mais uma fala que o machucaria, porém a decisão
de voltar atrás em sua decisão já havia sido tomada.
— Não posso arriscar engravidar novamente. Não de um amante. Por
mais que eu queira estar com você e ser cuidada por você, estamos correndo
um risco que não vale a pena. — Ela acariciou os cabelos dele. — Você vai
se casar e ter uma família com sua esposa. Eu talvez me case novamente,
também, e posso ter outros filhos, mas serão todos legítimos. Não podemos
fazer isso, não dessa forma.
Aiden se levantou. A forma como ele a encarava era de estupefação e
ódio. Ele demonstrava raiva naquele momento.
— Eu não posso permitir que você vá, Elizabeth. Eu tenho planos para
nós, só preciso de um pouco mais de tempo.
O duque rosnou. As mãos dele estavam fechadas em punhos.
— Creio que Vossa Graça não tenha opção. Eu já tomei a minha decisão,
Aiden, e eu não posso ser sua amante. Eu me iludi, achando que meus
sentimentos eram suficientes para suportar a desonra e a humilhação. Que
amar você superasse saber que se casaria com outra e teria filhos com outra.
Mas não é.
— Se você diz que me ama, como pode simplesmente desistir assim?
Desistir de nós?
— Não há nós. — Ela se exaltou. Elizabeth nunca se exaltava, ela era
sempre comedida e educada. O treinamento que a fez ser uma dama, mesmo
sem títulos, a ensinou a nunca elevar a voz. Mas, naquele instante, ela estava
quase gritando. — Eu sou uma governanta, uma plebeia, uma viúva que não
tem nada a oferecer. E você é… é o Duque de Shaftesbury. Nós vivemos em
mundos opostos. É melhor que seja assim.
Antes que pudesse replicar qualquer coisa, Lady Agatha entrou no quarto.
Não esperando ver o irmão ali, nem totalmente desgrenhado, ela se assustou
com a cena que encontrou.
— Agatha, agora não.
— O que houve, Aiden? Eu vim ver como Elizabeth está.
— Estamos em uma conversa privada.
— Podemos prosseguir depois, Alteza. — Elizabeth sorriu, tentando
fingir normalidade. — Ainda não estou apta a deixar a propriedade.
— Deixar? — Lady Agatha estranhou. — Por que pretende deixar Thanet
Bay, Elizabeth?
— Porque ela está me recusando, Agatha. — O duque passou as mãos
pelos cabelos. Os olhos dele estavam vermelhos, a boca ressequida. Sua
aparência estava longe de ser a mesma de uma semana atrás. — Elizabeth
decidiu me deixar, não tem nada a ver com a propriedade.

Ele não conseguia mais ficar ali. O ar dentro do quarto estava pesado e Aiden
não conseguia respirar. Passou pela irmã como se ela não existisse e saiu pela
porta dos fundos. Quando foi que tudo que ele havia planejado deu errado?
Tudo parecia ajustado, porque ele sempre esteve disposto a ter um casamento
de fachada. E então ele teria uma amante para os momentos de paixão e
felicidade.
Elizabeth o faria feliz. Mas ela estava indo embora e ele sequer entendera
como chegaram àquele momento.
No fundo, ele entendia. Aiden não era tolo. Elizabeth podia amá-lo, mas
ela queria mais. Ela merecia mais. Ser uma amante invisível apenas porque
queria proteger os filhos não era digno dela. Ela podia estar disposta a deixar
muita coisa de lado, mas a gravidez a fez enxergar que ela precisa de mais
para estar com ele.
Sentindo o coração quase parar e uma vontade desesperadora de gritar, o
duque vagou sem destino até desabar sentado em um banco no jardim. Ele
estava quase no bosque, ao lado de trepadeiras e uma fonte de água fresca
que jorrava o ano inteiro. Apoiou a cabeça nas mãos e permaneceu imóvel
por algum tempo. Ele precisava se recompor. Aquele não era um
comportamento digno de um duque.
Aiden iria perdê-la.
Por todas as decisões equivocadas que tomou, ele se sentiu seguro depois
que Elizabeth aceitou ser sua amante. Ele a teria, da forma como era
permitido. Ele faria qualquer coisa por ela.
Mas ele iria perdê-la se não antecipasse as suas pretensões. Não podia
continuar esperando, ele teria que tomar atitudes imediatamente.
O barulho de passos na grama fez com que o duque levantasse a cabeça.
Seus olhos estavam úmidos. Aiden deveria se importar em demonstrar
qualquer tipo de emoção na frente de alguém, porém nada parecia realmente
importá-lo naquele instante.
— O senhor está bem, Alteza?
O jovem Patrick estava à sua frente. Com os braços estendidos ao lado do
corpo pequeno, o menino era magro e idêntico à sua mãe. Com a luz do sol
batendo atrás de seus cabelos, ele facilmente poderia ser confundido com um
anjo das pinturas.
— Sim, Patrick. Eu tive uma noite ruim, só isso.
O menino se sentou ao lado do duque. Poucas pessoas ousavam tanta
impertinência, mas ele era uma criança. E, se fosse mesmo parecido com a
mãe, não se importaria com o título de nobreza de Aiden.
— Mamãe também teve. Ela chorou a noite toda, mas escondeu para que
não víssemos. Ela tenta parecer forte para mim e para o Peter.
O duque ajeitou os cabelos. Ergueu o corpo e ajeitou a postura. O menino
olhava para ele com alguma reverência. Se Elizabeth podia fingir força para
os filhos, ele também conseguiria.
— Sua mãe teve um mau momento. Ela vai ficar bem.
— Eu sei. Mas nós vamos embora, não vamos?
Aiden assentiu. Eles iam.
— Que pena, eu gosto daqui. Obrigado por nos acolher, Alteza.
Patrick levantou-se e abraçou o duque. O menino simplesmente jogou os
braços ao redor do pescoço de Aiden e o abraçou, afastando-se em seguida. O
homem ficou paralisado por segundos, sem conseguir reagir exatamente à
demonstração de carinho.
Depois de recuperar parcialmente a razão, o duque foi até os estábulos e
montou seu cavalo. Ele precisava fazer alguma coisa. Não importava mais a
sociedade, os compromissos ou a responsabilidade que ele tinha como duque.
Não interessava o que dissessem as fofocas. Não importava se ele nunca mais
seria bem vindo em nenhum evento social. Ele podia suportar ser excluído
daquela sociedade hipócrita, mas não podia deixar aquelas pessoas irem
embora da sua vida.

Elizabeth estava de pé. Mesmo que o doutor tivesse recomendado um


repouso mais longo, ela não aguentaria ficar nem mais um minuto na cama.
Já tinha arrumado as malas, deixando de fora as roupas novas que os filhos
tinham ganhado. Não se sentia confortável em levá-las, mesmo que eles
precisassem.
— Sra. Collingworth, eu recomendo fortemente que a senhora não saia
dessa casa a esse horário.
O mordomo John estava ao lado dela. A figura esguia tentou impedir que
a governanta se levantasse, depois que remexesse as gavetas. Os meninos
observavam tudo sentados em suas camas.
— John, eu agradeço sua preocupação. Porém, não posso mais ficar aqui.
Se eu continuar, Vossa Graça vai aparecer e dar um jeito de me convencer a
ficar.
— E dessa vez eu terei que apoiar Vossa Graça nessa empreitada. A
senhora acabou de passar por um trauma.
— Eu estou me sentindo ótima. Vamos caminhar até a vila, ainda tem luz
solar o suficiente. De lá nós pegamos uma condução para Londres.
Claro que os planos dela eram bem simples. Não havia planos. Ir embora,
retornar para a cidade, conseguir um emprego que pagasse as contas.
Provavelmente ela não conseguiria nada muito digno, mas servir em tavernas
não era tão ruim quanto os riscos que corria ficando ali.
Elizabeth mandou os meninos se levantarem. Eles a acompanharam de
péssimo humor. Nenhum dos dois queria ir, nenhum dos dois entendia o
motivo de partirem. Estavam na porta da cozinha quando Lady Agatha
apareceu. Ela vinha do lado de fora e estava vestida para sair.
— Elizabeth, venha comigo. — A lady disse, um pouco agitada.
— Eu não voltarei atrás na minha decisão, milady. Não ficarei em Thanet
Bay.
— Eu sei disso. Não vou tentar dissuadi-la, mas me permita tentar ajudá-
la.
Lady Agatha indicou que a carruagem estava estacionada no pátio lateral.
O cocheiro aguardava, elegantemente vestido, como se fossem a um evento.
Elizabeth riu. O que tinha aquela família que se sentia na obrigação de ajudar
pessoas em necessidade?
— O que pretende, milady?
— Vou levá-la a Greenwood Park.
— Lady Agatha, não acha que não deveria envolver o conde novamente
em seus propósitos? O que Lorde McFadden pode fazer por nós?
— Eu conheço Edward. Ele é desagradável quase sempre, mas não
deixará a senhora desabrigada. Se não quer ficar aqui por causa do meu
irmão, eu entendo. Ou não entendo, mas aceito. Porém não pode esperar que
deixemos a senhora na rua depois de termos nos afeiçoado tanto!
A expressão da lady era sincera. Ela tinha as bochechas rosadas pelo
esforço em organizar uma operação tão complexa. Os cabelos estavam um
pouco desalinhados e as luvas estavam empoeiradas Ela parecia jovial e
determinada. Elizabeth não podia negar que via um pouco dela própria
naquela dama.
Com um aceno de cabeça ela concordou e se deixou conduzir por Lady
Agatha até a propriedade do Conde de Cornwall. Como deveria ser previsto,
a chegada delas não tinha sido anunciada. Nem previamente agendada. A
carruagem estacionou na frente da mansão e elas foram recebidas pelo
mordomo dos McFadden.
O conde estava nos estábulos com seus cavalos. Edward era um adorador
de cavalos e criava raças incomuns. Ele frequentemente passava bastante
tempo cuidando de seu passatempo principal. Ao ser notificado da chegada
das visitantes, que o aguardavam no hall de entrada, suspeitou que teria
problemas pela frente.
— Pelos céus, Agatha. — O conde entrou pela porta lateral com as botas
ainda sujas de terra e sem colete. Era tarde demais para uma visita de
cortesia. — Não é apenas porque você é irmã de Aiden que pode aparecer
desacompanhada em qualquer hora do dia.
— Não estou desacompanhada. — A lady se levantou. Elizabeth a seguiu,
escondendo os dois filhos atrás de si. Ela não se sentia diminuída na frente da
nobreza, mas os meninos não estavam ainda acostumados.
— Sra. Collingworth. Certo, eu vou querer ouvir essa história.
O conde passou as mãos pelos cabelos e chamou o mordomo. Pediu que
servisse chá no salão e encaminhasse as damas para lá. Uma criada levou os
meninos para comer na cozinha e Edward foi ao seu quarto se lavar.
Retornou para as mulheres depois de estar refrescado e com os cabelos
penteados.
— Muito bem, agora me expliquem o que está havendo.
Ele se sentou em uma poltrona e observou as mulheres. Elizabeth quis
deixar que Lady Agatha se explicasse. No fundo, ela se divertia vendo a lady
e o conde travarem alguns embates interessantes. Mas quem deveria contar a
história seria ela mesma. Mesmo que não entendesse o que a lady pretendia
do conde, era Elizabeth quem deveria explicar os motivos que a levavam a
deixar Aiden Trowsdale.
Edward ouviu tudo com alguma perturbação no olhar. No meio da fala
dela, levantou-se e se serviu de uma dose dupla de uísque. Depois que
Elizabeth terminou sua narrativa, ele levou alguns segundos para reagir.
— Sra. Collingworth, eu sei que não deveria me meter, e que se trata de
um tema muito íntimo mas… considerando que a senhora decidiu expor a
situação para mim, eu preciso dizer. A senhora sabe que Aiden cuidaria de
todo e qualquer filho que ele tivesse, não sabe?
— Eu tenho certeza que sim, milorde. — Ela forçou um sorriso. — Mas
as coisas são mais simples para os homens, que não carregam o fardo das
crianças bastardas. O duque cuidaria de nós até que ele se cansasse de mim. E
meus filhos com ele nunca teriam reconhecimento. Seriam pessoas excluídas
da sociedade. Eu não posso suportar isso.
— Entendo. E respeito bastante a decisão que a senhora tomou. Faremos
o seguinte, eu vou acomodá-los em uma suíte. Amanhã veremos o que fazer.
— Edward, deve ter algum emprego que você possa oferecer a Elizabeth.
— Lady Agatha se apressou em insistir. — Mesmo que não aqui em
Greenwood Park, pode ter algo para ela em Londres. Ou outra propriedade.
Wilhelmina não precisa de uma camareira?
— Agatha, acalme-se. — O conde se aproximou da lady e segurou-a
pelos dois ombros, fazendo com que ela parasse de girar pela sala. Elizabeth
segurou uma risada. — Amanhã veremos o que fazer. Volte para casa, a Sra.
Collingworth ficará bem. Onde está a sua criada?
— Eu não a trouxe.
— Céus. — O conde pressionou as têmporas com os dedos. Elizabeth
pode facilmente notar que a jovem não dava dor de cabeça apenas para o
irmão. O amigo do irmão também parecia bastante desconfortável com as
atitudes impulsivas da lady. — Pedirei que Taylor a acompanhe até Thanet
Bay.
— Não preciso de babá.
— Sua segurança não está em discussão, milady. Vamos tratar de
acomodar a Sra. Collingworth aqui e você vai para casa. Imediatamente,
acompanhada.
Elizabeth podia estar enganada, mas ela raramente estava. A forma como
Edward e Agatha se tratavam estava um pouco além da mera amizade. Ou
inimizade. O esforço que eles tinham para demonstrarem desagrado era
louvável, porém inútil. Qualquer um com um pouco de perspicácia notava
que eles não se detestavam.
Talvez, se ela fosse ser mesmo empregada do conde, pudesse orientar a
lady a entender esses sentimentos. Ela desejava sinceramente que sim. Que as
pessoas que aprendera a respeitar e admirar não saíssem tão rapidamente de
sua vida.

O duque não retornou para casa. Passou a noite em Londres porque não
admitia retornar para Thanet Bay sem uma solução para a crise que se
instaurou em sua vida. E a solução não era muito ortodoxa, mas ele estava
certo do que queria. Do que precisava. Aiden precisava de Elizabeth
Collingworth em sua vida e não mediria esforços para tê-la.
Ele não tinha muita certeza de quando foi que se apaixonou por ela.
Provavelmente, fora no dia em que se viram na estalagem. A doença, o
confinamento, a intimidade só serviram para confirmar o que o coração dele
já sabia. Mas Aiden não era um homem dado a romance. Nem paixões. Ele
não acreditava que estava apaixonado até ouvi-la dizer que iria partir.
Aquele foi o momento em que ela partiu o coração dele em pedaços.
Mas, naquela manhã, ele sentia que as coisas podiam ser diferentes. Ele
sabia que tinha um trunfo nas mãos. Algo que só o Duque de Shaftesbury
conseguiria, algo que poderia fazer Elizabeth mudar de ideia. Quando ele
falasse novamente com ela, seria para garantir que ela seria sua mulher e que
nunca mais sairia do lado dele.
Com essa certeza, o duque cavalgou até Kent. Fez algumas paradas,
alimentou o cavalo, descansou, e chegou de volta a sua propriedade pouco
depois das duas da tarde. A casa estava vazia. Não, não estava, mas não havia
crianças correndo pelos arredores.
— John. — Ele cumprimentou o mordomo que o recebia. Havia
certamente algo estranho, a expressão de John era de quem escondia alguma
coisa importante. — Onde está a Sra. Collingworth?
— Creio que Vossa Graça deva perguntar isso a sua irmã.
— Elas saíram? Mas Elizabeth não está de repouso?
— Ela estava, Alteza. Porém…
Aiden não esperou. Entrou pela casa adentro e foi até os aposentos dos
criados. O quarto estava vazio. A cômoda vazia, as camas arrumadas. Não
havia nem mesmo mais o cheiro das gardênias no ar. Tudo estava vazio.
Ele então subiu as escadas. Não se importava mais se parecia
transtornado, ele estava. Bateu à porta do quarto da irmã sem nenhuma
moderação. Seu exagero poderia derrubar a peça de madeira maciça, que se
abriu antes que ele conseguisse seu intento.
— Pois não, Alteza? Lady Agatha está ainda dormindo.
— Para o inferno, acorde-a. Eu quero saber onde está Elizabeth.
— Alteza, eu…
Ele não esperou novamente. Não havia mais nenhum resquício de
paciência nem decoro em suas atitudes. Aiden parecia um bruto, um homem
sem escrúpulos que não reconhecia os limites da boa educação. Entrou quarto
adentro e encontrou Agatha sentada na cama, de camisolas e o cabelo
desarrumado, coberta pelos lençóis.
— Espero que haja um motivo razoável para entrar no meu quarto como
um animal raivoso. — Ela tentou demonstrar bom humor, mas o irmão não
estava racional.
— John disse que você sabe onde está Elizabeth.
— Eu sei. — Agatha se levantou e caminhou na direção de Aiden. Ele
estava trêmulo, com o maxilar travado e os braços arqueados. Aquela era
uma posição de ataque. — E quando você estiver mais calmo eu posso te
contar.
— Agatha, você não quer testar a minha sanidade. Não agora, não nesse
momento.
— Não quero testar nada, Aiden. Mas me diga, se eu te contar onde ela
está, agora, o que fará? Vai correr até ela e tentar convencê-la a…
— Eu vou me casar com ela, Agatha.
O duque tirou do bolso o casaco um papel enrolado. A lady arregalou os
olhos e tentou decidir se sorria ou chorava com a notícia.
— O que é isso?
— Uma permissão de casamento. — Ele desenrolou o documento e o
entregou à irmã. — Eu voltei a Londres para conseguir uma. Eu não vou
deixar Elizabeth ir embora, ao menos eu não pretendia deixar. Como você
pode permitir que ela saísse dessa casa?
Lady Agatha deu uma gargalhada. Ela queria expulsar o irmão do quarto
para se vestir e acompanhá-lo até Greenwood Park, mas não conseguia parar
de rir.
— Meu irmão, acha mesmo que eu controlo Elizabeth? Ela é uma mulher
livre. E muito teimosa. Vocês dois combinam mais do que pensam.
— Aonde ela está, Agatha?
— Eu a deixei com Edward, ontem à noite.
Pela terceira vez, ele não esperou. Bastou ouvir que Elizabeth estava em
Greenwood Park para sair correndo do quarto da irmã, que gritou pedindo
que ele esperasse porque ela queria ir com ele. Aiden fingiu não ter ouvido.
Nada o seguraria naquele momento, ele não esperaria nenhum minuto a mais
para tornar Elizabeth sua esposa.
Capítulo vigésimo nono

A RESIDÊNCIA de Edward nunca foi tão distante de Thanet Bay quanto


naquela tarde. O cavalo preto do duque galopara pelos campos, buscando
atalhos conhecidos para encurtar o tempo que eles gastariam para chegar a
Greenwood Park. Aiden não era um homem ansioso. O suor em sua testa não
queria dizer que ele estava nervoso. As batidas variantes de seu coração não
representavam nenhum tipo de desconforto. Ele não demonstraria nenhum
descontrole na frente de Elizabeth, ou de quem mais lá estivesse.
Ainda assim, suas atitudes eram as de um homem no limite. Até que
Edward chegasse à sua presença, os minutos pareceram durar horas.
— O que veio fazer aqui, Aiden?
O conde perguntou com sincera dúvida. Edward era um homem prático e
de rara honestidade. Aquela era a sua melhor qualidade.
— Preciso falar com Elizabeth.
— Essa não é a melhor hora. Wilhelmina está dando um chá para duas
dezenas de jovens damas debutantes na próxima temporada. Isaac está com
amigos no salão de jogos. A casa está cheia e não precisamos de mais um
escândalo em Kent nesse verão.
— Não farei um escândalo. — O duque não estava muito certo daquela
promessa. Ele não gritaria, ou se desesperaria. Um homem como ele não se
desesperava. Mas o que ele pretendia fazer era por si só bastante escandaloso.
A ausência de Elizabeth o deixaria maluco. Tinha passado uma semana
em Londres, depois mais três dias sabendo que a perdera. A agonia que
apertava seu peito fazia com que respirar fosse muito difícil.
— Vamos conversar, então. Ela está com minha irmã no salão de chá.
Assim que o evento acabar, vocês…
— Não posso esperar, Edward. — Aiden se colocou em movimento. Ele
sabia onde era o salão de chá. — Lamento, amigo, mas eu preciso falar com
ela, agora.
O conde não conseguiu impedi-lo. A criada que estava à porta do salão
deu um salto quando viu o duque chegando apressado. Aiden abriu a porta
para encontrar o espaço cheio de mulheres com vestidos elegantes e cabelos
empoados. Apenas uma se destacava, e ela não estava vestida como a
nobreza.
Os cabelos dourados de Elizabeth reluziam à luz do sol que penetrava nas
janelas. A condessa se levantou ao ver o duque, incomodada com a invasão.
Homens não entravam de supetão nos eventos femininos.
— Aiden, você precisa se acalmar primeiro.
Edward disse, vindo logo atrás. Sua voz quase não fora ouvida por causa
do burburinho das mulheres. Todas conheciam o Duque de Shaftesbury e
sabiam que ele era o solteiro mais cobiçado de Londres. Um pouco dado a
escândalos, mas, ainda assim, dono de um título respeitável e de um próspero
ducado.
— Eu estou calmo, maldição! — Aiden parou no meio do salão. Nada
mais existia ao seu redor, apenas ela. Elizabeth estava de pé e olhava para o
duque com surpresa e assombro. — Eu só preciso falar com ela.
— Vossa graça está causando tumulto na casa de seu amigo. — Elizabeth
sussurrou. A suavidade no tom de voz dela tornava tudo mais difícil. Talvez
Aiden preferisse que ela estivesse zangada com ele. Era mais simples
transformar irritação em paixão. A irresignação dela o incomodou.
— Eu não me importo. — Aiden passou as mãos nos cabelos para ajustá-
los. — Eu fiquei sinceramente desesperado quando cheguei em Thanet Bay
hoje e não a vi, Elizabeth. É bastante impróprio deixar um duque
desesperado.
— Eu precisava ir, Alteza. Não podia…
— Deixe-me falar, sim? — O duque deu alguns passos na direção dela.
Todas as presentes olhavam o momento sem entendê-lo. Talvez algumas
delas entendessem, porém não compreendiam a dimensão do que o duque
estava prestes a fazer. — Quando você me disse que ia me deixar, eu entrei
em pânico. Eu sou um duque, duques não entram em pânico. Eu tinha que
fazer a coisa certa, Elizabeth. A proposta que eu te fiz não era certa. Ela era
indigna, indecorosa, injusta. Você não a merecia. Eu não te merecia.
— Aiden…
Ele a ignorou. Naquele momento, precisava que ela o ouvisse e não
tomasse novamente uma decisão sem que ele tivesse colocado todas as cartas
na mesa.
— Eu deveria ter feito isso há mais tempo. Desde o primeiro momento,
desde que eu te beijei pela primeira vez. — O duque se ajoelhou à frente dela.
O relógio parou de bater. As damas levaram todas as mãos às bocas. Algumas
abafaram um grito, outras esconderam o espanto. O conde cruzou os braços e
sorriu. Elizabeth parou de respirar. Tudo pareceu passar lentamente, como se
o tempo desacelerasse para fazer o momento durar o dobro. — Eu te amo,
Elizabeth Collingworth. E, mesmo que ainda não mereça, eu ficarei honrado
se você aceitar ser a minha esposa.

Uma das damas quase desmaiou. Foi amparada por uma criada e terminou
sentada em um canapé. O burburinho voltou e Elizabeth conseguia ouvir
tudo, mas não reagia a nada. Depois de piscar algumas vezes, a imagem que
seus olhos viam ainda era a mesma. Em sua frente estava o Duque de
Shaftesbury segurando uma caixa de veludo com um anel obsceno. Para ela.
O anel. O homem. A proposta. Era tudo para ela.
— Nós não podemos nos casar. — Ela murmurou, tão baixo que mal
conseguiu ouvir a si mesma. — A sociedade, eles nunca me aceitariam. Isso
te afetaria.
— Para o inferno com a sociedade! O problema é meu título? Então eu
abro mão dele. A partir de agora, não sou mais o Duque de Shaftesbury.
Mais comoção fez com que o burburinho das damas se intensificasse.
Ninguém se movia, todas querendo saber o desfecho daquele momento.
— Você não pode abrir mão do seu título, Aiden.
— Então eu continuo sendo um duque, mas não deixe que isso nos
impeça, Elizabeth. Case comigo. Seja minha esposa.
— E os negócios? As responsabilidades como membro do Parlamento?
Vai colocar tudo em risco por minha causa?
— Eu não me importo mais com nada disso. Eu me importo com você e
com os meninos. Eu te amo. Você me disse, um dia, que homens como eu
deveriam poder se casar por amor. E é você que eu amo, Elizabeth. Você é a
mulher que eu amo.
E ele era o homem que ela amava.
— Sim, Alteza. Eu ficarei honrada em me tornar a sua esposa.
Ela não sabia como conseguira dizer uma frase completa com a voz
embargada e os olhos cheios de lágrimas. O duque se levantou e a tomou nos
braços, selando com um beijo o compromisso que acabavam de firmar.
No meio das damas. Na frente da condessa. O maior escândalo que a
sociedade teria que enfrentar.

O rebuliço na casa do Conde de Cornwall não foi proposital. Aiden não


queria causar nenhum problema para o amigo nem comprometer a sua
posição na sociedade, mas calhou de Elizabeth estar na casa de Edward
quando ele precisava pedi-la em casamento. Não havia outra forma de
recuperá-la. Ele precisava oferecer a ela o que ela precisava.
Segurança. Amor. Uma família.
Mesmo que ele tivesse medo de não conseguir ser o marido que ela
merecesse, ele era egoísta a ponto de arriscar.
Edward ofereceu-lhes uma carruagem para irem até Thanet Bay. Durante
o trajeto os meninos estavam curiosos com o anel no dedo da mãe e com o
retorno à mansão ducal.
— Vamos morar lá, agora? — Peter inquiriu, segurando a mão da mãe.
— Esse presente veio de uma fada?
— Não, meu jovem. Esse é o presente que um homem dá a uma mulher
quando ele a ama muito e quer tomá-la como esposa.
— O senhor ama minha mãe? — Patrick o encarou de forma inquisitiva.
— Sim, eu amo. E nós vamos nos casar.
— O senhor vai ser meu pai? — Foi a vez de Peter se virar para o duque.
Com a demora em receber uma resposta satisfatória, o menino pulou para o
lado dele na carruagem e se sentou.
— Eu cuidarei de vocês como um pai cuida dos próprios filhos. Vocês
acham isso uma boa ideia? Gostariam que sua mãe se tornasse a Duquesa de
Shaftesbury?
— Mamãe sempre foi uma dama. — Peter subiu no colo de Aiden. O
duque não sabia muito bem como agir com crianças. Elizabeth deu uma
risada e um olhar encorajador. Não parecia tão complicado, ele tinha
memórias de como o pai lidava com ele. Aiden era curioso e intrometido
como aquele pequeno moleque. — Ela vai ficar muito bem de duquesa.
Mas… e a outra duquesa? Ela não vai ficar triste?
— Não, ela não vai. Ela está em um lugar muito divertido, não terá tempo
para se preocupar com isso.
Até chegarem a Thanet Bay, Patrick também já estava sentado ao lado do
duque. Os homens conversavam sobre cavalos quando a carruagem
estacionou na entrada principal. A partir daquele momento, Elizabeth nunca
mais entraria pela porta dos fundos. Uma aglomeração de criados aguardava
para recebê-los. Agatha estava entre eles.
A irmã respirou aliviada e colocou a mão no peito quando viu o duque
descer segurando a mão de Elizabeth. Os meninos correram para dentro da
casa.
— Seja bem vinda novamente, Sra. Collingworth.
— Amanhã ela será a sua duquesa, John. — Aiden entregou o casaco ao
mordomo. Ele não estava usando um chapéu, fora descontrolado até
Greenwood Park e não se cuidou de vestir adequadamente.
— Amanhã?
Tanto Elizabeth quanto Agatha falaram ao mesmo tempo. A jovem dama
segurou a mão da sua futura cunhada para olhar o anel.
— Por que a pressa? — Elizabeth questionou. — Pensei que os nobres se
casassem na Igreja de São Jorge, com pompa e toda a realeza convidada.
— Sim, os nobres se casam assim. É o que você quer?
— Há opções? — Ela riu.
— Meu amor, você será a Duquesa de Shaftesbury. Comece a se
acostumar, opções não vão faltar. Podemos nos casar amanhã, na vila, ou na
São Jorge com todo o luxo que você merece.
— Vamos fazer as duas coisas. — Agatha se intrometeu. — Vocês se
casam logo, porque eu não aguento mais esses desencontros. Antes que algo
mais aconteça para separá-los, casem-se. Aos olhos de Deus e da Rainha,
sejam marido e mulher. Depois, fazemos uma cerimônia em São Jorge. O que
acham?
— É uma ideia muito boa, milady.
— Eu só tenho boas ideias. — Agatha riu. — E agora não me chame mais
de lady, Elizabeth… eu serei sua cunhada, trate-me como igual.
Não seria fácil para que ela se acostumasse. Por anos, Elizabeth não foi nada
além de uma plebeia. Uma criada. Sem dinheiro, sem título, sem qualquer
possibilidade de ascender na burguesia por ser uma viúva com duas crianças.
Mas ali, recebendo os cumprimentos dos criados de Thanet Bay, ela
considerou que talvez não precisasse se acostumar. Que ela possivelmente
estabeleceria uma nova forma de se tratar os empregados. Ao menos na
Trowsdale House ou nas outras propriedades do seu futuro marido.
Depois do jantar, que ela desfrutou à mesa com o duque, Lady Agatha e
seus filhos, ela foi conduzida pela camareira Mary até os seus aposentos. Eles
ficavam no segundo andar, ao lado do quarto ducal. Os meninos foram
acomodados no quarto da frente, um em cada cama.
Era a primeira vez que eles dormiriam em um colchão que não fosse feito
de palha ou capim. Também era a primeira vez que eles teriam uma roupa de
cama combinando e mais de um travesseiro. A alegria nos olhos de Peter fez
com que os olhos dela ficassem úmidos. Elizabeth quase nunca chorava na
frente dos filhos mas, naquele momento, era permitido. Quaisquer lágrimas
que rolassem por sua face seriam de alegria e júbilo.
Depois que os dois estavam adormecidos, ela se recolheu para tomar um
banho e descansar. Fora um dia intenso. As emoções ainda não estavam bem
organizadas dentro de si. Ela estava apaixonada. Amava Aiden Trowsdale,
aceitara que não poderia tê-lo, e então ele a pediu em casamento no meio de
metade das jovens damas da sociedade inglesa.
Talvez ela devesse ter recusado. Aquele casamento faria mal para os
negócios, ou para a imagem de Aiden na sociedade. Mas ela não quis recusar.
O duque sabia bem o que estava fazendo. Ela o queria e, se ele a aceitava
como ela era, então eles se casariam.
Divagando em memórias recentes, Elizabeth recostou a cabeça na borda
da banheira e fechou os olhos. Abriu-os subitamente ao sentir o toque dos
lábios de aiden em seus ombros.
— Desculpe, não queria te assustar. — Ele acariciou os cabelos dela com
cuidado.
— Como entrou aqui? Estou tão distraída que não ouvi a porta?
— Os quartos são conjugados. — O duque beijou-a novamente. No
pescoço, mordiscando o lóbulo da orelha. — Acha que eu colocaria minha
futura esposa para dormir longe de mim? Fora do meu alcance?
Ela riu.
— Eu esperava que não. Mas, Aiden, eu ainda não posso…
— Nem eu vou. — O duque se levantou e indicou que ela deveria fazer o
mesmo. Havia uma toalha branca e felpuda em suas mãos. Elizabeth se
deixou envolver pelo tecido e pelos braços fortes e desnudos do seu futuro
marido.
Seria mais fácil se acostumar com toda a pompa da riqueza do que com
Aiden como seu marido. Ele era lindo. Másculo. Íntegro, educado, bondoso.
Tudo aquilo reunido em um homem só. E era exclusivamente dela.
— Eu só quero te abraçar e passar a noite ao seu lado, Elizabeth. —
Aiden murmurou nos ouvidos dela enquanto a enxugava. — Eu quero
acordar com você e ter certeza que você estará aqui durante o dia.
— Depois que você me trouxe de Greenwood Park, acho que estou sem
opções de lugar para ir.
Ela tentou brincar, mas ele falava sério. Os olhos de obsidiana que a
fitavam indicavam que Aiden estava tenso. A rigidez dos seus músculos,
também.
— Nunca mais me deixe.
Foi o que ele conseguiu dizer antes de beijá-la intensamente.

Todos os jornais de fofocas de Londres publicaram sobre o pedido de


casamento feito pelo Duque que Shaftesbury à sua governanta. Não houve
folhetim que não exibisse uma caricatura grotesca de uma mulher odiosa que
carregava um pobre nobre pelo cabresto. Dois exemplares foram entregues na
residência em Thanet Bay, mas não havia ninguém para se incomodar com
eles.
Desde cedo, Elizabeth e Lady Agatha foram para a vila. A estilista teria
muito trabalho para produzir um vestido de noiva adequado ao casamento de
uma duquesa. As duas sabiam que não seria nem exclusivo nem luxuoso.
Mas tinha que ser um vestido perfeito.
— Não pode ser branco. — Elizabeth lembrou. — Nenhuma cor
extravagante. Talvez amarelo. Ou dourado? Não, eu ficarei muito pálida. Mas
não quero usar rosa nem azul.
— Talvez seja melhor deixar que eu ajude a escolher. — A estilista
sugeriu, revirando seus cabides de vestidos. — Todas essas peças aqui foram
usadas apenas uma vez. Com uma rápida reforma, podem ficar perfeitas.
Ela colocou os vestidos na frente de Elizabeth. Contando com a opinião
sempre bem vinda de Lady Agatha, o escolhido acabou sendo um modelo
pouco rebuscado e em um tom de dourado que combinaria com os cabelos da
noiva.
Os ajustes durariam boa parte do dia. Tempo suficiente para que alguns
criados enfeitassem a capela da vila e para que Aiden terminasse de organizar
os documentos para o casamento. Às seis em ponto, com o sol querendo se
por no horizonte de Kent, algumas pessoas se reuniram para celebrar o
matrimônio do duque com a plebeia.
Só que, naquele momento, Elizabeth não se sentia plebeia. Nem nobre.
Nenhum título ou origem de nascença era significativo quando ela
caminhava, lentamente, ao som de violinos, na direção de Aiden Trowsdale.
Ela era apenas uma mulher. Apaixonada, realizando um sonho, ela seguia na
direção do homem que amava. Era apenas o que importava.
Peter e Patrick vinham à frente e estavam radiantes de participar do
casamento da própria mãe. Os convidados se resumiam a Lady Agatha, o
Conde de Cornwall e seus irmãos, alguns arrendatários e criados. Todos
deveriam poder participar daquele momento e compartilhar com ela a sua
felicidade.
O duque a recebeu com as mãos trêmulas. Ele sorria e ela não se
lembrava de tê-lo visto tão espontâneo - e tão nervoso. Usava calça preta,
camisa branca de linho, colete dourado com bordados e uma casaca preta
abotoada à frente. Os botões também eram dourados, mas nada reluzia como
o seu olhar.
— Você é a única pessoa capaz de me fazer tremer, Elizabeth. — Ele
beijou-a nos dedos enluvados. — Não sei se isso é bom ou ruim.
— É bom que eu seja a única.
O pároco conduziu uma cerimônia simples. Eles trocaram alianças,
assinaram documentos e foram abençoados. Como aquele seria um
casamento de duas partes, teriam que segurar os momentos dos votos. Só que
seu marido não era dado a simplicidades.
— Sei que esse não é o momento. — Ele disse, antes de saírem da capela.
— E que prometi a Elizabeth que não teríamos votos. Mas eu preciso falar
alguma coisa agora. Se os jornais desejarem publicar sobre o duque mais
propenso a escândalos da Inglaterra se casando, então espero que publiquem
tudo.
Aiden virou-se para ela. Elizabeth não imaginava o que ele diria e desejou
bater nele. Era injusto que o duque decidisse mudar o que combinaram
porque ela não tinha preparado nenhuma fala.
— Elizabeth. — Ele a tocou na face e segurou-a pelas mãos. — Eu fui
criado de forma pouco convencional e tive, durante toda a minha vida,
aversão aos moldes da sociedade britânica. Ao contrário de você, que foi
criada para ser uma dama. Não apenas uma dama, mas a melhor delas. O
destino nos obrigou a cruzar caminhos e contrair uma doença fatal foi a
melhor coisa que me aconteceu em toda a minha vida. — Alguns dos
presentes seguraram o riso. — Sei que demorei demais para entender meus
sentimentos. Mais ainda para entender que eu não ligo a mínima se você não
tem sangue azul ou dotes. A nobreza que meu nome carrega é escrava do
amor que sinto por você. Obrigado por me mostrar que pessoas como eu
podem merecer pessoas como você. E que um duque também tem o direito de
se casar por amor.
Ela também estava tremendo quando ele terminou de falar. A pequena
capela estava em silêncio, esperando. Aiden passou o polegar pelos olhos
úmidos da sua esposa e a beijou. Era bem provável que sim, Elizabeth
poderia se acostumar a ser amada por ele.
Epílogo

Londres, dezembro de 1891


A NEVE que caía do lado de fora deixava o Natal mais bonito, mas as ruas de
Londres estavam geladas. Elizabeth passara o dia fora com o marido e os
filhos. Eles visitaram várias casas e instituições de caridade e recolheram
pessoas que estavam vivendo nas ruas. Distribuíram presentes e garantiram
uma refeição quente, calefação e cobertores para muitas famílias miseráveis.
Aiden Trowsdale sempre foi um benfeitor, um homem que fazia a
caridade e compartilhava seus bens. Depois que conheceu Elizabeth, ele
passou a ser um dos nobres mais dedicados a melhorar a vida das pessoas. E
eles estavam casados há poucos meses.
Quando retornaram para a Trowsdale House, naquele dia vinte e quatro
de dezembro, estavam certos de terem tornado o Natal de parte dos cidadãos
londrinos mais alegre e aquecido. As crianças correram para a frente da
lareira e foram recebidas pela tutora, Sra. Cunningham. Ela tinha chocolate
quente e biscoitos para um lanche.
— É uma pena que Agatha não esteja conosco. — Elizabeth lamentou,
sentando-se no sofá de veludo estampado que guarnecia a sala de estar. — Eu
gostaria muito de passar nosso primeiro Natal em família.
— Também sinto falta dela, mas Agatha precisava voar. Ela vai retornar
mais experiente e provavelmente pronta para sossegar com um bom
casamento.
Lady Agatha estava nos Estados Unidos da América com duas primas e
Moira. Ela havia pedido para sair e conhecer o mundo logo depois do
casamento de Aiden, alegando que ele não precisava mais dela para manter a
cabeça no lugar.
Elizabeth deu dois tapinhas no sofá, indicando que o duque deveria se
sentar ao lado dela. Eles continuavam não sendo como todo casal tradicional
da nobreza, pois sempre demonstravam afeto público e não cansavam de
declarar seus sentimentos.
— Você poderia parar de insistir em casar a sua irmã. Quando o homem
certo aparecer, ela saberá reconhecê-lo.
— Assim como você me reconheceu imediatamente?
Ela riu e ele a beijou. Peter pulou no meio dos dois e atrapalhou o
momento.
— Podemos abrir os presentes?
— Devemos abri-los na manhã, quando já for Natal. — Elizabeth decidiu.
— Então podemos abrir alguns presentes? Por favor, eu quero muito abrir
presentes agora.
Claro que ele queria. O menino nunca tivera um Natal. Desde que
nascera, as privações impediram que Elizabeth desse a eles uma celebração
condigna com o evento. Não tinham árvore decorada, nem jantar típico, nem
presentes.
— Creio que algumas caixas possam ser abertas. — O duque segurou
Peter em seu colo. — Diga, quais você acha que são para você?
O grande pinheiro decorado estava em um canto da sala, enfeitado com
bolas e guirlandas. Havia tantas caixas com laços embaixo dele que era
impossível ver a base.
— Os que têm meu nome escrito?
— Parece que você é mais esperto do que eu pensava. — Aiden levantou-
se com Peter ainda em seus braços. A cena fez com que Elizabeth sentisse o
coração ainda mais aquecido. Toda vez que ele dizia que a amava, ela se
apaixonava um pouco mais. Mas, quando demonstrava carinho por seus
filhos, ela tinha vontade de agarrá-lo e beijá-lo no meio de todo mundo. —
Escolha duas caixas e abra-as. Patrick pode fazer o mesmo.
O menino mais velho era menos dado a demonstrar afeto, mas não
hesitou em sair de onde estava para escolher os presentes que gostaria de
abrir. Aiden voltou para o lado da esposa segurando uma caixa de veludo nas
mãos.
— Esse é seu.
— Achei que tínhamos combinado não trocarmos presentes. — Ela pegou
a caixa e abriu. Havia um vidro de perfume dentro.
— Eu sei, mas não resisti. Essência de gardênias.
Peter voltou para o lado deles. Elizabeth sabia que o filho era
impertinente sempre que os dois estavam juntos por sentir ciúmes. Mas
Aiden tinha muita paciência com ele e nunca se aborrecia com seus excessos.
— Esse é meu presente para você. — O menino entregou um papel
colorido ao duque. — Um desenho da família, eu que fiz.
— Excelente. Vamos descobrir quem são todos.
Aiden foi apontando os desenhos um a um e confirmando. Havia
representações dele, de Elizabeth, dos meninos, do gato e do cachorro. E
havia um personagem a mais naquele desenho, que o duque não conseguiu
identificar. Seria outro dos animais de rua que Peter insistia em recolher?
Elizabeth não falou nada. No instante em que ela viu o desenho na mão
do filho, já sabia que o segredo que ela vinha guardando para aquela ocasião
seria revelado prematuramente.
— Quem é esse, Peter? — Aiden perguntou. — Outro gatinho?
— Não. Esse é o bebê que mamãe está esperando.
Ele respondeu com um largo sorriso. Aiden olhou para a esposa, que o
fitava com a expressão de culpa.
— Bebê?
— Eu pretendia contar amanhã. — Ela zombou. — Parece que também
tenho um presente de Natal para você.
O duque se levantou e segurou Elizabeth nos braços. Abraçou-a com
cuidado, mesmo que desejasse espremê-la contra seu peito.
— Tem certeza?
— Absoluta. Estou bastante atrasada e já estive em uma consulta com um
médico. Você vai ter um herdeiro, Aiden Trowsdale.
Aquele era o melhor presente de Natal que ele nem poderia esperar. Sem
se preocupar com a presença das crianças e dos criados, o duque segurou a
face de Elizabeth nas mãos e a beijou. Tomou a boca dela com volúpia,
procurou sua língua, fez com que os corpos se ajustassem para aumentar o
contato entre eles.
— Você terminou de ler o livro que te emprestei? — Ele perguntou,
subitamente, interrompendo o beijo. Ela demorou alguns segundos para
entender a pergunta e depois para lembrar a resposta.
— Com todos os acontecimentos dos últimos meses, não. Por quê?
— Eu queria saber se eles tiveram um final feliz.
— Finais felizes são apenas para livros, meu marido. — Ela o beijou
novamente. — Não servem para pessoas como nós.
— Então você acha que não seremos felizes?
— Claro que seremos. — Elizabeth passou as mãos pelos cabelos escuros
do duque. Ela adorava a maciez daquele toque. — Nós não teremos um final.
Os sinos da capela em Mayfair bateram indicando as seis horas. Um coral
de crianças cantava na rua, em frente a Trowsdale House, preenchendo a sala
com vozes infantis. Os meninos correram para a porta para ver. O duque
encarou sua duquesa com os olhos de meia noite que tanto a encantavam e a
segurou em seus braços.
— Eu te amo, Aiden Trowsdale.
E não havia nada com que ela sonhasse mais do que se casar com o amor
da sua vida.
Notas

2. Capítulo segundo

1 Esse não é um evento histórico confirmado. Foi inserido para justificar o temor das
pessoas em uma nova epidemia.
Cena extra
NOITE DE NÚPCIAS

C OM E LIZABETH DE RESGUARDO , os recém-casados não puderam consumar o


casamento. Não que eles precisassem, pois já tinham consumado o amor
várias vezes antes de contraírem núpcias. Mas as regras precisavam ser
cumpridas.
Eles estavam em Londres. Apenas uma mês depois de se casarem na
capela da vila em Kent, foram para a capital para tratar de assuntos de
interesse do duque e agilizar alguns preparativos para o casamento na Igreja
de São Jorge. Os meninos ficaram em Thanet Bay aos cuidados dos criados.
Era a primeira vez que Elizabeth conheceria a Trowsdale House em Mayfair.
A casa do Duque de Shaftesbury era então a sua casa. Os empregados
receberam a nova duquesa com entusiasmo. Ficaram um pouco chocados
quando ela dispensou uma camareira para ajudá-la a tomar banho e se vestir.
Ela ainda não tinha se acostumado novamente aos vestidos que começaria a
usar e a ter criados à sua disposição para fazer as coisas que ela sempre
sozinha.
— Você precisa visitar uma estilista. — Aiden disse. Eles estavam nos
aposentos ducais, depois de jantarem em casa. Como era esperado, a nobreza
virou as costas para o Duque de Shaftesbury. As fofocas se intensificaram e
alguns convites para eventos sociais foram retirados. Apenas os amigos mais
antigos e os burgueses, sem sangue azul, mantiveram o mesmo
relacionamento de antes.
Elizabeth temia que aquilo tudo afetasse Lady Agatha e atrapalhasse um
casamento. Mas a lady sozinha dava conta de destruir suas chances de
arrumar um bom marido, preferido viajar pelo continente a frequentar a
próxima temporada londrina.
— Sei que preciso, mas não tenho nenhuma vontade. — Ela pediu ajuda
ao marido para desabotoar o vestido e retirar o espartilho. Desde que
conhecera Elizabeth, uma das coisas que mais dava prazer ao duque era
despir sua esposa. — Adoro os vestidos lindos e cheios de camadas, mas
estou tão acostumado às roupas mais simples que…
— Você pode usar a roupa que quiser. — Aiden beijou-a nos ombros que
acabara de desnudar. — Ou não usar roupa alguma, o que é ainda melhor.
Ele a virou para si e reivindicou a sua boca. Elizabeth desmontou nos
braços do marido, recebendo com satisfação a língua que procurava uma
abertura em seus lábios.
— Em Londres eu preciso me portar de forma adequada. — Ela
murmurou sem descolar a boca da dele. — Já arruinei sua vida social, se me
vestir como uma plebeia miserável, nunca vão parar de nos julgar por
ficarmos juntos.
— Shhhh. — Aiden a silenciou com um beijo intenso. O vestido que ela
usava já estava no chão, embolado em uma pilha aos pés deles. O duque
ainda trajava suas calças e a camisa branca de linho. — Diga-me, o doutor
Davies pediu quanto tempo de resguardo?
Elizabeth afastou-se alguns centímetros e segurou a face do marido nas
mãos. A expressão dele confundia desejo com antecipação.
— Trinta dias.
— Trinta dias da data do nosso casamento ou trinta dias de quando…
Sem conseguir terminar a frase, Aiden deixou no ar sua dúvida.
— O prazo dele acabou ontem.
O duque entendeu que ela estava zombando dele. Homens apaixonados
não eram razoáveis, principalmente se estavam a tanto tempo sem poder fazer
amor com suas esposas. Eles estavam casados, por Deus, e ele ainda não
pudera fazer com ela tudo que desejava.
Naquele instante o duque segurou sua esposa nas mãos e a jogou sobre a
cama. Saber que podia amá-la sem causar riscos à sua saúde despertou nele
toda devassidão contida. E Elizabeth adorava a versão devassa do marido.
Nua e esparramada sobre os lençóis, ela o observou abrir os botões da
camisa e arrancá-la pela cabeça. Depois, abrir a calça e descartá-la no chão
do quarto. Ela adorava ainda mais vê-lo despido e se dar conta do quanto o
corpo dele demonstrava o desejo por ela.
— Minha duquesa, agora que somos casados eu prometo que não terei
nenhuma restrição. Eu quero fazer amor com você a noite inteira, se me
permitir. E cada vez eu serei mais ousado, sendo que cada vez você gostará
mais.
— Tem como ser mais ousado do que…
Ela se surpreendeu. Recordou as vezes em que ele a beijara em sua
feminilidade, usando a língua para penetrá-la e conceder-lhe prazer. Para ela,
aquela era a coisa mais absurda que um homem poderia fazer com uma
mulher. Na cama. E estava enganada.
— Pode ter certeza que tem. — Ele riu. — Mas não se preocupe. Eu só
farei o que você gostar, e farei bem feito.
Claro que ele faria. Aiden era um amante espetacular e ela duvidava que
outro homem fosse capaz de proporcionar tanto prazer a uma mulher.
Dizendo aquilo, o marido subiu na cama e a beijou. Colocou uma perna entre
as dela, fazendo-a se abrir para receber seus dedos habilidosos.
Sempre que ele a beijava daquela forma, o turbilhão de sensações quase
naufragava Elizabeth em mar aberto. Ela se sentia tão à deriva das emoções e
dos sentidos que mal conseguia perceber algo que não fosse o toque dele. Os
lábios dele nos dela. A língua procurando a dela. Os dedos abrindo-a em sua
intimidade e circulando seu botão rosado até fazer com que ele inchasse.
A carência de contato mais íntimo fez com que os dois estivessem muito
ansiosos por alívio. Cobrindo-a com seu corpo musculoso, o duque forçou
espaço entre as pernas da esposa e a penetrou devagar. Encostou a testa na
dela e moveu os quadris uma vez, duas vezes, tão lento que parecia estar
sendo muito difícil se controlar.
Até que ele se soltou e passou a investir contra ela. Forte. Profundo. Ele
tinha o ritmo que a levaria a loucura e foi assim que Aiden seguiu até que
Elizabeth se entregasse à libertação do orgasmo. Não levaram duas estocadas
para que ele buscasse o próprio alívio dentro dela.
Foi rápido, mas ele tinha prometido mais.
— Céus. Depois de tanto tempo, não sei como resisti tanto.
Ele riu, puxando-a para si. Elizabeth recostou em seu peito nu e suado,
sentindo as gotículas de suor lhe umedecerem a pele. Ela também estava
exaurida.
— Espero nunca mais precisar passar tanto tempo sem você, Elizabeth.
— O duque beijou seus cabelos. — Estou embriagado pelo desejo e pela
paixão, sem você eu passo o tempo contando as horas para estar com você.
Sou um empreendedor inútil, uma vergonha para os homens.
— Não há qualquer vergonha em amar. — Ela se apoiou nos cotovelos e
o encarou. Havia tanta sinceridade no escuro profundo daqueles olhos que ela
não tinha como duvidar do quanto ele a amava. Era real. — Eu estava prestes
a aceitar uma vida de imoralidade porque amo meus filhos e porque amo
você de tal forma que seria capaz de vender minha alma ao diabo se isso
fosse fazer com que fôssemos uma família. Mesmo que não fôssemos.
— Eu sinto muito por tê-la feito passar por isso. — Aiden beijou-a na
boca. — Mas agora você é a minha mulher. E eu nunca deixarei que se
esqueçam disso, ou que você se esqueça do quanto eu te amo.
Elizabeth sorriu. Ela poderia ouvi-lo dizer que a amava o tempo todo,
porque era quase tão prazeroso quanto o sexo. Quase.
Deixou que seus dedos passeassem pelo corpo do marido e seguissem a
trilha que conduzia até seu pênis. Aiden soltou um gemido ao senti-la
tocando-o enquanto ainda estava recuperando as forças.
— Você prometeu ser muito devasso essa noite.
Ela o encarou com um brilho indecente no olhar. Sim, ele seria o mais
despudorado dos maridos e Elizabeth estava pronta para se tornar a mais
corrompida das esposas.
Um Conde para Curar meu Coração

A jovem Lady Agatha Trowsdale não


gosta de frequentar as temporadas sociais
em Londres e não está muito preocupada
em conseguir um marido. Mesmo
correndo o risco de se tornar uma
solteirona, ela decidiu viajar para as
Américas logo após o casamento de seu
irmão para passar algum tempo
conhecendo o mundo, mas retornou
meses depois com um segredo que estava
acabando com sua paz e sua sanidade.
Enquanto isso, o Conde de Cornwall
foi abandonado por sua noiva, que
rompeu o noivado para aceitar a proposta
de casamento de um nobre francês.
Irritado e desapontado, o conde
estabeleceu que vai se casar por
conveniência, que é mais seguro negociar uma esposa do que arriscar ser
humilhado novamente.
Os dois se reencontram em um jantar na Trowsdale House e, depois de
muita bebida, se envolvem em um escândalo de proporções inimagináveis.
Lady Agatha tem a opção de aceitar um casamento arranjado e às pressas
para salvar sua reputação e não arruinar definitivamente suas chances de
conseguir um bom marido.
No segundo livro da série Amores em Kent, Lady Agatha e o conde
Edward McFadden são confrontados por suas decisões equivocadas e
precisam aprender a lidar com os problemas sem se matarem no processo.

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Sobre a autora

Tatiana Mareto é sagitariana, gosta de se


comunicar, adora transformar sentimentos em
palavras. Mora em Cachoeiro de Itapemirim, é
professora e advogada e começou a escrever aos
doze anos, sendo autora de diversos textos não
acabados, muitas poesias não publicadas e alguns
originais empoeirados. Inspira-se com música e
tem uma trilha sonora para todos os capítulos –
das suas histórias e da sua vida. Se apaixona com
facilidade pelos próprios personagens e
coleciona crushes literários.
Outros livros da autora

Fúria e Redenção
Queda e Redenção
A Patricinha e o Milionário
Jogos de Adultos
Paixão em um Verão
Paixão em Jogo
Dezembro
Sequestrados
O Segredo de Esplendora - A Origem
O Segredo de Esplendora - Ascensão
O Segredo de Esplendora - O Poder

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