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Sumário

Apresentação

parte i — luxo eterno, luxo emocional


por Gilles Lipovetsky
1. O sagrado, o Estado e o luxo
2. Luxos modernos, luxos pós-modernos
3. A feminização do luxo
4. O luxo e o sexto sentido

parte ii — tempo do luxo, tempo das marcas


por Elyette Roux
1. O luxo entre prestígio e mercado de massa
2. Evoluções progressivas das significações do luxo
3. Marca de luxo: legitimidade e identidade
4. Luxo e tempo das marcas

Anexos: tabelas e referências


Notas
Apresentação

Este livro é composto de dois ensaios escritos por autores dos quais nem
as problemáticas nem os objetos de estudo são exatamente similares. Um
livro, dois enfoques. Um pretende ser uma interpretação histórico-social, o
outro, uma abordagem semiótica e de marketing do luxo; o primeiro adota o
ponto de vista da longuíssima duração, o segundo concentra-se na
identidade das marcas e em sua gestão no tempo. Tanto um como o outro,
os ensaios aqui apresentados conservam seu “espírito” próprio, mais ou
menos ligado a uma tradição teórica ou a uma disciplina. Não procuramos
transmitir uma mensagem comum, tendo cada um de nós levado o caminho
tão longe quanto seu campo e problemática específica lhe permitiam. Os
pontos de junção existem: caberá ao leitor notá-los e julgá-los.
Tomemos um pouco de distância histórica. Como se sabe, em suas
primeiras expressões, o pensamento sobre o luxo construiu-se e
desenvolveu-se em função de objetivos éticos e moralizadores. Para a maior
parte das escolas filosóficas gregas e até as Luzes, o luxo, porque sinônimo
de artifícios, de excessos e de vaidades, não pode senão levar à inquietude
da alma e afastar-nos das alegrias da simplicidade, da independência, da
força interior. Tornando os homens infelizes por uma corrida sem fim para
os falsos prazeres, amolecendo o corpo e o espírito, o luxo é, além do mais,
responsável pela corrupção dos costumes e pela queda das cidades.
Incompatível com a felicidade, acarretando a decadência dos povos, foi a
crítica moral que comandou a análise do luxo até o século xviii, momento
em que surgem as primeiras apologias modernas do supérfluo e da riqueza.
Com a emergência da sociologia e da etnologia, um paradigma
inteiramente diferente vem à luz, substituindo o projeto filosófico-moral
pela ambição científica de conceitualização das lógicas sociais que
organizam os consumos exagerados e prestigiosos. São colocadas em
primeiro plano as regras coletivas que prescrevem o dispêndio ostensivo, os
processos de pretensão, de imitação e de distinção social que servem de
base ao seu funcionamento. As teorias do luxo são então centradas nos
mecanismos da procura e nas lutas simbólicas travadas pelas classes sociais.
Sob muitos aspectos, continuamos nesse mesmo ponto, tendo o pensamento
dominante sobre o luxo permanecido “imutável” a despeito das subversões
cruciais que se produziram na ordem do real histórico. Essa grade de leitura
atinge manifestamente os seus limites. As mudanças acontecidas são tais
que se tornou imperativo proceder a um descentramento teórico, a uma
ampla retificação dos modelos interpretativos que fazem da lógica distintiva
o alfa e o ômega do fenômeno.
Há mais. A nova cultura que se impõe é acompanhada por uma nova
economia do luxo. Nesse contexto, as marcas, sua concepção—
comunicação—distribuição adquiriram uma superfície e uma significação
novas que é importante decifrar atentamente caso se queira compreender o
que se passa de inédito no universo dos bens preciosos. No momento do
crescimento do luxo de marketing, convém mais do que nunca examinar,
em paralelo ou em conjunto com as metamorfoses da procura, as estratégias
da oferta no que elas têm de específico: daí a leitura de marketing do
fenômeno que se encontrará nesta obra.
Tal como aparece em seu conjunto, este livro apresenta sem nenhuma
dúvida muitas imperfeições e insuficiências. Alguns o julgarão
“estratosférico” demais, considerando a ambição globalizante afirmada aqui
impossível de realizar nos limites estreitos de um ensaio. Outros deplorarão
o espaço excessivo concedido ao ultracontemporâneo do mercado e das
estratégias de marcas. O leitor talvez seja surpreendido pelas discordâncias
de ótica, pela justaposição de reflexões antropológicas e de interpretações
de marketing, do mais distante e do mais próximo, do estrutural e do
efêmero, do teórico e do empírico. Contudo, não é certo que o que é perdido
em homogeneidade não seja ganho em inteligibilidade. Esta é a aposta deste
livro. As mutações em curso são tão profundas que o cruzamento das
perspectivas e das temporalidades nos pareceu um bom “método” para
restituir oxigênio a esse objeto de estudo, para melhor destacar os novos
dispositivos do luxo, essa esfera em que agora coabitam paixões
“aristocráticas” e paixões democráticas, tradição e inovação, tempo longo
do mito e tempo curto da moda, essa esfera paradoxal em que, como dizia
Baudelaire em Le Peintre de la vie moderne [O pintor da vida moderna], o
eterno é tirado do transitório.
parte i
luxo eterno, luxo emocional
Gilles Lipovetsky
Não tenho nenhum gosto particular pelo luxo. Apenas o de pensá-lo.
Por certo, nada de original nisso, a tal ponto a questão provocou uma
longa e venerável tradição de pensamento, que se inaugura com a filosofia
grega, encontra sua apoteose no século xviii com a famosa “querela do
luxo” e prolonga-se no século seguinte com as problemáticas sociológicas.
De Platão a Políbio, de Epicuro a Epicteto, de Santo Agostinho a Rousseau,
de Lutero a Calvino, de Mandeville a Voltaire, de Veblen a Mauss, durante
25 séculos o supérfluo, a aparência, a dissipação das riquezas jamais
deixaram de suscitar o pensamento de nossos mestres.
Se me pareceu necessário reabrir o dossiê e acrescentar uma modesta
pedra a um edifício que continua a ser, e muito, fonte de reflexão, isso se
deve às mudanças cruciais acontecidas nas últimas duas décadas na cena do
luxo. De agora em diante, esta, sem dúvida não totalmente diferente, já não
é mais exatamente a mesma. As transformações em curso são de tal
amplitude que a exigência de um novo exame do fenômeno se impõe.
O novo é lido, em primeiro lugar, no peso econômico das indústrias de
luxo. A época recente foi testemunha de uma forte expansão do mercado do
luxo, sendo este estimado em 2000, no plano mundial, em
aproximadamente 90 bilhões de euros (estudo Eurostaf). Ainda assim, essas
cifras estão longe de revelar o estado do mercado considerado em sua
totalidade, pois não integram os números relativos ao setor do automóvel
top de linha. Quanto a isso, assinalemos apenas que, em 2001, a Mercedes,
a bmw, a Audi e a Porsche realizaram um montante de negócios que se
eleva, respectivamente, a 47,7, 33,5, 22 e 4,4 bilhões de euros. Apesar de
certas dificuldades conjunturais, muitos estudos prospectivos prometem um
belo futuro ao luxo; a emergência de novas classes abastadas, a
globalização e a abertura da lista dos países relacionados com o consumo de
luxo constituem tendências geradoras de um forte potencial de
desenvolvimento do setor: o Japão é agora o primeiro mercado do mundo
para as marcas de luxo, o país realiza isoladamente um terço do montante
de negócios do setor.
Há bem mais do que uma nova superfície econômica. Desde mais de uma
década, o setor do luxo passa por uma verdadeira mutação organizacional,
tendo as pequenas empresas independentes e semi-artesanais cedido lugar
aos conglomerados de dimensão internacional, aos grupos multimarcas que
aplicam, embora não exclusivamente, métodos e estratégias que provaram
seu valor nos mercados de massa. O lvmh, primeiro grupo mundial de
marcas de luxo, realizou um montante de negócios de 12,2 bilhões de euros
em 2001, apoiando-se em 51 marcas presentes em 65 países. No mesmo
ano, o montante de negócios do grupo Estée Lauder elevava-se a 4,6
bilhões de dólares, o do Pinault—Printemps—Redoute (luxo) a 2,5 bilhões
de euros. Anuncia-se uma nova época do luxo, marcada pela aceleração dos
movimentos de concentração, pelas fusões, aquisições e cessões de marcas
em um mercado globalizado. O momento é o da financeirização do setor,
sem que por isso desapareçam os imperativos específicos de criatividade e
de excelência dos produtos. O mundo do luxo que se desenha aparece,
assim, como uma síntese inédita e antinômica de lógica financeira e de
lógica estética, de imposições de produtividade e de savoir-faire tradicional,
de inovação e de conservação da herança. Tensões estruturais que
asseguram seu sucesso e desenvolvimento.
Antigamente reservados aos círculos da burguesia rica, os produtos de
luxo progressivamente “desceram” à rua. No momento em que os grandes
grupos apelam a managers oriundos da grande distribuição e treinados no
espírito do marketing, o imperativo é de abrir o luxo ao maior número, de
tornar “o inacessível acessível”. Em nossos dias, o setor constrói-se
sistematicamente como um mercado hierarquizado, diferenciado,
diversificado, em que o luxo de exceção coexiste com um luxo
intermediário e acessível. Esfera daí em diante plural, o luxo “estilhaçou-
se”, não há mais um luxo, mas luxos, em vários graus, para públicos
diversos. Por isso, ao menos ocasionalmente, o luxo aparece como um bem
ao alcance de quase todos os bolsos: segundo um estudo do instituto Risc,
mais de um europeu em dois comprou uma marca de luxo ao longo dos
doze últimos meses. De um lado, reproduz-se, em conformidade com o
passado, um mercado extremamente elitista; do outro, o luxo enveredou
pelo caminho inédito da democratização de massa.
Ao mesmo tempo, a visibilidade social do luxo cresceu fortemente. Em
primeiro lugar, pelo efeito “mecânico” do aumento do número de marcas de
luxo presentes no mercado: enumeravam-se, no mundo, 412 na metade dos
anos 1990. Em seguida, pela intensificação do investimento publicitário e,
mais amplamente, da midiatização das marcas de luxo. Enfim, assiste-se à
extensão das redes de distribuição de que dão testemunho a uma só vez a
abertura acelerada de butiques exclusivas, os “corners” reservados às
grandes marcas nos grandes magazines seletivos, as novas megastores (1,5
mil m2) dedicadas ao perfume e à beleza, as cadeias de perfumaria seletiva:
em 2001, a marca Sephora incluía 385 magazines na Europa, setenta nos
Estados Unidos. De um lado, bem classicamente, a distribuição continua
seletiva; do outro, desenvolvem-se fórmulas de venda e conceitos de
magazines (e-commerce, parafarmácia, butiques duty free, grandes espaços
especializados) que se aproximam das técnicas da grande distribuição (auto-
serviço, referências pletóricas). Duas tendências coabitam: uma banaliza o
acesso ao luxo e o desmitifica, a outra reproduz-lhe o poder de sonho e de
atração pelas políticas de preço e de imagem.
Além disso, as expectativas e os comportamentos relativos aos bens caros
“não são mais o que eram”. Nossa época vê manifestar-se o “direito” às
coisas supérfluas para todos, o gosto generalizado pelas grandes marcas, o
crescimento de consumos ocasionais em frações ampliadas da população,
uma relação menos institucionalizada, mais personalizada, mais afetiva com
os signos prestigiosos: o novo sistema celebra as bodas do luxo e do
individualismo liberal. Mutações que convidam a reconsiderar o sentido
social e individual dos consumos dispendiosos, bem como o papel
tradicionalmente estruturante das estratégias distintivas e dos afrontamentos
simbólicos entre os grupos sociais.
É realmente uma nova cultura do luxo que cresce sob os nossos olhos.
Ela era apanágio de um mundo fechado, e hoje vemos desenvolver-se o
culto de massa das marcas, a difusão das cópias, a expansão da falsificação,
que é estimada em 5% do comércio mundial. Ao antigo universo em
surdina sucedem a hipermidiatização das grandes casas, a “estrelização”
dos chefs cozinheiros e dos grandes designers, a proliferação das obras
sobre os criadores, os produtos finos e a história dos mais “belos objetos”.
Enquanto os nomes das marcas mais prestigiosas são exibidos nos muros da
cidade, o luxo e a moda invadem os programas de televisão e a internet. Lá,
onde se impunha uma discrição um pouco solene, multiplicam-se
campanhas publicitárias marcadas por um espírito humorístico ou
“transgressivo”. Aos olhos da geração precedente, o luxo “parecia
envelhecido”, agora parece “absolutamente moderno”, no impulso da
reabilitação do antigo, do “retorno dos verdadeiros valores”, do vintage, da
inflação do memorial e do “autêntico”. De um lado, intensifica-se a sede
das novidades, do outro vêem-se aprovados os “sem idade”, a herança, as
grandes marcas históricas. Tudo o que ontem figurava como conformismo
empoeirado — os cruzeiros, os rituais da nobreza, os grandes bailes e os
lambris dourados — é beneficiado por uma nova valorização. A época deu
meia-volta: eis-nos tomados pelas paixões ao patrimonial e ao que não está
sujeito a sair de moda, por toda parte são celebrados as tradições, a
continuidade, os “lugares de memória”. A consagração contemporânea do
luxo é acompanhada por uma nova relação com a herança, por uma
valorização inédita do passado histórico, pelo desejo pós-moderno de
reconciliar criação e permanência, moda e intemporalidade.
À luz de todos esses fenômenos é difícil abrir mão da idéia de que
assistimos a uma verdadeira mudança de época: começou uma nova idade
do luxo que constitui sua segunda modernidade. O texto a seguir deseja
lançar alguma luz sobre os mecanismos e as forças que servem de base à
economia geral dessa mutação.

Pensar o dispositivo historicamente inédito do luxo: isso podia ser


encarado de duas maneiras diferentes. Seja permanecendo o mais próximo
possível dos fenômenos, seja, ao contrário, tomando distância a fim de
oferecer uma visão mais panorâmica que microscópica do que mudou. Foi
essa segunda opção que eu escolhi, considerando que o mergulho na
história distante era o que melhor permitia dar todo o seu sentido ao
presente. Como o luxo que se anuncia liga-se ao passado curto e distante?
Em que rompe com uma imemorial tradição? Quais são os grandes
momentos e as grandes estruturas que marcaram o curso milenar do luxo?
Propõe-se um esboço da história do luxo, do paleolítico aos nossos dias,
uma história estrutural que adota a perspectiva da longuíssima duração, a
única, a meu ver, capaz de dar ao problema sua plena respiração.
Sem dúvida, nesse caminho estamos longe de estar desprevenidos, pois
muitos estudos históricos e antropológicos de primeira linha oferecem
ensinamentos tão preciosos quanto profundos sobre os símbolos,
mentalidades e atitudes ligadas ao luxo nas civilizações do passado. Mas
não dispomos, segundo meu conhecimento, de um esquema que reponha o
novo na história universal do luxo, de um modelo que apresente as grandes
linhas de seu devir, suas etapas mais significativas, suas descontinuidades e
lógicas estruturais consideradas sob a ótica do longo prazo. É a atenuar essa
“falta” que se dedica este ensaio. Constituir uma história do presente,
estabelecer uma periodização ou, mais exatamente, um esboço de
periodização que ponha em destaque os grandes ciclos, as bifurcações e
reorientações maiores da história do luxo na escala da longuíssima duração:
assim poderia ser resumida a intenção que anima o encaminhamento deste
conjunto. Não uma história empírica, mas uma história das lógicas do luxo.
Daí o caráter inevitavelmente incompleto, talvez desequilibrado, do
resultado final, que passa ora um quadro “abstrato” pintado em alta altitude,
ora descrições de fenômenos “minúsculos” tirados do extremo
contemporâneo. “Quem tudo quer tudo perde”: quem não conhece os
perigos inerentes às interpretações amplas “demais”, sempre abusivamente
simplificadoras em relação à riqueza do concreto? Pareceu-me, contudo,
que valia a pena, que era preciso assumir tais riscos caso se quisesse
fornecer um início de inteligibilidade de conjunto ao fenômeno da aventura
humana do luxo.
Permitam-me ainda confiar-lhes algumas reflexões mais subjetivas antes
de entrar no essencial do assunto. Há muito tempo, os melhores espíritos
sublinharam o caráter universal, antropológico do luxo. “O último dos
mendigos tem sempre um nadinha de supérfluo! Limitai a natureza às
necessidades naturais e o homem torna-se um animal”, já escrevia
Shakespeare. Mas se, através do luxo, exprime-se realmente a humanidade
do homem, é de todo o homem que se trata, o homem no que ele tem de
grande e de pequeno, de nobre e de derrisório. O luxo é o sonho, o que
embeleza o cenário da vida, a perfeição tornada coisa pelo gênio humano.
Sem luxo “público”, as cidades carecem de arte, destilam feiúra e
monotonia: não é ele que nos faz ver as mais magníficas realizações
humanas, as que, resistindo ao tempo, não cessam de nos maravilhar?
Quanto ao luxo privado, não é promessa de volúpia, refinamento dos
prazeres e das formas, convite às mais belas viagens? Luxo, memória e
volúpia: é preciso ser uma alma bem sombria para fazer cruzada contra o
que é amor à beleza e sua expressão, leveza, momento de felicidade.
Mas é verdade também que a relação com o luxo nem sempre apresenta o
homem sob seu aspecto mais elevado e mais generoso. Se as obras do luxo
são admiráveis, pode-se mostrar mais reserva sobre o que motiva a loucura
de certas despesas. E o amor dirigido às coisas mais belas nem sempre
significa uma atenção tão bela para com os homens e o avesso menos
magnífico do real. Tomar a defesa do luxo? Não há mais necessidade disso,
na falta de verdadeiros adversários. E são os publicitários que se
encarregam dela melhor do que ninguém. Estigmatizar o luxo? Mas por que
se opor ao espírito de gozo? Ele não provoca nem a decadência das cidades,
nem a corrupção dos costumes, nem a infelicidade dos homens. Tanto a
apologia quanto o anátema pertencem a uma outra era: resta-nos
compreender. Prazeres dos deuses, almas simplesmente humanas: esfera
maravilhosa, mas que nem sempre escapa à insolência, espelho onde se
decifram o sublime e a comédia das vaidades, o amor pela vida e as
rivalidades mundanas, a grandeza e a miséria do homem, é inútil querer
moralizar o luxo, assim como é chocante beatificá-lo. É preciso colher o
trigo com o joio, e Deus reconhecerá os seus.
1. O sagrado, o Estado e o luxo

No começo era o “espírito”. Sem dúvida, causará um pouco de surpresa


encontrar semelhante proposição “espiritualista” como abertura de uma
reflexão cujo objeto é comumente associado a um maior materialismo. No
entanto, é a uma conclusão assim que convida a história primitiva do luxo.
De fato, é preciso desdizer essa concepção errônea que imagina os homens
de antes do neolítico como seres destinados a uma condição miserável,
acossados pelo medo de morrer de fome e de frio, consagrando a totalidade
de seu tempo à busca de um alimento raro. A antropologia forneceu uma
forte refutação a essa idéia de economia de penúria primitiva. Estamos no
direito de pensar que o luxo — ou mais exatamente, uma forma de luxo —
realmente existiu antes da domesticação das plantas e dos animais, antes da
aquisição das “artes da civilização” (tecelagem, olaria, metalurgia), antes
das grandes realezas cercadas de opulências e de esplendores. A
humanidade não passou da pobreza de todos à riqueza esmagadora de
alguns, sendo o enfeite e a festa, a largueza e o desperdício fenômenos
universalmente presentes na vida das sociedades humanas, mesmo nas
menos desenvolvidas tecnologicamente. O luxo nasceu antes que tivesse
início o que constitui, propriamente falando, a história do luxo.

arqueologia do luxo

Não há dúvida de que os pequenos grupos de caçadores-coletores do


paleolítico tenham tido um nível de vida objetivamente medíocre. Tanto
suas habitações como suas vestimentas são rústicas, e seus utensílios, pouco
numerosos. Mas, se não fabricam bens de grande valor, isso não os impede,
por ocasião das festas, de enfeitar-se e de admirar a beleza de seus
ornamentos. Além disso — e sobretudo —, de viver em uma espécie de
abundância material, de comer bastante nas festas, de gozar de tempo livre
e de uma alimentação suficiente obtida sem grande esforço. Exibindo uma
atitude de despreocupação deliberada com o amanhã, eles festejam e
consomem de uma só vez tudo o que têm em mãos, em lugar de constituir
estoques alimentares. Nada de esplendores materiais, mas a ausência de
previdência: uma mentalidade de dilapidação que prescreve consumir sem
sobra e partilhar objetos e alimentos com os membros da comunidade local.
Mesmo em situação alimentar difícil, reinam a prodigalidade e as
manifestações de generosidade, o luxo de ignorar a “racionalidade”
econômica vivendo no dia-a-dia, à larga.1 Uma ética de luxo, sem objeto
faustoso: assim é a lógica do luxo paleolítico.
O luxo não começou com a fabricação de bens de preço elevado, mas
com o espírito de dispêndio: este precedeu o entesouramento das coisas
raras. Antes de ser uma marca da civilização material, o luxo foi um
fenômeno de cultura, uma atitude mental que se pode tomar por uma
característica do humano—social afirmando seu poder de transcendência,
sua não-animalidade.
Nas sociedades primitivas mais opulentas, onde bens preciosos não
utilitários existem e são já muito cobiçados, estes são igualmente
redistribuídos de maneira constante. O fenômeno do kula na Melanésia
ilustra classicamente esse poder da troca—dádiva cerimonial nas formações
sociais selvagens.2 Os indígenas das ilhas Trobriand empreendem grandes
expedições a fim de oferecer objetos de valor (colares e braceletes de
aparato e prestígio) aos habitantes de ilhas distantes: Malinowski compara
esses bens às jóias de família européias, às jóias da Coroa. Esse tipo de
troca caracteriza-se, em primeiro lugar, por efetuar-se sob a forma de
dádivas e não de operações comerciais. Dádivas que exigem, depois de
certo lapso de tempo, dádivas recíprocas de igual valor. Essas prestações e
contraprestações obedecem a códigos precisos, obrigatórios, cerimoniais,
cercam-se de ritos mágicos e não devem em nenhum caso ser
acompanhadas por permutação ou regateio. São claramente distinguidas a
troca econômica das mercadorias úteis e a troca nobre que supõe os bens
preciosos e prestigiosos. No quadro do kula, é essencial mostrar-se grande
senhor, devendo as dádivas ser feitas com generosidade, de maneira
aparentemente desinteressada, sem preocupação de ganho material. A regra
da honra prescreve a magnificência, uma emulação inflamada na
liberalidade. É a dádiva na troca cerimonial, o espírito de munificência e
não a acumulação de bens de grande valor que caracteriza a forma primitiva
do luxo.
Nada é mais desonroso que se mostrar sovina, não dar prova de
generosidade. Todos os acontecimentos importantes da vida social são
acompanhados por ofertas cerimoniais, trocas de presentes, distribuição de
bens, dispêndios ostentatórios. A estima social e as posições prestigiosas
são ganhas à força de presentes oferecidos freqüentemente numa rivalidade
exasperada. Noblesse oblige: os chefes devem presentear constantemente,
patrocinar festas, dar grandes banquetes para conservar sua condição ou
realçar seu prestígio. Nas tribos com potlatch, os chefes ganham títulos e
honras, rivalizando em magnificência, por vezes desafiando outros chefes
pela destruição suntuária de valores consideráveis. A fim de mostrar-se
grande, de prevalecer sobre os rivais, trata-se de ser loucamente gastador,
queimar ou lançar ao mar o que há de mais precioso.3 Sobre esse ponto,
Georges Bataille não se enganara ao reconhecer no potlatch “a
manifestação específica, a forma significativa do luxo”.4 Na sociedade
primitiva, não é a posse das coisas de valor que tem importância, mas o
elemento social e espiritual contido na troca—dádiva, a aquisição do
prestígio conferida pela circulação ou consumo das riquezas.
Assim como é verdade que a dádiva e a prodigalidade são fenômenos
observáveis em todas as sociedades primitivas, deve-se protestar
radicalmente contra as teses que interpretam o luxo como uma necessidade
natural que prolonga uma “economia” cósmica ou biológica cuja
característica seria o desperdício de uma energia sempre em excesso.5 Na
verdade, não há nenhuma continuidade entre o pretenso luxo da natureza e
o dos homens: mesmo apresentada sob forma metafórica, essa relação é
inaceitável. O dispêndio suntuário primitivo não deriva de nenhum
movimento natural, é um fato ou uma regra sociológica, uma imposição
coletiva sempre marcada por significações mitológicas e mágicas. Nenhum
movimento espontâneo conduziu os homens aos duelos agonísticos de
riqueza. Bem ao contrário, é preciso ver no luxo—dádiva o que afastou o
homem de suas tendências naturais à posse ou à conservação do que lhe é
imediatamente útil.
Pela troca simbólica e suntuária foi instituído o primado do social sobre a
natureza, do coletivo sobre as vontades particulares. O ciclo das dádivas e
contradádivas constitui uma das vias tomadas pela sociedade primitiva para
edificar uma ordem coletiva na qual os indivíduos não se consideram à
parte, não pertencem a si próprios. A regra recebida dos ancestrais,
intangível, fixa imperativamente o quadro dos comportamentos a adotar em
relação aos outros e em relação às riquezas. Dar e devolver generosamente:
maneira de subordinar o elemento individual ao conjunto global, de
determinar antecipadamente os modos de comportar-se com os outros,
assegurando a predominância das relações entre homens sobre as relações
dos homens com as coisas.6 Maneira, ainda, de opor-se aos desejos de posse
e à acumulação das riquezas nas mãos de alguns. Na sociedade primitiva, a
magnificência está a serviço da falta de divisão da sociedade, um meio de
conjurar o aparecimento de um órgão separado do poder assim como a
divisão entre ricos e pobres. A dádiva assegura o prestígio do chefe, mas o
põe ao mesmo tempo em situação de devedor de obrigações para com a
sociedade.7 Durante a mais longa parte da história humana, foi o luxo que
operou com sucesso contra a concentração das riquezas e, igualmente,
contra a dominação política.
A dádiva suntuária selvagem não tem apenas por objetivo predeterminar
o vínculo entre os homens e obter honras, tem também funções religiosas,
cósmicas e mágicas. Na humanidade primitiva, o luxo, longe de se
apresentar como uma realidade separada, não se distingue dos outros
fenômenos sociais e religiosos, imbrica-se ou “incrusta-se” em uma ordem
global e simbólica em que se emaranham aspectos econômicos e sexuais,
metafísicos e mágicos.8 Todo o kula fundava-se em concepções míticas e
mágicas, observa Malinowski; os bens mais preciosos jamais são
considerados bens de troca econômica, eles têm um nome, são reconhecidos
como de natureza sagrada e dotados de virtudes mágicas. Entre os
Kwakiutl, cada coisa de grande valor possui igualmente um nome, uma
individualidade viva, um poder de origem espiritual. Dotados de força
protetora, garantias de riqueza, princípios religiosos de abundância, de sorte
e de posição, os objetos de cobre dos índios do Noroeste americano tornam
invencíveis os chefes que os possuem, eles vivem e exigem ser doados e
destruídos.9 Os bens de luxo estiveram na origem não apenas dos objetos de
prestígio, mas também das maneiras de estabelecer um contrato com os
espíritos e os deuses, dos talismãs, dos seres espirituais, das oferendas e dos
objetos de culto supostamente benéficos tanto aos vivos como aos mortos.
A obrigação da dádiva entre os homens forma um sistema com a
obrigação de dar aos espíritos e aos mortos, de fazer oferendas e libações
para que se mostrem protetores e generosos, de acordo com a regra de
reciprocidade. Por ocasião de certas festas religiosas, é preciso consumir
com excesso, despender com prodigalidade para que o tempo primordial e o
universo sejam restaurados. O consumo festivo aparece como recriação do
caos primitivo e fonte de vida: “A troca de presentes produz a abundância
de riquezas”, sublinha Mauss.10 Se os homens são obrigados a dar e a
dissipar suas riquezas nas festas, é para que a ordem do mundo tal como foi
criada na origem se regenere11 e também para assegurar uma relação de
aliança entre os vivos e os mortos, os homens e os deuses, em culturas nas
quais o sobrenatural está disseminado em todo o mundo sensível, em que as
forças ocultas estão presentes nas realidades cá da terra. O luxo não nasceu
mecanicamente de um excedente de riquezas e de progressos tecnológicos
na fabricação dos objetos; demandou um modo de pensamento de tipo
religioso, um cosmo metafísico e mágico. Maneira de atrair para os homens
proteção e benevolência das forças espirituais, a prodigalidade arcaica
explica-se bem mais pela concepção religiosa dos espíritos do que pelo
estado das forças produtivas. Foi preciso a divisão das realidades visíveis e
dos poderes invisíveis, os sistemas de pensamento mágico para que fossem
institucionalizadas as trocas dispendiosas assim como os bens preciosos
desprovidos de utilidade prática. Luxo selvagem: não “parte maldita”, mas
parte prometida na troca recíproca entre os homens e as potências sobre-
humanas. A liberalidade primitiva traduz mais um sistema de crenças
espirituais que um estado de riquezas. É preciso supor a religião como uma
das condições da emergência do luxo primeiro.
A literatura etnológica sublinhou há muito tempo a dimensão de
antagonismo, de rivalidade e de desafio contida nas dádivas recíprocas de
bens. A respeito do potlatch, os Tlingit falam de “dança de guerra”; outros
índios do Noroeste americano, de “guerra de propriedade”. Mas guerra
simbólica que tem como característica permitir que os que realizam as
trocas de dádivas obtenham a paz. Distribuir tudo com excesso, dar festas e
presentes exagerados e oferecer hospitalidade generosamente é transformar
o estrangeiro em amigo, substituir a hostilidade pela aliança, os recursos das
armas pela reciprocidade. As prestações suntuárias agonísticas não são nem
de ordem econômica nem de ordem moral: visam a instituir
“reconhecimento recíproco”12 através dos ciclos de trocas de presentes, a
instaurar vínculo social e relações de aliança entre grupos estranhos. É pela
liberalidade ostentatória, pelos presentes e contrapresentes ricamente
distribuídos que a sociedade primitiva aplica-se em estreitar a rede das
relações e em fechar tratados de paz. É assim que, para além de suas
loucuras dissipadoras, a magnificência primitiva mostra-se a serviço de uma
racionalidade social superior: a vontade de paz. Em vez de combater,
convida-se para banquetes, trocam-se presentes à larga. Se a desrazão
suntuária funciona como instrumento de aliança e de silêncio das armas,
tudo autoriza a assimilá-la, como nos convida Marcel Mauss, a uma
“astúcia da razão” pacífica.13 “Matar a propriedade” para ganhar a paz,
distribuir na festa para não se massacrar, sacrificar as coisas para criar a
aliança, alimentar o vínculo social e a concórdia: essa é a lição de sabedoria
dos excessos suntuários primitivos.

esplendores e hierarquia

Na escala da longuíssima duração, não há dúvida de que o aparecimento


do Estado e das sociedades divididas em classes constitui uma das rupturas
mais importantes da história do luxo. Quando se impôs a separação entre
senhores e súditos, nobres e plebeus, ricos e humildes, o luxo não mais
coincidiu exclusivamente com os fenômenos de circulação—distribuição—
desentesouramento das riquezas, mas com novas lógicas de acumulação,
centralização e hierarquização. Esse novo momento histórico é o que vê
surgir os ricos mobiliários funerários,14 as arquiteturas e esculturas
grandiosas, os palácios e as cortes, as esplêndidas decorações e outras
suntuosidades encarregadas de traduzir na pompa o poder superior das
soberanias, celestes ou terrestres. Símbolos resplandecentes do cosmo
hierárquico, o fausto liga-se aos princípios de desigualdade, mas também às
idéias de inalterabilidade e de permanência, ao desejo de eternidade. Fim da
arqueologia do luxo: a majestade dos edifícios imperecíveis sucedeu aos
excessos de dilapidação.
Toda a vida das sociedade de ordens organiza-se em torno da cisão
ostensiva entre bens ricos e bens ordinários. Fausto de uns, pobreza da
maioria: por toda parte as sociedades estatais—hierárquicas são
acompanhadas pela desigualdade das riquezas, pela divisão social das
maneiras de possuir e de despender, de morar e de se vestir, de se alimentar
e se divertir, de viver e de morrer. Divisão, igualmente, no próprio interior
do mundo, no topo da hierarquia, como testemunham as clivagens entre
luxo sagrado e luxo profano, luxo público e luxo privado, luxo eclesiástico
e luxo das cortes. Com o advento da dominação política, das hierarquias de
fortuna e da nova relação com o sagrado que constitui seu fundamento, uma
página foi virada: o luxo impõe-se como o lugar das obras imortais da mais
alta espiritualidade antes de ser o da extrema futilidade.
Conceder uma importância primordial ao nascimento do Estado não é
negar o papel desempenhado pelas técnicas e pelas infra-estruturas
econômicas, é assinalar os limites das interpretações materialistas da
história do luxo. Para justificar essa posição, relembrarei apenas dois
fenômenos significativos. Nos locais onde a revolução neolítica não foi
acompanhada por uma instância política superior, as manifestações do luxo
permaneceram dominadas pelas lógicas primitivas de desentesouramento.
Da mesma maneira, o domínio da indústria dos metais não bastou para
destronar o primado do luxo—dádiva: como prova, os índios do Alasca, que
fundem e cunham o cobre, mas continuam a trocar os bens de valor no
sistema agonístico do potlatch. No que se refere à história do luxo, é preciso
reconhecer que as alterações religiosas e políticas é que foram decisivas.
Não poderia ser questão aqui de analisar em detalhe semelhantes
fenômenos altamente complexos e diversos: isso ultrapassaria em muito a
competência deste estudo. Limitar-me-ei a alguns pontos essenciais para o
assunto, nada mais.

Luxo sagrado, luxo profano

No universo paleolítico, a relação dos homens com o sobrenatural é


estruturada pelas lógicas de aliança e de reciprocidade. Os espíritos estão
presentes em todas as coisas, e os ritos visam a propiciar a colaboração
deles: é muito mais como um vínculo de troca e de reciprocidade do que
como um vínculo de dominação que se dá a relação dos homens com o
invisível. Com o aparecimento das primeiras grandes divindades com
fisionomia humana, seres supremos cujas figuras remontam ao décimo
milênio, estabelece-se um imaginário religioso marcado por uma relação de
subordinação inteiramente nova entre o além e este mundo. A lógica da
aliança é substituída por uma ordem do mundo mais hierarquizada, mais
vertical que horizontal, das divindades “elevadas”, transcendentes e
onipotentes, mais “altas” que o homem.15 Quando, mais tarde, impõe-se o
dispositivo estatal, as crenças religiosas celebram deuses qualificados de
todo-poderosos, altíssimos, sublimes, inexcedíveis, segundo um modelo
tirado da organização política. Os textos e a iconografia do Egito antigo
revelam que nem todas as divindades são reconhecidas como de categoria
igual: existem deuses “grandes” e deuses “pequenos”, estando os primeiros
instalados num trono, tendo nas mãos os atributos da vida e do poder. Desde
o terceiro milênio aparece o título de “rei dos deuses” para designar o deus
mais elevado: a forma da realeza terrestre foi projetada no além divino.16
Da mesma maneira, na Mesopotâmia, a multidão das divindades acha-se
classificada e ordenada, devidamente hierarquizada, constituindo o conjunto
um sistema escalonado, uma “pirâmide de poderes” à imagem da ordem
política.17 Com o Estado, a relação com o sagrado moldou-se na forma da
relação dos homens com os soberanos terrestres, ao mesmo tempo que a
instância política impôs-se como uma ordem de essência divina. A nova era
do luxo será o eco desse cosmo teológico-político hierárquico.
Assim, na Mesopotâmia, os deuses são assimilados a “senhores e amos”
que intervêm nos negócios do mundo como os reis em seu reino. Do mesmo
modo que os súditos estão na terra para servir a seu monarca, devem
igualmente oferecer às potências celestes bebida e comida, habitação e
adorno, todos os bens desejáveis, uma vida opulenta e faustosa adequada à
sua majestade. Honrar os deuses é garantir-lhes uma vida luxuosa, preparar-
lhes banquetes festivos, refeições servidas em baixela de ouro e prata, fazer-
lhes oferenda de jóias preciosas e de vestimentas de aparato.18 O reino
magnificente dos reis serve de modelo ao culto suntuário dos deuses.
Na base da emergência da ordem estatal, uma nova relação entre esfera
terrestre e esfera celeste. Com as primeiras grandes formações despóticas
aparecem os reis-deuses, que se oferecem como encarnações divinas,
mediadores entre o universo visível e as potências do além. Dotado de
poderes sobre-humanos, o monarca de natureza divina ou representante da
autoridade celeste suprema na terra apresenta-se como a garantia da ordem
e da prosperidade terrestre. O advento da esfera estatal e seu correlato, a
introdução da dimensão sagrada no universo humano, criaram as condições
de uma nova inscrição social da suntuosidade. Esta vai, sem dúvida,
concretizar-se em palácios régios, porém mais ainda na edificação das
“casas dos deuses”, dos santuários de estilo monumental, construídos em
pedra, utilizando materiais ricos e nobres (ouro, bronze, pedras
semipreciosas) com o objetivo de propiciar a graça da divindade. Exercendo
as funções religiosas mais altas, o rei é obrigado a erguer templos
magníficos, a decorá-los e enriquecê-los faustosamente: é antes de tudo às
forças divinas que se dirige o luxo da arquitetura monumental. Erigir
moradas sagradas de alta verticalidade, pilares e colunas, obeliscos e
estátuas que manifestem a superioridade ontológica dos mandantes
sobrenaturais e permitam aproximar o Céu da Terra tornam-se obrigações e
privilégios régios. Nessas épocas teocráticas, a suntuosidade revela a
ligação íntima do culto régio e do culto divino.
Os faraós do Egito antigo têm entre suas mais altas funções a de edificar
arquiteturas funerárias destinadas a assegurar sua eternidade no além. Nas
pirâmides, a câmara funerária suntuosamente ornada, guarnecida de
tesouros, torna-se o próprio lugar onde se realizam os processos de
regeneração do faraó em entidade divina para que ele possa prodigalizar
seus benefícios aos vivos. Arte mágica, o luxo das eras despóticas é o
acompanhamento necessário dos poderes hierárquicos dispensadores de
vida e de prosperidade. Às dilapidações selvagens sucedem o estilo
monumental, as construções de dimensão heróica, as “moradas de
eternidade”. Mediador de imortalidade, o luxo encarna-se em monumentos
de pedra criados “para a eternidade”, em estátuas, afrescos, mobiliários
funerários, como uns tantos sortilégios necessários à sobrevivência bem-
aventurada do defunto régio. O fausto não é objeto ou imagem a
contemplar, é o instrumento mágico que facilita o acesso à vida eterna.
Implicando toda uma metafísica do tempo e da morte, ele exprime a
esperança de um tempo sem fim, uma busca de eternidade. Temos o direito,
nessas condições, de interrogar-nos sobre a legitimidade de utilizar aqui as
categorias de consumo, de “parte maldita”, de desperdício: estas são
realmente pertinentes quando o luxo se torna invisível aos vivos e quando
sua missão é garantir a ressurreição eterna?
Desempenhando na terra o papel de um deus, o faraó “ilumina” o Egito
com os monumentos que erige, recria o que o deus criador fez nos tempos
primordiais, transforma o caos em ordem, dá uma “imagem de festa” ao
mundo graças às cores brilhantes dos baixos-relevos dos templos, à pedra
nobre das estátuas, ao ouro que recobre certas partes dos santuários. Chegou
o tempo dos reis divinos, grande arquiteto da magnificência sagrada. Da
troca simbólica regulada por um código impessoal e imutável passou-se a
um fausto sujeito, de uma maneira ou de outra, aos decretos e vontades dos
reis-deuses. De um lado, perpetua-se a autoridade da tradição e do passado,
do outro introduziu-se um elemento de iniciativa e de mudança nas decisões
de localização, nas construções e ampliações do que existe. O faraó não se
contenta em conservar, ele engrandece a herança recebida; cada rei
ambiciona acrescentar alguma coisa à obra de seus predecessores e superá-
los, o que é testemunhado pelo aumento das oferendas materiais, a evolução
dos sítios funerários, a extensão dos lugares de culto, a riqueza dos motivos
decorativos.19 Em nome da grandeza superlativa dos deuses e em resposta
ao desejo de eternidade, os signos do esplendor deslizaram, ainda que na
lentidão dos séculos, para o ciclo da história, da mudança, da superação do
que precedem.20
Posto isso, é preciso constatar que a irrupção do Estado e das sociedades
de classe não aboliu de modo algum a forma primeira do luxo—dádiva.
Este, de fato, perdurou durante longos milênios. Prolongando a imemorial
obrigação de generosidade, o evergetismo greco-romano forçou as
notabilidades a rivalizar em liberalidade, a financiar edifícios públicos,
banquetes e outras festividades da cidade. Era fazendo doações à
coletividade ora a título gratuito, ora a título simbólico (evergesias ob
honorem), que o evergeta recebia honras e distinções de toda espécie.21* O
desperdício suntuário domina ainda o éthos dos senhores feudais sob
formas que relembram por vezes o potlatch agonístico dos índios da
América do Norte. Marc Bloch cita alguns exemplos desse gênero: um
senhor ordena semear com moedas de prata um campo lavrado; um outro
utiliza círios caros para o cozimento dos alimentos; um outro ainda, por
ostentação, manda queimar vivos trinta de seus cavalos.22 Reis e senhores
dedicam-se a deslumbrar, despendendo à larga butins e rendimentos,
vivendo com numerosa criadagem, exibindo trajes e adornos suntuosos.
Têm a obrigação de dar festas ricas e abundantes, de prodigalizar benefícios
em presença do maior número de beneficiários, não se concebendo o luxo
sem espetáculo da dilapidação, sem o olhar e a admiração do outro. É pela
prodigalidade que os grandes adquirem glória e honras, manifestam seu
poder e sua superioridade fora do comum. E é para poder mostrar-se
munificentes que os cavaleiros pilham e usurpam, não para entesourar ou
favorecer o desenvolvimento da economia: o código do dispêndio
improdutivo é mais importante. Ser nobre é viver com grandes despesas,
desperdiçar, dissipar as riquezas; não ser extremamente generoso é estar
condenado ao declínio.
Por toda parte e em toda época, os soberanos são obrigados a possuir e
exibir o que há de mais belo, a ostentar os emblemas resplandecentes da
majestade, a viver cercados de maravilhas, de pompas e de opulências como
expressões de sua superioridade desmedida. Nos imensos palácios que
mandam edificar, a vida de corte é o teatro do fausto e da ostentação das
riquezas. Na Mesopotâmia e na China, os palácios são ricos em haréns nos
quais as mulheres são distribuídas por categorias hierárquicas. Festas,
caçadas e espetáculos são a oportunidade para galas suntuosas. Esse alto
padrão de despesas suntuárias não é reservado apenas ao rei. Os duques e os
altos dignitários, as famílias abastadas rivalizam em fausto e prodigalidade
em suas habitações, suas vilegiaturas, sua criadagem, seus trajes e jóias.
Nas grandes casas, os casamentos, bem como os enterros, dão lugar a uma
manifestação inaudita de luxo: carros, escravos a cavalo, servidores de todo
tipo, banquetes, madeiras preciosas para os caixões, todos disputam quem
dissipará mais. Não há sociedade estatal—hierárquica sem a escalada dos
signos faustosos da desigualdade social, sem os sobrelanços ruinosos e as
rivalidades de prestígio pelos consumos improdutivos. Max Weber e
Norbert Elias já sublinharam fortemente: nas sociedades aristocráticas, o
luxo não é algo supérfluo, é uma necessidade absoluta de representação
decorrente da ordem social desigual. Enquanto foram dominantes as
sociedades nas quais as relações entre homens são mais valorizadas que as
relações entre os homens e as coisas, as despesas de prestígio funcionaram
como uma obrigação e um ideal de classe, um instrumento imperativo de
diferenciação e de auto-afirmação social.
A partir do fim da Idade Média e da Renascença, a ascensão do poder
monárquico, o “desarmamento” da nobreza e o novo lugar da burguesia não
levaram à redução dos consumos ostentatórios, mas à intensificação das
despesas de prestígio e à ampliação das classes de luxo. Despojada de suas
antigas prerrogativas militares pela eficácia dos soldados de infantaria e dos
arqueiros a pé, mantida em dependência pelo poder real e encerrada no
círculo da corte, a nobreza transforma-se em classe de representação e de
recreio.23 Promoção da aparência que será ilustrada pela vida do cortesão,
mas também por estilos de luxo mais decorativos, mais lúdicos,
impregnados de superfluidade. Nesse quadro, as despesas suntuárias com
vestuário, jóias, carros, mansões e domesticidade impõem-se com tanto
mais força para sustentar a posição quanto a nobreza tradicional sofre a
concorrência, no plano dos signos de riqueza, dos grandes burgueses
nobilitados. Com a dinâmica do enriquecimento dos comerciantes e dos
banqueiros, o luxo deixa de ser privilégio exclusivo de um estado baseado
no nascimento, adquire um estatuto autônomo, emancipado que está do
vínculo com o sagrado e da ordem hierárquica hereditária. Em plena era de
desigualdade aristocrática, o luxo tornou-se uma esfera aberta às fortunas
adquiridas pelo trabalho, o talento e o mérito, uma esfera aberta à
mobilidade social. Foi assim que a extensão social do luxo precedeu a
revolução da igualdade moderna. A era democrática não fará mais que
ampliar um processo encetado cerca de cinco séculos antes.

Arte, antiguidades e frivolidades

Se a vontade de pavonear-se e de ser valorizado pelos outros por meio de


bens de valor sem dúvida sempre existiu, não é menos verdade que o luxo,
desde a Renascença, concretizou-se em dispositivos inéditos. Daí em
diante, príncipes e reis pretendem-se protetores dos artistas, cobrem-nos de
honras e de presentes, passam-lhes encomenda, atraem-nos para a corte.
Enquanto a arte e o artista adquirem o sentido que lhes damos hoje, o luxo
toma o caminho da cultura. Começa um ciclo moderno no qual as obras de
grande valor são assinadas; e os criadores, alçados a personagens de
primeiro plano, celebrizados, cheios de idéias de glória imortal: o luxo vai
conjugar-se com a obra pessoal e a criação de beleza.
Nobres e ricos burgueses ambicionam igualmente cercar-se de obras de
arte. O mecenato, as coleções, a posse de obras de arte tornaram-se
instrumentos de prestígio no mundo da elite social. Sem dúvida, o elo da
arte e do luxo não é novo. Contudo, há milênios, as grandes obras eram as
que celebravam as potências do além que supostamente permitiam ganhar a
eternidade celeste. Essa importância da relação com o tempo prolonga-se,
com a diferença de que o que será visado pelos “modernos” não é mais a
eternidade na outra vida, mas a sobrevivência profana, a imortalidade na
história, a glória duradoura de si, de uma família, de um nome na memória
dos homens. A dimensão de eternidade do luxo laicizou-se.
A uma criação artística que sai do anonimato corresponde uma procura
que dá, ela própria, um lugar mais acentuado à subjetividade. Já no século
xiv, os mecenas e doadores pedem aos artistas que sua efígie nas sepulturas
ou nas paredes da catedral tenha uma aparência individual, um rosto
semelhante. Impõe-se a arte do retrato dos patrocinadores. A partir de 1500,
multiplicam-se os retratos em miniatura: orlados de jóias, dependurados no
pescoço, sem nome, eles testemunham uma busca de segredo, de
intimidade, especialmente com aquele ou aquela que está ausente.24 É
preciso ainda evocar o aumento dos colecionadores e amadores de arte,
fenômeno que implica, nas compras efetuadas, preferências estéticas,
escolhas singulares, paixões e gostos particulares. Para além das intenções
de se tornar renomado, surgiu uma relação mais pessoal, mais estética com
os bens dispendiosos, uma aspiração mais subjetiva a uma vida mais bela e
mais refinada, um vínculo sensual entre o homem e os objetos preciosos.
Daí em diante, sublinha vigorosamente Philippe Ariès, as coisas são
representadas e amadas por si mesmas como entes queridos e não mais
apenas como símbolos de estatuto e de poder. O atrativo da beleza e o
deleite das belas coisas adquiriram uma consistência própria que é
confirmada pelas primeiras naturezas-mortas.25 A função prestigiosa das
obras não declina de maneira alguma, mas, para falar como Werner
Sombart, o luxo aparece simultaneamente como uma “expressão de
erotismo”, uma resposta ao desejo de gozar o mundo. Signos estatutários,
nem por isso os bens de luxo exprimem menos a intensidade nova da
relação do homem com as coisas, a paixão pelo belo, o apelo dos prazeres
estéticos, uma atenção mais subjetiva, mais sensível às coisas em sua
singularidade.
Thorstein Veblen e, em seu rastro, as sociologias da distinção deixaram
escapar essa dimensão erótica do luxo. Sendo os comportamentos de
consumo dispendioso movidos, nessas problemáticas, apenas pela vaidade e
as estratégias de classificação social, as coisas não valem senão em razão de
seu valor—signo ou honorífico, jamais por si próprias. No entanto, essa
dimensão sensual do luxo existe e alçou vôo a partir dos séculos xiv e xv
com a promoção social dos valores profanos e no impulso de uma
sensibilidade ávida por estilização, por estetização das formas de vida.
Apego estético e apaixonado pelas belas coisas, erotismo dos bens raros: o
processo de desclericalização das obras26 abriu os caminhos modernos da
individualização e da sensualização do luxo. Ele entrou em seu momento
estético.
A época articulatória é a que Huizinga chama “o outono da Idade
Média”. Novas figuras do luxo aí fazem sua aparição. A partir do século
xiv, com efeito, a civilização ocidental vê surgir duas séries de fenômenos
chamados a ocupar um lugar determinante no luxo moderno: as
antiguidades de um lado, a moda do outro. Se esses fenômenos
testemunham com toda a certeza uma mesma tendência à estetização dos
gostos nos meios abastados, nem por isso exprimem menos duas
orientações temporais divergentes, estando a primeira centrada no passado,
e a segunda, no presente. Desde então o universo do luxo caminhará lado a
lado com todo um conjunto de gostos, de comportamentos, de “produtos”
que se repartem segundo esses dois eixos do tempo. Culto do antigo, culto
do presente fugidio: as novas temporalidades do luxo coincidem com o
advento da cultura moderna humanista.
Na segunda metade do século xiv, novos comportamentos em relação ao
passado e à Antiguidade, em particular, vêm à luz. Os duques e outros
grandes mecenas mandam copiar e traduzir os textos latinos, tornam-se
bibliófilos, patrocinadores de belos manuscritos. Procuram-se os
manuscritos dos Antigos, mas também desenterram-se as obras de arte do
passado: os vestígios da Antiguidade, que até então não tinham valor nem
significação, transformam-se em bens preciosos e em semióforos.**
Primeiro na Itália e depois em toda a Europa, propaga-se a moda de
colecionar antiguidades. Nos séculos xvi e xvii, os colecionadores são
contados aos milhares, no momento mesmo em que se organiza um
mercado das obras de arte e das antiguidades, as vendas públicas em leilões
dando pretexto a competições agonísticas mundanas. A elite rica despende
imensas fortunas na compra das raridades da Antiguidade: estátuas,
medalhas, moedas, inscrições, vasos etc. O universo do luxo enriqueceu-se
de novos tesouros, objetos de paixões ruinosas: as antiguidades.27
Orientação dos gostos de luxo para o passado, que não renova de modo
algum o espírito imemorial de tradição e o respeito pelos Antigos. Trata-se,
bem ao contrário, de uma marca do espírito moderno, uma vez que aí se
exprimem um gosto pela descoberta, um culto esteta ético ou erudito do
passado, um olhar distanciado que metamorfoseia as obras antigas em
objetos de pura contemplação. Embora real, o desígnio de distinção social é
aqui menos significativo que a emergência de novas atitudes estéticas em
relação ao passado e às obras, de uma mentalidade moderna e livre que
desliga estas últimas de seu contexto, colecionando-as “por amor”, fora de
toda imposição coletiva e religiosa.
Quando aparece a mania pelo antigo surge, ao mesmo tempo, a febre do
presente, a moda no sentido estrito e seu culto do efêmero. Se o luxo
mergulha suas raízes na noite dos tempos, a moda, com suas variações
perpétuas, sua estetização do vestir, seu trabalho sobre as formas do corpo
constitui uma ruptura, uma invenção social histórica do Ocidente. Ela data
da metade do século xiv. Uma nova manifestação social do desperdício
ostentatório vem à luz sob o signo da antitradição, da inconstância, da
frivolidade. Até então as mudanças na indumentária eram raras, se não
excepcionais. O traje tradicional longo e amplo dissimulava o corpo,
envolvia-o como um todo, dando à silhueta um ar imóvel, grave, solene, em
correspondência com uma ordem hierárquica estável. Nesse plano, tudo
muda na Europa com o aparecimento do traje mais curto, ajustado,
amarrado, dando a ver um corpo descontínuo e fragmentado.28 Pois se a
moda espetaculariza a posição social, põe igualmente em cena o corpo de
maneira enfática, jogando com suas formas, reduzindo-as ou ampliando-as
por vezes até a extravagância. Daí em diante, o luxo indumentário alia-se ao
capricho estético, à busca do efeito, ao hiperbolismo lúdico.
De ritual ou de costumeiro que era, o vestir-se impõe-se como uma
espécie de baile de máscaras, de disfarce lúdico, perfeitamente compatível,
de resto, com a etiqueta e a seriedade da vida mundana. O aparecimento da
moda é a lógica do jogo e da festa (excesso, desperdício) anexando pela
primeira vez a arquitetura da toalete. Não mais a oferenda aos deuses e os
rituais tradicionais, mas o jogo integral das aparências, a mania dos
pequenos “nadas”, a febre das novidades sem amanhã. Não mais
monumentos erguidos em busca da eternidade, mas a paixão pela
inconstância, as loucuras do presente puro. Com a moda instala-se a
primeira grande figura de um luxo absolutamente moderno, superficial e
gratuito, móvel, liberto das forças do passado e do invisível.
Sem dúvida, as reviravoltas da moda não podem ser separadas do
imemorial éthos do desperdício demonstrativo e das lutas simbólicas que
acompanharam o crescimento dos novos focos de riqueza. Mas esses
fenômenos não podem explicar mecanicamente a maneira pela qual a
invariância foi substituída pela mudança indumentária, e o costume, pelo
capricho. Para que ocorresse semelhante lógica sistemática de
desclassificação da permanência, foi preciso a convergência de todo um
conjunto de fatores culturais. Apenas dois deles serão sublinhados aqui.29
Em primeiro lugar, uma cultura mais aberta à mudança. Se é verdade que
os novos tempos afirmaram-se sob o signo da volta aos Antigos, é verdade
também que o fim da Idade Média apresenta-se como uma cultura que
valoriza a mudança, uma época que abre conscientemente novos caminhos.
Testemunham-no novas formas artísticas, um movimento de laicização da
cultura, a paixão pelo raro e pelo singular entre os amadores de arte, o gosto
pelas grandes viagens, as inovações no domínio bancário e na técnica dos
negócios. Gosto pela renovação que, precisamente, orquestra a moda. Esta
não pôde nascer senão sustentada por uma atitude mental inédita que
valoriza o novo e dá mais valor à transformação que à continuidade
ancestral. A moda não saiu diretamente das rivalidades de classe: ela supôs
um abalo cultural não redutível aos acontecimentos econômicos e sociais, a
promoção de valores dinâmicos e inovadores capazes de tornar obsoleta a
aparência tradicionalista e de consagrar um sistema cujo princípio é “tudo o
que é novo agrada”.
Em segundo lugar, uma nova relação com a individualidade. Como dizia
Simmel, a moda sempre une gosto pela imitação e gosto pela mudança,
conformismo e individualismo, aspiração a fundir-se no grupo social e
desejo de diferenciar-se dele, ainda que por pequenos detalhes. Se a moda
não existiu sempre, é que exigia como condição de aparecimento uma certa
liberação da individualidade, a depreciação do anonimato, a preocupação
com a personalidade, o reconhecimento do “direito” de valorizar-se, de
fazer-se notar, de singularizar-se. No fim da segunda Idade Média,
precisamente, vem à luz um conjunto de fenômenos que ilustram essa
afirmação da individualidade nas classes superiores. Relembremos apenas o
surgimento da autobiografia, do retrato e do auto-retrato, a paixão pela
glória, os testamentos e sepulturas personalizados. A moda é outra
manifestação dessa preocupação com a particularidade do indivíduo,
quaisquer que sejam os movimentos miméticos que aí se manifestem. Novo
grande dispositivo do luxo, a moda deriva menos do consumo ostentatório e
das mudanças econômicas do que das transformações do imaginário
cultural.
* Para designar as doações particulares que os nobres das cidades gregas, os senadores e os
imperadores romanos faziam com freqüência à coletividade, Paul Veyne criou a palavra
“evergetismo” (do grego evergesia, benfeitoria). Esses doadores generosos do mundo antigo eram os
“evergetas”. (N. E.)
** O conceito de semióforo foi proposto por Pomian (1984) e está ligado ao estudo das coleções. O
semióforo se opõe às coisas ou objetos úteis, consumíveis, e se constitui em “objeto dotado de um
significado”, que, “não sendo manipulado mas exposto ao olhar, não sofre usura”. (N. E.)
2. Luxos modernos, luxos pós-modernos

Até a metade do século xix, o universo do luxo funciona segundo um


modelo de tipo aristocrático e artesanal. Se, desde a Renascença, os artistas
ganharam a glória, em compensação os artesãos, em sua maioria, são
desconhecidos, sem prestígio. O cliente é patrão, o artesão executa na
sombra. Enquanto o valor do trabalho parece reduzido em comparação ao
valor do material utilizado, a iniciativa cabe ao senhor ou ao grande burguês
que passa a encomenda. Fabricação de peças únicas, primazia da demanda
do cliente, situação subalterna e anônima do artesão, assim é o sistema que
prevalece nos tempos pré-democráticos.

luxo e modernidade

Tudo oscila com a modernidade. Nada ilustra melhor a nova lógica que
se impõe do que o surgimento da alta-costura. Na segunda metade do século
xix, Charles Frédéric Worth assenta-lhe os fundamentos ao estabelecer uma
indústria de luxo consagrada à criação de modelos freqüentemente alterados
e fabricados nas medidas de cada cliente.1 A ruptura com o passado é clara.
Enquanto os modelos são criados fora de toda procura particular, o grande
costureiro aparece como um criador livre e independente. Ele estava à
disposição; agora impõe soberanamente seus modelos e gostos às clientes
metamorfoseadas em consumidoras despojadas de um real direito de
controle. A idade moderna do luxo vê triunfar o costureiro liberto de sua
antiga subordinação à cliente e afirma seu novo poder de dirigir a moda.
Nasceu a idade de ouro do costureiro demiurgo: ela vai durar cem anos.
O costureiro era um artesão obscuro, agora é reconhecido como um
artista sublime, um criador favorecido por uma notoriedade, um renome
excepcional que resplandece em todo o planeta. Dignificação e consagração
democrática do grande costureiro que prolonga uma dinâmica inaugurada
no século xviii, momento em que os grandes cabeleireiros e as “vendedoras
de moda” são considerados artistas e adquirem seus títulos de glória. A
partir da metade do século xix, toda uma face do universo do luxo vê-se,
assim, associada a um nome, a uma individualidade excepcional, a uma
casa comercial de muito prestígio. Alguns desses nomes, tanto na esfera da
moda como em outros setores, conservaram um lugar de primeiríssimo
plano até nossos dias.2 O produto de luxo personalizou-se, daí em diante
traz o nome do costureiro ou de uma grande casa e não mais o de um alto
hierarca ou de um lugar geográfico. Não é mais apenas a riqueza do
material que constitui o luxo, mas a aura do nome e renome das grandes
casas, o prestígio da grife, a magia da marca. Nesse quadro, as competições
pelo prestígio não serão mais exercidas apenas no campo das classes
superiores, mas também no campo dos produtores de bens de luxo.
Com a alta-costura, o luxo torna-se pela primeira vez uma indústria de
criação. Sem dúvida, o funcionamento das grandes casas continua artesanal
— o feito à mão, o sob medida, a qualidade e não a quantidade, o savoir-
faire das costureiras —, mas aí se manifesta igualmente o princípio
moderno da série,3 ainda que reduzida, podendo os modelos ser
reproduzidos em algumas centenas ou alguns milhares de exemplares. A
alta-costura promoveu a série limitada um pouco antes que se propagassem
— depois de 1880 — as novas técnicas de fabricação industrial que
permitem produzir em enorme série as mercadorias estandardizadas.
Algumas cifras dão a medida da nova dimensão industrial do luxo: 1,2 mil
operárias trabalhavam em 1873 para a Worth, 4 mil para a Chanel em 1935,
1,2 mil para a Dior em 1956. Na metade dos anos 1930, a Chanel fabricava
cerca de 28 mil peças por ano; a alta-costura parisiense produzia, em 1953,
90 mil peças.4
Junte-se a isso a venda aos compradores estrangeiros, americanos em
particular, de modelos encomendados em vários exemplares e em diferentes
tamanhos. Por si sós, em 1925, as vendas da alta-costura representavam
15% das exportações francesas globais e ocupavam a segunda posição no
comércio exterior. Depois de 1929, a fim de fazer face ao aumento das
tarifas alfandegárias, desenvolveu-se a venda dos modelos em tela e moldes
de papel aos confeccionistas estrangeiros, com o direito de reproduzi-los em
série em seus respectivos países. Essas vendas constituíam até 1960 cerca
de 20% do montante de negócios da alta-costura. Elementos que revelam a
nova sustentação industrial do luxo. Em suma, é como uma formação de
compromisso a que se entrega o primeiro momento moderno do luxo, um
compromisso entre artesanato e indústria, arte e série.

Luxo e semiluxo

Enquanto a alta-costura consagra a união entre o artesanato de arte e a


indústria, os progressos da mecanização, no mesmo momento, vão permitir
o aparecimento de um “semiluxo”, de um “falso luxo” de preço menor,
destinado às classes médias. A idade moderna é contemporânea da
clivagem entre, de um lado, o autêntico, o fora de série, o sem preço e, do
outro, a imitação degradada, estandardizada, democratizada dos modelos. A
época vê a irrupção de uma massa de produtos “similares” — jóias,
acessórios de toalete, bibelôs, estátuas, tapetes, móveis, objetos de vidro,
papéis de parede etc. — postos ao alcance de uma clientela mais ampla,
realizados com materiais menos ricos e imitando originais prestigiosos.5 A
primeira forma de democratização do luxo coincide não com a difusão
social dos produtos dispendiosos, mas com a propagação da cópia e do
ersatz, do neo-antigo e de artigos que compensam sua impessoalidade pela
redundância, as ornamentações sobrecarregadas, a proliferação de
acréscimos, os excessos expressivos: ela se manifesta sob os auspícios do
kitsch como estilo e arte de viver burguesa.
O grande magazine oferece um exemplo em grande escala desse
semiluxo democrático. Na segunda metade do século xix erguem-se
magazines baseados em novos métodos comerciais (preços baixos e fixos,
entrada livre, diversidade da gama dos produtos, publicidade) e visando a
estimular o consumo das classes médias. Baixando os preços, o grande
magazine conseguiu “democratizar o luxo” ou, mais exatamente,
transformar certos tipos de bens outrora reservados às elites abastadas em
artigos de consumo corrente e promover o ato de compra de objetos não
estritamente necessários. Mas há mais, tanto é verdade que os grandes
magazines são concebidos para aparecer como extraordinários espetáculos,
palácios de luz e de cores, maravilhas resplandecendo com todos os seus
brilhos. As fachadas coroadas de cúpulas, as estátuas, o estilo ornamental,
os domos dourados transformam o grande magazine em um mundo
cintilante, em magia monumental e mercantil, em “palácio de conto de
fadas”.6 Profusão de mercadorias, vitrines, exposições suntuosas dos
artigos, concertos, tapetes e tapeçarias do Oriente, tudo é feito para
sublimar o objetivo utilitário do grande comércio, para transcender sua
dimensão materialista e aparecer como um espetáculo ofuscante de festa, de
excesso e de fausto. Ao que se acrescentam os preços atrativos, os saldos,
as vendas especiais, os artigos de apelo que criam uma espécie de universo
mágico e alimentam a imagem da dádiva e da prodigalidade. O grande
magazine ergue-se como uma potência mercantil que distribui como brinde
espetáculos e belezas, abundância e riquezas. Com a diferença de que o
antigo espetáculo agonístico metamorfoseou-se em universo mercantil sem
desafio nem reciprocidade. O desejo irresistível de comprar e os “bons
negócios” substituíram a troca cerimonial recíproca. Ao tempo sagrado e
ritual das festas sucede o tempo acumulativo, permanente do consumo. Da
magia dos ritos e das palavras sagradas não resta mais que a dos preços e
das coisas, nova promessa de felicidade das classes médias. Nos tempos
democráticos, o luxo combina-se com o “barato”, o excesso com o cálculo
econômico, o desperdício com o indispensável, o desvario com as
excitações e distrações cotidianas do shopping. Não mais o culto nobre do
dispêndio suntuário, mas o da posição social, do conforto, da felicidade
privada das damas e dos homens.
Mas o kitsch do semiluxo está longe de esgotar a questão, tanto é verdade
que se desenvolveu, ao mesmo tempo, a estética nova da discrição. De um
lado, a acumulação e as gratuidades ornamentais, do outro a revolução do
understatement moderno. Desde os confins das eras, o luxo, porque a
serviço da grandeza celeste, régia e aristocrática, é inseparável do excesso
dos signos visíveis, de uma teatralidade ostentatória. Tudo muda com os
tempos democráticos. Nas sociedades em que o outro é reconhecido como
um semelhante, a tendência é de reduzir as marcas gritantes da alteridade
humana e do poder. O traje preto masculino do século xix e depois, com
“atraso”, a revolução dos anos 1920 na moda feminina concretizam o
processo democrático de desqualificação do que “esmaga” o outro, do que
entrava o reconhecimento recíproco. Não existe mais verdadeira elegância
se não discreta e eufemística: nasceu o que Balzac chama o “luxo de
simplicidade”.
É a rejeição da ênfase decorativa que encontramos a partir do começo do
século xx no mundo da arquitetura e dos objetos, por estímulo de muitas
correntes de vanguarda artística. Por toda parte o espírito modernista
insurgiu-se contra o kitsch, a tradição ornamental, a estética do supérfluo,
em benefício do rigorismo abstrato, do despojamento figurativo, do estilo
angular e geométrico. Luxo com toda a certeza sempre distintivo, mas que
não se pode fazer sair exclusivamente dos afrontamentos simbólicos em
vigor nas classes superiores. A estética modernista do hábitat e dos objetos
materializou as pesquisas plásticas dos artistas, novas representações do
espaço e do tempo, uma nova relação com o mundo e com os outros, com a
higiene e a luz, com o conforto e a intimidade. Mesmo o luxo registrou os
ideais democráticos, as novas aspirações do homem moderno ao bem-estar
material, à liberdade, à recusa do passado e da tradição que acompanham
inexoravelmente o fim do universo aristocrático.

rumo a um luxo-marketing

Onde estamos hoje? Desde uma ou duas décadas, tudo leva a pensar que
entramos em uma nova idade do luxo: ela constitui seu momento pós-
moderno ou hipermoderno, globalizado, financeirizado. Até então, o setor
do luxo escorava-se em sociedades familiares e em fundadores-criadores
independentes. Esse ciclo terminou, dando lugar a gigantes mundiais, a
grandes grupos com cifras de negócios colossais, cotados em bolsa e
baseados em um vasto portfolio de marcas prestigiosas. O universo
econômico e empresarial do luxo mudou de escala: as tradicionais lutas de
concorrência pelo prestígio são suplantadas pelas “guerras do luxo”, as
operações de fusão e de aquisição, os movimentos de concentração e de
reestruturação em vista da constituição de impérios industriais
internacionais. O luxo acertou os ponteiros com as megaentidades, a
globalização, as stock-options, as estratégias de grupo que anunciam o fim
das pequenas casas independentes ao mesmo tempo que dos criadores-
artistas soberanos. Se é verdade que o luxo é um setor a uma só vez
econômico e não econômico,7 é preciso observar que, nesse complexo
híbrido, é cada vez mais o pólo econômico e financeiro que domina,
impondo sua lei ao desenvolvimento dos produtos, às compras e vendas das
marcas, às introduções em bolsa tendo em vista taxas de margem de dois
algarismos. À idade sublime—artística do luxo sucedeu seu momento hiper-
realista e financeiro, no qual criação e busca de alta rentabilidade tornaram-
se inseparáveis.
O modelo anterior conseguira a combinação de uma lógica industrial
com uma lógica artesanal. Nessa aliança, no entanto, a dimensão artesanal
prevalecia, sendo a reprodução dos modelos limitada e executada sob
medida. Nesse plano, assistimos a uma inversão de tendência: daí em diante
é a lógica industrial da série que se mostra soberana. Testemunha-o de
maneira exemplar a ruína do pólo sob medida da alta-costura em benefício
dos perfumes e dos acessórios, do prêt-à-porter e dos produtos vendidos
sob licença. Já não é na oposição do modelo e da série que se constrói o
luxo, não representando o fora de série mais que um setor marginal.
Relembremos apenas que os perfumes são produzidos em centenas de
milhares de exemplares e as séries do prêt-à-porter de luxo em vários
milhares de peças. Mesmo o luxo superior já não escapa à lei das grandes
séries industriais. Em 2001, a bmw e a Audi venderam, respectivamente,
900 mil e 720 mil carros. A Mercedes, que vai lançar em dois anos o Vision
gst , mistura de mono-space e de 4 × 4 de grande luxo, espera produzir 100
mil deles por ano. A cópia em grande número não é mais semiluxo.
Enquanto as grandes marcas de luxo lançam cada vez mais artigos
acessíveis (perfumes, acessórios...), os grupos industriais de grande
consumo anunciam sua vontade de investir nos segmentos superiores do
mercado. Esse fenômeno de “subida de linha” é particularmente
significativo no setor automobilístico. O grupo Renault mostra hoje sua
ambição de penetrar no topo de linha comercializando o Avantime e o Vel
Satis. Enquanto “Renault criador de automóveis” substitui “os carros para
viver”, o top de linha deveria representar, segundo os objetivos do
construtor, 12% de seu montante de negócios europeu em 2003, contra 8%
em 1999. Depois de ter adquirido a Audi, a Bentley, a Bugatti, a
Lamborghini, a Volkswagen faz sua entrada no segmento do luxo com a
limusine Phaeton. O luxo é sempre elemento de diferenciação social, mas
funciona igualmente, cada vez melhor, como ferramenta de management
das marcas para o grande público, uma vez que o prestígio do top de linha
repercute no conjunto dos modelos. Como o desempenho e a confiabilidade
dos automóveis se nivelam, o atrativo de um carro é reforçado pela
presença, na linha, de modelos superiores, arquétipos do savoir-faire da
empresa. Assim, vê-se a multiplicação dos modelos de luxo que não apenas
criam diferença, mas que, ao mesmo tempo, enriquecem a reputação do
grupo. Se os grandes construtores de automóveis de massa investem no
segmento de luxo, as marcas de prestígio, como convém, crescem sempre
mais para o alto. A Mercedes, que já propunha seu luxuoso Classe S,
anuncia a saída de uma “megalimusine”, a Mayback de seis metros de
comprimento, vendida a 300 mil euros. A supremacia democrática e
industrial da lógica da série significa tudo, salvo declínio dos excessos
dispendiosos e nivelamento do luxo.
Em sua época heróica, a alta-costura tinha à frente um artista criador
impondo soberanamente seus gostos a uma clientela rica. Essa época está
terminada, sendo as coleções do prêt-à-porter das grandes marcas muito
menos fantasistas, muito menos versáteis, mais atentas às expectativas e os
gostos mais ou menos formulados dos clientes. Os ditames dos costureiros,
as grandes revoluções estilísticas da moda já não estão em voga ou não têm
mais impacto suficientemente visível: Tom Ford substituiu Yves Saint-
Laurent. Depois de cem anos de um ciclo de luxo artístico dominado pelos
ateliês da oferta, eis o tempo do luxo-marketing centrado na procura e na
lógica do mercado.
Levado por uma procura em forte expansão8 e marcado por uma
concorrência feroz, o universo do luxo tende a aventurar-se em práticas
análogas às observáveis nos mercados de massa: explosão dos custos de
lançamento e da publicidade, comunicação de “choque” ou transgressiva,
inflação de lançamento de novos produtos,9 encurtamento da duração de
vida dos produtos, aumento das ofertas promocionais no mercado dos
perfumes e dos cosméticos, exigência de resultados financeiros a curto
prazo.10 É verdade que todas essas novas estratégias não são inelutáveis e
destinadas a um avanço ilimitado, a tal ponto que podem ter efeitos
perversos a longo prazo. Mas nem por isso traduzem menos a entrada
estrondosa das indústrias de luxo na era do marketing.

o luxo emocional

Se convém falar de uma nova idade do luxo, isso não diz respeito
unicamente às transformações observáveis na esfera da oferta, mas também
às metamorfoses que se enraízam na procura, nas aspirações e nas
motivações, nas relações que os indivíduos mantêm com as normas sociais
e com os outros, com o consumo e os bens raros. Individualização,
emocionalização, democratização, estes são os processos que reordenam a
cultura contemporânea do luxo.
Reconheçamos que, à primeira vista, o fenômeno do consumo de luxo
parece antes marcado por uma continuidade social-histórica que pela
descontinuidade. De fato, é pouco duvidoso que em diversos meios
riquíssimos (monarcas, príncipes, magnatas industriais e financistas)
perpetue-se a tradicional função social dos dispêndios suntuários
ostentatórios. Exibir seu nível de riqueza, despender em pura perda,
mostrar-se generoso e mecenas, nada de tudo isso desapareceu e continua a
funcionar, sob muitos aspectos, como norma social obrigatória. Mesmo em
níveis inferiores, o consumo das novas camadas abastadas dos traders e
outros golden boys parece continuar dependente do efeito Veblen. Desde os
anos 1980, as novas elites do mundo econômico alardeiam sem complexo
seus gostos pelos produtos de luxo e pelos símbolos de posição social. Nos
Estados Unidos, mais que na Europa, as classes ricas orgulham-se de exibir
sua fortuna como signos de valor e sucesso individual, validação de um
projeto econômico e social.11 De todo modo, tanto além-Atlântico como no
Velho Continente, os ideais da frugalidade puritana bem como os da
contestação estão esgotados; eis o luxo e suas marcas de prestígio
reabilitados, cada vez menos controversos, voltando a estar em voga.12 A
época contemporânea faz recuar os imperativos da moda, mas vê triunfar o
culto das marcas e dos bens raros. O esnobismo, o desejo de parecer rico, o
gosto de brilhar, a busca da distinção social pelos signos demonstrativos,
tudo isso está longe de ter sido enterrado pelos últimos desenvolvimentos
da cultura democrática e mercantil.
Nada de novo, portanto, na relação dos homens entre si e com os
consumos dispendiosos? A realidade é muito mais complexa. Uma
observação importante de Veblen dá o sentido da mudança em curso. Ao
exibir riqueza, sublinha ele, “não apenas fazemos com que os outros sintam
nossa importância, não apenas aguçamos e mantemos em alerta o
sentimento que eles têm dessa importância, mas também, coisa quase não
menos útil, fortalecemos e preservamos todas as razões de auto-
satisfação”.13 A paixão pelo luxo não é exclusivamente alimentada pelo
desejo de ser admirado, de despertar inveja, de ser reconhecido pelo outro, é
também sustentada pelo desejo de admirar a si próprio, de “deleitar-se
consigo mesmo” e de uma imagem elitista. Foi essa dimensão de tipo
narcísico que se tornou dominante. A redução do peso do julgamento do
outro que acompanha o neonarcisismo contemporâneo não significa a
diminuição da importância da relação de si com os outros. Em um tempo de
individualismo galopante, afirma-se a necessidade de destacar-se da massa,
de não ser como os outros, de sentir-se um ser de exceção. Assim, as
motivações elitistas permanecem, mas estão menos baseadas em desígnios
de honorabilidade e de ostentação social do que no sentimento da distância,
no gozo da diferença proporcionada pelos consumos raros e no afastamento
que abrem em relação à maioria.14 Se uma vertente da dinâmica pós-
moderna do individualismo leva a pessoa a “viver para si”, a ser menos
dependente da opinião de outrem, a privilegiar suas emoções íntimas, uma
outra vertente estimula-a a comparar-se com os outros para sentir que existe
“mais”, marcar sua particularidade, construir uma imagem positiva de si
para si própria, sentir-se privilegiada, diferente dos outros. Os sentimentos
elitistas, a exigência de comparar-se vantajosamente com os outros não têm
nada de novo, mas se recompõem hoje a partir da própria lógica do neo-
individualismo, mais para si do que com vista à estima do outro.
Mesmo a tradicional lógica de distinção social traz a marca da dinâmica
individualista. O universo do luxo não funciona mais exclusivamente
segundo a oposição clássica dos mais ricos e dos menos ricos, dos
dominadores e dos dominados, dos herdeiros e dos novos-ricos. Para toda
uma categoria de consumidores de produtos de grande luxo (estrelas, ídolos
etc.), trata-se não tanto de ser admitido em um grupo ou de confirmar um
estado de riqueza quanto de exprimir uma personalidade singular, uma
originalidade, um gosto pessoal livre das formas e dos quadros
convencionais. Hoje, o luxo está mais a serviço da promoção de uma
imagem pessoal do que de uma imagem de classe.
As mudanças de fundo não param aí. Desde a noite dos tempos, as
despesas suntuárias ordenaram-se em função de regras sociais impositivas,
ora sagradas, ora profanas, mas de todo modo sinônimos de um
enquadramento rígido das condutas individuais pela ordem coletiva. Nesse
ponto, nossas sociedades registram uma transformação profunda, e isso
tanto é verdade que funcionam menos sob o signo da obrigação social que
sob o da arbitragem individual. Ao aparato e ao padrão de vida socialmente
impostos nas classes superiores sucedeu um luxo livre, não conformista,
“sem obrigação nem sanção”. Emerge assim um consumo dispendioso, livre
das prescrições sociais, que representa a ascensão das aspirações e das
motivações individualistas. Despesas extravagantes aqui, compras
“econômicas” ali, o consumo de luxo está em via de desinstitucionalização,
paralelamente ao que está em ação nas esferas da família, da sexualidade,
da religião, da moda, da política. Por toda parte a cultura neo-individualista
é acompanhada pela emancipação dos indivíduos em relação às antigas
imposições de dependência e pela correlativa erosão da autoridade das
normas coletivas. Diversificação dos modelos de vida, enfraquecimento do
poder regulador das instituições sociais e dos controles de grupo, é um
individualismo desregulado, opcional, que caracteriza o momento dito pós-
moderno. Esse impulso da autonomia dos indivíduos não poupou o
consumo em geral e o consumo de luxo em particular, manifestando-se este
último, tendencialmente, segundo uma lógica desunificada, descoordenada,
de geometria variável. O que, em nossos dias, é chamado de “burguês
boêmio” é apenas uma das últimas ilustrações da promoção de uma cultura
pós-convencionalista, desemparelhada e eclética, sustentada pelo princípio
de livre disposição de si. O consumidor de luxo típico ideal é daí em diante
multifacetado, tira seus modelos de diferentes grupos, mistura diferentes
categorias de objetos de diferentes preços e diferentes estilos. A
mobilidade, a hibridação, a disparidade substituíram o luxo empolado
“comme il faut”.
Desinstitucionalização e individualização, isso significa ao mesmo tempo
emergência de uma relação mais afetiva, mais sensível com os bens de luxo.
Por certo, essa dimensão está longe de ser nova, manifestando-se de
maneira evidente pelo menos desde a Renascença. Ainda assim, no
conjunto, o luxo estava associado a sujeições mais ou menos cerimoniais
que testemunham a prioridade das imposições coletivas sobre os gostos
subjetivos. Sob esse aspecto, a mudança a que assistimos merece ser
sublinhada. Sob o impulso do neo-individualismo, vêm à luz novas formas
de consumo dispendioso que dependem bem mais do regime das emoções e
das sensações pessoais do que das estratégias distintivas para a classificação
social. Através das despesas caras, homens e mulheres aplicam-se menos
em ser socialmente ajustados do que em experimentar emoções estéticas ou
sensitivas, menos em fazer exibição de riqueza do que em sentir momentos
de volúpia. Convite à viagem, convite às delícias dos cinco sentidos, o luxo
identifica-se tendencialmente com uma festa privada, uma festa dos
sentidos. A busca dos gozos privados ganhou prioridade sobre a exigência
de exibição e de reconhecimento social: a época contemporânea vê afirmar-
se um luxo de tipo inédito, um luxo emocional, experiencial, psicologizado,
que substitui a primazia da teatralidade social pela das sensações íntimas.
Por muito tempo o luxo confundiu-se com a demonstração, o cenário, o
espetáculo ostentatório da riqueza: o artifício, o adorno, os signos visíveis
destinados ao olhar do outro constituíam-lhe as manifestações
predominantes. Isso não desaparece, mas surgiram novas orientações que
testemunham o recuo dos símbolos honoríficos em favor de expectativas
centradas na experiência vivida imediata, na saúde, no corpo, no maior
bem-estar subjetivo. Agora, os produtos de cuidado classificam-se na
primeira posição das vendas dos cosméticos, muito à frente dos produtos de
maquiagem. As talassoterapias, os centros de cuidado e de recuperação da
forma, as clínicas de saúde estão em pleno crescimento. A cirurgia estética
registra um boom sem precedente. Todos os hotéis luxuosos acomodam
agora locais de restabelecimento, oferecem cuidados adaptados às
expectativas de boa forma, beleza, relaxamento, repouso, emagrecimento,
harmonização energética. Multiplicam-se os spas de luxo. De um lado, a
lógica da aparência continua igualmente fundamental, como confirma a
espiral dos cuidados de beleza, mas o deslocamento em curso não é por isso
menos significativo: o importante já não é pôr a fortuna em evidência, mas
parecer jovem e realçar a beleza. Do outro lado, as práticas de luxo
aventuram-se por caminhos menos sujeitos ao primado do olhar, dominados
que são pela busca da saúde e do experiencial, do sensitivo e do bem-estar
emocional. Teatro das aparências, o luxo tende a pôr-se a serviço do
indivíduo privado e de suas sensações subjetivas. Um luxo para si.

O direito ao luxo

O processo de subjetivação do luxo não se limita às práticas de consumo,


exprime-se até nas maneiras de falar dele e de o definir. A esse respeito, as
conversações correntes são instrutivas, cada um se permitindo em nossos
dias dar sua própria definição ou interpretação do “verdadeiro” luxo: o
indivíduo tornou-se a medida do luxo. É assim que este pode ser
identificado com fenômenos tão diferentes quanto o tempo livre, a
qualidade de vida, o amor, a harmonia interior, a responsabilidade, a
liberdade, a paz, a ação humanitária, o saber, a natureza.15 O impulso do
individualismo levou à vontade de reapropriação, de um modo ideológico e
subjetivista, de uma esfera inacessível, definida por critérios materiais. Uma
última fortaleza hierárquica é derrubada — ideologicamente, entenda-se —
sob o impacto do imaginário democrático, celebrando um luxo plural, à la
carte, emancipado dos critérios impessoais do preço. Tudo se passa como
se o indivíduo contemporâneo, com suas aspirações à realização íntima, se
houvesse tornado refratário a uma definição restritiva do luxo suscetível de
proibir-lhe o acesso ao que é associado ao sonho, às volúpias e às belezas
superlativas. Enquanto os produtos raros e caros não cessam de retraçar
barreiras objetivas e distância social, a cultura pós-moderna adota o
perspectivismo ou o subjetivismo como expressão da exigência democrática
do direito à felicidade e ao luxo.
Luxo para quem? Não está tão longe o tempo em que o consumo e os
estilos de vida eram orquestrados pela oposição dos “gostos de luxo” em
vigor nas classes ricas e dos “gostos de necessidade” característicos das
classes populares. A umas o refinamento e a distância dos simples prazeres
dos sentidos, os emblemas eletivos, o delicado e a preocupação com as
formas; às outras, práticas que excluem as gratuidades e as “maneiras”,
transfigurando as imposições objetivas em preferências e levando a escolher
sistematicamente o prático, o simples, o necessário.16 Esse fechamento do
universo dos possíveis concretizava-se geralmente, entre a plebe, pela idéia:
o luxo “não é para nós”. Mas o que resta desse éthos hoje?
Um dos maiores efeitos da cultura consumista—individualista é que ela
subverteu profundamente a relação dos indivíduos com as “coisas” e com o
“necessário”. Afirmam-se maciçamente, em nossos dias, as exigências de
qualidade dos produtos e do meio ambiente, de proteção e de informação
dos consumidores. O fenômeno da ascensão do “top de linha” é manifesto:
todos os observadores do consumo assinalam o declínio do consumo dos
produtos “populares” ligados ao “gosto de necessidade” em favor do
mercado da qualidade e dos produtos “especiais”. A preocupação com a
alimentação saudável e dietética é geral, não cessando o “leve” de ganhar
terreno em relação ao “pesado”. Da mesma maneira, as viagens e o lazer, o
ideal de maior bem-estar e da melhor aparência deixaram de ser normas
elitistas. Não há, por certo, homogeneização generalizada das práticas e dos
gostos, mas uma cultura mais fluida, marcada pela descompartimentação
social dos comportamentos, uma redução muito significativa do isolamento
e da estanquidade de classes, em vigor ainda há pouco. Mais ninguém ou
quase ninguém, em nossas sociedades, vive tendo como objetivo a
aquisição do estritamente “necessário”: com o crescimento do consumo, do
lazer e do bem-estar, o “supérfluo” ganhou títulos de nobreza democrática,
tornou-se uma aspiração de massa legítima.
Ao mesmo tempo, intensificam-se as atitudes preventivas e corretivas
(saúde, esportes, regimes, cirurgia estética). Em todos os grupos, as pessoas
lutam contra os sinais do envelhecimento e o excesso de peso. Por toda
parte impõem-se, em vez das tradicionais atitudes de resignação, de
aceitação do “destino” e das condições sociais, a exigência do progresso
indefinido do nível de vida, o gosto pelas novidades e pelas marcas de
prestígio, o direito à qualidade, à beleza, ao lazer. A época pós-moderna é
contemporânea da supressão dos antigos tabus de classe, da erosão das
inibições populares relativas ao consumo dispendioso. Agora todo jovem
acha normal ter acesso às marcas “descoladas”; o fascínio pelo consumo,
pelas marcas e pelo “cada vez mais” libertou-se das fronteiras de classe. À
antiga “interdição” ligada ao luxo sucedeu esta idéia: “Luxo, por que não
para mim?”.
Essa tendência não é apenas ideológica, mas desde os anos 1970
concretiza-se no crescimento de um consumo “ocasional” de produtos de
luxo ditos “intermediários” ou “acessíveis” usufruídos por categorias
sociais médias, por vezes modestas. Ascensão do “direito” aos emblemas
eletivos, difusão ampliada de artigos de prestígio comprados como
presentes, impulsos e paixões estéticas — a idade pós-moderna é o teatro de
uma democratização dos desejos e das compras de luxo. Naturalmente, os
desejos de ostentação, o esnobismo e a vaidade continuam a ter aí sua
participação, mas não devem ocultar o que mudou na ordem das
motivações. Muito mais um presente que se oferece a si próprio ou às
pessoas chegadas do que uma pretensão de classe, essas despesas ocasionais
assemelham-se freqüentemente a uma viagem de sonho, a uma “loucura”
que permite romper a banalidade dos dias. Daí em diante, trata-se não tanto
de “impressionar a galeria” quanto de viver “experiências inéditas”, de dar-
se prazer, de ter acesso a momentos privilegiados. Muitas vezes esses
consumidores ocasionais não têm, de modo algum, o objetivo de exibir uma
imagem de posição social superior, eles brincam de ser ricos, apenas se
divertem, por um tempo limitado, em mudar de “papel”, em revestir-se de
novas aparências. Às competições estatutárias sucede um consumo
distanciado, lúdico, sem desafio nem real aposta simbólica. Não resta mais
que uma participação de segundo grau em um universo que, sem ser de
“nosso mundo”, já não é completamente estranho. Mimicry (imitação)
destronou agôn (luta).17
Sublinhemos novamente: não há de modo algum desaparecimento das
paixões distintivas. Simplesmente, o que estava no coração dos consumos
dispendiosos não é mais que um elemento em um conjunto motivacional
com focos múltiplos. Nesse domínio, as lutas simbólicas perderam sua
antiga centralidade. Da mesma maneira que na moda as mulheres só usam
aquilo de que gostam, o que lhes “cai bem”, assim também todo um
conjunto de bens de luxo é adquirido como promessa de felicidade, oásis de
prazer, de beleza, de bem-estar. As lógicas de pretensão e de distinção de
classe podem subsistir, mas já não constituem a coluna vertebral dos
consumos de luxo, de agora em diante amplamente reestruturados por uma
dinâmica subjetiva e afetiva. É em outra parte que se trava o essencial das
lutas pelo reconhecimento social.
Subjetivação, democratização da relação com o luxo: transformações que
devem ser vinculadas à era do consumo e da comunicação de massa.
Difundindo em grande escala a norma da felicidade privada, consagrando
os referenciais do bem-estar, do prazer e dos lazeres, o universo das coisas e
das mídias minou as morais da resignação, do sacrifício e da poupança.
Simultaneamente, o culto do corpo e o psicologismo santificaram a vida no
presente, tudo o que contribui para a expressão e o pleno desenvolvimento
pessoal. Uma vez que o bem-estar e o amor-próprio impõem-se como
legítimas finalidades de massa, cada um pode pretender ao que há de
melhor e de mais belo, cada um quer poder gozar, a priori sem limites, do
presente e das maravilhas do mundo. Por que não aproveitar o que há de
melhor nesta terra? Por que se privar? Em nome de quê? As novas
exigências democráticas de luxo não se enraízam no jogo dos
afrontamentos simbólicos de classe. Tampouco resultam de uma pretensa
escalada da inveja, das frustrações e insatisfações que se apossariam dos
indivíduos à medida que a prosperidade aumenta e que as distâncias sociais
diminuem. Elas vêm simplesmente rematar o consumismo, a sagração dos
gozos privados, o direito democrático à felicidade. A cultura de massa
materialista e psicológica é que foi o grande vetor da democratização da
relação com o luxo.

luxo e desafio

Desde a noite dos tempos, as condutas suntuárias estiveram associadas ao


desafio inter-humano, à superação e à competição agonística dos signos. No
potlatch tlingit ou kwakiutl, os chefes afrontavam-se rivalizando em
generosidade; os mecenas gregos e romanos aplicavam-se em superar os
predecessores pelo esplendor de seus presentes ao povo. O luxo foi a tal
ponto orquestrado pelos consumos dispendiosos que as potências
monárquicas não cessaram de promulgar, entre o século ix e o século xviii,
na Europa, todo um conjunto de editos suntuários destinados a frear o
desperdício dos materiais preciosos e a confusão das distinções sociais.
A partir do século xix, como vimos, surgiu pela primeira vez uma
dinâmica de algum modo oposta, que se consagra a celebrar um luxo
“democrático”, menos dominador, menos de “dar na vista”. O momento
pós-moderno ou hipermoderno prolonga esse caminho. Não apenas por
meio da estética da discrição, mas também pela promoção de um luxo mais
defensivo que agressivo. Em uma época considerada ameaçadora,
proliferam os dispositivos de proteção máxima, as residências de luxo
seguradas e vigiadas 24 horas, as villas dotadas de muros, de guaritas, de
sistemas de alarme e de câmeras para vigilância.18 À escalada da pompa e
do decoro sucedem o redobramento dos equipamentos de controle e de
vigilância, a obsessão securitária e sanitária. Antes de Michael Jackson, o
bilionário americano Howard Hughes vivia já aterrorizado pelos micróbios
e os vírus, isolado do mundo, não se comunicando com ele senão por
intermediários. Cada vez mais, o alto nível de segurança torna-se um
argumento importante da oferta de luxo. Analistas afirmam que a motivação
dos clientes dos imóveis de luxo é fortemente dominada pela exigência de
segurança dos bens e das pessoas.

Naturalmente, o bê-á-bá do luxo é enunciado em mármores e madeiras preciosas onipresentes,


piscina e jardins obrigatórios. Sem esquecer o trunfo número um, a segurança. Um cofre-forte
oculto atrás de um armário num apartamento vigiado por uma câmera ligada a uma guarita,
por sua vez ligada diretamente à polícia monegasca, sem dúvida a mais eficaz do mundo. Eis o
cúmulo do luxo:

ao luxo agonístico sucedeu o luxo paranóico.


O setor automobilístico ilustra igualmente essa nova combinação do luxo
e da segurança. Desde 1965, com o Mercedes Classe S, apelidado “cofre-
forte rolante”, a busca da segurança máxima aparece no primeiro plano do
discurso da marca alemã. A temática securitária tornou-se onipresente na
promoção de todos os carros de luxo: segurança “passiva” concebida para
diminuir ou eliminar os ferimentos quando de um acidente (habitáculo de
segurança, airbags frontais e laterais, cortina inflável), mas também
segurança “ativa” construída para permitir que o condutor evite um acidente
(freios, aceleração, co-piloto eletrônico). Aos quais se acrescentam, em um
outro plano, o trancamento automático das portas que impede a abertura do
carro pelo lado de fora, os vidros laterais laminados, as instalações de
sistema antiagressão. Um fornecedor de equipamentos propõe agora um
sistema de identificação de impressões digitais que impede pessoas não
autorizadas de abrir as portas e de pôr em funcionamento o motor parado.
Em uma época obcecada pelo desejo de segurança, o luxo de proteção
prima sobre a ênfase dos signos suntuários e seus desafios simbólicos;
importa menos prevalecer sobre o outro do que ter os benefícios do mais
alto nível de segurança.
Por mais sublinhada que seja, essa tendência securitária não significa de
modo algum que a esfera do luxo tenha sido expurgada de seus antigos
vínculos com a lógica do desafio e do prestígio. Em primeiro lugar, todo um
conjunto de comportamentos suntuários — compras de obras de mestres,
leilões, mecenato — perpetua a tradição das competições agonísticas de
tipo aristocrático. Em seguida, vemos desenvolver-se tipos de despesas
astronômicas financiando atividades “gratuitas”, mas fortemente marcadas
pelo desafio, pela competição, pela corrida em busca do renome e da
imagem: a competição esportiva automobilística é a ilustração exemplar.
Relembremos o valor colossal dos orçamentos das escuderias de Fórmula 1,
que ultrapassam geralmente cem milhões de euros, para atingir quatro vezes
essa soma no caso da Ferrari. Ninguém ignora que essas despesas não são
perdidas, mas realizadas em vista da notoriedade das marcas e dos
patrocinadores. Mas não é menos verdade que é em espetáculos ou em
façanhas baseados no desafio, na competição e no risco que elas se
concretizam.
Hoje, os patrocinadores apadrinham menos os projetos artísticos do que
ajudam a realizar façanhas e performances esportivas espetaculares e de
risco. Desde os anos 1980, observa-se o crescimento do financiamento de
atividades perigosas e “gratuitas”: o patrocínio das corridas solitárias, ralis,
raides no deserto, expedições no pólo Norte, saltos de parapente do pico do
Everest. A seu respeito é legítimo falar de práticas de luxo, não apenas
porque muitas delas custam muito caro e exigem patrocínio, mas também
porque aí se manifestam um espetáculo “por nada”, uma corrida pelos
recordes, a vontade ostensiva de “ganhar o primeiro lugar” desafiando o
tempo, o espaço, a idade, o corpo. A ligação do luxo com o princípio de
exagero e de excesso não foi desfeita, com a diferença de que agora o luxo
dá ocasião a práticas de desafios mais hiper-realistas e emocionalistas que
simbólicos. À cena agonística dos signos suntuários sucedem atividades
“extremas” que são acompanhadas de esgotamento, fome, sede, acidentes e
riscos.19 Não é mais a teatralidade da riqueza que importa, mas os frissons
subjetivos da aventura, um sentimento de si vitorioso, a intensidade das
sensações íntimas proporcionadas por experiências-limite em que entram o
risco e a relação com a morte.
Ninguém pode dizer como será ilustrado no futuro o luxo emocional.
Mas já Denis Tito, primeiro turista espacial da história, despendeu mais de
22 milhões de euros por uma semana a bordo da estação espacial
internacional. Surge um luxo que não é mais inter-humano, mas
“extraterrestre”, em busca de viagem sideral e de sensações desconhecidas.
O princípio do desafio permanece, com a diferença de que já não é lançado
aos outros homens, mas à gravidade, ao espaço, à percepção, à nossa
morada terrena. Não mais deslumbrar o Outro, mas ser deslumbrado pelo
desterramento do planeta Terra, pelo esplendor do cosmo e o “silêncio
eterno dos espaços infinitos”.
A própria publicidade e comunicação das marcas de luxo dedicam-se,
agora, a recuperar a dimensão de desafio, explorando a veia da
transgressão. Exibição fetichista nos desfiles de alta-costura de Dior ou
Givenchy, imagens sexualmente sugestivas em Gucci, acenos à orgia em
Versace, ao lesbianismo, à masturbação, à androginia em outros criadores.
Um recente visual Dior anuncia: Addict (viciado). Com o “pornô-chique”
— aliás, já passado de moda — o mundo do luxo trocou sua imagem de
respeitabilidade pela da provocação, do antitabu, do sensacionalismo.
Um desafio puramente lúdico, sem risco nem aposta, é preciso
acrescentar, uma vez que a ordem sexual nas sociedades liberais
emancipou-se amplamente dos critérios morais: as marcas arriscam a
provocação no momento em que o sexo não choca mais muita gente. Resta
que não são mais os símbolos da riqueza que aparecem no primeiro plano,
mas signos “ousados”, destinados essencialmente a rejuvenescer a imagem
de marca das casas de luxo. Hoje, o desafio já não tem finalidade
estatutária, funciona como lifting comunicacional. Quando a moda não é
mais teatro de grandes rupturas estilísticas, quando o vestir-se não é mais
signo honorífico e deixa de ser animado pelas competições por prestígio, o
luxo dedica-se a recriar, de uma outra maneira, um espetáculo de excesso,
um novo “desregramento” de signos. O exagero que não existe mais, nem
na oferta nem na procura, reaparece no plano da “comunicação” de
marketing. Não mais prevalecer sobre os outros pela suntuosidade
ostensiva, mas fazer falar de si exibindo uma diferença provocante de
“liberdade”. Quando a moda se afasta das rupturas vanguardistas e das
rivalidades agonísticas, resta o desafio como simulacro e show midiático.
3. A feminização do luxo

Se o luxo é um fenômeno de classe, não é apenas uma manifestação de


classe. Aí se exprime igualmente uma lógica social que muitas análises
subestimam: a dos papéis e lugares conferidos aos dois sexos. Através do
luxo lêem-se não apenas estratégias de distinção social, mas também a
maneira pela qual é construída e pensada a diferença sexual. Reinterpretar a
questão do luxo implica hoje a reavaliação do papel e da importância da
divisão social dos gêneros.
Em nossas sociedades, o luxo aparece como uma esfera mais em
conivência com o feminino do que com o masculino, mais associada ao
universo dos gostos femininos do que ao dos homens. Existem, é claro,
diferentes bens de luxo (automóveis, jatos privados, iates, bebidas
alcoólicas, charutos) fortemente marcados pela dimensão masculina, mas,
no conjunto, estes pertencem mais ao mundo das mulheres do que ao dos
homens. Não se trata de preço e de montante de negócios realizados no
mercado, mas de imaginário e de “superfície” social. Jóias, moda,
acessórios, casacos de pele, lingerie, perfumes, produtos de beleza e de
cuidados, marroquinaria, decoração da casa, artes da mesa são setores que
confirmam o lugar predominante do feminino no domínio do consumo de
luxo. Posto isto, convém sublinhar que essa primazia feminina, longe de
constituir uma invariância histórica, impõe-se como um fenômeno
relativamente recente e excepcional na história. De fato, foi apenas no
início da modernidade, nos séculos xviii e xix, que se encetou o processo de
feminização do luxo, e isso à contracorrente da tradicional supremacia
masculina. Com essa inversão de tendência, as sociedades modernas
introduziram uma ruptura importante na história do luxo, da qual
continuamos a ser os herdeiros.
Daí a inevitável pergunta: por quanto tempo ainda? Como não se
interrogar sobre o futuro de semelhante dispositivo assimétrico a partir do
momento em que nossas sociedades baseiam-se no ideal de igualdade entre
os gêneros? Feminização do luxo: lógica de uma idade anterior destinada a
descompor-se ou dispositivo regenerado pela própria dinâmica do
individualismo?

luxo, apanágio dos homens

Durante a mais longa parte de sua história, o luxo construiu-se sob o


signo do primado masculino. Assim, nas sociedades primitivas, são os
chefes, exclusivamente masculinos, que se lançam nas disputas de
generosidade em vista do reconhecimento prestigioso. Inferior ao homem,
não podendo chegar à posição de líder, a mulher é excluída, enquanto
protagonista, dos sistemas de prestações e de contraprestações honoríficas.
Os comportamentos nobres de liberalidade são um privilégio de homens.
Da mesma maneira que a guerra, a prodigalidade constituiu um dos grandes
vetores da institucionalização do poder masculino. O luxo primitivo
confunde-se menos com a “parte maldita” do que com a parte honorífica do
homem.
Semelhante supremacia masculina é igualmente manifesta no mundo
greco-romano. Para os Antigos, o luxo com que é beneficiada a cidade é
digno; em compensação, o que aparece como luxo pessoal, testemunho de
inutilidade cívica, é condenado. Como escreve Cícero: “O povo romano
detesta o luxo privado e ama que a magnificência seja pública”.1 Erguer um
templo é nobre; mandar construir um palácio suntuoso para si desperta a
hostilidade enquanto atitude movida pelo orgulho, o desdém, a vontade de
mostrar-se superior aos outros cidadãos. Mas existe também um luxo
privado que suscita a reprovação: é o das mulheres que se preocupam com
sua toalete, que se enfeitam com jóias e se maquiam. O luxo feminino dos
artifícios para “tornar-se bela” é por toda parte objeto de depreciação,
condenado enquanto “arte de embuste” e de dissimulação.2
As coisas são bem diferentes em relação à liberalidade dos evérgetas, que
é acompanhada de honras e de glória. Mas, dar generosamente em proveito
da cidade é assunto masculino, uma vez que o evergetismo desenvolveu-se
em torno das funções públicas, municipais e senatoriais, militares e
imperiais, todas funções reservadas aos homens. Encerradas na vida
privada, as mulheres não desempenham nenhum papel na vida política. Sem
dúvida, existiram magistraturas e evergesias femininas,3 mas estas
permaneceram bastante raras. Os excessos de generosidade e as honras
públicas que daí resultam são prerrogativas do masculino.
No fim da Idade Média, em uma civilização em que tudo é sacrificado à
aparência, em que tudo é pretexto para espetáculos, para o brilho dos
ornamentos, dos trajes de gala e dos cenários, os homens estão na primeira
fila das despesas exageradas e das competições provocantes. Detentores do
poder, eles são os personagens mais em evidência nos exageros da
suntuosidade, na renovação das toaletes, nas mudanças espetaculares da
moda. A revolução indumentária do século xiv está associada, de fato, à
supremacia dos homens na ordem do vestir. Enquanto a constância do
vestuário feminino contrasta com a maior diversidade das toaletes
masculinas, estas apresentam as audácias mais inovadoras. O nascimento da
moda no Ocidente coincidiu com a promoção do masculino como “padrão
da aparência”.4 O inventário dos guarda-roupas na Roma da Renascença
revela o lugar preponderante dos homens nos caprichos da moda.5 Isso
continuará a ser verdade no século xvii, quando o vestuário feminino é
muito mais sóbrio que o dos homens e sofre menos transformações que o
traje masculino. É necessário relembrar que os editos suntuários proibindo
os excessos luxuosos da indumentária visavam indistintamente aos dois
sexos? Nas sociedades de ordens, homens e mulheres das camadas
superiores são submetidos à mesma regra de exibição enfática da distância
social: os homens nobres e ricos “arruínam-se” em despesas de vestuário
iguais, se não superiores, às das mulheres. Ainda às vésperas da Revolução,
homens e mulheres na aristocracia de Versalhes estão lado a lado no que se
refere ao valor de seus guarda-roupas.6
Preeminência masculina que não impediu os pregadores e os autores
moralistas de lançar suas flechas principalmente contra as mulheres que se
maquiam e cuja toalete é percebida como artifício, luxúria, instrumento de
sedução. Feita à imagem de Eva, tentadora, inconstante, a mulher está
intimamente associada à aparência e à moda. Na Renascença, Cesare
Vecellio nota a impossibilidade que há em recensear os trajes femininos
“porque eles estão mais sujeitos às mudanças e são mais variáveis que as
formas da lua”.7 No começo do século xvii, Grenaille declara que a moda é
“deusa” e não deus, visto que “é uma doença de mulher, mas uma simples
paixão dos homens”.8 A mulher está, por essência, do lado da aparência e
da vaidade: “As mulheres só amam os rubis”, diz um antigo provérbio.9 Se
o luxo indumentário foi um espetáculo mais masculino que feminino, suas
denúncias mais virulentas visaram bem classicamente às mulheres e seus
subterfúgios.

a grande inversão

É apenas no século xviii que se efetua a oscilação histórica constitutiva


da feminização do luxo. Desde essa época, os caprichos, as extravagâncias,
os refinamentos da moda tornaram-se mais característicos do feminino que
do masculino. Então é o triunfo das vendedoras de moda, essas “artistas” da
ornamentação da toalete cujas faturas exorbitantes dirigem-se a uma rica
clientela feminina.10 Enquanto se desenvolve um jornalismo de moda
visando antes de tudo a um público feminino, as normas de consumo dos
dois sexos em matéria indumentária clivam-se claramente. Em torno de
1700, tanto na nobreza de espada quanto na nobreza de toga, o valor dos
guarda-roupas femininos atinge já o dobro do dos vestuários masculinos.
No fim do Antigo Regime, as mulheres oriundas das camadas burguesas e
populares despendem pelo menos duas vezes mais com seus trajes que seus
maridos.11 Com exceção, talvez, da alta aristocracia, as superfluidades da
moda, as despesas e paixões indumentárias tornaram-se coisa mais feminina
que masculina.
O século xix sistematizou e institucionalizou essa preeminência feminina
na ordem da aparência, da moda e do luxo. A alta-costura constitui-lhe o
elemento essencial. Com esta aparece uma indústria de grande luxo
exclusivamente destinada às mulheres; daí em diante, apenas a moda
feminina brilha com toda a intensidade, afirmando-se como farol da
aparência, peça mestra do efêmero e do dispêndio suntuário. A repartição
das aparências dispendiosas não obedece mais apenas à divisão das classes,
mas também à dos gêneros. Às mulheres, as toaletes faustosas de preços
atordoantes; aos homens, o traje preto e austero, símbolo dos novos valores
de igualdade e de poupança, de racionalidade e de disciplina, de medida e
de rigor. A nascente idade moderna democrática associou-se a um
despojamento masculino dos signos da aparência dispendiosos e,
simultaneamente, a uma consagração sem igual dos emblemas
resplandecentes do feminino. “Vitrine” do homem, a mulher, por intermédio
do vestir, vê-se encarregada de exibir o poder pecuniário e o estatuto social
do homem.
A mulher, fachada da fortuna do pai, do marido ou do amante? Isso é
inegável. Com a condição, no entanto, de não nos atermos apenas à função
de consumo vicariante, assimilando o papel representativo da mulher ao dos
empregados e outros criados que usam libré.12 Outros fatores externos ao
código do desperdício ostentatório por procuração tiveram um papel
primordial. Esses fatores enraízam-se nos sistemas de valores e de
representações relativos à diferença sexual, nos papéis e atributos
conferidos aos homens e às mulheres.
Invocando a natureza, a razão e a felicidade, os modernos aplicaram-se
em sistematizar, em disciplinar a divisão dos papéis sexuais da mesma
maneira que normatizaram e esquadrinharam detalhadamente as operações
do corpo. A exigência de racionalização social e a vontade de reafirmar a
hierarquia masculina tradicional uniram-se para associar de maneira
sistemática as mulheres ao espaço privado e ao decorativo, os homens ao
espaço público, à dominação política e econômica. Às mulheres, a sedução
das aparências; aos homens, o ascetismo dos trajes, expressão da nova ética
da igualdade e do trabalho. Admirada enquanto mãe e esposa, celebrada
como “religião de pureza, de doçura, de poesia... de bondade, de
civilização”,13 venerada por seus encantos e suas graças, em todos os casos
a mulher é assimilada ao gênero que não se pertence, incapaz de chegar à
plena soberania de si. Destinada “por natureza” a cuidar dos filhos e a
agradar, a mulher supostamente só se realiza existindo para o outro, em
vista do desejo e da felicidade do outro: “A mulher não vive sem o
homem”, escreve Michelet. Assim, da mesma maneira que as mulheres não
podem chegar à felicidade senão no amor e no devotamento familiar, elas
têm a obrigação de aparecer como o mais belo ornamento do homem,
“flor”, decoração, ídolo enfeitado para o desejo do homem. Feita para
seduzir e ser o encanto da vida social, a mulher está destinada à
artificialidade da aparência. Através da clivagem moderna das aparências
exprimiu-se a recusa de reconhecer a mulher como ser autônomo
pertencente a si próprio. Na feminização do luxo, há mais que uma
estratégia distintiva das classes abastadas:14 trata-se também de um
instrumento de reprodução da “mulher menor”, da dependência feminina
em relação ao homem, de um meio destinado a engrandecer, no brilho dos
signos, a mulher como decoração e adorno da vida, ser-para-o-olhar do
homem.
Daí o papel primordial desempenhado pelo culto da beleza feminina. Não
há primado do luxo feminino sem a continuidade secular de uma cultura
que celebra em hinos admirativos a superioridade estética do segundo sexo.
A partir da Renascença, pintores e homens de letras elevaram às nuvens a
beleza feminina, que se desprende pouco a pouco de sua tradicional
demonização. Os encantos femininos eram “a arma de Satã”, hoje são
objetos de louvores ditirâmbicos e considerados a imagem da divindade, a
“obra-prima de Deus”.15 Foi preciso essa dignificação da estética feminina
para que se realizasse a inversão moderna do luxo em favor do feminino.
Personificando a beleza, a mulher “merece” os emblemas materiais
superlativos que lhe sublinhem o brilho e o valor: mais nada é bastante belo
nem bastante caro para significar e realçar o belo sexo. A feminização
moderna do luxo não é apenas exibição distintiva por procuração, é
teatralização da importância conferida à beleza feminina. Na continuidade
do passado, o luxo segue coroando a distinção hierárquica, com a diferença
de que esta não é mais apenas social, mas sexual—estética. Expoente do
valor conferido à beleza feminina, a preeminência do luxo feminino
exprime a atribuição à mulher do dever de agradar, de ser bela a qualquer
preço.
Uma última categoria de fenômenos contribuiu de maneira decisiva para
o processo de feminização do luxo: trata-se da celebração da mulher no lar
e de seu correlato, a mulher consumidora. Com os modernos apareceu o
modelo da “dona de casa”, da mulher destinada exclusivamente às tarefas
de esposa, de mãe e da “administração do interior”. Porque encarregada da
vida privada, da educação dos filhos, do funcionamento da casa, a mulher
afirma-se como a principal protagonista do consumo e alvo primeiro da
oferta mercantil. A idade moderna permitiu a simbiose inédita da mulher e
do consumo: a partir do século xix, é ela que dirige o consumo, perde-se
nas delícias da compra, passa horas olhando vitrines, informa-se das
novidades do comércio, vê-se tomada pela necessidade incoercível de
consumir nos grandes magazines.16 O ato de consumir tornou-se um
divertimento feminino, uma ocupação-compensação, um substituto das
diversas frustrações da vida social e afetiva. Ao confinar a mulher na esfera
privada, a modernidade burguesa criou a mulher consumidora: assinalemos
que, nos anos 1920, 70 a 80% das compras no varejo eram efetuadas pelas
mulheres.17 Naturalmente, nos lares burgueses, o homem tem a chave do
cofre e dá toda semana ou todo mês à esposa o dinheiro necessário. As
“grandes” compras são decididas pelo marido, porém o consumo se realiza
sob o signo do feminino. Aspectos inteiros do consumo de luxo —
alimentação, artes da mesa, equipamento e decoração da casa — vão tornar-
se territórios reservados prioritariamente ao segundo sexo.

O futuro feminino do luxo

Se a modernidade impulsionou a feminização do luxo, a pós-


modernidade ou a hipermodernidade porá fim nisso? Há quase três décadas,
somos testemunhas de transformações importantes na ordem da divisão
social dos papéis sexuais, dos lugares e das atribuições do feminino em
particular. O ideal da mulher no lar sofreu uma erosão tão rápida quanto
profunda; os diplomas e o trabalho profissional feminino impõem-se como
valores; a mulher “objeto decorativo” é vivamente combatida. Como evitar
a pergunta: o luxo pode continuar a ser prioritariamente associado ao
consumo feminino a partir do momento em que a dissimilaridade dos papéis
sexuais perde cada vez mais sua antiga legitimidade?
Tanto assim que as mudanças afetam igualmente o universo dos homens.
Estes já não consideram indigno deles participar das tarefas domésticas,
cuidar dos filhos, fazer as compras. Vemo-los manifestar uma preocupação
maior com a moda e com a aparência estética; os produtos cosméticos
masculinos afirmam-se como um mercado tendencialmente ou
potencialmente em expansão. Daí a idéia por vezes enunciada de que as
sociedades democráticas contemporâneas teriam conseguido pôr fim à
dicotomia dos gêneros, privilegiando uma relação de similitude entre os
homens e as mulheres, instituindo a possibilidade de intercâmbio dos papéis
de sexo. A seguir essas análises, o luxo deveria deixar, a mais ou menos
longo prazo, de ser dominado pelo consumo feminino.
Mostremos as cartas: nego radicalmente essa interpretação da pós-
modernidade. Se uma revolução do feminino realmente ocorreu, ela não
coincide de modo algum com a confluência dos gêneros e a aniquilação dos
códigos diferenciais masculino/feminino. Em grande altitude reina a
indivisão dos papéis sexuais; vista de perto, esta é impossível de encontrar.
Suponhamos, para começar, a relação dos homens e das mulheres na
esfera profissional e doméstica. A despeito de profundas mudanças, é
preciso constatar que o estatuto do trabalho feminino segue não sendo
análogo ao dos homens. E se a mulher ganhou o direito ao trabalho externo,
não deixa por isso de continuar reservada às funções domésticas. Todas as
pesquisas de que dispomos mostram que são as mulheres que continuam a
assumir a maior parte da responsabilidade na educação dos filhos e nas
tarefas domésticas. Mesmo que os homens façam as compras e ajudem mais
as mulheres, a carga mental ligada ao funcionamento da casa continua a
caber a elas. A despeito de seu novo compromisso profissional, a mulher se
mantém como o pólo central da vida familiar. Posição persistente que não
se explica apenas em razão de pesos culturais, mas igualmente em razão das
dimensões de sentido, de identidade, de auto-organização que acompanham
em particular as funções maternas. As tarefas femininas não significam
apenas “corvéias” cotidianas, mas também construção de um território para
si, gosto afetivo e estético pelo interior, poder de influência sobre o filho. O
“peso” da história não explica tudo: nas sociedades pós-modernas, as
normas culturais que constituem um obstáculo redibitório ao governo de si
(mulher no lar, ideal de virgindade) perdem sua influência, mas em
compensação as que, a exemplo das responsabilidades familiares, permitem
a ordenação de um universo personalizado, a constituição de um mundo
íntimo e emocional, prolongam-se. O futuro não vê desenhar-se a
androginia e a confluência das normas de sexo, mas a continuação de todo
um conjunto de papéis e funções “tradicionais” reciclados pelos ideais
individualistas. É a conjunção de blocos de tradição com o princípio do
livre governo de si que constitui nosso novo horizonte.18 Em conseqüência
disso, a mulher deverá, por muito tempo ainda, manter-se em posição
dominante no universo do consumo, nas compras correntes ou top de linha
relativas à alimentação, às artes da mesa, à decoração do home.
Além disso, a relação privilegiada da mulher com a moda continua atual.
Mesmo que os jovens se mostrem apegados a certas grifes e mesmo que, de
maneira mais geral, o homem “volte” à moda, as paixões e o interesse em
relação a ela permanecem mais emblemáticos do feminino que do
masculino. Basta observar o conteúdo e as imagens das revistas femininas
para convencer-se disso. As coleções femininas são mais comentadas,
exibidas, valorizadas que as dos homens; a publicidade de roupas
femininas, mais numerosa, mais estética que a relativa aos homens; as top
models femininas são favorecidas por uma notoriedade muito superior à dos
manequins masculinos; a fantasia e a diversidade continuam a encontrar seu
lugar de predileção na moda feminina. A distância entre os gêneros foi
reduzida, mas as mulheres continuam a ser mais consumidoras de roupas
que os homens.19 Atualmente, as mulheres têm responsabilidades
profissionais, são diplomadas e mostram-se menos sujeitas aos imperativos
da moda, menos “obsedadas” pela aparência da indumentária: seu interesse
pelo vestuário não é por isso análogo ao dos homens. A moda não se
assemelha em nada a uma esfera em que todos os signos se permutam sem
limite: prolongando a dinâmica estabelecida no século xviii, a moda
continua a ser uma esfera dominada pelo feminino.
O que vale para a moda vale para a relação com a beleza. Pedem-se
provas disso? Elas são incontáveis. Os concursos de beleza perpetuam-se
exclusivamente no feminino; os jornais femininos estão repletos de
conselhos estéticos; o culto da magreza é mais obsedante no feminino do
que no masculino; na França, de cada dez intervenções de cirurgia estética
oito ou nove são aplicadas em mulheres. É verdade que os homens
tornaram-se consumidores de produtos cosméticos; no entanto, essa
progressão está longe de ser exponencial: há cerca de quinze anos, a
participação do consumo masculino em relação ao mercado global da
cosmética permanece limitada e quase não varia, estabelecendo-se em torno
de 10% do conjunto. É necessário relembrar, além do mais, que os produtos
de maquiagem continuam a ser um interdito mais ou menos absoluto para
os homens? É preciso constatar que o movimento de reabilitação da beleza
masculina iniciado desde os anos 1960 não significa de modo algum o
desaparecimento da assimetria dos papéis e das expectativas estéticas dos
dois sexos.
Não assimilemos esse fenômeno a uma sobrevivência de uma outra era:
bem no fundo, ele deve ser relacionado a mecanismos e a aspirações típicos
de nossas sociedades mercantis e individualistas. Naturalmente, é
impossível não relacionar a “tirania da beleza” às estratégias do marketing,
aos interesses das indústrias cosméticas, à invasão das imagens sublimes do
corpo feminino, ao impacto da imprensa feminina. Mas as políticas
mercantis, por poderosas que sejam, não explicam o conjunto do fenômeno,
em particular a relação das mulheres com o corpo e com a magreza. Na
origem da alergia das mulheres às formas abundantes acha-se sua vontade
de ser menos julgadas como corpo e mais como sujeito dono de si mesmo.
A paixão pela magreza traduz, no plano estético, a recusa da identificação
do corpo feminino com a maternidade, bem como uma exigência de
controle de si, do que se recebeu das mãos da natureza. Se, no presente, a
celulite é tão rejeitada pelas mulheres, é porque o esbelto e o firme têm
valor de governo de si, de vontade, de poder sobre si.20 Se, de um lado, os
ditames da beleza “oprimem” as mulheres, de outro correspondem a uma
cultura individualista baseada no projeto de controle ilimitado e na rejeição
do “laisser faire, laisser aller” tradicional.
Nisso se enxertam novas exigências identitárias. O que se vê, no
momento em que as mulheres têm acesso aos diplomas e aos postos de
responsabilidade? Assiste-se, paradoxalmente, à volta das roupas íntimas
femininas sedutoras — elas representam 20% das despesas de vestuário
feminino —, ao triunfo das top models sexy, ao “retorno” das formas
femininas, ao sucesso do Wonderbra, das saias curtas, da maquiagem entre
as adolescentes. Há refeminização da mulher e não-uniformização sexual
das aparências. As mulheres reivindicam a igualdade com os homens: não
querem por isso parecer-se com eles. A partir do momento em que a febre
contestadora passou e em que todas as atividades estão abertas aos dois
sexos, as mulheres já não hostilizam os emblemas estéticos da diferença
sexual: reivindicam-nos como signos identitários. Quanto menos as
mulheres são destinadas a situações sociais “pesadas”, mais a
dissimilaridade dos signos “leves” ou estéticos readquire legitimidade.
Fenômenos que deverão contribuir para perpetuar a feminização do luxo.
Alguns pensavam, no começo do século, que havia contradição entre
trabalho e beleza feminina. Nada de semelhante ocorreu. Constata-se, bem
ao contrário, que os cuidados com a aparência intensificam-se à medida que
as mulheres exercem uma atividade profissional. Hoje, os estudos e a vida
profissional funcionam como fatores que encorajam as mulheres a investir
tempo, esforço e dinheiro para uma melhor apresentação de si mesmas. O
desenvolvimento da cultura individualista e meritocrática, os diplomas e o
trabalho não fizeram recuar as paixões femininas pela beleza:
democratizaram-nas. Sob as aparências do antigo o novo se manifesta:
somos testemunhas da reconciliação do código tradicional da beleza
feminina com a norma pós-moderna do trabalho, do narcisismo estético
com a atividade produtiva, do ideal estético do feminino com o ideal de
autonomia intelectual e profissional. Se, como é provável, a supremacia
feminina na moda e na beleza se prolongar, é ilusório crer que o feminino
possa deixar dentro em pouco de ser o pólo dominante no luxo. O impulso
da igualdade entre os gêneros não porá fim mecanicamente à feminização
do luxo.
Todas essas continuidades históricas não excluem notáveis
transformações. O processo de feminização do luxo caminhou ao lado do
princípio do homem provedor: se a mulher estava em destaque na cena do
consumo, o homem detinha o poder de financiamento. Isso muda à medida
que as mulheres trabalham, são autônomas e podem, em particular, oferecer
a si mesmas artigos de luxo. Assim é transposta uma nova etapa na
feminização do luxo, que daí em diante caracteriza-se pelo fim da “mulher-
outdoor” do homem, pela independência financeira da mulher nas decisões
de compra.
Não é certo, contudo, que essa conquista da autonomia feminina
desemboque em uma similitude dos papéis masculinos e femininos, tanto
que o presente de luxo continua a parecer mais legítimo, mais “evidente”,
mais freqüente quando é destinado a uma mulher do que quando se dirige a
um homem. Simples arcaísmo em via de desaparecimento? Isso está longe
de ser certo, se é verdade que semelhante dissimilaridade tem sua origem e
seu sentido profundo no próprio código do amor—paixão. Desde a Idade
Média, o homem tem a obrigação de adorar a dama, de a superestimar, de a
cercar de considerações, de a celebrar poeticamente: “Quero que ela seja
rainha”, escreve Éluard. O presente suntuoso participa dessa tradição
galante que prescreve o refinamento, a atenção, a delicadeza em relação à
amada, não fazendo o preço do objeto mais que simbolizar a intensidade do
sentimento amoroso. A mulher se dá; o homem dá sinais hiperbólicos de
seu amor prodigalizando tempo, atenção, palavras, presentes: “Quando se
ama não se fazem contas”. Se o amor não exclui o cálculo, é acompanhado
também de desperdício, de um “dispêndio aberto, ao infinito”, de um “luxo
intolerável”.21 Mas essa economia do excesso não escapa inteiramente à
distribuição desigual dos papéis sexuais, homens e mulheres exprimindo
seus sentimentos segundo códigos mais ou menos diferenciados.
Tendencialmente, as mulheres estão destinadas ao papel “expressivo”, os
homens ao papel “instrumental” (Talcott Parsons). A despeito de tudo o que
mudou na ordem amorosa, esse dispositivo assimétrico prolonga-se ao
menos parcialmente, de tanto que, sem dúvida, continua a ser gratificante
para os dois gêneros. O homem é beneficiado pela felicidade de
proporcionar felicidade à amada; a mulher pode gozar a felicidade de ler no
objeto de valor oferecido a intensidade dos sentimentos que inspira. Por
meio disso a relação desigual dos homens e das mulheres com o presente de
luxo tem mais probabilidades de perdurar do que de se eclipsar.
4. O luxo e o sexto sentido

Depois das análises clássicas que Veblen, Mauss, Bataille, Elias


consagraram ao luxo, nada é mais comum que interpretá-lo como um
fenômeno estruturado pelas competições estatutárias, pelo antagonismo e a
rivalidade social. Mauss sublinha que o potlatch é destinado a estabelecer
hierarquias de títulos e de honras. Veblen e Elias insistiram no papel
preeminente desempenhado pelas lutas por posição e prestígio. No centro
das atitudes suntuárias, a competição social pelo reconhecimento e o desejo
de ser superior aos outros. O desafio agonístico e a guerra das consciências
é que estão sempre na base do fenômeno.
Se é inegável que as condutas de luxo são indissociáveis dos
afrontamentos simbólicos entre os homens, é muito redutor limitá-las a essa
única dimensão. De fato, a suntuosidade sempre esteve associada a outros
objetivos e a outras crenças, entre os quais se incluem, em particular, os
relativos à morte, ao sagrado e ao além. O homem do luxo foi em primeiro
lugar homo religiosus, dando respostas socialmente instituídas às questões
da morte e da sobrevivência: por toda parte, a confrontação com outrem foi
acompanhada de uma confrontação com o invisível sobrenatural e a
angústia da morte. No que se refere à duração temporal, o luxo construiu-se
tanto como uma relação com o tempo quanto como uma relação com os
homens, tanto como uma guerra contra os limites temporais quanto como
uma batalha pela classificação social.
Suponhamos a festa primitiva. No quadro desta, desbaratar as riquezas
significava lutar contra a degenerescência do universo, preparar sua
renovação, regenerar o Tempo. O dispêndio festivo tinha uma acentuada
relação com o tempo, estando o consumo excessivo encarregado, nos
sistemas simbólicos primitivos, de reatualizar o tempo primordial e de
repetir a passagem do caos ao cosmo: em conseqüência, estava assegurado
um novo ciclo da vida, o rejuvenescimento e a recriação do mundo. Os
sacrifícios e os bens preciosos dedicados aos deuses sempre foram
acompanhados de preces relativas à fecundidade e à longevidade: é preciso
doar generosamente às potências do além para ganhar vida longa e receber
ao cêntuplo na outra vida. Os ricos mobiliários funerários eram destinados a
assegurar a melhor sobrevivência dos mortos. Na Idade Média e na era
clássica, no momento da morte, os privilegiados doavam por testamento
suas riquezas à Igreja a fim de preparar a salvação eterna. Mesmo quando o
gosto pelas honras está em primeiro plano, como no caso do evergetismo,
ele implica uma relação com o tempo e a eternidade, os ricos doando
generosamente para que através das estátuas, das estelas e das epígrafes seu
nome permaneça para sempre presente na memória dos homens. Tanto
quanto luta simbólica intra-humana, o luxo foi uma maneira de garantir os
ciclos da reencarnação, um combate mágico contra o tempo e o perecível.
Foi menos um processo de negação das coisas e de submissão da natureza
pelo qual o homem afirma sua subjetividade1 que sustentou os
comportamentos suntuários do que um processo de apropriação das forças
do além em vista do renascimento, um processo de captação de poderes
para combater a finitude das durações terrestres.
Com toda a certeza, esses comportamentos e mentalidades agora
pertencem ao passado. Desde a metade do século xviii, os legados à Igreja,
que permitiam “comprar” a vida eterna, não cessaram de declinar, e mais
ninguém pensa em descer à sepultura carregado de ouros e riquezas. As
festas já não têm significação regeneradora do cosmo e não se constroem
mais “moradas de eternidade”. A temporalidade que domina a organização
do luxo nas sociedades contemporâneas é doravante o presente social e
individual, por toda parte prevalecendo a inovação sobre a permanência, os
gozos privados do aqui e agora sobre as atitudes e os valores tradicionais.
As técnicas mágicas voltadas para a conquista da eternidade apagaram-se
em proveito tão-só do consumo das obras imortais do passado, do turismo
cultural funcionando como nova distração de massa para “ocupar” o tempo.
As estratégias das grandes casas de luxo exprimem na mesma medida
essa oscilação da lógica temporal para o presente. Durante milênios, o luxo
manifestou-se sob a autoridade das normas do passado. A partir do século
xix, através das inovações da alta-costura, efetuou-se uma inversão em
favor dos imperativos do presente-futuro. É essa orientação temporal que
tende agora a prevalecer nas indústrias do luxo, como o comprovam, em
particular, as novas obrigações de rentabilidade elevada dos capitais
investidos. Sabe-se, além disso, que uma marca de luxo deve aplicar-se em
conciliar imperativos contraditórios: perpetuar uma tradição e inovar, ser
fiel a uma herança sendo moderna. Não é menos verdade que, nesse quadro,
o acento é posto cada vez mais na necessidade de uma gestão dinâmica das
marcas, na exigência prioritária de renovação e de criatividade a fim de
evitar o perigo de mumificação da marca e a fim de propiciar os meios de
conquistar novos espaços e novas parcelas de mercado. Muitos consultores
e profissionais do marketing de luxo anunciam o declínio inelutável das
antigas estratégias baseadas no “rendimento da tradição”: domina a idéia de
que se o luxo quiser escapar à fossilização, deve menos prorrogar as formas
do passado que as revisitar, declinar, atualizar. Daí em diante, a força do
ofício e a condição do desenvolvimento das marcas residem nas políticas de
criação e de imagem, em outras palavras, na assimilação dos princípios
constitutivos da forma-moda: a mudança, a sedução—comunicação, a
diversificação da oferta.2 Nessa formação compósita de tradição e de
inovação, de lógica passadista e de lógica presenteísta que é o luxo, o pólo
criativo desempenha cada vez mais o papel-chave, pois aparece como
aquele de que depende o futuro. Nem tradição nem moda, o luxo hoje é
hibridação da tradição e da moda, reestruturação do tempo da tradição pelo
tempo da moda, reinvenção e reinterpretação do passado pela lógica-moda
do presente.
Se é em torno do eixo temporal do presente que se reorganiza o luxo pós-
moderno, este não deixa por isso de continuar a manter vínculos íntimos
com a duração e a “guerra contra o tempo”. Lugar de criação, uma casa de
luxo afirma-se igualmente como “lugar de memória”. Em primeiro lugar,
pela perpetuação de técnicas tradicionais, de habilidades artesanais na
fabricação dos produtos. Em seguida, por um trabalho de promoção, de
mise-en-scène, de valorização de sua própria história. Culto do fundador e
dos criadores que se inspiram nele, glorificação do “espírito de marca” e da
fidelidade a um estilo ou a um código de reconhecimento, celebração de
acontecimentos significativos, a construção de uma marca de luxo é
inseparável da gestão simbólica de suas raízes, do trabalho de edificação de
um mito. É através de referências a um passado mitificado, de legendas das
origens que se moldam as grandes marcas. O luxo não é plenamente ele
próprio — inclusive no setor automobilístico — senão quando chega a
elevar-se à condição de legenda, quando consegue constituir em mito
“intemporal” os objetos perecíveis do consumo.
Assim, o management do luxo não se reduz a promover produtos raros e
caros, pois ele tem de orquestrar o fator tempo. Por um lado, é preciso
inovar, criar, espetacularizar, rejuvenescer a imagem de marca: é o tempo
curto, o da moda, que é convocado. Mas, por outro lado, é necessário dar
tempo ao tempo, perpetuar uma memória, criar um halo de intemporalidade,
uma imagem de “eternidade” da marca:3 as estratégias empregadas são,
então, de capitalização e de sedimentação do tempo. Ora um tempo de
atualidade, o tempo rápido e versátil da moda; ora o imóvel, o que não está
sujeito a sair de moda, a temporalidade longa da memória: uma marca de
luxo não pode ser edificada sem esse trabalho paradoxal que mobiliza
exigências temporais de natureza oposta.
Em conseqüência de sua relação com a continuidade e com o “fora do
tempo”, o luxo de hoje não deixa de ter analogia com o pensamento mítico
imemorial. Se essa comparação é legítima, é pelo fato de que tanto um
como o outro fazem referência a acontecimentos passados fundadores e
que, além disso, exigem ser reatualizados por ritos cerimoniais. Nos dois
casos são afirmados “heróis”, atos criadores e o que Éliade chama “o
prestígio dos primeiros passos”, uma eternidade sempre atual, um “eterno
presente” a ser venerado, do qual provém a ordem das coisas.4 É assim que
um dos princípios que fundam a consagração do luxo moderno — a origem
prestigiosa — é o mesmo que alimentava os sistemas de crença selvagens.
Considerado sob esse aspecto, o luxo apresenta-se como o que perpetua
uma forma de pensamento mítico no próprio coração das culturas mercantis
dessacralizadas.
Essa parte “sagrada” é encontrada até nas práticas de consumo, mantendo
o luxo laços estreitos com diversos rituais e com todo um conjunto de
gestos cerimoniais. Assim, oferecem-se os mais ricos presentes por ocasião
das festas e das datas simbólicas. Os produtos mais dispendiosos são com
freqüência consumidos segundo um código de regras cerimoniais. Degustar
um grande vinho não dispensa gestos rituais: o conhecedor inclina o copo
para examinar a cor do néctar, gira levemente o vinho no copo, aspira a
intensidade do buquê. A opinião comum considera que é “sacrilégio”
saborear um grand cru com precipitação ou em um copo de plástico. Desde
o século xix, o grande restaurante é uma espécie de templo onde se
desenrola toda uma liturgia: o chef ali faz as vezes de sacerdote, de mestre-
de-cerimônias.5 Mesmo em uma época de informalidade como a nossa, que
vê ampliar-se o abandono dos ritos e outros comportamentos convencionais,
os usos ligados ao luxo continuam carregados de cerimonial. É também isso
que, no fundo, constitui o charme do luxo, o qual, em nossas sociedades, é
capaz de ressuscitar uma aura de “sagrado” e de tradição formal, de
fornecer uma tonalidade cerimonial ao universo das coisas, de reinscrever
ritualismo no mundo desencantado, massa-midiatizado do consumo. Com a
diferença de que essa reativação do princípio ritual acha-se reciclada pela
lógica hedonista e emocional. A arte de viver que acompanha o luxo não é
mais uma convenção de classe, é teatro para melhor provar os prazeres dos
sentidos, jogo formal investido da função de melhor sensualizar a relação
com as coisas.
Enquanto emblema de beleza, de bom gosto, de refinamento, o luxo foi
freqüentemente relacionado aos prazeres dos cinco sentidos. As análises
precedentes mostram que essa aproximação não é suficiente, visto que o
luxo é indissociável de um outro sentido, um sentido não materialista, tão
constitutivo da natureza humana que se pode considerá-lo o sexto sentido: o
que é relativo ao tempo. Não se pode restringir o consumo oneroso tão-só
às buscas de volúpia e de distinção social: de fato, aí se aloja desde sempre
e ainda em nossos dias a preocupação primordial com o tempo. Do lado da
oferta, as grandes marcas ambicionam a continuidade e o que não está
sujeito a sair de moda. Mesmo do lado da procura aparecem, ainda que com
menos evidência, desejos e prazeres que não estão desvinculados da questão
do tempo e da eternidade. As sociedades que vêem desencadear-se a febre
da renovação e da obsolescência acelerada dos produtos e dos signos fazem
surgir, por efeito de compensação ou de reequilíbrio, uma exigência nova de
intemporalidade, de perenidade, de bens que escapem à impermanência e a
tudo que é descartável. É da espiral desenfreada do transitório que se
desenvolve hoje o gosto pelas raízes e pela “eternidade”. Assim, uma surda
necessidade “espiritual” continua a sustentar, mesmo de maneira ambígua,
nossa relação com o luxo, a necessidade de subtrair-se à inconsistência do
efêmero e de tocar um solo firme, sedimentado, em que o presente recobre-
se de referencial duradouro.
Nesse ponto, o luxo compara-se ao amor e à sua recusa do “tudo passa,
nada permanece”, ao seu desejo de eternidade. Mesmo o prazer de esbanjar
não está desvinculado da eternidade quando é gerador de um presente tão
intenso que por isso se torna para sempre inesquecível. Bem poderia ser
que, através das paixões do luxo ou ao menos de algumas delas, exprima-se
menos a pulsão de destruição que seu exorcismo: um luxo mais do lado de
Eros que de Tânatos, mais do lado do ser que do devir, mais do lado da
memória que do esquecimento. Talvez algo de metafísico continue a habitar
nossos desejos de gozar, como os deuses, as coisas mais raras e mais belas.
parte ii
tempo do luxo, tempo das marcas
Elyette Roux
1. O luxo entre prestígio e mercado de massa

O consumo de produtos de luxo passou por um desenvolvimento


internacional extraordinário nos anos 1980, e o luxo foi plenamente
reconhecido como setor econômico e industrial desde o fim dessa década,
com a constituição e o desenvolvimento de grandes grupos em torno de
uma carteira diversificada de marcas de luxo. Assim, levantou-se
naturalmente a questão do perímetro correspondente a essa nova indústria e,
a título de resposta, um certo número de estudos foi financiado, como os da
McKinsey inicialmente, em 1990,1 depois os do Eurostaf,2 ou ainda o do
Ministério da Indústria.3 Enfim, “o filão luxo” foi analisado pela seção das
atividades produtivas do Conselho econômico e social.4 O objeto dessas
diferentes contribuições era definir as fronteiras desse novo “setor”,
sublinhar suas particularidades, identificar-lhe os protagonistas e as apostas
estratégicas mais importantes. No entanto, todas essas necessárias
abordagens setoriais remetem, previamente e na direção da origem, a uma
reflexão sobre o que é o luxo e o que lhe define a própria essência. Mas,
diante dessa dupla problemática, é preciso constatar que as “histórias do
luxo” começam e/ou terminam paradoxalmente no século xix.
Assim, uma das mais antigas, a de Baudrillart, datada de 1880,5 retraça a
história do luxo desde a Antiguidade, enquanto a mais recente6 nem sequer
aborda o século xx. A teoria de Thorstein Veblen sobre o consumo
ostentatório remonta a 18997 e o ensaio de Sekora8 insiste manifestamente
mais no passado que na época contemporânea. A contribuição mais recente
de Berry9 propõe, por certo, uma taxonomia dos diferentes consumos “de
luxo”, mas não permite apreender-lhes a evolução nem contribui para
esclarecer o sentido que o luxo assume hoje e o que assumirá amanhã.
Por outro lado, as obras sobre o management das marcas abordam apenas
de maneira periférica ou oportunista a problemática das marcas de luxo,10
sem lhes distinguir os particularismos, daí o objeto dos capítulos que se
seguem.
Ora, desde a fundação das grandes casas no século passado, mas
sobretudo nestes dez últimos anos, o setor do luxo aventurou-se em uma
verdadeira mutação. Em uma década, passou de uma lógica artesanal e
familiar a uma lógica industrial e financeira. A título de exemplo, Louis
Vuitton Malletier, então ainda P. M. E. [Pequenas e Médias Empresas]
familiar com um montante de negócios de 210 milhões de francos (32
milhões de euros), torna-se, com 8,8 bilhões de francos em 1997 (1,3 bilhão
de euros), a filial mais lucrativa do líder mundial dos produtos de luxo: o
grupo lvmh (Louis Vuitton-Moët Hennessy), do qual se tornou a marca
farol. Esse próprio grupo, depois de menos de quinze anos de existência,
realizava no fim de 2001 mais de 12,2 bilhões de euros de montante de
negócios e produzia mais de 1,560 bilhão de resultado operacional. Por seu
lado, o Ministério da Indústria avaliava, desde 1995, em mais de 105
bilhões de francos (16 bilhões de euros) o montante de negócios realizado
na França pelas marcas de luxo, qualquer que seja sua nacionalidade.11
Enfim, o Eurostaf estimava o mercado mundial do luxo, em 2000, em 590
bilhões de francos em 1998, ou seja, 90 bilhões de euros.
Portanto, daí em diante o luxo tem a estrutura de uma verdadeira
indústria concentrada, em que estão ombro a ombro, de um lado, poderosos
grupos financeiros com recursos importantes e, de outro lado, pequenas
empresas cujos capitais ainda são familiares. Esse confronto, associado ao
aumento dos custos das barreiras à entrada internacional, levou desde então
muitas casas a abandonar, de maneira deliberada ou forçada, sua
independência, para filiar-se a esse grupos ou para ser muito simplesmente
absorvidas por eles. Por outro lado, a Clarins anunciava, no fim de 2002, a
intenção de fechar a casa Thierry Mugler Couture. Os grandes grupos
cotados em bolsa, categoria na qual se encontram os poderosos lvmh, P. P.
R. [Pinault—Printemps—Redoute], Richemont, mas também Louvre—
Taitinger e Hermès, representam hoje mais de 65% do montante de
negócios do setor,12 com mais de umas sessenta marcas de luxo de
notoriedade internacional em seu ativo. Os grupos privados, como Chanel,
contam com 9% e 10%. Clarins, líder europeu no domínio dos produtos de
cuidados pessoais, evolui na direção de um grupo diversificado no luxo
depois da recompra de marcas de perfume, como Azzaro e Montana13 e do
conjunto das atividades de Thierry Mugler, perfumes e costura. Assim, em
1996, das 75 casas do comitê Colbert, 35 ainda eram familiares, mas menos
de uma quinzena conservou nas mãos a totalidade do capital.14 A
concentração iria reforçar-se ainda mais, como atesta a escalada dos custos
de aquisição das marcas, por cuja conquista esses grandes grupos
confrontam-se. Assim, estima-se que o lvmh adquiriu os champanhes Krug,
considerados o Rolls Royce dos champanhes, por 152 milhões de euros em
1999, vindo a completar seu rol, que já incluía Moët et Chandon, Dom
Pérignon, Veuve Clicquot, Canard Duchêne, Ruinart e Mercier. Por outro
lado, o grupo acaba de ceder recentemente a marca Pommery. O ano de
1999 viu igualmente a criação de um novo pólo de relógios e joalheria, com
a compra da Tag Heuer, estimada em 747 milhões de dólares, e, depois, da
Ebel e da Chaumet.15 Por seu lado, o grupo Swatch resgatava, em 1998, a
marca Bréguet do grupo Investcorp por 130 milhões de dólares. O P. P. R.,
que investira em Gucci e Yves Saint-Laurent quase 3,5 bilhões de euros,
apresentou-se como comprador do joalheiro Boucheron por um montante
avaliado em 300 milhões de euros. Em 1999, ainda o P. P. R. teria oferecido
740 milhões de dólares à marca italiana Fendi, finalmente adquirida pelo
grupo lvmh. No mesmo ano, a Prada constituiu-se como grupo com a
compra, entre outras, de Jil Sanders por 110 milhões de dólares e da Church
por 175,5 milhões. Os preços propostos podem muito freqüentemente
corresponder a um múltiplo de mais de vinte vezes o lucro bruto da marca.
Por seu lado, Hermès, que possui, por exemplo, a John Lobb, as cristalerias
Saint-Louis e a Puyforcat ou ainda a Leica, comprou 35% das participações
do costureiro Jean-Paul Gaultier, para assegurar seu desenvolvimento
internacional.
A inflação do preço das marcas e sua valorização no caso de cessões e de
aquisições sustentam, por outro lado, a atividade de agências de estudos que
se especializaram em estimar o capital que essas marcas representam. Ao
modo de um guia, esses valores dão pretexto a publicações amplamente
difundidas. Assim, em 2001, a Interbrand16 avalia, por exemplo, o capital
da marca Vuitton em 7 bilhões de dólares, o da Chanel em 4,27 bilhões e o
da Rolex em 3,7.
Fortemente exportador-criador de valor, de empregos e de lucros, o luxo,
o francês em particular, reinou muito tempo como senhor e era referência
no mundo inteiro. Seu êxito reconhecido, e portanto cobiçado, atraiu novos
participantes estrangeiros, em especial italianos e americanos. Grandes
grupos de produtos de consumo corrente, seduzidos pelos lucros gerados
pelas marcas de luxo, investiram igualmente nesse setor. Assim, os
perfumes e cosméticos, inclusive de luxo, são amplamente dominados pelos
grandes grupos, em cuja primeira fila encontram-se L’Oréal, Procter &
Gamble, Unilever, mas também Shiseido e Lauder. Quanto a isso, é
importante sublinhar que a divisão encarregada das marcas seletivas para o
grupo L’Oréal, chamada “Perfumes e beleza”, foi rebatizada em 2001, de
maneira sintomática, “Divisão dos produtos de luxo”, marcando claramente
as ambições do líder mundial da higiene—beleza de grande consumo,
cabeleireiro e farmácia, na difusão seletiva de perfumes e cosméticos de
luxo.
Mesmo que a liderança mundial ainda permanecesse francesa em 1990
— 47% do mercado mundial, segundo a McKinsey17 —, a concorrência
internacional intensificou-se fortemente. Passou-se, assim, de uma lógica
centrada na oferta, na criação e no criador, a uma lógica que integra a
procura, a concorrência, as necessidades do mercado e dos consumidores.
Os setores mais tradicionais, como o do conhaque, não escapam a essa
nova distribuição das cartas. Assim, partindo da constatação de que as
remessas de conhaque baixavam sistematicamente entre 1990 e 1998, o
grupo lvmh manifestou uma verdadeira vontade de criar e de instalar um
departamento de marketing a fim de inverter essa tendência. Segundo seus
próprios termos, a missão confiada ao presidente da Hennessy foi “de
transcender a imagem do conhaque”18 e de conservar um posicionamento
top de linha saindo dos estereótipos de consumo tradicionais: o de um
cinqüentão, fumando charuto e bebendo um conhaque como digestivo,
sentado numa poltrona de couro ao pé do fogo.
A observação das cifras do mercado americano e do perfil dos
consumidores mostrava que o crescimento das bebidas de alto teor
alcoólico provinha dos jovens solteiros afro-americanos, de 25 a 34 anos,
moradores de zonas urbanas. O objetivo foi, portanto, fazer a percepção
desses jovens sobre o conhaque passar de digestivo tradicional a novos
modos de consumo, em especial sob a forma de coquetéis, particularmente
enraizados na cultura americana. O Hennessy foi então posto em cena em
bares na moda, freqüentados por “beautiful black people” reunido em torno
de coquetéis “appropriatly complex”! Visar um alvo deliberadamente black
estava em total ruptura com as normas e usos da profissão; contudo, foi o
que, associado a outras inovações de produtos, permitiu ao mercado e à
marca desenvolver-se novamente, graças a um marketing inovador.
O luxo, o francês em particular, teve de conciliar a afirmação de uma
“ética de casa” e a “gestão rigorosa de suas marcas” para sustentar seu
sucesso no plano mundial. Não se dirigindo mais unicamente à sua clientela
rica tradicional, o setor do luxo encontrou os meios de seu crescimento
entre as classes médias e portanto, segundo o termo consagrado,
“democratizou-se”. De acordo com o primeiro estudo feito em 1992 pelo
setor com consumidores franceses e estrangeiros,19 ele já não é tão
destinado apenas à clientela de “elite” quanto à parte “elitista de cada um”
dos consumidores que desejam ter acesso a ele. Portanto, daí em diante toda
marca deve encontrar e gerir o justo equilíbrio entre a difusão e a
banalização, a extensão de seu nome e o respeito por sua identidade e estilo,
ir ao encontro de novos consumidores mais ocasionais20 mantendo sua
seletividade, vetor de desejabilidade e reforço do valor da marca.
Pois, após um crescimento sem igual, o setor do luxo passa por uma
desaceleração notória, que alguns qualificam de “crise”, mas era o
superconsumo dos anos 1980 e 2000, de uma sociedade dita “presenteísta”,
isto é, orientada para o presente, que estava fora das normas. A renda
discricionária de uma nova elite financeira vinda de países com moeda
forte, de yuppies, golden boys ou dinkies (casais com renda dupla e sem
filhos), era destinada à aquisição e ao consumo ostentatório de novas
riquezas. Acesso ao prazer de possuir, vontade de exprimir sua diferença, de
consumir o supérfluo, o significante social, ou busca de uma satisfação
hedonista ou emocional, quaisquer que sejam as causas, é preciso constatar
que esses comportamentos de exibição de riqueza saturaram-se ou mesmo
inverteram-se. A implosão das “bolhas financeiras” modificou os
comportamentos de compra e veio desacelerar o fluxo clássico dessa
clientela para os produtos de luxo. As derrocadas dos traders, dos
empresários da “nova economia”, as incertezas profissionais que daí em
diante afetam os executivos, as inquietações sobre o financiamento das
aposentadorias, mas igualmente a angústia securitária e um contexto
geopolítico mundial tenso fizeram voltar ao normal o frenesi eufórico que
alimentava a procura pelas marcas de luxo. Passou-se, em alguns anos, de
uma geração da aparência, da identificação a um grupo pelo viés de códigos
visíveis, a uma geração do ser, de busca de sentido, de autenticidade e de
emoções.
Paralelamente, novos participantes estrangeiros penetraram no mercado
tradicionalmente ocupado pelas marcas de origem francesa, empregando
estratégias de marketing ofensivas e instaurando “regras do jogo”
diferentes. De um lado, esses fatores levaram o setor do luxo francês a
interrogar-se sobre as estratégias a ser aplicadas para manter sua liderança,
a analisar a evolução das expectativas e dos valores dos consumidores21 e,
de outro lado, os administradores das diferentes marcas a fazer suas
próprias reflexões.
Não se pode falar de crise, e as cifras do setor não traduzem o temido
enredo-catástrofe. Mas hoje é preciso integrar os novos comportamentos
dos consumidores, dos distribuidores e dos concorrentes na gestão das
marcas. As marcas devem, portanto, permanecer vigilantes no que se refere
à sensibilidade dos consumidores ao preço, à inflação de lançamento de
produtos novos, à duração de vida dos produtos, aos efeitos perversos da
promoção, às novas maneiras de dar as cartas em matéria de distribuição e,
enfim, à qualidade de serviço assim como à formação do pessoal de vendas.

a nova sensibilidade dos consumidores ao preço

A clientela dos anos 1980 consumia marcas de luxo “custe o que custar”;
a dos anos 1990 já não queria comprá-las “a qualquer preço”; a dos anos
2000, por sua vez, faz suas afinidades e identificações afetivas depender das
marcas que sabem projetar sua identidade, reinterpretando-a de maneira
criativa e coerente, na época ou em um outro universo. Antes que aos
habituais arbítrios qualidade—preço, ela se entrega a um raciocínio valor—
preço (“value for money”). Qual é o valor agregado simbólico, afetivo e
emocional, que justifica o diferencial de preço praticado pelas marcas de
prestígio? Qual é o sentido, o conteúdo desse valor, em que legitimidade ele
se apóia? Perguntas que o consumidor faz a si mesmo a fim de justificar
suas escolhas.
A participação de uma marca no universo do luxo pode, naturalmente, ser
definida pelo preço. Em seu estudo, a McKinsey considerava, por exemplo,
que um tailleur de mais de 6 mil francos, em 1991, fazia parte desse
universo. Se comparamos as políticas de preço das marcas de luxo às do
mercado de massa, observamos uma relação de pelo menos um para quatro,
entre um champanhe dito de “preço inicial” com grande distribuição e um
millésime* de grandes marcas como Veuve Clicquot ou Moët et Chandon.
O mesmo acontece com os produtos de beleza, em que coabitam nas
cadeias especializadas, como a Séphora, marcas de massa e marcas de luxo,
propondo as primeiras produtos quatro vezes menos caros que as segundas,
como Dior, Lancôme ou Lauder.
A estrutura dos sortimentos da grande distribuição, que faz coexistir
linearmente produtos de massa e produtos de luxo e, da mesma maneira, a
carteira de marcas dos grupos líderes do setor da higiene—beleza reduzem
a distância psicológica entre os dois segmentos: “luxo” e “massa”. Elas
levam o consumidor a interrogar-se sobre o que ele obtém a mais, sobre o
suplemento de “valor” que lhe é proporcionado por uma marca de luxo em
comparação a uma marca que não o seria.
No domínio do prêt-à-porter, as marcas estrangeiras, em particular
italianas e alemãs, com qualidade percebida como igual, vêm tornar mais
difícil a justificação do preço de certas marcas francesas, situando-se em
uma zona de preço ligeiramente inferior. As marcas italianas, a uma só vez
criativas e integrando as expectativas do mercado, beneficiadas pelo savoir-
faire produtivo de distritos especializados e pelas taxas de câmbio
favoráveis, desenvolveram-se em extensões verticais de sua marca. Armani,
valor italiano indiscutível, não tem menos de sete linhas de roupas
diferentes.22 Mas as políticas de extensão que diferenciam mal as diversas
linhas levam as consumidoras a transferir-se para as linhas de difusão,
menos caras, e então há canibalização. Daí a necessidade de definir linhas
bem distintas, no quadro de um repertório estilístico comum, identificável e
único,23 permitindo atingir clientelas complementares, com uma política de
criação, de produção e de preço controlada. Pois se este não for o caso, os
clientes afastam-se da marca ou não aderem ao seu “contrato”, como, por
exemplo, as diferentes linhas de prêt-à-porter feminino de Ralph Lauren,
cuja segmentação pouco legível seduz pouco as européias, ao contrário das
americanas. Com exceção das raras marcas míticas, em relação às quais o
comprador não seria sensível ao preço e que portanto parecem ainda
preservadas, os administradores das outras marcas são sensíveis a esse
fenômeno; e alguns deles definiram zonas de preço ótimas,24 identificando
as flutuações da procura em mais ou menos cinco dólares.
Diante da redução das vendas e dessa nova sensibilidade ao preço com a
qual contam os concorrentes estrangeiros, certas marcas de prêt-à-porter
dos costureiros baixaram sistematicamente, em período de recuo, todos os
seus preços em 20%. Essa atitude defensiva em relação à concorrência não
parece adequada. De fato, contribui paradoxalmente para reforçar a suspeita
do consumidor no que se refere ao preço: se todos os preços baixam 20%, é
que os preços iniciais traduziam mais as margens da empresa que o “valor”
da marca e de seus produtos. Zonas de preço ótimas deveriam, portanto, ser
definidas para os diferentes produtos, no interior das diversas gamas
comercializadas pela marca, evitando as ações sistemáticas e não
diferenciadas sobre os preços, bem como uma baixa generalizada. A
fixação dos preços no domínio do luxo deveria apoiar-se nos métodos
clássicos do preço psicológico para o consumidor, em discussões com
especialistas ou em métodos do tipo “análise conjunta”, que permite
identificar, considerado o “valor” ligado à marca, a soma que o consumidor
está disposto a pagar para ser beneficiado por esta ou aquela vantagem (ou
atributo determinante da escolha) em comparação a uma outra marca.
A clientela do luxo compõe-se essencialmente de dois segmentos: o
segmento fiel dos clientes muito ricos, o segmento menos fiel dos clientes
razoavelmente abastados. Sempre houve e sempre haverá, quaisquer que
sejam os países, indivíduos ricos que constituem a clientela tradicional das
casas de prestígio. Essa clientela móvel mas fiel desloca-se, segundo os
períodos, ao sabor das flutuações geográficas das grandes fortunas:
Inglaterra, Estados Unidos, Oriente Médio, Japão etc. A nova clientela do
luxo é uma clientela abastada e cada vez mais uma clientela de classes
médias, mais sensível ao preço. Ela corresponde a um segmento pouco fiel
à marca, e seu comportamento é volátil; trata-se de um alvo informado e
exigente em relação às marcas. Essa exigência é tanto mais forte no plano
dos produtos e dos serviços quanto as compras dessa clientela serão de
natureza excepcional e, portanto, de alto investimento psicológico.
Por definição, o domínio do luxo é o da excelência e da emoção. Como
diz um dos principais dirigentes do setor, “no domínio do luxo não se deve
enganar no produto, nem na criação e inovação, nem na qualidade, nem no
preço, nem na acolhida”. Nos anos 1980, certas marcas deixaram-se levar e
dominar pela onda de uma procura exponencial, esquecendo esse princípio
básico. Nos anos 1990, elas tiveram de reagir, para comunicar um valor
autêntico à sua clientela, pois se os clientes estivessem convencidos de que
o preço era justificado por valores únicos, então não pediam mais que poder
compartilhar deles e fazê-los seus. Depois, os ciclos da euforia seguidos de
recuos completaram a paisagem, para torná-la ainda mais complexa e
condicional.

A inflação de lançamentos de novos produtos


O número de novos perfumes introduzidos no mercado mais que dobrou
nestes últimos anos. Assim, passou-se de 34 lançamentos em 1987 a 84 em
1990, enumeram-se 120 deles entre 1991 e 1992 e mais de 150 em 1999.25
As cifras continuam sua vertiginosa ascensão, ultrapassando mais de
trezentas novidades em 2001!
Nesse frenesi de lançamentos, o mercado do luxo está evidentemente
muito atulhado ou mesmo saturado. Assim, passa-se, entre 1991 e 1992, de
51 lançamentos ou relançamentos de perfumes femininos e trinta
masculinos26 a mais de 120 referências no total, dez anos mais tarde, na
rede seletiva.
Até os anos 1980, uma marca que tinha o estatuto de um grande clássico
lançava tradicionalmente um novo perfume a cada sete anos,
essencialmente no mercado feminino. Agora o ritmo dos lançamentos é
bem inferior a três anos. Isso equivale a lançar um novo perfume todos os
anos, alternando-se os femininos e os masculinos, e até mesmo a acumular
cada vez mais as novidades em um mesmo ano. Por exemplo, em 2000, a
Givenchy introduzia a uma só vez Oblique e Hot Couture no mercado das
fragrâncias femininas, e a Kenzo divulgava L’Eau par Kenzo no masculino
e o lindo Flower no feminino. O tempo de preparação de um lançamento
era de dois anos em média: seis meses para definir o conceito, doze meses
para elaborar, selecionar e testar a essência, definir o frasco, mandar
fabricá-lo, testá-lo e seis meses suplementares para construir o plano de
comunicação e testar os visuais publicitários. Sendo os prazos hoje ainda
mais curtos, vive-se, portanto, em perpétuo lançamento. Assim, Armani,
através do grupo L’Oréal, punha no mercado, em 2000, Mania, White for
her e White for him, ou seja, três novos perfumes!
Os esforços de investimentos publicitários são diluídos e provoca-se um
atravancamento tanto para os consumidores como para os distribuidores,
visto que as marcas podem querer que um novo lançamento venha
contrabalançar o eventual fracasso do precedente. A distribuição tem a
impressão de ser pressionada, pois as novidades são igualmente legião no
domínio dos cosméticos e dos produtos de cuidado pessoal. Os estoques
ficam sobrecarregados e tornam-se muito difíceis de gerir. O espaço de
apresentação em prateleira diminui, uma vez que os lançamentos não são
necessariamente acompanhados do abandono de produtos antigos. As
marcas possuem, portanto, listas de referências enormes, que elas têm muita
dificuldade de reduzir e administrar.
Em geral, uma novidade expulsa a outra, tornando-a obsoleta e fora de
moda. Todo o setor é absorvido por uma estratégia deliberada de
obsolescência que já não dá tempo ao tempo, nem meios de consolidar suas
posições, ainda que se encontrem felizes exceções. É o caso, por exemplo,
do lançamento do perfume Angel27 em 1992, que daí em diante é líder do
mercado francês, na frente do célebre No 5 de Chanel, que data de 1921.
Tampouco se deve esquecer que Guerlain, ao lançar o perfume Samsara em
1989, conseguira estimular as vendas de seu clássico Shalimar, nascido em
1925; Shalimar continua a ser, em 2002, o número quatro das vendas na
França.28 Enfim, no mercado americano, os lançamentos de novos perfumes
não representavam mais que 8% das vendas29 em 1999!
O ciclo infernal dos lançamentos prossegue, ainda que perturbe o
consumidor e contribua para reforçar sua infidelidade e volatilidade. Daí em
diante, para ele os produtos de prestígio correspondem menos a uma
satisfação de necessidades simbólicas e mais a uma busca de variedade, de
experiências ou de estimulação cognitiva. Por vezes, inclusive, o
consumidor não é mais capaz de tratar a massa de informações que lhe é
endereçada. Essa inflação dos lançamentos associa-se com freqüência cada
vez maior a uma inflação dos custos. De fato, as estratégias de lançamento
das marcas são de dois tipos: estratégia de diferenciação com campanha de
notoriedade maciça no plano internacional ou, ao contrário, estratégia de
especialização ou de nicho.
A estratégia de lançamento maciço é muito dispendiosa. Assim, em 1985,
a marca Christian Dior marcou época ao gastar 40 milhões de dólares para
lançar Poison, lançamento que se transformou em sucesso mundial. Ela foi
seguida nesse caminho por numerosas marcas. Os custos para um
lançamento de envergadura comparável eram da ordem de 80 milhões em
1995-96 e, portanto, dobraram em dez anos, para girar hoje em torno de 100
milhões de dólares. As novas regras do mercado, face a esses
investimentos, de um lado, e à pressão da distribuição, de outro, impõem
que a marca recupere em um ano de volume de negócios o equivalente aos
seus investimentos em mídia. Esse tipo de estratégia não deixa de ser
perigoso, como veremos mais adiante com os efeitos perversos devidos à
promoção, e necessita que a marca esteja apoiada em grupos
financeiramente muito poderosos.
A segunda estratégia é a da especialização e da estratégia de nicho. A
empresa pratica então, apoiando-se na força de sua imagem de marca e de
seu conceito, uma distribuição intencionalmente muito seletiva e reduzida.
Ela recusa, portanto, a mídia televisão (de massa, por definição) em favor
da imprensa periódica e do que está fora da mídia, por meio das relações
públicas e da criação de eventos. É o caso da Boucheron ou da Bulgari no
domínio da alta joalheria. Essas casas buscaram de imediato uma sinergia
com seu trabalho de origem ao lançar seus novos perfumes. Não saíram do
“território de legitimidade da marca”. O frasco do primeiro perfume da
Boucheron — lançado apenas em três pontos de venda em Paris, em 1988
— tem a forma de um anel cor de ouro e safira, e a publicidade baseia-se na
afirmação dessa sinergia: “Mais que um perfume, uma jóia”, “Sua nova jóia
é um perfume”. A Bulgari ancora o lançamento dos novos perfumes em seu
universo de joalheiro, com suas jóias deliberadamente contemporâneas
postas em cena nas imagens publicitárias, brincos, colares ou pulseiras. É
igualmente o caso de Mugler, que aprofundaremos mais adiante, de Lolita
Lempicka ou ainda do Flower de Kenzo, sem esquecer, naturalmente, Jean-
Paul Gaultier, todos perfumes de criadores com conceitos fortes e criativos,
ancorados o mais perto possível da identidade de suas respectivas marcas e
enunciados em um marketing-mix30 coerente e rigoroso, garantindo seu
sucesso. Essas estratégias não acarretam efeitos perversos semelhantes
àqueles a que pode chegar a primeira estratégia, que leva a práticas de tipo
“mercado de massa”.

o círculo vicioso das promoções

Desde o lançamento do Poison, os orçamentos de 50 a 60 milhões de


dólares são correntes para o lançamento de um perfume no plano
internacional. Assim, para o Gio de Armani, a L’Oréal investira 50 milhões
de dólares, sem por isso conseguir impor-se. Apenas os investimentos em
mídia para o mercado americano representavam 25 milhões de dólares para
um perfume da Lauder e trinta para um Calvin Klein nos anos 1990. Hoje, a
Lancôme gasta em um ano, apenas para o mercado francês, mais de 22
milhões de euros (145,3 milhões de francos), a Dior e a Chanel mais de
vinte.31 Por seu lado, o presidente32 da Lauder declara que a marca investe
sistematicamente de 25% a 28% de seu montante de negócios em
comunicação, qualquer que seja a conjuntura! No domínio do prêt-à-porter,
Ralph Lauren e seus licenciados destinam, em um ano, mais de 180 milhões
de dólares à promoção da marca no plano mundial, e Calvin Klein mais de
60 milhões de dólares.33 Esses montantes correspondem às somas alocadas
pelos grandes grupos, como Procter ou Lever, para a sustentação de uma
marca mundial de grande consumo, ou seja, perto de 150 milhões de
dólares para as marcas mais poderosas! A importância dos custos de
lançamento justifica-se pela procura de visibilidade no mercado
internacional. Considerados esses orçamentos vertiginosos, as marcas
buscam um retorno rápido do investimento e, portanto, um montante de
negócios importante. Essa exigência ocasiona uma movimentação maciça
nos pontos de venda por iniciativa dos produtores. Por seu lado, os
distribuidores desejam uma rotação dos estoques elevada e, para alcançar
esse objetivo, impelem as marcas a fazer promoções. O resultado é uma
redução das margens que corre o risco de diminuir a lucratividade das
marcas.
A prática das promoções no mercado dos perfumes e dos cosméticos
torna-se a regra ditada pelo mercado americano. A amostragem Sécodip—
Intercor—Perfumaria assinalava, desde o último trimestre de 1992, mais de
seiscentas ofertas promocionais apenas no mercado dos perfumes em
circuito seletivo. Entre as marcas particularmente ativas nesse período,
destacam-se Nina Ricci, Cacharel, Guy Laroche, Givenchy, Azzaro,
Lancôme, Lacoste. A variedade das práticas é grande: caixas de vários
produtos ou ofertas agrupadas, presentes condicionados à compra de certos
produtos ou a um montante mínimo de compras, baixas de preço diretas.
Assiste-se, portanto, a um exagero das ofertas promocionais semelhante ao
que se observa em certos mercados de massa. Assim, o mercado dos
xampus não é mais que um vasto mercado em promoção em que as
tradicionais proporções publicidade/promoção, que eram da ordem de
60/40, acham-se invertidas (40/60, ou mesmo além). Observam-se efeitos
comparáveis no domínio dos champanhes. As promoções são meios de ação
a curto prazo; têm um efeito imediato e diretamente mensurável sobre as
vendas e o montante de negócios.34 Essa orientação promocional
generalizada decorre de uma pressão forte da parte do management, que
exige da organização desempenhos financeiros a curto prazo: objetivos de
montante de negócios, de tesouraria etc.35
Os chefes de marcas ou de produtos encontram na promoção uma
maneira de satisfazer esses objetivos e de responder a essas pressões
internas. A estas se acrescentam pressões externas resultantes da
concorrência travada pelas marcas em mercados saturados e nos quais as
barreiras à entrada foram baixadas. As práticas do conjunto de um setor
vêem-se então contaminadas. Ora, para os produtos de massa, porém mais
ainda e sobretudo para as marcas de luxo, a inflação promocional pode ter
efeitos devastadores a longo prazo. De fato, as promoções acarretam os
seguintes efeitos perversos:
• Elas são fáceis de copiar por um concorrente e anulam, assim, o efeito
favorável sobre as vendas e participações de mercado; podem mesmo, por
esse motivo, diminuir os lucros a longo prazo.
• As promoções criam um hábito tanto no distribuidor como no
consumidor. Este último terá tendência a esperar as promoções para
comprar; portanto, suas compras serão adiadas para levar em conta os ciclos
promocionais ou antecipá-los. É o círculo vicioso das promoções.
• As promoções têm igualmente o efeito de aumentar artificialmente o
papel do preço no comportamento de compra. Elas diminuem o papel da
marca e contribuem para retirar-lhe o “valor” como critério de escolha. De
fato, o consumidor se lembraria de que comprou o produto ou a marca
porque ele (ela) estava em promoção, e não por suas qualidades
intrínsecas.36 A promoção pode, portanto, diminuir a longo prazo o capital
de desejabilidade da marca.
Ainda que produtos de grande consumo, como Colgate ou Tylenol, não
pareçam ser afetados a curto prazo em sua imagem de marca por suas ações
de promoção,37 convém não generalizar esses resultados para o setor do
luxo. A compra desses produtos de consumo corrente corresponde a
processos de decisão de fraco envolvimento, enquanto os de marcas de
prestígio induzem um envolvimento forte, tanto em relação aos produtos e à
marca quanto em relação à situação de compra. Além disso, a comparação
das imagens das marcas compradas em promoção, como Tylenol ou
Colgate, é feita a curto prazo (três meses) e não a longo prazo.
• Enfim, as promoções reforçam a infidelidade do consumidor quando o
objetivo delas é provocar a experimentação da marca pelo consumidor,
devendo a experimentação aumentar a probabilidade de nova compra da
marca e a fidelização.
Qual a estratégia a ser adotada por um responsável por marca de luxo,
considerados esses diferentes elementos?
A primeira consiste em recusar deixar-se levar pela espiral das
promoções. Trata-se então de uma estratégia deliberada de proteção do
estatuto da marca, da afirmação de seu prestígio e de sua seletividade.
Boucheron, Chanel, Guerlain, Hermès, Mugler, no domínio da perfumaria
—cosmética, são exemplos dessa estratégia, que conduzida com coerência é
uma condição do sucesso. Nesse caso, privilegia-se a imagem a longo prazo
e as margens, em detrimento do volume e do montante de negócios a curto
prazo. Por vezes, essa estratégia é inevitável em razão de imposições
internas: estrutura do capital, pequeno porte da sociedade, meios financeiros
limitados, falta de domínio dos métodos extraídos do marketing de massa
no setor da higiene—beleza.
A segunda estratégia consiste em entrar em uma lógica de luta
concorrente frontal e em aplicar as técnicas do marketing de massa, batendo
mais forte que a concorrência. Esse caso particular aplica-se às marcas cujo
crescimento da participação de mercado não pode ser obtido senão em
detrimento dos concorrentes. São marcas fortes, como Dior, tanto em
notoriedade quanto em posição concorrente, e favorecidas por meios
financeiros importantes. Mas, mesmo nesse caso, para não correr o risco da
banalização (que ao fim levaria a marca a resvalar do circuito seletivo para
o de massa), convém tomar certo número de precauções elementares:
• estudar as ofertas promocionais da concorrência e seus efeitos
comparados sobre as vendas, as participações de mercado e os lucros, com
a ajuda de uma análise suficientemente fina dos dados de amostragem;
• identificar, através de estudos qualitativos de planos de experiência ou
de análise conjunta, os tipos de promoção capazes de reforçar a repetição da
compra e a fidelidade à marca; e quais deles são valorizados pelo
consumidor e não alteram nem a qualidade percebida, nem o valor da
marca, nem seu estatuto e, portanto, seu capital;
• determinar a origem das vendas geradas pelas promoções. Pode tratar-
se de compradores regulares ou ocasionais da marca, de compras de
substituição e/ou de deslocamentos na variedade, de vendas conquistadas
sobre os concorrentes (concorrentes a identificar). É preciso acompanhar as
quantidades por comprador, bem como as “cestas médias”.
Em todos os casos, é imperativo analisar as taxas de repetição da compra
e de fidelização.
o controle dos preços e da distribuição

As mutações que ocorreram na grande distribuição chegam daí em diante


ao setor do luxo. Nos anos 1970, o que é chamado de “grande comércio
integrado”, organizando-se em cadeias poderosas, exerceu uma pressão
considerável sobre os fabricantes no que se refere aos preços. Atualmente,
no domínio da perfumaria—cosmética, certas concentrações da propriedade
dos pontos de venda e a criação de cadeias ou de agrupamentos de
perfumistas, como o inglês Boots ou o alemão Douglas na Europa, exercem
as mesmas pressões sobre os fabricantes. Estima-se que, em 1998, 45% das
vendas de uma marca de luxo passavam, na França, por esses agrupamentos
e essas cadeias. Na Alemanha, 37% das vendas seriam efetuadas tão-só sob
a insígnia Douglas.38 Esses agrupamentos refletem nos consumidores seu
poder de ataque em matéria de compras. A partir daí, o controle do preço
escapa pouco a pouco aos responsáveis pelas marcas, salvo exceção. Essa
concentração na escala européia intervém também no plano doméstico,
inclusive nas províncias.
Nos Estados Unidos, as marcas seletivas em perfumaria vêem seus
preços baixar em 25% a 75% nas discount stores em comparação aos dos
grandes magazines. Sensibilizada pelo preço, a consumidora americana não
vê por que pagaria um preço elevado pelo mesmo perfume, e os discounters
vêm corroer a clientela dos grandes magazines, acelerando assim sua crise.
A consumidora americana, portanto, faz compra “inteligente”, e a
consumidora européia faz o mesmo. Aqui, mais uma vez, concorre-se para
substituir a sensibilidade à marca pela sensibilidade ao preço. Isso contribui
para tornar os preços praticados pelas marcas suspeitos aos olhos dos
consumidores, menos justificados pelo valor da criação, da pesquisa, da
exclusividade da composição das fórmulas ou ainda pelos custos das
matérias ou dos componentes. O preço não traduz mais o “valor” da marca,
mas apenas torna evidente a acumulação das margens livres no filão de
comercialização tradicional. O preço já não é, tampouco, uma garantia da
qualidade percebida ou da exclusividade, pois a consumidora pode obter o
mesmo produto, no mesmo momento, por um preço mais baixo.
O efeito cadeia e discount é igualmente reforçado em outros setores,
como o prêt-à-porter, pela exportação do conceito de “Centro Fabril”
(Factory Outlet), vindo dos Estados Unidos e que entre nós se tornou “loja
de fábrica” ou ainda “estoque”. Se a própria marca organiza, e em seu
próprio nome, o escoamento do estoque de seus produtos não vendidos,
torna suspeita sua própria política de preço no circuito de distribuição
clássico. Aí, igualmente, ela impele o consumidor primeiro a duvidar, em
seguida a comprar de maneira inteligente e a adiar suas compras por alguns
meses, considerados os prazos de abastecimento nos diferentes circuitos. O
mesmo acontece com o fenômeno das liquidações no domínio do prêt-à-
porter. A consumidora avisada planeja suas compras levando em conta
esses ciclos. Com a vantagem de que a mulher adquiriu uma relativa
independência em relação à moda, tornando igualmente aceitáveis modas
múltiplas e estilos variados, que ela vai adaptar segundo a diversidade das
ocasiões e dos humores.39 Não é apenas a clientela ocasional do luxo que
freqüenta esses circuitos paralelos, mas realmente a clientela regular40 de
mulheres com altos rendimentos: 83% delas declaram freqüentar esses
circuitos “não tradicionais” e, em particular, 39% as lojas de fábrica, 26%
as liquidações privadas, 25% diretamente os atacadistas ou os fabricantes e,
enfim, 24% o circuito discount! Sejam francesas, alemãs ou italianas, não
apenas freqüentam esses circuitos, mas ali gastam e compram roupas e
acessórios de marcas... Dior, ysl, Kenzo, Nina Ricci, Escada, Sander, Joop,
Armani, Prada, Ferre, entre outras. Esses fenômenos de suspeita em relação
aos preços são ainda acentuados pela existência de exportações ou de
reexportações paralelas. Alguns mercados, como os Estados Unidos ou o
Japão, vêem chegar mercadorias a preço baixo por diferentes circuitos
paralelos que se subtraem à etapa da fabricação e da distribuição: evasões
no plano dos confeccionistas, dos subempreiteiros — sejam deslocalizados
ou não —, dos licenciados, dos varejistas que, sob o efeito de um controle
insuficiente ou de suas próprias sujeições financeiras ou de tesouraria,
alimentarão com marcas de luxo esses circuitos paralelos.
Esses fenômenos sublinham a necessidade, para as marcas, de um
controle estrito da nascente e da foz: de sua produção, em primeiro lugar, e
de sua distribuição em seguida, ambas pilares da exigência gerencial, que
tem como contrapartida a exigência da clientela, a fim de não criar confusão
na oferta do produto, nem nivelamento na oferta de serviços. Mas essas
exigências têm, evidentemente, um custo muito elevado: fábricas, aparato
de produção, empregados e artesãos, de um lado, plataforma logística e
butiques próprias, de outro. E os custos de exploração das butiques próprias
não cessam de aumentar. Assim, estima-se que é preciso produzir pelo
menos 3 milhões de dólares de vendas para abrir uma butique na Madison
Square, em Nova York, e 2 milhões de euros para cem metros quadrados na
avenue Montaigne, em Paris. Ora, quando se sabe que o tamanho das
butiques aumenta com as concept stores, ultrapassando os mil metros
quadrados,41 vê-se a que níveis os limiares de rentabilidade são alçados! A
partir daí, compreende-se que não é possível a uma marca de porte médio
investir na abertura de cinco a dez butiques por ano, nas boas ruas das boas
capitais, consideradas essas barreiras à entrada. Apenas as marcas apoiadas
por um grande grupo podem sustentar esse ritmo e os investimentos
correspondentes.
Comprar uma marca de prestígio na rede legítima equivale a aceitar
pagar o preço para ser beneficiado por uma ausência de imposição temporal
(comprar o que se quer... quando se quer), por um sortimento amplo que
permite liberdade de escolha, por uma mise-en-scène dos produtos no ponto
de venda e, enfim, por uma qualidade de serviço à clientela. Como é a
qualidade de serviço na rede “legítima”?

a qualidade do serviço

Um dos primeiros ensinamentos tirados do marketing dos serviços é que


a qualidade percebida do serviço varia em função dos segmentos de
clientela e do nível de suas expectativas. Uma qualidade dada será
percebida como menos elevada pelos clientes cujas expectativas são muito
altas que por aqueles cujas expectativas são mais baixas. Ora, no domínio
do luxo, as expectativas jamais são baixas.
Assim, é importante estudar com a clientela final a natureza de suas
expectativas e seus critérios de avaliação da qualidade do serviço. Convém
medir o desempenho e a qualidade percebida das marcas em concorrência e
a satisfação dos clientes. Se instrumentos de medida da qualidade do
serviço existem em outros setores,42 seria útil construir um barômetro de
satisfação especificamente adaptado às marcas de luxo e afinar as medidas
em função dos segmentos de clientela: habitual versus ocasional, francesa
versus estrangeira e, em particular, americana e asiática, fazendo de maneira
a tender para a excelência com a justeza necessária e a estar sempre além
das expectativas.
Um segundo ensinamento do marketing dos serviços é que a qualidade da
prestação é diretamente dependente do valor das relações com o pessoal de
contato, em outras palavras, o pessoal de vendas.43
Em uma lógica de mercado em que a procura fosse superior à oferta, o
treinamento do pessoal de vendas pode não ser uma prioridade. Em
compensação, quando a procura recua em relação a uma oferta concorrente,
o serviço e a qualidade do pessoal de contato e o treinamento do pessoal de
vendas tornam-se vitais. Treinamento nos produtos, na acolhida, na escuta
do cliente, na empatia, isto é, na capacidade de compreender o outro,
mostra-se mais importante que o treinamento em um discurso de venda
padronizado, considerados os produtos vendidos e a exigência elevada da
clientela.
A cultura de empresa no setor do luxo, quase sempre centrada na criação,
não leva facilmente a integrar o cliente e, portanto, a valorizar a função
venda e o pessoal de contato com o cliente. Se com freqüência o luxo
francês é censurado pela arrogância e suas vendedoras por sua frieza
distante ou desdenhosa, isso é sem dúvida um efeito perverso de tal cultura.
A necessidade de valorizar e de motivar o pessoal de vendas é tanto maior
quanto este é confrontado com um universo de sonho ao qual sua
remuneração não lhe permite ter acesso enquanto consumidor, o que pode
acarretar uma atitude ambivalente em relação à clientela.
O controle de sua rede de distribuição (magazines próprios, shop in the
shop, leased department, como é o caso da Chanel ou da Vuitton, por
exemplo) é por certo dispendioso, mas permite o domínio total do
recrutamento, do treinamento, da remuneração e da promoção do pessoal de
vendas e dos responsáveis pelas butiques no plano mundial. Tais escolhas
privilegiam a motivação e reconhecem a importância do papel
desempenhado pelo pessoal de vendas em matéria de qualidade. A Vuitton
gere diretamente mais de 284 magazines e 5 mil vendedores no mundo; as
equipes de vendas (vendedores e responsáveis por magazines) são reunidas
e treinadas na butique recriada dos ateliês de Asnières. Uma atenção
particular é dada à apresentação dos novos produtos, aos métodos de
dobragem e de embalagem de cada um deles em função de sua forma. Um
vídeo permite sensibilizar o pessoal para a qualidade dessa etapa, bem
como para a maneira de apresentar a sacola de embalagem à cliente de tal
modo que a dobra de armazenagem esteja de frente para a vendedora e não
para a cliente. Quando da feitura dos pacotes e do corte da fita de
embalagem, o “L” e o “V” da sigla Louis Vuitton jamais devem ser
separados! Todos eles detalhes aos quais é prestada uma atenção extrema.
Acrescentemos que uma “bíblia” destinada ao pessoal de vendas vem
completar o treinamento e o vídeo, retomando os aspectos essenciais,
inclusive as diversas maneiras de atar os foulards em relação aos uniformes
das vendedoras e as diferentes nuanças de meias ou collants a ser
combinadas segundo as estações, a fim de que a harmonia seja perfeita,
excluindo toda falta de gosto com conseqüências redibitórias.

***

Desde os anos 1990, o setor do luxo francês empreendeu uma mutação.


Ele deve gerir suas marcas de maneira rigorosa e coerente face a uma nova
concorrência e a dualidade da clientela, com expectativas diferenciadas.
Essa nova clientela exige ter acesso ao luxo, reivindicando “eu também
tenho direito a isso!”; ela não tem acesso a ele pelos mesmos produtos, nem
ao mesmo preço, nem com a mesma freqüência. No entanto, foi essa nova
clientela, com suas aspirações a “tratar-se bem”, a “dar-se prazer”, mesmo
de maneira excepcional, que permitiu o crescimento sustentado das
empresas do luxo no plano mundial nestes dez últimos anos. Isso leva a
integrar as contribuições do marketing às culturas de empresas ou de casas
em que apenas a criação era valorizada. Segundo as gamas de produtos que
se comercializam, é possível ser levado a abandonar o artesanato tradicional
e a proximidade do cliente para passar à industrialização, mas não se pode
mais ignorar as expectativas do mercado. Desde então é preciso encontrar
meios de gerir um mercado de massa de maneira seletiva.
* Champanhe proveniente de uma colheita de qualidade superior, de um único ano. (N. T.)
2. Evoluções progressivas das significações do luxo

Compreender as apostas atuais da gestão de uma marca de luxo exige


fazer uma volta à história, a fim de cercar o que a noção de luxo significou
sucessivamente no tempo, para situar o que ela quer dizer hoje e o que
significará amanhã. Essa volta é uma condição prévia dos princípios que
devem daí em diante reger o marketing de luxo.
“Definir o luxo, isso é realmente razoável?”, sublinha o comitê Colbert
em um de seus relatórios de atividade...1 Evidentemente, não! Pois o luxo
não depende da razão, mas do excesso e das emoções extraordinárias e
intensas, como sublinharemos a partir de uma volta necessária ao que está
inscrito no sentido da palavra.

da etimologia às definições contemporâneas

O que nos ensina, então, a etimologia do nome “luxo”? Pode-se ler ou


ouvir aqui ou ali que luxo seria um derivado de lux: “luz”.2 É bonito, sem
dúvida, e vêem-se imediatamente as interpretações esclarecedoras que
podem ser dadas para justificar essa filiação! Ora, a etimologia real de luxo
não é essa! Pena? Não é tão certo! Pois a leitura de qualquer bom dicionário
etimológico mostra, de fato, que luxo é derivado do latim luxus (a uma só
vez substantivo e adjetivo), oriundo do vocabulário agrícola, que
inicialmente significou “o fato de crescer de través”, depois “crescer em
excesso”, para tornar-se “excesso em geral” e, enfim, significar “luxo” a
partir do século xvii.3
Essa definição nos parece muito mais interessante pois inscreve na
palavra que o luxo implica situar-se, por definição, fora dos caminhos
trilhados da “tendência”, para seguir sua própria rota, impondo suas
próprias regras, até no excesso do adágio “quem me ama que me siga!”.
Entre os derivados de luxus encontra-se igualmente luxuria,
“exuberância, profusão, luxo” e “vida mole e voluptuosa”. Esse derivado da
mesma raiz deu assim origem, no século xii, à palavra luxúria. Essa raiz
comum e seus derivados fizeram, portanto, com que alguns dissessem que,
desde a Antiguidade, o luxo no sentido de luxus, pelo excesso que
representava, tiraria seu valor positivo de esplendor e de fausto ou de
magnificência do luxo público, a partir do momento em que esse excesso
fosse posto à disposição do corpo social ou lhe fosse redistribuído de
maneira real ou simbólica.4 Em compensação, essa mesma palavra luxo, em
seus excessos privados, tomaria o sentido negativo de luxuria e, portanto,
de desregramento portador de decadência. Encontrava-se já essa oposição,
invertida com provocação por Mandeville desde 1714, em sua célebre
fábula das abelhas, cujo subtítulo é sugestivo: os vícios privados fazem o
bem público. Ele reclamava então uma definição rigorosa do que é o luxo:
“É preciso definir não os objetos de luxo, mas sua essência, o que ele deve
ser estritamente”.5 Transposta, em termos de management de marca, essa
definição sugere interrogar-se sobre a natureza do que a marca “redistribui
simbolicamente” a seus clientes de maneira a justificar um preço que, de
outro modo, pareceria excessivo. Tais questões de base têm como objetivo,
paradoxalmente, fazer com que o administrador das marcas tome um pouco
de distância ou de recuo em relação a uma gestão cotidiana.
Sem cair em um pseudo-enciclopedismo, afinal soporífico, podemos no
entanto deter-nos um instante nas primeiras definições dos dicionários: “um
modo de vida concretizado por grandes despesas, para fazer exibição de
elegância e de refinamento”6 (1607). Para compará-la com a dos dicionários
de hoje:

Caráter de que é dispendioso, refinado, suntuoso,


• ambiente constituído por objetos dispendiosos, maneira de viver dispendiosa e refinada,
• prazer relativamente dispendioso que nos oferecemos sem verdadeira necessidade,
• o que nos permitimos de uma maneira excepcional ou o que nos permitimos dizer, fazer a
mais, para nos dar prazer,
• grande abundância de alguma coisa,
• de luxo: diz-se de objetos, de produtos ou de serviços que correspondem a gostos
rebuscados e dispendiosos; diz-se de atividades que fazem comércio desses produtos ou desses
serviços.7

Essas definições remetem ao preço, ao prazer, ao desejo, à exceção, à


raridade, ao refinamento. Pode-se prosseguir pelas maneiras como a marca
vai saber criar emoções e experiências excepcionais e únicas, suspendendo
o curso do tempo, para fazer sentir um prazer intenso, permitir dar a si uma
festa, pôr os sentidos em efervescência, em ressonância ou correspondência,
e fazer reviver na idade adulta os encantamentos da infância.

da ostentação à emoção

O século xix, com seu desenvolvimento industrial e sua mecanização


crescente, vai tornar os produtos reproduzíveis em série e, portanto,
acessíveis a um maior número de pessoas. Emerge nessa época “um
supérfluo mais material, mais pessoal [...] e instala-se uma nova ordem: o
supérfluo no ordinário e o triunfo da maneira burguesa de consumir”,8 que
agita os signos externos de sua riqueza.
A sociedade moderna e seus valores emergentes individualistas e
hedonistas tornaram então o luxo necessário ao bem-estar ordinário de uma
vida material mais prática e mais funcional.9 O luxo torna-se uma marca
distintiva, símbolo do acesso e do pertencimento a uma nova categoria
social.
É então que aparece a teoria de Veblen.10 Pelo “consumo ostentatório”,
faz-se exibição de riqueza e consome-se menos o objeto em si que o
estatuto social que ele confere a seu proprietário. Paradoxalmente, foi no
início da reprodução em série que o “feito à mão” ou o “à mão”, método de
produção mais dispendioso, revestiu o objeto de um novo valor estético.
Pois, sublinha o autor:

O que é banal está ao alcance pecuniário do grande público, portanto não há mérito em
consumi-lo. Construiu-se sobre essa base todo um código, digamos toda uma tabela das
conveniências estéticas, de um lado, e das abominações estéticas do outro.

Nesse contexto, o artesanato à mão é socialmente valorizador, e a


reprodução em série é desclassificatória.
É nessa época que nasce a alta-costura com o primeiro costureiro,
Charles Frédéric Worth (1825-95), depois com Poiret (1874-1944), e que
são fundadas casas como a de Guerlain, artesão perfumista que abre sua
própria butique em 1828, na rue de Rivoli, em Paris, como os grandes
joalheiros Cartier (1847) e Boucheron (1858), ou ainda os seleiros, como
Hermès (1837) e os maleiros, como Louis Vuitton (1845). No domínio das
artes da mesa, se algumas manufaturas como as cristalerias Saint-Louis
(1767) ou Baccarat (1764) são mais antigas, aparecem no século xix casas
como as Faïenceries de Giens (1821), Bernardaud (1863) e Daum (1875).
Da mesma maneira, se certas casas de champanhe, como Ruinart (1729) ou
Veuve Clicquot (1772), existem desde o fim do século xviii, é preciso
sublinhar que foi no século xix e desde 1882 que as marcas de champanhe
mais prestigiosas reuniram-se no “Sindicato das grandes marcas de
champanhe”.11 Entretanto, será preciso esperar mais de um século para que
as “casas” de luxo aceitem, apenas em 1995, definir-se como “marcas”.12
Estão estabelecidas, portanto, as condições econômicas, sociais e
culturais da democratização do luxo e o savoir-faire artesanal e criativo que
permite que as categorias sociais granjeadoras de um novo poder
econômico tenham acesso a ele. Vemos igualmente que, se até aqui se
falava de “ofício”, de “artesanato” e de “casa”, certos protagonistas no
domínio do champanhe definem-se já como “marcas”.

O luxo dos anos 1980: significante absoluto da identidade

O consumo francês da segunda parte do século xx pode ser dividido em


três grandes períodos: o pós-guerra e, em particular, dos anos 1950 aos anos
1968-70, que vê a França passar da penúria à abundância; depois os anos
1980, em que cresce um superconsumo individualista e reivindicado de
marcas de luxo e, enfim, os anos 1990 e seguintes: anos de não-
consumismo seletivo e de busca de “tranqüilização”,13 mas também de
prazer intenso, imediato, renovado e partilhado com o outro.
Até os anos 1980, e sob o impulso do forte aumento dos rendimentos
(que são multiplicados por dois entre 1950 e 1968), é a lógica da ascensão
social que prevalece com seu corolário, o consumo. Nesse quadro, o
consumo de produtos de luxo remete a sistemas significantes de
diferenciação14 ou de distinção,15 segundo uma análise como a de Georg
Simmel, que afirmava já em 1923 que a moda tinha uma “dupla função, a
de reunir ou de religar um grupo e de o separar ou de o distinguir, ao
mesmo tempo, dos outros grupos sociais”.16 Distinguir é classificar os
objetos, os gostos “que necessariamente fazem parte de uma categoria
socialmente aceita que recorta o universo dos valores segundo as oposições
maniqueístas do vulgar e do luxuoso”.17 Vê-se aqui, portanto, que o
contrário do luxo é o vulgar ou a vulgaridade, como pretende a definição
atribuída a Coco Chanel.
Segundo a lógica “bourdieusiana”, os gostos obedeceriam
conseqüentemente a uma lei de Engel generalizada, que faz com que em
cada nível de distinção “o que é raro e constitui um luxo inacessível ou uma
fantasia absurda para os ocupantes do estatuto inferior torne-se banal e
comum e se veja relegado à ordem do que é evidente, pelo aparecimento de
novos consumos, mais raros, mais distintivos”.18 Portanto, estamos aqui em
um sistema de luta e de corrida—perseguição pelo monopólio dos
emblemas de classe em que a apropriação de bens de luxo lhes confere uma
raridade ao mesmo tempo que uma legitimidade, que fazem deles o símbolo
por excelência da “excelência”.19
Esteja-se em uma lógica de identificação—diferenciação em relação a
grupos ou em uma lógica de distinção de classe, as marcas manipuladas e
exibidas como emblemas estavam obrigadas a ser visíveis, logo,
identificáveis, para responder às necessidades dos compradores que
reivindicam por esses códigos sociais seu pertencimento social, real ou
simbólico.20 A marca tornava-se o novo significante absoluto da identidade
e prevalecia sobre o produto. O produto não era mais que meio de acesso à
marca e à sua exibição social. Verdadeira insígnia social, bastava então que
o produto fosse “logotipado”. Está claro, portanto, que nessa época não
havia nenhuma necessidade de marketing das marcas, já que a procura era a
esse ponto superior à oferta e que os consumidores, por seu lado, não
procuravam mais que uma panóplia ou uma etiqueta social a ser exibida.

Os anos 1990 e depois

É aceito, por quem qualifica nossa época de pós-moderna, que as


explicações em termos de luta ou de relação de classes já não podem, por si
sós, dar conta da complexidade dos fenômenos sociais em geral, do
consumo ocidental e das marcas de luxo em particular. À lógica da
distinção, da identidade por diferenciação de classe e, portanto, da auto-
afirmação de um poder pela ruptura, Maffesoli propõe uma outra
hipótese:21 a de identificações sucessivas e efêmeras com “tribos”22
múltiplas, sobre bases afetivas e emocionais, segundo uma lógica de
imersão e de relação assimiladora que orienta as escolhas. Assim, a
degradação ou a saturação das grandes narrativas dominantes23 que
emolduravam os sistemas de valores individuais da modernidade fizeram
deslocar-se a crença no futuro e no projeto para centrar-se no presente, da
mesma maneira que fizeram resvalar valores como o trabalho e a razão para
o prazer e as emoções.
A realidade pós-moderna se traduziria também pelo ressurgimento de
fenômenos arcaicos, de recriação simbólica ou mesmo mágica de vínculo
social, sobre bases afetivas e emocionais em que o sentir junto formaria
sociedade. A partir do momento em que se considera válida ou
simplesmente interessante essa metáfora tribal, surge para o administrador
da marca a questão dos meios únicos a serem empregados para criar,
suscitar, partilhar e manter esse vínculo emocional intenso entre a marca e
sua clientela.
À luz desses deslocamentos, pode-se analisar a oscilação das atitudes e
das expectativas em relação às marcas de luxo entre os paroxísticos anos
1980 e os anos 1990. De fato, as expectativas diante das marcas em geral e
das marcas de luxo em particular realmente se deslocaram: expressão de si,
partilha de emoções fortes, busca de autenticidade e de sentido, adesão a
uma ética — isto é, à sua visão de mundo — e a uma estética, exaltação do
universo do sensível e maneira única, para cada marca, de transmitir e de
compartilhar uma emoção.24 Pois esse caráter único é um elemento-chave.
O superconsumo ostentatório de marcas, símbolo culminante dos anos
1980, foi substituído, portanto, por um período de não-consumismo
seletivo, ele próprio seguido nos anos 2000 por um novo frenesi eufórico de
consumo de luxo. Mas esses ciclos não retornam de maneira idêntica,
exprimindo e revelando o que a época contemporânea traz de afirmação de
si e de sensibilidade exacerbada. No domínio da moda, “a palavra essencial
não é mais parecer rico, mas parecer jovem”, sublinha justamente
Lipovetsky.25
O vestuário já não cristaliza tanto os desejos de afirmação social de si;
manter-se, manter o corpo em forma, jovem, é daí em diante mais
importante que a aparência indumentária. Portanto, é paradoxalmente na
época em que as sociedades são estruturadas pela lógica da sedução e do
efêmero, ou ainda da diferenciação marginal, que o vestuário perde
importância em favor do corpo, que se lhe torna sagrado.26 A baixa
estrutural das despesas com roupas27 traduz nos fatos a rejeição dos ditames
da moda, que diferenciavam ao longo das estações o que estava na moda e o
que era démodé. A necessidade de expressão de si, de aprofundar sua
identidade ou, ainda, o jogo das identificações sucessivas pós-modernas,
fazem passar do “total look” à “bricolagem”, no sentido de Lévi-Strauss, de
estilos variados. Segundo uma lógica pós-moderna, nos anos 1990 brinca-se
com a justaposição “dos contrários, do caro e do barato, do chique e do
descuidado, do com grife e do com desconto, do velho e do novo, do
técnico e do autêntico, do masculino e do feminino e, sobretudo, com o ato
de recuperar, deslocar, pôr o baixo no alto, o de baixo por cima, a noite no
dia [...] em favor de uma mensagem individual”.28 Em suma, brinca-se de e
com a imagem, em plena teatralidade, no jogo das aparições e das
aparências.
Foi igualmente a estrutura do guarda-roupa que se modificou: desapreço
pelas grandes peças em favor das pequenas, procura por roupas livres que
não entravem o movimento e, portanto, busca de conforto. As
reivindicações mudaram. Compreende-se, então, o desenvolvimento do
montante de negócios das linhas jeans dos criadores de moda e dos
costureiros, bem como a importância crescente da “malha” nas coleções.
A sacralização e a “cosmetização” do corpo tornam-se centrais, com seus
corolários: o antipeso e o antienvelhecimento:29 “Se a moda indumentária é
cada vez menos diretiva e capta uma parte cada vez menos importante dos
orçamentos, os critérios estéticos do corpo exercem sua soberania com um
poder multiplicado. Quanto menos homogênea é a moda, mais o corpo
esbelto e firme torna-se uma norma consensual. Quanto menos há
teatralidade indumentária, mais há práticas corporais com intenções
estéticas; quanto mais se afirmam os ideais de personalidade e de
autenticidade, mais a cultura do corpo torna-se técnica e voluntarista”.30
Elevação das despesas com produtos cosméticos, que passam da simples
maquiagem ao cuidado do rosto e depois ao do corpo. Testemunhas desse
deslocamento, os resultados que ultrapassam todas as previsões de vendas
de um gel contra pele casca de laranja e redutor de celulite local, lançado
por Dior com o nome muito significativo de Dior Svelt, e que teve, em
1993, uma taxa de compra sem precedente na França. Pode-se citar
igualmente o mais recente Body Light, “soro ultra-esbelteza tripla ação”,
assim como, nas outras marcas, a coorte antiadiposidade e anticelulite,
como Lift-minceur Anti-Capiton, lançado pela Clarins em 2001, associado
a seu método de aplicação “automodelagem antiadiposidade”!31
Banalização da cirurgia estética, outrora tabu, com aumento de 80% do
número das intervenções, entre 1981 e 1989, nos Estados Unidos. Na
França, o número de operações de cirurgia estética aumenta igualmente
todo ano, e ultrapassou, em 1998, a marca dos 100 mil.32 Trata-se de uma
das tantas maneiras “de substituir um corpo recebido por um corpo
construído”, em uma época em que permanecer jovem e esbelto é o novo
imperativo individualista, e traduz, por meio da sacralização da beleza de
um corpo jovem e magro, “a não aceitação da fatalidade, a ascensão dos
valores conquistadores de apropriação do mundo e de si”.33 Cuidados,
“cosmetização” do corpo e cirurgia estética não estão mais confinados
apenas à esfera feminina, um universo em que a “preocupação consigo” e a
teatralidade de corpo são a uma só vez “causa e efeito de comunicação”.34
Assim, os homens representam, por exemplo, na França, 15% da clientela
da cirurgia estética; são essencialmente dirigentes de empresas que
recorrem aos implantes capilares, ao rejuvenescimento das pálpebras ou
ainda à lipoaspiração. Da mesma maneira, se a cosmetologia masculina não
representa mais que 10% das despesas de higiene—beleza, esse mercado
exibe, em 2000 e para a França, um montante de negócios de 595 milhões
de euros. Nestes dois últimos anos, ele passou, pela primeira vez, por um
crescimento mais forte que o dos produtos femininos. Os homens que
mantêm o corpo são, portanto, cada vez mais numerosos: regimes
alimentares, ginástica, institutos de beleza, de cuidados e de
talassoterapia.35 As marcas têm sua hora, e os indicadores do mercado para
homens estão no sinal verde, pois os jovens consumidores mais hedonistas
têm menos bloqueios que os mais velhos. A Clarins, líder européia no
cuidado com o rosto feminino em distribuição seletiva, lança sua linha
Clarins Men. O grupo L’Oréal, número um francês do seletivo com
Biotherm Homme, anuncia fortes progressões em todos os outros países em
que a marca é distribuída. A americana Lauder está igualmente presente
com sua marca de cuidados Clinique for Men. O instituto de beleza para
homens Nickel, aberto em 1996 no Marais com um posicionamento
deliberadamente gay, ampliou sua distribuição e clientela, desde 1998, para
os magazines Séphora, e abriu um segundo instituto, Printemps de
l’Homme, em 1999. Desde sua criação, essa marca, cujos produtos têm
nomes evocatórios, descompassados e lúdicos, como Completo Fingimento,
Depois da Festa, Bela Fachada ou ainda Punhados de Amor, multiplicou
por mais de dez seu volume de negócios! Os piercings e outros marcadores
da identidade encontram sua vertente de luxo nos joalheiros da place
Vendôme, que decerto se adaptaram às exigências dessa nova mise-en-scène
do corpo.
Hoje, os consumidores são mais bem informados, mais exigentes e a uma
só vez mais sensíveis aos preços e menos sensíveis à marca enquanto tal.
Assim, passa-se do luxo a qualquer preço, nos anos 1980, à justificação do
preço pelo valor da criação, pelo valor do universo imaginário ou ainda
pelos valores compartilhados com a marca. Para compras com forte
envolvimento, como os produtos de luxo, daí em diante a coerência e a
autenticidade da oferta ética e estética da marca é que serão capazes de
levar à adesão do consumidor ao contrato que ela propõe e a aceitar um
diferencial de preço justificado — preço do sacrifício ou do resseguro.
De fato, na década precedente, as expectativas em relação às marcas
eram relativamente baixas, uma vez que se buscava um código social que
afirmasse uma identificação de grupo ou de classe. A partir do momento em
que o cliente procura um prazer raro e emoções intensas, um
reconhecimento de sua identidade, as expectativas deslocam-se apenas dos
produtos para a qualidade do serviço para englobar a coerência da oferta e
do discurso da marca em todas as suas manifestações, trate-se do coração da
marca ou de todas as suas extensões. Toda incoerência, toda omissão ou
ainda toda insatisfação do cliente quanto à acolhida, ao conselho ou à mise-
en-scène dos produtos será sancionada como uma ausência intolerável do
respeito agora reivindicado pelo cliente. Todo prazer que lhe for retirado ou
que ele for impedido de experimentar fará cair uma sanção imediata — não
compra, boca-a-boca negativo, adesão a uma outra marca mais
“politicamente correta”, respeitosa em relação a seus valores e clientes.
Portanto, vê-se que nesse contexto a gestão das marcas torna-se muito mais
complexa e muito mais interessante.
Recapitulamos as evoluções das significações do luxo e as implicações
que convém tirar delas para o management das marcas. Agora vamos
debruçar-nos sobre as definições dadas pelos profissionais desses ofícios a
partir dos anos 1990 e sobre as que lhes dão os clientes, por meio da
discussão dos resultados de certo número de estudos.

o luxo definido pelo setor

Os primeiros estudos visando a definir o perímetro desse novo setor


industrial datam dos anos 1990, no momento em que o setor interroga-se
sobre si mesmo face ao que convém chamar de uma mudança de
paradigma. Esses primeiros estudos foram feitos graças à iniciativa do
comitê Colbert,36 instância de representação e de promoção do luxo francês.
Vamos sucessivamente apresentar os resultados do estudo McKinsey,
seguidos daqueles, mais recentes, do estudo do Ministério da Indústria37 e,
enfim, o estudo conduzido pelo Conselho econômico e social.38
O objetivo fixado para a McKinsey pelo comitê Colbert era definir a
indústria do luxo,39 avaliar seu peso econômico e identificar os desafios
enfrentados pela indústria francesa do luxo, a fim de oferecer às empresas e
aos poderes públicos pistas de reflexão e de ação. A McKinsey assumiu
então uma definição operacional que lhe permitisse reconstituir o perímetro
dessa indústria. Por um método em duas etapas, a agência identificou, em
um primeiro tempo, os setores de atividade (35 no total) correspondentes
aos seguintes dois critérios:
1) a fabricação e/ou a comercialização de produtos e de serviços
destinados ao consumidor final (eliminando, portanto, os consumos
intermediários);
2) a incorporação de savoir-faire dependente da arte aplicada, definida,
no plano da oferta, por um envolvimento humano na criação e, no plano da
procura, por produtos ou serviços que respondam a necessidades além do
funcional, do necessário, e que façam apelo aos sentidos.
Em cada um dos 35 setores retidos foram selecionadas:
• as marcas do topo da pirâmide de preço, por categoria de produtos, isto
é, com preços sensivelmente superiores aos produtos que apresentam
funcionalidades tangíveis comparáveis;
• as marcas de notoriedade internacional e com mais de cinco anos de
existência.
Assim, a título de ilustração, para um setor dado, um produto
representativo foi selecionado, por exemplo, um tailleur de lã do prêt-à-
porter feminino, e então, a partir de uma lista de preços, o limite que fixa o
nível de pertencimento ao luxo foi definido como o topo dessa pirâmide.
Para continuar com o exemplo do tailleur, o limite foi estipulado, em 1991,
em 6 mil francos, preço para o público.
Para estimar a participação de mercado do luxo francês, a definição
fixada é, portanto, uma definição perceptual, isto é, as marcas percebidas
como francesas, pois são francesas na origem, mesmo que a estrutura do
capital tenha evoluído depois e a marca fosse, na época do estudo,
controlada por um ou mais acionistas estrangeiros.
O exemplo típico é o da Cartier, marca de origem francesa, criada em
1847 por seu fundador Louis Cartier, mas cujo capital é atualmente
estrangeiro e que faz parte do grupo Richemont. A participação de mercado
do luxo francês estimada segundo esse método era de 47% em 1991,
garantindo à França a liderança mundial. Mas essa participação era de fato
superestimada em relação à realidade, levando em conta o critério de
controle do capital dessas empresas.
A abordagem da McKinsey raciocinava em termos de perímetro do setor;
já o estudo do Ministério da Indústria encomendado pelo comitê Colbert,
em 1995, mostra uma evolução do setor em seu todo, que evolui para a
aceitação do conceito de marca. Com efeito, a indústria do luxo é aí
claramente definida como “um conjunto de marcas”. A hipótese de base
que desde então guia a delimitação do perímetro do luxo, e faz com que
uma marca pertença ou não a esse universo, é a seguinte:

1) Um produto de luxo é um conjunto: um objeto (produto ou serviço), mais um conjunto de


representações: imagens, conceitos, sensações, que são associados a ele pelo consumidor e,
portanto, que o consumidor compra com o objeto e pelos quais está disposto a pagar um preço
superior ao que aceitaria pagar por um objeto ou um serviço de características funcionais
equivalentes, mas sem essas representações associadas.40

De fato, estamos pouco distantes da definição operacional precedente e


convém reter dessa definição que a unidade de análise pertinente para
definir a indústria é a marca. A partir daí, o problema é deslocado e
equivale a definir o que constitui a especificidade de uma marca de luxo em
comparação a uma marca que não o fosse. Mesmo que a definição dada
pelos autores do estudo do que é uma representação possa parecer parcial,41
dela se tirará um segundo postulado interessante e que nós mesmos
testamos previamente de maneira empírica a partir de uma amostragem de
consumidores de categorias sociais abastadas:42
2) “O consumidor sabe se uma marca é de luxo ou não, mesmo que não
saiba dizer precisamente por que e quais seriam os critérios objetivos.”
Esse método aplicado a um conjunto de marcas permitiu identificar o
perímetro da indústria de então: 412 marcas, das quais 148 estrangeiras,
representando no total um montante de negócios estimado, para a França,
em 105,720 bilhões de francos em 1995. A classificação de uma marca
como francesa corresponde à mesma lógica da McKinsey, isto é, marcas de
origem francesa, independentemente da estrutura de seu capital, ou que se
irradiaram a partir da França.
O domínio de atividade dessas marcas de luxo foi repartido entre as
seguintes grandes funções: cuidado e equipamento da pessoa (56%), a casa
(5%), o automóvel (12%), os usos festivos (27%).
Observa-se a partir desses dados uma forte concentração do montante de
negócios, já que 25% das marcas contribuem com 80% do montante de
negócios do setor. Esse perímetro foi reavaliado, em 2002, em 381 marcas;
algumas delas perderam substância, esvaziaram-se de seu conteúdo,
ancoradas em um passado superado, ou muito simplesmente
desapareceram. Essa capacidade que têm os consumidores de julgar se uma
marca pertence ou não ao universo do luxo leva-nos naturalmente a nos
debruçar-mos sobre as definições que eles lhe dão em certo número de
estudos recentes.

o luxo e sua clientela:


do qualitativo ao quantitativo

A definição do luxo pelos consumidores pode ser abordada por métodos


de estudo exploratórios qualitativos, essencialmente baseados em
entrevistas individuais, ou por métodos descritivos ou quantitativos que se
apóiam em declarações a partir de questionários.43
Para ilustrar a definição de luxo dada pelos consumidores, tomaremos
por base dois estudos conduzidos em nível internacional; um, qualitativo,
pela Cofremca para o comitê Colbert em 1992,44 o outro, quantitativo,
renovado regularmente pelo instituto Risc desde 1993.45 Esses resultados
serão em seguida comentados à luz dos numerosos estudos que foram
conduzidos por outros institutos de estudo ou ainda por pesquisadores e
universitários.
Por que partir do estudo da Cofremca? Sem nenhuma dúvida, porque é o
primeiro estudo desse tipo lançado pelo setor entre os consumidores e que
ilustra com dupla razão seu título: “Relatório sobre o luxo e a evolução das
mentalidades” — evolução das mentalidades dos consumidores, sublinhada
anteriormente, e evolução das mentalidades da profissão, que passa, como
sublinhamos igualmente mais acima, de uma lógica centrada nos produtos,
na criação e no criador, a uma lógica que integra o cliente e o consumidor.
Além de seu interesse, esses estudos têm a vantagem de referir-se aos
mesmos países estrangeiros: Estados Unidos, Espanha, Itália, Alemanha,
Grã-Bretanha e Japão. Permitem, portanto, abrir-se para uma visão
ampliada, ultrapassando a visão ou exceção apenas francesa e pondo as
definições, para além do tempo, em perspectiva no espaço.
O estudo qualitativo por entrevistas em profundidade refere-se a uma
amostragem de classe igual, como é o uso nesse caso: dez consumidores por
país, ou seja, sessenta no total; o que poderia parecer pouco, mas que, no
quadro do qualitativo, cujo objetivo não é descrever e quantificar, mas
compreender em profundidade a diversidade dos possíveis, está
inteiramente nas normas. Visa-se não à representatividade estatística, mas à
exploração, à compreensão em profundidade do universo do luxo, para
penetrar no que ele significa no espírito dos consumidores, a fim de tirar daí
pistas de reflexão e de ação para as marcas.
Quaisquer que sejam os países, a base do sistema do luxo é de ser
desejável, de manter uma certa distância, de ser algo merecido; é uma aura
imaterial que se projeta acima do ordinário e acima da simples qualidade da
vida para ser uma forma de realização e de oferenda que se faz a si próprio
e aos outros.
A adesão agora ambivalente ao luxo implica um respeito pelo outro, que
busca no luxo uma forma de realização de sua dignidade.
• Assim, o luxo é vivido como o encontro com a vitalidade; é um prazer
dos sentidos que desemboca em uma emoção, uma sensação de conforto, de
harmonia.
• O luxo é igualmente sentido como a vitalidade em estado bruto, a
animalidade, a sensação de vida em torno de si, a amplidão do movimento,
do espaço, o potencial que se libera.
• O luxo é então uma estratégia de vida, uma plenitude, um reerguimento
do ser, uma regeneração.
• Ele se inscreve em uma nova relação de si com os outros.
Essas constatações levam a Cofremca a uma tripla recomendação às
marcas de luxo, que devem: 1) pôr-se em cena e causar sensação; 2) fazer-
se vida e emoção; 3) ganhar sentido e significação.
As observações mais recentes da Cofremca adiantam os seguintes
pontos:46
• o luxo nasce de um encontro consigo mesmo; assim, “não se pode mais
reduzir o luxo ao objeto. O luxo nasce de um encontro entre o objeto e a
intimidade profunda daquele que o reconhece”;
• o luxo deve ser profundamente des-hierarquizado, pois, segundo esse
instituto, ele deve passar de uma ultrapassada lógica da posição a uma
lógica de expressão autônoma;
• o luxo deve despertar imaginários e ressuscitar artes de viver;
• o luxo é prazer a ser partilhado, que não se baseia mais em uma simples
satisfação narcísica e social e deve saber desenvolver um valor de ligação.47
As outras pistas inspiram-se em correntes derivadas das análises pós-
modernas: acento nas emoções e na sensibilidade, estetização da vida
cotidiana — traços determinantes nas pesquisas de marketing da pós-
modernidade.48 As agências de estudo e os universitários convergem nesse
ponto, para influenciar por suas análises o management das marcas. A partir
daí, não se pode mais escapar à palavra emoção, que é posta em todas as
apresentações publicitárias. Mas não se pode deixar de sublinhar que uma
emoção é despertada, sentida, mas não decretada... visto que a injunção de
“emoção” em um visual não implica o que é sentido! Assiste-se aos
mesmos excessos com “experiência”49 e “reencantamento do mundo”,50
outros vocábulos em voga que, fora de seu contexto e sistematizados, são
brandidos como novos passes de mágica e fórmulas vazias de consultores
necessitados de clientela.
Os recentes estudos qualitativos sobre o luxo sublinham um novo foco
nos valores de verdadeiro, de profundo e de necessário, pondo em evidência
o autêntico, os materiais nobres e raros bem como a noção de duração, da
mesma maneira que a apropriação ou mesmo a incorporação da criatividade
que guia a invenção. Estamos bem longe, portanto, do que é da ordem da
tendência efêmera e da falsidade ostentatória. Mesmo nos Estados Unidos,
atualmente, vai-se valorizar mais um pequeno número de objetos de
qualidade que a superabundância, encontrando no luxo, em particular entre
os mais jovens, um valor agregado de inovação criativa.
O estudo Imagem (Risc) foi um dos primeiros, em grande escala, a dar
conta das dimensões do luxo, trate-se de um produto de luxo ou de uma
marca de luxo; ele permite uma tripla comparação: o produto de luxo versus
a marca; as dimensões invariantes, quaisquer que sejam os países; as
dimensões variáveis por sua ancoragem cultural e geográfica particular.
Para o produto de luxo, as três dimensões mais acentuadas são a altíssima
qualidade, o preço muito elevado e o efeito de prestígio da marca. Da
mesma maneira, uma marca de luxo é definida pela altíssima qualidade de
seus produtos pelo fato de ser mundialmente (re)conhecida, com produtos
muito caros de um estilo inimitável (em um menor grau, no entanto, para a
França e o Japão).
Vê-se que o que faz passar do “produto” à “marca” é, essencialmente, a
dimensão e a notoriedade internacional. Assim, para muitas “casas de luxo”
nos anos 1990, a problemática foi passar do “nome” com imagem
prestigiosa e notoriedade limitada ao país de origem a uma marca com
notoriedade mundial. As variações de porcentagem segundo os países
permitem sublinhar importantes efeitos culturais, reforçando a noção
relativa do luxo discutida anteriormente.
Assim, para a Europa, a Alemanha distingue-se por sua definição muito
ligada ao excepcional (44% contra 17% a 37% para os outros países). A
Grã-Bretanha, mais que os outros países, separa o luxo das marcas e aposta
muito mais na confiança (48%), bem como na qualidade intrínseca dos
produtos. Para o Japão, a fabricação artesanal ocupa um lugar muito
marcante (36%), em ressonância com uma cultura do gesto (Kata), central
nesse país, da mesma maneira que a longa história da marca (44%), que lhe
permitiu dominar um savoir-faire. Quanto a isso, relembremos a
importância, no Japão, dos tesouros nacionais vivos, mestres no domínio de
uma arte aplicada, laca, seda etc. Para os Estados Unidos, o raciocínio é
elementar, pragmático e funcional, muito coerente com os valores da
sociedade, em que predominam a lógica comercial e a relação “value for
money”.
Se nos concentrarmos na Europa, que continua a ser o mercado
tradicional do luxo, e se seguirmos a segmentação estabelecida pelo Risc
entre “clientes regulares do luxo”, “excursionistas”, isto é, os clientes
ocasionais e, enfim, os “não-clientes”, batizados de “excluídos”, seja por
recusa deliberada, seja, ainda, por ausência de meios financeiros,
observamos que as dimensões do luxo variam em função dos segmentos de
clientela. Nota-se, assim, que quanto mais os clientes são regulares e têm,
portanto, um índice forte de consumo de marcas de luxo (os grandes
consumidores, segundo o vocabulário do marketing), mais a representação
do luxo é individual e pessoal: “prazer para si, belo antes de tudo, não sai de
moda”. Para os clientes ocasionais, que têm um índice de consumo, a
clivagem social e o olhar dos pares continuam a ter importância, marcando
dimensões mais elitistas: “para exceções, para uma minoria”.
A segmentação feita pelo Risc é estabelecida a partir do número de
marcas compradas e permite uma estimativa do tamanho de cada segmento
nos três principais mercados: Europa, Estados Unidos e Japão. Essas cifras
sublinham a verdadeira explosão do mercado e uma inversão das cifras
entre os não-clientes e os clientes. Segundo o estudo Risc 2000,51 na
Europa, os clientes ocasionais — compradores de uma a três marcas de luxo
no ano — representam 42% dos consumidores, enquanto a clientela regular
— compradores de quatro marcas de luxo ou mais — representa 18%.
Assim, o total dos clientes do luxo eleva-se, hoje, a 60%,52 enquanto era de
52% em 1998 e de 40% em 1994. Daí em diante, o luxo é acessível para a
maioria dos europeus, e são os clientes ocasionais que mais progridem.
Sempre na Europa, a nova clientela do luxo é cada vez mais jovem e
dotada de altos rendimentos. De fato, 37% dos clientes europeus ocasionais
e 46% dos clientes regulares têm atualmente menos de 35 anos. Seus
valores dominantes traduzem uma busca diversificada de prazeres. Para as
consumidoras, os estudos sublinham a importância crescente da audácia, do
desenvolvimento pessoal, dos prazeres, da mobilidade, da interatividade e
da multiplicidade. Tomando por testemunha o mercado da beleza com
distribuição seletiva, em 2002, 51% das mulheres européias compraram um
produto de maquiagem de uma marca de luxo, 58% um produto de cuidado
pessoal e 66% um perfume.53 É, portanto, por este último mercado que a
grande maioria das mulheres tem acesso ao universo do luxo.
Em 2000, os clientes regulares europeus do luxo representam 19% na
França, 12% na Alemanha, 20% na Itália, 13% na Espanha e 27% no Reino
Unido. Enfim, sinal de sua verdadeira democratização e dessa nova
tendência majoritária, o luxo, nova expressão do tempo, ocupa desde 2000
uma seção inteira dos dados de amostragem sobre o consumo, lazer e
modos de vida na França.54 Uma primeira exploração dos resultados mostra
que 60% da amostragem comprou pelo menos uma marca de perfume ou de
cosmético de luxo no ano, 53,5% uma marca de roupa e 45,8% de vinho ou
de champanhe. O Risc também estabeleceu uma equação dita de “sonho”,55
que traduz, em função das respostas de sua amostragem, o grau de
desejabilidade de uma marca, considerado seu placar de notoriedade e as
compras efetuadas. Assim, Cartier, Christian Dior, Chanel e Rolex
representavam em 1994, quaisquer que sejam os países, as referências mais
universais do luxo. Hermès e Vuitton são beneficiadas igualmente por um
bônus de sonho muito elevado no plano internacional.
Mas, hoje, constata-se um certo recuo das referências do luxo clássico,
histórico ou estatutário, em favor de uma marca como Armani, que se
tornou na Europa a marca mais desejável, precedendo agora, em 2001, a
Chanel entre as cinco mais.56 Para a maioria das outras marcas, os
desempenhos variam de um mercado a outro. Nos Estados Unidos, as
marcas que mais fazem sonhar são, na ordem, Rolex e Calvin Klein, Ralph
Lauren, Gucci e Armani. No Japão, Rolex está igualmente à frente, seguida
de Louis Vuitton, em igualdade com Gucci, depois Chanel, Cartier e ainda
Armani. Na Europa, enfim, a primeira posição vai para Armani, que
precede Chanel, depois Dior, classificada em igualdade com Calvin Klein,
seguida por Rolex e Cartier. Para cada um dos mercados europeus, a
preferência vai mais para as marcas originárias do país, as marcas francesas
para a França, as italianas para a Itália, com o melhor placar para Armani
sempre, espanholas para a Espanha, com um apego muito acentuado pela
marca local Loewe.
As representações que os clientes têm do universo do luxo, das marcas
que fazem parte dele e que mais os fazem sonhar organizam-se a partir de
lógicas culturais diferentes. Lógica ostentatória na Ásia e para os países em
que os clientes têm acesso a uma nova fortuna, lógica econômica e
hedonista nos Estados Unidos, onde “o valor do dinheiro” e o senso do que
se “obtém em troca do dinheiro” são particularmente sensíveis e, enfim,
uma lógica de autenticidade para os mercados europeus ou para as riquezas
estabelecidas há gerações. Neste último caso, os clientes são
particularmente atentos e críticos em relação à evolução das marcas e de
suas propostas, pois esperam que todo novo produto lançado pela marca
enraíze-se o mais perto possível de sua personalidade e, portanto, de sua
identidade.
3. Marca de luxo: legitimidade e identidade

O capítulo anterior conduz naturalmente a abordar o que constitui a


especificidade do marketing management das marcas de luxo.1 Toda
especificidade define-se por diferença e, no caso que nos ocupa, por
diferença em relação aos produtos e marcas de grande consumo. Isso leva a
desenvolver a diferença principal, que se articula em torno das noções
centrais de legitimidade e de identidade. Esses desenvolvimentos induzem,
então, a propor uma definição do que é uma marca de luxo a partir de suas
duas dimensões-chave e indissociáveis: as de ética e de estética próprias às
marcas de luxo.
Enquanto os produtos de consumo corrente correspondem a benefícios de
tipo funcional, as marcas de luxo remetem a benefícios simbólicos e, cada
vez mais, a benefícios ditos “experienciais”,2 isto é, que implicam, no
cliente, uma busca de experiências e de emoções fortes excepcionais. A
imagem de uma marca corresponde, então, ao conjunto das associações
estocadas na memória do consumidor. Para valorizar o capital da marca,
essas associações devem satisfazer imperativamente os três critérios
seguintes: ser favoráveis, fortes e únicas. O marketing de uma marca de
luxo deve, então, contribuir para salientar sedução, emoções, prazer,
estética — no sentido etimológico do termo —, isto é, fazer experimentar e
sentir uma emoção, fazer partilhar valores comuns e não apenas salientar
benefícios—produtos tangíveis, como pode bastar para os produtos de
consumo corrente. As marcas de luxo devem igualmente justificar seu valor
agregado por sua legimitidade e identidade.

onde se trata de legitimidade

Legitimidade: o conceito significa consagrado ou aceito pela lei, de


acordo com a eqüidade, a justiça e a razão. A legitimidade é, portanto, a
qualidade do que está fundado em direito, justiça, eqüidade. A legitimidade
remete, assim, à autoridade. Deve-se a Max Weber3 uma incontornável
análise do conceito da legitimidade e seus fundamentos. Weber distingue,
assim, três tipos de legitimidade diferentes, apoiando-se em fundamentos
distintos da dominação: o tipo racional-legal, o tipo tradicional e o tipo
carismático. Transferindo a tipologia de Weber para as marcas de luxo em
geral e para as marcas francesas em particular, a origem da legitimidade
dessas marcas foi de duas ordens: seja a tradição (legitimidade tradicional)
ou a criação (legitimidade carismática). Essas duas condições históricas
foram, durante décadas, as condições necessárias e suficientes para
consolidar e fazer reconhecer, no plano mundial, o poder e a supremacia das
marcas de luxo francesas.
De fato, as marcas de luxo de origem francesa estabeleceram sua
legitimidade, de um lado, em torno da tradição e, de outro, em torno do
talento criativo.
• A tradição e o savoir-faire, associados ao domínio de um “ofício” e a
uma qualidade de execução únicos, freqüentemente ligados, aliás, a uma
base artesanal e/ou a uma tradição manufatureira. “O luxo é uma bem
feitura”, assim costuma dizer Jean-Louis Dumas, presidente da Hermès.
Esse domínio de um ofício artesanal é portanto, no campo dos acessórios de
moda, por exemplo, o ofício de “seleiro” para Hermès, o de “maleiro” para
Vuitton, de “sapateiro” para Ferragamo ou Berlutti ou ainda de “joalheiro”
para Cartier, Boucheron ou Chaumet, de “perfumista” para Guerlain e
Caron, e evidentemente poderíamos multiplicar os exemplos à vontade. A
legitimidade é estabelecida, portanto, por uma tradição artesanal e é
mantida deliberadamente na e pela duração.
• A criação com o talento criativo original, exclusivo e constantemente
renovado do criador-fundador da marca é o segundo fator de legitimidade.
É o caso do modelo de desenvolvimento francês no campo da moda com os
costureiros Dior, Chanel, Saint-Laurent, por exemplo, e Kenzo, Gaultier ou
Mugler como “criadores” de moda.
As marcas italianas ou americanas, cuja concorrência é temível para as
marcas francesas, souberam impor-se pelo prêt-à-porter e desenvolver-se
nos acessórios de moda. Mas elas são de criação mais recente e ainda não
têm, em sua maior parte, a duração necessária para que sua longevidade
possa ser estimada; no máximo podem-se levantar hipóteses sobre as
marcas que saberão encontrar a força criativa necessária para sobreviver ao
desaparecimento de seus criadores.
No domínio da moda e da costura, apenas as marcas francesas estão, na
presente fase da história, nessa situação particular. Assim, Dior é sem
dúvida a marca que mais experimentou a gestão dessa transição criativa:
Christian Dior, o fundador (1947-57), depois Yves Saint-Laurent (1958-59),
Marc Bohan (1960-88), Gianfranco Ferre (1989-96) e hoje John Galliano.
Mas também Chanel com Mlle. Chanel e, depois de 1983, Karl Lagerfeld. E
mais tarde, a julgar pelos murmúrios dos meios parisienses da moda, em
breve... talvez seu sucessor.
As marcas italianas4 ou americanas, cuja concorrência é certamente
temível, são de criação mais recente e não têm ainda a duração necessária
para que sua longevidade possa ser estimada. Com exceção de Ferragamo,
cuja marca continuou a desenvolver-se depois do falecimento de seu
fundador, e de Versace, cujo futuro dirá se a marca terá a força criativa
necessária para sobreviver ao desaparecimento brutal de seu criador. Se
fosse preciso arriscar prognósticos, Armani é sem dúvida “a” marca que
pode mais facilmente atravessar o cabo da longevidade.
Mas, se esses fundamentos históricos foram as condições para a
afirmação da legitimidade das marcas de luxo, essas condições outrora
necessárias não são mais, no universo da concorrência e para os
consumidores de hoje, suficientes. É preciso acrescentar aí a capacidade da
marca para comunicar um imaginário forte, coerente, reconhecível e único.
Em outras palavras, os fatores-chave do sucesso de uma marca de luxo
supõem: uma identidade clara e legível projetada de maneira criativa e
coerente no tempo e no espaço, um ou mais produtos faróis (para evitar o
termo best seller) facilmente identificáveis e atribuíveis à marca, uma
cultura inovadora associada a processos de gestão rigorosos. Tudo isso
implica a um só tempo uma visão de longo prazo e um enraizamento na
atualidade, no cliente e no mercado. E isso tanto mais que o perímetro da
concorrência do luxo modificou-se fortemente, para incluir marcas top de
linha, mas também marcas de grande consumo. Uma cliente pode usar uma
jaqueta Dior com calças Gap, bem como misturar Chanel com Zara!
Portanto, daí em diante essas marcas estão em concorrência, pois a clientela
as integra e as mistura em suas escolhas de consumo.
Todos os desenvolvimentos do luxo para continuar a diferenciar-se do
mercado de massa só podem, portanto, fazer-se pelo alto. Saber e saber
fazer já não são, hoje, vantagens de concorrência suficientes, torna-se
imperativo para as marcas saber existir na duração para permanecer
desejáveis e obter a adesão dos clientes ao seu universo. “A beleza não é
razoável”, afirma a Baccarat em sua campanha publicitária, que põe em
cena a nova linha de jóias de cristal. Essa ampliação e essa comunicação
correspondem aos objetivos de fazer passar do estatuto de manufatura
conhecida e reconhecida nas artes da mesa ao de uma marca de luxo que
amplia seu universo feminino. Testada, essa campanha mostrava que 87%
das mulheres visadas por ela achavam a marca refinada e 85%, sensual!
Essas jóias, lançadas em 1993, perfazem, em 2000, 18% do montante de
negócios e contribuem para a lucratividade da empresa.
Isso nos leva a definir a noção de identidade.

onde se trata de identidade

A identidade é o caráter do que é uno, do que permanece idêntico a si


próprio; é o fato, para uma pessoa, de ser tal indivíduo e de poder ser assim
reconhecido, sem nenhuma confusão, graças aos elementos que o
singularizam. A identidade compreende, portanto, uma primeira dimensão
de “mesmidade”. Essa dimensão supõe a unicidade, a permanência, a
continuidade, que, como vimos, não se define senão na diferença.

É o que se encontra na definição fornecida por Greimas da identidade.


Segundo ele, o conceito de identidade opõe-se ao de alteridade como
“mesmo a outro”,

servindo a identidade para designar o princípio de permanência que permite ao indivíduo


manter-se “o mesmo”, persistir em seu “ser” ao longo de toda a sua existência, [...] apesar das
mudanças que ele provoca ou sofre [...], apesar das transformações de seus modos de
existência ou dos papéis que assume.5

“É na escala de uma vida inteira que o si busca sua identidade”, sublinha


paralelamente Paul Ricoeur.6 Fazer referência a Ricoeur leva, contudo, a
considerar que a identidade não se reduz tão-só à dimensão de “mesmidade
(idem)”. Pois a identidade é dual e constituída de duas dimensões: o
“próprio idem”, como definido anteriormente, e o si, “do latim ipse”, para
que o “si mesmo” exista.
Ao retomar a leitura feita por Floch da identidade narrativa proposta por
Ricoeur, chega-se à seguinte decomposição da identidade. A permanência
no tempo e a continuidade ininterrupta são critérios que permitem
identificar o que Ricoeur chama o “caráter”, em outras palavras, o conjunto
“das disposições distintivas duradouras pelas quais se reconhece uma
pessoa”, correspondente ao “mesmo” (idem). A variação das ações
individuais, traduzindo as mudanças, a inovação, implica desde então que
as maneiras de ser fiel aos valores nos quais uma pessoa se reconhece
podem tomar formas diversas (polissemia), a fim de assegurar “a
manutenção de si”, “do si” e, portanto, do ipse. É ser fiel à palavra dada e
mantida, para retomar os termos de Ricoeur e Floch.7
Em conseqüência, conclui-se dessa análise da identidade que se parecer
consigo mesmo é também não se parecer com ninguém mais, e que se
parecer consigo mesmo é ser, sob formas diversas, incessantemente
renovadas (daí a inovação ou mesmo rupturas), constantemente fiel a seus
valores, logo, a si. Retomaremos igualmente aqui, para completar essa
leitura da identidade, as metáforas particularmente esclarecedoras de
Michel Serres a propósito da identidade, as da ponte e do poço:

A ponte é um caminho que conecta duas margens ou que torna uma descontinuidade contínua,
[...] que conecta o desconectado [...]. A comunicação estava cortada, a ponte a restabelece.
O poço é um buraco, uma rasgadura local em uma variedade [...] mas ele pode conectar
variedades empilhadas.8

Embora não fazendo diretamente referência à identidade, essa mesma


metáfora da ponte já fora utilizada por Simmel: “A ponte torna-se um valor
estético não apenas quando estabelece, de fato e para a realização de seus
objetivos práticos, uma junção entre dois termos dissociados, mas na
medida que a torna imediatamente sensível”.9
Logo, a identidade é a permanência sob as mudanças, as rupturas, a
inovação, portanto, a invariância sob as variações. A identidade é, enfim, o
que torna uma descontinuidade contínua, é o que conecta o desconectado.
Trabalhar sobre a identidade de uma marca em geral e, mais
precisamente, sobre a identidade de uma marca de luxo, é buscar, portanto,
as invariantes sob as variações, a permanência sob as rupturas, as
mudanças, a inovação, para apreender-lhes o sentido. A semiótica dedica-se
a isso. Ela integra as noções de ética e de estética, que são as duas
dimensões que permitem articular uma definição específica ao luxo,
delimitando sua essência e sua diferença.

uma ética e uma estética indissociáveis

Antes de propor essa concepção da identidade do luxo, é necessário


debruçar-se sobre as noções de ética e de estética.

Ética estética

A ética pode em primeiro lugar ser definida em relação à moral. O termo


vem do grego e moral, do latim, e ambos remetem à idéia de costumes,
lembra-nos Ricoeur, “de um lado o que é considerado bom, do outro o que
se impõe como obrigatório”.10
Assim, Ricoeur reservará o termo “ética para o projeto de uma vida
realizada” e o de moral para a articulação desse projeto a normas
caracterizadas por uma pretensão à universalidade e por um efeito de
imposição. A ética define-se, portanto, como a maneira de organizar nossa
conduta, tendendo para a realização dos valores que aceitamos. Enquanto a
moral é exógena — da ordem do dever —, a ética é endógena — da ordem
da vontade pessoal. A ética é, assim, um princípio emblemático da pós-
modernidade, assim como a moral era o que emoldurava a modernidade.
Em seu livro Homo aestheticus, Ferry relembra que a estética foi definida
em 1750 por Baumgarten como “a ciência do conhecimento sensível”. É a
época de uma mutação radical na representação do belo, que é desde então
pensado em termos de gosto: “No momento em que o belo está tão
intimamente relacionado à subjetividade humana que, no limite, ele se
define pelo prazer que proporciona, pelas sensações ou os sentimentos que
desperta em nós”.11 Não é mais porque um objeto é “intrinsecamente” belo
que ele agrada, mas é porque proporciona um certo tipo de prazer que o
chamamos de belo; a linguagem da estética contemporânea é daí em diante
a das experiências vividas.
A estética torna-se, portanto, uma (a) maneira original, inédita, própria,
de organizar o mundo do sensível de maneira a comunicar uma emoção que
traduz a visão do mundo do criador, isto é, sua ética. É nisso que ética e
estética são ligadas.
É igualmente nessa acepção, próxima de seu sentido etimológico, que
Maffesoli emprega o termo “estética” para qualificar o estilo da época pós-
moderna e que também ele liga ética (como maneira de ser) a estética
(sentir comum). Assim, diz ele, “elabora-se uma maneira de ser (éthos) em
que o que é experimentado com outros será primordial, é isso mesmo que
designarei pela expressão ‘ética da estética’”.12
Se transferimos essa análise da identidade ao luxo, chegamos a uma
definição do luxo como articulação de uma ética — visão do mundo, recusa
do “tudo é econômico” — e de uma estética — aquilo pelo qual o luxo é
reconhecido como maneira única de comunicar uma emoção pela coerência
dos sentidos.

Recusa do “tudo é econômico” e coerência dos sentidos

As diferentes definições do luxo,13 assim como as análises que


propusemos aqui, sublinham as evoluções das significações do conceito.
O luxo deve ser distinguido do prestígio e da magnificência. De fato, o
luxo é mais uma maneira de ser — uma “maneira de viver” — do que uma
maneira de fazer ou de mandar fazer. Sobretudo, o luxo remete ao prazer, ao
refinamento, à perfeição, da mesma maneira que à raridade e à apreciação,
dispendiosa, do que não é necessário. Essa maneira de viver que é o luxo
deve ser definida como a articulação de uma ética e de uma estética.
Em sua dimensão ética, o luxo implica que se consideram valores não
apenas a ausência de necessidade, mas também a ausência de um inteiro
controle sobre o mundo: nem tudo está imediatamente à disposição, nada
está dado antecipadamente. O luxo é a aceitação ou mesmo a reivindicação
de um não-poder sobre o mundo: os materiais são raros ou delicados, jamais
se controla completamente o tempo provável que se emprega para produzir
uma obra ou um objeto. Estamos longe do prestígio, que é uma busca de
poder e, ainda por cima, de um poder sobre os outros.
Em outras palavras, o luxo supõe a recusa — essa é uma manifestação de
sua dimensão ética — de que tudo seja controlável, calculável: o luxo é,
portanto, uma recusa do “tudo é econômico”. Que essa recusa seja, em
seguida, objeto de uma comunicação aos outros, que se faça “alarde” dessa
ética, é outra coisa; e que essa comunicação seja por definição codificada e
regrada é uma outra coisa ainda! Esse é o paradoxo constitutivo de toda
casa de luxo. Toda casa tende a perdurar e a desenvolver-se. E toda casa
exige por isso que a economia seja o princípio mesmo de sua gestão. Mas
uma casa... de luxo tem a obrigação de conciliar esse princípio, vital, de
economia e a recusa, ética, do “tudo é econômico”, recusa que é
consubstancial à própria idéia de luxo. Essa concepção do luxo, com as
conseqüências que implica, supõe que se examine paralelamente a
dimensão estética dessa forma de vida, antes de indicar como essas duas
dimensões podem aparecer nas diferentes instâncias de manifestação do
setor do luxo.
Essa estética define-se como uma abordagem do universo do sensível,
isto é, dos sentidos, implicando uma visão do mundo e da relação de si com
o mundo, capaz de comunicar uma emoção.
A estética do luxo é a do refinamento, da sutileza e da busca de
perfeição. Daí decorre não apenas uma valorização do savoir-faire e da
cultura, mas também uma identificação possível dos traços invariantes de
todo universo sensível que fosse “de luxo”. Isso não induz que exista
apenas uma única visão estética no luxo: por exemplo, que o luxo seria
sempre barroco ou sempre clássico... Significa que o caráter acabado do
trabalho, o efeito de totalidade ou mesmo de autonomia do objeto, bem
como a coerência das diversas formas sensíveis pelas quais este se
manifesta — a coerência de seu toque, peso, forma, cores..., o que se chama
em estética a “sinestesia” —, que esses traços definem todo universo de
luxo e, por via de conseqüência, uma marca de luxo.14
Resta examinar as diferentes instâncias de realização dessa dupla
dimensão ética e estética do luxo. Pois a exaltação de uma irredutível
ingovernabilidade do mundo, da mesma maneira que a busca de uma
perfeição sinestésica, encontram-se ao longo de todo o percurso do produto
de luxo, da produção ao consumo, passando pela distribuição.
No que se refere à produção, a recusa do “tudo é econômico” se
manifestará na aceitação, pela marca, de trabalhar a partir de matérias ou de
fornecimentos cuja quantidade e qualidade jamais são totalmente
previsíveis ou calculáveis: raridade das matérias-primas ou eventualidades
climáticas abatendo-se sobre uma colheita ou, ainda, participação deixada
ao trabalho artesanal e ao “prazer de execução” que ele proporciona, para
retomar a expressão de Lévi-Strauss.
Quanto à dimensão estética, ela se manifestará na concepção de produtos
“perfeitos” e na criação de um universo de marca que representa um mundo
sensível coerente, que não poderia ser substituído por alguns signos ou
elementos de identificação imediata, por mais visíveis e reconhecíveis que
fossem...
Assim, a título de exemplo, Hermès seleciona apenas o couro isento de
qualquer cicatriz e não utiliza, na confecção de suas famosas bolsas
“Kelly”, mais que a parte central da pele. O ponto dito “de seleiro” continua
a ser costurado à mão pelos artesãos das oficinas de Pantin, e são
necessárias nada menos que dezessete horas de trabalho manual para coser
uma bolsa Kelly, e 36 horas para uma sela sob medida. Da mesma maneira,
as peles de crocodilo são polidas naturalmente com uma pedra de ágata
(semipreciosa) durante longas horas para revelar o verniz natural da pele,
enquanto outras marcas (que não são de luxo) aplicam uma camada de
verniz exterior sobre essas peles. Na Vuitton, o acabamento das bolsas é
feito igualmente à mão, bem como as encomendas especiais que são
realizadas pelos artesãos das oficinas de Asnières.
No campo dos vinhos e outras bebidas alcoólicas, além da restrição das
superfícies dos vinhedos e da busca de compostos perfeitos, as garrafas de
champanhe são estocadas durante três anos, e as de conhaque durante muito
mais tempo antes que as produções (não) sejam postas no mercado. Em
muitas casas, a movimentação das garrafas de champanhe durante esse
período de estocagem continua a ser feita manualmente. Sem contar a alta-
costura, em que o trabalho à mão é a regra definitória e em que cada cliente
tem um manequim com suas próprias medidas para as provas.
Enfim, no campo dos perfumes, casas como Chanel ou Guerlain
recusam-se a utilizar produtos sintéticos, menos dispendiosos, na
composição de suas fragrâncias, em favor de essências naturais, mais raras
e, naturalmente, muito mais onerosas. Na Guerlain ainda, os colares de fios
de seda que fecham os frascos de extratos de perfume continuam a ser
alisados à mão pelas operárias.
A arte de viver, segundo Hermès, não se resume, longe disso, à tão
reconhecível caixa laranja que embala seus produtos, nem à fita Hermès,
como tampouco o mundo das viagens de Vuitton reduz-se à sigla “lv” que
marca sua linha dita “monograma”. Enfim, a ética e a estética do look
Chanel não se resumem, como desenvolveremos adiante,15 à bolsa
matelassê com corrente dourada que é o best-seller da marca, nem aos
botões com a sigla dos “2 C”, ainda que, evidentemente, esses elementos de
reconhecimento sejam indispensáveis à identificação da marca.
A distribuição pode, também, afirmar a dupla dimensão ética e estética
do luxo. A recusa ética do “tudo é econômico” se manifestará na qualidade
do serviço e na inteira disponibilidade à clientela, no tempo que lhe é
concedido no momento do ato de compra, ou antes ou depois. Sublinhamos
anteriormente todo o cuidado empregado por certas marcas no treinamento
de seu pessoal, na qualidade do serviço e na profusão dos detalhes levados
em conta. Mesmo nas sociedades de serviços de massa conhecidas pela
atenção dada à qualidade do serviço, tal “luxo” de detalhes16 não é sua
ética. Por exemplo, exagerando a fim de ilustrar essa afirmação, o
McDonald’s não se preocupa com a cor dos collants de seu pessoal nem
com a forma como é apresentado o saco que contém os hambúrgueres!...
Compreende-se evidentemente o trunfo e a importância que representa uma
distribuição seletiva ou severamente controlada.
A Chanel controla regularmente a qualidade do serviço em seus
diferentes pontos de venda por meio de visitas “secretas”. Nessas visitas, as
compradoras, clientes de marcas de luxo, recebem a incumbência de
comprar um produto da marca definido a priori, em um ponto de venda
determinado; para uma, uma bolsa, para outra um foulard, para outra ainda
um par de sapatos etc. A compra do produto será reembolsada mediante o
envio de um questionário muito detalhado, preenchido pela compradora e
dando conta de sua avaliação dos diferentes elementos definidos pela
Chanel para medir a qualidade do serviço, entre os quais, por exemplo, o
tempo de espera da cliente antes que uma vendedora a atenda, a qualidade
de sua atenção, até (e inclusive) o controle da presença do perfume Chanel
No 5 nos lavabos ou ainda a ausência de qualquer vestígio de dedo nos
vidros das prateleiras que apresentam os produtos.
A Ferragamo mantém em arquivo as dimensões (comprimento e largura)
dos sapatos de suas clientes, para propor-lhes imediatamente, por ocasião de
uma próxima compra, o tamanho correspondente às suas medidas.
Enfim, um sistema de informação e uma logística sofisticados foram
ajustados pelos hotéis Ritz—Carlton, no registro dos menores desejos de
cada um de seus clientes, a fim de garantir-lhes no mundo inteiro atenção
extremamente personalizada, permitindo “ir além das expectativas dos
clientes e satisfazer seus desejos e necessidades sem que nem sequer
tenham de os exprimir”.17 Nesse sentido, Estée Lauder, numa relação de
parceria com seus distribuidores, desenvolveu no plano mundial todo um
sistema de regularidade dos fornecimentos e dos estoques no ponto de
venda, de maneira a satisfazer as necessidades dos clientes finais e dos
distribuidores.18
Quanto ao cuidado com perfeição sinestésica (dimensão estética), é a
butique que dele dará testemunho, por sua “ambiência” — feita a uma só
vez de sons, de perfumes e de cores. Odor de couro, cores com tom
dominante marrom (madeira e latão), sacolas marrons reproduzindo à visão
e ao toque “o couro espiga” na Vuitton. Perfume Angel na atmosfera das
butiques Mugler, luz indireta, cor azul-geleira e mobiliário preto e cinza,
que se encontra em todos os elementos de comunicação da marca, tudo azul
frio, preto e prata, até nos edifícios da sede da sociedade e seus carpetes.
Busca deliberada de sinestesia19 com o exemplo da butique Ralph Lauren
da place de la Madeleine, em Paris, e que escapa à tendência por sua
reprodução de um interior anglo-saxão tradicional, típico da Nova
Inglaterra. Estamos longe do universo minimalista despojado das marcas
japonesas, com seu espaço linear e luzes frias diretas, bem como do design
moderno dominado pelo preto—cinza—branco—creme das marcas
italianas.
É a mesma atmosfera de recomposição de um interior anglo-saxão
tradicional que reencontramos na sede da sociedade Ralph Lauren, em
Nova York. Desde que se sai do elevador do imóvel nova-iorquino, penetra-
se no andar através de um efeito de interrupção e de ruptura com o exterior,
no universo Ralph Lauren, que propõe uma mudança radical de luz e de
cenário: bronzes e quadros antigos, mogno e jacarandá, luzes indiretas. A
sala de espera dos visitantes recompõe a atmosfera de um clube inglês com
bibliotecas, livros, jornais, quadros e iluminação antiga, poltronas e sofás de
couro Chesterfield marrom-vermelho, tapetes, pots-pourris e bombons de
menta etc. Portanto, o universo da marca é enunciado das butiques à sede da
sociedade, no mundo inteiro.
Enfim, no que se refere ao momento do consumo, a recusa do “tudo é
econômico” será manifestada pela sofisticação dos acondicionamentos e
pela “gratuidade” das diversas pequenas atenções dispensadas pela marca,
seja no momento em que o produto é levado, ou em suas utilizações
posteriores.
Podem ser citados aqui os papéis de seda de várias espessuras e
diferentes cores do perfume Kenzo par Kenzo, cuja publicidade diz:
“Kenzo, é um cheiro bonito”, os cartões destinados às compradoras do
perfume Angel de Mugler, inseridos em pequenos envelopes com as cores
da casa e do perfume e tecendo vínculos privilegiados entre a cliente e a
marca. O packaging do primeiro perfume de Boucheron, cujo frasco tem a
forma de um anel, apresenta-se como um porta-jóias: um escrínio.
Papel de seda e embalagens de calçados individuais, de tecido, protegem
os sapatos nas caixas de sapatos Ferragamo. Cartões pessoais de garantia
atestam o número do modelo da bolsa comprada na Chanel ou na Vuitton;
os exemplos são inúmeros. A dimensão sinestésica do consumo de luxo se
manifestará na realização, ou na evocação, de um universo sensível
particular no(s) momento(s) de gozo do que é oferecido pelo produto ou
serviço.
Piper-Heidsieck escolheu o vermelho para sua nova identidade visual,
com uma vontade deliberadamente transgressiva, correspondente ao
objetivo de tornar-se “a” marca da noite e clamando, portanto, que “o
vermelho não é a cor da inocência”, como eco ao lançamento de sua Cuvée
Spéciale vestida por Jean-Paul Gaultier com um vestido de vinil vermelho.
E para levar adiante a metáfora do vestido de alta-costura, é preciso
desvestir a garrafa, desfazendo o laço do corpete, para poder chegar ao
prazer! Além disso, a marca utiliza os suportes de imprensa “descolados”
para sua comunicação e é distribuída nos clubs mais em voga da capital, a
fim de afirmar seu posicionamento.
O reconhecimento dessa dupla dimensão ética e estética do luxo leva a
não mais considerar um paradoxo o fato de que este possa ser ainda
apreciado em nossos dias e de que já não seja assimilado a um simples
desejo ou preocupação de ostentação. De fato, o luxo pode responder a uma
“necessidade de sentido”, uma vez que, de um lado, representa valores
rejeitados e outros assumidos e que, de outro lado, sugere que as formas
sensíveis e os universos estéticos propostos pelos produtos e pelas marcas
não são coisa gratuita, que eles correspondem a tradições, a culturas ou
ainda a escolhas de vida ou a visões do mundo.
Enfim, o fato de que essa dupla dimensão do luxo deva ser garantida não
apenas na fase da produção, mas também nas da distribuição e do consumo,
leva da mesma forma a dar mostra de um grande rigor e uma extrema
coerência na gestão da marca. A partir de uma legitimidade oriunda seja de
um savoir-faire e de uma qualidade de execução únicos, seja do talento
exclusivo e renovado de um criador, o desenvolvimento e a manutenção de
um imaginário coerente, identificável e único supõe que todos os elementos
da cadeia do valor — criação, produção, mix-produto, preço, distribuição e
comunicação — traduzam e reforcem a ética e a estética da marca, tanto no
tempo como no espaço. Pois, no atual congestionamento da concorrência, a
lógica do consumidor terá de agora em diante, mais que antes, de ser fiel à
marca se e apenas se esta lhe provar que é fiel a si própria.
Nos tempos por vir, as marcas serão obrigadas a respeitar um duplo
imperativo: de um lado, renovar-se constantemente, surpreendendo mais e
mais o consumidor; do outro, oferecer criações, imagem, valores e uma
visão do mundo, impondo-se ao olhar e ao espírito como uma evidência a
ser partilhada.
4. Luxo e tempo das marcas

a gestão da identidade no tempo

Para mostrar de que maneira a definição da identidade do luxo como


ética e estética indissociáveis pode e deve ser aplicada no plano particular
da marca, escolhemos o caso da Chanel, de um lado, e de Mugler, de outro.1
Essa escolha justifica-se pelas seguintes razões:
• Em primeiro lugar, a Chanel faz parte, quaisquer que sejam o `s países,
das referências universais do luxo, trate-se dos últimos estudos qualitativos
ou dos que quantificam a notoriedade das marcas de luxo no plano mundial
e avaliam sua desejabilidade. A Chanel continuava incluída, em 2001, entre
as “cinco mais” das marcas de luxo e impõe-se como uma referência
incontestável no espírito da clientela, seja regular, seja ocasional.2
• Em seguida, a Chanel foi bem-sucedida na transição criativa,
atualizando um estilo que, para além das evoluções de tendências, torna a
marca extremamente reconhecível, a ponto de fazê-la emblemática, para
não dizer mítica. Assim, a revista Times de 8 de junho de 1998 inclui Coco
Chanel entre os vinte artistas3 e entertainers que marcaram o século.
Citando uma frase de Malraux, a revista usa a legenda: “Quanto ao século
xx na França, três nomes permanecerão: De Gaulle, Picasso e Chanel”. No
conjunto das personalidades selecionadas, ela é, com Le Corbusier e
Picasso, a única francesa e a única criadora de moda. A Times acrescenta:
“Mudando a moda, ela modificou a imagem que as mulheres tinham de si
próprias”. O ponto de vista americano é, a esse título, interessante, já que,
no capítulo dos estilos que marcaram o século, além de Chanel, figuram, no
“antes”, Poiret, no “durante”, Dior, e no “depois”, Mary Quant, mãe da
minissaia, Armani e... Nike!
• A Chanel está igualmente ligada à história contemporânea americana e
a seus ícones trágicos: Marilyn Monroe e suas “algumas gotas de No 5” e
Jackie Kennedy, cujo tailleur Chanel rosa foi exposto aos olhos do mundo
inteiro, maculado pelo sangue do presidente assassinado.
• Enfim, a questão da identidade estilística de Chanel é levantada
explicitamente por Karl Lagerfeld nos diferentes desenhos e pranchas que
foram seus documentos de trabalho. O total look Chanel como identidade
visual constituiu o objeto de uma cuidadosa análise semiótica de J.-M.
Floch,4 com o qual desenvolvemos nossa definição do luxo.
Isso equivale a pôr a questão das invariantes éticas e estéticas que
levaram a efeito as criações de Chanel e, portanto, a analisar qual foi,
através de suas criações, sua concepção da moda e da mulher (dimensão
ética) e qual foi sua maneira única de organizar o universo do sensível por
uma silhueta particularmente reconhecível (dimensão estética).
Se o look é um estilo de conjunto, o look Chanel que organiza a silhueta
feminina pode ser considerado um todo de significação. Assim, é possível
analisar esse look Chanel como um discurso indumentário graças à
metodologia semiótica.

As invariantes estéticas de Chanel

Uma tal análise permite compreender o que, para além da morte da


criadora, assegurou a perenidade da marca graças a uma criação renovada
que estava ao mesmo tempo ancorada na identidade da marca.
A primeira dimensão figurativa do “look Chanel” consiste em identificar
os motivos e figuras de indumentária que o constituem, bem como sua
significação no contexto ou “no sistema da moda” da época.
Esses elementos de identificação invariantes são apontados por Karl
Lagerfeld em 1991 e reproduzidos no catálogo Chanel, publicado em 1993,
em cinco pranchas;5 a primeira intitula-se: “Os elementos de identificação
instantânea de Chanel”, incluindo, em comentário, “o patrimônio de
Chanel”. Aí se distinguem oito componentes claramente diferenciados: 1)
um escarpim bege com ponta preta (1957); 2) a bolsa de couro matelassê
com sua corrente dourada a tiracolo (1957); 3) o pretinho (1924); 4) um
broche multicolorido em forma de cruz bizantina; 5) o casaco com alamares
do “tailleur Chanel” (1956); 6) um catogan; 7) a camélia (1939); 8) o botão
dourado marcado com o duplo C.
Em outras pranchas, Lagerfeld estuda, sob a forma de desenhos, a
evolução das criações de Chanel, antes de concluir, em uma prancha
intitulada “O triunfo de Coco”, que nos “anos 50 a silhueta torna-se a de
uma mulher moderna [...] a bolsa, as jóias, o sapato, a camélia, os botões, as
correntes... tudo está lá”. Para terminar, em um desenho de junho de 1991, o
costureiro põe a si próprio em cena, pensativo, com suas próprias
invariantes estéticas (óculos escuros, catogan, leque, piteira e máquina
fotográfica!) no meio dos elementos de identificação de Chanel girando em
torno dele e perguntando-se: “Not what... but how next?”, citando a famosa
frase de Goethe: “fazer um futuro melhor com os elementos ampliados do
passado”.6 Portanto, não é tanto o “que” que importa, mas sim compreender
o “como”, de maneira a poder projetar esse “como único e invariante” em
uma outra época e num outro universo. Isso leva ao centro das invariantes
éticas de Chanel.

As invariantes éticas de Chanel

Herdeiro do patrimônio de identificação estilística de Chanel, enquanto


invariantes estéticas distintivas, o costureiro pergunta-se, portanto, como
reconhecer e projetar essas invariantes éticas específicas no mundo
contemporâneo. Esse é todo o sentido do how, que recobre a outra faceta da
identidade estilística de Chanel, em outras palavras, sua visão da moda, da
mulher, aquela mesma que presidiu suas criações. É essa visão que o
semiólogo pode ajudar a tornar visível, graças à análise de todas as
manifestações ou expressões da marca desde sua criação. Essas invariantes
éticas pertinentes são, então, únicas e, portanto, se aplicam a Chanel e
apenas a Chanel. Esse caminho de pesquisa da identidade do “look
chaneliano”, confiado a J.-M. Floch, é exposto em seus ensaios consagrados
às identidades visuais. Retomamos aqui suas linhas gerais, que expusemos
amplamente a nossos alunos como exemplos na disciplina, bem como a
dirigentes de empresas na França ou no estrangeiro como suporte à sua
reflexão sobre a identidade das marcas de que estão encarregados.
Ao elaborar uma lista das peças de vestuário e dos acessórios que foram
inventados por Chanel ou que ela integrou em seu universo de criação,
encontram-se os seguintes elementos:
• a blusa à marinheira (1913);
• o jérsei (1916);
• o cardigã e os conjuntos de tricô (1918);
• a calça (1920);
• o vestido preto (1924);
• o blazer com botões dourados (1926);
• a boina de marinheiro (1926);
• o tweed (1928);
• as jóias de fantasia (1930);
• o tailleur de tweed com alamares e o cinto dourado (1956);
• o escarpim bege com ponta preta e a bolsa matelassê pespontada, com
sua corrente dourada (1957);
• o catogan (1958).
Cada um desses elementos inscreve-se em uma rejeição dos signos
característicos da moda feminina da época, ditada pelo costureiro Poiret,
que fazia da mulher puro objeto de decoração, encerrada em uma silhueta
pomposa que obstruía seus movimentos. Por contraste, observa-se em
Chanel a recorrência de figuras tiradas dos universos masculinos do esporte
e do trabalho. Assim, Chanel rejeita na moda feminina da época tudo o que
não corresponde a uma verdadeira função do vestuário: usar, caminhar,
trabalhar, correr, fazer esporte... Para ela, a roupa deve servir, ser prática e
confortável: “Eu trabalhava para uma sociedade nova. Haviam-se vestido as
mulheres inúteis, ociosas, mulheres para as quais a camareira precisava
emprestar os braços. Eu tinha dali em diante uma clientela de mulheres
ativas, e uma mulher ativa tem necessidade de estar à vontade em seu
vestido. É preciso poder arregaçar as mangas”.7
Lê-se igualmente no livro de P. Morand:

Em 1914 não havia vestidos esportivos [...] eles eram acinturados bem baixo, apertados nos
quadris, nas pernas, em toda parte... Inventando o jérsei, eu libertava o corpo, abandonava a
cintura, desenhava uma silhueta nova; para conformar-se a ela, com a ajuda da guerra todas as
minhas clientes ficaram magras, “magra como Coco”... As mulheres vinham a mim comprar
esbelteza.8

Enfim, lê-se mais adiante:

Criei a moda durante um quarto de século. Por quê? Porque eu soube exprimir meu tempo [...]
levava uma vida moderna, tinha as maneiras, gostos, necessidades daquelas a quem vestia; fiz
a moda justamente porque eu saía, porque fui a primeira a viver a vida do século.9

Assim, Chanel recusa-se a fazer bolsos nos quais não se possa introduzir
as mãos, botões puramente decorativos e sem verdadeiras casas. Ela cuida
para que suas saias permitam grandes passadas e que as cavas e as costas
das roupas sejam suficientemente largas para facilitar os movimentos.
Escolheu o jérsei e o crepe por sua maleabilidade. Daí a primeira dimensão
semiótica do look Chanel, que tem como conteúdo narrativo recorrente a
conquista da liberdade individual, o próprio emblema da modernidade
conjugado no feminino. As diferentes figuras do look Chanel falam,
portanto, de um tema: a mulher moderna e sua busca de liberdade.
Segunda dimensão: as peças e os materiais utilizados não têm sentido no
universo da época senão em oposição ao da moda feminina: o trabalho e o
vestuário masculino. Assim, os significantes do trabalho e da masculinidade
(jérsei, calça, colete, tweed, boina, gravata, boné, capote, blusa à marinheira
etc.) foram escolhidos por estar associados aos significados contrários: o
luxo e o feminino. Há, portanto, inversão dos significantes e dos
significados da identidade sexual socialmente definida à época. Foi graças a
essa inversão que Chanel dotou-se de uma identidade distintiva e singular.
A resposta ao “como” único é desde então formulada como guia da
transição estilística; as criações deverão responder ao mesmo “como” para
significar ainda e sempre Chanel... Tomar o que significa masculino e
trabalho e transformá-lo em seu contrário, feminino e luxo, reivindicando
valores de liberdade feminina. O talento renovado do criador ou do diretor
artístico da casa Chanel pode assim propor reinterpretações pessoais dessa
ética claramente identificada e projetar novas execuções desse sistema de
valores, em sintonia com a época... Liberdade hoje mais afirmada e
reivindicada, mais agressiva ou mais lúdica e descompassada! Então se
compreende perfeitamente o aceno feito em 1993 pela Chanel para o slip
Canguru, símbolo perfeito do trabalhador comum masculino que, marcado
com os “2 C”, torna-se luxo feminino.
O look Chanel não é passível de análise unicamente no plano figurativo,
por signos de identificação, mas também no plano plástico, na organização
e na combinação dos elementos que compõem a silhueta como sistema de
conjunto. Quando se compara a silhueta “Chanel” às referências da época, a
de Poiret nos anos 1920 e a de Dior dos anos 1950,10 ela se caracteriza por
quatro elementos: 1) um efeito de delimitação; 2) a predominância da
linearidade; 3) a localização das massas circunscrita aos acessórios; 4) o
cromatismo.
• O efeito de delimitação: o look Chanel produz o efeito de delimitação
da forma geral. Esse efeito se produz pelo ataque muito franco da silhueta
graças à ponta preta dos escarpins. Solo e silhueta são dissociados. Se o
bege do escarpim alonga a perna, a ponta preta sublinha a estrutura fechada
do conjunto do look. O mesmo cuidado de delimitação traduz-se pela
clareza do desenho do penteado: cabelos curtos, catogan, canotier, boné,
boina.
• A linearidade: o privilégio é dado à linha. Ela se traduz pelos alamares
do tailleur, o desenho da gola, a delimitação dos bolsos e pela presença de
um cinto, do caimento do traje garantido por uma “chumbagem” dos
casacos graças a uma corrente dourada costurada sobre o forro. Esse
privilégio dado à linha assegura o recorte da silhueta e sua situação no
espaço.
• A localização das massas: onde se encontram os acessórios, camélia,
pulseiras, colares, agrafes, broches, pendentifs, cascatas de pérolas, corrente
etc., todos elementos perfeitamente delimitados, mas sempre abundantes.
• O cromatismo: o cromatismo de Chanel é particular; tira partido da luz
através das cores das roupas e dos acessórios. As roupas são apresentadas
nos tons de bege, azul-marinho, branco ou preto. Os acessórios contam com
o ouro dos cintos e dos agrafes, o cinza das pérolas, o brilho dos diamantes
montados em platina, a cor cambiante das pedrarias.

Chanel: conjunção do clássico e do barroco

J.-M. Floch caracteriza a estética de Chanel como dual, “clássica” no


vestuário e “barroca” nos acessórios; relembraremos brevemente aqui o que
recobre essas duas concepções distintas.
Wölfflin diferencia as duas visões coerentes opostas que são o “clássico”
e o “barroco” por cinco critérios: 1) a maneira de tratar o tema: linear em
planos distintos no clássico, por oposição à primazia dada às massas e aos
encadeamentos no barroco; 2) o tratamento em planos separados típico do
clássico, enquanto o barroco privilegia a profundidade e a impossibilidade
de recortes em planos distintos; 3) o recurso às formas fechadas no clássico,
enquanto o barroco valoriza a abertura; 4) a pluralidade que se pode
decompor em elementos autônomos na visão clássica, ao contrário da
totalidade indivisível na visão barroca e, enfim, 5) a maneira de tratar a
luz.11
Vê-se bem, portanto, segundo esses critérios, que Chanel tem as
características de um “clássico”. A análise das invariantes “chanelianas”
mostra constantes e perseverança; a estética clássica de Chanel remete a
uma ética da postura: gestual, porte de cabeça, papel do pescoço e dos
ombros, caimento, chumbagem dos trajes. A estruturação da silhueta é a
expressão dessa ética clássica da postura ou mesmo de certa rigidez.
O estilo de Chanel caracteriza-se, em suma, pela complementaridade da
liberdade e da postura, do clássico e do barroco, e será declinado na
extensão da marca aos perfumes, com fragrâncias clássicas, como a No 5 ou
Allure, e perfumes barrocos, como Coco. Em cada caso, existe sintonia com
a identidade da marca.

Thierry Mugler: criatividade, inovação


e respeito pela identidade da marca

As marcas que têm legitimidade na costura tradicionalmente procuraram,


desde Chanel e Dior, reservatórios de crescimento e de lucros, estendendo a
marca aos perfumes. Daí a importância estratégica de um lançamento bem-
sucedido.
Um segundo caso, o de Mugler, responde em eco ao de Chanel. Ele
mostra quanto os fatores-chave de sucesso das extensões de marca
dependem da conciliação paradoxal de um marketing criativo, inovador ou
mesmo transgressivo em relação aos códigos e práticas da concorrência,
com o maior respeito pelas raízes e pela identidade da marca.
Ao se aplicar a análise da identidade proposta mais acima ao caso
específico da extensão da marca Thierry Mugler aos perfumes, vê-se que o
paradoxo é perfeitamente reconciliado; podia-se desde então, à época,
prever que esse perfume, lançado fora dos caminhos batidos da
concorrência, seria um sucesso. Vamos apresentar uma rápida análise da
identidade de Mugler, decomposta em invariantes éticas e estéticas, para
mostrar em seguida em que o lançamento do primeiro perfume da marca
estava em total adequação com sua identidade, estando também em ruptura
criativa em relação às regras do jogo de concorrência da época.
Quando se analisam as diferentes coleções e as manifestações da marca
Mugler — criações em sua comunicação —, podem-se extrair invariantes
sistemáticas em sua visão e em sua representação da mulher. A mulher
Mugler é uma mulher de poder, poder sobre o próprio corpo, que ela
constrange para afirmar o poder de sedução dominadora sobre os homens. É
uma mulher fatal, de sexualidade reivindicada, e que vai “até o fim de suas
fantasias”: deusa autoritária, mulher viril espartilhada, altiva e provida de
acessórios — chicotes, chibatas, bengalas, varinhas etc. “Crio trajes que as
mulheres usarão em aventuras imaginárias”, diz mais pudicamente o
criador, antes de acrescentar: “Adoro as mulheres que são capazes de ir
muito longe...”.
A visão da moda Mugler pode, portanto, ser qualificada de mise-en-scène
de heroínas-protótipos, que vão até o fim de suas fantasias, mulheres
seguras de seu poder sobre o corpo, que elas constrangem para melhor
subjugar os homens. Essa visão traduz-se em uma estética particular que é
invariante em Mugler, e faz com que suas criações sejam reconhecidas por
sua maneira única de tratar a silhueta. Esse estilo caracteriza-se por uma
silhueta muito estruturada, com atributos hipertrofiados: ombros de
nadador, cintura de vespa, quadris roliços, pernas intermináveis, seios
levantados. Enfim, a famosa estrela é parte integrante da identidade de
Mugler: anel estrela, mas sobretudo tatuagem em forma de estrela que
marca o corpo do criador. A estrela é onipresente na assinatura da marca:
nos colchetes de pressão que substituem os botões das roupas, mas
igualmente na simbologia do dançarino estrela, que tem, como o costureiro,
uma formação de dançarino clássico. Concepção do corpo provavelmente
inspirada nas sujeições impostas pela disciplina clássica ao corpo para o
enaltecer e sublimar e, com certeza, inspirada no fascínio das estrelas do
cinema americano dos anos 1950, que fizeram sonhar os homens de sua
geração.
Ruptura criativa ou mesmo transgressiva em relação às práticas da
concorrência, o lançamento do perfume Angel, esse é seu nome, soube
reinterpretar a própria essência do ofício de perfumista. Enquanto a maior
parte dos lançamentos baseia-se em uma publicidade maciça, os
responsáveis pela marca Mugler escolheram um caminho radicalmente
diferente: o dos distribuidores. Puseram a cliente e o perfumista-consultor
no centro de suas preocupações e da política de lançamento. Um verdadeiro
road show foi organizado, com caminhões à maneira americana e desfiles
de moda nas cidades em que o perfume era apresentado. As conselheiras
das perfumarias — em outras palavras, as vendedoras — foram treinadas
pela marca a não usar um discurso de venda padronizado, mas a encontrar
suas próprias palavras para comunicar a impressão do perfume. Esse
perfume, radicalmente diferente da tendência leve e transparente de então,
apóia-se em um conceito forte e universal: a dualidade feminina meio anjo,
meio demônio, mulher fatal e menina... Seu extrato pode ser qualificado de
“segmentador”, que o consumidor “ou adora ou detesta”, como a moda de
Mugler. Esse extrato “azul” ousa, como o universo de Mugler, afirmar sua
diferença. A um só tempo sensual em sua nota oriental e inocente por sua
lembrança de aromas nostálgicos da infância (chocolate), o próprio extrato
traduz perfeitamente a dualidade do conceito: perversão—sensualidade e
inocência—infância.
A apresentação da identidade de Mugler é então completamente coerente
e inovadora: o nome Angel, compreendido no mundo inteiro; a forma do
frasco, estrela de cinco pontas; o extrato azul; a comunicação de imprensa,
que afirma “desconfie dos anjos”! O Angel soube, portanto, afirmar sua
identidade na diferença e depois abriu caminho para uma nova família de
fragrâncias, que não existia previamente e que, no mercado francês,
conseguiu destronar, em 1998, o mítico No 5 de Chanel de sua posição de
líder das vendas.
Foi igualmente o primeiro lançamento de perfume que introduziu no
setor seletivo os métodos do marketing relacional, permitindo criar vínculos
particulares entre a marca e a cliente. Essa inovação respeitava
perfeitamente os códigos de perfeição do luxo e a identidade visual de
Mugler. Cor, gramatura e qualidade do papel Conquéror, atenções adaptadas
às exigências e expectativas das consumidoras. Portanto, aqui transgressão,
inovação e respeito andam lado a lado e permitem tecer relações inéditas
entre a cliente e a marca, garantindo-lhe desde então um sucesso sem
precedente, em que o preço, afinal, pouco importa! Os resultados dessa
filosofia a um só tempo criativa e ancorada o mais perto possível da
identidade da marca são incontestáveis:
• um comportamento de prescrição elevado da parte dos perfumistas e
das vendedoras;
• uma alta taxa de recompra por “reabastecimento” do frasco em
perfumaria, o qual não teria podido ser rentabilizado de outro modo,
considerados seus custos de produção. Um frasco produzido de maneira
semi-artesanal, portanto única, não se “joga fora”, ele é guardado, é
apropriado a ponto de se ir enchê-lo novamente na fonte;
• uma forte fidelidade das clientes;
• um conhecimento do perfil das clientes, graças à experiência da Clarins,
e a criação de um fichário documentado;
• sugestões de criação de novos produtos, através do site da marca;
• um aumento da notoriedade da marca.
No total, um reforço do capital da marca e mais de 162 milhões de euros
de montante de negócios para os perfumes Mugler, em 2001! Caso
exemplar, no qual muitos concorrentes se inspiram, daí em diante, para seus
próprios lançamentos. Esse perfume de nicho soube alçar-se ao nível do
mito. Em 2002, o Angel continua a ser o número um do mercado francês, o
que faz dele, dez anos depois de seu lançamento, uma referência e um novo
clássico.
Esse exemplo, associado ao da Chanel, mostra como a análise e a gestão
criativa da identidade de marca são algumas das chaves do sucesso. Uma
conclusão impõe-se a despeito de tudo: os grandes clássicos inscrevem-se
sempre na duração, para além das modas e dos lançamentos efêmeros ou
“tendências”, para compartilhar seu universo único.

continuidades e descontinuidades

Prolongando essa perspectiva, é possível distinguir quatro grandes


maneiras pelas quais as marcas de luxo gerem sua relação com o tempo.
Visto que o que diferencia uma marca de luxo de uma marca de moda é sua
inscrição na longa duração, para além dos ciclos efêmeros da moda, a
relação com o tempo está no próprio princípio da gestão da identidade
estilística das marcas. Essa relação com o tempo pode ser
esquematicamente apresentada a partir das categorias do descontínuo e do
não-descontínuo, do contínuo e do não-contínuo.12
A primeira estratégia observável é a que põe o acento no tempo
descontínuo, isto é, na ausência de referência ao passado da marca ou ao
seu futuro. Isso se traduz por uma lógica de desafio permanente para o
“criador”, que a cada coleção, como um campeão de boxe, vai recolocar seu
título em jogo com uma dose de risco máxima, sistemática, espetacular e
recorrente. A cada estação é uma história diferente, contada diferentemente
ao sabor dos entusiasmos de um universo emocional e criativo paroxístico.
É atualmente o caso, diga-se o que for, de John Galliano, criador da Dior
focado na mulher, o qual não está em uma lógica de “filiação”, nem
tampouco é o “delfim” do sr. Dior e da marca que leva seu nome. Ele conta
sua própria história ou apresenta sua visão pessoal da moda, do vestuário ou
mesmo da fantasia, com uma lógica de desafio e de exagero sistemáticos.
Daí em diante a marca não se chama mais Christian Dior, mas Dior, e o
ouro de D(i)or deu lugar à prata. Alguns, mal-intencionados, chegam a
dizer que o ouro transforma-se em argent (dinheiro) das caixas
registradoras!
A estratégia contrária é a de não-descontinuidade:13 neste caso, a marca
está em uma lógica de transmissão da herança e da tradição. A regra é,
portanto, respeitar o que sempre foi e “sobretudo não mudar nada”. É o caso
das marcas ditas patrimoniais, em que prima o peso da história. Se essa
filosofia corresponde às marcas com legitimidade tradicional, no sentido de
Max Weber, e se convém às marcas que se baseiam em um savoir-faire
manufatureiro a ser preservado, ela pode correr o risco de fossilizar uma
marca com origem e legitimidade criativas, a partir do momento em que vai
se instaurar como “instituição”, arriscando-se a não produzir mais que
cópias de si mesma, cada vez mais pálidas, repetindo-se sem capacidade de
reinventar-se, de regenerar-se ou, ainda, de projetar-se em uma época que
não a de suas origens. Mas é igualmente uma estratégia da marca que visa a
perenizar-se a partir do momento em que o criador-fundador deixa a casa
que criou e um herdeiro o sucede, prolongando a identidade estilística
original recebida como herança. É o caso de uma marca como a Versace,
que, depois do desaparecimento de seu criador-fundador, continua a manter
a mesma identidade estilística apresentada de maneira idêntica: o barroco
decadente, com fortes referências à mitologia antiga (medusas, górgones,
meandros) e à ascensão social de “loiras” oxigenadas, sexy show-off, no
limite do mau gosto!
Assim, essa não-descontinuidade permite à marca conservar sua
identidade e clientela, atravessar a uma só vez um período minimalista e um
período posterior, mais flamejante e “logotipado”.
Um terceiro tipo de cultura privilegia a continuidade. Pode tratar-se, em
um caso, de orquestrar a emergência, a afirmação e depois a consolidação
da estética da marca quando ela é de criação bastante recente, como Armani
ou ainda Mugler. Pode tratar-se, em um outro caso, da regeneração de uma
marca mais antiga, confrontada com uma transição criativa, isto é, com uma
mudança de criador, que deve saber projetar a ética da marca em uma nova
época ou em um novo universo por ampliação, sendo a um só tempo
criativo e fiel às suas raízes, aos seus valores e, portanto, à sua identidade.
O melhor exemplo é o da Chanel, em que a ética e a estética da fundadora
foram reinterpretadas ao gosto do dia e de maneira renovada por Lagerfeld,
como mostramos anteriormente. Essa gestão da identidade permite
enriquecer e regenerar a marca, para que possa atravessar as épocas. É
atualmente o que tenta a Burburry. Essa posição é sem dúvida a mais
favorável e ilustra uma gestão bem-sucedida da identidade de uma marca no
tempo.
Enfim, a relação da marca com o tempo pode ser não-contínua. Estamos
aqui em uma lógica deliberada de corte, de ruptura com o passado e com o
criador-fundador. A história é interrompida, estamos no registro dos “golpes
de Estado” e das ações espetaculares... “Quebra-se tudo” para melhor (?)
recomeçar como do zero, fazendo tábula rasa do passado. Tem-se, no
entanto, a vantagem do capital de notoriedade e de imagem da marca. O
exemplo mais recente e mais emblemático é o da tomada de poder de Tom
Ford na Saint-Laurent. O criador-fundador se vai, um outro toma seu lugar.
Ele impõe sua visão e universo, que já afirmara com sucesso na Gucci, cuja
maior parte das invariantes estéticas havia sido então abandonada para
conservar apenas o reconhecível logotipo. Estratégia muito arriscada, do
tipo “é pegar ou largar”, e que exige um maestro ou um merchandiser
talentoso. Ele deve ser capaz de gerir a identidade da marca, que precisa
saber reinventar, reconstruir e “re-wamper”.
Essa análise permite diferenciar lógicas de marca em sua relação com o
tempo. Mas, em quatro tempos, pode igualmente levar em conta diferentes
etapas do desenvolvimento de uma mesma marca, desde a época de sua
fundação, a fim de ilustrar como se deu a evolução criativa. Assim, pode-se
posicionar as diferentes fases da vida de uma marca, de sua criação aos
nossos dias.
Ao se tomar o exemplo de Saint-Laurent, que se despediu este ano da
casa que ainda leva seu nome, é preciso lembrar-se de quanto o homem e
suas criações puderam ser escandalosos no início, afirmando uma posição
iconoclasta ou mesmo transgressiva para a época: expor-se nu para o
lançamento de um perfume (1971); fazer referência explícita à droga,
chamando um perfume de Opium e orquestrar o vício antes da hora,
convidando as mulheres a entregar-se a ysl; pôr em cena, graças ao
fotógrafo Helmut Newton, modelos de mulheres sáficas e travestidas de
homens (1975). Suas criações eram objeto, então, de comentários mais que
depreciativos — “moda para putas e mulheres ordinárias”... Esse mesmo
criador é, daí em diante, festejado como uma “instituição”, o último
guardião do templo “alta-costura” ou mesmo “o último dos costureiros”, lê-
se hoje a respeito dele!
Da mesma maneira, o ciclo de vida da marca Chanel pode ser analisado
segundo o mesmo percurso. No início, Chanel esteve deliberadamente em
ruptura com os costureiros dominantes e as silhuetas da época — mulheres
com aigrettes envoltas em longos mantôs, que obstruíam seus movimentos
e confinavam a mulher em um papel de objeto de decoração (não-
continuidade) —, para impor sua visão da moda e da mulher. Ela se coloca
como revolucionária. Cocteau, seu amigo, compreendeu-a bem ao esboçar
duas silhuetas opostas, a criada por Poiret e a que lhe opõe Chanel, a fim de
ilustrar seu propósito: “Poiret afasta-se, Chanel chega!”.14

Eu me pergunto por que me lancei nessa profissão, por que fiz figura de revolucionária. Não
foi para criar o que me agradava, mas sim para tornar fora de moda o que me desagradava...
Usei meu talento como explosivo.15

Depois dessa fase, a marca passou à “continuidade” para impor pouco a


pouco suas invariantes e, mais tarde, tornar-se associada apenas às
burguesas conformistas de certa idade de tailleur Chanel (não-
descontinuidade). Isso para melhor reinventar-se com um novo criador, que
regenera e revitaliza a ética e a estética da marca e contribui para fazer dela
uma das marcas mais desejáveis e lucrativas no plano mundial.
Enfim, essas categorias permitem diferenciar as marcas que
correspondem a “um fato de moda” (descontinuidade, não-continuidade),
das que correspondem a um fato de estilo (continuidade, não-
descontinuidade).
Uma marca classificada como fato de moda distingue-se, segundo
Floch,16 por “aquilo por que essa marca é reconhecida”, isto é, suas
invariantes estéticas identificáveis e legíveis em um momento dado. Ela
exibe ostensivamente seus códigos, que vão ser adotados pois estão em
sintonia com uma época dada, mas que inscrevem de algum modo essa
marca no efêmero. Em compensação, o fato de estilo traduz a inscrição da
marca na duração através dos valores ou da ética que presidem suas
criações e cuja projeção, no tempo, de unidades distinguíveis e
identificáveis (estética) é apenas a conseqüência.
Essas mesmas categorias permitem também distinguir as marcas que
privilegiam unicamente os signos ou mesmo os códigos, ou a estética
(aquilo por que a marca é reconhecida de maneira superficial), daquelas que
valorizam o sentido, os valores distintivos da marca ou sua ética, como a
definimos mais acima, e que preside suas criações, produções e
manifestações. Citemos aqui Flaubert: “a continuidade constitui o estilo”,
ou mais uma vez Chanel: “A moda passa, o estilo permanece!”.

Hoje, o setor do luxo e seus protagonistas estão ocupados com certo


número de apostas que são a conseqüência paradoxal de seu êxito:
encontrar o justo equilíbrio na estruturação das atividades, permitindo pôr
em ação as sinergias e as economias de escala nos negócios, e ao mesmo
tempo estimulando e desenvolvendo a inovação e a criatividade, no respeito
pela identidade de cada uma das marcas ou das casas.
Desde que as grandes casas apresentem a identidade de sua(s) marca(s)
de maneira coerente, nos diferentes setores em que exercem sua
criatividade, as clientelas não se canibalizarão e, ao contrário, reforçarão o
desenvolvimento e a desejabilidade das marcas. Assim, os perfumes, a
maquiagem, os acessórios de moda reforçam a visibilidade, o poder e os
recursos das marcas, e permitem, assim, financiar a criação nos outros
domínios. Inversamente, a identidade e a legitimidade da marca
estabelecida, por exemplo, na costura ou na joalheria vêm alimentar o
universo e os novos conceitos no domínio dos perfumes ou da maquiagem,
até no batom.
O marketing penetrou nesse novo setor a serviço da valorização da
criatividade das marcas, mas será preciso que o luxo continue a “aprofundar
a distância” em relação aos produtos e às marcas de consumo corrente. Em
particular no setor dos cosméticos e dos produtos de cuidados pessoais, pois
os grandes grupos mundiais, presentes nos dois setores, contribuem para
reduzir o afastamento, aumentando constantemente a qualidade da oferta
dos produtos de grande consumo.
Há uma dezena de anos, o marketing não tinha lugar nas sociedades do
luxo que, na época, recusavam até o próprio termo marca! Só a criação era
valorizada, em particular nas casas francesas. Sob o efeito da concorrência
americana, mas também da concorrência italiana, que é a uma só vez muito
criativa e atenta às expectativas do mercado, a necessidade de integrar o
rigor do raciocínio de marketing impôs-se como uma nova evidência, que
tem como objetivo orquestrar a coerência da oferta criativa das marcas.
Naturalmente, o lugar e o papel do marketing variam hoje segundo os
setores; é claramente mais forte e central no domínio dos perfumes, dos
cosméticos, dos produtos de cuidados ou ainda no dos vinhos e outras
bebidas alcoólicas do que no domínio da moda ou dos acessórios. O papel
do marketing é antes de tudo um papel de estudo e de exame da identidade
da marca, dos comportamentos e aspirações dos consumidores e dos
clientes, mas também dos resultados das vendas e dos concorrentes. Ele tem
igualmente um papel de comunicação e de interface com os diretores
artísticos e criadores para transmitir-lhes, se necessário, esses elementos de
identidade e factuais, para que os interpretem segundo o repertório ou o
universo criativo deles. Tem, enfim, um papel de criador de novos conceitos
e de novos produtos, cujo lançamento e êxito ele deve orquestrar em
respeito à identidade e aos valores da marca, criando a cada vez a surpresa,
a admiração, garantia de prazer, de emoção, de encantamento, bem como de
sucesso.
Portanto, o marketing conjuga a um só tempo criatividade e rigor dos
procedimentos de trabalho a serviço da valorização da criação renovada e
do cliente, pois, afinal, o luxo consiste não em “apoiar-se na tendência”,
mas em criá-la! Exatamente como estamos: não em uma lógica alternativa,
como há dez anos, opondo marketing e criação, mas em uma lógica de
conjunção, orientação para o cliente, orientação criativa, logo, marketing e
criação ou criação e marketing.
anexos
Tabelas e referências
tabela 1: lista das casas membros do comitê
colbert, com o ano de criação

Baccarat Château Ercuis Hôtel Lalique


1764 Cheva Blanc 1876 Georges-v 1910
1832 1928
Bernardaud Château Flammarion Hôtel Plaza- Lancôme
1863 Lafite- 1875 Athénée 1935
Rothschild 1911
1855
Bollinger Château Giens Hôtel Ritz Parfums
1829 d’Yquem 1821 1898 Lanvin
1786 1925
Boucheron Christian Dior Givenchy Hôtel Royal Laurent
1858 1947 1951 Évian Perrier
1909 1812
Breguet Parfums Parfums Jean Patou Lenôtre
1775 C. Dior Givenchy 1919 1957
1948 1957
Bussière Christofle Guerlain Parfums Léonard
1924 1830 1828 Jean Patou 1943
1925
Caron Courvoisier Guy Laroche Jean-Louis Lesage
1904 1835 1957 Sherrer 1870
1971
Céline D. Portault Hédiard Jeanne Lanvin Louis
1946 1924 1854 1889 Roederer
1776
Chanel Daum Hermès John Lobb Louis Vuitton
1912 1875 1837 1899 1845
Parfums Delisle Parfums Krug Manuel
Chanel 1895 Hermès 1843 Canovas
1924 1948 1963
Charles Didier Aaron Hôtel Crillon Lacoste Maubussin
1908 1923 1909 1933 1827
Mellerio, dito Oustau de Rémy Martin Ruinart Taillevent
Meller Baumaniere 1724 1729 1946
1613 1945
Michel Pierre Balmain Révillon Saint Louis Van Cleef
Guerard 1945 1723 1767 & Arpels
1965 1906
Nina Ricci Pierre Frey Robert Souleiado Parfums
1932 1935 Havilland 1780 Van Cleef
1924 & Arpels
1976
Parfums Puiforcat Rochas S. T. Dupont Veuve
Nina Ricci 1820 1925 1872 Clicquot
1945 1722

Depois, Thierry Mugler juntou-se ao comitê Colbert em 1996-97. O grupo de cosméticos Clarins,
que controla a sociedade, anunciava, no fim de 2002, o termino das atividades do pólo de costura de
Thierry Mugler.
tabela 2: data de criação das casas de
costura e de prêt-à-porter

Fonte: McKinsey, “Douze propositions pour étendre le leadership des marques françaises”, op. cit., p.
5-2, e igualmente Hubert Joly (1991). “Industrie du luxe: rebondir sur la crise, leviers pour le succès
des années 1990”, Revue française du marketing, 132-33, p. 100.

* Data de lançamento do prêt-à-porter e não da casa; a Hermès foi fundada em 1837 e a Gucci em
1920, por exemplo.
Notas

parte i: luxo eterno, luxo emocional

1. O sagrado, o Estado e o luxo

1. Sobre todos esses pontos, ver a análise clássica de Marshall Sahlins, Âge de pierre, âge
d’abondance, Paris, Gallimard, 1976, pp. 37-81.
2. Bronislaw Malinowski, Les Argonautes du Pacifique occidental, Paris, Gallimard, 1989. [Em
português, Os argonautas do pacífico ocidental, trad. Anton P. Carr e Ligia Aparecida Cardieri
Mendonça, São Paulo, Abril Cultural, 1984.]
3. Marcel Mauss, Essai sur le don [1924], in Sociologie et anthropologie, Paris, P. U. F., 1960, pp.
197-202. [Em português, “Ensaio sobre a dádiva”, em Sociologia e Antropologia, trad. Paulo Neves,
São Paulo, Cosac & Naify, 2003.]
4. Georges Bataille, La Part maudite [1967], Paris, Éd. du Seuil, col. “Points”, p. 123. [Em
português, A parte maldita, trad. Júlio Castañon Guimarães, Rio de Janeiro, Imago, 1975.]
5. Essa é a problemática desenvolvida por G. Bataille, ibid., pp. 57-83.
6. Reconheceu-se a definição da sociedade tradicional segundo Louis Dumont, Homo aequalis,
Paris, Gallimard, 1977; igualmente, Claude Lévi-Strauss, Les Structures élémentaires de la parenté
[1967], Paris e Haia, Mouton, reed. 1981, pp. 49-79. [Em português: Louis Dumont, Homo aequalis,
trad. José Leonardo Nascimento, Bauru, Edusc, 2000; e Claude Lévi-Strauss, As estruturas
elementares do parentesco, trad. Mariano Ferreira, Rio de Janeiro, Vozes, 2003.]
7. Pierre Clastres, La Société contre l’État, Paris, Éd. de Minuit, 1974. [Em português, A
sociedade contra o Estado, trad. Theo Santiago, São Paulo, Cosac & Naify, 2003.]
8. Karl Polanyi, La Grande Transformation, Paris, Gallimard, 1983, pp. 71-86; igualmente, K.
Polanyi, C. M. Arensberg e H. W. Pearson, Les Systèmes économiques dans l’histoire et dans la
théorie, Paris, Larousse, 1975. [Em português: Karl Polanyi, A grande transformação, trad. Fanny
Wrobel, Rio de Janeiro, Campus, 1988.]
9. M. Mauss, Essai sur le don, op. cit., pp. 214-27 e pp. 164-9; sobre o sentido do potlatch entre
os Kwakiutl, ver Marshall Sahlins, “Les cosmologies du capitalisme”, Le Débat, no 118, janeiro-
fevereiro de 2002, pp. 182-6.
10. M. Mauss, Essai sur le don, op. cit., p. 165.
11. Roger Caillois, L’Homme et le Sacré, Paris, Gallimard, col. “Idées”, pp. 123-62. [Em
português, O homem e o sagrado, trad. Geminiano Franco, Lisboa, Edições 70, 1988.]
12. Marcel Henaff, Le Prix de la vérité: le don, l’argent, la philosophie, Paris, Éd. du Seuil, 2002,
pp. 145-207. O autor sublinha com razão que a troca de bens preciosos é relação, ato de aliança entre
os parceiros. Mas suas análises não levam em conta os fundamentos mágico-religiosos do fenômeno.
Inseparáveis dos sistemas de pensamento mítico, as distribuições suntuárias não se reduzem a
processos de reconhecimento inter-humano, têm igualmente por finalidade assegurar os ciclos de
reencarnação, a incorporação de poderes cósmicos e sagrados, cf. M. Sahlins, “Les cosmologies du
capitalisme”, art. citado.
13. M. Mauss, Essai sur le don, op. cit., pp. 277-9; M. Sahlins, Âge de pierre, âge d’abondance,
op. cit., pp. 221-36; Lévi-Strauss escreve igualmente: “As trocas são guerras pacificamente
resolvidas, as guerras são o desfecho de transações malsucedidas”, Les Structures élémentaires de la
parenté, op. cit., p. 78.
14. Nas sepulturas do paleolítico superior aparecem já objetos de adorno e maquiagens funerárias.
No começo do neolítico, os santuários (Çatal Hüyük, entre 6500 e 5600 a. C.) são ornados de uma
rica decoração mural e guarnecidos de figuras de pedra ou de argila com destinação religiosa.
Desigualdades no mobiliário existem, sem que se saiba se são marcas de “classes” sociais, de
autoridades religiosas ou de distinções prestigiosas adquiridas ao longo da vida. É apenas a partir do
quarto milênio que as sepulturas se mostram sistematicamente diferenciadas, de um lado com tumbas
pobres desprovidas, ou quase, de qualquer oferenda, do outro, túmulos principescos dotados de
cerâmicas finas, de jóias preciosas, de armamentos de prestígio.
15. Jacques Cauvin, Naissance des divinités, naissance de l’agriculture, Paris, Flammarion, col.
“Champs”, 1997, pp. 102-4; igualmente, do mesmo autor, “L’apparition des premières divinités”, La
Recherche, no 194, 1987, pp. 1472-80.
16. Erik Hornung, Les Dieux de l’Égypte, Paris, Flammarion, col. “Champs”, 1992, pp. 210-1.
17. Jean Bottéro, La plus vieille religion, Paris, Gallimard, 1997, pp. 113-5.
18. Ibid., pp. 229-66.
19. Erik Hornung, L’Esprit du temps des pharaons, Paris, Hachette-Pluriel, 1996, pp. 79-92.
20. Sobre a teorização geral do papel do Estado em relação à dinâmica histórica, ver Marcel
Gauchet, Le Désenchantement du monde, Paris, Gallimard, 1985, pp. 26-46.
21. Paul Veyne, Le Pain et le Cirque. Sociologie historique d’un pluralisme politique, Paris, Éd.
du Seuil, col. “Points”, 1976.
22. Marc Bloch, La Société féodale, Paris, Albin Michel, 1930, pp. 432-3.
23. Norbert Elias, La Société de cour, Paris, Calmann-Lévy, 1974. Para uma visão sintética e
atualizada da máquina curial, Jacques Revel, “La Cour”, in Les Lieux de mémoire (sob a direção de
Pierre Nora), Paris, Gallimard, col. “Quarto”, 1997, vol. iii, pp. 3141-97. [Em português, Norbert
Elias, A sociedade da corte, trad. Pedro Süssekind, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.]
24. Orest Ranum, “Les refuges de l’intimité”, in Histoire de la vie privée, t. 3, Paris, Éd. du Seuil,
col. “Points”, 1985, pp. 246-8. [Em português, História da vida privada, vol. 3, trad. Hildegard Feist,
São Paulo, Companhia das Letras, 1991.]
25. Philippe Ariès, L’homme devant la mort, Paris, Éd. du Seuil, 1977, pp. 133-8. [Em português,
O homem diante da morte, trad. Luiza Ribeiro, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1981-2.]
26. Georges Duby, Le Temps des cathédrales, Paris, Gallimard, 1976, pp. 221-327. [Em
português, O tempo das catedrais, trad. José Saramago, Lisboa, Estampa, 1993.]
27. Krzysztof Pomian, Collectionneurs, amateurs et curieux. Paris, Venise: XVIe-XVIIIe siècle,
Paris, Gallimard, 1987.
28. Odile Blanc, Parades et parures. L’invention du corps de mode à la fin du Moyen Âge, Paris,
Gallimard, 1997, pp. 21-36.
29. Para uma análise mais detalhada, permito-me remeter à minha obra, L’Empire de l’éphémère.
La mode et son destin dans les sociétés modernes, Paris, Gallimard, 1987, pp. 55-79. [Em português,
O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas, trad. Maria Lúcia Machado,
São Paulo, Companhia das Letras, 1989.]

2. Luxos modernos, luxos pós-modernos

1. Sobre Worth e a alta-costura, ver Diana De Marly, Worth, Father of Haute Couture, Londres,
Elm Tree Books, 1980; da mesma autora, The History of Couture, 1850-1950, Londres, Batsford,
1980; igualmente, G. Lipovetsky, L’Empire de l’éphémère, op. cit., 1a parte, cap. ii.
2. Daum é fundada em 1875 e Lalique em 1910, Boucheron em 1858, S. T. Dupont em 1872,
Hermès em 1837, Louis Vuitton em 1854, Guerlain em 1828, Jeanne Lanvin em 1889. Boucheron
instala-se na place Vendôme em 1893, Cartier em 1899.
3. O casamento da alta-costura com a indústria moderna traduz-se igualmente por seus vínculos
com o perfume. A partir do começo do século xx, os costureiros vão lançar perfumes ou estarão
associados a eles: Poiret em 1914 com o “Fruit défendu” (para a casa Rosine), Chanel em 1921 com
o No 5.
4. Didier Grumbach, Histoires de la mode, Paris, Éd. du Seuil, 1993.
5. Philippe Perrot, Le Luxe. Une richesse entre faste et confort, XVIIIe-XIXe siècle, Paris, Éd. du
Seuil, 1995, pp. 125-56.
6. Michael B. Miller, Au Bon Marché, 1869-1920, Paris, Armand Colin, 1987, p. 181. Sobre os
grandes magazines nos Estados Unidos, William Leach, Land of Desire, Nova York, Vintage, 1993.
7. Elyette Roux e Jean-Marie Floch, “Gérer l’ingérable: la contradiction interne de toute maison
de luxe”, Décisions Marketing, no 9, setembro-dezembro de 1996.
8. Segundo um estudo do banco Merryll Linch, contavam-se no mundo, em 2000, 7,2 milhões de
pessoas possuidoras de mais de um milhão de dólares em poupança. No presente, 57 mil pessoas
detêm um patrimônio financeiro superior a 30 milhões de dólares.
9. O fenômeno ultrapassa os setores da moda e do perfume: a bmw prevê comercializar vinte
novidades ao longo dos seis próximos anos.
10. Elyette Roux, “Le luxe: entre prestige et marché de masse”, Décisions Marketing, no 1,
janeiro-abril de 1994.
11. Bruno Rémaury, “Luxe et identité culturelle américaine”, Revue française du marketing, no
187, 2002, pp. 49-60.
12. Danielle Allérès, Luxe... Stratégies—Marketing, Paris, Economica, 1997, pp. 5-6. [Em
português, Luxo: estratégias, marketing, trad. Mauro Gama, Rio de Janeiro, fgv, 2000.]
13. Thorstein Veblen, Théorie de la classe de loisir [1899], trad. do inglês por L. Évrard, Paris,
Gallimard, col. “Tel”, 1970, p. 27. [Em português, A teoria da classe ociosa, trad. Olivia Krahenbuhl,
São Paulo, Abril Cultural, 1983.]
14. Em uma perspectiva aristocrática, Nietzsche sublinha o “prazer de saber-se diferente”, Par-
delà le Bien et le Mal, parágrafo 260. [Em português, Além do bem e do mal, trad. Paulo César de
Souza, São Paulo, Companhia das Letras, 1992.]
15. Por exemplo, Saphia Richou e Michel Lombard, Le Luxe dans tous ses états, Paris,
Economica, 1999, cap. viii.
16. Pierre Bourdieu, La Distinction, Paris, Éd. de Minuit, 1979, pp. 198-230.
17. Sobre essas denominações, ver Roger Caillois, Les Jeux et les Hommes, Paris, Gallimard,
1967.
18. Robert Reich informa que a segurança privada é um dos setores de atividade cujo crescimento
é mais rápido nos Estados Unidos: “Em 1990, os guardas privados formavam 2,6% da população
ativa total, uma proporção duas vezes maior que em 1970” (L’ Économie mondialisée, Paris, Dunod,
1993).
19. David Le Breton, Passion du risque, Paris, Métailié, 1991, pp. 130-61.

3. A feminização do luxo

1. Citado por P. Veyne, Le Pain et le Cirque, op. cit., p. 462.


2. Bernard Grillet, Les Femmes et les fards dans l’Antiquité grecque, Lyon, C. N. R. S., 1975.
3. P. Veyne, Le Pain et le Cirque, op. cit., p. 750, nota 261.
4. O. Blanc, Parades et parures, op. cit. (supra, p. 42, n. 1), p. 216.
5. Diane Owen Hughes, “Les modes”, in Histoire des femmes, Paris, Plon, t. 2, 1991, p. 150.
6. Daniel Roche, La Culture des apparences, Paris, Éd. du Seuil, col. “Points”, 1989, pp. 113-14.
7. Citado por D. Owen Hughes, “Les modes”, art. citado, p. 153.
8. Citado por Louise Godard de Donville, Signification de la mode sous Louis XIII, Aix-en-
Provence, Édisud, 1978, p. 144.
9. Citado por Jean Delumeau, La Peur en Occident, Paris, Fayard, 1978, p. 442. [Em português,
História do medo no Ocidente, trad. Maria Lúcia Machado, São Paulo, Companhia das Letras, 1989.]
10. Um traje de corte fornecido por Mme. Éloffe é faturado, em 1787, por 2049 libras, ou seja, o
valor de mais de 2 mil dias de trabalho. Apenas no ano de 1785, a rainha devia a Rose Bertin quase
90 mil libras: ver D. Roche, La Culture des apparences, op. cit., pp. 309-10. A título de comparação,
nas camadas populares e burguesas o guarda-roupa feminino valia em média, respectivamente, 92 e
duzentas libras.
11. D. Roche, La Culture des apparences, op. cit., pp. 110-7.
12. Th. Veblen, Théorie de la classe de loisir, op. cit., pp. 119-20.
13. Michelet, La Femme [1859], Paris, Flammarion, col. “Champs”, 1981, p. 279. [Em português,
A mulher, trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira, São Paulo, Martins Fontes, 1995.]
14. A partir do século xviii, é em todas as classes que se manifesta a primazia da aparência
feminina.
15. Sobre a idolatria do “belo sexo” a partir da Renascença, ver minha obra, La Troisième Femme,
Paris, Gallimard, 1997, pp. 113-28. [Em português, A terceira mulher, trad. Maria Lúcia Machado,
São Paulo, Companhia das Letras, 2000.]
16. M. B. Miller, Au Bon Marché, op. cit., pp. 179-91.
17. Geoffrey Gorer, Les Américains, Paris, Calmann-Lévy, 1949, p. 61.
18. Ver G. Lipovetsky, La Troisième Femme, op. cit.
19. Em 1997, a participação das mulheres representava 52% das compras totais de vestuário
contra 32% para os homens e 16% para as crianças. O orçamento indumentário masculino decresce
fortemente a partir dos trinta anos. Cf. Gérard Mermet, Francoscopie, Paris, Larousse, 1998, p. 63.
20. G. Lipovetsky, La Troisième Femme, op. cit., pp. 140-44.
21. Roland Barthes, Fragments d’un discours amoureux, Paris, Éd. du Seuil, 1977, pp. 100-1.
[Em português, Fragmentos de um discurso amoroso, trad. Márcia Valéria Martinez de Aguiar, São
Paulo, Martins Fontes, 2003.]

4. O luxo e o sexto sentido

1. Claude Lefort, “L’échange et la lutte des hommes”, in Les Formes de l’histoire, Paris,
Gallimard, 1978. [Em português, As formas da história, trad. Luiz Roberto Salinas Fortes, São Paulo,
Brasiliense, 1979.]
2. Sobre esse ponto, a segunda parte de minha obra, L’Empire de l’éphémère, op. cit.
3. Bernard Arnault, “The Perfect Paradox of Star Brands”, Harvard Business Review, outubro de
2001, vol. 79.
4. Mircea Éliade, Aspects du mythe, Paris, Gallimard, 1963. [Em português, Aspectos do mito,
trad. Manuela Torres, Lisboa, Edições 70, 1963.]
5. Jean-Paul Aron, Le Mangeur du XIXe siècle, Paris, Robert Laffont, 1973.

parte ii: tempo do luxo, tempo das marcas

1. O luxo entre prestígio e mercado de massa

1. McKinsey, “Douze propositions pour étendre le leadership des marques françaises”, McKinsey
—comitê Colbert, 1990.
2. Eurostaf, “L’industrie mondiale du luxe: l’impératif de la création face à la banalisation des
marchés”, 1992; id., “L’industrie mondiale du luxe: perspectives stratégiques et financières”, 1995.
3. P. N. Giraud, O. Bomsel e E. Fieffé-Prévost, “L’industrie du luxe dans l’économie française”,
Cerna e Ministério da Indústria—comitê Colbert, 1995.
4. R. Burnel, “La filière luxe. Rapport du Conseil économique et social”, Journal Officiel de la
République, no 4, 13 de fevereiro de 1996.
5. H. Baudrillart, Histoire du luxe privé et public de l’Antiquité jusqu’à nos jours, Paris Hachette,
4 volumes, 1878-80.
6. P. Perrot, Le Luxe: une richesse entre faste et confort, XVIIIe-XIXe siècle, Paris, Éd. du Seuil,
1995.
7. T. Veblen, Théorie de la classe de loisir [1899], Paris, Gallimard, trad. do inglês por L. Évrard,
1970.
8. J. Sekora, Luxury: the Concept in Western Thougth. Eden to Smollet, Johns Hopkins University
Press, 1977.
9. C. Berry, The Idea of Luxury: a conceptual and historical investigation, Cambridge University
Press, 1994.
10. Ver, por exemplo, J.-N. Kapferer, Les Marques, Capital de l’entreprise, Paris, Éditions
d’Organisation, 1995. [Em português, As marcas, capital da empresa, trad. Arnaldo Ryngelblum,
Porto Alegre, Bookman, 2004.]
11. P. N. Giraud, O. Bomsel e E. Fieffé-Prévost, “L’industrie du luxe dans l’économie française”,
op. cit., p. 7. Para uma discussão desses valores, pode-se remeter igualmente a S. Richou e M.
Lombard, Le Luxe dans tous ses états, Paris, Economica, 1999.
12. Estimativa para o ano 2000, segundo a McKinsey.
13. A marca Montana, adquirida em 1995, foi cedida pela Clarins em 2000.
14. C. Blanckaert, Les Chemins du Luxe, Paris, Grasset, 1996, p. 28.
15. Estima-se que o montante da compra das duas marcas é ligeiramente inferior ao da Tag Heuer
(747 milhões de dólares), enquanto a Chaumet fora vendida por seu proprietário anterior ao
Investcorp por 6 milhões de dólares em 1987. O grupo lvmh possuía já as marcas Fred (para as jóias)
e Zénith (para os relógios).
16. As estimativas são publicadas, por exemplo, na Business Week, “The 100 Top Brands”,
Interbrand, 6 de agosto de 2001, pp. 60-4. Para o leitor interessado, o valor da marca calculado pela
Interbrand leva em conta os seguintes critérios: a liderança da marca no mercado, sua estabilidade, a
evolução desse mercado, sua dimensão internacional, os investimentos de apoio e de proteção da
marca. A “força” da marca é avaliada em função de seus desempenhos em cada quesito, ponderados
por importância. As análises da Interbrand aplicam em seguida um “múltiplo” a esse placar, ele
próprio aplicado aos rendimentos da marca, a fim de calcular-lhe o valor.
17. McKinsey, “Douze propositions pour étendre...”, op. cit.
18. Conferência de Christophe Navarre, então presidente da Hennessy, “Les ateliers du luxe.
Nouveaux comportements de consommation et paradoxes du marketing”, Associação Nacional para a
Valorização Interdisciplinar da Pesquisa em Ciências do Homem e da Sociedade junto às Empresas,
Paris, 20 de junho de 2000, da qual tive o prazer de responder pela presidência científica.
19. Cofremca, “Rapport sur le luxe et l’évolution des mentalités”, Cofremca—comitê Colbert,
1992.
20. B. Dubois, G. Laurent, “The Functions of Luxury: a situacional approach to excursionism”,
24e Conférence Annuelle de l’European Marketing Academy (16-19 de maio de 1995), Essec, Cergy-
Pontoise.
21. Eurostaf, L’Industrie mondiale du luxe: l’impératif de la création face à la banalisation des
marchés, 1992; H. Joly, “Industrie du luxe: rebondir sur la crise. Leviers pour le succès dans les
années 90”, Revue française du marketing, nos 132-3, pp. 97-109, a partir do relatório McKinsey,
“Douze propositions pour étendre...”, op. cit.; ver igualmente o relatório Cofremca já citado sobre “o
luxo e a evolução das mentalidades”.
22. Giorgio Armani, Borgonuovo, G. Armani Le Collezioni, Mani, Emporio Armani, Armani
Jeans, A/X (Armani Exchange), sem contar a criança, o esporte ou as roupas íntimas, ou as outras
extensões da marca com os perfumes (via grupo L’Oréal), os relógios e acessórios ou ainda a
decoração de interiores.
23. A esse respeito, ver o capítulo iii sobre a identidade de marca.
24. H. Simon, “Le prix optimal: un concept majeur”, Décisions Marketing, 1993, no 0, pp. 35-45.
25. Todos os mercados e setores misturados, inclusive o não-luxo.
26. Setembro de 1991 a novembro de 1992, e compilação a partir das novidades 2000-2001,
Cosmétique Magazine, julho-agosto de 2001.
27. Analisaremos o caso dessa exceção no capítulo sobre a identidade de marca.
28. Fonte: Cosmétique Magazine, julho-agosto de 2002, pp. 64-5.
29. Fonte: Fabricante, a partir de análises de dados de amostragem de vendas em valor, para 1999.
30. O marketing-mix recobre a combinação e a dosagem coerente dos diferentes meios de ação do
marketing (produto, preço, força de venda, circuito de distribuição, comunicação). O mix-produto
corresponde à interação das decisões que correspondem ao conceito do produto, seu posicionamento
e embalagem, igualmente chamada acondicionamento, por exemplo.
31. Dados dos fabricantes para 1997.
32. P. Bousquet Chavanne, “How Recession Proof is The Luxury Industry? The first panel makers
conference”, Essec., Nova York, 24 de abril de 2002.
33. Com base em dados de 1999, para a parte prêt-à-porter de ck e não para seus perfumes, que
são concedidos à Unilever.
34. P. Desmet, Promotion des ventes, Paris, Nathan, 1992.
35. D. Aaker, Managing Brand Equity, Nova York, The Free Press, 1991. [Em português, Marcas,
Brand Equity: gerenciando o valor da marca, trad. André Andrade, São Paulo, Negócio, 1998.]
36. Dodson et al, “The Impact of Deals and Deal Retraction on Brand Switching”, Journal of
Marketing Research, 15, 1978, pp. 72-81.
37. S. Davis et al, “Promotion Has a Negative Effect on Brand Evaluation — or Does Not It?
Additional disconfirming evidences”, Journal of Marketing Research, 21, 1, pp. 141-8.
38. Fonte: fabricante, novembro de 1998.
39. Ver a esse respeito a obra de Gilles Lipovetsky sobre a moda, L’Empire de l’éphémère. La
mode et son destin dans les sociétés modernes, Paris, Gallimard, 1987, em particular, a primeira parte
dessa obra.
40. Segundo a síntese do estudo: “Les femmes leaders et les circuits non traditionnels”, de Régine
Lemoine-Dartois, Euromap—Upper, efetuado de 15 de fevereiro a 15 de março de 1999, com uma
amostragem de trezentas mulheres européias com altíssimos rendimentos.
41. A título de comparação, o magazine Gap nos Champs-Élysées não totaliza menos de 1,7 mil
m2 de superfície, por um aluguel de 2 milhões de euros por ano.
42. A. Parasuraman et al, “Servqual: une échelle multi-items de mesure des perceptions de la
qualité de service par les consommateurs”, Recherche et applications en marketing, 5, 1, 1990, pp.
19-42.
43. Ver o artigo “fundador” de P. Eiglier, E. Langeard e C. Dageville, “La qualité de service”,
Revue française du marketing, no 121, 1989, pp. 93-100.

2. Evoluções progressivas das significações do luxo [pp. 114-35]

1. Comitê Colbert, “Nouveaux regards sur le luxe. Rapport d’activité”, outubro de 1997, p. 5.
2. R. Colonna d’Istria, L’Art du luxe, Paris, Hermé, 1991, p. 35, ou ainda J.-N. Kapferer, Les
Marques, Capital de l’entreprise, op. cit., p. 85, e a exposição de D. Rapoport, “Le luxe: réponse à
quels désirs, à quels besoins”, Rencontres internationales des métiers du luxe (Rime 98), Paris, 26-27
de março de 1998.
3. J. Picoche, Dictionnaire étymologique du français, Paris, Éd. Le Robert, 1986, p. 213, e A.
Rey, Dictionnaire historique de la langue française, Paris, Éd. Le Robert, 1998, t. 2, p. 2072.
4. K. Polanyi, Primitive, Archaic and Modern Economy, Boston, Beacon Press, 1968, e
igualmente La Grande Transformation, Paris, Gallimard, 1983; ver também P. Veyne, Le Pain et le
Cirque: sociologie historique d’un pluralisme politique, Paris, Éd. du Seuil, 1976, p. 73. Pode-se
ilustrar esse ponto pelos seguintes trechos: “Ora, Cícero o diz: o povo romano detesta o luxo privado,
mas aprova o luxo com que se beneficia o público. O luxo imperial não será apenas consumo egoísta;
será também o de um evérgeta que dá espetáculos à sua capital” (p. 637); da mesma maneira, a
esmola está no centro da moral cristã: “Os cristãos perfeitos fogem do mundo da carne, outros
cristãos mais numerosos resgatarão sua alma pela esmola e pelos legados à Igreja [...]. Deus
prescreveu que os ricos dêem” (p. 62).
5. B. Mandeville, La Fable des abeilles ou les vices privés font le bien public, Paris, Vrin (ed.
original, 1714), i, 1990, p. 108. Ver igualmente P. Carrive, Bernard Mandeville: passions, vices,
vertus, Paris, Vrin, 1980.
6. Citado por P. Perrot, Le Luxe: une richesse entre faste et confort, op. cit., p. 34, por R. Burnel,
“La filière luxe”, art. citado, 1996, p. 8 e A. Rey, Dictionnaire historique..., op. cit., p. 2072.
7. Grand Larousse em 5 vol., vol. 2, 1991, p. 1902.
8. P. Perrot, “De l’apparence au bien-être: les avatars d’un superflu nécessaire”, em J.-P. Goubert,
Du luxe au confort, Paris, Belin, 1988, p. 46.
9. G. Simmel, “L’individualisme moderne” [1917], em Philosophie de la modernité, Paris, Payot,
1989, pp. 281-322. Ver igualmente na mesma obra o capítulo sobre a moda.
10. T. Veblen, Théorie de la classe de loisir, op. cit., pp. 105-6.
11. R. Burnel, “La filière luxe”, art. citado, 1996, p. 68. No anexo i, encontram-se as datas de
criação das casas membros do comitê Colbert.
12. De fato, foi em 1995, como desenvolveremos mais adiante, que a indústria do luxo dotou-se
de uma definição de seu perímetro como o de um conjunto de marcas (ver pp. 146 segs.).
13. R. Rochefort, La Société des consommateurs, Paris, Odile Jacob, 1995; ver igualmente Le
Consommateur entrepreneur, Paris, Odile Jacob, 1997, e, para uma abordagem de historiador, F.
Caron, Les Deux Révolutions industrielles du XXe siècle, Paris, Albin Michel, 1997.
14. J. Baudrillard, Le Système des objets, Paris, Gallimard, 1968, e La Société de consommation,
ses mythes, ses structures, Paris, Denoël, 1970; reed. Gallimard, col. “Folio Essais”. [Em português,
O sistema dos objetos, trad. Zulmira Ribeiro Tavares, São Paulo, Perspectiva, 1973; e A sociedade de
consumo, Lisboa, Edições 70, 1975.]
15. P. Bourdieu, La Distinction. Critique sociale du jugement, Paris, Éd. de Minuit, 1979.
16. G. Simmel, “La mode” [1923], em Philosophie de la modernité, op. cit., p. 169.
17. P. Bourdieu, La Distinction, op. cit., p. 275.
18. Ibid.
19. Ibid., p. 317.
20. Encontramos essa lógica levada a seu paroxismo no romance de Bret Easton Ellis, American
Psycho [O psicopata americano] (1990), que causou escândalo na época por sua extrema violência,
sendo considerado uma crítica feroz dos anos Reagan e da supremacia das marcas. Retomaremos
aqui, a título de exemplo, uma das múltiplas listas de marcas que pontuam a descrição dos
personagens quando de sua entrada em cena: “Há quatro mulheres na mesa em frente [...] uma delas
usa um vestido chemisier reversível de lã Calvin Klein, uma outra um vestido de tricô com laços de
faille de seda Geoffrey Beene, uma outra uma saia simétrica de tule plissado com um bustiê de
veludo bordado Christian Lacroix e escarpins com saltos altos Sidonie Laizzi, e a última tem um
vestido bustiê com lantejoulas, sob uma jaqueta acinturada de crepe de lã Bill Blass”. Pode-se
também ler a respeito desse romance na história da literatura americana: “O ar do tempo é
inteiramente indicado pelas marcas (de sapatos, de whiskies, de vídeo), todas de luxo”, em Pierre-
Yves Pétillon, Histoire de la littérature américaine. Notre demi-siècle, Paris, Fayard, 1992, p. 664.
21. M. Maffesoli, La Contemplation du monde, figures du style communautaire, Paris, Grasset,
1993; ver igualmente do mesmo autor, Éloge de la raison sensible, Paris, Grasset, 1996, bem como a
obra de referência sobre o termo, depois muito na moda, “tribo”: Le Temps des tribus, le déclin de
l’individualisme dans les sociétés de masse, Paris, Méridiens Klincksieck, 1988; reed. Le Livre de
poche, 1990. [Em português, respectivamente: A contemplação do mundo, trad. Francisco Franke
Settineri, Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1995; Elogio da razão sensível, trad. Albert Cristophe
Migueis Stuckenbruck, Petrópolis, Vozes, 2005 (3a ed.); O tempo das tribos: o declínio do
individualismo nas sociedades de massa, trad. Maria de Lourdes Menezes, Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 2000 (3a ed.).]
22. Le Temps des tribus, op. cit. É preciso observar que, em sua obra, Maffesoli usa a noção de
tribo como uma metáfora.
23. J.-F. Lyotard, La Condition postmoderne, Paris, Éd. de Minuit, 1979. [Em português, A
condição pós-moderna, trad. Ricardo Corrêa Barbosa, Rio de Janeiro, J. Olympio, 1998 (5a ed.).]
24. Desenvolveremos amplamente esse ponto no trecho referente à especificidade das marcas de
luxo e naquele referente à identidade.
25. G. Lipovetsky, La Troisième Femme. Permanence et révolution du féminin, Paris, Gallimard,
1997, p. 138.
26. G. Lipovetsky, L’Empire de l’éphémère, op. cit., e Le Crépuscule du devoir. L’éthique
indolore des nouveaux temps démocratiques, Paris, Gallimard, 1992; ver igualmente as análises do
antropólogo D. Le Breton, Anthropologie du corps et modernité, Paris, P. U. F., 2001 (2a ed.), e do
sociólogo J.-F. Amadieu, Le Poids des apparences. Beauté, amour et gloire, Paris, Odile Jacob, 2002.
27. A participação do vestuário nas despesas dos lares franceses baixou à metade em quarenta
anos, de 11% em 1960 para 5,1% em 2000 (fonte Insee).
28. B. Rémaury, “Une mode entre deux décennies”, Repères mode et textile, Institut français de la
mode, 1996, p. 63.
29. M. Maffesoli, Au creux des apparences. Pour une éthique de l’esthétique, Paris, Plon, 1990.
[Em português, No fundo das aparências, trad. Bertha Halpern Gurovitz, Petrópolis, Vozes, 1999 (2a
ed.).]
30. G. Lipovetsky, La Troisième Femme, op. cit., p. 135.
31. Na publicidade da primavera de 1999 para “Dior Body Light”, lê-se: a esbelteza de alta
definição produz os três benefícios seguintes: 1) despertar do sistema esbelteza; 2) ataque direto dos
excessos; 3) efeito prolongado, produzindo uma “eficácia provada por testes científicos
rigorosamente controlados: 93% das mulheres interrogadas notaram um efeito sobre a celulite; 96%
notaram um efeito sobre a firmeza” (Publicidade de imprensa para revistas femininas, abril de 1999).
32. G. Mermet, Francoscopie, Paris, Larousse, 1998 e 2001.
33. G. Lipovetsky, La Troisième Femme, op. cit., pp. 142-3.
34. M. Maffesoli, Le Temps des tribus, op. cit., p 135.
35. Testemunho do cuidado consigo, Mermet sublinha que na França, por exemplo, quase 200 mil
pessoas freqüentaram um centro de talassoterapia, ou seja, duas vezes mais que há dez anos, assim
como duplicaram as visitas a estações termais entre 1958 (265 mil pessoas) e 1996 (600 mil pessoas)
(Francoscopie, op. cit., p. 124).
36. O comitê Colbert foi criado em 1954 em torno de quinze casas, hoje reúne 75 delas, cuja lista
é apresentada em anexo.
37. P. N. Giraud, O. Bomsel e E. Fieffé-Prévost, “L’industrie du luxe dans l’économie française”,
art. citado.
38. R. Burnel, “La filière luxe”, art. citado.
39. McKinsey, “Deux propositions pour étendre...”, op. cit.
40. P. N. Giraud, O. Bomsel e E. Fieffé-Prévost, “L’industrie du luxe...”, art. citado, p. 3.
41. O leitor que quiser aprofundar a noção de representação pode remeter-se a J.-C. Abric, “Les
représentations sociales, aspects théoriques”, Pratiques sociales et représentations, Paris, P. U. F.,
1994. Nos desenvolvimentos atuais em psicologia social, uma representação é definida como “uma
visão funcional do mundo, que permite ao indivíduo ou ao grupo dar um sentido às suas condutas e
compreender a realidade através de seu próprio sistema de referência e, portanto, adaptar-se a ele,
nele definir um lugar para si” (ibid., p. 13), ou ainda: “uma forma de conhecimento, socialmente
elaborada e partilhada, tendo uma intenção prática e concorrendo para a construção de uma realidade
comum a um conjunto social” (D. Jodelet, “Représentations sociales, un domaine en expansion”, em
D. Jodelet [ed.], Les Représentations sociales, Paris, P. U. F., 5a ed., p. 36). [Em português, As
representações sociais, trad. Lilian Ulup, Rio de Janeiro, uerj, 2001.] É, portanto, um sistema
(organizado) sociocognitivo que não se reduz apenas a “imagens, conceitos, sensações”, como os
autores sugerem.
42. E. Roux, “Comment se positionnent les marques de luxe”, Revue française du marketing, no
132-3, 1991, pp. 111-8.
43. Para mais informações referentes aos objetivos desses métodos de pesquisa, podemos remeter-
nos a Y. Évrard, B. Pras e E. Roux, Market. Études et recherches en marketing, Paris, Dunod, 2000.
44. Cofremca, “Rapport sur le luxe et l’évolution des mentalités”, op. cit.
45. Risc (Research Institut on Social Change), Estudo Imagem, sobre as representações e os
consumidores do luxo, outubro de 1993, 1995, 2000 e 2001.
46. P. Degrave, “Quelle conception du luxe pour s’adapter aux moeurs du troisième millénaire?”,
Comunicação ao Rime 98 (26-27 de março de 1998), Versalhes. Patrick Degrave é diretor-geral da
Cofremca Sociovision.
47. Ver a esse respeito os progressos de meu colega Bernard Cova, Au-delà du marché: quand le
lien importe plus que le bien, Paris, L’Harmattan, 1995.
48. Podemos remeter-nos à obra muito didática de meu outro colega Patrick Hetzel sobre as
aplicações pós-modernas no marketing: Planète Conso, Marketing expérientiel et nouveaux univers
de consommation, Paris, Éditions d’Organisation, 2002.
49. Relembremos apenas que os modelos experienciais em marketing foram desenvolvidos desde
os anos 1980, em particular com M. Holbrook e E. Hirschman, “The Experential Aspects of
Consumption: consumer fantaisies, feelings and fun”, Journal of Consumer Research, 9, 1982, pp.
132-40. Para uma síntese recente das pesquisas em marketing sobre as “experiências” dos
consumidores, podemos referir-nos a M. Filser, “Le marketing de la production d’expérience: statut
théorique et implication managériales”, Décisions Marketing, 28, 2002, pp. 13-22.
50. Nesse caso, infelizmente nenhuma referência é feita às análises de Max Weber ou ainda às de
Gauchet!
51. A clientela do luxo: Europa, Estados Unidos, Japão. Compilação segundo o Risc (estudos de
outubro de 1994 e 2000), com uma amostragem de 12,5 mil pessoas na Europa (França, Itália,
Alemanha, Inglaterra, Espanha) e de 3 mil pessoas nos Estados Unidos e no Japão. São considerados
clientes do luxo os entrevistados que compraram pelo menos uma marca de luxo ao longo dos dois
últimos anos.

tipo de clientes américa europa japão


1994 2000 1994 2000 1994 2000
Total clientes luxo 39% 65% 40% 60% 39% 62%
Ocasionais
(1-3 compras) 29% 44% 31% 42% 25% 43%
Regulares
(4 compras ou +) 10% 21% 9% 18% 14% 19%
Não-clientes
(nenhuma compra) 61% 35% 60% 40% 62% 38%

52. Para a Europa, esses montantes ganham ainda três pontos em 2001, passando de 60 a 63%.
Em outubro de 2001, a França inclui 64% de pessoas que compraram pelo menos uma marca de luxo
nestes dois últimos anos.
53. Fonte Risc 2002 para os perfumes, os produtos de maquiagem ou de cuidado; as porcentagens
correspondem às consumidoras que compraram uma marca de luxo nos últimos doze meses.
54. Estudo anual simm 2000 Interdeco, Taylor Nelson, Sofrès, Sécodip, com uma amostragem de
9975 pessoas.
55. Essa “equação” é estabelecida comparando as respostas às perguntas de notoriedade assistida
das marcas: “Eis um certo número de marcas de luxo... Pode me indicar todas as que conhece pelo
menos de nome?” e de sonho: “Imagine que você ganhasse a possibilidade de escolher um belíssimo
presente. Entre todas as marcas que conhece, quais são as cinco que lhe dariam mais prazer?”.
56. Fonte Risc 2000, C. Paternault, “Le marché du luxe”, a partir de estudo Risc Imagem 1994 e
2000, D. Weber e B. Dubois, “The Edge of Dream: managing brand equity in the European luxury
market”, documento de pesquisa, H. E. C., 1995; enfim, B. Dubois e C. Paternault, “The Dream
Formula”, Journal of Advertising Research, agosto de 1995, pp. 69-76.

3. Marca de luxo: legitimidade e identidade

1. Em parte, as análises propostas aqui foram desenvolvidas em colaboração com o estudioso de


semiótica Jean-Marie Floch, infelizmente hoje falecido; por isso faço questão de aqui prestar
homenagem à sua memória.
2. C. Whan Park et al, “Strategic Brand-Concept Image Management”, Journal of Marketing, 50,
outubro de 1986, pp. 135-45, e K. Keller, Strategic Brand Management, Prentice Hall, 1998. Para as
publicações francesas recentes, podemos remeter-nos ao número especial da revista Décisions
Marketing sobre a extensão do domínio da experiência, no 28, 2002, e a P. Hetzel, Planète Conso, op.
cit.
3. M. Weber, Économie et société, t. 1, 1956, para a edição alemã, e Plon, “Agora Pocket”, 1995.
[Em português, Economia e sociedade, t. 1, trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa, São
Paulo/Brasília, Imprensa Oficial/unb, 2004 (4a ed.).]
4. O renascimento da marca Gucci não deve ser classificado nessa categoria, mas na categoria
precedente, pois mesmo que a marca tenha relação com a moda, seu montante de negócios é
amplamente realizado pelos acessórios, que correspondem ao seu ofício de base. O caso de Gucci
pertence, portanto, à primeira categoria, ainda que o talento do designer Tom Ford tenha contribuído
muito para revitalizar a marca. De fato, foi o conjunto da gestão da marca Gucci (criação e gama de
produtos, por certo, mas também e sobretudo distribuição, política de preços e de comunicação) que
foi revisto sob o impulso de seu presidente, sr. De Sollé.
5. A. Greimas e J. Courtés, Sémiotique: dictionnaire raisonné de la théorie du langage, Paris,
Hachette, t. 2, 1993, pp. 177-8.
6. P. Ricoeur, Soi-même comme un autre, Paris, Éd. du Seuil, 1990, p. 137 segs., em seu estudo
sobre a identidade pessoal e a identidade narrativa. [Em português, O si-mesmo como um outro, trad.
Lucy Moreira Cesar, Campinas, Papirus, 1991.]
7. J.-M. Floch, Identités visuelles, Paris, P. U. F., 1995, p. 40.
8. M. Serres, “Discours et parcours”, em Cl. Lévi-Strauss, L’Identité, Paris, P. U. F., 1997, p. 28.
9. G. Simmel, La Tragédie de la culture [1909], Paris, Rivages, 1988, p. 163.
10. P. Ricoeur, Soi-même comme un autre, op. cit., p. 200.
11. L. Ferry, Homo aestheticus. L’invention du goût à l’âge démocratique, Paris, Grasset, 1990, p.
33. [Em português, Homo aestheticus: a invenção do gosto na era democrática, trad. Eliana de Melo
Souza, São Paulo, Ensaio, 1994.]
12. M. Maffesoli, Au creux des apparences, op. cit., p. 13.
13. E. Roux e J.-M. Floch, “Gérer l’ingérable: la contradiction interne de toute maison de luxe”,
Décisions Marketing, 9, 1996, pp. 15-23.
14. Essa referência à correspondência dos cinco sentidos, cara a J.-M. Floch, e que nós dois
difundimos amplamente desde 1991 nos seminários da cadeira lvmh e em numerosas conferências,
foi amplamente retomada por outros mais tarde.
15. A análise da identidade da Chanel constitui o objeto do capítulo seguinte.
16. Sobre o papel do “detalhe” e a problemática do detalhe em pintura, o leitor pode remeter-se a
D. Arasse, Le Détail. Pour une histoire rapprochée de la peinture, Paris, Flammarion, col.
“Champs”, 1996, ou à edição original publicada em 1992 na coleção “Idées et recherches”. De fato, o
detalhe extremado é um traço consubstancial ao reconhecimento da obra figurativa, bem como à ética
e à estética do luxo.
17. B. Speckhals, “Les enjeux de la fidélisation des clients: les systèmes d’information au service
de la satisfaction”, ve Conférence annuelle des professionnels du luxe, Les Échos, em colaboração
com Coopers & Lybrand e o mba Luxury Brand da Essec, Paris, 28 de abril de 1998. B. Speckhals é
vice-presidente dos Information Systems Ritz—Carlton. Como lembrete, a divisa dos hotéis Ritz—
Carlton é: “Exceed customer’s non expected expectations”.
18. V. Veraart, “Les enjeux de la fidélisation des clients: les systèmes d’information au service de
la satisfaction”, ve Conférence annuelle anteriormente citada. V. Veraart é vice-presidente de Systems
and Logistics Estée Lauder International.
19. P. Hetzel, “Systemising the Awareness of the Consumer’s Five Senses at the Point of
Purchase: an essencial challenge for marketing theory and practice”, Actes de la 24e Conférence de
l’European Marketing Academy, Paris, 1995, pp. 471-82; ver igualmente, do mesmo autor, “La mise
en scène de l’identité d’une marque de luxe sur son point de vente: l’approche expérientielle des
magasins Ralph Lauren”, Revue française du marketing, no 187, 2002, 2, pp. 61-72.

4. Luxo e tempo das marcas

1. Este capítulo fora começado com Jean-Marie Floch, a partir de seus trabalhos sobre a
identidade da Chanel, dos quais certas análises são apresentadas em sua obra sobre as identidades
visuais (op. cit.). A escrita comum desse capítulo revisitado foi infelizmente interrompida por sua
morte prematura.
2. Segundo o estudo Risc Imagem 2000, realizado, relembremos, com uma amostragem de 12,5
mil pessoas na Europa (Alemanha, Inglaterra, Espanha, França, Itália) e de 3 mil nos Estados Unidos
e no Japão.
3. Os vinte artistas mais marcantes do século, segundo a Times, são P. Picasso, Le Corbusier, C.
Chanel, J. Joyce, T. S. Eliot, C. Chaplin, S. Spielberg, M. Brando, I. Stravinsky, os Beatles, B. Dylan,
A. Franklin, L. Armstrong, F. Sinatra, Rodgers e Hammerstein, Lucille Ball, J. Henson, O. Winfrey,
M. Graham, B. Simpson (o herói de desenhos animados dos anos 1990!), vol. 151, no 23, p. 3.
4. “A liberdade e a postura: ética e estética do total look de Chanel”, em J.-M. Floch, Identités
visuelles, op. cit., pp. 108-44.
5. Essas pranchas são igualmente reproduzidas às pp. 109 e 110, ibid., assim como em F. Baudot,
Chanel, Paris, Éd. Assouline, 1996, memória da moda (sem número de página). [Em português,
Chanel, trad. Eloisa Araújo Ribeiro, São Paulo, Cosac & Naify, 1999.]
6. F. Baudot, Chanel, op. cit. (sem número de página).
7. Citado em J.-M. Floch, Identités visuelles, op. cit., p. 112, e igualmente, em C. Delay, Chanel
solitaire, Paris, Gallimard, 1983, p 117.
8. P. Morand, L’Allure de Chanel, Paris, Herman, 1976, pp. 45-6.
9. Ibid., p. 138.
10. Sobre a silhueta “Dior” e sobre o estilo de Christian Dior, podemos remeter-nos a M.-F.
Pochna, Christian Dior, Paris, Flammarion, 1994, ou à monografia que ela também consagrou a ele,
nas Éditions Assouline (1996). [Em português, Dior, trad. Carlos Sussekind, São Paulo, Cosac &
Naify, 2000.]
11. H. Wölfflin, Principes fondamentaux de l’histoire de l’art [1916], última ed. francesa, Gérard
Montfort, 1992. [Em português, Conceitos fundamentais da história da arte, trad. João Azenha Jr.,
São Paulo, Martins Fontes, 1984.] Sobre a distinção “clássico versus barroco”, ver igualmente H.
Wölfflin, Renaissance et baroque, Paris, Gérard Montfort, 1985 [Renascença e Barroco, São Paulo,
Perspectiva, 2000], e V. Tapié, Baroque et classicisme, Paris, Pluriel, Le Livre de poche, 1980
[Barroco e classicismo, Lisboa, Presença, 1972]. Para uma síntese rápida, podemos remeter-nos a J.-
M. Floch, Sémiotique et marketing, sous les signes les stratégies, Paris, P. U. F., 1990, pp. 64-75 e, do
mesmo autor, Identités visuelles, op. cit., pp. 120-38, para a aplicação clássico—barroco.
12. Sobre a pertinência dessas distinções temporais como categorias de análise semiótica
estrutural, podemos remeter-nos às definições de A. Greimas e de J. Courtés, Sémiotique:
dictionnaire raisonné, op. cit. (ed. de 1986), p. 68, e (ed. de 1993) p. 67; ver igualmente as aplicações
ao espaço propostas por J.-M. Floch, Sémiotique et marketing, op. cit., pp. 33 segs, ou à
diferenciação do clássico e do barroco em Identités visuelles, op. cit., pp. 127-31. Essas mesmas
categorias foram também aplicadas à análise dos discursos publicitários das marcas de relógios de
luxo: D. Bertrand, “Approche sémiotique du luxe: entre esthétique et esthésie”, Revue française du
marketing, no 187, 2002, 2, pp. 73-82. A classificação proposta aqui é uma adaptação livre a partir de
B. Rémaury, “Imaginaire de mode” (conferência para a cadeira lvmh), Essec, 28 de fevereiro de
2001, e de S. Warnier, “Mode et temps: la légitimité des griffes créatives”, Repères mode et textile,
Institut français de la mode, 1996, pp. 94-105.
13. O termo adaptado, segundo o vocabulário técnico semiótico e as oposições semânticas
correspondentes, seria não “contrário”, mas “contrariedade”. Para a compreensão do leitor,
preferimos manter “contrário”.
14. J. Cocteau, Lithographie [1928], em Coleção privada, setenta ilustrações das sociedades do
comitê Colbert, 1929.
15. P. Morand, L’Allure de Chanel, op. cit., p. 143.
16. J.-M. Floch, Identités visuelles, op. cit., p. 137.
Copyright © 2003 by Editions Gallimard
Publicado originalmente na França, em 2003

Este livro, publicado no âmbito do programa de participação à publicação,


contou com o apoio do Ministério francês das Relações Exteriores
[Cet ouvrage, publié dans le cadre du programme d’aide à la publication,
bénéficie du soutien du Ministère français des Affaires Etrangères].

Título original
Le luxe éternel: de l’âge du sacré au temps des marques

Capa
Raul Loureiro

Foto de capa
© pg/Magnum Photos

Preparação
Vanessa Barbara

Revisão
Olga Cafalcchio
Marise Simões Leal

ISBN 978-85-8086-498-4

Todos os direitos desta edição reservados à


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