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Simeão Sass
Universidade Federal de São Paulo
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All content following this page was uploaded by Simeão Sass on 28 July 2020.
PALAVRAS CHAVE
Ego; Espontaneidade; Solidariedade.
ABSTRACT
The given essay will analyze three of Jean Paul Sartre’s Works: La Transcendance de
l’ego (1936), L’Être et le néant (1943) and Cahiers pour une morale (1983). We will
demonstrate that this path is, at the same time, evolution and maintenance of some already
stated thesis of the first piece. We will also identify some objectives of Sartre’s Philosophy,
regarding moral and political issues, revealing the main role of Ego in this discussion. Finally,
we will trace the moral consequences of new concepts of consciousness, Ego, and the
reflection Sartre identifies throughout his trajectory.
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Ele afirma que sua filosofia não usa consciência, do ego e da reflexão
conceitos, mas noções. Tal distinção edificadas por Sartre ao longo de sua
epistemológica aproxima-o de uma trajetória. Devido aos limites do
visão da filosofia que não quer ser estudo, não teremos tempo de
como as ciências naturais, baseada em abordar as críticas de Sartre a
leis e normas, mas em uma atitude Husserl. Enunciaremos somente as
compreensiva e aproximativa, suas justificativas, reservaremos a
herança da fenomenologia que outro estudo a especificação do
pretendeu ser uma filosofia rigorosa debate entre Husserl e Sartre.
sem reeditar o positivismo comtiano. O percurso que escolhemos
Daí a diferença que fazemos entre a revelará três momentos da teoria
noção sartriana e o conceito de ego sartriana do ego. O primeiro
forjado ao longo do pensamento abordará a sua condição
moderno, que ainda persiste no transcendente, o segundo a sua
pensamento contemporâneo. A noção estrutura circular e o terceiro a sua
sartriana de ego é uma tentativa de condição libertária. As duas primeiras
repensar a teoria conceitual do ego. obras enunciadas, foram estudadas de
Como veremos, tal tentativa leva forma mais ampla e aprofundada, a
Sartre para bem longe do terceira, por ser póstuma, ainda não
cartesianismo ortodoxo. Sem, foi descoberta pelos estudiosos.
contudo, recair e irracionalismos, Poucas pesquisas abordam suas teses
preocupação constante do e um espectro significativo de
existencialista francês. intuições importantes ainda solicita
Tomaremos como objeto de trabalho de elucidação. Um aspecto
análise três obras, A transcendência do importante dessa análise histórica e
ego (1936), O Ser e o nada (1943) e conceitual é identificar a continuidade
Cadernos para uma moral (1983). do projeto enunciado na obra A
Tentaremos demonstrar que esse transcendência do ego; essa perspectiva,
percurso é, ao mesmo tempo, a por si só, já desperta um grande
evolução e a manutenção de algumas interesse. Ela rebate uma acusação
teses enunciadas na primeira obra. muito comum e infundada de que
Identificaremos alguns dos objetivos Sartre é um pensador idealista e, ao
da filosofia sartriana, tanto na moral mesmo tempo, dualista. A teoria
quanto na política, revelando o papel sartriana do ego, elucidada
central do Ego nessa discussão, e, por adequadamente, esclarece um
fim, identificaremos as consequências equívoco iniciado ainda nos anos 40,
morais de uma nova concepção da pela interpretação de Merleau-Ponty,
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contudo, que a condição ativa do ser há pensamento sem cérebro, mas que
humano representa também a todo pensamento é muito mais que
perspectiva “coagulante” que tal atividade cerebral. A consciência
condição envolve. A historicidade das envolve todo o ser humano. Ser
ações envolve tanto o aspecto humano, para Sartre, significa existir
transiente de sua realização quanto a na forma da consciência,
dimensão social dessas ações. espontaneidade que intenciona o
Exatamente porque todo ser humano mundo circundante. Esse ser é tanto
existe no mundo, o sentido de suas corpo quanto consciência, é possível
ações não é decifrado ou enunciado falar de consciência/corpo em Sartre.
somente por seu autor. Sartre Se a consciência não é um invólucro,
imprime à noção de ego um certo se os atos humanos são uma relação
caráter de papel social. É por isso que de mão dupla entre o autor e o
o ego envolve a objetividade da ação, mundo, tudo o que é humano ressoa
ele é a dimensão em-si da consciência. esse vai e vem. Assim, o ódio, o amor,
Mas ele não pertence somente ao seu as chamadas emoções, para Sartre,
suposto Senhor, ele é a objetividade perdem a sua condição de afecção.
da pessoa porque mundano. Elas não são coisas que contaminam o
Uma segunda consequência interior do ser humano como
muito relevante da teoria sartriana do doenças. As emoções são relações
ego, nessa elaboração primeva, é a que cada ser humano estabelece com
sua incipiente teoria das emoções. Da os outros, no mundo. As emoções se
mesma maneira que não posso dizer fazem e se desfazem ao sabor das
que tenho um ego, não posso dizer situações. Não sou covarde ou
que sou o dono de minhas emoções. corajoso, faço-me, construo minha
Se a consciência foi purificada de todo personalidade sendo aquilo que faço.
o conteúdo, se ela é um nada de Portanto, não tenho ego e não sou
conteúdo, se toda perspectiva coisista dono de minhas emoções. Assim, a
foi eliminada de sua definição, nada espontaneidade da consciência
pode haver na intencionalidade da revela-se como o modo de ser
consciência que seja a priori dado fundamental do homem. O ego lhe
como conteúdo. A consciência não dá uma certa consistência advinda
existe como um cofre, nem como um dos juízos sociais. Esse ego, contudo,
arquivo. Ela é um movimento, não é não é um caráter imutável, ele pode
coisa ou o resultado único de um ser recusado, contestado, o veremos
cérebro, embora não exista fora de um futuramente. O ego é um construto
corpo. Bergson já esclarecia que não pessoal e social.
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Tais críticas valerão também quando seres iguais a ele. Essa noção
Sartre avaliar as consequências do denomina-se ser-para-outrem. Essa
freudismo e do materialismo noção é flagrantemente negligenciada
mecanicista. Pois, nos dois casos, o pelos críticos de Sartre. O alegado
homem passa a ser fruto de forças dualismo não se sustenta diante da
internas ou externas determinantes e teoria sartriana que situa a necessária
impessoais. Como se estivéssemos no correlação entre o para-si, o em-si e o
plano da física newtoniana. O homem ser-para-outrem. Na verdade, Sartre
passa a ser agido, eliminando, assim, a considera essa última noção uma
sua espontaneidade. Tais estrutura do ser para-si, mas ela
consequências explicitadas por Sartre guarda características próprias,
rebatem as interpretações caricaturais dentre as quais, a necessária assunção
feitas por críticos ao longo das da existência fática de outrem.
últimas décadas. Retomando a noção existencial de
situação, Sartre pensa a subjetividade
O Ser e o nada humana a partir da noção de ipseidade.
A discussão acerca do Tão noção somente existe em
conceito de ego, abordado a longo da correlação com a situação concreta
história da filosofia, ganha destaque mundana. Na Segunda parte de O
na obra O Ser e o nada, tendo como Ser e o nada, Capítulo Primeiro, Seção
objetivo avançar e esclarecer alguns V, intitulada “O eu/moi e o circuito
pontos apresentados na de ipseidade”, Sartre afirma
Transcendência. Se objetivo, na obra categoricamente que “o ego não
anterior, era evitar o solipsismo, essa pertence ao domínio do para si”
intenção é aprimorada com a teoria (SARTRE, 1943, p. 142).
sartriana da pluralidade das Tal tese desencadeia várias
consciências. A elaboração de uma consequências. Primeira, o ego unifica
ontologia que distingue o ser e o as Erlebnisse, as vivências, e pertence
homem, em outras palavras, o modo ao em-si, ou seja, o ego aparece como
de ser distinto em cada um desses um existente do mundo, não como da
seres, solicita a abordagem da relação consciência. Segunda, é a consciência,
entre dois seres humanos, entre dois em sua ipseidade fundamental, que
seres que vivem ao modo do ser para- permite a aparição do ego como
si. Sartre erige uma noção para fenômeno transcendente dessa
descrever o modo de ser do para-si ipseidade.
que vive em sociedade, não só Nas palavras de Sartre,
envolto por coisas, mas também por
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Assim, desde quando ela surge, a ser visto por outra pessoa. A
consciência, pelo puro movimento alienação da consciência é o tema
nadificante da reflexão, se faz central aqui porque ela é vivida como
pessoal: porque aquilo que confere a interferência de outrem em meu ser,
um ser a existência pessoal, não é a
em minha liberdade. Ser visto e
posse de um ego - que é somente o
testemunhado como autor de ato
signo da personalidade - mas é o
fato de existir para si com a reprovável é ser atingido no âmago
presença a si (SARTRE, 1943, p. do próprio ser, é ser posto “em
143). perigo”.
Tal conclusão nos leva a
Com esse esclarecimento, fica compreender que a teoria da
evidente que a ipseidade é o alienação da consciência é a prova
movimento reflexivo que toma como existencial da presença de outrem.
objeto a presença a si. Isto é: “sem Não como um ser que eu instituo,
mundo, nada de ipseidade, nada de mas como ser que me testemunha,
pessoa; sem ipseidade, sem a pessoa, interferindo em minha liberdade,
nada de mundo”, (SARTRE, 1943, p. adentrando meu ser. A existência de
144), porque a palavra mundo outrem ganha estatuto de evidência
somente se faz com a presença do ser por ser constatada em uma situação
humano, sem ele, aquilo que passível de ser comprovada por
chamamos mundo seria a coleção de qualquer pessoa. Essa prova não
objetos em um espaço. A estrutura do exige demonstrações rebuscadas.
circuito de ipseidade é ilustrada por Constato a presença de outrem
Sartre com a descrição de uma pessoa concretamente por ser visado de fora,
que sente vergonha de outra por ter por um ser que não sou e que tem
sido flagrada praticando uma liberdade própria. Assim, completa-se
conduta reprovável. A vivência da a crítica do solipsismo. Um ser
vergonha ressalta a experiência de ser esvaziado de intimidade solipsista
visto. O exemplo dado por Sartre é o constata a própria existência ao ser
de ver pelo buraco da fechadura uma visado e manipulado por outra
cena íntima que se passa em um pessoa. Existo para outrem mesmo
quarto de hotel. Nela contra minha vontade.
compreendemos a passagem do je (eu Essa teoria da pluralidade das
irrefletido) ao moi (eu reflexivo). A consciências não tem nada de
presença alienante do para-si surge idealista, subjetivista, dualista ou
nessa experiência cotidiana de ver e metafísica. Ela está fundada na
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Prof. Dr. Simeão Donizetti Sass
Toledo, n˚1, v. 2 (2017) p. 196
Aoristo)))))
International Journal of Phenomenology, Hermeneutics and Metaphysics
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