Alguns locais e personagens são reais, entretanto a
história e os fatos descritos nesta obra são provenientes inteiramente da imaginação da autora. A Esposa do Conde Margareth Sinclair é filha de um importante lorde da Inglaterra Vitoriana, uma jovem de 20 anos que é obrigada a se casar com um conde arrogante e muito rico. O Conde Hugh Ruthenford, de Surrey, esconde muito mais do que sua aparência selvagem demonstra. Um terrível segredo que impulsiona suas ações, inclusive sua decisão de casar-se com a jovem e impetuosa filha do Lorde. O casamento é apenas o primeiro de muitos desafios que os dois enfrentarão, pois além de aprenderem a lidar com os defeitos e a sede sexual um do outro, terão de unir forças contra inimigos poderosos.
CONTEÚDO ADULTO: RECOMENDADO
PARA MAIORES DE 18 ANOS! Parte 1 O casamento “É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro, possuidor de uma grande fortuna, deve estar em busca de uma esposa”
(Jane Austen – Orgulho e Preconceito).
Inglaterra, 1858.
Um
Hugh Ruthenford era com toda certeza o homem
mais rico do salão. Vestido esmeradamente com um fraque de peito estufado e calças de sarja francesa que afunilavam em perfeito caimento, à medida que desciam pelas pernas fortes do conde, caminhava exultante recebendo os cumprimentos pela cerimônia de seu casamento. O mais impressionante, no entanto, passava longe das roupas de alfaiataria caríssimas de Londres e Paris. Provavelmente naquele salão fútil de pessoas da alta classe não haveria quem ousasse dizer que o mais chamativo naquela vistosa imagem eram os olhos. Aquele homem podia vestir-se com a roupa que quisesse, jantar nos mais refinados restaurantes e mesmo assim jamais perderia o brilho felino dos olhos verde esmeraldas. Havia um ‘quê’ de selvagem na silhueta dele e Margareth sabia bem que, em breve descobriria o que havia por trás do rosto impassível e charmoso do conde, afinal, agora era sua esposa. Margareth odiava o pai com todas as forças e odiava ainda mais o homem arrogante com quem fora obrigada a casar, horas antes, numa cerimônia cara que seria capaz de alimentar boa parte de Londres. Era inacreditável como as pessoas daquela estirpe podiam ser vazias, fúteis e alienadas ao que ocorria no resto da cidade. É claro que Margareth também o seria, não fossem as conversas com a senhora Doth, a governanta velha de aparência tímida, ancas largas e uma inteligência negligenciada. Margareth tinha sede de viver, queria conhecer o mundo, ir para América e envolver-se nas lutas dos homens sem títulos. Traçar seu próprio caminho. Mas agora tudo estava acabado, pois o pai a obrigara a casar com aquele homem. Ela talvez não o odiasse em outras circunstancias. Poderia quem sabe se interessar em desafiar seu jeito arrogante e autoritário, ou apreciar os belos olhos verdes que refletiam uma selva diante do sol. Podia querer aventurar-se no mundo dos mistérios que o envolviam. . Hugh aproximou-se da esposa apreciando a beleza delicada da jovem que desposara. Estava claro que ela o odiava, era uma garota voluntariosa com ideias de liberdade das quais jamais desfrutaria. Pelo menos não na Inglaterra de sua Majestade, a rainha Victória. O farfalhar das saias batendo na crinolina de aço roubaram atenção de Hugh novamente. Ele não tinha a menor pretensão de agradar aquela jovem iludida que fora criada longe do trabalho árduo e da dureza da vida. Mas sabia, lutara muito para estar ali e aquele casamento o consolidava como parte daquela sociedade que mais parecia um pedaço de queijo, cheia de falhas e buracos. Ele era um homem rico, forte e havia tomado para si uma das jovens mais desejadas da elite inglesa. Se esses malditos hipócritas soubessem... Pensou, aproximando-se ainda mais da esposa e apreciando sua linda visão. A jovem tinha os cabelos louros presos no alto com cachos pendendo sobre os lindos e atentos olhos azuis. A boca vermelha estava vincada numa linha tensa quando se virou para o marido, forçando um sorriso frio que o teria acertado como um tapa em qualquer outra circunstância. — Você está muito bem nesse vestido. — Hugh falou, olhando aquele imenso arranjo de panos que o lembrava de um bolo grande com decoração em pedras e flores. — Não vejo a hora de tirar essa porcaria. — Margareth resmungou, aceitando a mão e iniciando o trajeto ao meio do salão para a valsa. Hugh gargalhou. Pelo menos ela era natural, ao contrário da maioria das jovens nobres e era linda, como nenhuma outra que ele vira. — Se eu soubesse que a senhorita se sentia dessa forma teria acabado com os festejos e a levado imediatamente para o quarto. Margareth corou, compreendendo a insinuação marota nos lábios de Hugh. Ela não fazia ideia do que aconteceria na tal ‘noite de núpcias’. Ainda que estivesse beirando os vinte anos, era completamente inocente nos assuntos dos adultos e por mais que implorasse para que a mãe a ensinasse, conforme o casamento ia se aproximando, as coisas iam ficando ainda piores. Sentia- se burra diante daquele homem que deveria ser experiente e bruto. As palavras da mãe ecoavam em sua mente e ela sentiu vontade de chorar: “Deite-se, feche os olhos e deixe-o fazer o que quiser”. Aquilo era ultrajante, não ser dona nem do próprio corpo. Hugh ao perceber lágrimas raivosas aflorando no delicado rosto da esposa, compadeceu-se. Imaginava as coisas que provavelmente estariam aterrorizando-a naquele momento e ainda que seu instinto selvagem desejasse atacá-la ali mesmo e despi-la até sentir seu corpo pequeno e frágil estremecendo de prazer, ele se compadecia. Se a vida para um homem como ele, forte, já era difícil, imaginava o quanto não seria para uma menina sem experiência. Talvez seus planos pudessem esperar um pouco mais... Talvez. — Não se preocupe, não farei mal a você. — Falou, curvando o maxilar duro na direção da manga bufante do vestido de noiva. Com os olhos verdes fortes ele sorriu maliciosamente, o que provocou calafrios em Margareth. A ponta dos lábio carnudo roçou de leve a pele do ombro dela. A sensação de sentir o calor que emanava dos lábios dele a deixaram tonta. — Você está bem? — Hugh perguntou, os olhos provocantes. — Acho que este espartilho está querendo deixá-lo viúvo. — Ela falou, abrindo um sorrisinho presunçoso. Se ele queria provocá-la, podia muito bem provar um pouco do próprio veneno. Hugh olhou-a com admiração, não era a primeira vez que ela o surpreendia e aquele temperamento difícil era um verdadeiro afrodisíaco para o animal que havia dentro dele. A ansiedade começava a aflorar por baixo daquela roupa enfadonha e ele não via a hora de colocar as mãos naqueles seios firmes e naquela cintura fina. Arrancar aquele espartilho seria a melhor e mais tensa preliminar. Teria uma noite deliciosa, pensou, ajustando a mão delicadamente nas costas de Margareth e conduzindo- a para a valsa. O sangue latejava em suas veias. Hugh sentia um misto de irritação por se vender tão facilmente para o corpo de uma bela e impetuosa jovem e excitamento pela expectativa de tocar o seu corpo quente. O instinto sexual sempre fora seu maior fraco. Ainda que estivesse completamente focado em seu plano, e jamais deixasse nada que pudesse ser usado contra ele, o sexo sempre prevalecia e constantemente ele precisava desaparecer com jovens de baixa classe que o satisfaziam por algum tempo. Talvez Margareth o surpreendesse também na cama, mostrando-se uma verdadeira gata selvagem. Se isso acontecesse, pouparia um bom dinheiro não precisando pagar às jovens para sumirem de Londres depois que se cansava delas. As batidas compassadas da valsa aceleraram seu coração e ele apertou a esposa um pouco mais, colando-a vulgarmente ao seu corpo. A sensação de tê-la tão perto, de sentir seus seios sobre o espartilho apertado o deixaram ainda mais excitado e ele precisou se concentrar, insuflando o ar com força seguidas vezes para não perder os passos. Com os pensamentos em chamas ele rodopiou Margareth que parecia flutuar no mesmo ritmo inflamado e quente. Era inegável a energia que pulsava ali, e ambos pareciam um único ser, deslizando impiedosamente pelo salão como plumas sopradas ao ar. Deixando a todos atordoados com a beleza e selvageria da valsa. O salão aquiesceu, como se prendesse a respiração diante da sensualidade do mais jovem casal da nobreza, o conde e a condessa de Surrey. Dois Hugh entrelaçou os dedos longos aos de Margareth logo após sentarem-se lado a lado na carruagem. Aquilo não era comum, não era fadado a gentilezas e muito menos a gestos de fraqueza, mas naquela noite estava de bom humor... Ela erigiu o corpo desconfortavelmente quando sentiu que ele aproximava demais suas pernas às dela. Nem toda anágua do mundo seria capaz de evitar aquela aproximação provocante. Muito menos afastar a sensação de queimação que percorreu o corpo de Margareth, ao sentir os dedos fortes do conde apertando sua mão pequena. Algumas horas se passaram no decorrer do percurso, mas ele fizera questão de ir para a casa de campo ao invés de ficar na propriedade da cidade. Odiava aquele lugar e tudo que representava viver naquele casarão cheio de criados e nenhuma paz de espirito. A casa de campo, pelo contrário, parecia ajustar- se melhor a ele e ao seu espirito livre. Margareth, exausta dos últimos dias de preparativos do casamento, da cerimônia e dos festejos sentiu dor nos olhos ao tentar ficar acordada. Em algum momento do percurso foi vencida pela exaustão e dormiu, deixando a cabeleira loura cair sobre o ombro de Hugh. O cocheiro tocou depressa por cima dos cascalhos truculentos da estradinha que culminava na propriedade do conde. Os solavancos arrancaram de Hugh os mais chulos xingamentos. O ar fresco arrebatou Hugh e sossegou seus pensamentos turbulentos. O casamento havia decorrido satisfatoriamente, a jovem esposa apesar de voluntariosa era bonita e sagaz, além de extremamente recatada diante da sociedade. Exatamente o que ele precisava. O fato de o Lorde Sinclair estar à beira da ruína havia sido um verdadeiro presente para sua empreitada em busca da derrocada daqueles que lhe deviam. Precisou dar alguns empurrõezinhos, mas agora isso não tinha mais a menor importância, em breve teria influência direta sobre o principal lorde da câmara dos lordes. Um passo a mais em direção ao seu destino. Voltou para a carruagem e sacudiu Margareth. Ela despertou um pouco zonza e confusa. — Está em casa, condessa. — Ham! — Margareth resmungou, jogando um cacho rebelde para trás. Esfregou os olhos e impulsionou o corpo pesado pelas anáguas para sair da carruagem. Sempre que passava por aquele tipo de situação se imaginava sendo a rainha Victória e abolindo o uso daquela parafernália toda. Como isso não passava de um pensamento bobo, sonhava viver em algum lugar onde isso fosse possível. Agora, porém, nem a esse sonho mais tinha direito pois estava casada com aquela fera indomável que se divertia com sua situação. Margareth baixou os olhos por alguns instantes, aspirando o cheiro de terra úmida que subia deliciosamente do chão quente e poeirento. Depois de uns poucos segundos concentrada nos aromas naturais ergueu os imensos olhos azuis e arquejou. A propriedade era exuberante. Um palacete com pelo menos 300 janelas, duas torres nas extremidades e uma entrada em forma de arco por onde facilmente passaria uma comitiva. Dois lacaios magros vestidos de pajem aproximaram-se do casal, curvaram-se em respeito ao Conde e sua esposa e seguiram para a parte traseira da carruagem, retirando um baú e duas malas. Outro dirigiu- se em direção à porta da carruagem e, com uma reverência esticou a mão para apoiar a nova senhora da casa a descer. Ela desceu com esforço por causa das crinolinas e suspirou pesado ao ser arrebatada pela brisa fria e pelo cheiro de campo. Margareth aproximou-se da porta, farfalhando as saias pesadas, o braço enganchado no esposo. Uma fileira de pelo menos 20 criados postou-se ereta diante da entrada da mansão, homens de um lado, mulheres do outro. Hugh estufou o peito e a voz de trovão saiu em seguida: — Esta é a sua senhora, Lady Margareth. Os criados curvaram-se. — Esta é a senhora Garden, governanta. O que precisar dirija-se diretamente a ela, tem minha inteira confiança. Margareth acenou em concordância. A senhora Garden era uma mulher beirando os cinquenta anos, magra, alta, os cabelos esbranquiçados presos num coque perfeito bem no alto da cabeça. Os olhos, envolvidos por duras linhas de expressão exprimiam atenção, inteligência e quem sabe, porque não, afetuosidade. Margareth sempre considerara as criadas mais velhas como tristes e cansadas, mas aquela mulher não demonstrava nem uma coisa, nem outra. Pelo contrário, esbanjava vigor. Com um aceno para os lacaios, a senhora Garden dispensou os dois jovens e os demais: — Torrance leve as bagagens da Lady Margareth para o aposento de vestir dela. Os demais estão dispensados. Se a senhora quiser me acompanhar vou acomodá-la. O senhor vai precisar de alguma coisa, meu lorde? Hugh teve vontade de rir, ao perceber a formalidade como a velha Gertrude recebeu sua esposa. É claro que sempre o tratara como alguém importante, mas o conhecia há tempo suficiente para dispensar toda aquela pompa e circunstância. — Não Gert, pode acomodar minha esposa. Todos os criados, com exceção de duas jovens de aparência sonolenta, saíram, ainda fazendo reverencias desajeitadas que deram vontade de rir a Margareth. Ela conteve-se apertando os lábios e pressionando os dentes. Tinha a impressão de estar em uma peça teatral onde os personagens tinham seus lugares e papeis definidos, mas que não sabiam como encenar. Quando Lady Margareth se retirou, sendo escoltada pela senhora Garden e as duas criadas, deu um olhar de relance para Hugh, que arqueou uma sobrancelha e sorriu com apenas um dos lados do rosto, fazendo uma pequena covinha salientar-se sedutoramente. O conde seguiu para a biblioteca, serviu-se de um cálice de licor e sorveu a dose vagarosamente, apreciando a penumbra do aposento. O cheiro dos livros empoeirados sempre provocara muitos espirros em Hugh quando era menino, agora porém, provocava-lhe uma sensação agradável de poder, de imponência. Ele era, sem dúvida, um homem poderoso. Mad, a criada designada pela senhora Garden para os últimos cuidados com a patroa, penteava delicadamente os cachos louros e rebeldes de Margareth. Sem todos aqueles babados e anáguas ela era uma mulher pequena e delicada e a criada gostou de tocar os cabelos sedosos. A jovem condessa sentia seus músculos tensos e estava ansiosa. Não sabia exatamente o que aconteceria ali naquele quarto, mas sabia que o marido deveria consumar a união imediatamente e que os homens costumavam gostar do que quer que fosse a tal consumação, enquanto as mulheres deveriam apenas se submeter e definitivamente não sentir nada a respeito. Estava em dúvida se deveria fingir que gostara ou mostrar-se indiferente. Sua mãe lhe dissera para ser totalmente indiferente ao que ocorresse, mas Margareth sabia que Hugh não era bem o tipo de Conde com quem a família imaginara que ela casaria. Estava mais para uma fera selvagem só a custo domada sob uma camada de panos e uma cartola. Mas Margareth suspeitava que fosse possível gostar de um marido, sonhara por muitos anos com as histórias que lera nos romances, e almejava ser tão feliz quanto a própria Rainha Victória demonstrava, com seu consorte o príncipe Albert. Em poucos instantes descobriria e isso a estava deixando nauseada. Decidiu esperar e ver como se sentia a respeito, não tinha pretensão de dizer nada que não fosse a verdade, mesmo se isso significasse ofender o belo marido conde. Hugh subiu para os aposentos da esposa quase uma hora depois. Já era tarde e ele tinha os sentidos um pouco entorpecidos pelo licor e pelo vinho do casamento. Margareth estava sentada na cama fofa, um livro diante dos imensos olhos azuis. Os cachos dourados sob a luz de uma lamparina serpenteavam rebeldes pelo colo e costas da jovem. Hugh olhou com atenção, ela vestia um camisolão branco macio e estava um pouco ofegante, sentiu vontade de tomá-la ali mesmo, arrancar aquela coisa horrível que vestia e consumar a união no chão, sob o tapete felpudo em que pisava naquele momento. Diante da lareira que crepitava ruidosamente. Os olhos dos dois encontraram-se por uns poucos segundos, o suficiente para arrancar um suspiro de tensão de Margareth. Hugh começou a despir-se. Margareth prendeu a respiração à medida que o marido ia tirando as camadas de roupas. Quando exibiu o peitoral bronzeado e definido, Margareth estreitou os olhos e sentiu um leve formigamento entre as pernas. Um calor percorreu o corpo e ela sentiu que sua face corava. Baixou os olhos envergonhada. Hugh aproximou-se da cama completamente nu. Os olhos de Margareth focalizaram os do marido que parecia um gato arisco, pronto a dar o bote numa ratazana. Margareth engoliu em seco à medida que seus olhos foram percorrendo o seu corpo musculoso. Ele sorriu com a investigação minuciosa de Margareth. Ela levantou-se um pouco trôpega e ficou parada diante dele, os olhos baixos e confusos. Hugh tirou o camisolão de Margareth e deixou-a completamente nua, sem qualquer anágua para fazê-la sentir-se menos boba ou insegura. A condessa tinha um corpo lindo, juvenil com a cintura muito fina por causa dos espartilhos que usara por anos, o busto farto e firme, e uma cabeleira castanho clara no meio das pernas. Imediatamente Hugh sentiu sua ereção e o desejo crescer em seu corpo. Sempre gostara de ter belas mulheres aquecendo sua cama, mas aquela parecia diferente, indefesa, inexperiente e sua. Sem contar que era da elite, o que o deixava ainda mais com o gosto da vitória na boca. Hugh aproximou-se de Margareth, levantou seu queixo e beijou seus lábios. Ela não retribuiu o beijo do marido. Embora estivesse tentada a abrir a boca e render- se, as palavras da mãe ecoavam em sua mente. Ela era uma moça decente, não podia gostar do que viria a seguir, mesmo que suas partes intimas dissessem o contrário. Os dedos de Hugh tocaram o pescoço de Margareth e ela arquejou. — Está com medo? — Ele sussurrou no ouvido de Margareth. — Não. — Ela mentiu, subitamente cheia de coragem. — Pois deveria, é o que as boas damas sentem na primeira noite de casada. — Talvez eu não seja uma boa dama. — Ela ergueu os olhos desafiadora. — Você sabe o que vai acontecer? Hugh falou, deslizando os dedos vagarosamente até um dos seios de Margareth. — Não, mas minha mãe disse que eu devo fechar meus olhos e esperar que o senhor acabe. — É o que você pretende fazer? — É o que o senhor quer que eu faça? Hugh apertou o seio de Margareth que arquejou, os olhos ainda focalizados nos dele. — Não sei ainda o que quero de você. Os dedos de Hugh desceram pela cintura de Margareth, provocando arrepios inexplicáveis na garota. Ela sentia-se ao mesmo tempo aterrorizada e tomada por um desejo louco de jogar-se nos braços daquele estranho. O clima escurecido, o cheiro dele, a visão de sua pele, tudo de repente parecia propicio para ela render-se, mas assim como o Conde, ela não era qualquer uma e como um animal arisco olhou-o no exato instante que ele apertou suas nádegas com força. Margareth gritou, projetando o corpo para o lado e levando uma das mãos a um tapa que tomou o homem de susto. — Mas o que deu em você? — Hugh berrou. — Quem você pensa que é? — Foi a única coisa que veio à mente assustada de Margareth. — Você me machucou. — E você se achou no direito de me esbofetear por isso? Pois saiba que muitos maridos espancam diariamente suas esposas. E todas aceitam muito bem... Margareth não disse nada. Hugh aproximou o corpo viril da jovem que encolheu-se com medo. Naquele momento teria jogado-a na cama e feito amor enlouquecidamente. A reação impulsiva da garota o excitara. Hugh a tomou nos braços e a beijou com força. Mas agora ela estava assustada demais para perceber as intenções dele. Apavorada lutou, tentando desvencilhar-se, esperneou e gritou. Hugh beijou-a novamente e Margareth mordeu seu lábio inferior. Quando ele finalmente a jogou na cama com fúria, ela rodopiou e foi parar no outro lado do quarto, assustada, segurando um candelabro dourado cujas velas caíram no chão. — Se você se aproximar eu... eu... Hugh gargalhou histericamente. Esperava que a qualquer momento ela começasse a chorar e se rendesse à sua vontade, como aconteceria com qualquer mulher. Mas Margareth estava decidida a não dar esse gosto ao conde e se ele tentasse tocá-la com aquela brutalidade o acertaria bem no meio da testa e se ele morresse, melhor. Passar a vida como uma viúva solitária era mil vezes melhor do que ceder à brutalidade insana daquele homem. — Abaixe isso. — Hugh crispou furioso, aproximando-se. — Não se aproxime! Ele tentou se aproximar, mas ela esquivou-se mais um pouco, ainda com o artefato empunhado como se fosse uma espada ou uma marreta. — Um dia você vai implorar para que eu a toque, sua maluca. — Hugh falou abrindo a porta lateral que dava para o quarto contíguo, seu quarto. Saiu furioso batendo com raiva a porta às suas costas. Quando esta fechou com estrondo, Margareth desabou, tremendo e chorando. Três
Margareth enfiou-se debaixo dos cobertores, ainda
sentindo as mãos e as pernas tremulas. Não tinha mais forças para chorar e sentia-se além de humilhada, tremendamente assustada. Sabia que desrespeitara o marido, mas não podia deixar que ele se aproveitasse de sua situação para subjugá-la de forma tão monstruosa. Fechou os olhos e tentou dormir. Virou seguidas vezes de um lado para o outro, mas os nervos estavam tremendamente agitados e o sono não veio. Ficou acordada por um bom pedaço da noite, em silêncio. No meio da madrugada um barulho chamou sua atenção. Um gemido constante, ao longe. Um som abafado pelas paredes reforçadas da mansão. Margareth levantou um pouco confusa, a escuridão só a custo suportada pelo medo de rever o marido. Caminhou em silêncio pelo quarto, tentando averiguar de onde vinha o som estranho. Parou diante da porta de ligação com o quarto do marido e encostou a cabeça. Prendeu a respiração quando um gemido rouco passou pela madeira grossa e encontrou seus ouvidos. Uma voz feminina sobressaiu-se, mas ela não compreendeu o que dizia. Outro gemido e Margareth não conseguiu aguentar. Sem pensar, abriu a porta com brusquidão e gritou ao ver o que ocorria no quarto. Uma jovem com uma enorme cabeleira ruiva estava deitada sobre a cama, nua, a cabeça movimentando-se mecanicamente para cima e para baixo na direção do órgão íntimo do marido. E como antes, ele estava ereto e firme. Hugh estremecendo, o olhar vidrado de prazer. — Mas... mas o que está acontecendo aqui? — Margareth esbravejou, olhando para a cabeça ruiva que subia e descia freneticamente. Hugh olhou em sua direção e sorriu. A ruiva levantou os olhos do membro e Margareth teve um vislumbre do órgão ereto. Era grande, firme e estava molhado. Ela nunca vira um antes, mas imaginou que seria aquilo o ato de consumar o casamento. Ficou um pouco tonta. — Ela está fazendo o que você não quis... — Hugh riu, puxando a ruíva para cima e deitando-a de costas na cama. Margareth ameaçou sair do quarto furiosa, mas Hugh ordenou que ficasse, sentasse e abrisse bem os olhos. Ela obedeceu, atônita com a arrogância daquele maldito homem. E tremendamente assustada para contrariá-lo. Hugh passou os dedos pelo corpo da mulher ruiva, partindo dos seios pequenos onde apertou e mordiscou-os, seguindo pelo ventre liso e findando-se na cabeleira negra entre as pernas. Começou a acaricia-la com rapidez, colocando e tirando um dedo da fenda escondida entre os pelos. A mulher gemeu e Hugh beijou-lhe os lábios molhados. Margareth sentiu náuseas, mas não disse nada. Continuou com os olhos vidrados na cena do marido tomando outra mulher. À medida que ele intensificava os movimentos, ela arquejava, erguendo de leve os quadris e a pélvis. Hugh abriu as pernas da ruiva e ajeitou-se entre elas, enfiando com força seu membro ereto e fazendo-a gemer alto. Começou a estocar e a mulher cruzou as pernas em sua cintura, gemendo cada vez mais alto. Pouco depois intensificou os movimentos de vaivém e a ruiva começou a acompanhar o ritmo, indo e vindo no mesmo compasso que o Conde. Hugh estremeceu instantes depois, no exato momento em que Margareth derramava lágrimas de fúria e vergonha. Ele olhou em seus olhos quando o ato chegou ao ápice. Margareth sentiu que sua vida e seus sonhos desmoronavam ali mesmo. Um misto de ódio, tristeza e frustração a invadiu. Aquela ruiva abusada estava divertindo-se com aquilo e isso a chateou ainda mais. Depois de alguns instantes Hugh virou a mulher com brusquidão, posicionando-a com os joelhos sobre a cama. Ela curvou um pouco o ventre para baixo e afastou as pernas, deixando à mostra as nádegas e a fenda avermelhada parcialmente coberta por pelos. Hugh encaixou-se entre as nádegas dela, estocando o membro ainda ereto diversas vezes. Apertou a nádega da mulher que gemeu mais uma vez, depois passou os dedos por suas costas e cravou-os nos seios dela, puxando-a com força em sua direção e empurrando em seguida. Ela continuou a gemer e Hugh não demorou a estremecer novamente, apertando a cintura da ruíva, fazendo-a gritar de prazer. Margareth correu para o quarto, abandonando os dois em pleno ato de consumação do seu casamento. Fechou a porta e deixou o corpo lentamente pender. Sentada no piso frio, recostou a cabeça na porta, fechou os olhos e pensou em tudo o que vira. Depois de alguns minutos enfiou-se novamente na cama, sem ânimo sequer para chorar. Quando finalmente dormiu, sonhou que estava no lugar da ruiva e que gostava do que ele lhe fazia. Quando Hugh percebeu que Margareth saiu do quarto ficou frustrado. Queria não apenas humilhá-la mas também fazê-la sentir o desejo que ele estava sentindo. Casara-se com uma jovem sem a menor noção do mundo, mas com coragem o bastante para enfrentá-lo com um candelabro, ameaçando-o como se fosse mesmo capaz de acertá-lo antes dele arrancar o objeto de seus dedos e derrubá-la. Podia tê-la tomado à força e antes de a ruiva ir ao seu quarto, estava mesmo pensando nisso. Ficou excitado apenas por lembrar-se dos cabelos cacheados caindo rebeldes sobre os seios firmes. Quando Aila, a criada ruiva que volta e meia o visitava, bateu à porta, Hugh chegou a pensar que a esposa mudara de ideia e nesse caso faria um discurso bobo sobre as posições de cada um no casamento e depois a tomaria com vontade, faria com ela tudo pelo que vinha imaginando desde que propusera o enlace a seu pai . Dormiria com ela aninhada ao seu peito e pela manhã a faria descobrir o prazer que ele poderia proporcionar, deixando-a completamente à mercê de seus desejos sexuais. Ver Aila, segurando a vela e vestida apenas com um camisão de linho grosseiro, as pernas torneadas de fora e sem nenhuma roupa de baixo, coisa que as mulheres pobres pouco usavam, a princípio o deixara ressentido, depois a cena acabara por convencê-lo a quebrar os votos. Estava furioso e excitado. Descarregar sua ira num sexo selvagem com Aila era apenas um pequeno castigo para Margareth, a lady mimada que desposara e que o rejeitara, como se fosse superior demais para ele. Se soubesse de seu passado, provavelmente teria certeza. Quando Margareth irrompera pela porta de ligação dos quartos, ele sentira uma pontada de culpa tomar seu corpo e chegara a pensar em pedir perdão, por humilhar aquela com quem deveria passar o resto da vida, levando uma criada imunda para sua cama, cama que deveria estar desfrutando com a esposa. Os olhos aterrorizados da moça o deixaram ainda mais confuso. Fora, no entanto, a voz inquisitória dela que despertara novamente a raiva de Hugh. Ele a obrigara a assistir ao coito grosseiro que tivera com a criada. Olhando diretamente para seus olhos quando chegava ao ápice do prazer. A ruiva sorriu afetuosamente para ele, aninhando-se em seu peito como um gatinho prestes a ronronar. Hugh afastou a cabeleira ruiva e a empurrou para longe de seu corpo suado. — O que foi meu conde? — Ela voltou a aproximar-se, enrolando-se no lençol macio. — Você já pode ir. — Mas eu quero ficar. — Passou a mão no peito do conde, descendo com a ponta dos dedos vagarosamente até à virilha e massageando-o com delicadeza. — Eu disse que você já pode ir. — Hugh falou, tirando a mão de Aila de sua virilha e empurrando-a para fora da cama. — É por causa dela? É por isso que não posso ficar aqui com você? — Veja como fala comigo, nesta casa você é apenas uma criada. Aila pulou novamente para cama, acariciando os próprios seios. — Ela não pode fazer isso, nem mesmo saberia o que fazer para agradá-lo, Vossa Graça. É só uma garota mimada que nem mesmo quer o senhor. Hugh pegou Aila pelos braços e chacoalhou-a com fúria. Só o que lhe faltava era que aquela maldita criada se achasse no direito de dizer qualquer coisa a respeito de sua esposa. — Meça suas palavras para falar da Condessa. Ela é a sua senhora e você está aqui agora só porque ela não quis estar. Você entendeu? Os olhos da ruiva estreitaram-se com raiva. Hugh jogou-a para fora da cama. Aila caiu sentada no chão frio e resmungou ao apanhar seu camisolão. — Vossa Graça... — Aila falou, fazendo uma reverencia forçada. Saiu batendo a porta do quarto e jurando que alguém iria pagar por aquilo. Hugh deitou-se de costas, olhando para o teto enegrecido pela penumbra mantida pela pouca iluminação das velas. Quando dormiu, sonhou que fazia amor sob a luz da lua com Margareth e ela chamava seu nome, implorando para que ele a penetrasse. Quatro
Margareth acordou sentindo a cabeça latejar e o
estomago roncar. Tivera uma noite péssima e sentia cada parte de seu corpo dolorida e tensa. Com o travesseiro pesado de plumas abafou o rosto, forçando seus olhos a não chorarem. Depois de mais algum tempo cansou-se da cama e resolveu que era o momento de enfrentar a situação e o maldito tirano louco com quem casara. Saiu do quarto vestindo apenas um chambre de seda fina sobre a camisolona. Estava em bodas e isso dava-lhe o direito a certas liberdades, como andar sem as anáguas ou a crinolina, pelo menos por alguns momentos. Aproveitaria cada segundo da liberdade de não ter de usar aquelas roupas apertadas e pesadas. Desceu a imensa escadaria a passos lentos, aspirando o cheiro de madeira que invadia suas narinas. O odor de óleo sobre o corrimão era árido e pinicou seu nariz. Margareth encaminhou-se para a cozinha principal, onde ouviu a movimentação frenética de criados. Entrou no recinto e surpreendeu-se com o seu tamanho. Sem qualquer sombra de dúvidas caberiam ali pelo menos dez famílias, perfeitamente acomodadas e em mesas grandes. Hugh estava parado com uma faca pequena na mão, descascando uma maçã e falando coisas aleatórias com a Sra. Garden. A governanta levantou os olhos na direção de Margareth e Hugh silenciou-se, virando devagar na mesma direção. Estava sem camisa e os músculos dourados refletiam com o feixe de luz que irrompia pela fresta da cortina da imensa janela. Margareth prendeu a respiração ao ver o corpo forte do Conde, depois olhou para a governanta e sorriu-lhe afetuosamente. — Bom dia Senhora Garden. — Bom dia, vossa graça. — A governanta retribuiu o sorriso com honestidade. — Vou providenciar para que as criadas subam e ajudem-na a vestir-se. — Fico muito grata, mas antes gostaria de tomar meu café da manhã. — Quer que leve ao seu quarto? — De forma alguma, vou comer aqui mesmo. Hugh arqueou uma sobrancelha. Imaginava que ela fosse passar o dia inteiro trancada. Quando finalmente saísse do aposento, iria implorar para ser mandada de volta para o pai, o lorde falido que ficara satisfeito de praticamente vender a jovem e linda filha insolente. Mais uma vez, Margareth surpreendia Hugh, não apenas saíra do quarto cedo, como também resolvera tomar o café na cozinha, em meio aos criados e sem a menor compostura com as roupas. Aquela mulher parecia uma égua xucra, capaz de pastar mansa ou dar coices ao ser tocada. Alguém teria de domá-la. — Dormiu bem, minha querida? — Hugh perguntou provocante, enquanto Margareth ajeitava-se na mesa e as criadas preparavam sua refeição. — Não posso imaginar que um dia tenha dormido melhor, meu esposo. — Ela falou, o sorriso beirando a ironia. Hugh ficou surpreso. — Tudo estava satisfatório nos seus aposentos? — Ah! Sim, a senhora Garden foi muito competente. Acho apenas que vou precisar de um pequeno biombo. Talvez um desses artigos franceses com entalhes de flores. — Um biombo? — Sim, ao lado da cama. — E para que você precisaria de um biombo? Você tem seu quarto de vestir. — Eu sei, eu sei. Não passo de uma garota mimada, mas sempre sonhei em ter um biombo, como nos livros que leio — Ela falou, soltando uma gargalhada em seguida. Todas as criadas olharam-na surpresas. Imaginaram uma senhora muito mais arrogante, mas aquela jovem tinha um riso fácil, comia animadamente diante das criadas e falava bobagens provocando o recém esposado Conde. — Você não precisa de um biombo. — Ora, mas é claro que não preciso. Não preciso de nada. — Ela lançou lhe um olhar inocente. — Estava apenas brincando. O quarto é maravilhoso, a senhora Garden providenciou até para que minhas caixinhas de joias fossem dispostas sobre a penteadeira. Tudo bonito e arrumado. Hugh sentiu-se ainda mais confuso, sem saber se ela falava sério ou se mais uma vez fazia chacota de sua falta de trato com mulheres. — Aquele quarto é maior do que a casa de muitos trabalhadores, o senhor sabia? — Margareth ficou séria. — Imagino que sim. — Sim, também imagino e acho que uma pessoa nem mesmo precisaria de tanto luxo por uma vida inteira. As criadas arquejaram horrorizadas. Aquela jovem ousada falava com autoridade sobre coisas que provavelmente nunca entenderia. — De qualquer forma eu não poderia ser tratada melhor. — Margareth falou muito séria. Tomou o chá e comeu um pedaço de bolo, soltando pequenos suspiros deliciados, seguidos de gemidos quase imperceptíveis. Tudo estava delicioso, mas ela não tinha realmente fome. Muito pelo contrário, seu estômago estava embrulhado e ela forçara a comida pela goela abaixo, apenas para provar ao conde que era confiante e dona de si mesma. Se aquele maldito achava que poderia humilhá-la, ele que se sentasse diante de uma lareira e ficasse esperando, pois ela nunca mais permitiria isso. — Bom, vou me vestir, gostaria de dar um passeio pela propriedade ainda pela manhã. Hugh não disse nada, estava envolvido num misto de confusão, choque e fascínio. Margareth soltou um longo suspiro pensativo, virou-se para a governanta e soltou: — Ah! Senhora Garden, peça que... Como é mesmo o nome da criada ruiva que conheci ontem, meu lorde? — tocou de leve o braço forte do conde, abrindo-lhe um sorriso falso. — Aila. — Hugh respondeu com mau humor, sentindo as bochechas esquentarem de raiva. — Esta mesma. Senhora Garden, peça que Aila vá imediatamente ao meu quarto, quero que ela me ajude com o espartilho e pode pedir que Mad também vá. É Mad, não é? Quero dizer, o nome daquela criada simpática que me penteou os cabelos ontem... — É Mad, vossa graça. — A senhora Garden falou, sorrindo com delicadeza para a condessa. — Pois bem, peça a Mad e a Aila que subam para ajudar a vestir-me, o quanto antes. — Como desejar, vossa graça. — A governanta curvou-se com respeito. — Esposo. — Margareth falou, o dedo tocando de leve o braço forte do Conde. Ele apenas acenou com a cabeça. Margareth saiu da cozinha e subiu as escadas sentindo o coração palpitar forte, como se quisesse sair pela boca. A respiração ofegante e a sensação de vitória se misturavam. Um jovem criado tirava o pó dos vãos da escada. Ao perceber a aproximação da condessa erigiu o corpo e virou-se para frente, baixando a cabeça em sinal de respeito. O tipo de coisa que deixava Margareth ainda mais furiosa: formalidades da realeza. As coisas naquela casa aconteciam de forma diferente. Apesar de ser filha de um lorde muito rico, mas sem nenhum título de nobreza, acostumara-se ao meio dos nobres, cujos chás da tarde e as conversas tediosas a deixavam profundamente chateada. Nunca dissera nada a ninguém, nem mesmo à prima Sophie, com quem brincara na infância e discutira amenidades na adolescência. Entrou no quarto e jogou-se na cama, respirando profundamente várias vezes. Aila chegou ao quarto da lady poucos instantes depois, curvou-se e rangeu os dentes quando Margareth começou a despir-se. Mad bateu na porta em seguida, fez uma reverência graciosa e postou-se a auxiliar a Condessa imediatamente. Quando chegou o momento de apertar o espartilho, Margareth fez um gesto para Mad afastar-se e para que Aila se aproximasse. — Já viu um destes antes, Aila? — A voz de Margareth saia desdenhosa. — Não muitos, vossa Graça. — Imaginei, este tipo de veste é para moças de boa família. Custam muito caro. — Falou num tom frio, sem olhar para a reles criada. Aila não disse nada, passando as fitas decorativas e fazendo pequenos laços. — Então, o que você acha? Estou parecendo uma moça de boa família? — Margareth continuou sem se dirigir especifícamente para nenhuma das criadas e apreciando-se no espelho. Mad aproximou-se sorridente: — A senhora está linda, lady. — Penteie meus cabelos Mad. — Margareth falou, caminhando até à penteadeira. — Pois não, vossa Graça. — Mad falou, pegando a escova de cabelo animadamente. — Mas penteie direito, pois devo estar muito bonita para meu esposo. Vamos passear pela propriedade, quero conhecer aquilo que pertencerá ao meu filho, um dia. — os olhos de Margareth cravaram-se em Aila que rangia os dentes com raiva. — O que você está fazendo aí parada? Leve meus sapatos para limpar, pois pegaram muita poeira na viagem e aproveite para levar minhas roupas de baixo, certifique- se pessoalmente de deixá-las alvas. Aila passou a recolher mecanicamente, rangendo os dentes a cada nova peça de roupa ou botinha que inseria na pilha. Antes de sair fez uma reverencia desajeitada. Depois virou-se para a porta e deu o primeiro passo. — Aila, espere. — Margareth crispou num tom autoritário. A criada voltou para o aposento de vestir, as mãos cheias de roupas intimas, anáguas e dois pares de botinhas. — Sua reverência. Faça-a novamente. — O quê? — Você não pode ficar andando pela minha casa sem ao menos saber como se curvar diante da sua senhora. Repita-a, agora! Aila cravou os dentes no lábio inferior e curvou-se. — De novo! — Margareth ordenou saboreando a pouca humilhação que podia causar naquela criatura vulgar que ousara deitar na cama do conde. — Faça isso direito criatura, você serve a um conde, não a um lorde qualquer! Aila curvou-se novamente, desta vez forçou o corpo a fazer a reverência corretamente. Aquela lady mimada pagaria caro pelo que a estava fazendo sentir. — Saia! — Margareth ordenou, virando-se para Mad e dando-lhe um sorriso maroto. Mad ficou em silêncio, seguindo a condessa de volta para o quarto de vestir. A lição em Aila era merecida, mas também dolorosa. Trabalhou a meia hora seguinte em silencio, garantindo que sua senhora estivesse impecável para o passeio pela propriedade. Aila não tornou a ser vista pelo resto do dia. Cinco Havia centenas de criados pela propriedade, considerada a menor nos domínios do Conde. Há cerca de dois ou três anos Hugh caíra nas graças do Príncipe. Margareth não tinha absoluta certeza do motivo pelo qual isso ocorrera, ouvira boatos sobre ele ter evitado um acidente de caça, nada mais profundo ou realmente justificativo, mas pelo jeito fora o suficiente para aproximar o conde da família real e a ele ser cedido o título de nobreza real. Aquilo era raro, mas não impossível. Não podia negar que apesar do jeito selvagem, ele tinha carisma e era sempre muito elegante, exceto quando tentava dominá-la Hugh tinha verdadeira aversão à câmara dos lordes, embora tivesse assumido sua posição liberal quando o pai morrera. Mal ele tinha um segredo. Ainda que ninguém jamais tivesse sonhado, sentia-se muitas vezes consternado e ávido por livrar-se de tudo aquilo. Sua missão o impelia a continuar, era um conde e ponto final. Todos esperavam que desposasse a filha de algum Conde ou outro nobre tão rico quanto ele ou ainda mais, e cuja filha tivesse um opulento dote. Esperavam que tentasse uma esposa de linhagem superior, a filha de um duque talvez. Mas não. Hugh surpreendera a todos ao fazer formalmente o pedido de casamento para uma família influente, mas sem nenhum título de nobreza e muito possivelmente em sérios problemas financeiros. A princípio chocara a muitos, mas como a jovem Margareth detinha beleza extraordinária e modos indiscutíveis, e como o jovem Conde de trinta anos não estava muito interessado na opinião de conselheiros, tudo acabou ficando por isso mesmo. No dia da cerimônia não foram poupados gastos. O conde exibiu sua bela e jovem esposa durante uma valsa que deixara a todos extasiados. Ninguém duvidava de que estivesse perdidamente apaixonado por ela. Portanto, agora, Margareth era a Condessa de uma região muito prospera que fora liderada pelas mãos de ferro do pai de Hugh. O que ela jamais imaginaria é que o belo e selvagem conde tinha um segredo. Se soubesse, talvez tivesse gostado um pouco mais do marido. O conde estava sentado diante da enorme mesa da biblioteca. O ambiente era abafado e ele o enchia de fumaça com seu charuto de odor árido. Aila entrou e fez uma reverência, depois deu dois passos na sua direção, baixando a cabeça de forma respeitosa. — Meu amo... — O que a Condessa queria de você? — Hugh perguntou sem alterar o semblante ríspido. Aila não respondeu de imediato, pois não sabia que palavras usar para descrever a humilhação a que fora exposta. Uma coisa era ceder aos caprichos sexuais do Senhor da casa, outra era o convívio diário. Por algum tempo até almejara ser desposada pelo Conde, por uma paixão avassaladora ser transformada na condessa de Surrey, uma das regiões mais prósperas de toda a Inglaterra. Mas quando a Condessa chegou, uma moça elegante, de modos impecáveis e aparência exuberante, compreendeu que jamais haveria lugar para uma criada como ela na vida dele. — Estou esperando... — Queria ajuda com o espartilho. — E o que mais? — Saber se eu já tocara num antes e deixar claro que somente moças de boa família podem ter um, pois custa muito caro. — Ela falou, rangendo os dentes de raiva, os olhos ainda virados para o chão. — Ah! Sim, isso é um fato. O que mais? — Queria que a ajudasse a ficar bonita para um passeio com o senhor, para conhecer a propriedade que um dia será do vosso filho. Hugh alteou as sobrancelhas. Nunca pensara em filhos, tudo o que via pela frente era a sede de vingança que corria em suas veias como o sangue herdado dos pais. Filhos. Seria ele um bom pai? Pensou por mais alguns instantes e compreendeu. Nunca se tratara de um filho e sim de Aila. Margareth queria colocá-la em seu lugar, mostrar quem deveria esquentar a cama dele. Sorriu em pensamento. Margareth era uma jovem temperamental, já percebera, mas pelo visto era astuta e rancorosa e aproveitara a oportunidade para humilhar a criada, quando na verdade o maior culpado de tudo era ele mesmo que muitas vezes chamara a criada para esquentar sua cama e satisfazer suas necessidades sexuais. Ele não esperava por isso, tinha certeza de que em algum momento aquela jovem voluntariosa acabaria cedendo e mostrando- se como qualquer outra esposa normal, submissa. Isso seria um desafio, mas estava disposto a tentar. Começava ali um cabo de guerra entre o conde e a condessa. Depois de passear ao lado da esposa em silêncio sepulcral, o conde a deixou em sua sala privada e foi para a biblioteca, sentou-se diante da escrivaninha, uma imensa mesa forrada de couro, ao estilo gótico. Acendeu seu charuto e ficou pensativo. Nitidamente a esposa tinha repulsa dele e isso parecia ter o efeito contrário ao esperado, acendendo ainda mais a chama de atração e desejo dentro dele. Pensava em muitas maneiras de tocá- la, imaginava-a gemendo sob seu toque e extasiando com o clímax. Pensava nas noites ardentes e nas coisas a que gostaria de submetê-la. Mas ela não era uma criada e, tê- lo na sua cama poderia levar muito tempo e muitas discussões. Hugh precisava pensar sobre isso. Um criado magro vestido alinhadamente bateu levemente à porta, quando o conde resmungou uma permissão, entrou, curvou-se em deferência e baixou os olhos. — O que foi? — Lady Margareth pediu para avisá-lo que o chá será servido em alguns instantes. — Está certo. — Vossa Graça... — O lacaio saiu, fazendo uma reverência. Hugh continuou sentado, tragando o charuto lentamente e pensando no que poderia fazer para ter aquela mulher em sua cama. Poderia agradá-la com presentes, jóias, ou simplesmente dar-lhe uma bela surra e possuí-la à força. De qualquer forma nenhuma das opções o agradava muito. Pensou um pouco mais e então teve uma ideia. Hugh saiu da biblioteca com a mente fervilhando. Sabia exatamente como provocar aquela garota insolente e faria isso com muita satisfação. Margareth estava na cozinha principal falando animadamente com a senhora Garden sobre coisas que queria mudar na casa, como os muitos vidros embaçados que gostaria de manter sempre limpos. Hugh entrou como um furacão. Os criados reverenciaram-no com deferência, mas Margareth manteve-se impassível. — O que está fazendo? — Passando algumas ordens à senhora Garden. — Ela disse, o olhar ainda na direção anterior. — Senhora Garden, mande servir o chá imediatamente. — Sim, vossa Graça. — Está se divertindo pelo jeito... — Hugh falou ironicamente. — Provavelmente não tanto quanto você! — Margareth retrucou, passando por ele com um farfalhar agitado de saias. — Não vire as costas pra mim quando falo com você! Seis O plano de seduzir e conquistar a jovem condessa com pequenas insinuações e provocações sexuais havia sido derrubado por sua maldita boca grande. Por que simplesmente não a elogiara? Por que deveria implicar com a mulher quando cuidava dos afazeres domésticos? Era mesmo um grande cabeça dura. Mas a culpa era dela também, sempre com a língua ferina e respostas de tirar qualquer um do sério. — Quem você pensa que é para falar comigo desta forma? — Margareth gritou, virando-se na direção do conde. O corredor estreito de repente ficava pequeno demais para os dois. — Eu sou seu marido! — Hugh rebateu, os olhos verdes claros fitando-a com fúria. — Exatamente, caro conde. — Margareth aproximou-se dele vagarosamente, como uma fera prestes a dar o bote. Seus olhos fitavam-no com uma expressão determinada. — Eu sou sua esposa, não sua criada. Não me falte com o respeito que o mesmo não acontecerá com o senhor. Ela falou, o dedo em riste e com um tom frio de arrepiar. Depois virou-se com as saias farfalhantes. Hugh saiu em seu encalço. — Você é uma mulher muito atrevida. Alguém precisa colocá-la no seu devido lugar! — Hugh esbravejou, puxando-a pelo braço e obrigando a encará- lo. — E por acaso essa pessoa seria o senhor? — Com toda certeza! — O conde crispou, levantando a mão e preparando-se para esbofeteá-la. — Pois pense melhor! — Margareth aproximou-se dele, levantando o queixo, os olhos faiscantes e furiosos. Hugh congelou com o enfrentamento, não estava acostumado a ser questionado, ainda mais por uma mulher, sua mulher. — O quê? — inquiriu, atônito. Agora Margareth estava muito próxima a ele e isso o deixou com o coração acelerado. Estavam separados apenas pelo imenso volume da parte inferior do vestido da condessa, cuja crinolina de aço que era coberta por algumas anáguas e o vestido florido com babados e desenhos de flores nas mangas, o impediam de chegar mais perto. — Só tenho uma coisa a lhe dizer, meu caro conde. Nosso casamento ainda não foi consumado e aposto que o senhor odiaria que um escândalo chegasse aos ouvidos da Rainha Victória. Eu soube que ela preza muito pela moral. Aposto que ficaria horrorizada com a minha descrição a respeito da nossa noite de núpcias. Hugh arquejou. Aquela mulherzinha desgraçada o estava deixando maluco. — Quem você pensa que é? — Eu sou a esposa de um conde que prefere deitar- se com criadas à esposa! — Sua... — Você achou mesmo que o deixaria me tratar como se fosse uma dessas criadas sujas com quem se diverte? — Eu sou seu maldito marido, posso fazer o que quiser com você. — Quando o senhor resolver tratar-me como mereço, a porta do meu quarto estará aberta. A não ser que não queira um herdeiro... — Quando quiser um, terei, com ou sem seu consentimento. — Tem certeza disso? — Os olhos dela o fuzilavam. — Você é uma megera! — E você um tirano! Hugh segurou Margareth pelos braços e chacoalhou- a com força. Ela forçou-se a não gritar, nunca mais lhe daria o gostinho dele a ver assustada e humilhada. — O que você quer de mim afinal? — Hugh berrava, ainda chacoalhando os braços magros de Margareth. A jovem tirou as mãos do marido de seus braços e esfregou-os com delicadeza. Depois arrumou os cabelos, olhando-se num imenso espelho adornado por pequenos cristais, na parede ao lado. Caminhando calmamente, saiu do corredor e entrou na sala de jantar pouco iluminada. Respirou fundo seguidas vezes para impedir que um grito de terror escapasse de seu peito. Cerrou os punhos e cravou as unhas nas palmas fechadas. Se começasse a tremer, provavelmente perderia o controle e sairia aos berros, desesperada. Hugh seguiu-a. Mal percebendo a presença silenciosa dele, ela soltou: — O que eu quero não importa. E sim o que eu não quero. — E o que você não quer? — Hugh falou, puxando a cadeira para que a esposa sentasse diante da imensa mesa escura, de repente recuperado do debate acirrado. Margareth tinha vontade de gritar na cara dele: Não quero que aja como uma fera bruta e selvagem. Mas não o fez. Com toda a serenidade de que descobriu dispor, olhou diretamente para as esferas verdes e furiosas, sorrindo. — Não quero ver mais aquela criada imunda deitada na sua cama, seja nesta casa, ou em qualquer outro lugar. Na verdade, não é correto que você se deite com qualquer mulher além de mim. — Como você ousa falar esse tipo de coisa? Você é uma dama, ou deveria ser pelo menos. — O conde crispou aturdito. — Você não estava preocupado com isso ontem à noite. Hugh engoliu em seco. — Você me mandou embora ou esqueceu-se disso? — Ele esbravejou para o olhar irônico da condessa. Margareth bufou, estalou a língua e continuou: — Não quero mais seus ataques. Comporte-se como o Conde que você é, com um título de alteza real. Isso deve valer alguma coisa pra você. Hugh bateu com os punhos fechados sobre a mesa e Margareth pulou assustada. Os dois se mantiveram em silêncio por alguns instantes. — Esta é a minha casa, tudo aqui pertence a mim, inclusive você. — Se o senhor não estiver satisfeito pode me devolver ao meu pai, o fato de não termos consumado o casamento poderia resolver o assunto. — E provocar um escândalo? Margareth deu de ombros. — Você não tem medo do que poderia acontecer com você? — Hugh perguntou, mais curioso do que outra coisa. — Eu sei exatamente o que aconteceria comigo. Ele esperou pelo que viria a seguir. — Meu pai passaria horas me dizendo que eu fora capaz de estragar sua vida e desgraçá-lo para toda a sociedade por gerações, depois me enviaria para um convento ou, se fosse possível, me forçaria a casar com alguém de linhagem inferior à sua e o assunto ficaria encerrado. Talvez me aplicasse um castigo, mas não estou certa disso. — E você estaria disposta a viver sem tudo isso, apenas para me contrariar? — Hugh falou, olhando ao redor. Margareth sorriu ironicamente. — E o que o faz pensar que me importo com o que tem? — Se não se importa, porque aceitou meu pedido de casamento? — Porque fui obrigada. — Você é mesmo uma megera. — O senhor já disse isso. — Pois saiba que não vou devolvê-la e também não vou ao seu quarto, não até que me implore. Me deitarei com quantas criadas quiser. Se você não se comportar como deve, vou dar-lhe o tipo de castigo que merece. — Hugh recuperara o controle e falava friamente. — E que se exploda o que a rainha acha ou deixa de achar. Margareth cerrou os punhos, a fúria só a custo mantida sob um semblante frio e indiferente. Aquele maldito conde era mesmo uma fera. Mas ele teria o que merece. Sete
— O que você estava dizendo? — Margareth
perguntou, os olhos ainda voltados para o vidro embaçado da janela na sala de café. — Que daremos uma festa em uma ou duas semanas. Provavelmente depois voltaremos para a cidade. — Ah! — Ela falou, insuflando o ar com força. — O que foi? Não quer dar uma festa, também? — Hugh resmungou, bebericando o café. — Não é isso. Só não gostaria de voltar a cidade tão cedo. — Porque? — Hugh se viu perguntando, completamente surpreso. Há menos de uma hora os dois haviam discutido de tal forma que faltara apenas se engalfinhar, rolando pelo chão aos socos e pontapés. Agora, ela estava sentada olhando a vista da imensa propriedade pela janela. Ele bebericava um café forte e amargo, os pensamentos ainda tumultuados por causa da briga com a esposa. E agora, ela simplesmente não queria ir para a cidade? Será que ela queria enlouquece-lo? — Gosto daqui. — Ela disse com sinceridade. — Eu também. Os dois olharam-se por uma fração de segundo, depois, ela voltou os olhos azuis para um livro de Dickens e ele continuou com o café. — Você saberá como organizar tudo? — Saberei. A senhora Garden me ajudará. — Ótimo. Hugh levantou-se para sair. — O que devo dizer se perguntarem sobre nós? — Diga o que quiser. — Ele respondeu e saiu. Os dois não voltaram a ver-se pelo resto da noite. Margareth ceou no quarto e Hugh não dera as caras. Nenhum dos dois ousara tentar abrir a porta de conexão dos quartos. Depois de um dia exaustivo, ela não demorou a pegar no sono. No meio da madrugada, Margareth despertou. A cabeça latejando e o corpo queimando. Estaria ela com febre? Levantou devagar e seguiu até a bacia, despejou um pouco de água com a jarra de louça fina que Mad abasteceu logo cedo e molhou o rosto, a nunca e os punhos. Foi até a janela e abriu a cortina. A noite escura estava banhada apenas pela beleza da lua, cheia e pomposa. Com dificuldade Margareth abriu a janela e deixou o vento forte fustiga lhe as faces rosadas e quentes. Aspirou profundamente o ar da noite e sentiu o aroma das damas da noite. Fechou as janelas e voltou para a cama. Antes de deitar porém, escutou. Com os sentidos em alerta ela ficou imóvel diante da cama. Não moveu um músculo sequer, tentando discernir melhor aquele barulhinho ao longe. Não é possível. Margareth pensou, sentindo a fúria esquentar seu sangue e tremer suas mãos pequenas. Aquele maldito conde estava fazendo de novo. Pé ante pé ela caminhou na direção da porta de ligação dos quartos. Encostou a cabeça com cuidado para não fazer barulho e ficou ouvindo. Os gemidos do outro lado da porta e o barulho da cama rangendo provocavam-lhe um nó na garganta e uma ânsia brutal. Tinha vontade de entrar lá, esbofetear aquela maldita criada abusada e fazer coisa pior com aquele demônio com quem se casara. Mas se ele pensava que ela ia ceder aos seus joguinhos, ele estava muito enganado. Mesmo que sua vontade fosse irromper pela porta e fazer um escândalo para toda a Inglaterra escutar, ela não faria. Aguentaria firma e daria o troco. Tanto Aila, quando Hugh, pagariam caro pelo que estavam-na fazendo passar. Margareth continuou com a cabeça colada à porta, respirando lentamente e mantendo os nervos sob rédeas muito curtas. Do outro lado da porta, Hugh estava começando a ficar impaciente. Sabia que Margareth estava acordada, ouvira quando ela derramara água na bacia e abrira a janela. Aquele havia sido o momento pelo qual tanto esperara. Ela finalmente estaria desperta o suficiente para ouvi-lo. Assim que ela fechou as janelas Hugh fez um meneio de cabeça para Aila que em cima da cama começou a gemer. Ele caminhou até a porta de ligação dos quartos e colocou a cabeça rente à porta, tentando perceber se ela se movimentava. Aila estava com a cara fechada, preferia gemer quando o conde a estivesse cavalgando, mas se ele mandava ela obedecia, portanto, pulando e gemendo na cama, ela fingia estar nas nuvens sob caricias enlouquecedoras do conde. Hugh foi até a criada que estava com sua blusa semiaberta e sua saia de lá suja sobre seus lençóis. Sentiu repulsa ao vê-la daquela forma, mas não disse nada. — Você não está fazendo barulho suficiente. — Desculpe amo. — Aila apressou-se em dizer. — Trate de se animar mais. — Talvez se o senhor viesse aqui me ajudar, eu conseguisse me sair melhor. — Pare de falar besteiras e faça o que mandei. — Sim, amo. Aila recomeçou a gemer, fazendo a cama ranger ritmicamente. Hugh bufava, andando de um lado para o outro. Passara a chave na porta, sabia que Margareth irromperia por aquela porta enlouquecida e ficaria ainda mais furiosa quando descobrisse que estava trancada. Ele demoraria para abrir, depois acabaria mostrando quem realmente era o amo da casa. Mas ela não veio, nem colando o ouvido com toda força na porta, Hugh conseguiu ouvir qualquer movimentação. Aquela maldita mulher, ou estava dormindo como uma égua velha e cansada e pouco se importava com o mundo a sua volta, ou estava acordada, ouvindo tudo e pouco se importando com ele. Ele descobriria e ela pagaria caro por isso. — Pare com isso! — O conde disparou furioso para Aila que se encolheu. — Porque o senhor não vem aqui e deixa que eu cuido do senhor? — A criada falou, com seu sotaque cadenciado das classes inferiores. Aila começou a tirar a parte de cima de seu uniforme, mas Hugh não estava com ânimo para aquela criatura. — Vista-se. Dê-se o respeito, pelo amor de Deus mulher. Vista-se. — Mas amo... — E pare de me chamar assim. Saia daqui! Aila sentou com os pés para fora da cama. Um misto de raiva e frustração em seu rosto. — Mas... O senhor é mesmo um homem cruel. Ela falou, depois recolheu suas botinas surradas e saiu. Nesse momento, Hugh sentiu-se culpado. Não apenas por usar uma jovem criada que só fazia o que ele mandava e de bom grado, como também provocava e humilhava a esposa, uma jovem sem nenhuma experiência que se assustara com sua brutalidade e por isso reagira de forma tão escandalosa. Se ao menos ele tivesse pensado a respeito, se tivesse compreendido melhor a situação, agora, nada disso estaria acontecendo. Hugh afastou os pensamentos culpados da mente, depois bateu os lençóis com força e despiu-se, mergulhando o corpo nu sob uma grossa cobertura de lá. Rolou na cama pelo resto da noite, sem pregar o olho por um segundo sequer. Pouco antes de levantar, resolveu descarregar as energias contidas nos últimos dias. Fechou os olhos e começou a massagear seu membro. De início não pensara em nada e por isso nada acontecera. Ficara irrequieto e indignado. Começou a pensar em Aila, seu corpo nu sendo dominado e gemendo sob seu toque, mas o membro entre seus dedos pouco deu sinal de erigir-se. Hugh sentou na cama, frustrado. Ele estava ficando louco, nem masturbar- se mais conseguia. E de quem era a culpa? Margareth. Pouco a pouco a imagem da loura rebelde surgira diante de sua visão. Primeiro com o vestido pesado, andando de um lado para o outro, farfalhando as anáguas e balançando os braços graciosamente. Contrafeito, Hugh constatou que o membro começava a ficar ereto. Poderia parar ali, dizendo a si mesmo que não sentia nada pela jovem condessa, que pouco se importava com seu corpo jovem e quente, mas não estava com vontade de mentir, nem mesmo para sua própria consciência. Aos poucos a lembrança da noite do casamento se fez viva em sua mente. Margareth nua, os seios fartos e firmes, o arrepio que percorreu seu corpo quando ele a tocou. Logo, antes que a memória estragasse o momento, Hugh começou a fantasiar, imaginando o que poderia ter feito com Margareth na noite de núpcias. Teria passado seus dedos longos pelo corpo dela tranquilamente, várias vezes. Depois deixaria os dedos passearem por sua nuca e envolveria a cabeleira loura desde a raiz, enganchando-os como uma garra de urso, os cabelos louros ficariam presos entre seus dedos, sedosos. Puxaria sua cabeça para junto de seu rosto e beijaria seus lábios carnudos até que ela ficasse sem ar. Quando estivesse ofegante, a deitaria na cama e abriria suas pernas. Apreciaria seu corpo nu por algum tempo e depois, finalmente, mergulharia sobre o tufo de pelos claros que cobriam a parte mais feminina dela. Imaginou-se fazendo-a gemer e arranhando suas costas. Imaginou-a chamando seu nome e pedindo mais. Imaginou-se penetrando-a e ela seguindo seu ritmo com os quadris e os dois chegando juntos ao ápice. Quando abriu os olhos, havia ejaculado sobre os lençóis. Oito Quando Hugh desceu para o café o dia já estava a todo vapor na propriedade. Os criados andavam de um lado para o outro, alvoroçados, carregando caixotes de madeira, malharias, baldes cheios de água e panos. As Criadas caminhavam a passos rápidos, executando variadas funções. O que quer que se tivesse passado ali, as estava deixando como formigas operárias. Hugh parou no meio da escada, observando abismado a movimentação frenética. Margareth. Pensou. Hugh sentou-se à mesa com um olhar confuso. Margareth juntou-se a ele instantes depois, ainda envolvida com seus afazeres. Deu ordens à senhora Garden e pediu a Mad que mandasse chamar Aila. Quando sentou-se, finalmente, parecia radiante e Hugh não pôde deixar de cogitar se ela havia ou não ouvido o suposto ato selvagem com a criada. — Bom dia. — Margareth falou-lhe, dando um sorrisinho simpático que não deixava transparecer em nada seus sentimentos reais. Talvez ela não tivesse ouvido. — Vejo que acordou cedo e colocou a casa a funcionar como uma locomotiva. — Ah! — Ela sorriu. — Colocar uma casa dessa proporção nos eixos não é tarefa fácil, ainda mais quando se tem uma festa a preparar. Dessa vez, quem sorriu foi Hugh. — Acho que em breve teremos que redecorar a casa inteira, mas por enquanto não temos tempo, então farei o meu melhor. — Margareth declarou. — Fico muito satisfeito com isso. — Obrigada. Mad apareceu na porta seguida por Aila, as duas curvaram-se e baixaram suas cabeças para o chão. — Vossa Graça. — Mad falou. Margareth virou bem devagar o corpo esguio e sorriu para sua criada. Gostava de Mad e odiava Aila. Uma conta simples. Faria o impossível para tratar aquela maldita abusada como merecia, ou ainda pior. — Mad, quem costuma recolher os penicos pela manhã? Hugh engasgou com o chá. — Eu ou alguma outra criada. A senhora Garden costuma determinar as nossas funções. — Pois informe a senhora Garden que a partir de hoje a responsável por esta tarefa será a Aila. Estão dispensadas. As duas jovens fizeram uma mesura e sairam. — Ah! Mais uma coisa. Certifique-se de limpar também os penicos da ala das criadas. Aila arregalou os olhos, Mad ficou muda e Hugh engoliu em seco um gole de chá. Era óbvio que ela ouvira o barulho durante a noite passada e, se não podia se vingar dele, então vingava-se da criada. Pobre Aila, pensou Hugh por alguns instantes. Os pensamentos em Aila foram afastados pelo sorriso meigo que Margareth deu-lhe ao tornar a se virar para a mesa. Apesar do sorriso, Margareth só conseguia pensar em vingança. — Amanhã a senhora Garden providenciará para que a lista de compras seja enviada às devidas lojas em Londres. Você acha que devemos enviar convites ou será um evento menos formal? — Não sei. — Hugh respondeu com sinceridade. — Neste caso, acho melhor enviarmos. Depois pedirei à senhora Garden para fazer a lista de convidados com você. — Está bem. Hugh estava atônito. Margareth era uma mulher linda, de olhar juvenil e meigo, mas por dentro era um mistério, parecia dona de um ódio ferrenho, capaz de humilhar até mesmo uma criada. Jamais imaginara que ela poderia ser aquele tipo de pessoa. — Por que você fez isso? — Por que fiz o quê? — Por que chamou a criada aqui para dizer-lhe que vai limpar penicos? — Ah! Desculpe, sei que devo passar essas coisas para a senhora Garden, mas ela está muito ocupada com os afazeres da recepção. — Não se faça de tola Margareth. Você fez de propósito. — Agora você vai querer se meter nos afazeres domésticos também? — Mas que diabos mulher, que tipo de pessoa é você? Uma megera? Margareth eriçou um dedo na direção dos olhos verdes do conde. — Escute bem, Hugh Ruthenford. Que esta seja a última vez que me chama de megera. As criadas são minhas, eu faço o que bem entendo com elas. Mas será que nem mesmo pela manhã podemos comer em paz? — As criadas são suas, coisa nenhuma! — Como não? Por acaso não sou a senhora dessa maldita casa? — Não pragueje! — Por quê? Você pode e eu não? — Exatamente. — Você é completamente louco! — E você é uma abusada. — A única coisa que fiz foi o meu dever, cuidar da casa do meu marido, minha casa. — Minha casa! — Por que se casou comigo, conde? Se esta casa é sua, se as criadas são suas, se todo o mundo é seu, por que você precisa de uma esposa? Pelo jeito não há lugar nesta casa para mim. — Margareth prostrou-se, fazendo menção de deixá-lo sozinho. — Eu não disse isso. — Se a minha presença é tão desagradável, se tudo o que faço o atinge. Se você queria aquela criada imunda na sua cama, por que não a desposou? — Você só pode estar brincando. Como ousa dizer uma coisa dessas? — Ah! Não me venha com essa conversinha de sou o conde... Toda Londres já sabe que você é excêntrico. Acho que ninguém se importaria se tivesse se casado com a criada. — Por que você não é como as outras mulheres? — E por que eu deveria ser? — Porque é o certo. — Vamos começar com essa conversa novamente? Acho que o senhor tem uma certa afinidade com a violência contra as mulheres... — Eu deveria ter escolhido outra noiva. — É, deveria mesmo... — Margareth silenciou-se por um momento. Hugh já achava que a discussão estava terminada quando um sorriso maroto brotou nos lábios da condessa. — Aposto que Betsy espinhenta seria a esposa perfeita. — Quem? — Betsy espinhenta. Filha dos Rockfeller. Cabeleira de leão, espinhas por todo o rosto, grande volume... — Margareth encheu as bochechas de ar e abriu os braços fazendo o contorno de um círculo por seu corpo. Hugh soltou uma gargalhada. — Acho que o dote dela deve ser bem melhor que o meu. — Continuou ela. — O pai dela me fez uma proposta tentadora. — Hugh falou, bebericando o chá. — Aposto que agora você está arrependido, tenho certeza de que ela adoraria seus beliscões... Hugh levantou os olhos verdes na direção dos dela e deu um sorriso charmoso, por dentro Margareth sentia- se em êxtase. Não apenas por enfrentar o marido e pelo riso natural e honesto dele, mas também por estar divertindo-se. Aquela conversa absurda, a briga, tudo a levava a crer que ele era uma fera, egoísta e brutal, mas aquele sorriso charmoso, aquele olhar... bom, aquilo dizia algo diferente. — Ela faria tudo que eu mandasse, definitivamente. — Imagino que sim. Ela é bem simpática, sempre tenta agradar, mas geralmente se torna entediante depois de poucos instantes. — Você por outro lado... — Eu deveria ter nascido um homem. Hugh engasgou, cuspindo o chá para todo o lado. Limpou os lábios com o lenço e lançou um olhar confuso para ela. Nunca vira uma mulher falar daquele jeito e já tinha visto muitas mulheres, inclusive as de baixa moral. — Sempre gostei de correr, montar pôneis, subir em árvores e esfolar meus joelhos. Acho que sou mesmo uma péssima dama. — Jamais imaginaria isso de você. — Hugh falou sorrindo. Margareth estava gostando da conversa. Era sincera sobre ela mesma e ele parecia apreciá-la. Mas esquecer o que ele a fizera passar nos últimos dias era um risco que poderia ser fatal. — Bom, se me der licença vou para o meu quarto. — Por quê? — Hugh pareceu alarmado. — A casa é sua, lembra-se? Se não tenho nada a fazer devo me recolher. Passe bem o dia, esposo. Margareth saiu apressada, deixando Hugh com um nó na garganta. Não sabia exatamente o que estava sentindo, se culpa por fazer a esposa sentir-se mal em sua própria casa, ou se vitorioso por fazê-la pôr-se em seu devido lugar. Mas o que está acontecendo com você, Hugh? Pensou. Será que está amolecendo? — Você tem um plano e ela é apenas parte disso. — Ele falou consigo mesmo, depois mergulhou um biscoito no chá e o comeu. Nove É claro que Margareth não ia passar o dia todo remoendo trancada no quarto. Esperaria apenas o conde sair para qualquer coisa que fosse e então voltaria a dominar a casa, antes que perdesse as rédeas da criadagem e principalmente de Aila, que por sinal deveria estar furiosa. Bem feito, pensou Margareth. Esse é o castigo para quem se deita na cama do marido alheio. Era mesmo uma jovem de coragem e tinha orgulho de defender sua honra, mesmo que de uma forma nada convencional. Se fosse um homem, talvez tivesse chamado Aila para um duelo à moda antiga, mas como era uma dama e nem mesmo poderia sair aos tapas com a criada, tinha que armar um jeito de vingar-se dela. E de mostrar a Hugh seu devido lugar. A senhora Garden andava de um lado para o outro bufando. Margareth desceu as escadas animada, logo após Mad avisá-la da saída do marido. Segundo ela, ele fora a um encontro de homens do parlamento. Margareth dera de cara com um olhar tenso da senhora Garden logo no sopé da escada, mas ela estava de bom humor e não queria chatear-se. Entretanto, tinha um espirito bondoso, apesar das pequenas maldades que vinha provando ser capaz nos últimos dias. — Senhora Garden, pelo amor de Deus, abra um sorriso ou do contrário vai ficar velha rápido demais. A senhora Garden foi pega de surpresa por aquele comentário. Era muito incomum que as ladys nobres e mulheres da alta classe tivessem mais do que um contato formal com os empregados, mas essa jovem parecia se importar bem pouco com as convenções. Margareth terminou de descer as escadas com dois pulinhos, passou os braços pequenos sobre os ombros fortes e duros da senhora Garden e a impeliu para a cozinha. — Acho que a senhora precisa de um descanso e de um chá. A senhora Garden não fazia ideia do que responder. Margareth era surpreendente, capaz de encher cada cômodo do imenso casarão, com seu sorriso, seu perfume, seus modos graciosos e sua voz aveludada. Era uma menina mimada, de fato, mas havia uma doçura nela que não parecia pertencer a alta classe. A governanta sentiu-se comovida com o gesto. — Mad, sirva imediatamente um bom chá para a senhora Garden e aqueles biscoitos amanteigados que derretem na boca. Prepare uma bacia com água quente para descansar os pés dela. Todos os criados ficaram atônitos. Hugh preferiu almoçar no clube com alguns outros nobres, fumando charutos e falando sobre política, não que tivesse algo importante a fazer, geralmente a nobreza não fazia mesmo absolutamente nada, mas precisava começar a colocar seus planos em prática, e estreitar relações com alguns daqueles senhores era inevitável. O problema é que seus pensamentos ainda estavam em casa, em Margareth e seu jeito de confundi-lo. — Então Hugh meu velho, pensei que não o veríamos aqui tão cedo... — Falou Charles, filho do Duque de Paxton, um homem de nariz adunco, bigode feio e olhos imensos. — Tenho alguns assuntos que não podem esperar. — É isso, ou será que você está velho demais para sua jovem esposa? — O homem gargalhou, provocando risadas alvoroçadas dos demais. — Não tão velho quanto essa sua barriga está grande... — Hugh provocou, tinha apenas trinta anos e um corpo atlético, ao contrário da maioria dos nobres, inclusive os Paxton. Charles Paxton era um maldito arrogante e seu pai, um dos homens que estavam na lista negra de Hugh. É claro que provocar o futuro duque de Paxton poderia ser arriscado, mas Hugh tinha o temperamento forte e todos o conheciam o suficiente para saber que uma provocação direcionada a ele poderia resultar numa resposta desagradável ou numa rinha de homens. O filho do duque tinha quarenta anos, uma barriga que salientava-se a cada ano e um par de olhos de peixe morto, uma papada sob o pescoço e pernas que jamais se ajustavam às roupas elegantes e formais que ele usava. Era o primogênito do duque. O herdeiro que fora obrigado a casar com uma mulher cuja barriga deveria ser ainda maior que a dele e cujos boatos era de que o odiava tanto ou mais do que um padre odeia o demônio. Os Paxton estavam na lista de Hugh. Não que Charles tivesse cometido algum crime contra Hugh, mas era filho do duque. Se um teria de pagar, o outro também. Se um recebia o título do outro, também deveria receber seus pecados e Hugh trataria de cobrar, tanto ao pai quanto ao filho. Exatamente como Hugh imaginara, o almoço fora absurdamente desagradável. Charles era o tipo de aristocrata em que o povo adoraria colocar as mãos imundas, era cruel com seus criados, frio com as pessoas e se considerava tão importante quanto a própria rainha e seu consorte. Hugh fizera um tremendo esforço para suportar aquela presença pedante. O outro acompanhante do almoço, o jovem Leonard, por outro lado era o carisma em pessoa. Com feições aristocráticas e maneiras impecáveis, depois de Hugh casar-se havia se tornado o solteiro mais cobiçado pela sociedade. De família nobre próspera, cujas ligações políticas e familiares se davam com o lado do consorte da rainha, não havia mãe que não sonhasse em casar sua filha com ele. Mas Leonard não parecia muito intencionado em se casar e gostava muito do que a vida podia lhe proporcionar enquanto solteiro. Era jovem e ansiava em desfrutar da juventude. Hugh nada tinha contra o garoto, achava-o um pouco imprudente, mas muito divertido, era sempre curioso e estava sempre disposto a uma boa história. Entretanto, tê-lo como aliado significava muito mais do que uma simples amizade, significava um afim no parlamento. Se a saúde do pai continuasse a definhar, em breve o jovem assumiria seu lugar e Hugh poderia precisar de sua ajuda para destruir aqueles que lhe deviam. Ele tinha algumas ideias de como estreitar laços com o jovem, mas tudo deveria vir com o tempo, a recepção que daria em sua casa era uma delas. Coisa pequena. Pensou, dando outra tragada no charuto e soltando a baforada em seguida. A derrocada ainda está por vir. — De fato, meu caro Leonard, se eu não tivesse obrigações reais, estaria em casa. — Hugh sorriu. O rapaz que beirava os vinte e um anos e ainda deveria ter os hormônios à flor da pele arqueou as sobrancelhas com curiosidade. — Sabe o que é melhor de se ter uma bela e linda jovem esposa à sua espera? — O quê? Seios? — Não seja tolo, isso você encontra em qualquer lugar. Hugh percebeu que Charles prestava atenção. — Quando você se casar escolha uma bela mulher, que o ame e se derreta para você, então entenderá. — Hugh sorriu, vendo a decepção formar-se no rosto de Charles. Os cavalheiros permaneceram em silêncio por alguns instantes. — Ouvi alguns boatos... — Falou Charles, baforando seu charuto. — Boatos? — Sobre um certo casamento não ter sido consumado ainda... — Charles provocou. — Imaginem o escândalo... Com toda certeza, alguma criada contara a outra e a história provavelmente já havia se espalhado por toda Londres. Além de humilhado em casa, agora também no clube e na cidade. Margareth estava se saindo um prejuízo maior do que ele poderia imaginar. — Bom, não consigo imaginar como esse coitado deva se sentir... — Falou Hugh, um sorriso amarelo no rosto. — Um casamento não consumado? — Leonardo questionou. — Não sabia que isso era possível? — Dizem que algumas senhoras são tão frias que não deixam seus maridos tocá-las nem depois do casamento. — Charles falou, um olhar maroto para Hugh. Hugh queria esganá-lo, mas manteve seus nervos e tentou pensar em algo que não fosse descortês demais para dizer. Não podia perder a compostura. — Pensei que fofoca fosse coisa de senhoras... Leonard gargalhou. Hugh o acompanhou. — Bom, senhores, preciso me retirar. — Falou, soltando um risinho insinuante. — Sabe como são os primeiros meses de casamento... — Hugh, por que você não viajou em núpcias? — Leonard questionou antes de se despedir. — Meu sogro precisa dos meus conselhos em alguns assuntos, e agora que meu pai faleceu, tive de assumir meu lugar na câmara dos lordes. Mas espero que em breve possa dar a minha esposa a viagem que ela merece. — Por acaso estão sem dinheiro para a lua-de-mel? — Charles falou, olhando desafiadoramente para os olhos verdes furiosos de Hugh. — Ou será que sua esposa só não quer correr o risco de ficar muito tempo sozinha com você? Aquilo era mais do que uma afronta. Era um desrespeito completo. Jamais um homem entraria num assunto como aquele e jamais um homem desrespeitaria o outro daquela forma. Hugh tinha todo o direito de acertá- lo ali mesmo, seria justificável, mas ao invés disso engoliu em seco para não voar aos socos e pontapés para cima daquele maldito. Tinha de ser frio e calculista quando o assunto se tratava de seu segredo. Pensou por um instante e então voltou a sentar-se. — Sabe Leonard, acho muito indelicado falar sobre esse tipo de coisa, mas como você é meu amigo vou contar como foi a minha primeira noite com minha esposa. Hugh começou a narrar detalhadamente, sem o menor pudor, como se tudo fosse absolutamente normal. Evitou os detalhes mais diretos sobre o corpo da esposa, mas falou absolutamente tudo. Bom, tudo o que fantasiara naquela manhã. Quando acabou sua narrativa, Leonard estava constrangido, tentando esconder uma ereção juvenil, Charles estava estupefato e Hugh com vontade de trucidar alguém. Mesmo depois, no meio do caminho de volta para Surrey Hall, ainda tinha os punhos cerrados e os nervos irados. Teria de convencer Margareth a ser a melhor das esposas com ele diante daqueles malditos porcos, principalmente de Paxton. Quando chegou, se trancou na sala de fumar e ficou lá sentado em silêncio e no escuro. Precisava pensar e ali era o melhor lugar que conhecia para isso. Margareth estava sentada perto da janela, a lamparina iluminando um exemplar de Dickens, presente de Hugh. Quando ele perguntara a ela o que poderia lhe regalar de casamento, além das coisas habituais, ela para seu espanto e de toda família pedira um livro de Charles Dickens. — Entenda vossa graça, meu pai não me deixa ler muito, ele acha que as mulheres devem se ocupar com coisas mais adequadas, então se puder escolher, gostaria de um livro de Charles Dickens, ouvi dizer que é um bom autor. — Mas qual deles a senhorita gostaria? — Hugh perguntara, instigado e fascinado pela moça. Estava preparado para ouvir algo como: “o que o senhor achar melhor” ou “uma joia” ainda seria plausível, mas ela pedira um livro e ele ficara bestificado. — Ainda não li nenhum livro dele, então escolha aquele que mais o agradar. Ficarei muito grata. Pensara tanto em Margareth nos dias que antecediam a cerimonia que na hora de escolher um livro para presenteá-la não conseguiu decidir o que poderia ser ou não adequado para uma jovem como ela, linda, inteligente e de boa família. Lembrou-se do que seu pai sempre dizia: “Uma pessoa instruída, Hugh, é uma pessoa capaz de pensar por si mesmo”. No dia seguinte mandara entregar um baú na casa dela com vários livros do autor e outros que ele mesmo havia lido na sua juventude e que pegara de sua biblioteca em Surrey Hall, a casa que tanto amava. No bilhete com a caligrafia impecável dizia: Você terá todos os livros que quiser. Naquele dia, Margareth sentira-se a mulher mais sortuda do mundo, havia sido o baú de livros que os lacaios desembarcaram em sua primeira noite em Surrey Hall. Ela amava os livros que ele lhe dera, e chegara a pensar que poderia amá-lo também, mas as coisas iam de mal a pior e começava agora a achar que acabaria morta pelas mãos do marido insano. Aila bateu na porta e entrou. Fez uma mesura silenciosa e esperou com os olhos baixos que Margareth autorizasse sua fala. — O que você quer? — É que o conde me mandou aqui para prepará-la. — Me preparar para quê? O sotaque cadenciado da criada titubeou um pouco, então ela se aproximou e disse: — Ele virá ao seu quarto agora, me mandou deixá- la pronta. Margareth não disse nada. Se o marido estava indo ao seu quarto para tomá-la, por pior que pudesse ser, era sua obrigação como esposa ceder. Era também uma vitória, Margareth não implorara e ele acabara cedendo. Se ele fosse bruto, ela o acertaria com o candelabro, se fosse carinhoso ela seria uma boa esposa. Se não gostasse do que aconteceria, faria como a mãe ensinara, fecharia seus olhos e esperaria pelo final. A única coisa com a qual não se conformava era ele ter mandado aquela maldita criada para prepará-la. Ele era mesmo um arrogante. Com um aceno um pouco contrafeito Margareth aceitou que a criada se aproximasse. Aila tirou o camisolão de linho macio de Margareth, penteou seus cabelos, passou gotas de perfume por seu corpo e a fez deitar-se de olhos fechados. Colocou um pano cobrindo seus olhos e disse que as ordens do conde eram para que, em hipótese alguma ela os abrisse. Margareth protestou um pouco, mas a criada dera de ombros dizendo que só obedecia ao conde. Margareth engoliu em seco, fechou os olhos, sentiu o tecido grosso comprimindo-os e ficou em silêncio. Alguns minutos depois, um par de mãos afastou suas pernas bem devagar. Um dedo percorreu o contorno de sua intimidade, roçando de leve no tufo de pelos. Margareth sentiu um arrepio percorrer a espinha e queimar sua genitália. Não sabia se isso era correto, mas a sensação do marido tocá-la era boa, tinha de admitir. Algo molhado tocou-a entre as pernas e ela arquejou. Será que era o que ela estava pensando? Será que era mesmo o que estava imaginando? À medida que os movimentos estavam se tornando mais fluidos ela sentia uma queimação intensa. E teve certeza que era a língua de Hugh quando ele a passou na parte interna de sua coxa. Ela arquejou levantando os quadris. Se aquilo era consumar o casamento, ela queria mais, muito mais. Queria se jogar nos braços do marido e pedir que ele colocasse dentro dela seu membro. Será que ele estava ereto como no dia do casamento? Ela pensara em abrir os olhos, mas as sensações de prazer a estavam deixando tonta e extasiada ao mesmo tempo. Além de que ele não queria que ela o visse fazendo aquilo. Talvez sentisse vergonha. Talvez fosse mais um de seus joguinhos. Margareth rendeu-se ao prazer da língua do marido massageando sua vagina. O movimento frenético a estava deixando louca, ela sentia um liquido fluindo da parte interna e um desejo intenso de ser possuída por ele. — Hugh, Ah! Hugh. — Ela gemeu. A língua continuou massageando mais e mais, tocando a parte interna de suas coxas e voltando a massagear sua vagina com ainda mais vigor. — Mas o que diabos está acontecendo aqui? — A voz de Trovão de Hugh acordou Margareth do êxtase. Hugh estava parado na porta de ligação do quarto, a expressão de confusão, fúria e incredulidade misturadas no rosto bonito. Margareth ergueu-se com dificuldade na cama, tirou o pedaço de pano de seu rosto e gritou ao ver a cabeleira ruiva de Aila parada na direção do tufo de pelos no meio de suas pernas. Não, aquilo não era possível. Margareth sentiu o estômago embrulhar-se e uma vertigem tomar conta de sua visão. — Mas eu pensei que fosse você... como? Mas que tipo de jogo é esse seu? — Ela falou, olhando com terror para Hugh. Aila gargalhou. Hugh entrou como um furacão no quarto, agarrou a criada pelos braços e sacudiu com força. — Como você ousa? Atordoada, Margareth pensou que ia desmaiar. Quando Hugh aproximou-se dela, gritou em choque. Saiu correndo, nua. Dez Hugh deu uma bofetada em Aila que caiu a pelo menos cinco passos de distância, iniciando um choro lamurioso. Depois, apanhou uma manta grossa de cima da cama e saiu correndo para alcançar Margaret. Estava desvairada e poderia estar correndo em qualquer canto da imensa propriedade. Provavelmente acabaria machucando-se naquela escuridão ferrenha e no frio congelante. Hugh sentia o coração acelerado enquanto apanhava uma lamparina a óleo e começava a descer os degraus da entrada principal. Pensou em chamar os criados, mas imaginou o espanto que causaria caso a encontrassem vagando pela relva, pálida e nua sob a lua imensa que banhava com um brilho de prata todo o verde rasteiro dos primeiros pátios. Por um bom tempo correu feito louco pelos jardins e descampados da propriedade. Não podia deixar que Margareth passasse a noite sob o frio pungente que seria capaz de extinguir a vida de uma jovem tão pequena e frágil. Não a encontrou em canto algum. Deu a volta por um jardim lateral e atravessou por entre um pequeno labirinto de flores. Olhou para a esquerda e viu a mata fechada. Não! Pensou. Ela não pode ter ido por ali, não teria coragem. Mesmo assim, embrenhou-se na mata densa e começou a chamar alto pela esposa. Não demorou para avistar uma silhueta pequena, quase translucida de tão pálida, cabelos louros esvoaçando e um visível tremor. Hugh aproximou-se devagar, ouvindo os soluços fortes que vinham da esposa. Tentou fazer o mínimo de barulho possível, mas pisou em um galho seco e a sobressaltou. Margareth virou-se sem se levantar do chão. Os olhos vermelhos de chorar e os lábios levemente arroxeados pelo frio. Estava fora de si. — Meu Deus, Margareth! — Ele viu-se falando espantado no mesmo instante que correu para envolvê-la com a manta. A princípio Margareth lutou, esbofeteou o marido e o arranhou, mas não demorou para perder as forças e deixar a cabeça pender sobre seu peito forte. Desmaiou antes que ele conseguisse dizer mais alguma coisa. Hugh passou os braços fortes em volta do corpo nu, alçou-a para junto de seu peito e cobriu com a manta. Admirou-se com a leveza do corpo e o cheiro dos cabelos. Caminhou com Margareth nos braços até à entrada dos fundos da mansão, empurrou a porta e quando não cedeu, esmurrou-a com um pontapé, causando um baque forte quando ela se chocou com a parede. — Senhora Garden! — Berrou, subindo as escadas em desespero ao ver que a esposa já não reagia. — Senhora Garden, por Deus. A senhora Garden apareceu seguida por mais três criados, sendo um deles Mad, que grunhiu em choque quando viu o braço de Margareth pender para o chão. — Faça alguma coisa! — Hugh falava incoerentemente, terminava de subir as escadas e a levava para o seu quarto. — Ela está congelando. A senhora Garden subiu rapidamente os degraus, fechando o roupão de lã e escondendo o corpo esguio. Com ela vieram os criados. Hugh colocou Margareth sobre os lençóis e a cobriu com todas as cobertas que tinha na cama. — Trump, aumente o fogo da lareira. — A senhora Garden tomou conta da situação. — Mad, traga-me uma bacia com água quente e toalhas limpas. David, vá para a cozinha e peça à senhorita Livenhows que faça chá para o amo. Todos obedeceram imediatamente. Hugh que não conseguia pensar claramente, ficava andando de um lado para outro. — Pelo amor de Deus, senhora Garden se apresse. — Talvez seja necessário chamar o médico, amo. A velha senhora Garden cuidou por horas a fio para que a condessa recuperasse a temperatura do corpo. Embora seus pensamentos perguntassem o que levaria uma jovem com vida tão boa a sair correndo como louca pelo frio, não ousou dizer uma só palavra sequer. Hugh manteve-se a todo momento andando pelo quarto, impaciente, receoso e furioso. Quando Margareth acordou, o corpo estava tão quente que parecia estar em chamas. Ela não conseguiu se mexer devido à grande quantidade de cobertores e mantas que estavam empilhadas em cima de sua silhueta nua. Sentia um gosto amargo na boca e o estômago roncava, mas fora isso, nenhum mal-estar ou ferimento, além da dignidade humilhada, é claro. Hugh estava dormindo ao seu lado, meio sentado, com as costas sobre uma pilha de travesseiros fofos de penas. Margareth olhou-o bem. Nunca tivera a oportunidade de observá-lo com tanta precisão. Era incrível como percebendo os detalhes ele podia ser ainda mais bonito e selvagem. Com um queixo quadrado e a barba muito bem-feita, ele não gostava da moda dos bigodinhos, preferia a pele limpa como a de um bebe e ela pensou que ele tinha razão, ficava bonito daquela forma. As sobrancelhas grossas se ajustavam sobre um par de cílios longos. A boca carnuda no meio e mais afilada nos cantos era muito sedutora e este foi seu último pensamento, antes de voltar a cair em sono profundo. Por três dias Margareth não saiu do quarto, fazendo suas refeições na cama e com um silêncio perturbador. Hugh não a perturbara, respeitando seu momento e necessidade de espaço, agora estava decidida a tomar as rédeas de sua vida. No quarto dia, levantou-se sentindo a raiva e a ira querendo explodir do peito. Tivera a oportunidade de remoer e planejar por três dias. Mad bateu à porta e esperou segurando uma bandeja com o desjejum da condessa. Margareth mandou-a entrar, falando num tom frio como a noite que por pouco não a matara de hipotermia. — Bom dia, vossa graça. — Mad falou ao entrar no quarto de Margareth. — Trouxe o seu café. — Não será preciso, vou tomar meu café com meu marido... Mad baixou a cabeça. — O que foi? — O amo foi para a cidade logo cedo. — Tudo bem, deixe a bandeja aí e me ajude com o vestido. Mad largou a bandeja sobre uma mesinha perto da lareira e apressou-se a tomar a roupa da patroa nas mãos, com o maior cuidado. Margareth estava com um olhar gelado que colocaria medo até no mais corajoso dos criados. Mad trabalhou em silêncio para deixar a condessa impecável num vestido cuja manga mais justa a deixava mais elegante. As flores pintadas por toda veste e o babado nos ombros era um pouco infantil demais, mas nenhuma das duas ousou comentar nada a respeito. Quando finalmente Margareth estava dentro de toda a roupagem volumosa, ajeitou-se delicadamente diante da penteadeira e esperou que a criada a ajudasse com o cabelo, prendendo num coque alto e deixando alguns cachos soltos. A imagem que ela viu no espelho ao final era de uma jovem mulher bonita, inocente com lindos cachos sobre o colo, com vestido de mangas bufantes um pouco mais justas e um olhar azul irado. Margareth não tomou o café da manhã. Havia algo que queria fazer primeiro. Com toda a elegância de que dispunha pelos anos de preparo, desceu a escadaria, vendo criado após criado da casa curvar-se à sua passagem e baixar os olhos em respeito. Quando entrou na cozinha, sua postura autoritária não deixou dúvidas, era agora a dona da casa e ninguém jamais voltaria a lhe faltar com o respeito. Todas as criadas, inclusive a governanta, a senhora Garden curvaram-se perante a senhora de Surrey Hall. Margareth caminhou confiante até aquela que era seu alvo. Aila estava parada diante de um imenso forno a lenha, os olhos voltados para o chão e as mãos sobre o avental. — Olhe para mim! — Margareth ordenou. Aila não se mexeu. — Eu mandei olhar para mim! Aila levantou os olhos bem devagar, num misto de raiva e medo. Em sua boca um pequeno ponto vermelho escurecido, com o sangue coagulado da bofetada de Hugh. Margareth ficou em silêncio por um instante, aspirando o cheiro da lenha crepitante e olhando com repulsa para a criada, que não ousou desviar o olhar. Então, sem que a criada pudesse perceber a tempo, Margareth meteu-lhe uma bofetada bem no meio do rosto. Aila grunhiu de pavor e cobriu a bochecha avermelhada com as mãos. — Agora, você já pode ir esvaziar os penicos. Margareth virou-se sentindo os nervos à flor da pele. Respirou fundo e saiu bem devagar, perfilando entre os criados e esperando as reverencias. Ninguém voltou a respirar até que ela já estivesse longe dali. Onze Hugh estava quase ensandecido quando entrou na carruagem logo após o almoço. Parecia um louco prestes a ter um ataque de nervos, com os cabelos revirados e os olhos vincados numa expressão de ódio. Tudo em seu dia vinha dando errado, não, tudo em sua semana. Não só as coisas com a esposa iam de mal a pior, como seus planos pareciam estar definhando. Precisava encontrar uma forma de se aproximar daquele a quem desejava destruir mais do que poderia querer qualquer coisa na vida. Mas todas as suas tentativas haviam sido frustradas por Charles Paxton. Era como se aquela criatura horrenda estivesse sempre um passo adiante de Hugh. À medida que a carruagem avançava, ele ia ficando mais e mais furioso, sem conseguir pensar numa forma de derrotar de vez os malditos Paxton e aproximar-se de seu maior inimigo. Quando entrou feito um furacão pela entrada principal e foi para a biblioteca, deu de cara com Margareth, vestida de forma espetacular parada diante da janela, dando ordens a um lacaio. O jovem criado estava em cima de uma escada, tentando desconectar a pesada cortina que enegrecia o ambiente. — Mas o que diabos você pensa que está fazendo na minha biblioteca? — Hugh berrou, a voz de trovão pegando Margareth e o criado de susto. Margareth pulou sobressaltada. — Tirando as cortinas. — Respondeu depois de se recompor. — Saia já daí moleque. — Hugh ordenou ao garoto. O jovem criado começou a descer, sem jeito e com medo. — Não saia! — Margareth esbravejou. — Essas cortinas precisam pegar sol, estão empoeiradas. O garoto imobilizou-se sem saber o que fazer. — Eu mandei descer! Mande-o descer imediatamente! — Você ouviu o conde, desça daí e saia. — Margareth dispensou o garoto com um gesto de mão. O menino desceu e saiu apressado em meio a reverencias desajeitadas e assustadas. — Não compreendo. — Margareth falou, deixando o corpo cair sobre a cadeira em frente à mesa. — O que é que você não compreende? — Porque você deseja ter uma esposa... — Mas era só o que me faltava. — Hugh crispou, os olhos verdes diretamente focados nos dela. — Vou para o meu quarto. — Margareth saiu, um misto de fúria e frustração plantado no rosto. Hugh afundou na poltrona e ficou em silêncio, os nervos em frangalhos. A senhora Garden bateu à porta e aguardou. Quando finalmente Hugh permitiu sua entrada, ela depositou sobre a mesinha perto do sofá, no centro do aposento, uma bandeja com chá e biscoitos. Ficou parada olhando para Hugh. — O que foi? — O senhor precisa de mais alguma coisa? — Não. — Com licença. — Ela começou a se afastar. De súbito a senhora Garden parou, virou-se para Hugh e falou: — Sabe, é difícil para uma mulher se sentir em casa quando não lhe deixam cuidar de suas responsabilidades. Satisfeita virou-se e saiu, sem reverência, sem nada. Hugh passou o resto do dia pensativo. Margareth por outro lado estava furiosa. Quando saíra do quarto, no final da tarde para o chá, sentia-se ressentida e pouco amigável. Em poucos dias sua vida se transformara em um verdadeiro inferno e agora ela só pensava num jeito de escapar da vida a que seu pai a condenara. Foi então que algo lhe ocorreu. Novamente foi para a cozinha. Suas visitas ao ambiente começavam a ser frequentes demais para uma dama de sua nobreza, mas naquele momento ela pouco se importava e só pensava no que faria. Três criadas de idades mais avançadas, braços fortes e jeito ágil poliam a prataria, exatamente como ela mandara algumas horas antes. Margareth olhou-as com atenção e falou: — Podem parar com isso. — Seu tom agora era cordial. — Não é mais necessário polir nada. Me desculpem pela perda de tempo. As mulheres olharam-na confusas. Mandar elas pararem era uma coisa, pedir desculpas era muito estranho. A senhora Garden pigarreou e as três mexeram- se rapidamente, devolvendo os objetos aos seus lugares. — Eu gostaria de um chá. — Margareth falou, por pouco não esquecendo de seu plano. — Vou mandar servir imediatamente. Margareth esperou por algum tempo, olhando ao redor e observando os imensos potes de mantimentos que se espalhavam pelas prateleiras. — O que é isto? — Mel. — E isto? — Sal. Margareth sorriu, pegou o pote e calmamente caminhou até o bule em que a senhora Garden acabava de despejar chá. Virou uma boa quantidade e mexeu bem calmamente, diante dos olhos arregalados de pelo menos oito criadas e da senhora Garden, que fechou o cenho mas não disse nada. Hugh sentou-se à mesa de chá em silêncio. Estava atormentado com os problemas que tivera com Paxton no clube, mais ainda porque tudo indicava que não obteria êxito em seu plano. Esperara muito por isso e não podia falhar. Margareth chegou em seguida, sentou-se logo após o criado puxar a cadeira e sorriu para o marido, deixando-o um pouco sem jeito. Ao ver o sorriso da esposa, o conde retomou os pensamentos de horas antes, quando a senhora Garden lhe dissera, ao seu modo, para não intervir nos assuntos da esposa. Talvez a velha senhora Garden tivesse razão. Quem sabe... Hugh bebeu o chá num grande gole. O sal desceu grosseiramente por sua garganta e Hugh engasgou, cuspindo a mistura sobre a mesa. — Mas o que é isso? Margareth permaneceu em silêncio por algum tempo, depois olhou-o com seu semblante mais sereno e falou: — Esse tipo de coisa acontece quando não se tem uma senhora para comandar as criadas como se deve. — Senhora Garden! — Hugh berrou. — Você pode ser o dono desta casa, mas eu como sua esposa sou a dona. Então você deveria começar a pensar em não se meter nos meus assuntos... Hugh bufou contrafeito, jogou o guardanapo de linho na mesa e saiu, batendo as portas às suas costas. A senhora Garden chegou instantes depois, sorrindo. Aquela era mesmo a mulher certa para colocar o garoto nos eixos. E a velha estava se divertindo muito com a disputa que travavam. Dali, sairiam frutos fortes, ela pensava enquanto retirava as coisas da mesa. — Eu sou mesmo uma megera. — Margareth falou num tom quase melancólico. — A senhora me permite dizer uma coisa? Margareth assentiu. — Só uma coisa coloca os homens no lugar deles. — E o que seria? — Margareth falou, ansiosa e angustiada pelo que poderia ser dito pela velha senhora Garden. — Aquilo que eles esperam conseguir quando vão ao quarto da esposa, à noite. Nenhuma das duas disse mais nada, era óbvio que todos sabiam o que ocorria dentro da casa, entre os patrões e apesar do senso de humilhação que a perturbava, ela sentia-se contente por ter algum apoio ali, naquele lugar inóspito. Margareth saiu para dar um passeio pelo labirinto de flores, acompanhada de Mad com quem conversava animadamente, mesmo que a criada falasse o mínimo possível e sempre com o maior zelo. Ela gostava da garota e sentia-se grata por ser sua companhia. Quando retornaram ao cair da noite, Margareth deparou-se com dois criados carregando um grande rolo de pano escuro. — O que é isso? — Perguntou. Os dois homens de meia idade curvaram-se rapidamente diante da condessa que fez uma careta de impaciência. — As cortinas da biblioteca, o senhor conde mandou que elas fossem retiradas. Amanhã deverão passar o dia no sol. A senhora quer que retiremos mais alguma, vossa graça? — Amanhã veremos. — Margareth falou, de repente sentindo-se uma vitoriosa. Se ele estava cedendo, ela também poderia, mas como?... Doze Margareth tomara um banho demorado, com água quente que dois criados carregaram em bacias até sua sala de banho. A senhora Garden lhe dera um óleo perfumado, Mad pingou várias gotas na água quente abafando a sala de banho com o cheiro adocicado de rosas. Margareth mergulhou na água e ficou ali por quase uma hora. Quando saiu, Mad penteou seus cabelos, moldando os cachos louros ao final da cascata que balançou sedosamente em suas costas. Margareth perfumou-se e vestiu a camisola branca de seda. Depois deitou-se na cama à espera do que deveria acontecer. Se Hugh cedera com as responsabilidades da casa para que pudesse tornar-se realmente a dona da casa, provavelmente iria querer visitá-la naquela noite, como recompensa. Mesmo muito tempo depois de Mad deixar o aposento, a condessa ainda se sentia tensa e temerosa. E se o conde quisesse repetir a cena da primeira noite, dando-lhe tapas e a agredindo como ele sempre anunciava ser típico dos maridos? Olhou para o lado e avistou o castiçal, pegou-o e ajustou-o mais perto de sua cama, na mesinha de cabeceira ao estilo gótico. Depois voltou a recostar-se na cama, sobre os travesseiros fofos. Respirou fundo e esperou. Nada aconteceu. Hugh não veio ao seu quarto. Margareth começou a ficar impaciente, num misto de ansiedade, medo e aflição pela espera. Andando de um lado para o outro no quarto. Pensava se não deveria, ela mesma, tomar a iniciativa e jogar-se na cama do marido. Não! Ele é quem deve vir, é assim que as coisas são. E assim continuava de um lado para o outro, roendo as unhas, mexendo nos cabelos e remoendo os pensamentos. Um barulho no outro quarto notificou-a de que o marido estava no aposento, ela aproximou-se pé ante pé da porta de ligação entre os quartos e colou a cabeça na madeira sólida. Prendeu a respiração na expectativa. Nada. Margareth estava cansada, aquela situação a estava deixando louca. Ou daria um jeito naquela noite, ou ela mesma voltaria para a casa do pai e se enfiaria num maldito convento. Voltou para a cama e afundou sobre o colchão macio. Levantou e jogou-se novamente. E assim fez mais de uma vez. Pense Margareth, pense. Ela repetia incansavelmente. Pense, droga! Margareth olhou pela janela, a lua cheia banhava a noite com uma claridade sensual e ela sentiu-se tomada, de súbito, pela ansiedade de ser tocada pelo marido. Algo nos olhos verdes do conde despertavam nela um anseio por seu toque, por sua paixão. Pensando nisso, enrolou-se num xale de lã e ainda descalça saiu porta fora. Desceu as escadas rapidamente e mergulhou na noite fria pela porta da cozinha. Andou pela grama sentindo o orvalho sob os pés. Aspirou o cheiro da grama úmida e continuou caminhando pelo jardim. Não demorou a sentir uma presença à espreita. Não olhou para trás, mas teve certeza de que ele a estava seguindo. Margareth sentiu-se maravilhosa. Caminhando pelos jardins em direção à mata em que quase perdera a vida pelo frio. Nesta noite, o frio menos agressivo permitiu que ela se sentisse muito bem, dona de uma deliciosa autonomia de seu corpo. Hugh estava andando de um lado para o outro no quarto, indeciso se deveria ou não ir ao quarto da esposa. Estava com as energias acumuladas e seu corpo pedia pelo toque de uma mulher e o fervor de uma paixão, mas embora tivesse cedido e passado o controle da casa para a condessa, não tinha certeza se isso era suficiente para convencê-la a recebê-lo de bom grado. Quando finalmente decidira cruzar a porta de ligação do quarto, descobrira Margareth saindo pela outra, descalça, com os cabelos esvoaçantes e deixando um rastro de cheiro de flores. Seguiu-a pelo quintal, absorvendo hipnoticamente cada gesto seu. Linda. Pensou ao vê-la banhada pela lua, andando como se flutuasse sobre o verde rasteiro. Ele a seguiu como em um transe, até que ela entrou numa trilha que desembocava em um riacho onde ele gostava de pescar no verão. Perdeu-a de vista por alguns instantes. O medo começou a correr por suas veias, acelerando seu coração com a ânsia de encontrá-la à beira da morte novamente. Hugh percebeu o xale de lã e a camisola jogados sobre um tronco oco que fora abandonado em meio a folhas secas. Caminhou devagar para não fazer barulho. Lá estava a condessa, sentada sobre uma rocha, molhando os pés na água gelada. Hugh ficou imobilizado. Envolto na aura sensual que fluía do corpo nu de Margareth e vinha em sua direção. Sentou-se no chão e ficou observando. Ela não demorou a entrar na água, mergulhando fundo e deixando o corpo emergir e submergir seguidas vezes. Hipnotizado, o conde deixou-se levar pela cena. Ela o estava seduzindo, ao seu jeito, mas estava. E ele estava se deixando levar, saboreando o momento como se fosse um menino em frente ao seu primeiro brinquedo. Margareth saiu da água bem devagar. O frio ameaçou esticar suas garras sobre seu corpo miúdo, mas então ela avistou Hugh, sentado num amontoado de folhas, o rosto afogueado e uma das mãos sobre seu membro. Ele estava como da primeira vez que ela avistara, ereto, envolvido pelos dedos do conde que subiam e desciam devagar, apertando à medida que a mão baixava e afrouxando quando subia. Ela observou a cena, um pouco receosa, mas muito envolvida pelo clima. Deu alguns passos na direção do marido e o olhar dele extasiado a fez sentir um calor entre as pernas. Hugh ergueu os olhos e parou abruptamente, ficando imóvel. Margareth não disse nada e foi em sua direção, avançando com o corpo nu até bem perto dele. Hugh virou as duas esmeraldas verdes na direção das imensas esferas azuis dela e ambos se encararam em absoluto silêncio. Margareth pegou sua mão que estava livre e com o coração acelerado colocou-a no tufo de pelos claros em sua parte mais intima. Hugh arquejou de excitamento. Margareth não sabia mais o que fazer, então deixou que ele tomasse conta do que viria a seguir. Cautelosamente Hugh explorou a região, passando os dedos de cima para baixo repetidas vezes. A sensação de prazer o invadiu e ele pensou em tomá-la ali mesmo, com a força arrebatadora que sentia explodir dentro de si. Mas ao contrário de agir impulsivamente, Hugh continuou com os movimentos suaves, acariciando cada minúsculo pedacinho de pele que encontrava. Margareth estremeceu, sentindo um formigamento subir de sua genitália até às costas, onde alojou-se na nuca. Com os olhos ainda focados nos dela, ele a puxou para junto de si e ela deixou-se guiar pelo instinto e necessidade de ambos. Hugh alojou Margareth em seu colo e beijou-lhe os lábios. A princípio o beijo fora delicado, mas então, à medida que o corpo da condessa se aproximava do seu e ela abria mais a boca para deixá-lo colocar sua língua, a paixão tomara conta dos dois e o beijo tornara-se uma fornalha prestes a explodir. Hugh apalpou bem devagar um de seus seios e ela gemeu baixinho, deixando-o ainda mais deliciado. Ela passou a língua por seu pescoço, arriscando com movimentos inseguros que só inflamaram ainda mais a chama que os envolvia. Hugh gostava da sua iniciativa, era mesmo uma mulher voluntariosa, ao mesmo tempo que seu toque era inexperiente e tímido. Isso o deixava louco de desejo. Hugh estava ofegante e Margareth sentia o corpo inteiro tomado pela ânsia de mais. Não sabia mais o que poderia acontecer entre eles, mas ela queria mais. Queria que ele explorasse mais e mais seu corpo e queria explorar o dele. E assim, ela tocou o membro rijo do marido. Tentou imitar os movimentos que o vira fazer, mas sentiu-se desajeitada. Ao perceber que ela se esquivava, Hugh cobriu a mão pequena da esposa e começou a acariciar o próprio membro, ensinando-a como subir e descer vagarosamente, alternando a pressão. O calor entre as pernas de Margareth aumentou e ela viu-se gemendo à medida que ele deixava a cabeça cair, fechando os olhos com prazer. Margareth beijou novamente os lábios de Hugh e ele retribuiu com fúria, colocando sua língua e movimentando-a com paixão. Os dois ficaram assim por alguns instantes, até que Margareth resolveu tentar a coisa mais audaciosa de sua vida. Lembrava-se do que vira Hugh fazer e como ele penetrara a maldita criada com seu membro e assim, ela levantou-se mas esticou a mão para pará-lo quando Hugh fez menção de acompanhá-la. Margareth olhou para o corpo atlético do marido e sentiu a umidade em sua vagina. Hugh sabia que Margareth estava insegura, mas o desejava quase tanto quanto ele a desejava. Olhando para o corpo pálido e pequeno ele ficou extasiado quando ela se sentou, devagar em seu membro. De início Margareth teve dificuldade e soltou um gemido dolorido, mas Hugh auxiliou-a, envolvendo a cintura dela com os dedos grossos. Ajustou-a na posição e com todo o cuidado ajudou a baixar seu corpo, unindo-os em um só pela primeira vez. Margareth estremeceu quando sentiu que Hugh a penetrava. Primeiro a dor irrompeu a parte interna, depois uma sensação de prazer misturou-se ao medo, à insegurança e à dor do ato. O desejo falou mais alto e ela viu-se acompanhando o ritmo dele com seus quadris. Hugh apertou o seio da esposa e depois passou a língua, sugando o mamilo e fazendo-a tremer. Ela passou as unhas em suas costas e cravou os dedos na nuca, puxando uns poucos fiapos de cabelo quando ele estocou com um pouco mais de ritmo e força. Os dois gemiam, beijando- se, arranhando e cravando os dedos na pele um do outro. Quando Hugh chegou ao ápice do prazer, ele olhou para o rosto de Margareth que parecia tomado por um transe de prazer incrível. Ela apertou os lábios e pressionou os dedos com mais força em suas costas. Naquele momento o conde teve certeza, ela estava se entregando ao prazer e sendo consumida por ele. Hugh chegou ao orgasmo no exato momento que Margareth cravou seus dentes em seu ombro e gemeu guturalmente, como um animal envaidecido. Margareth deixou a cabeça pender sobre o ombro de Hugh. Ele envolveu-a num abraço e os dois ficaram naquela posição por mais algum tempo. Quando percebeu que ela começava a tremer pela brisa gelada que os arrebatava, Hugh alçou o corpo com facilidade, erguendo Margareth nos braços. Enganchados, voltaram para a mansão. Parte 2 A Vingança Não existe coincidência, apenas a ilusão de uma coincidência. (V de Vingança). Treze
Quando Margareth abriu os olhos, ainda sonolenta,
sentiu uma brisa fria percorrer seu corpo. Estava aninhada no calor do peito de Hugh e os dois dormiam sobre o tapete da sala. A sensação dolorida na parte interna de seu corpo suavizou à medida que as lembranças dos acontecimentos horas antes ressurgiram em sua mente e ela sentiu o estômago revirar de excitação. Uma pontada de alegria surgiu em seus lábios e ela foi obrigada a sorrir consigo mesma, orgulhando-se de sua coragem e ousadia e ainda mais, impressionada com a força do desejo que possuía dentro de si. Hugh mexeu-se bem devagar e ela sentiu o calor de sua respiração batendo em seu rosto. Dormindo, a expressão selvagem suavizava, transformando-o em um homem incrivelmente lindo. Os cabelos revirados lhe agregavam os ares sombrios que a despertavam para a realidade em que ainda estava metida. Casada com um homem que podia ser incrivelmente doce e ao mesmo tempo, terrivelmente brutal. Era um labirinto confuso de sentimentos que a deixavam aterrorizada. Algo na batida compassada de seu coração a preocupava, mas ela afastou os pensamentos saboreando o poder do toque do conde sobre sua pele e do calor que a incendiava. Margareth afundou o nariz no peito de Hugh, aspirou devagar o cheiro dele e voltou a olhar para a beleza selvagem que se delineava no rosto quadrado. Sem a menor pretensão de voltar a dormir tocou o queixo do marido que dormia. Ele respirou um pouco mais forte e ela sorriu novamente. Com a ponta dos dedos percorreu a linha da clavícula, muito máscula e desceu pelos ombros torneados e levemente dourados. Totalmente diferente do que ela imaginava vindo de um nobre como ele. Os dedos um pouco hesitantes percorreram o peito e desceram vagarosamente para a região do umbigo, fazendo pequenos círculos e contornando a linha do osso pélvico de Hugh. A mão forte do conde pousou sobre seus dedos e ela arregalou os olhos assustada, ao perceber que os imensos olhos verdes faiscavam em sua direção. Sem dizer mais nada, Hugh puxou-a para junto de si, colando o corpo nu e pequeno ao seu. Margareth estremeceu com o contato e deixou-se levar pela mão forte e áspera do conde que começava a percorrer delicadamente seus braços. Sem pensar, Margareth enganchou os dedos finos na parte de trás da cabeça de Hugh e sentiu as pontas do cabelo entre eles. Hugh respirou ofegante e então mergulhou seus lábios nos dela, com fulgor e arrebatamento. Se sentir aquelas coisas era errado, então Margareth era mesmo a pior das mulheres, pois à medida que os lábios do conde percorriam sofregamente de seu queixo ao seu pescoço e depois aos seus seios, ela não conseguia pensar em desejar nada além daquilo. Deitar e esperar que o marido terminasse? Impossível, tudo o que ela queria era decifrar cada pedacinho do corpo dele, cada arrepio, cada sensação. O que ele ia pensar a seu respeito, isso já não importava. Tudo o que sentia era a ereção do marido de encontro com seu ventre, antes de penetrá-la com a força de uma fera. Margareth suspirou alto, deixando um gemido escapulir de sua garganta quando Hugh estocou pela segunda vez. Inebriante. Foi seu último pensamento lúcido antes de se deixar levar pela sensação maravilhosa de ser arrebatada pelo prazer. Instantes depois, tanto Hugh quanto Margareth gemiam deliciados sobre o tapete felpudo do quarto dela, diante da lareira levemente aquecida. A sensação de ter seu corpo colado ao de Margareth e vê-la com os olhos fechados e os lábios comprimidos de prazer era indescritível. Hugh já tivera muitas mulheres em seus braços, a maioria mulheres de pouca moral a quem ele pagava para satisfazer seus caprichos, outras criadas iludidas com a ideia de ser arrebatada por um nobre e ter sua vida completamente transformada em um conto de fadas. Coisa que nunca acontecia. Nenhuma delas, no entanto, um dia chegara a importar. E ele nunca quisera tanto satisfazer alguém como queria agora, diante daquele corpo tão pequeno que se movia ritmicamente ao seu, gemendo e espasmando de prazer quase simultaneamente. Ele nunca quisera tanto provar que era bom como queria com Margareth. Como ela tinha feito isso com ele? Como tinha transformado a fera que lutava para se libertar, em um animalzinho de estimação? Com esse pensamento Hugh deixou-se levar para o prazer do ápice e estremeceu quando percebeu que Margareth chegava ao prazer exatamente ao mesmo tempo. Ele nunca imaginara que aquela garota mimada e impetuosa poderia ser tão.... Tão deliciosamente sedenta. Assim que Margareth sentiu o prazer final contorceu-se sob o corpo de Hugh, espasmou uma última vez e relaxou. Foi então que percebeu os olhos verdes cravados nela, numa mistura de adoração e transe pelo prazer. Se ele estava sentindo o mesmo que ela, então definitivamente ser uma esposa valia a pena. Era incrível como o simples toque, o encontro dos corpos podia provocar tamanha explosão dentro dela. A condessa de Surrey esperou que Hugh deitasse ao seu lado para então olhá-lo com bastante atenção. Hugh sorriu. Era a primeira vez que ela percebia isso e como era lindo ver seus lábios carnudos levemente curvados de satisfação. Ela não conseguiu evitar e sorriu em contentamento. Aquele homem era um mistério e uma surpresa e ela estava completamente arrebatada por aquela sensação incrível de ser sua. Hugh puxou Margareth para junto de seu peito e ela cedeu, colando a lateral do rosto nos poucos pelos do peito dele. Com os dedos distraídos ela deixou-se brincar na intricada carga muscular que ele trazia no ventre. — Um castelo por seus pensamentos. — Hugh falou, a voz branda. — Uma vez vi meu irmão mais novo sem camisa. Hugh sorriu. De tudo que ele esperava ouvir naquele momento, aquela era, definitivamente a última coisa. — A barriga dele era diferente... mole... — Seu irmão não me parece um homem desajeitado. — E não é. Muitas jovens caem de amor por ele. Definitivamente é um dos rapazes mais bonitos que já vi, mas me refiro a isto. Ela passou os dedos sobre a ondulação no ventre dele e Hugh compreendeu. — Meu irmão é magro, mas você é diferente... — Entendo. Os dois mergulharam em um breve silêncio. Os dedos de Margareth voltaram a delinear as ondulações no abdomen de Hugh que suspirou de prazer. — Isso agrada você? — Sim. — Ela falou, com toda a sinceridade que possuía. Não estava com ânimo para encenações dramáticas e enfadonhas. Naquele momento, tudo o que disponha era ela mesma. — Nunca vi um homem nobre que trabalhasse. Minha família não detém títulos e meu pai trabalhou muito duro para chegar aonde está, trabalhar é normal para os Sinclair, mas os nobres geralmente... — Não fazem nada, não é mesmo? Margareth olhou-o de soslaio e percebeu que ele assumira um semblante taciturno. — Você é diferente, não é? Diferente de qualquer homem deste mundo. — Você também não é igual a nenhuma mulher que eu tenha conhecido. — E isso é bom ou ruim? — Às vezes é terrível, você é bem irritante. Margareth gargalhou e o som de sua risada natural encheu o quarto de energia. Hugh prestou atenção em seus traços enquanto ela mantinha os olhos fechados e deixava o riso sair sem nenhuma dificuldade. Linda. Pensou. — É difícil lidar com você. — Ela falou num misto de diversão e sonolência. — Eu sei. Hugh falou, curvando-se sobre Margareth e despertando-a completamente do seu transe. — Vamos para cama? Ela sorriu em resposta, parecendo ao mesmo tempo inocente e ardilosa. Um truque feminino muito sedutor que o deixou rapidamente em chamas novamente. Com as mãos sobre o quadril de Margareth, ele beijou-a novamente nos lábios e no pescoço. — Tem algo que eu gostaria de experimentar... — Ela deixou escapar enquanto prendia os dedos nas costas de Hugh e sentia a queimação entre suas pernas novamente. — Você não para de me surpreender. Quatorze
Margareth estava atônita consigo mesma. Nunca se
imaginara uma mulher muito empolgante. Nada além de seus ideais e sonhos com a liberdade. Nada como aquilo que estava fazendo. Era excitante e mágico. E mais, era prazeroso ao extremo. Jamais compreendera porque a maioria dos homens e mulheres de classe tinham quartos separados. Achava que havia descoberto quando se casara com Hugh e decidira expulsá-lo na noite de núpcias. Agora, porém, a dúvida voltava à sua mente. Se a consumação do casamento era algo tão delicioso, como as pessoas poderiam querer ficar um segundo sequer longe daquilo? Hugh gemeu e Margareth sobressaltou-se. Ela segurava com firmeza o membro ereto do marido e devagar mergulhava-o dentro de sua boca, deixando a língua brincar e saboreá-lo como se estivesse degustando um doce especial. Ela olhou-o e percebeu que seus quadris estavam levemente erguidos da cama. Seus olhos fechados com força e suas mãos cravadas nos lençóis. Não conseguiu definir se ele estava gostando ou não. Com os olhos abertos voltou a colocar o membro dele em sua boca, bem devagar, mergulhando até aonde sua garganta permitiu. Hugh estremeceu, deixando outro gemido escapar de sua garganta. Então, Margareth passou a língua pela ponta do membro, sentindo o gosto árido do liquido que escapulia vez ou outra. Impulsionada por seu desejo, ela subiu sobre Hugh, mas não o deixou penetrá-la. Pelo contrário, ainda queria muito explorar o corpo dele e tinha algumas ideias que não paravam de saltitar em sua cabeça. Beijou-lhe o peito definido e passou a língua bem devagar sobre as ondulações do abdômen, deixando-o ainda mais excitado. Com os lábios molhados percorreu o caminho oposto ao membro, subindo com sua língua ao pescoço onde mordiscou de leve várias vezes. Hugh remexeu-se instintivamente, como se estivesse prestes a explodir. — É a sua vez... — Ela murmurou em seu ouvido, fazendo-o abrir os olhos verdes faiscantes. Hugh enganchou as mãos nos quadris de Margareth instintivamente e num gesto rápido e uma manobra inesperada, girando-a de cima para baixo sem desviar os olhos dos dela. Deitou-a sob seu corpo, ficando completamente em cima dela. Os olhos dela pareciam surpresos com sua agilidade e deliciados com o prazer que isso provocava. Ele desceu os lábios de seu cabelo, passando a língua quente sobre o pescoço e mergulhando os dentes devagar em seus seios. Margareth gemeu alto e isso o deixou ainda mais motivado, sugando o mamilo intumescido repetidas vezes. Com os dedos grossos ele apertou o outro seio e depois desceu pelos quadris e coxas. Enfiou a mão por baixo do corpo de Margareth e então deu um aperto de leve em suas nádegas. Ela resfolegou, aspirando o ar com dificuldade. Hugh tornou a sugar o mamilo, enquanto sua outra mão percorria a lateral do corpo dela e afundava bem no meio do tufo de pelos claros. Margareth estremeceu quando os dedos começaram a acariciar sua parte mais intima, passando de um lado para o outro em movimentos cada vez mais ritmados. Em poucos instantes, Margareth já não conseguia mais pensar em nada, gemendo e erguendo os quadris seguidamente. Hugh desceu com a língua pelo ventre dela que se agarrou ao seu cabelo e puxou com força. À medida que ele se aproximava de sua parte interna, ela comprimia com mais força os quadris na cama e as mãos em seus cabelos e ombros. Quando finalmente ele mergulhou a língua entre os pelos, ela ofegou e começou a espasmar. Não demorou para chegar ao ápice do prazer e gemer como uma verdadeira fera enlouquecida. Hugh não conseguia deixar de pensar no que mais ela poderia esconder. Que mistérios ainda descobriria de sua esposa? Quando ela finalmente deixou o corpo pender sobre os lençóis cansados, ele voltou ao seu ouvido e disse: — Sua vez. Ela sorriu ao abrir os olhos, exibindo um brilho azul ousado. Levantou-se e começou a percorrer o corpo dele com a língua, passando as unhas em seu ventre e cravando-as delicadamente nas coxas. Mergulhou os lábios com intensidade no membro que logo erigiu-se deixando-a ainda mais desejosa. Com movimentos intensos e rítmicos ela intercalou entre os lábios e os dedos, subindo e descendo sobre o membro e arrancando suspiros avassaladores de Hugh. Quando finalmente ele chegou ao orgasmo, Margareth sorria de prazer e satisfação. A explosão que se seguiu a pegou desprevenida e ela assustou-se um pouco quando um pequeno e viscoso líquido saltou do membro dele para sua boca. Sem saber o que fazer ela o engoliu, engasgou um pouco e tossiu. Hugh puxou-a para junto do peito, ainda com os olhos fechados, depois pegou as cobertas trazendo-as para cima dos dois que mergulharam juntos num sono pesado. Quando Margareth tornou a abrir os olhos, Mad a estava espiando, com ares de riso e admiração. Com o dedo indicador sobre os lábios fechados a criada fez um gesto de silêncio para a condessa que esfregou os olhos e virou para o lado, certificando-se de que não era um sonho a visão do homem forte dormindo ao seu lado. Ela não conseguiu se conter e sorriu, satisfeita consigo mesma. — Traga o café para nós dois, aqui. — Cochichou para a criada que assentiu e saiu do quarto aos pulinhos, sorrindo como uma criança que acabara de ganhar um doce. Hugh sorriu quando abriu os olhos, confirmando para Margareth o que ela pensara na noite anterior, seu sorriso era ainda mais bonito e terno. — Bom dia. — Ela falou, curvando a cabeça para o lado e deixando a cabeleira loura encaracolada cair sobre o ombro. — Acho que ainda não é dia, volte para cá e vamos dormir mais um pouco. — Ele resmungou bocejando. — Meu estômago está roncando. — Como você pode estar tão disposta? Eu me sinto acabado. Margareth gargalhou, compreendendo o cansaço dele por causa do esforço durante a noite. Sorridente e cheia de energia ela deitou-se ao seu lado e começou a brincar com seu abdômen novamente, passando os dedos distraidamente. — Você não cansa, não? — Ele perguntou, arqueando uma sobrancelha. — Não. — Ela falou, sentindo-se de repente um pouco inibida. Margareth encolheu-se um pouco sem jeito e Hugh gargalhou, puxando seu rosto para junto do seu e beijando-lhe os lábios com ternura. — Acho que você está querendo ficar viúva. — Eu? — Quer acabar comigo antes do café... — Ele riu, passando as mãos sobre um dos seios que imediatamente começou a intumescer. — Desculpe. — Ela resmungou, puxando o cobertor até cobrir parte do peito e dos ombros. — Não se desculpe. Gosto disso. — Ele sorriu, tornando a beijá-la com mais intensidade. Margareth retribuiu o beijo, abrindo os lábios e deixando-o mergulhar a língua dentro de sua boca. Ela gemeu de prazer quando ele colou seu corpo ao dela. Os dois riram quando o estômago de Margareth roncou alto, acabando com o clima sensual que tornava a tomar conta do quarto. — Você está mesmo com fome. — Eu disse a você. — Ela falou, deitando-se sobre o peito do marido e fechando os olhos. Ele não disse nada. — Nunca imaginei que pudesse ser assim. — Assim como? — Tão bom. — Ela falou, dando de ombros. — Então deitar de olhos fechados e me esperar terminar não é mais uma opção. — Nem pensar. — Ela falou gargalhando. Hugh a acompanhou, sorrindo. — Você realmente gostou, não foi? Ela arqueou as sobrancelhas pensando a respeito. — Bom, no início doeu um pouco, mas depois... sim, gostei. Muito. — Que bom, acho que não suportaria ficar casado com uma mulher que fechasse os olhos e esperasse que eu fizesse tudo sozinho. — Ótimo, pois tenho certas... Mad bateu à porta interrompendo-os. Margareth cobriu-se com o cobertor e Hugh mandou a criada entrar. Ela vinha carregando uma bandeja com pães, frutos e chá. Fez uma reverência perfeita. Depois colocou-a sobre uma mesinha e puxou-a na direção da cama. Virou-se em silêncio para a janela e puxou as cortinas, deixando a luz forte entrar no quarto. — Devo voltar para ajudá-la a vestir-se, vossa graça? — A criada falou, com os olhos voltados para o chão. — Sim, mas antes preciso de um banho. — Vou providenciar água quente. Com licença. Quando Mad saiu, batendo a porta deu uma última olhada para a condessa e sorriu, piscando discretamente para a jovem que enfiava um pãozinho na boca. Margareth retribuiu o gesto terno e então tornou a olhar para Hugh que observava tudo silenciosamente. — Ela gosta de você, na verdade todos os criados gostam. — Nem todos. — Margareth respondeu, fechando o cenho. Depois de alguns instantes, Hugh aproximou-se da mesinha e pegou o bule de chá, servindo-se de uma dose generosa. Pensou em coisas a dizer para a esposa, coisas sobre sua sensualidade, sobre sua deliciosa entrega ao prazer e à descoberta, mas acima de tudo pensou em jurar- lhe que nunca mais nenhuma outra mulher deitaria em sua cama. Mas não disse nada daquilo. Tomou um gole sorvendo o aroma forte do chá, depois pegou um pãozinho e mordeu. Estava macio e quente e desmanchou-se na boca. — Acho que uma das melhores coisas que existem são esses pãezinhos. — Margareth falou com a boca cheia, de repente recuperada da lembrança de Aila. — Isso e a torta de frango que a cozinheira faz. — Hum... deve ser boa. — Ela falou, sorvendo o chá sobre o pãozinho e sorrindo despretensiosamente. — Preciso pedir uma coisa a você. — O quê? — Sobre a recepção que daremos nos próximos dias... — Bem lembrado, tenho muito a fazer sobre isso. Hugh olhou-a sério. Ela arqueou a sobrancelha em resposta. — O que o preocupa? — Preciso que ela seja impecável. Meus negócios dependem muito do que acontecer nesse dia. — Então, será impecável. Com um novo sorriso nos lábios, Hugh largou o chá sobre a bandeja e puxou Margareth para junto de si. Ela entregou-se ao beijo com voracidade. Os dois fizeram amor com a mesma intensidade da primeira vez, descobrindo as sensações e se deixando levar pelo prazer. Quando finalmente Margareth desceu as escadas e foi à cozinha, perto do meio dia, estampava um largo sorriso e as faces ruborizadas. Hugh já havia saído para algum evento e Mad andava de um lado para o outro na cozinha principal, cochichando, rindo e dando pulinhos. Ao ver a condessa todos endireitaram-se e fizeram a rotineira reverência. — Bom dia. — a condessa declarou simplesmente, deixando as saias farfalhantes amassadas ao se jogar sobre o enorme banco de madeira que se dispunha um pouco afastado da mesa. — A senhora precisa de alguma coisa, vossa graça? — Mad perguntou, sem esconder sua alegria. — Que você pare de rir feito uma maluca. — Margareth respondeu, caindo na gargalhada em seguida. Seu humor reverberou pelas paredes e todos a olharam com extrema simpatia. Se ela de mau humor era bastante aturável, de bom humor então era simplesmente magnifica. — Onde está a Sra. Garden? — Foi à cidade encomendar as coisas que a senhora pediu para a recepção. Algumas precisam ser pedidas com antecedência. Margareth assentiu. Depois correu os olhos pela enorme cozinha e falou, os imensos olhos azuis muito sérios na direção de Mad. — Onde está Aila? Mad arregalou os olhos. — Mande-a arrumar meu quarto e limpar... bom, você sabe o quê. — Não vai ser possível, vossa graça. — Ora, não me diga que aquela criatura horrorosa ficou doente? — Não, nada disso. — Então o que foi? Pare de me enrolar e comece a falar. — Ela não está mais aqui. — O quê? — Bom, a primeira coisa que o conde fez hoje cedo foi dispensá-la. Ela partiu há menos de uma hora. Margareth engasgou. — Não me diga. — Sim, ela chorou e implorou, mas então, o conde foi firme e a mandou partir imediatamente. Cena lamentável. — Mas que maravilha. Mad sabia porque a condessa odiava a criada, na verdade não havia na propriedade quem não soubesse das visitas que ela fazia à cama do conde e mais, muitos sabiam da afronta que Aila vinha fazendo à dona da casa. Dispensá-la era só uma questão de tempo e apesar da cena ter sido bastante triste e comovente, Mad achava que havia sido merecida. No lugar de Margareth, ela mesma teria expulsado Aila e ainda lhe acertado várias bofetadas durante o processo. Mas ela não era a condessa e Margareth, apesar de exultante tentou demonstrar ao máximo alguma indiferença, embora ficasse nítido o que ela realmente sentia. Mad a admirava, era inegável sua classe. Mas era ainda mais inegável sua força. Quinze Nos dias que se seguiram, Margareth não podia sentir-se mais radiante. Sempre sorrindo, esbanjava energia e vivacidade pela mansão, deixando a todos contagiados pela frenética movimentação em prol dos preparativos para a recepção. Pela primeira vez em semanas, desde o casamento, Margareth sentia-se realmente a dona da casa. E enquanto pensava nas noites ardentes que vinham se tornando regra do casamento com o conde, agitava as coisas na mansão, tornando-a cada vez mais impecável para a recepção. A senhora Garden estava exaurida quando Hugh chegou. Sentada em um canto da imensa cozinha, abanava com uma das mãos o rosto avermelhado e esfregava os pés um no outro, de molho em uma bacia com água quente. Já era noite e Hugh achou a cena engraçada. — Boa noite, vossa Graça. — Ela falou, apressando-se a levantar-se. — Não se incomode. — Hugh falou. O bom humor de Hugh era outra novidade da casa. Desde que Margareth e ele haviam finalmente consumado o casamento, não se passava uma manhã sequer que as criadas não o encontrassem dormindo ao lado da esposa. Se por um lado a disposição da condessa as deixava exaustas, o bom humor do conde era compensador. Nunca se viu um período de mais agitação e paz, simultâneas. Se durante o dia Margareth quase chegava a tombar pelo cansaço e peso das saias, durante a noite, nua diante do marido, sentia-se completamente revigorada e disposta a entregar-se às investidas de Hugh, deleitando-se com as novas e prazerosas descobertas. Hugh estava sentado diante de uma mesa do clube de cavalheiros de Londres, um charuto entre os dedos e os pensamentos absortos nos contornos de Margareth que insistiam em transitar por sua memória. Aquilo o estava consumindo. Com tantas coisas em que pensar e tantos planos a colocar em prática, como ele só conseguia pensar nela? Leonard, o jovem nobre que o seguia para todo canto, chegou sorridente como sempre, irradiando jovialidade e dispensando cumprimentos muito formais. —Hugh, meu amigo conde. — O rapaz falou, ignorando qualquer tom de etiqueta e beirando a vergonha pela intimidade. — Meu caro Leonard, como vai rapaz? — Melhor agora. Você está sumido. Tudo bem? — Ah! Nunca estive melhor. — Hugh apressou-se em dizer. Sua voz soou tão natural que ele se perguntou se dizia aquilo para manipular a conversa ou se por sentir-se realmente da melhor maneira possível. — Pelo jeito, o casamento não é tão mau como alguns insistem em dizer. — De jeito nenhum. — Hugh sorria. — Confesso que às vezes fico quase louco com tantas conversas sobre novos móveis e livros de romances, mas as noites compensam meu caro, e como. — Hugh deu um tapinha no braço do jovem amigo que logo abriu um sorriso. — Pois imagino. Não se fala em outra coisa nos chás da tarde. — O quê? — Pelo seu sumiço de Londres, todos esperam em breve um herdeiro dos Ruthenford. Hugh sorriu. Se todos estavam falando dele, significava que seu casamento havia provocado muita comoção. Exatamente como ele esperava. Era apenas uma questão de tempo até conseguir tudo o que queria. Ele teria sua vingança. Na manhã da recepção, cerca de três semanas haviam se passado desde a cerimônia do casamento. Hugh estava ainda mais bonito em seu fraque com o peito estufado. Margareth pulava na cama, ainda de camisola, os cabelos soltos caindo feito cascatas sobre os ombros e sobre as costas. Sorria exultante. O rosto angelical apenas substituído pelo ar sedutor e desejoso. — Você sabe que ainda é muito cedo, não sabe? Ele não respondeu de imediato. — Hugh, você está bem? — Desculpe, o que você disse? — Hugh parecia perdido em um turbilhão de pensamentos. — Você podia voltar pra cama. Ainda temos o dia todo pela frente. — Exatamente. Temos o dia todo. Acho que vou enlouquecer. O conde começou a andar de um lado para o outro, mal dormira na noite anterior e Margareth percebia o quanto ele parecia cansado e tenso. — O que o preocupa tanto? — Essa maldita recepção. — Ainda podemos cancelar. Quem se importa com esse bando de fofoqueiros? — Não! — Hugh adiantou-se, pegando a esposa pelos braços e olhando-a com tormento. Com um olhar determinado, Margareth desvencilhou-se das mãos do marido e passou os braços em seu pescoço. Primeiro tirou a casaca de Hugh e em seguida apressou-se a despir seus ombros do restante do fraque. Quando finalmente o peitoral torneado e cheio de ondas apareceu, ela sorriu. Hugh ameaçou protestar, mas Margareth olhou-o de esguelha e arrancou a própria camisola, deixando o corpo firme à mostra. Com carinho pegou a mão do marido e colocou sobre seu seio. Depois beijou-lhe o pescoço e puxou-o para a direção de sua virilha. Hugh gemeu, meio consternado e meio excitado. Se ele chegava furioso da rua, ela tirava as roupas e colocava seu membro nos lábios, deixando-o completamente esgotado. Se ele chegava animado, ela deitava-se de costas e deixava-o penetrá-la como um furacão, apertando suas nádegas e gemendo em resposta às mordiscadas no seio. Naquele momento, porém, ele estava tenso e confuso e ela, como vinha virando rotina, o estava seduzindo e acalmando. Fizeram amor ali mesmo, meio sobre a cama e meio de pé. Ao fim, Hugh estremeceu, os olhos fechados entregues ao que quer que Margareth quisesse. Se naquele momento ela pedisse, ele desistiria de tudo. Mas ela apenas sorriu, aninhou-o em seus seios e acariciou seu cabelo. — Quando você estiver pronto para conversar, estarei pronta para ouvi-lo. Estranhamente aquilo acalentou o coração do conde. Ela sabia, pressentia que algo o atormentava e ao invés de enchê-lo com perguntas preferiu apenas deixar ciente que o compreendia e estava disposta a escutá-lo, se assim o desejasse. Algo naquela mulher o deixava completamente estarrecido, ao mesmo tempo que completamente envolvido. Dormiu até perto da hora do almoço. Margareth mandou servir uma refeição farta para o marido, com tudo o que um homem poderia desejar num dia como aquele. Depois sentou-se silenciosamente à mesa e começou a saborear a refeição. Hugh estava faminto e sentia-se de repente muito revigorado da ansiedade e tensão. — Já disse que você é uma megera? — Hugh sorriu, acariciando os dedos da esposa e bebericando uma taça de vinho. — Algumas vezes. Mas a que devo a honra de mais este amável insulto? — Ela sorriu, pronta para desferir uma resposta à altura. — Você sempre consegue o que quer, não é? — Ele provocou-a, olhando descaradamente para seus seios sob o babado do vestido florido. — Sempre. — Ela respondeu, aproximando-se dele e acariciando sua virilha. Hugh alteou uma sobrancelha e sorriu. Não havia ato que esgotasse as energias daquela mulher. Isso era excitante. — E como estão as coisas para a cerimônia? — Em ordem. — Ela falou despreocupadamente. — Não se preocupe, tudo vai correr bem. Margareth piscou, os imensos cílios cintilando sobre o azul céu de seus olhos. Hugh sentiu o desejo percorrer seu corpo e achou que talvez estivesse mesmo ficando louco e a única culpada disso era Margareth. Sorrindo, ele beijou os dedos dela que retribuiu o afeto beijando-lhe os lábios. Já era noite quando os primeiros convidados começaram a chegar. Muita elegância envolvia o ambiente. O salão de festa estava iluminado e um aroma de lavanda era dispersado por um tipo de incenso que Margareth encomendara de um comerciante francês. Uma orquestra tocava uma melodia suave quando a primeira dama cruzou a porta e foi anunciada pelo lacaio. O vestido cheio de babados e o corpete completamente sufocante davam-lhe uma cintura muito fina diante de um grande amontoado redondo de saias. Lembrando vagamente a Margareth um grande bolo de aniversário. Mesas se espalhavam pela lateral do ambiente e pequenos quitutes requintados começaram a ser servidos imediatamente. Garçons cruzavam o ambiente discretamente abastecendo os copos que não paravam de surgir, à medida que a noite começou a avançar. Em algumas horas o local estava cheio e abafado por falas animadas e cheiro de charuto. Muitas mulheres andavam juntas, empoleirando-se com suas crinolinas e anáguas sobre os assentos especialmente comprados para aguentar o peso dos vestidos. A maioria cogitava em que momento o casal anfitrião deveria chegar. É claro que aquilo era um tipo de afronta, os anfitriões não estarem no salão quando seus convidados chegavam e muitos comentavam em baixo tom o quão desagradável podia ser a presença do conde. Já que ele era bastante conhecido por sua rudeza. Outros mensuravam a possibilidade da jovem esposa estar se recusando a descer para a festividade. No quarto de Margareth, Hugh andava de um lado para o outro, os olhos afoitos e as mãos suadas. — Pelo amor de Deus, Hugh, pare de andar, você está me deixando tonta. — Não consigo, isso vai ser um fracasso, já deveríamos estar lá embaixo. Pense o que devem estar falando agora... Margareth caminhou até Hugh e com seu sorriso mais doce acariciou sua face. — Deixe que falem. No momento certo desceremos aquelas escadas. Você é um conde e não um lorde qualquer. Vamos deixar claro sua superioridade esta noite. Ele arqueou as sobrancelhas e ela riu. Um criado bateu à porta instantes depois e cochichou que o duque Paxton já estava no salão. Hugh olhou para a esposa que sorriu. — Será que agora seria o momento? Dezesseis
Margareth caminhou bem devagar em sua direção,
esperou que ele cedesse o braço e pegou-o. Ela estava deslumbrante e, ao descer as escadas com o conde arrancou suspiros por todo o salão. Seu sorriso era desigual, e os dois olhavam-se a todo instante. Com toda certeza aquela entrada era espetacular, exatamente como ela planejara. Hugh vestia um fraque, com elegância fenomenal deixou a cartola sair de sua cabeça e encontrar as mãos do lacaio que os recebeu ao pé da escada. Com os olhos verdes faiscantes ele sorriu novamente para Margareth quando ela apertou seu braço de leve antes de completar o trajeto da escada. — Você está linda. — Ele cochichou ao seu ouvido, provocando um novo e honesto sorriso na esposa. Roçou os dedos sobre as luvas brancas de Margareth antes de cruzarem o salão com a graça e a superioridade da realeza. Algumas damas começaram a cochichar, evidenciando a beleza do vestido da condessa e as joias raríssimas com que provavelmente o conde a havia presenteado. A condessa de Surrey desfilou com seu lindo vestido drapeado em creme, com mangas recatadas e babados sobre o peito. Os cabelos presos no alto deixavam algumas mexas encaracoladas caírem revoltas sobre o pescoço longo, onde um colar com diamantes exibia a riqueza do casal. Um deleite que atiçou até os olhos dos mais velhos. A cobiça não demorou para ser evidenciada, tanto entre homens, quanto em mulheres. Todos queriam um momento com o conde ou com a condessa. Margareth não parou de sorrir, nem mesmo quando seus olhos cruzaram o salão e depararam-se com os raivosos do duque Charles Paxton. Ele fuzilava Hugh com intensidade e, à medida que ele exibia sua linda e jovem esposa, o homem parecia mais amargo e rabugento, encolhendo-se em sua papada desproporcional que o deixava tremendamente malvestido no fraque. — Aquele duque horroroso não tira os olhos de você. — Margareth falou, quando o marido a enlaçou para a valsa. — Deve estar com inveja. — Hugh respondeu olhando para Charles Paxton e sorrindo com desdém. — E aquela esposa dele, por Deus, como alguém pode ser tão intragável? — E feia. Os dois riram alto com a maldade de seus comentários. A valsa começou e passaram a mover-se pelo salão com destreza, cochichando e falando mal do duque e sua esposa que parecia ainda mais zangada do que ele. A valsa os deixou ainda mais em evidência. No decorrer da festa tudo transcorreu com perfeição, exatamente como ela esperava que fosse. Hugh, ao longe, sorria e fumava um charuto falando com um jovem de rosto ansioso e animado e mais alguns cavalheiros que nitidamente pareciam com inveja de seus ares juvenis. Margareth bebeu um gole de vinho e admirou mais alguns instantes o marido. Não percebeu quando uma dama se aproximou e ficou encarando-a. — Pelo jeito, ao contrário do que alguns de nós poderia imaginar, ser casada com o conde de Surrey é uma coisa boa. Margareth virou-se sobressaltada e quase cuspiu o vinho quando percebeu que a senhora ousada que lhe dirigia a palavra era na verdade a esposa do duque Charles Paxton. Definitivamente de perto a mulher era ainda mais feia, com os olhos caídos e uma papada grossa sobre a gola do vestido, os seios fartos pareciam abaixo da linha correta e a protuberância de seu ventre poderia ser facilmente confundida com uma gestação. — Não posso me queixar. — Margareth falou de súbito tentando organizar os pensamentos. — E curvando- se numa reverência discreta e delicada. É claro que ela sabia que o marido não a repreenderia por algum pequeno deslize e como ele também não suportava aquele duque e sua esposa, talvez, mas só talvez, ela pudesse se dar ao luxo de responder como aquela verdadeira megera merecia. — Algumas pessoas consideraram uma afronta vocês dois não estarem presentes enquanto seus convidados chegaram... — E a senhora, o que achou? — Margareth curvou-se aproximando o rosto ao da mulher de forma intimidante. — Inexperiência. — Oh! Mas a senhora me toma com muito carinho. — Margareth falou, um sorriso inocente brotando em seu rosto. A mulher não disse nada. — Sabe, meu marido é um conde, ele só faz o que quer. — Margareth deu de ombros. — A senhora deve compreender muito bem isso, afinal o seu é um duque. A duquesa já começava a dar-se por satisfeita, como se tivesse sido vitoriosa quanto a descobrir a brutalidade e a selvageria do conde quando Margareth tocou a face, fingindo corar. — Posso confidenciar uma coisa à senhora? A mulher assentiu, curiosa. — Imagine que eu já estava pronta para descer e receber meus adorados convidados quando meu marido resolveu que desejava averiguar se eu estava vestida adequadamente. — Margareth sorriu e a mulher bufou consternada. A condessa continuou, direcionando o olhar da duquesa para onde o Hugh em toda sua boa forma e carisma atraia mais homens para a conversa. — Imagine que descobri que meu marido tem um grande interesse pelas partes intimas femininas. As minhas em especial... A duquesa avermelhou seu rosto inchado, estupefata demais para falar. — Devo dizer que nunca imaginei que ser casada com um homem tão forte e bonito poderia ser tão bom. Há semanas que mal durmo... — Oh! Garota insolente. — A mulher resmungou, afastando-se com o rosto muito vermelho. Uma dama, beirando não mais que vinte anos parou ao lado de Margareth logo que a duquesa saiu bufando e reclamando. A garota tinha lindos olhos infantis e um corpo muito bonito, apesar de muito magro. Fez uma reverência respeitosa e sorriu, esperando que Margareth consentisse sua fala. — É a festa mais bonita em que já estive. — Oh! Que amável de sua parte. — Margareth sorriu, reparando na honestidade da garota. A menina virou seus olhos caramelos na direção do jovem que conversava animadamente com o conde. — Na certa você já dançou com muitos cavalheiros esta noite. Sendo tão bonita... — Margareth começou a dizer, mas parou ao notar um suspiro de hesitação na jovem. — Posso fazer uma pergunta sincera à senhora, condessa? — Desde que você me chame apenas de Margareth, por mim tudo bem. A garota animou-se. — Como a senhora fez para conquistar o conde? Sabe, ele era um homem muito cobiçado e eu cheguei a pensar que nenhuma moça conseguiria, mas a senhora conseguiu e ele parece adorá-la. Margareth pensou à respeito. — Para ser sincera não sei. Acho que no início tentei fazer exatamente o contrário. — Gostaria de ter essa sorte. Margareth se compadeceu da garota. Ela estava encantada com o jovem bonito que seguia Hugh na direção das duas. Com as faces muito coradas a garota encolheu- se quando os dois pararam diante da anfitriã da festa. Margareth notou e pensou que talvez pudesse ajudar um pouco. — Querida, deixe-me apresentá-la ao meu amigo, o jovem Marquês de Hartington. — Por favor, me chame apenas de Leonard, não gosto muito dessas formalidades. — Leonard logo terá que se acostumar com essas formalidades, afinal é o filho mais velho do Duque de Devonshire. — Oh! Por isso o reconheci. Como vai Leonard? — Margareth sorriu, reverenciando de forma espetacular. A jovem ao seu lado repetiu o gesto, com o rosto muito corado. — Leonard é com certeza um grande amigo. — Hugh sorriu. — E depois do meu esposo, o jovem mais bonito do salão. Os dois homens sorriram admirados com a delicadeza e destreza de Margareth. — Se o senhor me permitir, preciso de uns instantes de sua atenção com algo sobre a recepção. Hugh alteou a sobrancelha e Margareth lançou-lhe um olhar de tédio que o alertou de sua impaciência. — Será que você me faria um favor, querida? — Margareth falou para a jovem de quem nem mesmo se lembrava o nome. — Dê atenção ao amigo de meu esposo e seja gentil com ele aceitando uma valsa. Ele é um convidado muito importante. — Claro, condessa. — A garota reverenciou, enquanto Margareth puxava Hugh pela mão, sorrindo e falando sobre a beleza da noite. Os dois jovens ficaram conversando e Leonard sorriu quando a garota, um pouco encabulada, aceitou a valsa. Os dois logo deslizaram sobre o salão, diante de muitos olhares curiosos. — O que foi? — Hugh puxou Margareth para um canto, os olhos preocupados. — O que foi o quê? — O que aconteceu? Você disse que precisava falar comigo... — Ah! Não foi nada, só queria dar espaço para os dois se conhecerem. — Ela disse, dando de ombros. Hugh não conseguiu conter o sorriso, passou os braços pela cintura da esposa e mesmo sabendo que aquele gesto poderia ser mal recebido pelos membros da sociedade, beijou-lhe o pescoço e o rosto. — Não fazia ideia de que além de uma excelente anfitriã, você poderia ser uma casamenteira. Ela retribuiu com outro de seus sorrisos largos que deixavam qualquer um à sua volta desmanchado. Então, instantes depois, avistou o duque e a duquesa saindo da festa com ares de ultraje. Apontou com a cabeça para o casal e fez um olhar de culpa. — Acho que provoquei a partida deles. — Margareth confessou. — Por quê? — Porque não resisti à provocação daquela bruxa e respondi à altura. Hugh alteou a sobrancelha. Margareth suspirou e então contou resumidamente o que havia dito à mulher intragável que ambos conheciam como duquesa. — Você sabe que ela falará mal de você por anos, não sabe? — Ele disse, tentando conter o riso. — Não importa o que tenha dito a ela. — Não me importo, aquela mulher é horrenda. Não consegui evitar, me desculpe. — Talvez eu tenha dito uma ou duas coisinhas sobre nós ao duque, também. Sorrindo, os dois voltaram para a pista de dança, onde um lacaio indicou à orquestra para tocar outra valsa. Dançaram arrebatados, esquecendo-se completamente de tudo à sua volta. Quando finalmente não havia mais nenhum convidado na casa, os dois deitaram-se na cama, no quarto de Margareth, completamente esgotados. Dezessete
Margareth acordou sentindo muito frio. Chamou
Hugh e os dois enfiaram-se sob as cobertas. A lareira não estava acesa e o frio poderia deixar qualquer sujeito forte, doente. Ela não precisava de outra noite à beira da morte por causa do frio daquela época, portanto não fez cerimonias ao colar o corpo pequeno ao do marido. Aninhada, não demorou a pegar no sono outra vez. Em semanas, foi a única noite em que dormira sem fazer amor. Pela manhã, ela declarara que os dois deveriam compensar isso e não o deixou sair da cama até à hora do almoço. Quando desceu as escadas para a refeição, Hugh sentia-se quase tão cansado quanto quando deitara, depois da festa na noite anterior. Margareth por outro lado, reluzia de felicidade e cantava dentro da banheira cheia de água quente e óleo de flores que Mad, aos risos preparara. Para qualquer um ali estava bastante claro: Quando Hugh estava com olheiras, estava de bom humor, e Margareth era, sem sombra de dúvidas, a única causa para isso. Se ela cantava, ele sorria e à noite, voltavam a dividir a mesma cama. Cerca de duas semanas se passaram desde a recepção que Margareth providenciara e que fora simplesmente fenomenal. Desde então não se passara um dia em que não chegara um convite para chá, jantares e almoços em clubes. Não havia quem, na sociedade britânica, que não sonhasse em ter o casal desfilando em algum evento seu. Mas Hugh só pensava em uma coisa: Vingança. Hugh arrumou-se com elegância e foi para o parlamento. Há um bom tempo que não cumpria com suas obrigações de conde. Embora ainda pudesse usar como argumento o recente casamento para ficar afastado, queria e precisava voltar a participar das atividades da câmara dos lordes. Se tudo tivesse corrido como esperado, sua popularidade com aqueles homens fúteis e egocêntricos teria subido muito graças ao sucesso da atuação de sua jovem esposa. Havia apenas um empecilho a ser superado: Paxton. A reunião fora acalorada, os homens bufavam e gritavam, discutiam uns com os outros e com o nada. As paredes do enorme salão do parlamento pareciam estar recuando para o centro da sala e Hugh sentia-se à beira de sufocar. Sempre gostara da vida ao ar livre e, ser obrigado a ficar enfurnado naquele local, com aqueles homens desagradáveis, que gritavam e fumavam seus charutos fedorentos, lhe provocava uma vontade enorme de abrir um buraco no solo e esconder-se do mundo, até que tudo estivesse acabado. Para piorar ainda mais sua situação, Paxton estava com um excelente humor e não perdia a oportunidade de irritar Hugh, jogando quantos lordes pudesse contra as decisões do conde. Na verdade nada daquilo realmente importava, nada que aquele duque frustrado fizesse realmente poderia atingir Hugh, ele não tinha nenhum interesse real nas coisas ali, mas aproximar-se daqueles homens, descobrir suas fraquezas e derrotá-los, era um percurso longo e aquela era uma estrada para isso. Cada novo veto que o maldito Paxton conseguia contra Hugh, cada novo aliado roubado, era uma linha tensa que se formava no rosto do jovem e selvagem conde. Se as coisas continuassem daquela forma, só uma coisa poderia resolver o problema. Hugh não era dado a desaparecer com pessoas, pelo menos não da forma como ele vinha pensando em fazer com aquele Duque maldito, que sempre se interpunha em seu caminho. Se o momento em que isso fosse necessário chegasse, ele teria de ser cuidadoso. Mas uma coisa Hugh não podia negar, adoraria apertar aquele pescoço papudo até que o ar sumisse completamente das bochechas rechonchudas e suadas de Paxton. Hugh afundou no banco ao lado do jovem Leonard que tinha seu primeiro grande discurso naquele dia. — Se não fosse por você, eu já teria dado o fora daqui. — Hugh deixou escapar para o garoto que misturava feições de medo, ansiedade e alegria. — Você não imagina como fico grato. Hugh apenas sorriu, dando um tapinha de leve nas costas do garoto. Era um bom rapaz, cheio de energia, vigor e um futuro brilhante pela frente. Uma pena Hugh ter de usá-lo para conseguir alguns de seus propósitos. — Está concluído então. Sua menção foi negada conde de Surrey. — Paxton falou, abrindo um sorriso maldoso e olhando diretamente para Hugh. Hugh levantou-se furioso, bateu com os punhos na mesa e sentiu que sua cabeça ia estourar. Vermelho, saiu furioso, deixando a reunião e uma porção de olhares confusos. No caminho para casa, enquanto o cocheiro teimava com um par de cavalos bem nutridos e lutava com os sacolejos provocados pela rua de chão batido que desembocava na imensa propriedade de Hugh, o conde vinha completamente entretido pelos pensamentos irados direcionados para o maldito duque Paxton. Aquela erva daninha que parecia estar completamente ciente de sua vontade de esganá-lo e por isso o provocava ainda mais. Mas Hugh estava decidido, daria um jeito naquela maldita criatura feia e desgraçada. Depois disso, tudo finalmente entraria nos eixos e poderia concluir seus planos. O jovem lacaio abriu a porta da charrete e tossiu para chamar a atenção de Hugh. Demorou alguns segundos para que ele compreendesse que já estavam em casa. Desceu cambaleante e se pegou cobrindo o rosto com o braço, quando o sol avermelhado de final de tarde o tomou de susto e o cegou. — O senhor ainda vai precisar da carruagem? — O criado falou, baixando imediatamente os olhos para o chão e deixando os ombros penderem desajeitadamente. — Não! — Hugh resmungou, afastando-se do jovem que soltou o ar dos pulmões assim que o conde mergulhara na residência pela porta central. Margareth abriu um sorriso terno ao ver o marido entrar na sala. Sua vontade era correr imediatamente para seus braços, mas não o fez quando percebera seu olhar quadrado, vincado numa expressão dura que misturava desespero, angustia e fúria. Resignou-se a segui-lo pela escadaria, em silêncio. Ele bufava e suspirava pesado a cada novo passo sobre os degraus. Não disse uma única palavra durante o trajeto curto que fizeram até o quarto dele. Margareth sentia-se inquieta e tensa. Já o vira furioso muitas vezes, mas nunca com uma expressão tão forte como aquela. Havia algo mais ali. Algo que a desesperava pelo simples fato de perturbá-lo. Ela queria perguntar, ansiava por aconchega-lo em seu ventre, acariciar seu rosto e beijar-lhe os lábios, mas não o fez, permanecendo em silêncio enquanto Hugh arrancava as roupas com fúria. Geralmente um lacaio se apressava a pegar a casaca e a cartola do conde quando este chegava à residência, mas naquele dia ninguém ousara, sequer, a fazer reverência quando o homem irrompera porta à dentro, perdido em pensamentos e com a expressão mais assustadora plantada no rosto. Hugh jogou tudo no chão. Finalmente dirigiu um olhar torto e sombrio para a esposa que prendeu a respiração. Como sempre ele estava lindo e nu, era uma visão ainda mais selvagem. O peitoral cheio de gomos que balançavam levemente à medida que respirava. Os braços desenhados como a imagem de um Deus em um quadro ou uma daquelas estátuas que sempre provocavam espanto nas jovens donzelas. Margareth não precisou dizer nada. Ela sabia o que ele esperava dela e ansiava por aquilo, mesmo que o desejo do marido fosse motivado apenas por sua necessidade de acalmar os nervos. Quando Hugh enlaçou-a nos braços fortes, Margareth já havia arrancado até a última anágua, praticamente destroçado as fitas do espartilho e jogado suas roupas intimas para longe. Nua, era uma criatura ainda menor, delicada e frágil que poderia ser estraçalhada pelo desejo selvagem de Hugh e com esse pensamento ele a tomou nos braços, beijou-lhe os lábios com avidez e a deitou de bruços na cama. Margareth não conseguia pensar em nada. Seus nervos, seus sentidos, cada partícula de seu corpo, tudo estava completamente concentrado nas sensações deliciosas que o toque de Hugh provocavam em sua pele. A condessa sentia como se suas intimidades fossem incendiar a cada novo arrepio que o toque dele provocava. Em poucos instantes, Margareth arquejava e gemia baixinho, sentindo as mãos brutas do conde apertando seus seios e os lábios mordiscando seu pescoço. Ele passou o membro ereto em suas nádegas e a jovem arfou. Era inebriante e ela sentia-se completamente entregue ao prazer que ele podia proporcionar-lhe. Hugh estava calado, mas seu rosto começava a relaxar à medida que sentia o corpo de Margareth resfolegando em contato com o seu. Tivera muitas mulheres e deitara em muitas camas, mas em nenhuma delas havia encontrado sede maior do que aquela jovem rebelde tinha. Jamais havia gostado tanto de satisfazer uma outra pessoa que não fosse ele mesmo. Hugh colou o corpo de Margareth ao seu. As costas da jovem prenderam-se ao seu peito e as nádegas roçaram de leve em seu membro, deixando-o ainda mais excitado. Margareth gemeu novamente. Hugh passou a língua por seu pescoço, chegando à nuca, enquanto encaixava as mãos sobre os seios firmes e apertava-os, fazendo o corpo da esposa chegar ainda mais perto e sorvendo os gemidos de prazer que ela deixava escapar. Margareth virou-se de súbito e tocou o rosto de Hugh, beijou-lhe os lábios com ternura e então o deitou sobre a cama macia, que ainda estava arrumada com almofadas e travesseiros de plumas. Hugh obedeceu sem dizer nada. Os olhos tomados pelo prazer. Geralmente o conde conduzia a relação, levando-a a momentos de intenso prazer e ensinando-a a como lhe agradar, mas hoje, mais do que nunca, Margareth sabia o que tinha de fazer e desejava muito aquilo. Não apenas tomar as rédeas do ato, mas satisfazê-lo e descobrir a si mesma. Aquela era sua missão. Primeiro percorreu o peitoral delineado do conde com a língua, mordiscando os mamilos e depois descendo bem devagar até sua coxa, onde passou os dentes bem devagar e arrancou um gemido deliciado de Hugh. Depois, com delicadeza foi chegando o rosto mais perto do membro do marido que já estava muito rígido. Ela poderia facilmente abandonar suas ideias e sentar-se ali naquele momento, esquecendo o marido e provocando seu próprio prazer, mas tratou logo de afastar o egoísmo sexual que surgia nela sempre que estava diante daquela cena e molhou os lábios. Os olhos de Hugh não tardaram a encontrar os seus. Ela não desviou, ignorando qualquer fagulha de vergonha que poderia nutrir. Baixou os lábios na direção do membro de Hugh e ainda com os olhos cravados nele, mergulhou-o na boca. Hugh arquejou no mesmo instante e Margareth sabia que acabara de vencer a maior batalha de todas. Hugh, agora, pertencia a ela, sem qualquer reserva e sem qualquer impedimento. Era seu do jeito mais verdadeiro que poderia existir. Com movimentos lentos a princípio, Margareth percorreu o membro com a boca, molhando-o, beijando-o e sugando em seguida. À medida que Hugh mexia os quadris de excitamento, ela ia intensificando os movimentos. Hugh não demorou para chegar ao ápice e despejar seu liquido viscoso dentro da boca de Margareth, que o sorveu em silêncio e com uma satisfação fenomenal. Ele era seu, pra sempre! Margareth deitou-se ao lado de Hugh na cama, esperou que ele se sentisse recomposto e aninhou-se em seu peito. Mas o conde ainda não estava pronto para o fim e não demorou para abandonar a postura branda e dominar a situação. Primeiro ajustou as costas de Margareth na cama e com força abriu suas pernas. Ela suspirou e sorriu, adorava aquela impetuosidade que ele tinha sempre que estava ávido por seu corpo. Sem demora, Hugh mergulhou o rosto no aparelho feminino da esposa e com a língua começou a acariciá-la. Percorreu primeiro a parte superior, afastando os pelos e passando a língua pelo que lhe pareciam lábios inchados. Depois desceu até à cavidade mais úmida que se abria à sua espera. Mergulhou a língua ali seguidas vezes, arrancando pequenos grunhidos de prazer de Margareth que começava a agarrar com força os lençóis. Hugh colocou um dedo bem devagar no orifício e Margareth suspirou em resposta. Depois ele começou a friccionar o dedo e logo em seguida passou a arremeter, como se fosse seu membro. Ao mesmo tempo, movimentava a língua de forma frenética. Margareth mexia os quadris de forma ritmada, deixando-se gritar quando finalmente alcançou o prazer máximo. Hugh não esperou que ela terminasse de se contorcer e a virou de costas, penetrando-a enquanto apertava seus seios. A princípio seus movimentos foram lentos e delicados, mas logo ele estava novamente tomado pela loucura do ato e começou a estocar com força, puxando os seios da esposa e mordiscando seu pescoço. Margareth e Hugh chegaram ao ápice quase ao mesmo tempo. Repetiram tudo novamente, cerca de meia hora depois. Cansado e livre de qualquer trava que o mantivesse distante e frio, Hugh deixou-se envolver pelos braços pequenos e delicados de Margareth, aconchegando a cabeleira negra nos seios e deixando o nariz roçar na pele macia e com cheiro de rosas. Margareth acariciou os cabelos de Hugh sem dizer nada. Não sabia que palavras usar para romper a muralha que ele parecia ter criado em torno de seus segredos. Mas sabia que algo o afligia e isso a perturbava ainda mais. Hugh cochilou por alguns instantes, a respiração tensa. Margareth não se moveu, deixando os olhos pesarem e as pálpebras cerrar em seguida. Quando ela abriu os olhos, Hugh estava sentado na cama, os cabelos desgrenhados e os olhos tristes. Olhava para ela com um misto de espanto e curiosidade. Ela sorriu e fechou os olhos mais uma vez. Abriu-os um instante depois e Hugh continuava daquela maneira, observando-a taciturno. — Seja o que for, daremos um jeito. — Margareth falou, ainda com os olhos fechados. — O que você disse? — Não importa o que for, vou ajudá-lo. Dezoito
As palavras de Margareth pegaram Hugh
completamente desprevenido e ele não conseguiu mais resistir, deixando a cabeça cair sobre seu corpo e a abraçando com desespero. Soluçou por horas, enquanto narrava tudo o que guardava no mais absoluto sigilo e que fatigava sua alma de forma tão arrebatadora e dolorosa, que o fazia sentir-se como uma fera brutal a maior parte do tempo. Margareth chorou junto com ele. Abraçando-o, completamente compadecida de sua dor. Mais do que nunca compreendia a selvageria do marido e a ânsia por ser sempre o dono de tudo, principalmente da situação. Era mesmo um homem muito forte para suportar tamanha tristeza e ela sentia-se, mais do que nunca, apaixonada. Tessie era uma jovem de cabelos encaracolados rebeldes. Tinha olhos verdes que pareciam o céu noturno e uma boca muito vermelha. A pele era pálida e macia, embora ela apanhasse sol quase todos os dias. As mãos não tinham sinais da labuta diária, ainda que trabalhasse o dobro que a maioria das jovens da sua idade. Era forte, ainda que tivesse o corpo pequeno e frágil. Era determinada e tinha a língua feroz. Fora trabalhar com a família Ruthenford quando tinha quinze anos. Era a sobrinha da governanta da casa do condado, em Surrey. Uma mansão deliciosamente arejada e uma das mais imponentes construções de toda a Londres da rainha Victória. Logo na primeira primavera que passara percorrendo a imensa propriedade, Tessie teve certeza de que jamais conseguiria viver em outro lugar. Amava não apenas os animais que corriam livres pelas léguas de terra e verde, mas amava a floresta fria que se alongava por toda a extremidade lateral e seguia até o primeiro povoado muito longe dali. Amava o chiado do vento à noite que parecia dizer-lhe algum segredo e, acima de tudo, os imensos olhos castanhos do jovem lorde, Rodolf. Tessie vivia sorrindo, mesmo quando executava a pior de todas as tarefas domésticas. Andava descalça sempre que podia e escarafunchava a terra enfiando rosas ou arrancando escaravelhos para provocar as outras criadas, que se julgavam acima dela pelos mais bobos motivos. Tessie tinha um espirito travesso e vivia metida em encrencas. Aos dezessete anos, já não mais podia correr descalça e com os cabelos desgrenhados, pois era a assistente da tia, e sentia-se orgulhosa por ter conseguido o cargo com seu mérito e eficiência. Ainda que sentisse saudades da vida ao ar livre, ficava cada vez mais dentro da moradia e executava mecanicamente tudo o que lhe era mandado. A perfeição era um traço forte de sua personalidade e raramente era repreendida por cometer algum erro. Não havia criado, lacaio ou pessoa naquela região que não a conhecesse e adorasse. Sua fala forte e seu sotaque arrastado das classes inferiores era sempre ouvido à distância, e suas discussões sobre coisas tolas eram sempre arrematadas com piadas que as damas provavelmente jamais deveriam pronunciar. Mas Tessie não era uma dama, era apenas uma criada e já que tinha de limpar penicos para sobreviver, sem qualquer classe, não se importava de falar algumas bobagens no meio de outros camponeses desbocados como ela. O lorde Rodolf, filho único dos Ruthenford era muito diferente. Tinha belos olhos castanhos e uma aparência muito aristocrática. Além de modos impecáveis que o tornavam não apenas o próximo conde como também um dos mais indicados para assumir o parlamento como primeiro ministro. Era um jovem de vinte e três anos de fala mansa e olhar perdido e estava prometido à filha de um duque muito poderoso. Mas Rodolf não gostava de Londres, do barulho das carruagens e das gentes falando horas e horas nas festas, chás da tarde e passeios de domingo. Ele gostava de sossego, do som da correnteza ao longo de um rio e gostava do riso de uma jovem criada de cabelos negros cacheados que andava pela casa cantarolando alguma canção das classes inferiores. Rodolf sabia que era imperdoável se deixar envolver pela beleza e encantos de uma camponesa, uma criada sem classe, bens e título. Sabia que uma união seria impossível e o máximo que poderia fazer era desfrutar de bons momentos com a garota, tentando evitar desonrá-la para qualquer casamento. E sempre que a via perambulando pela casa com seus modos impetuosos, ele sentia uma dor no estômago. Queria mais do que tudo deitar-se na cama dela e mergulhar entre suas coxas, mas não queria que, para isso, causasse qualquer mal a garota. Gostava dela e se via, constantemente envolvido em discussões sobre bobagens da fazenda com ela. E Tessie sempre o vencia. Não por que seus argumentos fossem melhores do que os do jovem letrado lorde, mas porque era um delicioso prazer vê-la sorrindo por ser a vitoriosa. Perder uma discussão para alguém como ela era um preço pequeno a ser pago, pelo simples prazer de sua companhia e riso. E ela ria muito, deixando-o atordoado e corado a maior parte do tempo. Rodolf não era dado a grandes conversas sociais e mostrava-se rebelde sempre que a temporada londrina se iniciava. Acreditava que os homens, mesmo os nobres, deviam cuidar de suas propriedades e fazer com que a riqueza crescesse, ao invés de viver no ócio como a maioria achava ser a forma correta. O jovem adorava andar pelas estradinhas de cascalho, observando os homens trabalhando nas plantações ou cuidando dos animais. Gostava ainda mais de ver a vida ganhar beleza a cada nova primavera, depois os desfolhamentos ainda mais esplêndidos no outono. Tudo em Surrey era impressionante e ele se via vivendo ali definitivamente, assim que fosse o conde e não apenas o filho herdeiro. Seis meses antes da oficialização do compromisso com a jovem para o qual estava prometido, Rodolf fora acometido por uma doença que quase tirara sua vida. Fora afastado dos familiares, trancafiado em um quarto escurecido, fechado em Surrey Hall e deixado à espera da morte, com uma febre que o fazia tremer e ranger os dentes. Os médicos já o haviam desenganado e os pais, resolutos da morte do filho, já planejavam o funeral. Mas havia alguém, uma única pessoa que não havia desistido e não cogitava a hipótese de deixá-lo morrer: Tessie. Ainda que contrariando as ordens da tia, a criada passava noite e dia ao lado do jovem lorde. Trocava suas roupas empapadas de suor, banhava-o com água morna e quando estava no ápice da febre, mergulhava-o, sozinha, dentro de uma banheira com água fria. Depois vestia-o, dava-lhe uma canja e o enfiava sobre os lençóis, deitando-se ao seu lado e aconchegando-o sobre o vestido de linho grosseiro que prendia os seios fartos dentro do uniforme. Passaram-se cerca de três semanas até que Rodolf desse qualquer sinal de melhora. Tudo começara quando Tessie, cansada da escuridão e do cheiro úmido que impregnava o quarto e mofava as paredes, passou a abrir as imensas janelas. Mandara trazer mel e ela mesma criara uma infusão com chá de menta e leite. Ninguém dizia nada para a garota, não porque seu humor estivesse ácido e rabugento com os maus cuidados que eram dedicados ao rapaz desenganado; nem porque tivessem medo que ela estivesse doente por causa do constante contato com a doença, mas porque todos viam a luta que ela travava pelo jovem a quem entregara seu coração. Ninguém tinha coragem de dizer que era tudo em vão. Ninguém ousava afirmar que Tessie deveria desistir e parar de lutar sozinha contra a morte certa do garoto. Ninguém tinha coragem sequer para lhe dar bom dia. Tessie emagrecera muito e pouco ajeitava-se naqueles dias. Andava sempre com os cabelos enfiados na touca e o rosto avermelhado pelo esforço de cuidar sozinha de um rapaz que tinha, ao menos, o dobro do seu tamanho. Numa manhã, Rodolf estava decidido a dizer tudo que tinha guardado no peito, antes de morrer. Abrira a boca mas a saliva grossa secara seus lábios. Ele engasgou e tossiu. Tessie molhou seus lábios com um pouco de água e depois esmagara-os com uma colherada da infusão doce que vinha enfiando goela abaixo há dias. Ele sorriu. Um sorriso amarelo e triste. Tessie deu-lhe água alguns momentos mais tarde e acariciou seus cabelos. Abriu as cortinas e pegou um livro, colocando-o sobre seu colo. Ela não sabia ler, mas a simples menção disso a deixava muito envergonhada. Rodolf sabia, mas jamais ousaria confrontá-la com qualquer coisa que causasse seu desconforto. Ele sempre sorria e afastava o livro, como se não estivesse interessado na leitura. Passava a maior parte do tempo dormindo ou espasmando com febre e no restante, tentando sorrir ou falar com Tessie, que sempre o impedia com gestos de mão exagerados e resmungos autoritários de uma ama. Naquela manhã ele estava decidido, diria ao menos obrigado. Antes que pudesse conseguir, seu corpo fora acometido pela febre mais forte desde o início da doença. Seu corpo sacolejava e espasmava. E Tessie desesperou- se ao compreender como o cansaço e a pouca alimentação a enfraqueceram a ponto de não conseguir sequer amparar ao jovem para chegar à banheira. Tessie começou a gritar. Pedia socorro e implorava. Muitos lacaios e criadas se amontoaram na porta rezando, mas ninguém ousava entrar no quarto, aterrorizados pela ameaça da enfermidade. Tessie se viu em tamanho pranto e desapontamento que entre o choro e os gritos, levou Rodolf arrastado pelo quarto até à banheira no outro cômodo. Entrou ela mesma na água gelada e puxou-o em seguida, deixando o corpo pesado do moribundo cair por cima do seu. Se ele morreria, ela não se importava de ir junto. Mesmo que no fundo de seu coração soubesse que nutrir esperanças era quase como um pecado, e sabendo que provavelmente um dia seria a criada da esposa dele, ela continuava ali, entregando todo seu amor e suas forças por sua vida. — Por favor. Por favor. — ela chorava. — Seja forte. Enquanto arrancava a roupa de baixo de Rodolfo e a camisa de linho empapada de água gelada e suor, ela rezava, resmungava e até xingava o garoto por estar sendo tão levado. Depois chorava e dizia o quanto o amava, e o quanto estaria disposta a dar sua vida pela dele. Logo que a febre baixou, Rodolf abriu os olhos castanhos cansados e sorriu, consciente da situação constrangedora em que estava. Tessie ainda balançava o corpo aninhando-o em seu peito. Choramingando uma cantiga de ninar da mesma forma que sua mãe fazia quando ela era pequena. — Obrigado. — Rodolf gaguejou. — Também amo você. Depois daquela tarde terrível, Rodolf pareceu recuperar-se com rapidez. Como se toda a enfermidade não tivesse passado de um resfriado de poucos dias e agora já desse lugar a boa saúde e a faces rosadas. Logo ele recuperou as forças para andar, falar, ler e discutir com Tessie. Numa noite gelada, ele impediu que a garota fosse para o seu quarto e a beijou com a sede de alguém que está preso no deserto por dias inteiros. Ela tentou relutar, mas tomada pela paixão acabou deitando-se em sua cama e deixando que ele descobrisse o fervor de seu corpo e o prazer de explorar suas partes mais intimas. No dia seguinte o conde entrara pela porta de forma intempestiva. Tessie arquejou de espanto quando este a arrancara dos braços do filho e a jogara no chão. — Venho aqui para encontrar um filho que fez o milagre de se curar e o que encontro é esta desavergonhada enganchada em você... — O homem berrava. Tessie chorou acuada em um canto do quarto. Rodolf tentava consolá-la, gritando em resposta ao pai que ela seria sua esposa e ninguém poderia impedi-lo. O velho conde gargalhava e gesticulava dizendo que antes que isso pudesse acontecer o mandaria para o inferno. Rodolf se manteve firme, mas o velho também não se deixava dominar por ninguém. Três dias depois, enquanto Rodolf ia conversar com o capitão de um navio e tentar suborná-lo para fugir com a jovem criada para qualquer lugar do mundo, o velho conde deu uma pequena e secreta recepção na propriedade. Dispensando quase todos os criados e deixando apenas jovens lacaios para servir aos convidados. Entre os selecionados estava o duque Paxton, um homem rechonchudo de pele pálida e nariz arredondado, beirando os trinta e poucos anos. Depois do jantar o conde os levou uma sala que estava arrumada com esmero. Mandou Tessie servir vinho aos cavalheiros e em seguida tirar suas roupas. Ela ficou aterrorizada e tentou fugir. Dois lacaios a impediram, segurando-a de pernas abertas sobre a mesa cheia de louças reviradas e quebradas. Tessie lutou, esperneou e chutou com força, mas como em um ritual de brutalidade, os homens foram ajeitando-se numa obstinada fila e fazendo com que seus desejos carnais fossem satisfeitos de forma grotesca sobre o corpo minúsculo da garota. Logo, Tessie estava jogada a um canto da sala, inconsciente. Um único homem não quisera participar da cena brutal, um rapaz que beirava os vinte e três anos e tinha uma cabeleira loura arrepiada. Um jovem que seria conhecido, alguns anos depois, como Duque e dez anos mais tarde teria um filho com uma esposa espanhola a quem chamaria de Leonard. Pior do que ver a cena brutal de como aqueles homens usufruíam do corpo da garota, era ter de ficar calado. Depois do terceiro homem apossar-se de Tessie e do choro desesperado da garota, o jovem não mais podia suportar aquilo e saiu feito um furacão, batendo em um criado com fúria ao cruzar sua passagem e tentar dissuadi-lo de deixar o local. — Pode mandar esse conde de merda para o diabo! — O rapaz gritou perdendo a compostura. Sabia que a jovem acabaria morrendo pelo que lhe fora infringido, mas sabia mais do que isso, conhecia bem a história de Rodolf, e depois de ver os lindos olhos verdes aterrorizados, sabia que só tinha uma coisa que podia fazer: Mandar um criado ao porto, interceptar Rodolf e deixar que o rapaz traçasse seu destino. Nada bom poderia resultar daquela noite. — Meu Deus Hugh, não posso imaginar... — Margareth interrompeu a linha de pensamento do marido que congelou por alguns instantes. Retomando a narrativa em seguida a ela tocar-lhe as faces com ternura. Rodolf encontrara Tessie completamente apagada, num canto da sala. Sua pele alva estava maculada por sangue, vinho, e uma mistura de fluídos. Ela arquejou quando ele a tocou de leve. Trêmula começou um choro lamurioso. Rodolf olhou ao redor vendo o sorriso vitorioso do pai e muitos olhos afoitos, uma mistura de excitamento, pavor e até repulsa pelo resultado final da festinha particular do conde de Surrey. Um homem sorria. E Rodolf jamais esqueceria dos olhos malignos dele. — Cada um de vocês terá o que merece. — Rodolf falou, antes de sair da sala de bebidas com Tessie desmaiada nos braços. Naquela noite ele cuidara de seus ferimentos, a banhara, vestira com uma de suas camisas e zelara por seu sono. Na manhã seguinte mandara que duas criadas a levassem para sua casa na cidade e dissessem a sua mãe que cuidasse pessoalmente dela, pois seria sua esposa. Depois foi ao quarto do pai e encontrara o velho com sua bengala e cartola, se aprontando para voltar a Londres. Sem pensar muito, Rodolf enfiara uma faca no ventre do pai, sorrindo quando o velho arquejou de dor e um fio de sangue começou a correr pelos lábios murchos. Rodolf mandou chamar o representante do pai e inventou uma história de que um lacaio embevecido entrara no local e acertara-o. Disse que tentara lutar com o homem, mas que ainda não estava completamente recuperado e por isso o homem, que era sem dúvida muito forte, conseguira escapar. A governanta, que sabia de tudo, teve um prazer sinistro ao confirmar cada palavra do novo senhor da casa. Jamais tornaria a tocar no assunto, indo viver em uma casa no interior com conforto e sem qualquer contato com a sobrinha, custeada pelo jovem conde Rodolf. Investigações rápidas foram feitas e nada mais foi falado a respeito. A moral e a nobreza do conde diziam que ele jamais mentiria a respeito, ainda que fosse ele mesmo, o assassino do pai. Ninguém questionaria sua história. Quatro semanas foram necessárias para que Tessie conseguisse pensar com clareza e não tivesse uma crise cada vez que Rodolf tentasse se aproximar dela. Os dois casaram-se em uma cerimônia muito discreta e ninguém ousou questionar a nobreza da jovem, ao vê-la vestida com luxo e desfilar na igreja com a classe de uma dama. Rodolf espalhara uma estória de que teria se casado com a filha de um nobre de uma parte distante da Europa e por isso a garota ainda aprendia os costumes dos britânicos. Muito a contragosto mas sem nunca se queixar, a mãe de Rodolf transformara Tessie em Cecil, a filha mais nova de um lorde norueguês. Cecil era sempre a mulher mais bonita das recepções e Rodolf sempre esbanjava felicidade quando estava ao seu lado. Os dois sorriam mesmo quando todos os outros estavam sérios. O tempo ia passando e o casal nunca discutia sobre o que acontecera, mas Rodolf se culparia pelo resto da vida pelo que seu pai impusera a mulher que amava. Os dois viajaram por mais de um ano depois do casamento e quando voltaram traziam um bebe com os cabelos negros e cacheados e os olhos verdes da mãe. Hugh aprendera a trabalhar por que Tessie insistia que um jovem precisava conhecer bem o que tinha. Como Rodolf amava Surrey passavam lá a maior parte do tempo e ele ensinava ao filho todos os princípios que achava necessários e que qualquer outro fidalgo provavelmente, repreenderia. Ele era um nobre, mesmo que ainda houvesse a possibilidade de não ter o sangue Ruthenford nas veias. Hugh crescera vendo a paixão que os pais tinham e a dor que o pai guardava no peito, sempre que o olhava fazendo alguma travessura. Havia algo ali, mas o homem jamais dizia coisa alguma, embora entristecesse o olhar de vez em quando. Eram como qualquer outro pai e filho. Discutiam às vezes, fumavam juntos e pescavam também, provocavam Tessie e roubavam tortas da cozinha. Tessie morrera quando Hugh tinha 18 anos. E ele e o pai choraram juntos ao enterrá-la no cemitério da família. A avó, que pouco se fazia presente no seio familiar, veio no dia do enterro e colocou uma flor no túmulo. Depois beijou o filho com ternura e olhou de soslaio para o neto. Ela nunca fora muito carinhosa com Hugh e se mantinha o mais distante possível do garoto, mas gostava de Tessie apesar de todas as circunstâncias. Não tinha como evitar, todos gostavam dela. Seu riso incendiava a casa e sua voz embalava o sono. Era sempre a encrenqueira que deixava o marido louco da vida. À noite, depois que brigavam durante o dia inteiro, os dois gemiam e riam, anunciando que as pazes haviam sido feitas. Rodolf morrera cerca de seis meses depois, completamente bêbado, sujo e desgrenhado. Por mais que o médico dissesse que Tessie morrera por complicações cardíacas, o conde afirmava que todo o mal que ela sofrera era sua culpa. Ninguém o entendia, até que duas noites antes de ele mesmo deixar a vida, bêbado, despejara toda sua história para Hugh, que nunca mais teve paz. A última coisa que ele podia fazer para o pai era prometer vingança. E vingança seria o que ele faria contra todos que humilharam seus pais e maltrataram sua mãe. Dezenove
Margareth passou o resto do dia com um terrível
embrulho no estômago. Nenhum dos dois desceu para as refeições. Tomaram banho na mesma banheira, acariciando-se em silêncio e comeram no quarto, deitando-se em seguida com os braços sob a cabeça e os olhos fixos no teto. Não falaram muito desde que Hugh finalmente abrira seu coração e contara tudo que o tornava o homem que era. A princípio ele se preocupara se aquela história, sua história, não o tornava menos digno de Margareth. Afinal, talvez ele não fosse filho de seu pai e nem o descendente dos Ruthenford. Mas ela parecia preocupada com algo mais importante e conhecendo-a como conhecia, tinha a impressão de que sua linhagem o tornaria ainda mais atraente para o espirito rebelde dela. — Acho que precisamos nos mudar para a casa de Londres. — Ela falou finalmente. — Mas porquê? Achei que você gostasse daqui... — Realmente gosto. Preferia viver aqui para sempre, mas se vamos nos vingar daqueles desgraçados, precisaremos estar mais perto e de um plano eficaz. Hugh ergueu-se na cama sobre os cotovelos, olhando admirado para Margareth que estava muito pensativa. — O que foi? — Ela pareceu surpresa ao perceber que era observada. — Você é um mistério para mim. — Ele deixou escapar. — Pensei que fosse vingança que você queria... — E é, mas não pensei que você estaria disposta a me ajudar. — Eu falei que fosse o que fosse o ajudaria e agora que conheço os motivos, faço questão! — Jamais imaginei que conheceria alguém como você. Margareth sorriu. — O que aconteceu hoje, no Parlamento? — Aquele maldito Paxton. Toda vez que tento me aproximar do duque de Canterburry ele dá um jeito de me atrapalhar. — Paxton? Quer dizer o... tal, sabe que... — Não, o filho dele. Já faz uns cinco anos que o desgraçado morreu. E eu nem tive a chance de cumprir com a minha promessa. — E o que você pretende? — Eu preciso me aproximar do duque, aquele maldito foi o pior de todos com a minha mãe, e o velho ainda está vivo e feliz, gabando-se por ter se casado com uma bela jovem depois que sua primeia mulher morreu. Exibindo por aí uma garota que tem idade para ser neta dele. — Então precisamos nos livrar do Duque Paxton primeiro. Hugh arqueou as sobrancelhas ao perceber a expressão insolente no rosto da esposa. — Acho que tenho uma ideia. — Ela falou, sorrindo enquanto enfiava a mão por dentro da camisa do marido e acariciava sua pele trincada. Os dois estavam instalados na propriedade de Londres há pouco menos de uma semana. A casa era uma versão apenas um pouco menor de Surrey Hall. Margareth já estava adaptada à nova moradia, embora sentisse falta das cavalgadas pelos campos, dos passeios pelos bosques e do cheiro de natureza da mansão no condado. Não tinha do que reclamar, Hugh fazia tudo que estava ao seu alcance para tornar sua vida o mais agradável possível e isso incluía trazer a cozinheira e Mad. A criada estava extasiada, havia sido escolhida entre tantas para acompanhar a condessa para a cidade e isso significava usar uniformes melhores, conviver com pessoas mais elegantes e comer comida ainda melhor. Andava pela casa como se fosse uma governanta. A velha que cuidava da casa fingia não se importar com a petulância da jovenzinha, isso a tornava ainda mais competente e interessada em tornar os patrões sempre muito satisfeitos. Com isso, governanta e criada logo se tornaram aliadas competentes e amigas intimas. Mad a colocara a par da situação em Surrey Hall, sobre a quase morte da condessa e sobre o fato de o conde praticamente dividir o mesmo quarto com a esposa, não passando praticamente uma única noite sozinho desde que os dois haviam finalmente se acertado. Por achar conveniente, a criada guardou a história com Aila para si e tratou de deixar claro o quanto admirava a condessa e estava grata por ter sido escolhida. Era uma moça jovem, praticamente da mesma idade de Margareth e a jovem condessa gostava de ter com quem conversar, discutir sobre liberdade e até estava empenhada em ensinar a menina a ler. Mas a ida de Mad para a casa de Londres não era apenas para o conforto de Margareth, ela confiava na jovem e sabia que sua ajuda seria útil, quando ela e o marido começassem a traçar seus planos vingativos contra aqueles que impuseram tanta dor aos Ruthenford. Não havia sido completo ainda o ciclo de uma semana quando Margareth anunciou, logo cedo o que tinha em mente. Hugh estava sentado à mesa bebericando uma xícara de chá com leite e comendo um pão macio ainda quente. Margareth chegou esbaforida, as mãos agitando-se no ar e o vestido meio amarrotado. — Você está bem? — Hugh falou, levantando os olhos de seu prato e iniciando um sorriso maroto para a esposa. Ela sentou-se ruidosamente e dispensou o lacaio que os servia com um gesto impaciente de mão. — Enviei um recado logo cedo para os meus pais. Devemos ir tomar chá com eles hoje à noitinha. Hugh gostava de fazer as refeições cedo, ao contrário da grande maioria da nobreza britânica que dormia tarde, acordava tarde e comia tarde. Essas temporadas na cidade que incluíam visitas para o chá num horário em que ele já estaria pensando na janta o irritavam. Limitou-se apenas a fazer uma careta. — Também não estou com ânimo para olhar para a cara do meu pai. Como eu posso admitir que ele estava certo ao me casar com você? Logo depois de ter dito a ele que preferia morrer em um convento... — Você disse isso a ele? — Hugh sorriu, animado com o rumo da conversa. — Isso e muito mais e nada foi ameno. Hugh achou tudo aquilo cômico, mas preferiu não provocar a esposa. — Se eu chegar com essas bochechas rosadas ele vai achar que está certo e que todos os homens têm o direito de decidir sobre a vida de suas filhas. Isso é muito injusto. — Bochechas coradas é... isso porque ele não viu o que mais está corado... —Ele falou gargalhando. Margareth ficou muito vermelha, sentindo as bochechas queimarem. Hugh olhou-a impressionado. Para uma mulher com um apetite tão grande para o coito, ela ficava corada por uma piada bastante amena, diga-se de passagem. Deixou a imaginação vaguear por algumas lembranças em relação às coisas que faziam no quarto e com esse pensamento logo sentiu uma ereção. Nunca imaginara que uma mulher pudesse exercer tamanho poder sobre ele e sorriu com a situação em que se metera. Depois de alguns instantes, Margareth rompeu o silêncio: — No que está pensando? — Em arrancar o seu vestido e voltar para cama. Ela riu, as bochechas corando novamente. — Do que vale ser um nobre e não poder fazer aquilo por que anseia? — Hugh estava divertido, olhando para o membro que se evidenciava na calça escura. Margareth pensou por um instante, então, tomada por aquele desejo que a dominava quando era provocada por ele, foi até o marido e ajoelhou-se no chão. Aquilo era uma tarefa bem difícil com tantas anáguas por baixo daquele imenso vestido de babados e flores. Hugh deixou que ela o acariciasse por cima da calça, estremecendo quando por fim arrancou a parte de baixo da vestimenta dele e mergulhou os lábios sobre o membro ereto. Hugh rangeu os dentes, tomado pelo prazer e surpresa. Margareth passou a língua no membro do marido, arrancando suspiros e gemidos quase silenciosos. Depois como se aquele fosse seu merecido prêmio por algo que fizera, mergulhara-o nos lábios, deixando-o aprofundar-se ao máximo. Hugh gemeu novamente e ela sorriu, iniciando os movimentos ritmados que tanto o excitavam. Quando chegou ao ápice, Hugh estava completamente desorientado, meio sentado e meio caído sobre a cadeira e com as pernas trêmulas. Como se não bastasse, Margareth tirou a roupa de baixo, arrancando com dificuldade as anáguas e sentando-se sobre a mesa em seguida. Hugh sorriu com a visão ousada da condessa, ergueu o vestido e deparou-se com o tufo de pelos. Ela abriu as pernas bem devagar e arfou quando Hugh passou a língua por sua genitália. Margareth acabou desabando sobre o prato, xícara e tudo o que havia na mesa, tamanho era o êxtase que as mãos e língua de Hugh provocavam nela. Não demorou muito para que ela ansiasse por mais. Hugh puxou-a para seu colo. Estava excitado novamente. Margareth sentou-se em cima do membro, mergulhando-o dentro da cavidade úmida e quente que espasmava bem devagar. Com as mãos nas nádegas de Margareth ele a alçou, fazendo-a comprimir-se contra seu peito sempre que ele a fazia subir e descer. O ritmo não demorou para aumentar e Hugh não conseguiu se segurar, chegando ao coito um pouco antes de sua esposa. Depois, ele a ajudou, passando os dedos na parte intima da esposa da mesma forma que fazia com a língua. Ela desmanchou- se de prazer e deixou a cabeça pender sobre o peito dele. — Tem certeza de que precisamos ir na casa dos seus pais? Margareth balançou a cabeça em concordância. No final da tarde, Margareth estava arrumada e pronta para encarar a mãe, uma mulher de expressão austera que talvez um dia tenha sido bonita, mas que há muito era apenas mais uma senhora com joias no pescoço e um ar de irritação permanente no rosto. O pai os recebera com um afetuoso abraço e sorria sempre que olhava para a filha. Se ele estava preocupado com o casamento dela, com sua felicidade conjugal, não deixava transparecer, falando de amenidades. Margareth e a mãe trocaram poucas frases de pouca importância sobre a casa, decoração, convites para chá e a temporada londrina que logo chegaria ao fim e que, provavelmente os nobres em grande maioria deveriam voltar para suas casas de campo. Margareth não tinha o menor ânimo para aquelas amenidades fúteis e sentia-se ressentida com os pais pelo pouco caso que faziam em relação às suas vontades e felicidade. Hugh agira como normalmente fazia diante de estranhos ou pessoas com as quais não nutria uma relação muito afetuosa. Frio. Educado, respondia às questões do sogro, mas não se aprofundava nos assuntos e era reticente sempre que questionavam algo mais pessoal, mudando de assunto após uma ou outra resposta seca. Seu humor ia piorando quando percebia o quanto sua esposa parecia chateada. Qualquer um com um olho mais treinado perceberia a insatisfação da garota, diante de uma família que parecia pouco se importar com seus sentimentos. O conde sabia que o pedido de corte e casamento que fizera ao sogro só fora aceito por causa de sua fortuna, de seu título e posição social. E sabia os motivos que o haviam feito pedir Margareth em casamento. No início tudo parecia muito normal, casar com uma moça cujo pai tinha os relacionamentos necessários para a execução de seus planos, mas agora, algo havia mudado dentro dele. Algo importante havia se transformado e não apenas sua necessidade de vingança importavam, mas os sentimentos de mais alguém. Alguém que havia se tornado a parte mais importante de seu dia. Enquanto acompanhava a esposa para a mesa, ladeado por seu cunhado, pela esposa enfadonha e chata cujos olhos parecia saltados, a sogra e mais alguns convidados para a mesa, Hugh só conseguia pensar no desconforto que Margareth estava enfrentando apenas com o intuito de iniciar as relações de que ele tanto necessitava. Se ela ao menos lhe dirigisse o olhar, ele seria capaz de sair porta fora e esquecer para sempre seus planos. Bastava que ela indicasse, apenas um olhar. Mas Margareth se mantinha controlada, os nervos afiados há muito contidos por rédeas curtas e os modos mais elegantes. Hugh fez questão dele mesmo puxar a cadeira e sentar-se logo ao lado da esposa, mudando, desta forma a combinação inicialmente arranjada pela sogra. Os homens logo iniciaram uma conversa sobre o parlamento, Hugh respondia com meros resmungos e gestos sutis de cabeça. Margareth tocou sua mão por baixo da mesa, apertando de leve os dedos dele, o que o deixou um pouco mais forte em suas convicções. — Se você quiser, podemos dar o fora daqui. — Hugh cochichou ao ouvido da esposa. Margareth sorriu e cobriu o rosto com um lencinho, fingindo estar corada com algo sedutor que o marido tivesse dito. Imediatamente todos os olhos se voltaram para o casal, curiosos. Instantes depois, Margaret encontrou os olhos invejosos da cunhada e sorriu, como se indicasse a ela a posição de cada uma naquela família. Enquanto a cunhada não passaria jamais de uma mera Sinclair, Margareth era a condessa de Surrey, esposa de um conde lindo, cobiçado e selvagem. Por alguns instantes a jovem condessa deixou-se vencer pela ironia do destino, saboreando a satisfação que aquilo provocava. — Mãe. — Ela disse instantes depois. — Vamos dar nosso primeiro chá em dois ou três dias, quem a senhora sugere que convidemos? Hugh captou imediatamente o plano e fingiu estar entretido com a conversa dos homens, deixando espaço para que a esposa ganhasse campo e considerasse as opiniões e situações. A mãe de Margareth fez uma pequena lista incluindo nobres e alguns lordes importantes. Por algum motivo excluíra justamente as duas pessoas que mais Hugh odiava. Depois do chá, os homens se retiraram para a sala de fumar e acenderam seus charutos. Hugh esforçou-se para aguentar a companhia entediante e enfadonha enquanto Margareth arrancava as informações que precisava. Precisava arranjar um jeito de incluir os malditos Paxton ao seu círculo, se livrar dele de uma vez por todas e só então, ajudar o marido a destruir de vez aquele que teria sido o pior de todos os homens. Aquele que por pouco, com sua brutalidade, não havia tirado a vida de Tessie, a mãe de Hugh, sua sogra. Margareth teria adorado conhecê-la. Gostava de espíritos livres e personalidades fortes. Foi então que lhe ocorreu, seu casamento, sua união com Hugh deveria ter sido justamente mais um passo do conde em direção à sua vingança. Um nó em sua garganta se formou e ela teve de concentrar as ideias, afastando aquele pensamento doloroso para o mais longe possível de sua mente. — Estive pensando em convidar o duque Paxton e sua esposa. Eles estiveram em nossa recepção em Surrey Hall... A mãe de Margareth bufou. — O que foi, mamãe? Acha que não devo convidar a lady Paxton? — Acho que você deve fazer o que quiser, só não vejo porque alguém quereria a companhia daquela mulher. Margareth também não via. Margareth precisava pensar e rápido. — Se puderem me dar licença... — Margareth falou, levantando-se e saindo na direção de um longo corredor. — Mamãe, se importa se eu for até meu quarto, quero buscar um livro que esqueci. A mulher apenas concordou, sem achar estranha a atitude da filha, afinal Margareth era sempre daquele jeito, impaciente com formalidades e por isso, provavelmente, a mulher não ligara muito para os modos da filha. Mad seguiu a condessa e foi interceptada instantes depois. — Preciso que você vá à sala de fumar e diga ao meu marido para ele ver a reação do meu pai em relação ao duque P. A princípio Mad pareceu um pouco confusa, mas então sorriu, fez sua reverência formal e se afastou. Margareth voltou para a sala instantes depois, um olhar simpático no rosto. — Acho que devo ter deixado o livro em outro lugar. Talvez não o tenha visto em um dos meus baús. — Falou, sentando-se em seguida à reverência das mulheres. Lady Starlington era uma mulher beirando os 35 anos, tinha os cabelos muito bem ornados num coque da moda, cujos cachos endurecidos por alguma pasta caiam duros nas laterais do rosto, olhava impressionada para Margareth. A jovem condessa sabia que aquilo só podia ser por causa de Hugh, ele era, com toda certeza um dos jovens mais bonitos, ricos e cobiçados de Londres e ela, justamente ela, uma moça sem título de nobreza havia conquistado o interesse do conde. Todas, inclusive sua cunhada, deveriam estar morrendo de inveja e curiosidade sobre sua felicidade conjugal. Esquecendo-se um pouco de seus planos, Margareth deixou-se envolver por seu lado mais maléfico e cogitou a hipótese de provocar um pouco as mulheres. Por alguns instantes ficou na dúvida, mas até que Mad retornasse com sua resposta, ela não tinha muito o que fazer. — Então condessa, não nos deixe morrendo de curiosidade, como é a vida na família Ruthenford? — Lady Starlington questionou, abrindo um sorriso torto que divertiu Margareth Se ela repensava sua ideia de provocá-las, aquela pergunta não ajudava muito. Com um sorriso maroto, Margareth moveu-se na poltrona, deixando o corpo mais ereto. — Nunca imaginei que pudesse ser tão boa. — Margareth sorriu, dando uma piscadela em seguida e arrancando da Lady um grunhido de satisfação. — Ouvi dizer que o conde é uma fera, um homem terrível. — A cunhada de Margareth crispara, os olhos impregnados de raiva e inveja. — Pobre Margareth, deve sentir tanto medo... Margareth pensou muito bem nas palavras que ia usar. — Em primeiro lugar você deve me chamar de Vossa Graça. E de fato, Hugh é uma fera com aqueles de quem ele não gosta ou que merecem. Comigo ele é simplesmente maravilhoso, não poderia esperar marido melhor. A mãe de Margareth cobriu a boca com uma das mãos, abafando um pouco o som de espanto para com o qual Margareth tratava a outra. Todo mundo sabia, não havia uma pessoa em toda Londres que não conhecesse a personalidade implacável de Hugh e nos anos que haviam se passado desde a morte de seu pai, ele só havia intensificado a fama de brutal, terrível e mau. Margareth queria gritar com aquelas pessoas, mandar que desfizessem aqueles olhares de espanto e choque. Dizer que ninguém o conhecia de verdade e que ele era tudo menos a fera que adoravam chamá-lo, inclusive ela mesma, muitas vezes, na tentativa de convencer o pai de não a obrigar a se casar com Hugh. Agora, pensando sobre isso, sentia-se amarga. — Mas ele é bom para você? — A Lady Starlington questionou, os olhos cheios de afeto e pena de Margareth. — Melhor marido não há nesse mundo. — Margareth falou, abrindo um sorriso doce. — Nunca vi homem mais gentil... Faz tudo por mim, os melhores presentes, agrados, delicadezas que nunca esperei de um cavalheiro de sua linhagem. Lady Starlington sorriu, animando-se com o rumo da conversa. — Quem diria. — A cunhada resmungou, visivelmente irritada. Margareth estava prestes a dar-lhe um tapa, mas recompôs-se quando Mad entrou carregando um livro nas mãos. A criada se abaixou ao pé do ouvido da condessa e cochichou a resposta para sua pergunta. Depois entregou- lhe o livro e saiu, reverenciando as senhoras. Margareth sorriu mostrando a capa marrom do livro, depois largou-o ao lado e direcionou um olhar fulminante para a cunhada. — Se eu soubesse que o casamento era tão bom... — Oh! Nitidamente apaixonada. — A lady suspirou. — Me lembra a mim mesma, nos meus primeiros meses de casamento. — Ah! Mas não me diga que a senhora não está mais apaixonada pelo lorde Starlington. Não consigo imaginar ninguém vivendo sem um amor como o meu e de Hugh. — Margareth falava olhando diretamente para a cunhada, que fechou o cenho em uma carranca feia. — Claro que estou, mas com o tempo as coisas se modificam um pouco, principalmente depois dos filhos. — Então acho que devo aproveitar ao máximo agora... — Margareth sorria e seu sorriso era genuíno. — E espero muitos netos. — A mãe de Margareth obrigou-se a dizer, querendo participar da felicidade da filha como se tivesse algo a ver com os sentimentos do casal. — Ah! Não duvido que logo tenhamos alguma notícia desse tipo... — Margareth abriu um sorrisinho maroto. Jane, a cunhada enciumada de Margareth bufou contrafeita com aquela simples sugestão. — Mas e você, Jane, já não passou da hora de nos agraciar com algumas crianças sorridentes? — Lady Starlington inquiriu, nitidamente desapontada pelos modos da esposa do irmão de Margareth. — Quando Deus quiser, eles virão. — A jovem resignou-se a dizer, tentando minimizar a conversa. — Talvez meu irmão precise ter uma conversa com Hugh, quem sabe meu esposo possa ensinar algumas dicas... — Margareth provocou, arrancando outro grunhido de espanto da mãe e um olhar de víbora da parente. — Com aquele jovem conde, tão bonito, você deve ter as noites muito ocupadas. — Lady Starlington parecia completamente alheia às alfinetadas das duas jovens e demonstrava-se realmente admirada com a condessa, e com o amor. Era uma mulher romântica, Margareth concluiu. — A senhora não faz ideia de quanto. Nunca, nem em um único dia sequer tenho paz nos meus aposentos. Ele praticamente se mudou para o meu quarto. — Ela respondeu, sorrindo com todos os dentes. A mãe de Margareth parecia prestes a desmaiar, sabia que a insolência da filha podia ser das piores, mas envergonhá-la assim, diante de uma das ladys mais influentes de seu meio, era terrível. Queria esbofetear Margareth, pedir que fosse para casa com seu marido arrogante, mas não o fizera, resignando-se a escutar a conversa com o rosto avermelhado e suando. Jane, por outro lado, vinha ficando cada vez mais furiosa. Não podia suportar que Margareth, aquela jovem mimada, pudesse ser tão feliz. Em sua mente aquilo deveria ser fingimento, mas se fosse, ela jamais saberia. Ouvira muitos boatos no início do casamento, sobre Margareth e Hugh se odiarem e sobre a garota quase ter morrido numa floresta, mas então, os via juntos, e pareciam mesmo apaixonados. — Ouvi dizer que você esteve doente. — Jane, provocou, tentando espantar os pensamentos odiosos e se concentrando em analisar a expressão no rosto de Margareth. Margareth sabia exatamente como a história deveria ter repercutido e precisava pensar rápido em uma resposta convincente. Mentir, sabendo que o boato havia sido espalhado por criadas, não era uma alternativa. — Sim, é verdade. — Ela falou, como se estivesse pesarosa. Jane sorriu, sentindo-se vitoriosa. — Imagine a senhora, Lady Starlington... — Ora, por favor, me chame apenas de Aurora. — Pois bem. Imagine você, Aurora que temos um lago lindo logo no início de um bosque. Passei vários dias imaginando como seria passear por ali à noite. A mulher concordava animada, sorrindo sem qualquer formalidade. Margareth ajeitou-se na poltrona como se quisesse melhorar sua posição, para narrar um fato longo e espetacular. As ouvintes se prepararam. — Bom, uma noite, Hugh e eu decidimos dar um passeio e a senhora pode imaginar que andar de mãos dadas, sob uma lua maravilhosa, conversa baixa, uma coisa leva a outra e nós nos deixamos levar... — Margareth deu de ombros. — Peguei um resfriado muito forte. Mas Hugh esteve todo tempo ao meu lado e ele mesmo cuidou da minha recuperação. A Lady quase pulou da cadeira, espantada, admirada e emocionada. Margareth sentia-se um pouco envergonhada, ao mesmo tempo que satisfeita por ver as caretas da mãe e da cunhada. — A duquesa Paxton não pareceu muito animada com a sua festa. — Jane despejou por fim. — Ora, aquela mulher não se anima com nada. — Lady Starlington retrucou. — Não se pode agradar a todos, infelizmente. — Margareth concluiu. — Minha sobrinha disse que você é a melhor e mais doce anfitriã. Margareth ficou satisfeia. — Graças a você, ela tem sido convidada constantemente para os chás do duque de Devonshire. — Imagino que o jovem Leonard deve ter ficado muito encantado com a beleza e delicadeza da sua sobrinha. — Margareth falou com sinceridade, lembrando-se subitamente da menina a quem não perguntara o nome, mas que parecia derreter-se no evento. — Ah! É o que espero. — Bom, acho que já está tarde e Hugh gosta de se recolher cedo. — Margareth abriu um sorrisinho tímido. Enquanto a carruagem do casal era chamada, Margareth deixou o marido trocando umas últimas palavras com o pai, o irmão e o lorde Starlington e chamou a mãe, levando-a para um canto. — Qual é o seu problema? — A mãe a inquiriu com autoridade. — Qual é o meu problema? — Margareth repetiu com repulsa. — Você e o papai me obrigaram a casar com um estranho, sem o menor direito de escolha e agora você faz essa cara para questionar qual é o meu problema? A mulher ficou contrafeita. — Fizemos o melhor por você. — E se ele fosse mesmo a fera que todos dizem? — Mas pelo jeito não é, e você mesma disse que está bem. — Não, não é. De fato é um marido maravilhoso — Margareth fechou o cenho entristecida. — Mas se fosse à essa hora eu poderia estar trancada numa masmorra ou algo pior. — Bom, se ele não é, então tudo deu certo. Margareth tinha vontade de chorar, esbofetear a mãe fútil e fraca, que preferia aceitar tudo calada ao invés de lutar por seus sonhos. — Sabe, realmente Hugh me faz muito feliz, sinto muito por saber que você nunca vai sentir nada desse tipo. — Oh! — A mulher reagiu estupefata. — Como você ousa falar assim com a sua própria mãe? Eu sou sua mãe! — E eu sou uma condessa, meça você suas palavras, senhora. — Margareth fuzilou-a. — Agora me diga o que há entre você e aquela duquesa Paxton. — Não há nada, só não suporto aquela mulher. — Por acaso, eu conheço você muito bem para saber que suportaria qualquer coisa para conviver com gente como ela. Então, o que há entre vocês? — O marido dela, aquele duque horrível está tentando falir o seu pai. Nunca vi ninguém tão repugnante quanto aquele sujeito. Usa de sua posição para nos intimidar. É claro que eu não deveria estar ciente de nada, afinal isso é assunto de homens, mas as coisas chegaram a tal ponto que mesmo eu, uma dama, percebi o que está ocorrendo. Margareth conteve um grunhido de assombro e a mãe teve de cobrir o rosto com um lenço para evitar que começasse a chorar. A condessa jamais a vira tão fragilizada e assustada. — Preciso saber como ele está fazendo isso. — Eu não sei, só escutei umas poucas conversas entre seu pai e seu irmão. — Mãe, eu posso ajudar, mas você vai ter que descobrir todos os detalhes. Assim que você me der mais informações, falarei com Hugh e ele ajudará no que for preciso. Você entendeu? A mulher assentiu, recompondo-se quando o conde e os demais homens apareceram. Lady Starlington fez uma reverência adotando a postura exigida pelo decoro de sua classe. — Minha sobrinha tinha razão, vossa graça é mesmo uma moça encantadora. — Obrigada. Jamais imaginei que ia gostar tanto de uma amiga da minha mãe. — Margareth declarou. As duas mulheres despediram-se e então Margareth partiu, seguida por seu marido que estava nitidamente mortificado e com um estado de espirito exausto. Os dois jantaram na varanda vestindo apenas as roupas de baixo. Margareth estava soturna e Hugh preocupado. — Por que você queria saber como seu pai reagiria à menção ao Paxton? — Porque conheço minha mãe e sabia que algo a estava perturbando. — E o que você descobriu? — Que o duque está tentando falir meu pai. Vinte
O primeiro chá oferecido na luxuosa mansão dos
Ruthenford ocorreu no final da tarde de uma quinta-feira. Margareth estava delicada em um vestido novo feito sob medida com laços em cor de vinho, nas mangas, alguns bordados de flores no corpete que evidenciavam sua candura e pureza enquanto ela mesma só conseguia pensar em arrancar as anáguas e partir para cima do marido, tirando também dele as roupas enfadonhas com as quais perfilava pomposo pelo quarto, nervoso do mesmo jeito em que estivera na recepção em Surrey Hall. Hugh saiu do quarto de vestir com pressa, dizendo apenas que tinha que buscar algo, quando retornou trazia nas mãos um lindo colar de safiras que parecia brilhar ainda mais posto em contraste com a brandura da pele da condessa e as cores vivas do vestido. Passou-o pelo pescoço da esposa e o prendeu. Margareth puxou os cabelos num coque alto com pontas esparsas que caíam sobre os ombros. Cobriu-se com um xale, colocou duas pulseiras delicadas de ouro e deu o braço para o marido para descer as escadas com toda a classe e beleza de que dispunham. A maioria dos convidados já petiscava perto da mesa de quitutes, dois homens fumavam perto do janelão que dava para o jardim enquanto quatro senhoras aglomeravam-se perto da entrada em arco, conversando animadamente sob a luz de candeeiros ao estilo gótico. Assim que o casal chegou na imensa sala de visitas, o silêncio tomou conta do lugar. Hugh vinha sem cartola, e sorriu para a esposa quando ambos deram conta da impactante imagem que faziam, ao passar por um espelho adornado com marfim que ficava de frente para a porta da varanda. A sala de convidados era na verdade um ostentoso salão de recepção, com uma mesa enorme que acompanhava toda a extensão da parede, cadeiras almofadadas na última moda francesa, quadros nas demais paredes e vasos cheios de flores sob pequenas cristaleiras e toucadores. Criadas ágeis e silenciosas abasteciam os pratos e as taças, não deixando um cavalheiro ou dama sem algo nas mãos, por um segundo que fosse. Hugh congelou quando deu de cara com seu inimigo. Paxton estava vestido com um fraque propicio para o verão. Deixava sua bengala e cartola aos cuidados de um lacaio e puxava a esposa com ares enfadados quando deparou com o olhar especulativo do conde. A mulher que vestia- se como a maioria, sob babados e mais babados não conseguiu evitar um olhar enviesado para Margareth que resplandecia com as safiras que combinavam perfeitamente com os olhos do marido. Não havia uma dama sequer na sala que não suspirasse à passagem dos dois. A jovem condessa cumprimentou o duque e a esposa com uma reverência formal e depois sorriu para a duquesa, convidando-a para juntar-se às demais senhoras. O conde não disse muito para o inimigo, deixando-o sozinho na primeira oportunidade e indo juntar-se ao jovem Leonard que não parava de tagarelar sobre uma certa senhorita que o havia deixado hipnotizado. Depois de quase uma hora circulando pelo aposento, exibindo sua melhor performance de anfitriã, Margareth convidou a todos para a refeição. Muitos gracejaram sobre os petiscos terem sido o suficiente para abastecer seus estômagos, mas ninguém queixou-se ao ver a refeição começar a ser servida. Carnes frias, chás variados, leite, queijos, frutas, tortas, e muitas outras iguarias de diversas regiões. Tudo foi rapidamente passado para os pratos, deixando os convidados deleitados com uma refeição que segundo Margareth pensava, seria capaz de abastecer um vilarejo pobre por semanas. A conversa soou animada durante a refeição, a não ser por um ou outro olhar do duque, que fuzilava a beleza juvenil e rebelde de Hugh e invejava amargamente o corpo do conde cujas mãos descontraidamente repousavam sobre a da esposa. A duquesa pouco abriu a boca, deixando claro que só estava ali por motivos sociais relacionados ao marido, mas a condessa por sua vez, conquistou cada senhora, exibindo sorrisos marotos e sempre dizendo o quanto admirava cada uma das damas, perguntando sobre pequenos detalhes de suas roupas ou vida conjugal, como se buscasse apoio na experiência das senhoras e valorizasse cada novo conselho. No fundo, queria que tudo chegasse ao fim o mais rápido possível. — Paxton quer casar a filha com Leonard! — Margareth contou, muitas horas mais tarde quando ambos já se preparavam para dormir. — Mas achei que o garoto estivesse prometido à filha do conde de Canterburry. — E está. Mas aquele duque feio não é bobo, sabe que o garoto é um ótimo partido. E as moças se derretem por ele. — E você se derrete por ele? Margareth gargalhou. — Acho que prefiro as feras do campo. Dessa vez foi Hugh quem riu alto, puxando a esposa para junto do corpo e beijando-a com intenções evidentes. — O que você tem em mente? — Acho que Leonard ficaria muito bem com a sobrinha da lady Starlington. — Você gostou mesmo daquela mulher, não é? Margareth deu de ombros. — Gostei da sobrinha também. — Eu gosto do garoto, não queria envolvê-lo... — Eu sei e sinto muito por isso, mas nesse momento ele é tudo que temos. E acho que tive uma ideia. Hugh encolheu os ombros, vencido. Margareth tomava a frente de seu plano, mais determinada do que ele jamais pensara ser e, possivelmente com menos escrúpulos. Se ele havia casado a si mesmo com uma jovem bem relacionada para se aproximar dos lordes do parlamento, ela seria capaz de casar qualquer outro com ainda mais sucesso. Ainda pensando sobre isso, Hugh deixou-se tomar pela esposa que ainda tinha energia suficiente para convencê-lo de que estava certa. Depois do coito, com os olhos cerrados e sentindo o cheiro do cabelo louro que se espalhava por seu peito, distraidamente, ele não tinha mais dúvidas de que sua esposa faria o que bem quisesse e ele a seguiria ao inferno se fosse preciso. Vinte e Um
Margareth faria compras com a duquesa de
Devonshire numa manhã de quarta-feira. Quando a hora chegasse e o dia quente estivesse em seu ápice, começaria a colocar seu plano em ação. O verão vinha chegando e ela não via a hora de voltar para Surrey Hall. Desde o primeiro chá dado em sua residência em Londres, o casal Ruthenford vinha sendo o mais requisitado para as festas e eventos da nobreza da cidade. Muitos lordes sem títulos, mas com dinheiro o bastante para adotar os costumes da nobreza, também insistiam na presença de Hugh e sua exuberante esposa. As semanas iam passando com uma rapidez assombrosa, e a condessa escolhia a fio os eventos aos quais ela e seu marido iriam participar. Excluindo, propositalmente os malditos Paxton. Naquela manhã ela estava exultante. Sabia muito bem o que a família de Leonard representava para seu marido, e usá-los daquela forma não parecia a coisa mais certa a fazer. Como não era uma grande estrategista e nem tinha conhecimentos suficientes para bolar planos mirabolantes, tais como os dos livros que lia, ela simplesmente passou a fazer visitas mais constantes à duquesa, a cativando bem devagar. Dia após dia. Margareth estava vestida com simplicidade, carregando uma sombrinha que combinava perfeitamente com seu vestido sem mangas. A duquesa por sua vez, vinha num lindo tom de vermelho, sob um vestido com mangas curtas que caiam sobre os ombros. Uma flor no longo cabelo crespo e negro. Era uma mulher beirando os cinquenta anos, mas com uma expressão jovial e alegre que facilmente fazia com que a jovem condessa se lembrasse de Leonard. Madelina era uma espanhola que nunca perdera completamente o sotaque e frequentemente se punha a conversar em espanhol, como se esquecesse que vivia entre ingleses que não compreendiam uma palavra sequer. Para seu contento, Margareth aprendera algumas palavras no idioma materno da duquesa o que divertiu as duas por horas e horas, atazanando os maridos inocentes que mal sabiam que elas não paravam de falar palavras de baixo calão. Hugh, consequentemente ia ficando mais próximo do duque e gostava cada vez mais do filho. Aquele jovem tinha um ótimo caráter e com toda certeza havia herdado do pai. Seu espirito livre, porém, Margareth assegurava, vinha da mãe, a espanhola de sangue quente que conquistara o marido desafiando-o a domá-la. A duquesa, era sem dúvida uma mulher muito elegante, acompanhava a moda, tinha sempre chapéus da melhor qualidade e parecia sempre feliz. Evitava ao máximo os círculos da elite e criara um filho apaixonado pela vida. Enquanto Madelina escolhia uma das joias mais caras da joalheria, Margareth fingia apreciar um broche pequeno, em formato de flor de lótus com um diamante na ponta. Seus pensamentos, porém, não paravam um segundo, tentando descobrir uma forma de abordar o assunto. Foi quando veio a ideia. — Madelina, querida, veja esta peça aqui. — Falou, apontando para um colar bem pequeno cujo pingente parecia-se com uma gota de orvalho azulada. — Um pouco sem graça para mulheres como nós, você não acha? — Madelina respondeu sorridente. — Sim, sem sombra de dúvidas, sem graça para qualquer mulher que tenha um pouco de alma no corpo. — Margareth falou, piscando. Margareth pegou no braço enluvado da duquesa e cochichou ao pé de seu ouvido. — Na verdade acho que vi esse colar no pescoço da duquesa Paxton. — Oh! Não é possível. — Só entre nós? — Margareth puxou a mulher ainda para mais perto. — Se Hugh sonhar que estou me metendo na vida alheia ficará enlouquecido. — Pobre de você, não consigo imaginar como deve ser difícil viver com um homem tão terrível. — Madelina falou, gargalhando sem o menor pudor. — Ah! Pare, assim ficarei corada. — Margareth retrucou divertida com a ousadia da nova amiga. — Jamais imaginei que o casamento pudesse ser... sabe, assim... — Falou por fim com toda a sinceridade de seu coração. — E não é para a maioria das mulheres da nossa classe. Mas para nossa sorte não somos como elas e nos divertimos muito com nuestros hombres. — Respondeu a duquesa com simpatia. — Mas o que era mesmo que você ia dizer? Sabe, não se pode perder uma boa fofoca... precisamos estar sempre bem informadas. — Você é muito curiosa. Bom, eu ia dizer que chegou aos meus ouvidos que a família Paxton está por um triz de perder tudo. Parece que a duquesa está até penhorando suas joias. Não me impressionaria nada se realmente este colar fosse a mesma peça que vi no pescoço dela dias atrás. — Oh! Santo Deus. — Madelina cobriu a boca para reprimir as palavras de espanto e pesar. — Coitados. Não que eu goste daquela mulherzinha entojada, mas longe de mim desejar esse pesar a alguém. Mas será verdade? — Bom, eu não estava acreditando também, mas veja esse pingente, posso afirmar com veemência de que o vi no pescoço da duquesa no chá em minha casa. Sem contar que... — Que...? — Parece que o duque já tem tudo resolvido... ou planejado pelo menos. — Pelo amor de Deus pare de rodeios minha jovem. Margareth deu de ombros. — Parece que o duque está acertando o casamento do filho com a menina Starlington. A sobrinha protegida do banqueiro. — Sim, aquela bela jovem seria uma ótima solução. Além de muito bonita e bem educada, parece que herdou um bom dinheiro dos pais e vive sob os cuidados dos tios que são gente muito refinada até onde sei. — Exatamente. Só não é bom negócio para a jovem. — Mas o jovem Paxton é bem aprazível, além de ter um bom nome, como pode não ser um bom partido? Margareth bufou consternada exaltando seus ares mais inocentes e culpados. — Creio que não posso dizer mais nada, minha amiga. O que sei me foi dito em confiança por uma jovem cujo coração está preenchido de amor e prestes a se partir. Madelina sorriu. Seu espirito vivo e animado estava sedento por uma boa e emocionante história de amor jovem. — E se eu prometer guardar para mim? — Você juraria isso? — Mas é claro, embora ache que não é necessário. Mas ande, me diga, quem poderia ter conquistado o coração daquela bela jovem. — O seu filho. Vinte e dois
Madelina soltou um imenso suspiro de prazer e
espanto. Ficou calada por algum tempo e então declarou, por fim, satisfeita: — Não posso dizer que fiquei surpresa. Meu filho é mesmo um jovem atraente e um excelente partido. — Realmente, um belo jovem. Enquanto as duas mulheres escolhiam suas joias e conversavam sobre outras coisas sem importância, Margareth percebia o quanto aquela conversa havia despertado na duquesa. A mulher era esperta e, portanto, Margareth não voltaria a tocar no assunto, pois poderia despertar suspeitas, mas uma coisa a jovem condessa não tinha dúvidas. Algo no que dissera havia provocado uma mudança de postura e um semblante ainda mais astuto na companheira de compras. Algo, em algum momento, havia despertado o interesse da duquesa. Cerca de uma semana depois, o duque de Devonshire ofereceu um baile extraordinário que não deixava em nada transparecer ter sido feito de última hora. Mas Margareth, ao chegar na festa e ver a linda senhorita Starlington no seio da conversa com a duquesa e outras ladys não teve mais qualquer dúvida. Seu plano havia fisgado a mulher. A grande maioria das mulheres nobres não suportava a presença pedante da duquesa Paxton, mas ninguém jamais ousaria lhe dizer qualquer coisa. Em todo caso, Madelina parecia adorada por todos, inclusive pela grosseira duquesa que fazia vista grossa aos gracejos exuberantes da espanhola, tratando-a com a maior deferência e cordialidade. — Acho que tudo está correndo como planejado. — Margareth falou, apertando o braço do esposo e sorrindo-lhe. Os dois valsaram com a mesma paixão que faziam em todas os bailes. Ignorando planos, pudor ou qualquer resultado que a imagem do casal apaixonado poderia causar. Para espanto de todos o duque de Devonshire e a esposa fizeram quase a mesma coisa. Margareth tinha certeza de duas coisas, estava sendo aceita e admirada e estava sendo provocada. Ela ficou ainda mais encantada com Madelina a partir desse dia. — Vamos dar uma volta no jardim, condessa? — Madelina aproximou-se de Margareth depois de rodar o salão em uma segunda valsa. — Está um pouco quente aqui, você não acha? — Ah! Sim, por favor, adoraria dar uma bisbilhotada por sua propriedade. Descobrir se minha casa chega aos pés desta imensa mansão. — Não seja ridícula, pois ambas sabemos que seu marido tem mais dinheiro do que o meu. — Entretanto o seu tem um título mais importante. — Sem dúvidas. — Mas o meu é mais bonito. — Margareth provocou-a. — E uma fama de dar medo. — Oh! — Margareth cobriu os lábios com a mão, impedindo que um gritinho de assombro escapasse por sua garganta. — Por acaso fiquei sabendo que ele se interessa muito pelas partes intimas da senhora. — Ela falou, gargalhando em seguida. Margareth então compreendera, lady Paxton já havia espalhado seu veneno invejoso. — Você ficou sabendo da minha pequena maldade. — Fiquei sim e devo dizer que achei bastante ousado, ainda que engraçado. Até se casar, pouco havia que eu soubesse de você, nada além de sua beleza espetacular e sua paixão por livros. Mas então eis que você se torna a condessa de Surrey. As duas sentaram-se em um banco no coreto de madeira, as flores espalhadas pelas amuradas davam um ar angelical ao patamar. Madelina continuou segurando o braço da condessa. — Então muitos boatos começam a circular pelos círculos aos quais frequento. Primeiro a estranheza de um jovem nobre se casar com uma moça sem títulos, o que facilmente seria excluído afinal sua beleza justificaria perfeitamente isso. Mas então sequer uma viagem de lua de mel. Os dois simplesmente se enfiaram naquele casarão velho e não tardou para a notícia de que você por pouco não teria perdido a vida. Margareth não conseguia falar, estava estupefata com a astúcia e destreza da duquesa. Era uma mulher sem igual. — Então, finalmente os boatos de que estariam tão apaixonados que o conde sequer pisasse em seus aposentos. É um tanto quanto contraditório, você não acha? — Sem esperar pela resposta continuou falando, os olhos amendoados faiscando intensamente. — E eis que a conheci e francamente tirando uma ou outra exceção você é adorada por todas as mulheres que conheço. Você não acha isso tudo intrigante? — Vendo por este ângulo, devo concordar. — Então, devo considerá-la como uma amiga ou alguém que aproxima de mim por algum outro motivo? Talvez um bom casamento para uma amiga... Margareth suspirou. Havia subestimado a inteligência da duquesa e por isso precisava mudar de estratégia. Mentiras só piorariam tudo. É claro que ela desconfiara de que Margareth estivesse empurrando a senhorita Starlington para Leonard, sem sequer supor os reais motivos de sua aproximação, mas de qualquer forma isso poderia ser um problema, um revés para seus planos. Talvez a verdade, ou um pouco dela pelo menos, resolvesse a situação. — Posso confiar realmente em você Madelina? — Se não for algo que afete minha família, pode, é claro. — A mulher respondeu com extrema franqueza. — Quando me casei com Hugh eu o odiava. O odiava como nunca fui capaz de odiar alguém. E odiava ainda mais meu pai por ter me forçado a casar com um homem de dar medo. Como prova de que pouco se importava comigo ou meus sonhos, fomos direto para Surrey Hall. — Margareth falou, deixando-se transportar para sua primeira noite de casada. — Veja, eu não tinha qualquer entendimento do que aconteceria naquele quarto. Por mais que tenha implorado para minha mãe, tudo o que eu aprendi foi que deveria deitar-me de olhos fechados e deixar que meu marido fizesse o que bem entendesse com meu corpo. Sabe o quanto isso é ultrajante? — Sei sim. É o que a maioria das mulheres aprende. — Madelina falou gargalhando. — Mas suponho que você não seja do tipo que aceita isso. — Mas é claro que não, como posso não ser a dona do meu próprio corpo? — Entendo. — Acredite, as primeiras semanas foram terríveis. Eu me recusava a ceder aos caprichos de Hugh e ele tornava minha vida um inferno naquela casa. Madelina não disse nada. — Então, uma noite fugi. Por muito pouco não morri naquele frio. Mas Hugh zelou por mim até que estivesse plenamente recuperada e então foi apenas uma questão de tempo para nos conhecermos melhor. — E agora você o ama, perdidamente. Margareth assentiu, baixando os olhos. — Estava ainda decidindo que tipo de pessoa você é quando me contou a história dos Paxton. Mas é claro que já deveria saber que estávamos nos preparando para unir nossas famílias quando me contou sobre os boatos... Margareth concordou novamente. — Confesso que fiquei um pouco apreensiva naquele dia. Curiosa a respeito do seu interesse pela duquesa. Sabe, meu filho admira muito seu marido. Ele realmente o adora. Quando procurei informações por aí, não fiquei sabendo de nada sobre a suposta dificuldade do duque, mas essas coisas são facilmente escondidas de nós mulheres, você não concorda? — Você é muito astuta. — Margareth deixou escapar. — E como você acha que conquistei meu marido? — A duquesa falou, gargalhando novamente e seu riso fácil enchia o coreto de eco. — Me diga, os Paxton realmente estão em maus lençóis? — É o que parece. — E a menina Starlington realmente gosta do meu filho? — A conheci na recepção que oferecemos em Surrey Hall. É uma boa moça e está genuinamente encantada por Leonard. Embora o tio esteja muito inclinado a dar sua mão ao filho do duque Paxton. Não menti para você, Madelina, não tenho motivos para isso. Madelina observou atentamente a expressão de Margareth. Depois concordou com um aceno de cabeça. — Meu filho não fala em outra coisa do que essa bela jovem. Nunca o vi tão interessado em alguém, mas romper um compromisso com outro duque pode ser complicado. — Imagino que sim. — Sou uma entusiasta do amor. Pode soar piegas, mas me casei por amor e gostaria que meu filho pudesse fazer o mesmo. Adoraria que ele fosse realmente feliz, como o duque e eu somos. — Acho que é o sonho de toda mãe, que seus filhos encontrem a felicidade. — Discordo de você. A grande maioria que conheço tem os filhos como apenas uma mera peça de xadrez, ferramentas capazes de tornar possível conexões e alianças que podem mover o mundo e que sem a união de uma família talvez não fosse possível. — Isso é horrível. — É mesmo, mas é a verdade. Meu pai mesmo, só concordou que eu me casasse com um estrangeiro por causa do título. — Mas você o amava, não é? — Ah sim, com a força de uma tempestade. E ele a mim. Mas tinha a fama de ser um homem de muitas mulheres... Já contei a você que meu marido não gosta dos Paxton? — Pensei que fosse o contrário. — Este nosso mundo é muito complicado. Por isso a maior parte das mulheres prefere se manter na ignorância, pensando apenas em vestidos e joias. — Você adora joias e vestidos! — Margareth provocou-a. — Mas que espécie de mulher eu seria se não gostasse? As duas riram juntas. — Não sei o que há, mas meu marido tem aversão à família Paxton. Entretanto uma ligação entre os dois ducados seria um grande passo. — Entendo. — Mas como eu disse, acho que todos deveríamos nos casar por amor. Vinte e três
Margareth estava com a mente em um turbilhão.
Madelina havia se transformado numa verdadeira surpresa. Nunca conhecera uma mulher mais mordaz e ousada, sem medo de falar o que pensava. Mas agora estava feito, não tinha como voltar atrás e a duquesa jamais poderia sonhar os reais motivos pelos quais Margareth estava empenhada. Ela havia transformado a mulher em sua aliada e um casamento provavelmente ocorreria em breve. Agora só precisava saber como fechar ainda mais o cerco em relação ao casal Paxton. É claro que não estava falido, mas deveria ter algo que pudesse realmente ser usado contra ele e sua esposa repugnante. Somente com o afastamento daquela criatura horrenda é que os Ruthenford poderiam ter sua vingança contra o velho duque de Canterburry. Naquela tarde, pela primeira vez, Margareth tomaria chá na casa dos Starlington e conheceria o inimigo número um do marido. Um velho de aparência autoritária que exibia uma esposa beirando não mais do que vinte e dois anos. Uma jovem de olhar triste que falava pouco e ouvia distraidamente a conversa alheia. Mas acompanhada pelo casal também estaria a única filha do duque, uma jovem quase da mesma idade da madrasta, com cabelos louros e expressão angelical. Naquela manhã Hugh estava com um péssimo humor. — Eu realmente não quero ir. — Mas Hugh, é a melhor forma de nos aproximarmos do Duque de Canterburry. — Pois diga que estou doente. — Nem pensar. Tenho dado duro para conseguir afastar Leonard das duas pretendentes e colocá-lo no caminho de Charlote Starlington para quê? Para você jogar tudo fora por causa do seu mau humor? — Você sabe o quanto eu odeio aquele homem. Por anos venho bolando um jeito de destruir ele e toda sua maldita família. Como poderei me sentar à mesa com aquela gente? — Do mesmo jeito que tem feito com Paxton. Ignore-o se for preciso, mas nós vamos. — Não vamos, não. — Hugh, destruí qualquer chance do Paxton de roubar o pretendente da filha do velho e estar lá hoje, quando provavelmente receberemos a notícia de um noivado é fundamental. Só assim poderemos nos aproximar daqueles a quem seu pai prometeu dar o troco. Além do mais a vida da minha família também está em jogo. Hugh arriou na cama vencido. Margareth terminou de aprontar-se com a ajuda de Mad a quem mandou um lacaio chamar e então prendeu o chapéu e sorriu afetuosamente para o marido rabugento. Apesar do estado de espirito soturno, Hugh esbanjava beleza e sorrisos ao circular entre os convidados do lorde Starlington. Aceitando reverências e retribuindo com eficiente polidez. Margareth, logo após sua chegada se tornara uma das mais festejadas senhoras, sendo convocada para todas as conversas e debates femininos sobre moda, moral e o que mais surgisse. Cerca de uma hora depois, o duque de Devonshire chegou acompanhado da esposa e do filho. Todos vinham vestidos com esmero e responderam a cada mesura com educada formalidade. Quando chegou a vez de Margareth, Madelina simplesmente esqueceu a pose de duquesa e se atirou a um afetuoso abraço. As duas sorriram e muitas senhoras suspiraram de inveja e admiração da relação das duas nobres. Pouco a pouco o grupo foi sendo perfeitamente ajustado à mesa de chá e servido com delicadeza e esmero. Charlote Starlington estava sentada perto da tia, o rosto rosado e os lábios carnudos se sobressaltavam em realce ao vestido com costura prateada. Leonard não desviava os olhos da menina que sorria tímida para o rapaz. Depois da refeição, todos se reuniram na sala de jogos da família, conversando animadamente. Lorde Starlington mandou servir vinho do porto e o que mais interessasse aos convidados, e quando não havia sequer uma pessoa cuja mão estivesse deposta de taça, anunciou com sua voz de trovão: — Caros amigos, hoje tenho a graça de anunciar que um grande momento chegou para nossa família. — Ele tomou fôlego. — Para minha tristeza, há muitos anos meu irmão e sua esposa deixaram este mundo num trágico acidente. Muitos aqui devem se lembrar de como nossa família ficou assolada pela tristeza. Agora, porém, anos mais tarde, nossa sobrinha e protegida tornou-se uma moça adorável. De boa educação e moral impecável. Tamanha é sua beleza e graça que nos deu a maior e melhor notícia de todos os tempos. O homem olhou para o jovem Leonard que tinha as bochechas avermelhadas. Ergueu a taça e sorriu. — Hoje cedo fui agraciado pela visita do jovem Marquês, filho do meu amigo antigo e Duque de Devonshire. Para nossa surpresa, mas não espanto, nossa amada sobrinha era alvo de sua afeição e ele nos agraciou com muita alegria ao pedir nossa benção e permissão para desposar Charlote. Não vendo impedimento e compreendendo a força do amor dos jovens, com muita satisfação hoje brindo ao noivado de minha sobrinha com o marquês de Hartington. À felicidade dos noivos. Todos ergueram suas taças e brindaram. Margareth sorriu e Hugh apertou a mão de Leonard que estava tímido. Os dois haviam sido empurrados um para o outro, a cada nova valsa que Margareth insistia que dançassem, a cada nova conversa que travavam durante um baile que pouco interessava a ambos ou a cada novo passeio pelos jardins a céu aberto com estrelas como holofotes e a lua como madrinha. Estavam de fato apaixonados e felizes. Passaram o restante da noite aos cochichos, trocando gracejos discretos e um beijo escondido. Margareth se deixara levar pela conversa animada da amiga, a duquesa de Devonshire sempre tinha algo interessante a contar, ainda que fugisse da temporada londrina antes mesmo que essa despontasse ao ápice de bailes e recepções. A duquesa também tocou piano de forma espetacular e cantou uma melodia em espanhol, arrancando risos curiosos das senhoras e olhares cobiçosos de alguns senhores. Apesar de tudo, Hugh estava se divertindo. Gostava da companhia sóbria do pai de Leonard e da conversa animada da mãe. Gostava de ver sua esposa desfilando distraidamente entre as mulheres e se destacando com sorrisos marotos em sua direção. Imaginava-se tocando ali mesmo, mas logo que sentia seu corpo dar sinais, afastava os pensamentos e voltava à comemoração de noivado do jovem. Um baile ostentoso foi dado, semanas depois, oficialmente anunciando o noivado do casal. Foi nessa noite que Margareth teve certeza. Lady Elizabeth Coucex, a duquesa de Cunterbury escondia um segredo. Que a moça era muito jovem e entediada ninguém tinha qualquer dúvida, mas havia algo mais e ela não via a hora de descobrir. Tudo transcorria na mais perfeita ordem, Margareth e Hugh desfilavam relaxados, conversando animadamente com amigos e trocando beijos acalorados às escondidas, até que após uma valsa, tentando tomar fôlego, Margareth viu-se em meio a uma conversa séria entre as duquesas Madelina e a lady Claire Paxton. — Isso me parece uma calunia de alguém que está com inveja. — Foram as palavras de Madelina que chamaram a atenção de Margareth. — É o que dizem por aí, não estou fazendo nada além de contar a você o que ouvi de outros. — Fez bem, mas assim que escutar qualquer coisa do tipo, trate de abafar a besteira com uma reprimenda, pois isso mancharia a reputação da duquesa. Margareth fingiu estar distraída, prestando atenção aos casais que se espalhavam pelo salão valsando, mas na verdade seus ouvidos estavam mais atentos do que nunca. — Como sempre você está certa. — Lady Paxton resmungou. — Uma pena não nos tornarmos da mesma família. — A mesma coisa tem me dito o duque de Canterburry e sua esposa. Mas o que podemos fazer, não é? — A duquesa espanhola sorriu. — O coração dos jovens é impulsivo e anseia por amor. Claire não disse nada, amarrou um pouco mais sua cara inchada e afastou-se com um meio sorriso furioso. Naquele instante, Margareth sabia exatamente o que fazer. Vinte e quatro
— O que você acha do meu plano?
— Acho que é uma loucura, mas pode dar certo. — E o que mais o garoto falou? — Margareth inquiria Hugh com determinação. — Que a duquesa se encontra com um rapaz duas vezes por semana. Num quarto discreto. — Isso é ótimo. Acho que devemos começar a colocar essa ideia em prática o quanto antes. Ainda mais que tenho certeza de que aquela lady Paxton asquerosa está espalhando a notícia o tanto quanto pode. Logo a moral da moça estará manchada e de nada nos servirá. — Concordo. — Ótimo, agora me ajude a tirar o espartilho. — Mas você acabou de colocá-lo. — Eu sei, mas estou com vontade de tirar. Margareth sorriu, passando os dedos descontraidamente sobre o peito ainda nu do marido e virando-se de costas. Deixou o pescoço pender para um lado e a cabeleira jorrar feito uma cachoeira. A simples visão do pescoço e clavícula dela fez com que Hugh ficasse excitado. Passando a puxar as fitas do espartilho com pressa. — Por que você não vai providenciar o que combinamos e eu o espero aqui? — E o que você vai fazer enquanto isso? — Nada. — Ele fez uma expressão inocente. — Conte-me. — o conde sussurrou em seu ouvido. — Vou deitar-me na cama completamente nua e me tocar até que sinta cada parte do meu corpo úmida. Hugh alteou as sobrancelhas. — E se você demorar, não terei outra escolha senão eu mesma satisfazer os meus desejos. O conde sorriu com malicia, adorava quando sua esposa deixava transparecer seu temperamento ousado e autoritário. Era uma delícia, saber do que ela era capaz e de como isso o deixava excitado. Saiu apressado para a biblioteca, voltando minutos mais tarde com um olhar satisfeito. Quando entrou no quarto surpreendeu-se com o que viu. Margareth estava realmente deitada sobre os lençóis macios, completamente nua. Os dedos estavam dentro do tufo de pelos, na parte intima. Ela gemia, enquanto a outra mão apertava com fulgor um dos seios. Imediatamente ele sentiu seu membro erigir-se e uma queimação percorrer sua espinha. Quando a jovem o viu, observando-a com o olhar em chamas, mordeu o lábio inferior. Virou-se de costas, assumindo a posição com os joelhos sobre a cama e as nádegas levemente separadas. Hugh arrancou suas roupas e penetrou-a com força, apertando seus seios e estocando com brusquidão. Ela gemeu e ofegou, chegando ao ápice instantes depois. E ele logo em seguida. Não satisfeita, Margareth passou a andar nua pelo quarto, cogitando o que mais podia fazer para satisfazer sua necessidade. Hugh, deitado sobre as mãos, sorriu ao vê-la tão desejosa. Tinha algumas ideias do que poderia impor-lhe... — Você não se cansa? — Hugh inquiriu, um brilho furtivo nos olhos. — Não! Será que há algo errado comigo? O conde gargalhou. — Se tiver algo errado com você deve haver também comigo. Com o mesmo brilho selvagem que arrancava suspiros de Margareth o conde saiu do quarto, nu. Passou pela porta de ligação entre o seu aposento e o da esposa e surpreendeu-se com uma verdade. Há muito tempo não colocava os pés naquele quarto. Sorriu contrafeito com sua displicente entrega ao casamento. Foi até o armário que mantinha perto da janela. Com as mãos carregadas, voltou para a esposa que ainda caminhava impaciente pelo quarto, nua, as mãos na cintura e os olhos aflitos. — Tenho uma ideia. — Ele anunciou, sorridente. Margareth não disse nada, deixando-se conduzir pelo marido. Ele pegou a corda que trazia e passou nas pernas dela, afastando-as completamente. Prendeu um dos pés à cama e o outro à penteadeira, deixando-a de pé, completamente despida e amarrada. Fez o mesmo com as mãos, prendendo-as na trava da janela e na guarda da cama. Aquilo era uma novidade assustadora e excitante que fez com que Margareth descobrisse mais uma vez a fúria de seu desejo. Totalmente subjugada pelas cordas, ela fez um esforço para continuar em pé. Hugh saiu novamente, voltando instantes depois com o óleo que ela mantinha no quarto de banho, perto da banheira. Despejou um pouco nas mãos grossas e começou a espalhar pelo corpo da condessa. Começou logo na nuca, fazendo movimentos leves e ritmados. Foi descendo pelas costas, desviou para os seios e friccionou- os. Espalhando calmamente o óleo pelo corpo quente. Desceu devagar e sedutoramente para o ventre e voltou para as nádegas, apertando-as e massageando. Margareth gemeu alto. Hugh voltou para frente e olhou-a com desejo. Um desejo profundo e arrebatador. De joelhos, chegou bem perto da intimidade de Margareth e tocou-a com delicadeza, depois mergulhou o rosto entre o tufo de pelos, fazendo-a gemer constantemente enquanto passava sua língua e sugava a pele entumecida. Margareth continuou a gemer, cada vez mais alto. Puxou os braços e esticou-os, já sem forças para manter o corpo em pé. Hugh sorriu, adorava vê-la à mercê de sua vontade. Como um felino, contornou-a e cravou os dedos em seus seios, colando o próprio corpo ao dela. Pingou mais algumas gotas do óleo em suas mãos e esfregou o membro ereto. Posicionou-o e começou a penetrá-la por trás. Com uma das mãos, Hugh acariciava um seio banhado em óleo, e com a outra friccionava as partes úmidas entre as pernas de Margareth. A princípio ela gemeu, não com prazer, mas com a dor que a penetração causava-lhe e isso sobressaltou-o. ele tentou novamente fazer com que o membro mergulhasse nas nádegas. Margareth grunhiu e se esquivou. — Desculpe. — Hugh sussurrou, desistindo. — Por favor, passe mais óleo. E faça devagar. — Você não quer que eu pare? — Não, continue. Devagar. Hugh colou novamente seu corpo ao de Margareth, pressionou seus seios com firmeza e massageou. Depois, deixou uma das mãos deslizar novamente para o tufo de pelos onde começou um movimento ritmado que provocava espasmos de prazer na esposa. Quando notou que ela estava bastante excitada, a penetrou, devagar a princípio. Acariciando-a sem parar. Margareth contorceu-se por alguns instantes e então relaxou. Ele começou a estocar, primeiro sutilmente e depois com rapidez. Gemendo animalescamente. Ainda acariciando o órgão intimo dela, ele chegou ao ápice, curvando-se um pouco pra frente e jorrando seu liquido viscoso para dentro. Não demorou, Margareth deu indícios que também chegaria. — Pela frente. — Ela sussurrou entre gemidos. Ainda com os dedos acariciando-a freneticamente, ele a penetrou pela frente. A sensação foi estarrecedora e em poucos instantes Margareth urrou de prazer. Naquele momento a condessa decidira que não poderia haver coisa melhor do que ser casada com Hugh e, sorrindo para o marido murmurou: — De novo. Vinte e cinco Hugh piscou seguidas vezes, não conseguia manter seus olhos abertos e pouco captava da conversa enfadonha à mesa. Margareth, por outro lado, não podia estar mais radiante, falando um pouco com cada convidado. Madelina, sua convidada principal também dispensava comentários, em seu vestido vermelho vivo e flores negras. Tipicamente espanhola, sorridente, falando com seu sotaque arrastado e deixando escapar poucas palavras em sua língua materna, fazia o marido sorrir a cada gesto feminino. Havia uma paixão ali que inspirava a condessa. Juntas pareciam iluminar a sala de jantar. — Você está acabando com o coitado. — A espanhola cochichou para Margareth que apenas sorriu. — Eu deveria ter me casado com um homem feio. — Margareth declarou por fim, ao ver Hugh tombando as pestanas e retornando a abri-las com ares de assombro. Madelina riu alto, fazendo com que vários pares de olhos se dirigissem imediatamente para seu semblante divertido. Com um aceno distraído de mão, dispensou os curiosos e voltou para conversa com a anfitriã. — Eu me perguntava se alguém, algum dia, conseguiria domar a fera. — Oh! Não fale assim do meu marido. — Margareth crispou com malícia. — Não me diga que você era alheia à fama do conde? — A outra inquiriu, com ares brincalhões. — Mas é claro que não. Você sabe muito bem disso. — A condessa suspirou. — O amor jovem... Não é mesmo uma coisa linda? Margareth não respondeu. Virando-se logo em seguida para explicar à mãe algo sobre a prataria. A palavra amor, no entanto, ficou retumbando em sua mente. Definitivamente ela não entendia nada de amor, assim como não entendia nada de coito e estava descobrindo. Hugh havia sido uma grande e grata surpresa, mas não tinha certeza de que o sentimento que nutria era, de fato, o famoso e aclamado amor. Nos dias que se seguiriam, remoeria o tema constantemente, sopesando cada fagulha que se acendia diante da presença do marido. Por fim, a espera ansiosa por ele, o frio no estômago quando ouvia sua voz e o recente ciúme, lhe fariam confirmar seus temores. Depois do jantar suntuoso com mais de cinco pratos e uma sobremesa escandalosamente doce, lady Sinclair chamou a filha para um canto e baixou seu tom de voz ao máximo, para que somente a condessa escutasse seus conselhos. — Escute o que tenho a dizer... — Começou ainda pensativamente. — Normalmente as mães não falam esse tipo de coisa, mas depois do que você me disse no nosso último encontro, me sinto na obrigação de fazer um papel a mais em sua vida... — Mas afinal de contas do que você está falando? — Margareth falou alto demais, alertando Hugh que cochilava sentado em sua poltrona na sala de café. — Fale baixo... — a lady repreendeu, tensa. — O que tenho a falar, diz respeito somente a nós duas. Na verdade, eu nem deveria estar... — Ora pelo amor de Deus, pare de fazer rodeios. — Quero dizer... bom, olhe para o estado do seu marido. — E o que tem ele? — Você precisa cuidar que ele passe mais tempo em sua cama, e não em clubes de cavalheiros. — Como é? — Como você espera gerar os herdeiros do conde se ele estiver assim cansado por causa das companhias indesejadas... — Porque diabos você acha que ele anda em lugares assim? — Margareth estava intrigada e até um pouco furiosa. — Veja aparência de cansaço, mal falou duas palavras o jantar inteiro. — A mulher completou, os olhos vincados no conde que voltava a cochilar diante do olhar divertido do duque e sua esposa espanhola. — Mamãe, primeiro: o que meu marido faz não é da sua conta. — Ela eriçou o dedo zangado diante dos olhos enrugados da mãe. — Quem casou com o conde fui eu, então pode deixar que o tratarei exatamente como eu achar que devo. A mãe cobriu a boca espantada. O desapontamento brotando no rosto imediatamente. — E segundo, ele está cansado por que dorme todas as noites em minha cama! E eu o mantenho bastante ocupado, ou seja, ele dorme pouco. — Oh! Por que você não pode ser como as outras moças? A lady afastou-se da filha, a mão enluvada sobre os lábios. Margareth sorriu ao contemplar o marido. Os cabelos bagunçados e o olhar totalmente exaurido. Percebendo o desânimo para o restante das formalidades de um jantar londrino da nobreza, Margareth cochichou para a duquesa. — Como faço para que toda essa gente vá embora? Madelina sorriu, compreendendo perfeitamente a situação em que sua jovem e audaciosa amiga se encontrava. Com um abano de cabeça e um olhar divertido foi até o marido e murmurou em seu ouvido. Passou os dedos distraidamente sobre a manga de seu fraque e mordeu o lábio. Depois veio despedir-se da condessa. Assim que o casal partiu em sua carruagem elegante, os demais seguiram o exemplo, finalizando rapidamente as formalidades e indo embora. Margareth e a mãe não trocaram mais qualquer palavra até a mais velha dizer adeus, ainda estupefata. O pai, pelo contrário, beijou a mão da condessa com displicente atenção e ao abraçá-la desejou que fosse tão feliz quanto demonstrava. O gesto pegou-a de surpresa, enchendo ainda mais sua mente de preocupações em relação ao que ele deveria estar enfrentando com o maldito duque Paxton. Hugh tirou as roupas e deitou-se apenas com a ceroula. Quando a esposa chegou no quarto, já despojada do vestido graças à eficiente e rápida ajuda de Mad, ele dormia pesadamente. É claro que ela se perguntava porque, se não tinha nenhum interesse, estaria ali, em sua cama e não na dele. A palavra que a perturbaria pelos próximos dias ressoou no mesmo instante, como um sino de catedral que retumba na hora da missa. Será que Hugh a amava? Será que ela o amava? Como poderia ter certeza? Pela manhã, Mad entrou no quarto com uma bandeja de desjejum avantajada. A condessa acordou o marido quando a criada já estava longe. Os olhos cansados diriam que ele tivera uma noite péssima, quando na verdade havia dormido horas seguidas sem qualquer interrupção. — Você está se sentindo bem? — Me sinto como se uma manada tivesse passado por cima de mim. — Oh! — Ela cobriu a boca com os dedos finos. — Você sabe que a culpa é sua? — E que culpa eu tenho se você não se alimenta como deveria? — Eu me alimento muito bem, mas você consome todas as minhas energias. — Então trate de comer mais! E com um olhar sensual levantou-se da cama, deixando as cobertas para trás e desfilando nua pelo quarto. Abriu as cortinas e voltou a mirá-lo. Os olhos desejosos do marido a fizeram sorrir. — Vou me vestir, temos muito o que fazer hoje. — Ou podemos ficar por aqui e esquecer o resto de Londres. — A manada vai deixá-lo em paz hoje! — Ela provocou-o, cruzando os braços sobre o peito firme. Depois de completamente vestida e segurando sua sombrinha que combinava perfeitamente com o vestido bordado, Margareth encontrou Hugh no vestíbulo. A cartola ajustava-se perfeitamente e ele exibia seu melhor olhar. Totalmente recuperado. — Minha mãe acha que você passa as noites numa dessas casas de más companhias. Hugh olhou-a surpreso, enquanto ela passava seus dedos finos sobre seu braço, enganchando-se a ele. — Ela acha que devo manter você mais tempo em minha cama. — Eu não fazia ideia de que vocês tinham esse tipo de conversa. — Não temos. — E o que você disse a ela? — O que você acha? Antes de os dois mergulharem no ar abafado que vinha tomando a cidade, o lacaio que acompanhava a carruagem surgiu afoito diante dos dois. Fez uma reverência formal e pediu para falar com o conde em particular. — Diga logo, não há nada que minha senhora não possa saber. Com os olhos envergonhados ele baixou o tom de voz e anunciou. — Aquilo que o senhor me pediu para cuidar. Está acontecendo. Vinte e seis
O velho duque de Canterburry estava furioso. Com
que tipo de pessoa aquele homenzinho enfadonho e malvestido achava que estava lidando? Qual não foi seu espanto ao receber o bilhete do petulante afirmando que as suspeitas estavam certas e a duquesa estava realmente faltando com a conduta correta de uma dama. Enfurnado na carruagem, seu couro cabeludo suava, suas mãos tremiam e sua voz soaria enrolada, se conseguisse murmurar outra coisa que não: “mais rápido!”. Apressando o cocheiro, o duque açoitava seus próprios pensamentos. E se fosse verdade? E se sua bela e entediada esposa estivesse mesmo envolvida com algum rapaz? Não apenas sua reputação estaria perdida, mas sua honra, sua dignidade e seu nome. Estaria para sempre destinado à vergonha. E que atitude tomaria quanto ao infeliz Paxton? Com toda certeza o desgraçado o chantagearia ou pior, espalharia para toda Inglaterra seu infeliz infortúnio. De qualquer forma estava em maus lençóis. Por que não batera mais forte da última vez? Por que não a deixara mais tempo trancada no quarto com as penitências? Talvez agora não estivesse sujeito a tão terrível dilema. Enquanto as patas apressadas dos cavalos trotavam pelas ruas de Londres, os pensamentos do velho só pioravam sua ira, sua ânsia pela violência com que tratava a menina que despojara, depois de ficar viúvo. Se fosse em outras épocas nada disso estaria acontecendo e ele já a teria ensinado como ser uma esposa adequada, para um homem como ele. Em outras épocas não precisaria apenas enfiar seus dedos nas intimidades dela e obrigá-la a tocá-lo em sua genitália quase morta. Se fosse em outros tempos teria desfrutado aquele casamento verdadeiramente e a garota não veria motivos para procurar por outra companhia masculina. E se tentasse já estaria debaixo da terra. Mas se fosse verdade. Se ela estivesse nos braços de outro, ele daria um jeito de calar Paxton e então a surraria até à morte. O cocheiro fez com que os animais cansados parassem bem diante da porta de um armazém barato, na parte mais suja e pobre da cidade. O velho duque desceu desajeitadamente da carruagem, soltando fogo pelas ventas e crispando coisas ininteligíveis. Entrou no estabelecimento e ficou desnorteado pelo forte cheiro de mofo misturado a tabaco. Mandou o lacaio esperar do lado de fora e fulminou o atendente com um olhar aterrador. Cruzou a porta dos fundos e deparou-se com um corredorzinho fedorento e cheio de poças. Abriu a primeira porta e viu um jovem casal abraçado. Aproximou-se da mulher e então, ao constatar que não era sua esposa, voltou para o beco fétido. O coração acelerado, a mente em um turbilhão e as pernas começando a tremer. A outra porta estava semiaberta. Canterburry entrou sem bater e deu de cara com uma moça de classe baixa, terminando de amarrar suas botinas surradas. O homem que estava sentado em uma cadeira dura, lendo à pouca luz que entrava pela janela embaçada, era jovem e bonito, com linhas rusticas no rosto anguloso. Era da classe trabalhadora, sem dúvidas, mas bem-apessoado, com ares sonhadores. — Quem é você? — O duque berrou para a garota que amarrava as botinas. — Mad. — a garota curvou-se respeitosamente. Bufando o homem apoiou-se no batente da porta, respirou fundo e voltou para sua carruagem. Um misto de melancolia e ódio invadiram seu peito. — Tudo bem, senhor? — O lacaio questionou, os olhos para o chão e a mão esticada para auxiliá-lo a retornar ao seu assento na carruagem. — Sim, vamos para casa. *** Quando Margareth e Hugh afundaram no couro macio da carruagem, o coração de ambos palpitava descompassadamente. Aquela tinha sido a mais louca ideia que a condessa poderia ter tido. Arriscaram muito deixando que as coisas chegassem até aquele último instante, mas não poderia ser diferente, do contrário tudo podia, simplesmente não acontecer. Mas e se o velho chegasse no momento errado? Era um risco que poderia gerar mais do que apenas a desgraçada de uma moça indefesa e solitária, mas por fim, tudo havia dado certo. Agora precisavam correr contra o tempo para finalizar o que haviam começado, quando o lacaio entrara no vestíbulo avisando ao conde. A bela jovem sentada diante de Margareth chorava, soluçando baixinho enquanto a carruagem trotava. — Você precisa se acalmar. — Margareth foi dura. — E precisa me dizer se há alguma criada que seja de confiança e confirme a história que iremos contar. A garota anuiu melancolicamente, enfiando o rosto entre os dedos e voltando a soluçar. — Tudo bem, já passou. Vamos ajudá-la. Hugh sentia compaixão pela bela jovem, deveria ser insuportável a companhia daquele velho brutal e arrogante. Em contrapartida odiaria estar no lugar do homem e acabar descobrindo que a própria Margareth estivera nos braços de outro. Seria capaz de algo terrível se isso ocorresse. Com esse pensamento, o conde virou-se para a janela da carruagem e fixou seus olhos nos passantes. Como se pressentisse os sentimentos que amarguravam o marido, a condessa colocou a mão enluvada sobre seu joelho e acariciou de leve. Quando chegaram à imensa propriedade do duque, o próprio lacaio do conde tratou de estacionar o veículo, num local em que facilmente passasse despercebido pelos empregados da residência. Assim que entraram pela porta da cozinha, a duquesa foi recebida por três criadas afoitas. As senhoras, que beiravam a meia idade reverenciaram os visitantes e abraçaram a lady da casa. — Graças a Deus a senhora está bem, o que aconteceu vossa Graça? — Uma delas murmurou nos ouvidos da duquesa. — Estou bem. Graças a eles. Obrigada. — Murmurou para a condessa. Margareth, ao ver o estado calamitoso da garota que deveria ter praticamente a sua idade, tomou as rédeas da situação. — Escute, você precisa se trocar, refazer o cabelo e esconder as marcas de lágrimas do rosto. Eu vou ajudá-la. Enquanto isso, por favor, peça a alguém que sirva chá para nós duas na varanda e um licor para o conde. Querido, você trouxe algum charuto? Hugh assentiu. — Então acenda-o e nos espere lá fora. — Margareth virou-se para as criadas. — Estivemos a tarde inteira aqui, vim devolver um broche da sua senhora, e ficamos para o chá. Vocês entenderam? As duas anuíram conscientes do que a dama estava fazendo pela patroa. — Pois então tratem de agir, o duque deve chegar a qualquer momento e vai estar num estado de ânimo assustador, precisam agir com calma e cautela. Do contrário a vida da duquesa estará em risco. A mais velha cobriu os lábios com a mão rustica e então se lançou para um abraço com a jovem duquesa. Para a sorte da garota, as criadas a adoravam e não tramariam nada que pudesse prejudicá-la. — Se há alguém que queira mal a lady, tratem de despachar dos arredores. Qualquer um que for inquirido deve assegurar o que foi combinado. Momentos mais tarde, a carruagem chegou trazendo o duque assombrado. Hugh já estava em seu segundo charuto e embora não fosse um fumante assíduo, desempenhava seu papel magistralmente, mantendo o olhar perdido no horizonte. Era bastante difícil estar ali, na propriedade do homem que fizera tanto mal a sua mãe, e divertira-se com aquilo. Margareth tentava distrair a jovem duquesa, falando coisas bobas de seu cotidiano. A garota tentava sorrir e sempre reagia com amargura quando a condessa a repreendia por deixar seu estado de espirito transparecer. — Seu marido está chegando, se ele perceber o que aconteceu meu marido estará com problemas e você na lama. Seja forte. Vai passar rápido. E se ele falar algo em relação ao Paxton, você já sabe o que dizer. — Sim, imagino que o duque esteja mesmo furioso com relação ao noivado do jovem marquês. — Não hesite, é a sua vida que está em jogo, não apenas dinheiro, mas sua vida. Você entendeu? — Não vou hesitar, aquele homem horroroso tentou... — Ela encolheu-se. — E tentará mais vezes, acredite. As duas concordaram com uma reverência discreta. — Sorria, estamos conversando sobre vestidos e bailes. Somos duas nobres que amam bailes. O velho que subiu as escadas da entrada da frente com o apoio da bengala, ficou atônito ao dar de cara com a esposa e mais, com o duque de Surrey e sua senhora, de quem tanto ouvira falar. É claro que ele não ia com a cara do rapaz. Além da fama de ser um homem selvagem, que gostava de labutar no campo ao lado dos criados, era filho de Rodolf e ele não havia se esquecido do passado. Por mais que os anos houvessem transcorrido, por mais que o conde tivesse levado seu segredo vergonhoso para o tumulo, ele ainda se recordava da fera que havia em seu sangue, quando tinha trinta anos. Se havia uma coisa em seu corpo que ainda parecia jovem, era a memória, a mente afiada que não deixava passar nada. E uma recordação deliciosa daquilo que tornou as famílias Coucex e Ruthenford, das propriedades Canterburry e Surrey, inimigas, o fazia questionar o que o tal de Hugh estaria fazendo ali. Os dois homens se cumprimentaram com as formalidades habituais aos títulos, as senhoras reverenciaram o mais velho e Margareth abriu um largo e sedutor sorriso. Vendo o semblante jovial e o olhar atrevido o velho compreendeu porque a garota era tão requisitada nos chás, porque sua própria esposa que detinha de um título superior a admirara desde o primeiro baile em que estiveram juntas. Com uma mulher como aquela, ele próprio teria de ser uma fera. Na certa seria capaz de desafiar o marido e ser ardente como só uma criada era capaz. Aquele pensamento fez o velho sorrir para a esposa do outro, que por sua vez, pigarreou contrafeito ao perceber os ares cobiçosos. — Que prazer em revê-lo, duque. — Margareth iniciou o ritual que vinha ensaiando na última hora. — Espero não sermos inconvenientes ao virmos sem avisar com antecedência adequada. — De maneira alguma. — O tom brusco soou característico ao rosto enrugado. — Está tudo bem? — A duquesa questionou distraidamente. — Mas é claro! Onde você esteve à tarde? — Aqui mesmo. — Ela deu um sorrisinho encabulado, como se a preocupação do marido a surpreendesse. — Vou pedir que Leonor traga um licor.... A garota saiu, o rosto afogueado. Na cozinha, conseguiu se recompor e mandou que o lacaio fosse buscar a cartola e a bengala do marido, enquanto a criada mais intima, Leonor, deveria servi-lo com licor de alcaçuz e um charuto. — Obrigada. — Murmurou para a companheira de confidências e ama. — Não me agradeça, a vida seria muito pior sem a senhora aqui. As duas trocaram um olhar terno e então a duquesa retornou à varanda. O semblante renovado e a coragem assumindo o lugar do medo que a fatigava a mente. — Oh! Eu estava contando agora mesmo ao duque que passei alguns dias tentando descobrir a dona do broche, felizmente Madelina o reconheceu. — A duquesa? — O velho questionou, assumindo uma postura um pouco mais leve. — Ah! Sim, a duquesa, que indiscrição a minha, é que somos tão boas amigas que às vezes me esqueço das formalidades. Hugh, que parecia soturno, perto do corrimão, achou engraçado. Não conseguia evitar de perceber o quão inventiva Margareth podia ser e se não conhecesse seu temperamento mais íntimo poderia questionar ele mesmo se suas ações, em casa, não eram também parte de um fingimento muito bem tramado. — Por fim... — A condessa continuou. — A conversa foi se tornando tão animada que acabamos nos estendendo além do adequado. Espero que não seja um transtorno termos vindo tão inesperadamente e pior, passado tantas horas tomando o tempo da duquesa. — Pelo contrário. — A garota anunciou participando da encenação. — Tenho certeza de que estamos a caminho de uma amizade longínqua e próspera. — Não tenho dúvidas disso. — Hugh riu. — Depois de praticamente discutirem a moda inteira de Londres e Paris, não imagino alguém mais íntimo do que as duas senhoras. O velho duque assentiu satisfeito. Aquela era com toda certeza uma conversa entediante de que as mulheres mais gostavam, e ter certeza de que a esposa não estivera infringindo as leis do matrimônio e passara sua tarde falando das trivialidades femininas lhe agregava algum ânimo. Mais tarde, depois de alguma conversa amena com o homem, o casal de Surrey atentou para o adiantado da hora e decidiu partir. A duquesa, que se sentia mais segura depois de toda a história ser desenrolada, chamou a condessa para um canto no vestíbulo, abraçou-a com o coração na mão e sussurrou: — Serei eternamente grata a você. — Não se preocupe, está tudo bem. Não esqueça do que combinamos. Seja forte, um dia você será dona de sua vida. As duas sorriram e então Hugh e Margareth partiram. Uma única certeza retumbando na mente: Estavam cada vez mais perto de vingar aqueles que haviam sofrido por causa da monstruosidade de gente como o duque. Vinte e sete O mensageiro chegou por volta das onze da manhã. Entregou o bilhete diretamente nas mãos do conde e saiu, após receber sua comissão. Hugh analisou o envelopinho sem o selo de cera tradicional das famílias mais nobres. A letra miúda que se desenrolava no bilhete não possuía qualquer sinal de delicadeza, pelo contrário, era uma letra fria e totalmente desapegada das palavras que se seguiam. Margareth entrou na biblioteca com um sorrisinho maroto nos lábios, o marido admirou-a por alguns momentos e então passou a correspondência para sua mão enluvada. — O que é isso? — Isso não, quem... Ela lançou um olhar confuso em sua direção. — Oh! Meu Deus, ele chegou? — Cobriu os lábios com uma das mãos, num misto de empolgação e medo. — Sim, e já está em Surrey Hall. — E o que você vai fazer? — Ainda não posso fazer nada, vamos deixá-lo lá por mais alguns dias, depois veremos. — E como você sabe que ele vai ficar, que não vai se meter em nenhuma confusão? — Porque sei exatamente do que ele gosta e já providenciei... Os olhos azuis de Margareth cintilaram de exultação. Tudo parecia correr dentro do que se podia esperar. As coisas deveriam se desenrolar no Parlamento em breve e o primeiro a tombar seria Paxton, depois o maldito duque de Canterburry. No final, não sobraria um nobre se fosse preciso, nenhum daqueles que haviam feito tanto mal à família Ruthenford teria escapatória. Todos estavam fadados à vingança de Hugh. Margareth se asseguraria disso. Quando o conde chegou ao Parlamento naquela tarde, ficou surpreso com a cena que já fervia. O duque de Canterburry aos berros com Paxton. Uma disputa que aparentemente deveria ser simples, estava pegando fogo. Os dois homens berravam muito mais do que o necessário. Hugh ficou algum tempo observando, cogitando o quanto a coisa poderia piorar. Para espanto de todos que acompanhavam a sessão, ficou muito claro, quando finalmente as coisas se acalmaram, que o duque de Canterburry estava retirando seu apoio ao outro fidalgo. Haveria muita agitação e murmúrio nos dias que se seguiriam. E com toda certeza uma grande leva de nobres seguiria o principal homem da sociedade inglesa. Hugh, ficou satisfeito com o resultado da astuta armação de sua esposa, além de provavelmente salvar a vida da bela duquesa, também estava destruindo, pouco a pouco os malditos Paxton. Aquela sensação era deliciosa. — Não seja insensato, velho! — Paxton berrou para Canterburry que bufou. — E você me respeite, pois além de mais velho sou também infinitamente mais rico do que você, seu grande imbecil. — Temos o mesmo título. — O outro retorquiu. — Título não significa honra. — O velho cuspiu, fazendo Paxton corar de raiva. — Você é um maldito ingrato. — Diga mais uma palavra e darei, eu mesmo, uma surra em você... Hugh cruzou os braços sobre o peito, esticou as pernas e recostou-se confortavelmente no assento. Margareth adoraria escutar a cena detalhadamente mais tarde. O conde esforçou-se para captar cada mínima expressão dos dois duques que berravam diante de todos como se se odiassem mais do que qualquer coisa no mundo. A melhor cena, no entanto, foi quando o duque de Canterburry, que tantas vezes repelira as tentativas de aproximação do conde, aproximou-se de Hugh e apertou sua mão, reverenciando-o e afirmando apoio em uma delicada causa sobre uma aliança comercial com a Dinamarca. Aquela era, sem sombra de dúvidas, uma grande vitória para os Ruthenford. *** Canterburry era um homem duro, seu rosto quadrado aterrorizava a jovem esposa, seu pensamento ágil era difícil de ser enganado e por isso ela ficava muito grata pela companhia e bondade da condessa. Nunca havia imaginado que uma estranha podia salvar sua vida, sem pedir nada em troca. Margareth, que tomava chá pela segunda vez naquela semana com a duquesa reforçou sua recomendação de que a garota esperasse mais alguns dias antes de voltar a ver seu enamorado amante. Os riscos eram grandes não apenas para ela, como também para o casal que a ajudara com a farsa que salvara sua vida. A jovem que a princípio ficara muito assustada, agora tinha na condessa uma melhor amiga. As duas conversaram pelas horas seguintes sobre a moda vitoriana, as classes inferiores, o frio que destruía plantações, chás, louças de porcelana chinesa, e tudo o mais que vinha agregado às amenidades da nobreza. A intimidade que crescia a cada instante levou a duquesa a abrir seu coração e declarar seu sonho de fugir com o amante, um rapaz da classe trabalhadora que lhe jurava amor eterno. — Você precisa ter paciência, minha cara, esse dia vai chegar. Seria melhor é claro se você tivesse um herdeiro... — Isso vai ser impossível. — A garota murchou na cadeira. Ambas olharam para o horizonte, apreciando o ar fresco que lhes arrebatava as faces. A mesa disposta no jardim perto da floresta onde Margareth quase perdera a vida, propiciava uma deliciosa vista e um ar revigorante. A condessa lançou um olhar confuso para garota que esfregou o rosto com desalento. — Até onde sei não há nada de errado comigo. — Ela apressou-se a dizer vendo a expressão de desconfiança da outra. — Mas seu marido tem uma filha, não é? — Sim, mas ele é velho, não consegue mais consumar o casamento. Não da forma que geraria um herdeiro, você entende? — Oh! Que lástima. Como será difícil sua situação quando ele morrer... — Margareth compadeceu-se. — Não pode ser pior do que já é. Ele é um bruto, fica furioso por não conseguir... sabe... deixar aquela coisa horrível ereta o bastante para colocar dentro de mim, me espanca como se a culpa fosse minha de ser tão velho e molenga e, ainda me faz fazer coisas que me dão asco. — Oh! Que horror. Não imagino vida pior. — Por isso não me importo de ficar na miséria, desde que fique livre. — Isso não vai acontecer, vou ajudá-la. Acaba de me ocorrer uma ideia que pode dar certo, mas que será tremendamente perigosa. A duquesa suspirou. — O que você quer dizer? — Que você tem uma escolha: pode fugir carregando suas joias e viver bem por algum tempo, caindo em miséria depois e com o nome difamado, ou pode ter coragem de ficar e me ajudar a fazer seu marido pagar por todo mal que fez. — E por que isso é tão importante para você? — Porque quando me casei, quase tive o mesmo destino que o seu. — Mas você e o conde parecem apaixonados. — De fato, mas as primeiras semanas foram infernais, por pouco não perdi a vida nessa floresta que agora embeleza o nosso chá. — E como foi que resolveu sua infeliz situação? — Ao contrário do seu marido, o meu consegue muito bem cumprir com suas obrigações, então, aqui estamos. — Deu de ombros. A duquesa insuflou o ar deixando-o sair pesado e quente. Olhou com ares esperançosos para a floresta e então deu um sorriso fraco para a condessa que esperava com o coração palpitando a mil. — Naquela noite, depois que você e o conde partiram, meu marido foi ao meu quarto, não me espancou, mas fez muitas perguntas. Quando eu o inquiri sobre o que tratava tais questionamentos, ele acabou deixando escapar que o duque Paxton havia plantado a semente da dúvida em sua cabeça. Que por pouco ele não me matara. Margareth não disse nada, ouvindo atentamente cada palavra da duquesa. — Nunca imaginei que aquele duque horroroso, o Paxton, pudesse ser tão maldoso, logo comigo que nunca sequer levantei os olhos para a família dele. Mas depois de você me contar que a duquesa estava espalhando sobre mim e Harry, me difamando sem ao menos ter certeza, eu não pude evitar, senti tanto ódio que só queria me vingar. Se não fosse você, agora eu estaria morta. Imagine só se outra pessoa tivesse escutado e ao invés de me salvar quisesse meu mal? — E o que você fez? — Exigi reparação. Depois, me deitei com meu marido e fiz todas as coisas que ele gosta tanto. Senti muita repulsa, mas fiz. Na mesma noite recebi a promessa de que eu seria vingada, que ele cuidaria pessoalmente para dar uma lição ao Paxton e sua família mesquinha. Com o seu apoio, posso ser corajosa. A condessa sorriu. — O que devo fazer? — Sabe as providências que você e o Harry tomam para não gerar uma criança? A duquesa anuiu tímida. — Pois agora você deve parar. Vinte e oito O céu azul claro estava riscado pelas primeiras linhas de laranja, o sol já baixava no horizonte e o frio começava a penetrar pelas imensas janelas, quando a carruagem do duque Paxton entrou na propriedade dos Canterburry. Charles foi anunciado, e o anfitrião que já estava sentado em sua poltrona, na sala de fumar, um charuto fumegando entre os dedos e uma taça pequena com licor sobre a mesinha de mogno lustrado, apenas meneou a cabeça assentindo sua aproximação. O duque virou-se para a porta dupla da saleta e bufou quando deparou-se com o outro, o olhar sombrio. — Você tem bastante coragem para vir aqui. — O olhar frio do duque de Canterburry fez com que Charles Paxton respirasse com esforço, começando a suar. — Desmond, o que deu em você hoje? — O que deu em mim? — a voz soou entrecortada de raiva. A troca de olhares era dura. Paxton esperava que o velho Coucex recuperasse o juízo, quem sabe se desculpasse e ambos voltassem as negociações e tramas que tanto impulsionavam o parlamento às decisões que mais enriqueciam suas famílias. — Pelo amor de Deus, homem, tínhamos um acordo de cavalheiros. — Que você jogou fora ao tentar abalar a honra da minha esposa. — Mas eu fiz apenas o que você pediu... — Você estava tentando me humilhar publicamente... —Tentar? — Charles explodiu. — Ela mesma fez isso, encontrando-se às escondidas com um qualquer. — Como você ousa macular a reputação de uma dama tão exemplar? — Desmond Coucex, estava à beira de um ataque. — E pior, como eu pude acreditar em tão vil criatura? — Na certa você não viu pessoalmente, por isso ainda questiona a veracidade do que digo. Fui apenas leal a um bom amigo, forneci ajuda em um momento de desespero. E é assim que me retribui? — Sabe o que é pior, duque? — Canterburry cuspiu as palavras com repugnância. — É que eu acreditei, duvidei da honra de Elizabeth para descobrir que, além de insultá-la você ainda a confundiu com uma maldita criada. — Não é possível, tenho certeza do que vi. E porque você iria querer que eu averiguasse tais fatos se já não tivesse suspeitas? — Você só pode estar louco! Os dois berravam. — Eu, louco? Você é um maldito velho arrogante, que se vê acima de tudo, me pede para ajudá-lo e agora me acusa... Mas não deixarei isso assim, você não perde por esperar. — Você está me ameaçando? — Vou fazer o que já deveria ter feito há muito tempo: expor suas jogadas, seus acordos e tudo o mais que me lembrar. Seu nome estará na lama e nem será por culpa da coitada com quem se casou. — Você não ousaria. — Tem alguma dúvida? — Seu maldito! — O duque de canterburry gritou, no exato momento em que apanhou uma pequena estatueta maciça, réplica da Vênus de Milo, do batente da janela. Bateu com força na cabeça de Paxton, que surpreso cambaleou. Antes que Charles pudesse reagir, outro baque soou seco. Desmond golpeou-o mais três vezes, até que seu corpo caísse inerte. Não demorou muito, uma poça de sangue começou a se formar ao lado da cabeça de Paxton, que já não mais respirava. Uma criada que entrava na sala de fumar carregando uma bandeja de chá, assustou-se com a visão do morto, derrubando tudo e gritando. — Cale a boca, sua infeliz, vá chamar Saul e mais um lacaio. Tremendo, a garota disparou porta afora. Retornou minutos depois, acompanhada do capataz e de um lacaio magro e silencioso. — O senhor me chamou, vossa graça? — O homem reverenciou. — Pare com essas bobagens, não temos tempo pra isso. Preciso que você dê um fim nesse porco imundo. Ninguém pode saber o que aconteceu aqui. Vocês ouviram? Todos assentiram. — Thomaz, me ajude aqui. — O capataz falou para o garoto que passou rapidamente pelo duque e começou a puxar o corpo morto de Charles Paxton. Jordy, a criada, correu para o quarto de lady Elizabeth e despencou no tapete, chorando, soluçando e narrando a cena que vira. O silêncio tomou conta do resto da casa. Nunca mais, ninguém ousaria mencionar o nome do morto dentro da propriedade Canterburry. Vinte e nove Hugh e Margareth estavam deitados no tapete do quarto, suados e sôfregos. Mad bateu na porta e esperou que o conde assentisse sua entrada. Margareth se enfiou embaixo da colcha, na cama, enquanto Hugh vestiu um chambre sobre o corpo nu. A criada entrou e reverenciou-os com a mesma cordialidade de sempre. Colocou uma bandeja com chá e biscoitos sobre a banqueta perto da cama e baixou os olhos para o chão. Há mais de uma semana a notícia do desaparecimento misterioso do duque Paxton e seu cocheiro haviam causado furor na alta sociedade londrina. Ninguém conseguia imaginar que mal feitor poderia ter causado tal sofrimento à família, mas Hugh, que tinha um instinto, desconfiava que o velho Coucex tivesse algo a ver. O olhar da criada anunciava informações. — O que foi Mad? — Margareth inquiriu, esticando-se para beliscar os biscoitos. — Encontraram o duque Paxton. — Então apareceu... — Hugh espreguiçou-se. — No mínimo estivera farreando em algum bordel. — Hugh! — Com uma esposa daquelas, até eu... Margareth deu um tapinha no ombro do marido. — Ele estava numa dessas casas de gente sem moral, Mad? — Margareth levantou os imensos olhos azuis para a criada. — Não senhora. — Então desembuche criatura, estou morrendo de curiosidade. — Ele está morto. Margareth engasgou. — Co-como? Quando? — Não sei ao certo, mas um lacaio me contou que acharam o corpo dele e do cocheiro boiando no rio Tâmisa. As autoridades estão alvoroçadas. — Você não acha que deveria ir até lá? — Eu? Nem pensar. — Hugh encostou a cabeça no imenso travesseiro de plumas, cruzou os braços atrás da cabeça e fechou os olhos. — Cada um recebe o que merece. — Obrigada Mad, qualquer novidade por favor me informe. — Sim, vossa graça. Com uma reverência discreta a criada saiu do quarto, deixando Margareth com um olhar taciturno e Hugh com um meio sorriso nos lábios. — Por que você está rindo? — E você ainda pergunta? — Você não está achando que temos algo a ver com isso, está? — Outra pergunta sem sentido. — Hugh, pelo amor de Deus, isso é muito sério. Hugh abriu os olhos verdes que cintilaram. Com um semblante sereno aproximou o rosto quadrado ao da esposa. — Se não fosse o Paxton, seria a Elizabeth. — Você acha que... — É claro que sim, a essa hora ela estaria morta e enterrada e no mínimo o Charles deu oportunidade para aquele velho louco. — Oh! Deus, o que fizemos. — Salvamos a vida da duquesa, o maldito Paxton não teve nada além do merecido. Margareth cobriu o rosto com as mãos e suspirou. — Não pensei que pudesse chegar a isso. — Margareth, você precisa entender, aquele homem é um louco, ele gostou do que fez com minha mãe, e deve ter feito coisa pior durante todos esses anos. Não é nossa culpa se ele é um monstro. — Pobre Elizabeth. Um misto de sentimentos envolveu Margareth. Era como se ela tivesse se tornado a pessoa maquiavélica que destruía os demais. As mesmas pessoas más que ela conhecia através dos romances que lia e que sempre se davam mal no final. Não, ela não era como aquelas pessoas, era ainda pior, porque era de carne e osso. Era uma mulher de verdade tentando e conseguindo destruir a vida de outras pessoas reais. Mas ela tinha um motivo, um forte motivo. Com o coração machucado pela consciência de seus pecados, a condessa passou o resto do dia na cama, com dor de cabeça. À noite, Hugh deitou ao seu lado sedento, mas ao contrário dele, não estava disposta. Sentia-se angustiada e confusa. Com medo de se tornar algo tão ruim que nunca fosse capaz de voltar a ser a Margareth que um dia fora. Dormiu com ajuda de algumas gotas de láudano e quando acordou, sentia uma dor de cabeça terrível. — O que há com você? — Hugh parecia aflito, pela manhã. — Me sinto um monstro. Ajudei a tirar a vida de uma pessoa. — Claro que não, não seria possível nem que você quisesse. — Hugh, nunca mais serei uma boa pessoa. Me sinto tão... — Margareth, nem temos certeza de que foi o Coucex realmente quem fez isso e, de qualquer forma, o Charles sabia como era aquele homem, todo mundo sabe que eles se beneficiam dos projetos aprovados no parlamento. Além do mais, nenhum de nós o forçou a matar o outro. Não temos culpa. — É claro que temos, se não tivéssemos interferido, ido tão longe. E foi tudo ideia minha. — Falou, iniciando um choramingo. — A ideia foi sua, mas quem escreveu aquele recado fui eu, então, se alguém tem culpa esse alguém sou eu. — E você não sente um pingo de remorso? — Mas é claro que não, a morte foi pouco para aquele desgraçado. — Hugh... — Margareth, eles machucaram minha mãe! Nada do que fizermos vai realmente compensar... — Ele a pegou pelos braços. — Você está me machucando. — Entenda. Eles são os culpados, não nós. — Mas... — Chega. Largando Margareth sobre os lençóis macios, Hugh caminhou até à janela. O suor começando a correr por suas costas, debaixo do traje habitual. Olhou pela janela, viu o sol ganhando contornos expressivos no horizonte. — Para ser minha esposa, você precisa ser a Margareth forte de sempre. — Para ser sua esposa preciso ser um monstro e não sentir remorso? — Fazemos o que tem de ser feito. — Pelo amor de Deus, veja só o que você está dizendo. Como você pode ser tão frio? — Do mesmo jeito que foram com minha família, há trinta anos. Depois de um silêncio perturbador, Hugh tornou a olhar para a esposa, que ainda parecia amuada e triste. — Estou indo para Surrey Hall, conversamos mais quando eu voltar. — O que você vai fazer lá? — Vou cuidar dos nossos interesses. — Mas não podemos continuar, Hugh, pessoas estão se ferindo por nossa causa. — Chega, Margareth, o que está feito está feito. Não há retorno, então não devemos ter remorsos. — Saiu batendo a porta. Trinta Margareth tomou o café na cama, banhou-se tentando afastar a sensação desagradável que se instalara em seu corpo e passou o resto da manhã cuidando dos afazeres da casa. Com os pensamentos embaralhados, dera tantas ordens controversas para as criadas que elas acabaram ignorando-a e cuidando de sua rotina por conta própria. Era muito ruim se sentir parte de algo capaz de causar a morte de alguém, mas era ainda mais doloroso recordar-se da forma como Hugh a olhou. Por pior que fosse participar dos acontecimentos, Hugh tinha razão numa coisa, todos sabiam como o duque de Canterburry era, sua fama de violência era murmurada em cada canto de Londres e apesar dela e Hugh terem provocado a crise na ínfima amizade entre os duques, sabia que se ele era o assassino de Paxton, era pura e simplesmente por sua própria natureza. Não, ela não podia se culpar por aquilo, o monstro era ele, e não ela ou seu marido. Por pior que fossem suas ações ela salvara uma jovem que assim como ela mesma, havia sido obrigada a se casar com um estranho. Estava protegendo sua família e lutando para restaurar a de seu marido, estava dando justiça àqueles que jamais receberiam o que mereciam, simplesmente por causa do poder que exerciam. O dia pareceu nublado e insosso para a condessa, que andou de um lado para outro até boa parte da tarde. Como um animal perdido que zanza pelas redondezas em busca de um punhado de carne velha, ela ficou, totalmente perdida em seus pensamentos. — Mad! Mad! — Margareth entrou na cozinha lustrosa aos berros. — O que foi senhora, está tudo bem? — A garota correu até ela sem o cuidado das formalidades, tamanho fora seu susto. — Arrume nossas coisas, vamos para Surrey. Imediatamente. — Sim, senhora. Algumas horas mais tarde, a lua já reluzia no céu, iluminando as estrelas que se espalhavam a pouca distância uma da outra. Margareth abriu a persiana da carruagem e deixou que o cheiro cálido da estrada de terra acertasse seu rosto. Em poucos instantes cruzaram o portão imponente da bela propriedade do marido. Um lacaio as recebeu com formalidade e ela subiu para o quarto do marido, a fim de lhe fazer uma surpresa. Antes, porém, pediu que Mad avisasse a criadagem para servir o jantar mais tarde, no quarto, e que a ajudasse a tirar seu vestido e as anáguas. Animada a criada alvoroçou a casa. Hugh ainda estava no campo, inspecionando a ala oeste da plantação. Margareth estava excitada e feliz, sabia que teria de dizer muitas coisas a Hugh, mas não tinha dúvidas de que quando ele a visse, despida e sorridente, seria capaz de esquecer a discussão. Tão deliciosa era a sensação de causar uma surpresa agradável ao marido que as escadas pareceram desparecer sob seus pés. Margareth nem deu-se conta da distância percorrida até abrir a porta do quarto do esposo e dar de cara com ninguém mais e ninguém menos que Aila, nua, dormindo sobre os lençóis alvos. — Mas... Mas... — Começou a tremer, tentando digerir a cena. — Mas o que diabos você está fazendo aqui? Aila abriu as pestanas devagar, como se fosse acordada de um sono pesado. — Hugh, meu amor, é você? — a garota falou, fazendo com que Margareth urrasse de ódio. — Sua desavergonhada, saia já dessa cama. De súbito, Aila sentou-se, esfregou o rosto e pareceu surpresa ao dar de cara com a condessa. — Onde está o Hugh? — Margareth crispou furiosa. Aila deu de ombros com indiferença. — Já mandei você sair da cama do meu marido. — Só saio quando ele mandar. Margareth então, tomada pela ira e mágoa, foi até à porta e chamou por Mad. Não esperou a criada chegar e voou para cima de Aila, agarrando-se nos cabelos negros e puxando-a para o chão. Assustada a criada caiu ruidosamente sobre o piso de madeira encerada. — Não toque em mim. — Aila gritou. — Eu estou grávida, não machuque meu bebe, por favor. Margareth parou, prestes a esbofetear a outra. Seus olhos estavam tão atônitos que não conseguiu formular exatamente o que dizer a seguir. — É isso mesmo, estou esperando um filho do conde. O que você acha que ele faz quando sai no meio da tarde? — Sua... Sua desgraçada, saia já da minha casa. Mad que chegava nesse instante surpreendeu-se com o que viu, a patroa enraivecida, enxotando Aila do quarto do conde. — Está tudo bem, senhora? — Chame o Torrance, e mais alguém, quero essa desgraçada fora daqui. — Mas que gritaria é essa? — Hugh subiu as escadas e deparou-se com as criadas que se amontoavam na porta de seu quarto. Com ele a senhora Garden vinha esbaforida. — O que está acontecendo aqui? — Hugh finalmente conseguiu entrar e deu de cara com Margareth. — Margareth, o que você está fazendo? Ela riu alto e raivosamente, limpou os olhos que lacrimejavam e então o fitou com todo seu ódio. — Estou descobrindo que meu marido continua a dormir com uma maldita criada. — Mas do que você está falando? Margareth afastou-se da porta do quarto e seu vestido volumoso deu espaço para a imagem de Aila, acuada perto da cama, nua. — Mas... Não estou entendendo, o que ela está fazendo aqui? — Ela, meu querido marido, ela estava dormindo na sua cama, esperando pelo pai de seu filho. Hugh não disse nada, confuso, perplexo e totalmente frustrado. — Como você pôde fazer isso comigo? — Margareth sentou-se na banqueta perto da janela e cobriu os olhos com as mãos ainda enluvadas. — Achei que você me amasse. — Margareth, eu... eu... não sei o que você está pensando, mas... Com os olhos azuis envoltos num círculo vermelho, Margareth olhou novamente para Hugh que sentiu um nó formar-se na garganta. — Nunca vou perdoar você. Partiu para seu quarto, trancando-se em seguida e deixando Hugh desesperado, do outro lado da porta, esbofeteando a madeira e berrando para que ela o deixasse entrar. Cansado de esmurrar a porta grossa, Hugh voltou para o quarto e arriou sobre a cama. Aila não estava mais lá e a senhora Garden que a tudo assistia em silêncio, mandou que as criadas servissem chá para o conde. — O senhor está bem? — Eu não sei. Simplesmente não sei o que aconteceu aqui hoje. Mad que estivera os últimos instantes tentando convencer Margareth a deixá-la entrar no quarto, retornou ao aposento do conde, reverenciou-o e então assumiu uma postura firme. Nunca ousara falar com ele sem sua permissão, mas agora o faria, queria esclarecer tudo, gostava da patroa e odiava o que o conde fizera com ela. — Vossa graça, a condessa veio para Surrey porque estava triste com a discussão que tiveram, não sei ao certo o que ela queria dizer, mas estava ansiosa. Quando chegamos aqui se deparou com Aila em sua cama afirmando que espera um filho seu. — Mas não é possível. Mad deu de ombros. — A senhora ainda vai precisar de mim? — Mad inquiriu a senhora Garden. — Não, você pode ir e nenhuma palavra disso com os demais criados. — Sim, senhora. Com licença. — Reverenciou o conde e saiu. Hugh não dormiu, tentando vez ou outra convencer Margareth a abrir a porta para esclarecer as coisas. Revirou na cama o restante do tempo e quebrou um vaso na parede, deixando-o espatifado no chão junto com as flores e a água que encharcou o tapete. Margareth, por sua vez, nunca chorara tanto na vida. Uma dor profunda parecia perfurar seu coração e parecia que o mundo estava chegando ao fim. Só conseguiu dormir quando o sono e o cansaço a venceram. Sem trocar de roupa e com o rosto inchado, acordou com o pior de todos os humores. Abriu a porta de conexão dos quartos e deparou-se com Hugh levemente adormecido, vestido com a roupa do dia anterior e os cabelos bagunçados. Ele despertou com a movimentação dela pelo aposento. — Margareth, graças a Deus, precisamos conversar. — foi em sua direção. — Não! — Ela esquivou. — Não entendo, como você pode acreditar que eu tive algo com ela... — Não importa mais no que eu acredito ou não. Tenho apenas duas coisas a lhe dizer, conde. Ele a olhou frustrado. — Não quero um bastardo seu andando nesta casa. — a condessa crispou, os olhos fulminando o marido. — Arrume um lugar bem longe para abrigar aquela desgraçada, quando a criança nascer faça o que quiser com os dois, mas mantenha-os longe de mim. — Você só pode estar brincando. — Como sua esposa, esta casa também é minha, portanto tenho esse direito. — Mas ela não está grávida, não estava quando a mandei embora, não está agora. Você precisa me escutar. Margareth erigiu o dedo e continuou: — Não me importa. — Fez um breve silêncio, engoliu em seco e olhou-o pela última vez nos olhos. — Vou ajudá-lo a concretizar os planos que já combinamos, mas a partir de hoje somos casados apenas por esse interesse. A porta do meu quarto estará fechada para sempre para você e peço a gentileza de não tentar forçá- la. — Você é minha esposa, está louca se vou aceitar isso. — Se quiser minha ajuda com sua vingança, conde, estes serão os termos. — Margareth, me escute. Não tive nada com aquela mulher. — Isso não está mais em discussão. — É claro que está em discussão! — Hugh berrou, socando a parede com raiva. Margareth virou as costas para Hugh que ergueu o punho ensanguentado. Saiu deixando-o furioso. Fechou a porta que dava para o seu quarto e deixou o corpo cair ali mesmo, tornando a chorar a plenos pulmões. Antes de cair em sono profundo, escutou o som de coisas quebrando. Hugh urrou e então tudo virou o mais absoluto silêncio. Nunca mais, ela haveria de entregar seu coração novamente. Nunca mais. Trinte e um
Dois dias se passaram antes de Margareth tornar a
cruzar com Hugh. Com o vestido de babados azul claro, ela desceu as escadas em sua melhor aparência. Hugh que se encaminhava para a sala de jantar avistou-a e ficou calado. Os olhos faiscando num misto de raiva e ressentimento. Cumprimentaram-se com fria formalidade e seguiram, lado a lado, até à mesa. Em silêncio começaram o desjejum. Não tardou para que o visitante, até então desconhecido para Margareth, surgisse diante dos dois. Foram apresentados rapidamente e o homem, August, fez questão de sentar-se perto da anfitriã que não lhe disse mais do que meia dúzia de palavras, nos minutos que se seguiram. August era poucos anos mais jovem que Hugh, mas com um olhar tão jovial e sorridente que o clima tenso pouco a pouco amenizou-se. Dispendendo vários galanteios para a condessa parecia não se importar com os olhares de reprimenda do conde. — O senhor é mesmo um homem muito galante. — Margareth respondeu com um sorriso tímido que rapidamente se transformou num olhar astuto e frio. — Mas não é a mim que deverá bajular, eu já sou uma mulher casada. — Não estou bajulando a senhora, apenas sendo sincero. — Pois use sua sinceridade para com outra jovem. Ele sorriu com exagerado afeto. Hugh bufou consternado. — Você não acha que devemos voltar para Londres? — a condessa inquiriu o marido. — Sim, de fato é o melhor momento para darmos continuidade aos nossos negócios. — Pedirei que a senhora Garden e Mad preparem nossa partida para o fim desta tarde. — Para mim está bom. Em Londres o tempo parecia correr muito mais rápido, e também mais triste e frio. Margareth pouco saía do quarto, dispensando as refeições sempre que podia e evitando ao máximo a presença de Hugh. Ele, por sua vez, estava cada vez mais arisco e bruto com criados e convidados, que não tardaram a notar o clima gelado entre o casal. Numa manhã fria, cerca de duas semanas desde o retorno dos Ruthenford para a casa de Londres, Madelina chegou sem avisar. Seu jeito espalhafatoso logo encheu o ambiente e antes mesmo de ela apontar diante da porta do quarto de Margareth a condessa já sabia de sua chegada. — Mas afinal de contas o que está acontecendo com você? — Madelina crispou com um olhar de advertência ao entrar no aposento e deparar-se com a condessa sob as cobertas, os cabelos revirados e um olhar profundo de lágrimas. — Não posso ter um dia ruim? — Margareth retrucou com mau humor. — Mas é claro que não, com a vida e o marido que você tem, no mínimo tem que acordar cantando uma bela ópera. — Ah! Por favor. — Margareth cobriu o rosto com o travesseiro. — O que foi que aquele belo rapaz fez pra você ficar desse jeito? — A duquesa sentou-se na cama, fazendo com que seu lindo vestido de camadas se transformasse num imenso amontoado de tecidos lilazes. — Não quero falar sobre isso. — Você não tem escolha. — a espanhola sorriu com seus imensos cílios negros. Margareth sentou-se na cama, ajeitou as cobertas e esfregou o rosto, sentindo-se um verdadeiro trapo. — Uma maldita e imunda criada, você acredita? — Ora, não me diga. E você tem certeza disso? — Ela está grávida, pelo menos diz que está. — E como você descobriu? — Cheguei em Surrey Hall e ela estava deitada na cama dele, nua, dormindo. — Oh! Mas que ousadia. — Achei que ele fosse feliz, comigo. — Não se impressione querida, alguns homens são assim mesmo. — Mas eu dei um basta, a partir de hoje, nosso relacionamento diz respeito apenas a formalidades. — Não diga uma bobagem dessas, Margareth. Logo as coisas se resolverão. — Como, me explique, como ficarei com um homem que se deita com outra? — Do mesmo jeito que todas as mulheres da nossa classe fazem. — Duvido que você já tenha passado por isso. — Eu não duvidaria. Se o duque faz, é muito bem escondido é claro, mas eu não colocaria minha mão no fogo. Margareth deitou a cabeça no colo da amiga e chorou, deixando-a perceber toda a vulnerabilidade de seu coração quebrado. — Querida, torture seu marido por alguns dias e então faça as pazes, é melhor do que ficar sofrendo. A condessa não disse nada, se deixando envolver pelos carinhos que a outra dispensava aos seus cachos louros rebeldes. — Você soube o que aconteceu? — Madelina perguntou de súbito, após um momento de silêncio. — Não. — Margareth voltou a se recompor, limpando as lágrimas do rosto. — A família Paxton está em maus lençóis. — Não entendo, achei que eram apenas boatos de que estavam falidos. — De fato. — A duquesa respirou fundo. — Que fique entre nós apenas, mas parece que o jovem herdeiro não é bom com as posses da família e tem péssimos hábitos. — O que você quer dizer? — Parece que ele gasta muito em cartas. — Não me diga. — Margareth arregalou os olhos, surpresa. — Vim porque achei que talvez seu marido pudesse aconselhá-lo. Todos sabemos que os Ruthenford são excelentes administradores. — Porque Hugh não tem medo de sujar as mãos. — A condessa deu de ombros. — Seria excelente se ele tivesse um padrinho, alguém que o ensinasse o valor das coisas. — E por que você acha que Hugh aceitaria fazer isso? — Porque ele é um nobre, e estaria ajudando outro nobre em momentos de dificuldade. — Você não pode ser tão inocente assim, Madelina. — Margareth esbravejou. — Aqueles Paxton são uns asquerosos, meu marido jamais aceitaria ajudar algum deles. — Eu sei, são pessoas difíceis mesmo, mas veja, a maioria dos nobres o são. Apesar de tudo estou preocupada com a Lady e sua filha, a pobre jovem não conseguirá um bom casamento se a família continuar nessa situação. — Você tem um bom coração. — Margareth disse, vencida. — Verei o que posso fazer. — E aproveite para fazer as pazes com aquele belo rapaz, não há quem ainda não tenha percebido o clima tenso entre vocês. — Oh! — Margareth cobriu o rosto e deixou a cabeça cair sobre os travesseiros. Mesmo em Londres, Hugh preferia fazer suas refeições cedo e preferia ficar na biblioteca a acompanhar outros nobres aos clubes. Cada vez gostava menos da companhia dos homens da nobreza londrina e a situação com Margareth piorava seu ânimo. A vontade que nutria era de subir ao quarto da esposa, derrubar a porta e tomá- la à força, mas seu orgulho estava ferido, sua raiva inflamada pela falta de confiança da condessa e isso era um veneno que o impedia de desejá-la com fervor. Sem conseguir concentrar-se em sua leitura, Hugh largou o livro que folheava em cima da mesa e fechou os olhos, recostando-se na poltrona confortável. Não percebeu quando Margareth entrou. — Acho que sei como acabaremos de vez com os Paxton. — A voz da condessa o fez abrir as pestanas rapidamente. Os olhos verdes cintilaram sob a fraca luz que banhava o ambiente. Ela prosseguiu: — Cartas. Trinta e dois
August apareceu no vestíbulo logo após a chegada
de Margareth. Seria a primeira aparição oficial do visitante como amigo íntimo da família Ruthenford. A condessa que estava vestida luxuosamente, admirou-se com a aparência elegante do homem. Hugh, com seu fraque de costura perfeita parecia desajeitado e rabugento. Não amenizou o olhar duro para o suposto amigo. Estava com o pior humor de todos, rangendo os dentes cada vez que o homem lhe dirigia a palavra ou lançava algum olhar astuto para sua esposa. Margareth e o marido não trocaram mais do que duas palavras formais. A carruagem chegou e eles foram escoltados por dois lacaios tímidos que não levantaram os olhos do chão. Direto para as garras do inimigo, um dos mais memoráveis eventos de Londres, o baile na imensa propriedade dos Coucex, o ducado de Canterburry. O trio chegou ao baile e foi recebido efusivamente pela jovem e bela duquesa que esbanjava luxo com joias caras. Hugh e o duque mal trocaram meias palavras e o conde passou boa parte da noite bebendo vinho e licor, num canto da sala, sem dar a mínima atenção aos olhares alheios. August não demorou muito a se tornar o centro das atenções das senhoritas e também dos cavalheiros, com sua voz agradável e seus galanteios, além de suas perguntas inteligentes e seu genuíno interesse pelas coisas da nobreza. Fora apresentado como um amigo antigo de universidade de Hugh, amigo e hospede do conde com quem ficaria até sua volta para o sul da França, local em que assumiria uma propriedade herdada. Passou a noite rodando de uma mesa a outra, dançando com jovens e velhas e saudando os cavalheiros. Conquistou a todos e Margareth não demorou a pensar que ele tinha realmente um grande talento para sua missão, aquela que os ajudaria a findar de vez a vingança. Margareth conversou distraidamente com a anfitriã, notando a elegância do espaço e dando dicas sobre o que ela deveria fazer em relação ao gênio duro do marido. — Minha querida, você precisa dar um jeito, faça as coisas que ele gosta, finja que está se divertindo, o importante é que ele consiga. — A condessa frisou. — Não sei como, já estou casada há cinco anos e nunca aconteceu. — Porque você era inexperiente, agora já sabe como ele é, deve perceber as coisas das quais ele gosta, seja esperta e o faça pensar que essa criança que você carrega é dele. Isso garantirá sua segurança e tranquilidade para o resto da vida, bem como a de um certo alguém. — Vou tentar. — Não, você vai conseguir! As duas sorriram, voltando a circular entre as outras senhoras pelo resto da noite. O baile pareceu interminável, os assuntos desagradavam tanto à condessa quanto ao marido e ambos não viam a hora de voltar para casa e enfurnar-se em seus aposentos, esquecendo a situação que muito importunava- os, a criança que Aila, provavelmente estaria gerando. E pensando nesse bebe, um bebe inocente que não tinha culpa do que a vida havia reservado, Margareth percebeu que ela mesma ansiava em gerar uma vida, em dividir seu tempo e amor com alguém tão puro e indefeso e que a amasse incondicionalmente. Mas se não havia acontecido desde o casamento, talvez não acontecesse nunca, talvez ela não pudesse gerar vidas, ou simplesmente Deus a achasse sem condições. Dormiu novamente entregue às lagrimas. Hugh estava deitando na cama ainda vestindo o fraque, uma mistura de sentimentos envolvia seus pensamentos já nublados e confusos pela quantidade de vinho e licor ingeridos no baile. Poderia esquecer o assunto, ignorar Margareth, fazer sua vontade, nunca houvera escassez de mulheres em sua cama, mas não. Ele não conseguia ignorar aquilo. Era a segunda vez que aquela mulher petulante o rejeitava. E Aila, grávida? Não, claro que ela não podia estar esperando um filho seu. Hugh achava impossível, afinal de contas ela era esperta, sempre cuidadosa e ele também. Mas aquilo o importunava, e se fosse verdade? E se estivesse mesmo esperando uma criança, um filho seu? E por que diabos Margareth simplesmente não podia acreditar quando dizia que não estivera mais com a criada? Não conseguiu dormir, sentindo o quarto dar voltas e voltas toda vez que fechava os olhos. Levantou-se e mergulhou na penumbra do corredor. Andando de um lado para o outro, impaciente. Olhou seguidas vezes para a porta do quarto de Margareth, estaria trancada? A porta de ligação de seus aposentos estaria fechada sem dúvida, mas e aquela? A porta do corredor estaria aberta? Será que ela faria um escândalo se ele tentasse? Aquilo o estava enlouquecendo. Aquela maldita mulher o deixava à beira do surto desde que entrara em sua vida. Seria capaz de matar o primeiro que cruzasse seu caminho apenas para descontar a ira e ardência que queimava seu corpo. Abriu a porta, sem pensar. Se pensasse mais, voltaria para o quarto e enfiaria a cabeça debaixo do travesseiro, para recuperar o juízo. Mas àquela altura, ele não tinha mais qualquer pingo de juízo e só pensa vaem uma coisa: Margareth. A encontrou dormindo, ainda vestida com a roupa do baile, os olhos manchados por lágrimas que feriam seu delicado rosto e traziam à tona uma mágoa que talvez não tivesse mais cura. Hugh sentiu um nó formar-se em sua garganta. Como podia causar tanta tristeza à única pessoa com quem realmente se importava? Hugh sentou na cama e suspirou profusamente, queria tocar o rosto de Margareth, dizer de seu infortúnio por vê-la daquela forma, mas não queria correr o risco dela despertar e o rejeitar novamente. Tantas perguntas retumbavam em sua mente, tanta dor... A condessa abriu os olhos bem devagar, piscando seguidamente. Viu Hugh olhando-a e ajeitou-se na cama, subitamente assustada e confusa. — Margareth. — O que você está fazendo aqui? — Por favor, não me mande embora. Não esta noite. Os olhos azuis da esposa do conde estreitaram-se. A dor que invadia seu peito era quase tão violenta quanto o desejo de entregar-se à paixão que nutria por ele. — Não consigo perdoá-lo. Não posso. — Eu sei, mas acredite em mim, não estive com ela, não estive com outra pessoa que não você e isso é até engraçado, porque achei que nunca seria possível que alguém tivesse esse poder sobre mim. — E se ela estiver mesmo grávida. Hugh engoliu em seco. — Já não deveria haver uma barriga? — Ele questionou, de repente para si mesmo. — Ela não pode estar grávida. Não de mim. O conde aproximou seu rosto de Margareth, abriu levemente seus lábios e preparou-se para beijá-la, certo de que as coisas estavam, finalmente resolvidas. Mas a condessa recuou, limpou o rosto e tornou a olhá-lo. — Eu gostaria de ficar sozinha. — Não! — Hugh berrou. Pondo-se de pé furiosamente. — Será que você não escutou tudo o que eu acabei de dizer? — Escutei, mas ainda não sei se acredito. Margareth saltou da cama, ficando frente a frente ao marido e olhando-o com determinação. — Como você pode dizer isso? — Do mesmo jeito que você pôde se deitar com ela na nossa noite de núpcias. Hugh engoliu em seco. — Por favor, vá embora. — Não! Você é minha esposa e eu exijo que aja como tal. — Antes de me exigir qualquer coisa você deveria começar por você. Dê o exemplo, meu caro conde. Os dois berravam. — Sua megera. — Hugh segurou-a nos braços e chacoalhou com força. Margareth desprendeu-se e lançou a mão na direção de Hugh, ele não se defendeu, deixando-a acertar-lhe bem no meio da face, com toda a força. Com os olhos fulminando, Hugh voou na direção dela, tomou seu rosto entre os dedos fortes e olhando com intensidade para o par de safiras furiosos beijou-a. Um beijo ardente que arrebatou a ambos. Com a sede de uma fera presa ao deserto, Hugh envolveu Margareth em seus braços, impedindo-a de lutar. E ela nem sequer ousou fazer isso, fechando seus olhos e mergulhando de cabeça na paixão. Com brutalidade, o conde rasgou o vestido, puxou as anáguas que pareciam intermináveis e deixou a esposa completamente nua diante de si. Apreciou o corpo pequeno e firme enquanto a ajudava a tirar o resto de seu fraque. Nenhum dos dois ousou dizer nada, agarrando-se ao corpo do outro com a força de um vendaval. Hugh ergueu Margareht que cruzou as pernas em volta de sua cintura, arranhando suas costas e mordendo seu ombro. Ele puxou seus cachos para baixo, e beijou seu pescoço, fazendo-a estremecer. Escoltou-a na parede, perto da janela e penetrou-a com força, apertando suas nádegas e beijando seu pescoço. Margareth gritou ao chegar ao ápice, arranhando-o ainda mais. Fizeram amor até o dia raiar do outro lado da janela. Na manhã seguinte, porém, quando Hugh acordou, Margareth não estava mais no quarto. O conde vestiu-se rapidamente e desceu para o café, dando de cara com a esposa aos risos. August retribuía o gesto, simpática e galantemente. O conde olhou para os dois com desconfiança, assumiu seu lugar na cabeceira da mesa e tocou de leve na mão da esposa. Margareth puxou os dedos e olhou-o com firmeza. — Nada mudou. Trinta e três
Hugh sentiu seu sangue ferver imediatamente.
Queria estrangular Margareth ali mesmo e mais, queria quebrar a cabeça de August que a tudo assistia com curioso divertimento. — Você quer me enlouquecer, é isso? — Hugh berrou, levantando-se e fuzilando Margareth com o olhar. — Como você ousa falar assim comigo? — Margareth repetiu o gesto do marido. — Ponha-se no seu lugar! — Ponha-se o senhor no seu lugar, e pare de dormir com as criadas. August arregalou os olhos, nunca antes vira mulher nenhuma desafiar o marido, ainda mais alguém como Hugh. Aquela ali, sim, daria gosto de ter sob os lençóis. Se fosse tão ardente quanto era atrevida... Bom, isso justificava muita coisa. Ele nunca havia imaginado que Hugh pudesse se casar. Era um dos homens mais difíceis com quem lidara e um dos poucos que conseguira desmascará-lo em seu truque. É claro que o conde fora ainda mais esperto, deixara-o escapar impune de suas jogadas contra a alta classe francesa, mas havia uma condição, August para sempre lhe deveria um favor. E ali estava ele pagando sua dívida com um dos homens mais perigosos que já conhecera e que parecia prestes à histeria por causa de uma bela e desbocada jovem. — Eu não estou dormindo com nenhuma criada e mesmo que eu estivesse, você seria a última pessoa a ter o direito de me questionar sobre isso. — Pois se é assim, o que lhe importa como ajo? — Margareth crispou, os olhos vincados numa expressão de desafio. — Suas necessidades serão atendidas, sempre que desejar, vossa graça, se é isso que o preocupa. — Tem razão... — Hugh disse depois de algum silêncio, com gravidade e ferocidade. — Sendo assim, nada mais importa. Margareth olhou-o estupefata, como se esperasse por algo que o conde não conseguira alcançar. August, por outro lado, tinha absoluta convicção do que a bela lady esperava, mas não ousaria dizer uma palavra, nem mesmo se inquirido a respeito. — Vamos, temos um assunto de ordem urgente a resolver. August levantou-se de imediato e em silêncio. Hugh tornou a olhar para Margareth, seu rosto inexpressivo e sob total controle. O vermelho nas bochechas da condessa anunciavam sua vitória na discussão. A atingira profunda e dolorosamente e mesmo assim não sentia prazer ou satisfação. Algo estava errado com ele, o conde tinha certeza, submeter os outros à sua vontade provocava-lhe sempre uma deliciosa sensação de poder e agora, simplesmente não havia nada. Nada além de um profundo e doloroso incômodo. No restante do dia, Margareth passou trancada na sala de leitura, olhando pela janela o dia nublado escurecer gradativamente, os pensamentos perdidos e uma pontada de mágoa agulhando seu coração.
Hugh respirou a fumaça dos charutos e soltou o ar
lentamente. Bateu com as cartas na mão e resmungou. A penumbra esfumaçada dava a austeridade necessária para que o conde abdicasse da partida sem revelar a ansiedade de que desfrutava. Sabia o quanto o suposto amigo, um golpista de primeira linha - se é que essa nomeação podia ser dada a alguém com tamanha desenvoltura e desapego para com a sociedade e suas convenções – estava prestes a concluir com seu acordo. É claro que Hugh tinha mais alguns planos para August, e para tanto acrescentaria uma generosa quantia em dinheiro à proposta. Por enquanto, porém, estava concentrado numa única ação. Falir o último homem da família Paxton. — Estou fora. Os olhos de August brilharam, aquele era o sinal. Passara as duas últimas rodadas deixando o imbecil beberrão à sua frente ganhar, instaurando assim a confiança necessária para a derrocada final. E esta estava prestes a acontecer, uma vez que o herdeiro do inimigo de Hugh estava apostando até as calças naquela única partida. Uma ou duas rodadas de cartas no máximo e ele estaria resolvido para sempre na vida. Com dinheiro suficiente para se manter bem por muitos anos, com luxo até, e principalmente, livre de Hugh e seu olhar mortífero. Essa segunda, era de fato, a sensação mais importante naquele momento, se livrar daquele conde que parecia estar sempre prestes a cortar suas vísceras e empalhá-lo feito uma fera da selva colonial. — E o jovem duque, se acovardará ou tentará a sorte? — provocou, olhando diretamente para o Paxton, levemente embriagado. — Pois eu quero ver. — o rapaz disse, sustentando um olhar firme e convencido de que deixaria o homem enfadonho à sua frente sem um único centavo. August puxou com agilidade felina a carta da derrocada, fazendo-a se lançar discretamente do pulso da camisa para os dedos. A original, sumindo entre alguma parte de seu casaco onde ninguém encontraria caso revistasse. August virou suas cartas e o rapaz empalideceu imediatamente. A mudança de cartas havia sido realmente sutil, o golpista desconfiava que mesmo os olhos astutos do conde haviam deixado passar o movimento fugaz e agora questionavam inconscientemente como tivera tanta sorte ou como realizara a proeza. — Não é possível! — o duque berrou, levantando- se zonzo e assim sendo acudido por ninguém mais e ninguém menos que o próprio conde vingativo. Um mordomo elegante foi chamado e às pressas trouxera um copo de água e uma toalha molhada que depositou na testa do nobre. O filho de Charles Paxton, Charles Segundo, estava pálido como se tivesse dado de cara com a visão do pai moribundo, apontando-lhe o dedo e o acusando de arruinar de vez a família. Muitas vezes perdera dinheiro em partidas de cartas nos clubes, mas jamais uma quantia com a qual não pudesse custear ou choramingar ao pai para quitar. Desde que conhecera, semanas antes, o amigo de Hugh, vinha tendo uma milagrosa sorte e naquela noite, diante de muitos jovens de estirpe inferior à sua, elegantes herdeiros da classe trabalhadora dos bancos que vencera na nova fase da Inglaterra fabril, ele havia perdido dinheiro suficiente para arruinar totalmente sua família. Vomitou aos pés de um garçom que o atendia com a toalha e o abanava com uma folha do jornal, abanando-o como se fosse resolver com um pouco de brisa a caustica situação em que o garoto mesmo havia se deixado colocar. — Isso não está certo... Eu... estou falido. — Fique calmo, garoto. Tenho certeza de que resolveremos tudo como cavalheiros. — Hugh deu um tapinha de consolo nas costas do rapaz que revidou com um olhar furioso. — Isso é tudo culpa sua, saia da minha frente. Cambaleando empurrou Hugh diante de todos, e provocando assim a necessária quebra de qualquer aliança e obrigação que o conde poderia ter com o outro de sua classe. O herdeiro Paxton saiu, deixando na mesa a promissória que reivindicava um valor estimado ao das duas principais propriedades da família. Não tinha como escapar, se não remanejasse seus recursos com habilidade estaria falido em menos de um ano, e Hugh tinha certeza de que isso era fato consumado, uma vez que o garoto não via um palmo diante do nariz e com a fúria e ânsia de recuperar a fortuna perdida, estaria se embrenhando ainda mais em jogos, bebidas e mais dividas. Em breve, o último a carregar o nome Paxton estaria na miséria e Hugh, teria, finalmente, dado a justiça que sua mãe merecia. No percurso de volta para casa deixou August diante da porta vermelha descascando de um prostíbulo famoso, o rapaz que bebera um pouco além para comemorar sua felicidade na mesa de cartas, ficou encostado ao poste, bem abaixo da lamparina a convidá- lo para uma visita rápida a casa da Madame Beouwet, uma rechonchuda mulher de meia idade que mantinha vários quartos no fundo da espelunca que gerenciava e que era fugazmente conhecida como um recanto para homens solteiros e casados, sedentos por diversão de qualquer espécie. Hugh não era dado a bordeis, achava as mulheres imundas e inescrupulosas, preferindo tombar criadas mais sonhadoras pelo pasto seco de sua propriedade em Surrey Hall. Mas nem a lembrança de suas aventuras juvenis com o sexo oposto, durante anos e anos, conseguia amainar a ira que vinha incendiando seu peito e a culpa era unicamente dela. À noite visitou o quarto da esposa, a porta estava aberta e ela vestida apenas com o camisolão de linho francês quase transparente que ele costumava arrancar com ferocidade. Os cabelos espalhavam-se sobre o travesseiro de penas, o busto apertado contra a cama e as pernas levemente dobradas num meio círculo convidativo. O conde sentou-se à beira da cama e aspirou com profundidade o aroma adocicado que vinha da silhueta pequena que dormia silenciosamente. Ressentiu-se consigo mesmo, por não ter dito as palavras certas logo cedo, quando poderia estar um passo mais perto da conciliação. Mas também sabia que Margareth era uma verdadeira megera quando queria e conseguia levá-lo ao ponto mais alto da irritação em poucos instantes. Sempre compensava na cama, porém. Agora, no entanto, as coisas pareciam irrevogáveis e Hugh pela primeira vez, perguntou a si mesmo porque isso era tão importante. Porque queria tanto que a mulher o aceitasse de bom grado em sua cama, acreditasse em sua palavra e delirasse ao seu toque. Esse pensamento o levou novamente ao assunto de Aila. Não, aquele maldito assunto não estava resolvido. A criada atrevida ia pagar caro por aquela afronta. Margareth gemeu, virou-se na cama e abriu os olhos bem devagar, despregando os enormes cílios e deixando o azul cintilar à luz da vela que o conde depositara no criado mudo ao lado da cama. Uma linha tensa se formou na testa da condessa ao dar de cara com a expressão enervada do marido. Sentou-se na cama rapidamente e então tocou-lhe, por instinto, na mão apoiada na colcha. — Aconteceu alguma coisa? Hugh acenou levemente, fazendo-a respirar com profundidade e soltar o ar num longo e quente suspiro. — Foi tão fácil que chega a ser assustador. — Oh! — Margareth cobriu os lábios com a mão pálida. — sei que estamos fazendo o certo, mas...Espero que tudo acabe logo. — Você está bem? — Hugh alteou a sobrancelha. — A senhora Garden me disse que você esteve indisposta. — Já estou bem. — Mas vejo que não tocou na comida. — o conde apontou na direção de uma bandeja com o jantar frio intocado. — Meu estômago está um pouco tenso, nada demais, amanhã estarei melhor. Obrigada por perguntar. — Me desculpe. — Hugh disse pouco antes de se levantar contrafeito e sair, o olhar consternado por não poder envolver a esposa em seus braços fortes e quentes e os nervos culpados por saber de sua grande parcela de culpa naquele mal estar. Se ela estava definhando de tristeza, ele era o responsável, mesmo que fosse inocente de tudo que fora acusado. Com um nó se formando grosseiramente na garganta, Hugh alcançou a porta de ligação dos quartos, antes de cruzá-la, porém, Margareth falou: — Está quase no fim, não é? Assentindo, o conde mergulhou no breu do seu próprio aposento, batendo de leve a porta e afundando na cama da mesma forma e com a mesma roupa que chegara. Nessa noite, sonhou com a morte e acordou sentindo gosto de sangue. Final Só os mortos conhecem o fim da guerra. (Douglas MacArthur) Trinta e quatro
Nas semanas seguintes, tudo decorreu da forma
exata como Hugh e Margareth haviam pensando. O que era assustador e animador em igual forma. O duque Paxton à beira de um colapso nervoso procurava constantemente August implorando por uma revanche, coisa que este deveria aceitar caso fosse mesmo o cavalheiro que se dizia. E o homem aceitava, relutante, mas aceitava a revanche, sempre implorando que o rapaz não o pelasse até às ceroulas. Assim, ao invés de recuperar sua fortuna, ia endividando ainda mais o nome da família. Numa quinta-feira gelada, pouco antes do final da temporada londrina, o rapaz fora encontrado com uma corda no pescoço, pendurado no balaústre da varanda do quarto, no segundo andar da casa, as pernas soltando leves espasmos não pelo frio da noite, mas pelos últimos suspiros do duque moribundo. Uma semana depois, as damas restantes da família Paxton mudaram-se para a casa de uma parente distante, a mais nova indo, posteriormente, viver sob o asilo de freiras, custeado pelo restante das economias de seu dote, o que o irmão não perdera nas cartas por força da sorte da jovem. Nenhuma de suas prendas lhe valeu um casamento adequado sem o valor em espécie que seria reservado ao noivo. Fadada a viver sob a vergonha e solteirona, preferiu a moça partir para o exilio, impelida pela mãe, é claro, que não suportava a humilhação dos olhares de soslaio das outras senhoras. A mais velha, vivera o restante de seus dias sob o jugo da família, padecendo dos luxos a que estivera, por décadas e mais décadas acostumada a desfrutar e remoendo a miséria a que fora lançada, quando seu marido, um homem de fato desagradável, mas constante e estável, a deixara neste mundo para minguar à própria sorte. Depois de algum furor tudo voltou ao normal e ninguém pareceu realmente sentir falta daquela família da qual não restara sequer um título. Margareth que deveria se regozijar pelo sucesso de boa parte de seu plano, viu o coração se encher de tristeza e apesar de tudo se compadeceu da viúva. Ninguém merecia destino tão cruel, nem mesmo aquela mulher horrível. Piorando ainda seu ânimo, a falta de apetite e a incansável vontade de chorar lhe apregoaram um aspecto cansado antes mesmo de o outono findar-se. Mesmo com a frequente visita de Madelina, os constantes bailes nos quais sempre esbanjava rara beleza, e com as idas para sua amada Surrey Hall, a dama parecia prestes a cair enferma na cama. August, por outro lado, estava em sua melhor fase, ficara com praticamente todo o espolio que arrancara do Paxton agora morto também e de outros nobres cujo nome era de mais valia que a fortuna, frequentava os bailes e era sempre adorado por jovens donzelas que sonhavam com uma paixão ardente em seus braços, como se ao invés de golpista, fosse o homem de raras qualidades, um verdadeiro príncipe encantado que as roubaria a qualquer momento da vida tediosa de vestidos e chapéus. Antes da temporada londrina se dissipar e a maioria dos nobres partir para suas propriedades, August iniciara sua jogada final, acertada algumas semanas antes com o conde. No último baile, colocaria em prática a cartada derradeira e depois tomaria o rumo transatlântico, finalmente partiria para a nova terra, ia viver sob a luz da nova era, seria importante, alguém de valor. Teria uma casa com criados e uma bela esposa para satisfazer suas necessidades, especialmente se fosse como a condessa, ardente e forte. Uma pena, pensava ele, volta e meia ao dar de cara com a jovem de olhos brilhantes, uma verdadeira pena ser a esposa do conde. Fosse outra, arriscaria cada um dos centavos que ganhara, apenas pelo desfrute de uma noite fortuita. Conhecido, respeitado e popular que estava no meio da nobreza, fora anunciado como um convidado de grande honra no baile anual da corte. Nunca chegara a conhecer a rainha e seu consorte, apenas os nobres de título importante tinham tamanho prestigio de convívio e se não fosse Hugh, um homem de princípios apesar de tudo, talvez o próprio Ruthenford frequentasse o seio real, o que August acharia proveitoso o bastante para justificar dever mais algum favor ao homem. Mas como sempre, o conde ficava afastado da realeza, apresentava a si e a esposa com a formalidade pedida, trocava quando convidado, algumas meras amenidades com os soberanos, ainda que o príncipe o visse com bons olhos e tivesse prazer em sua conversa. Ambos eram homens que não tinham medo do trabalho e valorizavam boas ações para com o povo. Bastante tempo depois que o casal consorte jantou e se retirou do salão principal, o baile decorreu, regado a música e bebida de qualidade inestimável. August dançou com diversas damas e se estendeu além da conta para com a bela e delicada lady Coucex, a filha do duque de Canterburry. Apesar do olhar colérico o velho não dissuadira a filha da companhia, concentrando suas atenções para a esposa que exibia um semblante cansado e bochechas vermelhas além do normal para a época do ano. Margareth que apesar de mais magra e com um olhar fechado estava bonita como nunca em seu vestido de gala e crinolina armada. Encontrou a duquesa algum tempo depois no jardim, sendo socorrida pela amiga espanhola. As duas prestaram seu melhor atendimento, diante do que estava explicito: uma criança estava a caminho. Depois de Madelina ser dispensada com uma desculpa qualquer, a bela duquesa abriu seu coração e deixou que Margareth escutasse sua maior agonia, temia que o marido descobrisse de sua condição e a machucasse, temia pela vida do bebe, temia por seu amante. — Seu marido é velho, não viverá o suficiente para ver a cor dos olhos da criança. — Margareth sorriu, acalentando a jovem mãe aflita. — Não se aflija, cuide bem do seu herdeiro e trate de se alimentar corretamente. Sempre poderá contar comigo. No fundo de seu coração tinha medo do que o destino reservava para a moça que já sofrera o bastante, mas de qualquer forma, não podia agir com deslealdade, não colocaria seus planos abaixo, mesmo que às vezes Hugh realmente merecesse. E como sentia falta do conde... Por mais que o marido a visitasse quase todas as noites, a solidão contorcia suas entranhas e desanimavam-na por completo. Se não morresse pela falta de forças no corpo, já que vinha comendo o mínimo e vomitando mais do que o estômago conseguia dar conta de compensar, talvez definhasse de tristeza. E com esse pensamento, se fechava ainda mais à dor e angústia que percorriam cada minúscula partícula de seu corpo, frágil. Resignada, Margareth voltou para o salão do baile, onde viu August dançando novamente com a filha do duque. Naquela noite, Hugh, finalmente teria sua revanche contra o mais tirano dos tiranos. Logo, poderia enfrentar o homem face a face e acusá-lo do mal que proporcionara a mãe, depois cuspiria em sua cara velha como traçara sua vingança. Sentada em silêncio em sua sala particular, tomando o ar fresco que penetrava pelas imensas janelas abertas, Margareth viu o momento em que o golpista passou, carregando suas malas, sorrateiramente. August parou diante da porta e acenou de relance para a condessa, que não disse nada, tornando a olhar para o jardim com o mesmo desânimo que vinha se tornando parte de sua alma. O desaparecimento só seria notado no horário do almoço seguinte e aquele tempo teria sido suficiente para que a moça, levada pela paixão, estivesse longe e à própria sorte, nas mãos de um homem que provavelmente a abandonaria depois de algumas noites. Quando voltasse, tomada pela vergonha, encontraria o pai que veria seu nome ser arrastado na lama. Mas não antes de descobrir que não haveria herdeiro para levar seu nome, não um herdeiro cujo sangue contivesse a maldita herança do velho. Hugh se encarregaria disso. Um lacaio alvoroçado acordou a casa inteira. Embora estivessem em Surrey Hall, por imposição de Margareth que se via a minguar entre as paredes fechadas da casa de Londres, o tumulto não deixara de ser ouvido por boa parte da criadagem. — Mas o que está acontecendo? — Hugh berrava furioso enquanto descia as escadas, ainda vestido com as ceroulas. Margareth que já estava a par da situação adiantou- se na direção do marido e anunciou: — Precisamos ir para Canterburry imediatamente. Trinta e cinco
Hugh e Margareth chegaram na casa de Londres dos
Canterburry algum tempo depois, a noite ainda no pico da escuridão e o frio tomando as faces da condessa e empalidecendo seu semblante já atormentado. Não imaginavam pelo que estavam prestes a presenciar. O lacaio que praticamente invadira a residência, com os nervos afoitos mal conseguira explicar o súbito ataque do duque à esposa, e de como o jovem rapaz escapara sorrateiramente para buscar socorro com os amigos da moça, a pedido da própria lady da casa. Tudo havia decorrido em poucas horas, justamente porque o velho descobrira da fuga da filha que àquela altura já estava desonrada diante de toda a sociedade britânica. — O senhor vai ajudar a minha senhora, não vai? O Duque vai matá-la, está tão furioso e fora do juízo que se ela ainda estiver viva será um verdadeiro milagre. — Repetia vez ou outra o lacaio que apegado à bondade e beleza da lady, receava por sua vida. Margareth temia que não chegasse a ver a amiga viva, que o tempo e a distância que percorriam na carruagem, pelas ruas do campo e pelo silencioso percurso da cidade, impedissem de salvar as duas vidas que habitavam aquele corpo. Mãe e filho àquela altura podiam já ter dado seu último suspiro de vida. O coração sendo açoitado pela dor e remorso de tudo que havia tramado contra a alma gentil e sonhadora da garota, Margareth soluçava e rezava, pedindo a Deus perdão por seus imensos pecados e clamando pela vida frágil da moça e do bebe em seu ventre. Entretanto, quando cruzaram o pátio, entraram no calor da casa e subiram as escadas, deram de cara com a criadagem amontoada diante da porta do quarto da duquesa, murmurando ao torpor dos acontecimentos. Hugh entrou logo após o lacaio afastar os empregados. A esposa o seguiu instantes depois, soltando um grito de assombro ao ver o corpo estirado no chão, agonizante. O conde, viu o sangue espalhando-se ao redor da silhueta e compreendeu: Aquele era o momento, se não dissesse nada ali, nunca mais teria sua chance. Enquanto a esposa corria para abraçar a duquesa que ainda segurava um abridor de cartas com as mãos banhadas em sangue escuro e tremendo descontroladamente, Hugh aproximou-se do duque desfalecido que respirava com dificuldade, pegou a mão do velho e apertou: — Há muitos anos espero por esse momento. — Falou o conde, fazendo o outro arregalar os olhos de pavor. — E foi tão fácil... — Não fale, não vai adiantar, você não viverá para ver o sol nascer. — Hugh continuava, o olhar de esmeralda implacável. — Hoje, eu selo a punição merecida ao pior homem lançado neste mundo. Então, o homem à beira da morte compreendeu. Abriu a boca para falar, mas um fio de sangue o engasgou. Ele tossiu, tentou puxar o ar, mas só fez foi soluçar e cuspir mais sangue. Hugh fez com que se calasse, os olhos frios saboreando o momento. — Sua filha, a esta altura já está arruinada, uma pena que você não terá tempo de sentir a humilhação... August Cleithon não passa de um golpista, muito bom por sinal, e demorará para que ele devolva a jovem manchada para todo o sempre. Ela minguará por causa dos pecados do pai. Assim como os Paxton... Oh! Você achou mesmo que o duque tivesse enlouquecido e perseguido sua esposa por obra do acaso, ou para afrontá-lo? — Hugh riu, uma meia lua cruel se formando nos lábios carnudos do conde. — Engraçado como um bilhete, um bilhete tão simples pode resolver tantas questões. O homem apertou os dedos de Hugh, mas o conde não foi cordial, esmagando os dedos do inimigo entre os seus e sussurrando em seu ouvido. — Sua mulher, você já deve saber, espera uma criança. Mas não haverá ninguém neste mundo para herdar seu sangue ruim, velho. Sua fortuna será gasta pelo amante de sua esposa e pelo filho dele. Os olhos agourentos do duque moribundo percorreram o ambiente à penumbra. Deu de cara com a esposa que mantinha uma mão no ventre e a outra ainda segurava a ferramenta que utilizara para se defender. Margareth a tinha envolvida em seus ternos braços e explicava aos cochichos os fatos mais importantes da trama. — E ninguém sentirá sua falta, porque ninguém realmente quer você por perto. Nem mesmo encontrarão seu corpo para que uma cerimônia fúnebre seja prestada em sua homenagem. Não haverá nada. O velho Coucex agonizou, cuspindo sangue enquanto tossia com força assombrosa. Hugh não desviou por um segundo sequer seus imensos olhos verdes do olhar mórbido do duque. — Você sabe de quem eu sou filho? O homem balançou a cabeça bem devagar, prestes a dar o suspiro final. Hugh sorriu com maldade e então soltou a mão do velho que não tivera sequer tempo de fechar seus olhos, morrendo após afogar-se com o próprio sangue e saliva. Apesar de abalados, os criados ajudaram a dar fim ao corpo do duque, exatamente como Hugh dissera: não houvera cerimônia fúnebre, ninguém sequer encontraria o corpo que afundaria num rio longínquo da propriedade. Tudo seria resolvido com explicações simples. A lady preservaria sua herança e seu filho, embora fosse carregar o nome Coucex e receber o ducado de Canterburry, jamais seria o homem que o marido da mãe fora. Embora a criança, e todos esperavam que fosse menino, não soubesse, estaria livre dos pecados do suposto pai. Uma história foi elaborada e seria contada aos quatro cantos de Londres. O conde e a esposa instruíram a esposa viúva e prometeram maiores e melhores explicações num futuro próximo. Grata como estava, não questionou e passou o restante da noite treinando metricamente suas palavras. Convencendo o inspetor que provavelmente seria encarregado do caso, tudo ficaria bem. Quanto mais simples a história, mais convincente seria: O duque, preocupado e triste pelo sumiço da filha saíra enlouquecido, dizendo que precisava providenciar que a jovem fosse encontrada o quanto antes, planejava, inclusive, proporcionar uma punição para o enamorado que roubara sua filha, talvez o desgosto o tivesse feito tirar a própria vida, ou perder o juízo. De fato, por mais que passassem dias à procura do homem, vivo ou morto, jamais o encontrariam novamente. Jamais. Hugh levou a esposa em estado de choque direto para Surey Hall. No caminho, Margareth adormecera apoiada no ombro do marido que fizera o mínimo de movimentação, para deixá-la mais confortável. Já estabelecidos novamente em seus aposentos, a condessa pedira que sua criada Mad preparasse um banho quente, a moça o fizera com agilidade, pingando gotas de óleo de rosa e deixando o vapor espalhar o delicioso e calmante aroma. Margareth mergulhara na água morna até o pescoço, fechara os olhos e deixara que o corpo fosse vagarosamente relaxando. Cada pedacinho doía, e tudo parecia tensionado, sem contar os seios que estavam maiores e o ventre intumescido. Nunca duvidara da violência e ódio de Hugh, mas aquele olhar mortífero e maligno realmente a assustara. Pelo menos tudo havia finalmente acabado, ou assim ela pensara. Uma mão tranquila mergulhara na água morna. Margareth não disse nada, supondo a princípio que a criada estava ali para ajudá-la. Mas Mad era do tipo conversadora e o silêncio não era um traço seu, portanto, se não era a moça, só podia ser o marido. E o conde deveria estar sedento por liberar a energia da vingança, Margareth sorriu, ainda como os olhos fechados, talvez ela pudesse perdoá-lo, pelo menos durante a noite. — Você pode entrar aqui se quiser. — Prefiro matá-la daqui mesmo! — A voz ferina alertou Margareth. A condessa abriu os olhos e soltou um grito de assombro. Aila, os olhos vidrados e os cabelos revoltos, estava parada diante de sua banheira. Seu aspecto enlouquecido era aterrador. Margareth tentou levantar, mas a mulher puxara de dentro da blusa uma pistola antiga e enferrujada cujo cano havia sido cortado de forma grotesca, diminuindo assim seu tamanho e aparência. Apontou direto para a loura que se esquivou instintivamente. — Você achou mesmo que eu fosse deixar passar tudo o que me fez? — Aila proferiu com a voz fria. — O que você quer? — O conde, é claro. Quando você morrer ele não terá outra escolha se não ficar comigo, então... — disse, dando de ombros. — Ele jamais ficará com você. — Tampouco com você. — o sorriso maligno se formou no momento em que a pistola apontou para o peito da condessa.
Hugh andava de um lado para outro no quarto.
Nunca chegara realmente a acreditar que conseguiria vingar a mãe, pensara que passaria a vida correndo atrás daquilo e que por fim teria ele mesmo que tirar a vida dos inimigos, mas o que acontecera fora simplesmente surpreendente. Por pior e mais maligno que ele tivesse sido, Hugh sabia que ainda poderia ser uma boa pessoa. Dedicaria sua vida a isso e a se entender com aquela maldita mulher que tanto o deixava à beira da loucura. Tirou a casaca e deu mais alguns passos pelo quarto antes de se decidir por de fato ir tentar as pazes com a condessa. Talvez fosse mesmo o momento de abrir seu coração, de revelar aquele sentimento que queria explodir em seu peito e o impedia de seguir adiante. Se as consequências de suas ações o atormentavam e ele temia se tornar uma pessoa ainda pior que o inimigo morto, temia ainda mais que Margareth o odiasse, que o visse como um monstro, o que ele realmente havia sido por conta da vingança. Naquela noite não a queria por obrigação, a desejava por amor. Entrou no quarto de Margareth pela porta de ligação dos aposentos, não a vendo ali dirigiu-se para o quarto de banho. Cogitando as palavras com as quais se aproximaria dela, a desarmaria e mais, a convenceria. Sua surpresa foi tremenda. Margareth completamente nua, em pé na banheira, os olhos terrivelmente assustados diante de uma pistola antiquada que poderia estourar a qualquer momento. Seu coração espancou o peito com brutalidade, como se estivesse prestes a explodir junto com a pistola que Aila empunhava, sob um sorriso torto de ódio. — Chegou bem a tempo de ver a sua linda condessa pagar por todo mal que me fez. Só assim nós poderemos ficar juntos meu amor. — Por favor, largue isso. — Hugh manteve a calma, mesmo sentindo o coração explodir dentro do peito. — Nós nunca poderemos ficar juntos. Aila estalou a língua entre os dentes, sorriu raivosa e acenou para que o conde fosse se juntar à esposa. Ele deu a volta na banheira e se posicionou o mais perto de Margareth que pôde. A lady não se moveu, observando a inimiga com extremo pavor. Passando os braços no entorno de Margareth, Hugh sussurrou em seu ouvido: — Amo você. A loura piscou devagar, sabendo que estava diante da morte certa. — Me desculpe. — A condessa proferiu, olhando diretamente para a criada. — Não vai adiantar se desculpar, sua garota mimada. Você vai morrer hoje. — Não me desculpei com você. — Margareth crispou para a outra que arregalou os olhos. — Também amo você, Hugh. O som do tiro ecoou pelo aposento de banho de Margareth. As fagulhas acertaram os olhos de Aila e ela gritou, sentindo a pólvora queimar seus dedos. Largou o revolver e riu histericamente ao perceber que acertara. O filete de sangue correu pela banheira. Trinta e seis
Mad ouviu o barulho de disparo do corredor, vinha
trazendo um chá para sua senhora, sabia que a condessa não vinha se sentindo bem há semanas. Tinha certeza de que o motivo por trás dos mal estares da lady eram devido a um bebezinho que crescia em seu ventre, já até conversara a questão com Margareth, mas tendo sido mandada guardar segredo, não fazia nada além de cuidar com zelo da condessa. Esperava ver o ventre crescer logo, quem sabe participar como auxiliar do parto e se encarregar ela mesma dos cuidados do bebe. Era a criada favorita da condessa, sempre bem tratada e companheira fiel da lady, não via qualquer motivo pelo qual pudesse ser impedida de compartilhar aquele momento especial da residência. E como era apegada à senhora, seria também ao seu bebe. Quando o som do estampido a encontrou a meio caminho do quarto da condessa, Mad deixou a bandeja com o chá e os biscoitos cair no chão. Correu para o aposento de banho e gritou ao ver a cena. Aila de joelhos rindo como louca, as mãos e os olhos chamuscados. Hugh, caído entre a banheira e o chão, a água encarnada pelo sangue que respingara ali e Margareth, tremendo dos pés à cabeça, tentando puxar o marido ferido para o seu colo. O tiro acertara a parte de trás do ombro de Hugh, quando ele se postara à frente da esposa para protegê-la. Seu instinto fora rápido o suficiente para evitar que a condessa recebesse a bala, mas não o bastante para impedir que encontrasse seu corpo. Caiu sobre Margareth que recebeu o impacto e desequilibrou-se. Ambos estavam no chão. A condessa precisou reunir todas as suas forças para deslocar o marido. Hugh gemeu quando ela o movera, puxando o corpo pequeno debaixo dele. A primeira reação de Mad foi apanhar a arma ainda quente e jogá-la longe, gritou por socorro da porta do quarto e correu para acudir os patrões. Juntas, Margareth e sua criada conseguiram arrastar Hugh. Ele tentou ajudar, impelindo o corpo com dificuldade para ficar de pé, mas estava zonzo pelo ferimento e cambaleou, caindo sobre o tapete onde tantas vezes deitara a esposa e proporcionara gritos de prazer. As lágrimas dela banharam as costas do conde que respirava com dificuldade. — Chame ajuda, Mad. — a condessa forçou-se a dizer. Enquanto a criada se levantava cambaleante e nervosa e saia correndo do quarto, Margareth recobrou a calma, conversou com o esposo, ajeitando a cabeça suada sobre suas pernas, tentando mantê-lo acordado. Acariciou os cabelos negros. Vinha esperando o desfecho de seus planos maquiavélicos de vingança e um momento ideal para dar a notícia a Hugh, mas agora, já não tinha certeza de que ele conseguiria aguentar. Sabia o quanto uma arma de fogo era capaz de machucar um homem, lia a respeito das pessoas que nunca sobreviviam, mas não queria aceitar que Hugh, o conde selvagem que a desposara, perderia a vida ali, diante dela que o amava com todas as forças. O sangue corria a fio pelo tapete, manchando o corpo nu da condessa e ensopando o chão. Com uma toalha Margareth pressionou o ferimento a fim de cessar o fluxo, sentiu a respiração pesada do marido ao gemer pela dor. Apoiou-o melhor e sussurrou em seu ouvido. — Aguente firme, não posso criar seu filho sozinha. Devagar, Hugh abriu as pestanas, estava deitado de bruços, com a cabeça levemente virada para a direção do ventre dela. Deu um sorriso fraco, um novo gemido e fechou os olhos. A senhora Garden entrou no quarto como um furacão, indo direto para a condessa que chorava descontroladamente. Dois lacaios entraram em seguida, sem dirigir-se para a lady ainda nua, apoiaram o conde sobre os braços e deitaram-no na cama. As ordens seguintes da governanta foram para que buscassem o médico às pressas, e ajudassem a manter o ferimento estancado. Margareth vestiu uma camisola por cima do corpo ensanguentado, foi ao quarto de banho e deparou-se com Aila, ainda rindo como se tivesse, definitivamente, perdido o juízo. Com toda a força de sua ira, a condessa agarrou a mulher pelos braços e a enxotou dali, entregando-a a um lacaio que chegava naquele momento com mais toalhas limpas. — Não a deixe escapar. A movimentação frenética da casa fez com que uma grande comoção se desenvolvesse em toda a propriedade. Apesar de tudo, o conde sempre fora um homem bom para os funcionários, pagando-lhes conforme o combinado e metendo as mãos finas no trabalho duro quando necessário. Não havia um que não esperasse por sua morte com pesar no coração. O médico fez todo o atendimento ali mesmo, no quarto de Margareth sob seu olhar enternecido. Não havia como saber, talvez o conde sobrevivesse, talvez não. O futuro do senhor de Surrey Hall era incerto e dependia da graça de Deus ou da força do homem. Aila foi entregue ao inspetor que prontamente se dirigiu com seu grupo de apoio ao condado de Surrey. Não tinha muito o que se pudesse fazer, além de prender a moça, levá-la à justiça e rezar para que o conde sobrevivesse. A condessa não saiu do lado do marido nem por um segundo nos dias que se seguiram, baixando sua febre com banhos frios e toalhas molhadas na testa, aquecendo-o nas noites frias e conversando durante seu sono profundo, pedindo que tivesse forças e sobrevivesse por ela e pelo filho. Mal comia, mal bebia e pouco cuidara de sua própria higiene. Estava desnorteada e não suportava a ideia de deixar Hugh morrer. Foram os momentos mais difíceis que Margareth enfrentara na vida, além das visitas incômodas de nobres curiosos e da própria família que vinha especular acerca dos acontecimentos, o quadro do marido parecia estagnado e ele ao invés de se recuperar, vinha piorando, enfraquecendo e minguando. Ela já não estava certa da sobrevivência dele e chorava horas a fio. Exceto quando Madelina vinha passar algumas horas ou tomar o chá, todo o resto dia passava-se como um borrão. Hugh tivera muitos sonhos enquanto dormia sob febre alta, vira a mãe cantando no jardim, o pai convidando-o para uma pescaria, viu Aila rindo histericamente e viu os inimigos, mortos a seus pés. No entanto, quando via sua própria morte e um tumulo sem dizeres específicos era interrompido pela voz de Margareth que o acusava de estar abandonando-a. Sonhava com uma criança de cabelos negros e olhos brilhantes, sentia o cheiro de rosas do quarto e via a imagem da esposa, nua, à sua espera e de braços abertos. A febre piorou de forma a fazer Hugh espasmar durante uma madrugada inteira, Margareth que dormia a seu lado acordou assustada quando o homem começou a delirar, chamando por seu nome e debatendo-se atordoadamente. Ela lembrou-se da história dos pais de Hugh, do que a mãe fizera pelo pai e como o amor da criada salvara a vida do jovem fidalgo quase morto. Reunindo todas as forças de que dispunha, a condessa arrastou o marido pelo quarto. Mad preparou um banho morno com os óleos da condessa e com a ajuda de um lacaio forte a mulher mergulhou-se na banheira com o marido, chamando-o à razão, chorando sem parar e discutindo sobre a mania de dificultar sua vida em tudo. — Se você morrer vou odiá-lo para sempre. — Dizia entre soluços. — Não me deixe sozinha neste mundo, não sobreviverei sem você. Por toda a madrugada Margareth suportou os baques que recebia quando Hugh espasmava por causa da febre. Suas costas doíam como se queimasse, mas ela não desistiria até que ele estivesse bem ou ela mesma estivesse morta a seu lado. Quando finalmente o corpo sossegou, a condessa fechou os olhos sentindo a respiração fraca do homem que amava. Dormiu com a cabeça dele pendendo sobre seus seios. — Estou com frio. — Hugh murmurou, acordando Margareth de susto. — Oh! Deus, você está vivo! — Você está querendo me matar com essa água fria? — Ele disse com dificuldade, abrindo um meio sorriso. Nos dias decorrentes do banho gelado, Hugh teve uma melhora significativa e antes da semana seguinte se encerrar já estava de pé, dando ordens pela casa com sua voz grave e caminhando pelo campo, alegando para os companheiros que era ruim o bastante para sobreviver a uma bala e que não o desafiassem pois nem a morte o vencera. É claro que a esposa era a principal responsável por sua sobrevivência e ele deixava isso escapar com um misto de orgulho e provocação. Na temporada londrina seguinte, o casal Ruthenford apresentava aos amigos um bebe risonho, de pele pálida e bochechas rosadas, olhos azuis céu e cabelos negros como a noite. Se Margareth fosse descrever sua vida, diria que vivera como nos livros que lia na juventude, feliz para sempre, ou quase sempre, salvo quando estava em pé de guerra com o marido, coisa que sempre se resolvia à noite, sob os lençóis ou em cima do tapete novo do quarto da condessa. E o quarto do marido? Haviam transformado num belo quarto de criança, com móveis de madeira lustrosa, cortinas pintadas com nuvens fofas e um cavalinho de madeira que se mexia. Fim!
Conversa com o leitor
Olá Leitor(a) apimentado(a), Espero que tenha gostado da trajetória de Hugh e Margareth. Por favor, não deixe de comentar e dar algumas estrelinhas, sua avaliação e opinião são muito importantes para mim. Se quiser saber mais sobre o meu trabalho, pode me procurar pelo blog: http://diariohotbylilith.blogspot.com.br/ Beijos picantes...