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A esposa do conde

Lilith Al
Capa: Jéssica Gomes/ Magic Capas.
Diagramação: Lilith Al
Revisão: Susana Silva.

Todos os direitos desta obra são exclusivos da autora ©


2015.

Alguns locais e personagens são reais, entretanto a


história e os fatos descritos nesta obra são
provenientes inteiramente da imaginação da autora.
A Esposa do Conde
Margareth Sinclair é filha de um importante
lorde da Inglaterra Vitoriana, uma jovem de 20
anos que é obrigada a se casar com um conde
arrogante e muito rico.
O Conde Hugh Ruthenford, de Surrey,
esconde muito mais do que sua aparência
selvagem demonstra. Um terrível segredo que
impulsiona suas ações, inclusive sua decisão de
casar-se com a jovem e impetuosa filha do Lorde.
O casamento é apenas o primeiro de muitos
desafios que os dois enfrentarão, pois além de
aprenderem a lidar com os defeitos e a sede
sexual um do outro, terão de unir forças contra
inimigos poderosos.

CONTEÚDO ADULTO: RECOMENDADO


PARA MAIORES DE 18 ANOS!
Parte 1
O casamento
“É uma verdade universalmente reconhecida que
um homem solteiro, possuidor de uma grande
fortuna, deve estar em busca de uma esposa”

(Jane Austen – Orgulho e Preconceito).


Inglaterra, 1858.

Um

Hugh Ruthenford era com toda certeza o homem


mais rico do salão. Vestido esmeradamente com um fraque
de peito estufado e calças de sarja francesa que
afunilavam em perfeito caimento, à medida que desciam
pelas pernas fortes do conde, caminhava exultante
recebendo os cumprimentos pela cerimônia de seu
casamento. O mais impressionante, no entanto, passava
longe das roupas de alfaiataria caríssimas de Londres e
Paris. Provavelmente naquele salão fútil de pessoas da
alta classe não haveria quem ousasse dizer que o mais
chamativo naquela vistosa imagem eram os olhos. Aquele
homem podia vestir-se com a roupa que quisesse, jantar
nos mais refinados restaurantes e mesmo assim jamais
perderia o brilho felino dos olhos verde esmeraldas.
Havia um ‘quê’ de selvagem na silhueta dele e Margareth
sabia bem que, em breve descobriria o que havia por trás
do rosto impassível e charmoso do conde, afinal, agora
era sua esposa.
Margareth odiava o pai com todas as forças e
odiava ainda mais o homem arrogante com quem fora
obrigada a casar, horas antes, numa cerimônia cara que
seria capaz de alimentar boa parte de Londres. Era
inacreditável como as pessoas daquela estirpe podiam ser
vazias, fúteis e alienadas ao que ocorria no resto da
cidade. É claro que Margareth também o seria, não fossem
as conversas com a senhora Doth, a governanta velha de
aparência tímida, ancas largas e uma inteligência
negligenciada.
Margareth tinha sede de viver, queria conhecer o
mundo, ir para América e envolver-se nas lutas dos
homens sem títulos. Traçar seu próprio caminho. Mas
agora tudo estava acabado, pois o pai a obrigara a casar
com aquele homem. Ela talvez não o odiasse em outras
circunstancias. Poderia quem sabe se interessar em
desafiar seu jeito arrogante e autoritário, ou apreciar os
belos olhos verdes que refletiam uma selva diante do sol.
Podia querer aventurar-se no mundo dos mistérios que o
envolviam. .
Hugh aproximou-se da esposa apreciando a beleza
delicada da jovem que desposara. Estava claro que ela o
odiava, era uma garota voluntariosa com ideias de
liberdade das quais jamais desfrutaria. Pelo menos não na
Inglaterra de sua Majestade, a rainha Victória. O farfalhar
das saias batendo na crinolina de aço roubaram atenção
de Hugh novamente. Ele não tinha a menor pretensão de
agradar aquela jovem iludida que fora criada longe do
trabalho árduo e da dureza da vida. Mas sabia, lutara
muito para estar ali e aquele casamento o consolidava
como parte daquela sociedade que mais parecia um
pedaço de queijo, cheia de falhas e buracos. Ele era um
homem rico, forte e havia tomado para si uma das jovens
mais desejadas da elite inglesa. Se esses malditos
hipócritas soubessem... Pensou, aproximando-se ainda
mais da esposa e apreciando sua linda visão. A jovem
tinha os cabelos louros presos no alto com cachos
pendendo sobre os lindos e atentos olhos azuis. A boca
vermelha estava vincada numa linha tensa quando se virou
para o marido, forçando um sorriso frio que o teria
acertado como um tapa em qualquer outra circunstância.
— Você está muito bem nesse vestido. — Hugh
falou, olhando aquele imenso arranjo de panos que o
lembrava de um bolo grande com decoração em pedras e
flores.
— Não vejo a hora de tirar essa porcaria. —
Margareth resmungou, aceitando a mão e iniciando o
trajeto ao meio do salão para a valsa.
Hugh gargalhou. Pelo menos ela era natural, ao
contrário da maioria das jovens nobres e era linda, como
nenhuma outra que ele vira.
— Se eu soubesse que a senhorita se sentia dessa
forma teria acabado com os festejos e a levado
imediatamente para o quarto.
Margareth corou, compreendendo a insinuação
marota nos lábios de Hugh. Ela não fazia ideia do que
aconteceria na tal ‘noite de núpcias’. Ainda que estivesse
beirando os vinte anos, era completamente inocente nos
assuntos dos adultos e por mais que implorasse para que a
mãe a ensinasse, conforme o casamento ia se
aproximando, as coisas iam ficando ainda piores. Sentia-
se burra diante daquele homem que deveria ser experiente
e bruto. As palavras da mãe ecoavam em sua mente e ela
sentiu vontade de chorar: “Deite-se, feche os olhos e
deixe-o fazer o que quiser”. Aquilo era ultrajante, não ser
dona nem do próprio corpo.
Hugh ao perceber lágrimas raivosas aflorando no
delicado rosto da esposa, compadeceu-se. Imaginava as
coisas que provavelmente estariam aterrorizando-a
naquele momento e ainda que seu instinto selvagem
desejasse atacá-la ali mesmo e despi-la até sentir seu
corpo pequeno e frágil estremecendo de prazer, ele se
compadecia. Se a vida para um homem como ele, forte, já
era difícil, imaginava o quanto não seria para uma menina
sem experiência. Talvez seus planos pudessem esperar um
pouco mais... Talvez.
— Não se preocupe, não farei mal a você. — Falou,
curvando o maxilar duro na direção da manga bufante do
vestido de noiva.
Com os olhos verdes fortes ele sorriu
maliciosamente, o que provocou calafrios em Margareth.
A ponta dos lábio carnudo roçou de leve a pele do ombro
dela. A sensação de sentir o calor que emanava dos lábios
dele a deixaram tonta.
— Você está bem? — Hugh perguntou, os olhos
provocantes.
— Acho que este espartilho está querendo deixá-lo
viúvo. — Ela falou, abrindo um sorrisinho presunçoso. Se
ele queria provocá-la, podia muito bem provar um pouco
do próprio veneno.
Hugh olhou-a com admiração, não era a primeira
vez que ela o surpreendia e aquele temperamento difícil
era um verdadeiro afrodisíaco para o animal que havia
dentro dele. A ansiedade começava a aflorar por baixo
daquela roupa enfadonha e ele não via a hora de colocar
as mãos naqueles seios firmes e naquela cintura fina.
Arrancar aquele espartilho seria a melhor e mais tensa
preliminar. Teria uma noite deliciosa, pensou, ajustando a
mão delicadamente nas costas de Margareth e conduzindo-
a para a valsa.
O sangue latejava em suas veias. Hugh sentia um
misto de irritação por se vender tão facilmente para o
corpo de uma bela e impetuosa jovem e excitamento pela
expectativa de tocar o seu corpo quente. O instinto sexual
sempre fora seu maior fraco. Ainda que estivesse
completamente focado em seu plano, e jamais deixasse
nada que pudesse ser usado contra ele, o sexo sempre
prevalecia e constantemente ele precisava desaparecer
com jovens de baixa classe que o satisfaziam por algum
tempo. Talvez Margareth o surpreendesse também na
cama, mostrando-se uma verdadeira gata selvagem. Se
isso acontecesse, pouparia um bom dinheiro não
precisando pagar às jovens para sumirem de Londres
depois que se cansava delas.
As batidas compassadas da valsa aceleraram seu
coração e ele apertou a esposa um pouco mais, colando-a
vulgarmente ao seu corpo. A sensação de tê-la tão perto,
de sentir seus seios sobre o espartilho apertado o
deixaram ainda mais excitado e ele precisou se
concentrar, insuflando o ar com força seguidas vezes para
não perder os passos. Com os pensamentos em chamas ele
rodopiou Margareth que parecia flutuar no mesmo ritmo
inflamado e quente. Era inegável a energia que pulsava
ali, e ambos pareciam um único ser, deslizando
impiedosamente pelo salão como plumas sopradas ao ar.
Deixando a todos atordoados com a beleza e selvageria
da valsa. O salão aquiesceu, como se prendesse a
respiração diante da sensualidade do mais jovem casal da
nobreza, o conde e a condessa de Surrey.
Dois
Hugh entrelaçou os dedos longos aos de Margareth
logo após sentarem-se lado a lado na carruagem. Aquilo
não era comum, não era fadado a gentilezas e muito menos
a gestos de fraqueza, mas naquela noite estava de bom
humor... Ela erigiu o corpo desconfortavelmente quando
sentiu que ele aproximava demais suas pernas às dela.
Nem toda anágua do mundo seria capaz de evitar aquela
aproximação provocante. Muito menos afastar a sensação
de queimação que percorreu o corpo de Margareth, ao
sentir os dedos fortes do conde apertando sua mão
pequena.
Algumas horas se passaram no decorrer do
percurso, mas ele fizera questão de ir para a casa de
campo ao invés de ficar na propriedade da cidade.
Odiava aquele lugar e tudo que representava viver
naquele casarão cheio de criados e nenhuma paz de
espirito. A casa de campo, pelo contrário, parecia ajustar-
se melhor a ele e ao seu espirito livre. Margareth, exausta
dos últimos dias de preparativos do casamento, da
cerimônia e dos festejos sentiu dor nos olhos ao tentar
ficar acordada. Em algum momento do percurso foi
vencida pela exaustão e dormiu, deixando a cabeleira
loura cair sobre o ombro de Hugh. O cocheiro tocou
depressa por cima dos cascalhos truculentos da estradinha
que culminava na propriedade do conde. Os solavancos
arrancaram de Hugh os mais chulos xingamentos.
O ar fresco arrebatou Hugh e sossegou seus
pensamentos turbulentos. O casamento havia decorrido
satisfatoriamente, a jovem esposa apesar de voluntariosa
era bonita e sagaz, além de extremamente recatada diante
da sociedade. Exatamente o que ele precisava. O fato de o
Lorde Sinclair estar à beira da ruína havia sido um
verdadeiro presente para sua empreitada em busca da
derrocada daqueles que lhe deviam. Precisou dar alguns
empurrõezinhos, mas agora isso não tinha mais a menor
importância, em breve teria influência direta sobre o
principal lorde da câmara dos lordes. Um passo a mais
em direção ao seu destino. Voltou para a carruagem e
sacudiu Margareth. Ela despertou um pouco zonza e
confusa.
— Está em casa, condessa.
— Ham! — Margareth resmungou, jogando um
cacho rebelde para trás.
Esfregou os olhos e impulsionou o corpo pesado
pelas anáguas para sair da carruagem. Sempre que
passava por aquele tipo de situação se imaginava sendo a
rainha Victória e abolindo o uso daquela parafernália
toda. Como isso não passava de um pensamento bobo,
sonhava viver em algum lugar onde isso fosse possível.
Agora, porém, nem a esse sonho mais tinha direito pois
estava casada com aquela fera indomável que se divertia
com sua situação.
Margareth baixou os olhos por alguns instantes,
aspirando o cheiro de terra úmida que subia
deliciosamente do chão quente e poeirento. Depois de uns
poucos segundos concentrada nos aromas naturais ergueu
os imensos olhos azuis e arquejou. A propriedade era
exuberante. Um palacete com pelo menos 300 janelas,
duas torres nas extremidades e uma entrada em forma de
arco por onde facilmente passaria uma comitiva.
Dois lacaios magros vestidos de pajem
aproximaram-se do casal, curvaram-se em respeito ao
Conde e sua esposa e seguiram para a parte traseira da
carruagem, retirando um baú e duas malas. Outro dirigiu-
se em direção à porta da carruagem e, com uma
reverência esticou a mão para apoiar a nova senhora da
casa a descer. Ela desceu com esforço por causa das
crinolinas e suspirou pesado ao ser arrebatada pela brisa
fria e pelo cheiro de campo.
Margareth aproximou-se da porta, farfalhando as
saias pesadas, o braço enganchado no esposo. Uma fileira
de pelo menos 20 criados postou-se ereta diante da
entrada da mansão, homens de um lado, mulheres do
outro. Hugh estufou o peito e a voz de trovão saiu em
seguida:
— Esta é a sua senhora, Lady Margareth.
Os criados curvaram-se.
— Esta é a senhora Garden, governanta. O que
precisar dirija-se diretamente a ela, tem minha inteira
confiança.
Margareth acenou em concordância.
A senhora Garden era uma mulher beirando os
cinquenta anos, magra, alta, os cabelos esbranquiçados
presos num coque perfeito bem no alto da cabeça. Os
olhos, envolvidos por duras linhas de expressão
exprimiam atenção, inteligência e quem sabe, porque não,
afetuosidade. Margareth sempre considerara as criadas
mais velhas como tristes e cansadas, mas aquela mulher
não demonstrava nem uma coisa, nem outra. Pelo
contrário, esbanjava vigor. Com um aceno para os lacaios,
a senhora Garden dispensou os dois jovens e os demais:
— Torrance leve as bagagens da Lady Margareth
para o aposento de vestir dela. Os demais estão
dispensados. Se a senhora quiser me acompanhar vou
acomodá-la. O senhor vai precisar de alguma coisa, meu
lorde?
Hugh teve vontade de rir, ao perceber a formalidade
como a velha Gertrude recebeu sua esposa. É claro que
sempre o tratara como alguém importante, mas o conhecia
há tempo suficiente para dispensar toda aquela pompa e
circunstância.
— Não Gert, pode acomodar minha esposa.
Todos os criados, com exceção de duas jovens de
aparência sonolenta, saíram, ainda fazendo reverencias
desajeitadas que deram vontade de rir a Margareth. Ela
conteve-se apertando os lábios e pressionando os dentes.
Tinha a impressão de estar em uma peça teatral onde os
personagens tinham seus lugares e papeis definidos, mas
que não sabiam como encenar.
Quando Lady Margareth se retirou, sendo escoltada
pela senhora Garden e as duas criadas, deu um olhar de
relance para Hugh, que arqueou uma sobrancelha e sorriu
com apenas um dos lados do rosto, fazendo uma pequena
covinha salientar-se sedutoramente.
O conde seguiu para a biblioteca, serviu-se de um
cálice de licor e sorveu a dose vagarosamente, apreciando
a penumbra do aposento. O cheiro dos livros empoeirados
sempre provocara muitos espirros em Hugh quando era
menino, agora porém, provocava-lhe uma sensação
agradável de poder, de imponência. Ele era, sem dúvida,
um homem poderoso.
Mad, a criada designada pela senhora Garden para
os últimos cuidados com a patroa, penteava
delicadamente os cachos louros e rebeldes de Margareth.
Sem todos aqueles babados e anáguas ela era uma mulher
pequena e delicada e a criada gostou de tocar os cabelos
sedosos.
A jovem condessa sentia seus músculos tensos e
estava ansiosa. Não sabia exatamente o que aconteceria
ali naquele quarto, mas sabia que o marido deveria
consumar a união imediatamente e que os homens
costumavam gostar do que quer que fosse a tal
consumação, enquanto as mulheres deveriam apenas se
submeter e definitivamente não sentir nada a respeito.
Estava em dúvida se deveria fingir que gostara ou
mostrar-se indiferente. Sua mãe lhe dissera para ser
totalmente indiferente ao que ocorresse, mas Margareth
sabia que Hugh não era bem o tipo de Conde com quem a
família imaginara que ela casaria. Estava mais para uma
fera selvagem só a custo domada sob uma camada de
panos e uma cartola. Mas Margareth suspeitava que fosse
possível gostar de um marido, sonhara por muitos anos
com as histórias que lera nos romances, e almejava ser tão
feliz quanto a própria Rainha Victória demonstrava, com
seu consorte o príncipe Albert. Em poucos instantes
descobriria e isso a estava deixando nauseada. Decidiu
esperar e ver como se sentia a respeito, não tinha
pretensão de dizer nada que não fosse a verdade, mesmo
se isso significasse ofender o belo marido conde.
Hugh subiu para os aposentos da esposa quase uma
hora depois. Já era tarde e ele tinha os sentidos um pouco
entorpecidos pelo licor e pelo vinho do casamento.
Margareth estava sentada na cama fofa, um livro
diante dos imensos olhos azuis. Os cachos dourados sob a
luz de uma lamparina serpenteavam rebeldes pelo colo e
costas da jovem. Hugh olhou com atenção, ela vestia um
camisolão branco macio e estava um pouco ofegante,
sentiu vontade de tomá-la ali mesmo, arrancar aquela
coisa horrível que vestia e consumar a união no chão, sob
o tapete felpudo em que pisava naquele momento. Diante
da lareira que crepitava ruidosamente.
Os olhos dos dois encontraram-se por uns poucos
segundos, o suficiente para arrancar um suspiro de tensão
de Margareth. Hugh começou a despir-se. Margareth
prendeu a respiração à medida que o marido ia tirando as
camadas de roupas. Quando exibiu o peitoral bronzeado e
definido, Margareth estreitou os olhos e sentiu um leve
formigamento entre as pernas. Um calor percorreu o corpo
e ela sentiu que sua face corava. Baixou os olhos
envergonhada.
Hugh aproximou-se da cama completamente nu. Os
olhos de Margareth focalizaram os do marido que parecia
um gato arisco, pronto a dar o bote numa ratazana.
Margareth engoliu em seco à medida que seus olhos foram
percorrendo o seu corpo musculoso. Ele sorriu com a
investigação minuciosa de Margareth. Ela levantou-se um
pouco trôpega e ficou parada diante dele, os olhos baixos
e confusos.
Hugh tirou o camisolão de Margareth e deixou-a
completamente nua, sem qualquer anágua para fazê-la
sentir-se menos boba ou insegura. A condessa tinha um
corpo lindo, juvenil com a cintura muito fina por causa
dos espartilhos que usara por anos, o busto farto e firme, e
uma cabeleira castanho clara no meio das pernas.
Imediatamente Hugh sentiu sua ereção e o desejo crescer
em seu corpo. Sempre gostara de ter belas mulheres
aquecendo sua cama, mas aquela parecia diferente,
indefesa, inexperiente e sua. Sem contar que era da elite, o
que o deixava ainda mais com o gosto da vitória na boca.
Hugh aproximou-se de Margareth, levantou seu
queixo e beijou seus lábios. Ela não retribuiu o beijo do
marido. Embora estivesse tentada a abrir a boca e render-
se, as palavras da mãe ecoavam em sua mente. Ela era
uma moça decente, não podia gostar do que viria a seguir,
mesmo que suas partes intimas dissessem o contrário. Os
dedos de Hugh tocaram o pescoço de Margareth e ela
arquejou.
— Está com medo? — Ele sussurrou no ouvido de
Margareth.
— Não. — Ela mentiu, subitamente cheia de
coragem.
— Pois deveria, é o que as boas damas sentem na
primeira noite de casada.
— Talvez eu não seja uma boa dama. — Ela ergueu
os olhos desafiadora.
— Você sabe o que vai acontecer?
Hugh falou, deslizando os dedos vagarosamente até
um dos seios de Margareth.
— Não, mas minha mãe disse que eu devo fechar
meus olhos e esperar que o senhor acabe.
— É o que você pretende fazer?
— É o que o senhor quer que eu faça?
Hugh apertou o seio de Margareth que arquejou, os
olhos ainda focalizados nos dele.
— Não sei ainda o que quero de você.
Os dedos de Hugh desceram pela cintura de
Margareth, provocando arrepios inexplicáveis na garota.
Ela sentia-se ao mesmo tempo aterrorizada e tomada por
um desejo louco de jogar-se nos braços daquele estranho.
O clima escurecido, o cheiro dele, a visão de sua pele,
tudo de repente parecia propicio para ela render-se, mas
assim como o Conde, ela não era qualquer uma e como um
animal arisco olhou-o no exato instante que ele apertou
suas nádegas com força. Margareth gritou, projetando o
corpo para o lado e levando uma das mãos a um tapa que
tomou o homem de susto.
— Mas o que deu em você? — Hugh berrou.
— Quem você pensa que é? — Foi a única coisa
que veio à mente assustada de Margareth. — Você me
machucou.
— E você se achou no direito de me esbofetear por
isso? Pois saiba que muitos maridos espancam
diariamente suas esposas. E todas aceitam muito bem...
Margareth não disse nada. Hugh aproximou o corpo
viril da jovem que encolheu-se com medo. Naquele
momento teria jogado-a na cama e feito amor
enlouquecidamente. A reação impulsiva da garota o
excitara. Hugh a tomou nos braços e a beijou com força.
Mas agora ela estava assustada demais para perceber as
intenções dele.
Apavorada lutou, tentando desvencilhar-se,
esperneou e gritou. Hugh beijou-a novamente e Margareth
mordeu seu lábio inferior. Quando ele finalmente a jogou
na cama com fúria, ela rodopiou e foi parar no outro lado
do quarto, assustada, segurando um candelabro dourado
cujas velas caíram no chão.
— Se você se aproximar eu... eu...
Hugh gargalhou histericamente. Esperava que a
qualquer momento ela começasse a chorar e se rendesse à
sua vontade, como aconteceria com qualquer mulher. Mas
Margareth estava decidida a não dar esse gosto ao conde
e se ele tentasse tocá-la com aquela brutalidade o
acertaria bem no meio da testa e se ele morresse, melhor.
Passar a vida como uma viúva solitária era mil vezes
melhor do que ceder à brutalidade insana daquele homem.
— Abaixe isso. — Hugh crispou furioso,
aproximando-se.
— Não se aproxime!
Ele tentou se aproximar, mas ela esquivou-se mais
um pouco, ainda com o artefato empunhado como se fosse
uma espada ou uma marreta.
— Um dia você vai implorar para que eu a toque,
sua maluca. — Hugh falou abrindo a porta lateral que
dava para o quarto contíguo, seu quarto. Saiu furioso
batendo com raiva a porta às suas costas.
Quando esta fechou com estrondo, Margareth
desabou, tremendo e chorando.
Três

Margareth enfiou-se debaixo dos cobertores, ainda


sentindo as mãos e as pernas tremulas. Não tinha mais
forças para chorar e sentia-se além de humilhada,
tremendamente assustada. Sabia que desrespeitara o
marido, mas não podia deixar que ele se aproveitasse de
sua situação para subjugá-la de forma tão monstruosa.
Fechou os olhos e tentou dormir. Virou seguidas vezes de
um lado para o outro, mas os nervos estavam
tremendamente agitados e o sono não veio. Ficou
acordada por um bom pedaço da noite, em silêncio. No
meio da madrugada um barulho chamou sua atenção. Um
gemido constante, ao longe. Um som abafado pelas
paredes reforçadas da mansão.
Margareth levantou um pouco confusa, a escuridão
só a custo suportada pelo medo de rever o marido.
Caminhou em silêncio pelo quarto, tentando averiguar de
onde vinha o som estranho. Parou diante da porta de
ligação com o quarto do marido e encostou a cabeça.
Prendeu a respiração quando um gemido rouco passou
pela madeira grossa e encontrou seus ouvidos. Uma voz
feminina sobressaiu-se, mas ela não compreendeu o que
dizia.
Outro gemido e Margareth não conseguiu aguentar.
Sem pensar, abriu a porta com brusquidão e gritou ao ver
o que ocorria no quarto.
Uma jovem com uma enorme cabeleira ruiva estava
deitada sobre a cama, nua, a cabeça movimentando-se
mecanicamente para cima e para baixo na direção do
órgão íntimo do marido. E como antes, ele estava ereto e
firme. Hugh estremecendo, o olhar vidrado de prazer.
— Mas... mas o que está acontecendo aqui? —
Margareth esbravejou, olhando para a cabeça ruiva que
subia e descia freneticamente.
Hugh olhou em sua direção e sorriu. A ruiva
levantou os olhos do membro e Margareth teve um
vislumbre do órgão ereto. Era grande, firme e estava
molhado. Ela nunca vira um antes, mas imaginou que seria
aquilo o ato de consumar o casamento. Ficou um pouco
tonta.
— Ela está fazendo o que você não quis... — Hugh
riu, puxando a ruíva para cima e deitando-a de costas na
cama.
Margareth ameaçou sair do quarto furiosa, mas
Hugh ordenou que ficasse, sentasse e abrisse bem os
olhos.
Ela obedeceu, atônita com a arrogância daquele
maldito homem. E tremendamente assustada para
contrariá-lo.
Hugh passou os dedos pelo corpo da mulher ruiva,
partindo dos seios pequenos onde apertou e mordiscou-os,
seguindo pelo ventre liso e findando-se na cabeleira negra
entre as pernas. Começou a acaricia-la com rapidez,
colocando e tirando um dedo da fenda escondida entre os
pelos. A mulher gemeu e Hugh beijou-lhe os lábios
molhados. Margareth sentiu náuseas, mas não disse nada.
Continuou com os olhos vidrados na cena do marido
tomando outra mulher. À medida que ele intensificava os
movimentos, ela arquejava, erguendo de leve os quadris e
a pélvis.
Hugh abriu as pernas da ruiva e ajeitou-se entre
elas, enfiando com força seu membro ereto e fazendo-a
gemer alto. Começou a estocar e a mulher cruzou as
pernas em sua cintura, gemendo cada vez mais alto. Pouco
depois intensificou os movimentos de vaivém e a ruiva
começou a acompanhar o ritmo, indo e vindo no mesmo
compasso que o Conde.
Hugh estremeceu instantes depois, no exato
momento em que Margareth derramava lágrimas de fúria e
vergonha. Ele olhou em seus olhos quando o ato chegou ao
ápice. Margareth sentiu que sua vida e seus sonhos
desmoronavam ali mesmo. Um misto de ódio, tristeza e
frustração a invadiu. Aquela ruiva abusada estava
divertindo-se com aquilo e isso a chateou ainda mais.
Depois de alguns instantes Hugh virou a mulher com
brusquidão, posicionando-a com os joelhos sobre a cama.
Ela curvou um pouco o ventre para baixo e afastou as
pernas, deixando à mostra as nádegas e a fenda
avermelhada parcialmente coberta por pelos. Hugh
encaixou-se entre as nádegas dela, estocando o membro
ainda ereto diversas vezes. Apertou a nádega da mulher
que gemeu mais uma vez, depois passou os dedos por suas
costas e cravou-os nos seios dela, puxando-a com força
em sua direção e empurrando em seguida. Ela continuou a
gemer e Hugh não demorou a estremecer novamente,
apertando a cintura da ruíva, fazendo-a gritar de prazer.
Margareth correu para o quarto, abandonando os
dois em pleno ato de consumação do seu casamento.
Fechou a porta e deixou o corpo lentamente pender.
Sentada no piso frio, recostou a cabeça na porta, fechou
os olhos e pensou em tudo o que vira. Depois de alguns
minutos enfiou-se novamente na cama, sem ânimo sequer
para chorar. Quando finalmente dormiu, sonhou que estava
no lugar da ruiva e que gostava do que ele lhe fazia.
Quando Hugh percebeu que Margareth saiu do
quarto ficou frustrado. Queria não apenas humilhá-la mas
também fazê-la sentir o desejo que ele estava sentindo.
Casara-se com uma jovem sem a menor noção do mundo,
mas com coragem o bastante para enfrentá-lo com um
candelabro, ameaçando-o como se fosse mesmo capaz de
acertá-lo antes dele arrancar o objeto de seus dedos e
derrubá-la. Podia tê-la tomado à força e antes de a ruiva
ir ao seu quarto, estava mesmo pensando nisso. Ficou
excitado apenas por lembrar-se dos cabelos cacheados
caindo rebeldes sobre os seios firmes. Quando Aila, a
criada ruiva que volta e meia o visitava, bateu à porta,
Hugh chegou a pensar que a esposa mudara de ideia e
nesse caso faria um discurso bobo sobre as posições de
cada um no casamento e depois a tomaria com vontade,
faria com ela tudo pelo que vinha imaginando desde que
propusera o enlace a seu pai . Dormiria com ela aninhada
ao seu peito e pela manhã a faria descobrir o prazer que
ele poderia proporcionar, deixando-a completamente à
mercê de seus desejos sexuais.
Ver Aila, segurando a vela e vestida apenas com um
camisão de linho grosseiro, as pernas torneadas de fora e
sem nenhuma roupa de baixo, coisa que as mulheres
pobres pouco usavam, a princípio o deixara ressentido,
depois a cena acabara por convencê-lo a quebrar os
votos. Estava furioso e excitado. Descarregar sua ira num
sexo selvagem com Aila era apenas um pequeno castigo
para Margareth, a lady mimada que desposara e que o
rejeitara, como se fosse superior demais para ele. Se
soubesse de seu passado, provavelmente teria certeza.
Quando Margareth irrompera pela porta de ligação
dos quartos, ele sentira uma pontada de culpa tomar seu
corpo e chegara a pensar em pedir perdão, por humilhar
aquela com quem deveria passar o resto da vida, levando
uma criada imunda para sua cama, cama que deveria estar
desfrutando com a esposa. Os olhos aterrorizados da
moça o deixaram ainda mais confuso. Fora, no entanto, a
voz inquisitória dela que despertara novamente a raiva de
Hugh. Ele a obrigara a assistir ao coito grosseiro que
tivera com a criada. Olhando diretamente para seus olhos
quando chegava ao ápice do prazer.
A ruiva sorriu afetuosamente para ele, aninhando-se
em seu peito como um gatinho prestes a ronronar. Hugh
afastou a cabeleira ruiva e a empurrou para longe de seu
corpo suado.
— O que foi meu conde? — Ela voltou a
aproximar-se, enrolando-se no lençol macio.
— Você já pode ir.
— Mas eu quero ficar. — Passou a mão no peito do
conde, descendo com a ponta dos dedos vagarosamente
até à virilha e massageando-o com delicadeza.
— Eu disse que você já pode ir. — Hugh falou,
tirando a mão de Aila de sua virilha e empurrando-a para
fora da cama.
— É por causa dela? É por isso que não posso ficar
aqui com você?
— Veja como fala comigo, nesta casa você é apenas
uma criada.
Aila pulou novamente para cama, acariciando os
próprios seios.
— Ela não pode fazer isso, nem mesmo saberia o
que fazer para agradá-lo, Vossa Graça. É só uma garota
mimada que nem mesmo quer o senhor.
Hugh pegou Aila pelos braços e chacoalhou-a com
fúria. Só o que lhe faltava era que aquela maldita criada
se achasse no direito de dizer qualquer coisa a respeito de
sua esposa.
— Meça suas palavras para falar da Condessa. Ela
é a sua senhora e você está aqui agora só porque ela não
quis estar. Você entendeu?
Os olhos da ruiva estreitaram-se com raiva. Hugh
jogou-a para fora da cama. Aila caiu sentada no chão frio
e resmungou ao apanhar seu camisolão.
— Vossa Graça... — Aila falou, fazendo uma
reverencia forçada. Saiu batendo a porta do quarto e
jurando que alguém iria pagar por aquilo.
Hugh deitou-se de costas, olhando para o teto
enegrecido pela penumbra mantida pela pouca iluminação
das velas. Quando dormiu, sonhou que fazia amor sob a
luz da lua com Margareth e ela chamava seu nome,
implorando para que ele a penetrasse.
Quatro

Margareth acordou sentindo a cabeça latejar e o


estomago roncar. Tivera uma noite péssima e sentia cada
parte de seu corpo dolorida e tensa. Com o travesseiro
pesado de plumas abafou o rosto, forçando seus olhos a
não chorarem. Depois de mais algum tempo cansou-se da
cama e resolveu que era o momento de enfrentar a
situação e o maldito tirano louco com quem casara. Saiu
do quarto vestindo apenas um chambre de seda fina sobre
a camisolona. Estava em bodas e isso dava-lhe o direito a
certas liberdades, como andar sem as anáguas ou a
crinolina, pelo menos por alguns momentos. Aproveitaria
cada segundo da liberdade de não ter de usar aquelas
roupas apertadas e pesadas.
Desceu a imensa escadaria a passos lentos,
aspirando o cheiro de madeira que invadia suas narinas. O
odor de óleo sobre o corrimão era árido e pinicou seu
nariz. Margareth encaminhou-se para a cozinha principal,
onde ouviu a movimentação frenética de criados. Entrou
no recinto e surpreendeu-se com o seu tamanho. Sem
qualquer sombra de dúvidas caberiam ali pelo menos dez
famílias, perfeitamente acomodadas e em mesas grandes.
Hugh estava parado com uma faca pequena na mão,
descascando uma maçã e falando coisas aleatórias com a
Sra. Garden.
A governanta levantou os olhos na direção de
Margareth e Hugh silenciou-se, virando devagar na mesma
direção. Estava sem camisa e os músculos dourados
refletiam com o feixe de luz que irrompia pela fresta da
cortina da imensa janela. Margareth prendeu a respiração
ao ver o corpo forte do Conde, depois olhou para a
governanta e sorriu-lhe afetuosamente.
— Bom dia Senhora Garden.
— Bom dia, vossa graça. — A governanta retribuiu
o sorriso com honestidade. — Vou providenciar para que
as criadas subam e ajudem-na a vestir-se.
— Fico muito grata, mas antes gostaria de tomar
meu café da manhã.
— Quer que leve ao seu quarto?
— De forma alguma, vou comer aqui mesmo.
Hugh arqueou uma sobrancelha. Imaginava que ela
fosse passar o dia inteiro trancada. Quando finalmente
saísse do aposento, iria implorar para ser mandada de
volta para o pai, o lorde falido que ficara satisfeito de
praticamente vender a jovem e linda filha insolente. Mais
uma vez, Margareth surpreendia Hugh, não apenas saíra
do quarto cedo, como também resolvera tomar o café na
cozinha, em meio aos criados e sem a menor compostura
com as roupas. Aquela mulher parecia uma égua xucra,
capaz de pastar mansa ou dar coices ao ser tocada.
Alguém teria de domá-la.
— Dormiu bem, minha querida? — Hugh perguntou
provocante, enquanto Margareth ajeitava-se na mesa e as
criadas preparavam sua refeição.
— Não posso imaginar que um dia tenha dormido
melhor, meu esposo. — Ela falou, o sorriso beirando a
ironia.
Hugh ficou surpreso.
— Tudo estava satisfatório nos seus aposentos?
— Ah! Sim, a senhora Garden foi muito competente.
Acho apenas que vou precisar de um pequeno biombo.
Talvez um desses artigos franceses com entalhes de flores.
— Um biombo?
— Sim, ao lado da cama.
— E para que você precisaria de um biombo? Você
tem seu quarto de vestir.
— Eu sei, eu sei. Não passo de uma garota mimada,
mas sempre sonhei em ter um biombo, como nos livros
que leio — Ela falou, soltando uma gargalhada em
seguida.
Todas as criadas olharam-na surpresas. Imaginaram
uma senhora muito mais arrogante, mas aquela jovem tinha
um riso fácil, comia animadamente diante das criadas e
falava bobagens provocando o recém esposado Conde.
— Você não precisa de um biombo.
— Ora, mas é claro que não preciso. Não preciso
de nada. — Ela lançou lhe um olhar inocente. — Estava
apenas brincando. O quarto é maravilhoso, a senhora
Garden providenciou até para que minhas caixinhas de
joias fossem dispostas sobre a penteadeira. Tudo bonito e
arrumado.
Hugh sentiu-se ainda mais confuso, sem saber se ela
falava sério ou se mais uma vez fazia chacota de sua falta
de trato com mulheres.
— Aquele quarto é maior do que a casa de muitos
trabalhadores, o senhor sabia? — Margareth ficou séria.
— Imagino que sim.
— Sim, também imagino e acho que uma pessoa
nem mesmo precisaria de tanto luxo por uma vida inteira.
As criadas arquejaram horrorizadas. Aquela jovem
ousada falava com autoridade sobre coisas que
provavelmente nunca entenderia.
— De qualquer forma eu não poderia ser tratada
melhor. — Margareth falou muito séria.
Tomou o chá e comeu um pedaço de bolo, soltando
pequenos suspiros deliciados, seguidos de gemidos quase
imperceptíveis. Tudo estava delicioso, mas ela não tinha
realmente fome. Muito pelo contrário, seu estômago
estava embrulhado e ela forçara a comida pela goela
abaixo, apenas para provar ao conde que era confiante e
dona de si mesma. Se aquele maldito achava que poderia
humilhá-la, ele que se sentasse diante de uma lareira e
ficasse esperando, pois ela nunca mais permitiria isso.
— Bom, vou me vestir, gostaria de dar um passeio
pela propriedade ainda pela manhã.
Hugh não disse nada, estava envolvido num misto
de confusão, choque e fascínio. Margareth soltou um
longo suspiro pensativo, virou-se para a governanta e
soltou:
— Ah! Senhora Garden, peça que... Como é mesmo
o nome da criada ruiva que conheci ontem, meu lorde? —
tocou de leve o braço forte do conde, abrindo-lhe um
sorriso falso.
— Aila. — Hugh respondeu com mau humor,
sentindo as bochechas esquentarem de raiva.
— Esta mesma. Senhora Garden, peça que Aila vá
imediatamente ao meu quarto, quero que ela me ajude com
o espartilho e pode pedir que Mad também vá. É Mad,
não é? Quero dizer, o nome daquela criada simpática que
me penteou os cabelos ontem...
— É Mad, vossa graça. — A senhora Garden falou,
sorrindo com delicadeza para a condessa.
— Pois bem, peça a Mad e a Aila que subam para
ajudar a vestir-me, o quanto antes.
— Como desejar, vossa graça. — A governanta
curvou-se com respeito.
— Esposo. — Margareth falou, o dedo tocando de
leve o braço forte do Conde.
Ele apenas acenou com a cabeça. Margareth saiu da
cozinha e subiu as escadas sentindo o coração palpitar
forte, como se quisesse sair pela boca. A respiração
ofegante e a sensação de vitória se misturavam. Um jovem
criado tirava o pó dos vãos da escada. Ao perceber a
aproximação da condessa erigiu o corpo e virou-se para
frente, baixando a cabeça em sinal de respeito. O tipo de
coisa que deixava Margareth ainda mais furiosa:
formalidades da realeza. As coisas naquela casa
aconteciam de forma diferente. Apesar de ser filha de um
lorde muito rico, mas sem nenhum título de nobreza,
acostumara-se ao meio dos nobres, cujos chás da tarde e
as conversas tediosas a deixavam profundamente
chateada. Nunca dissera nada a ninguém, nem mesmo à
prima Sophie, com quem brincara na infância e discutira
amenidades na adolescência. Entrou no quarto e jogou-se
na cama, respirando profundamente várias vezes.
Aila chegou ao quarto da lady poucos instantes
depois, curvou-se e rangeu os dentes quando Margareth
começou a despir-se. Mad bateu na porta em seguida, fez
uma reverência graciosa e postou-se a auxiliar a Condessa
imediatamente. Quando chegou o momento de apertar o
espartilho, Margareth fez um gesto para Mad afastar-se e
para que Aila se aproximasse.
— Já viu um destes antes, Aila? — A voz de
Margareth saia desdenhosa.
— Não muitos, vossa Graça.
— Imaginei, este tipo de veste é para moças de boa
família. Custam muito caro. — Falou num tom frio, sem
olhar para a reles criada.
Aila não disse nada, passando as fitas decorativas e
fazendo pequenos laços.
— Então, o que você acha? Estou parecendo uma
moça de boa família? — Margareth continuou sem se
dirigir especifícamente para nenhuma das criadas e
apreciando-se no espelho.
Mad aproximou-se sorridente:
— A senhora está linda, lady.
— Penteie meus cabelos Mad. — Margareth falou,
caminhando até à penteadeira.
— Pois não, vossa Graça. — Mad falou, pegando a
escova de cabelo animadamente.
— Mas penteie direito, pois devo estar muito bonita
para meu esposo. Vamos passear pela propriedade, quero
conhecer aquilo que pertencerá ao meu filho, um dia. —
os olhos de Margareth cravaram-se em Aila que rangia os
dentes com raiva.
— O que você está fazendo aí parada? Leve meus
sapatos para limpar, pois pegaram muita poeira na viagem
e aproveite para levar minhas roupas de baixo, certifique-
se pessoalmente de deixá-las alvas.
Aila passou a recolher mecanicamente, rangendo os
dentes a cada nova peça de roupa ou botinha que inseria
na pilha. Antes de sair fez uma reverencia desajeitada.
Depois virou-se para a porta e deu o primeiro passo.
— Aila, espere. — Margareth crispou num tom
autoritário.
A criada voltou para o aposento de vestir, as mãos
cheias de roupas intimas, anáguas e dois pares de
botinhas.
— Sua reverência. Faça-a novamente.
— O quê?
— Você não pode ficar andando pela minha casa
sem ao menos saber como se curvar diante da sua senhora.
Repita-a, agora!
Aila cravou os dentes no lábio inferior e curvou-se.
— De novo! — Margareth ordenou saboreando a
pouca humilhação que podia causar naquela criatura
vulgar que ousara deitar na cama do conde. — Faça isso
direito criatura, você serve a um conde, não a um lorde
qualquer!
Aila curvou-se novamente, desta vez forçou o corpo
a fazer a reverência corretamente. Aquela lady mimada
pagaria caro pelo que a estava fazendo sentir.
— Saia! — Margareth ordenou, virando-se para
Mad e dando-lhe um sorriso maroto.
Mad ficou em silêncio, seguindo a condessa de
volta para o quarto de vestir. A lição em Aila era
merecida, mas também dolorosa. Trabalhou a meia hora
seguinte em silencio, garantindo que sua senhora estivesse
impecável para o passeio pela propriedade.
Aila não tornou a ser vista pelo resto do dia.
Cinco
Havia centenas de criados pela propriedade,
considerada a menor nos domínios do Conde. Há cerca de
dois ou três anos Hugh caíra nas graças do Príncipe.
Margareth não tinha absoluta certeza do motivo pelo qual
isso ocorrera, ouvira boatos sobre ele ter evitado um
acidente de caça, nada mais profundo ou realmente
justificativo, mas pelo jeito fora o suficiente para
aproximar o conde da família real e a ele ser cedido o
título de nobreza real. Aquilo era raro, mas não
impossível. Não podia negar que apesar do jeito
selvagem, ele tinha carisma e era sempre muito elegante,
exceto quando tentava dominá-la
Hugh tinha verdadeira aversão à câmara dos
lordes, embora tivesse assumido sua posição liberal
quando o pai morrera. Mal ele tinha um segredo. Ainda
que ninguém jamais tivesse sonhado, sentia-se muitas
vezes consternado e ávido por livrar-se de tudo aquilo.
Sua missão o impelia a continuar, era um conde e ponto
final.
Todos esperavam que desposasse a filha de algum
Conde ou outro nobre tão rico quanto ele ou ainda mais, e
cuja filha tivesse um opulento dote. Esperavam que
tentasse uma esposa de linhagem superior, a filha de um
duque talvez. Mas não. Hugh surpreendera a todos ao
fazer formalmente o pedido de casamento para uma
família influente, mas sem nenhum título de nobreza e
muito possivelmente em sérios problemas financeiros. A
princípio chocara a muitos, mas como a jovem Margareth
detinha beleza extraordinária e modos indiscutíveis, e
como o jovem Conde de trinta anos não estava muito
interessado na opinião de conselheiros, tudo acabou
ficando por isso mesmo.
No dia da cerimônia não foram poupados gastos. O
conde exibiu sua bela e jovem esposa durante uma valsa
que deixara a todos extasiados. Ninguém duvidava de que
estivesse perdidamente apaixonado por ela. Portanto,
agora, Margareth era a Condessa de uma região muito
prospera que fora liderada pelas mãos de ferro do pai de
Hugh. O que ela jamais imaginaria é que o belo e
selvagem conde tinha um segredo. Se soubesse, talvez
tivesse gostado um pouco mais do marido.
O conde estava sentado diante da enorme mesa da
biblioteca. O ambiente era abafado e ele o enchia de
fumaça com seu charuto de odor árido. Aila entrou e fez
uma reverência, depois deu dois passos na sua direção,
baixando a cabeça de forma respeitosa.
— Meu amo...
— O que a Condessa queria de você? — Hugh
perguntou sem alterar o semblante ríspido.
Aila não respondeu de imediato, pois não sabia que
palavras usar para descrever a humilhação a que fora
exposta. Uma coisa era ceder aos caprichos sexuais do
Senhor da casa, outra era o convívio diário. Por algum
tempo até almejara ser desposada pelo Conde, por uma
paixão avassaladora ser transformada na condessa de
Surrey, uma das regiões mais prósperas de toda a
Inglaterra. Mas quando a Condessa chegou, uma moça
elegante, de modos impecáveis e aparência exuberante,
compreendeu que jamais haveria lugar para uma criada
como ela na vida dele.
— Estou esperando...
— Queria ajuda com o espartilho.
— E o que mais?
— Saber se eu já tocara num antes e deixar claro
que somente moças de boa família podem ter um, pois
custa muito caro. — Ela falou, rangendo os dentes de
raiva, os olhos ainda virados para o chão.
— Ah! Sim, isso é um fato. O que mais?
— Queria que a ajudasse a ficar bonita para um
passeio com o senhor, para conhecer a propriedade que
um dia será do vosso filho.
Hugh alteou as sobrancelhas. Nunca pensara em
filhos, tudo o que via pela frente era a sede de vingança
que corria em suas veias como o sangue herdado dos pais.
Filhos. Seria ele um bom pai?
Pensou por mais alguns instantes e compreendeu.
Nunca se tratara de um filho e sim de Aila. Margareth
queria colocá-la em seu lugar, mostrar quem deveria
esquentar a cama dele. Sorriu em pensamento.
Margareth era uma jovem temperamental, já
percebera, mas pelo visto era astuta e rancorosa e
aproveitara a oportunidade para humilhar a criada,
quando na verdade o maior culpado de tudo era ele
mesmo que muitas vezes chamara a criada para esquentar
sua cama e satisfazer suas necessidades sexuais. Ele não
esperava por isso, tinha certeza de que em algum momento
aquela jovem voluntariosa acabaria cedendo e mostrando-
se como qualquer outra esposa normal, submissa. Isso
seria um desafio, mas estava disposto a tentar. Começava
ali um cabo de guerra entre o conde e a condessa.
Depois de passear ao lado da esposa em silêncio
sepulcral, o conde a deixou em sua sala privada e foi para
a biblioteca, sentou-se diante da escrivaninha, uma imensa
mesa forrada de couro, ao estilo gótico. Acendeu seu
charuto e ficou pensativo. Nitidamente a esposa tinha
repulsa dele e isso parecia ter o efeito contrário ao
esperado, acendendo ainda mais a chama de atração e
desejo dentro dele. Pensava em muitas maneiras de tocá-
la, imaginava-a gemendo sob seu toque e extasiando com
o clímax. Pensava nas noites ardentes e nas coisas a que
gostaria de submetê-la. Mas ela não era uma criada e, tê-
lo na sua cama poderia levar muito tempo e muitas
discussões. Hugh precisava pensar sobre isso.
Um criado magro vestido alinhadamente bateu
levemente à porta, quando o conde resmungou uma
permissão, entrou, curvou-se em deferência e baixou os
olhos.
— O que foi?
— Lady Margareth pediu para avisá-lo que o chá
será servido em alguns instantes.
— Está certo.
— Vossa Graça... — O lacaio saiu, fazendo uma
reverência.
Hugh continuou sentado, tragando o charuto
lentamente e pensando no que poderia fazer para ter
aquela mulher em sua cama. Poderia agradá-la com
presentes, jóias, ou simplesmente dar-lhe uma bela surra e
possuí-la à força. De qualquer forma nenhuma das opções
o agradava muito. Pensou um pouco mais e então teve uma
ideia.
Hugh saiu da biblioteca com a mente fervilhando.
Sabia exatamente como provocar aquela garota insolente e
faria isso com muita satisfação.
Margareth estava na cozinha principal falando
animadamente com a senhora Garden sobre coisas que
queria mudar na casa, como os muitos vidros embaçados
que gostaria de manter sempre limpos. Hugh entrou como
um furacão. Os criados reverenciaram-no com deferência,
mas Margareth manteve-se impassível.
— O que está fazendo?
— Passando algumas ordens à senhora Garden. —
Ela disse, o olhar ainda na direção anterior. — Senhora
Garden, mande servir o chá imediatamente.
— Sim, vossa Graça.
— Está se divertindo pelo jeito... — Hugh falou
ironicamente.
— Provavelmente não tanto quanto você! —
Margareth retrucou, passando por ele com um farfalhar
agitado de saias.
— Não vire as costas pra mim quando falo com
você!
Seis
O plano de seduzir e conquistar a jovem condessa
com pequenas insinuações e provocações sexuais havia
sido derrubado por sua maldita boca grande. Por que
simplesmente não a elogiara? Por que deveria implicar
com a mulher quando cuidava dos afazeres domésticos?
Era mesmo um grande cabeça dura. Mas a culpa era dela
também, sempre com a língua ferina e respostas de tirar
qualquer um do sério.
— Quem você pensa que é para falar comigo desta
forma? — Margareth gritou, virando-se na direção do
conde.
O corredor estreito de repente ficava pequeno
demais para os dois.
— Eu sou seu marido! — Hugh rebateu, os olhos
verdes claros fitando-a com fúria.
— Exatamente, caro conde. — Margareth
aproximou-se dele vagarosamente, como uma fera prestes
a dar o bote. Seus olhos fitavam-no com uma expressão
determinada. — Eu sou sua esposa, não sua criada. Não
me falte com o respeito que o mesmo não acontecerá com
o senhor.
Ela falou, o dedo em riste e com um tom frio de
arrepiar. Depois virou-se com as saias farfalhantes. Hugh
saiu em seu encalço.
— Você é uma mulher muito atrevida. Alguém
precisa colocá-la no seu devido lugar! — Hugh
esbravejou, puxando-a pelo braço e obrigando a encará-
lo.
— E por acaso essa pessoa seria o senhor?
— Com toda certeza! — O conde crispou,
levantando a mão e preparando-se para esbofeteá-la.
— Pois pense melhor! — Margareth aproximou-se
dele, levantando o queixo, os olhos faiscantes e furiosos.
Hugh congelou com o enfrentamento, não estava
acostumado a ser questionado, ainda mais por uma mulher,
sua mulher.
— O quê? — inquiriu, atônito.
Agora Margareth estava muito próxima a ele e isso
o deixou com o coração acelerado. Estavam separados
apenas pelo imenso volume da parte inferior do vestido
da condessa, cuja crinolina de aço que era coberta por
algumas anáguas e o vestido florido com babados e
desenhos de flores nas mangas, o impediam de chegar
mais perto.
— Só tenho uma coisa a lhe dizer, meu caro conde.
Nosso casamento ainda não foi consumado e aposto que o
senhor odiaria que um escândalo chegasse aos ouvidos da
Rainha Victória. Eu soube que ela preza muito pela moral.
Aposto que ficaria horrorizada com a minha descrição a
respeito da nossa noite de núpcias.
Hugh arquejou. Aquela mulherzinha desgraçada o
estava deixando maluco.
— Quem você pensa que é?
— Eu sou a esposa de um conde que prefere deitar-
se com criadas à esposa!
— Sua...
— Você achou mesmo que o deixaria me tratar
como se fosse uma dessas criadas sujas com quem se
diverte?
— Eu sou seu maldito marido, posso fazer o que
quiser com você.
— Quando o senhor resolver tratar-me como
mereço, a porta do meu quarto estará aberta. A não ser
que não queira um herdeiro...
— Quando quiser um, terei, com ou sem seu
consentimento.
— Tem certeza disso? — Os olhos dela o
fuzilavam.
— Você é uma megera!
— E você um tirano!
Hugh segurou Margareth pelos braços e chacoalhou-
a com força. Ela forçou-se a não gritar, nunca mais lhe
daria o gostinho dele a ver assustada e humilhada.
— O que você quer de mim afinal? — Hugh
berrava, ainda chacoalhando os braços magros de
Margareth.
A jovem tirou as mãos do marido de seus braços e
esfregou-os com delicadeza. Depois arrumou os cabelos,
olhando-se num imenso espelho adornado por pequenos
cristais, na parede ao lado. Caminhando calmamente, saiu
do corredor e entrou na sala de jantar pouco iluminada.
Respirou fundo seguidas vezes para impedir que um grito
de terror escapasse de seu peito. Cerrou os punhos e
cravou as unhas nas palmas fechadas. Se começasse a
tremer, provavelmente perderia o controle e sairia aos
berros, desesperada.
Hugh seguiu-a. Mal percebendo a presença
silenciosa dele, ela soltou:
— O que eu quero não importa. E sim o que eu não
quero.
— E o que você não quer? — Hugh falou, puxando
a cadeira para que a esposa sentasse diante da imensa
mesa escura, de repente recuperado do debate acirrado.
Margareth tinha vontade de gritar na cara dele: Não
quero que aja como uma fera bruta e selvagem. Mas não o
fez. Com toda a serenidade de que descobriu dispor, olhou
diretamente para as esferas verdes e furiosas, sorrindo.
— Não quero ver mais aquela criada imunda
deitada na sua cama, seja nesta casa, ou em qualquer outro
lugar. Na verdade, não é correto que você se deite com
qualquer mulher além de mim.
— Como você ousa falar esse tipo de coisa? Você é
uma dama, ou deveria ser pelo menos. — O conde crispou
aturdito.
— Você não estava preocupado com isso ontem à
noite.
Hugh engoliu em seco.
— Você me mandou embora ou esqueceu-se disso?
— Ele esbravejou para o olhar irônico da condessa.
Margareth bufou, estalou a língua e continuou:
— Não quero mais seus ataques. Comporte-se como
o Conde que você é, com um título de alteza real. Isso
deve valer alguma coisa pra você.
Hugh bateu com os punhos fechados sobre a mesa e
Margareth pulou assustada. Os dois se mantiveram em
silêncio por alguns instantes.
— Esta é a minha casa, tudo aqui pertence a mim,
inclusive você.
— Se o senhor não estiver satisfeito pode me
devolver ao meu pai, o fato de não termos consumado o
casamento poderia resolver o assunto.
— E provocar um escândalo?
Margareth deu de ombros.
— Você não tem medo do que poderia acontecer
com você? — Hugh perguntou, mais curioso do que outra
coisa.
— Eu sei exatamente o que aconteceria comigo.
Ele esperou pelo que viria a seguir.
— Meu pai passaria horas me dizendo que eu fora
capaz de estragar sua vida e desgraçá-lo para toda a
sociedade por gerações, depois me enviaria para um
convento ou, se fosse possível, me forçaria a casar com
alguém de linhagem inferior à sua e o assunto ficaria
encerrado. Talvez me aplicasse um castigo, mas não estou
certa disso.
— E você estaria disposta a viver sem tudo isso,
apenas para me contrariar? — Hugh falou, olhando ao
redor.
Margareth sorriu ironicamente.
— E o que o faz pensar que me importo com o que
tem?
— Se não se importa, porque aceitou meu pedido de
casamento?
— Porque fui obrigada.
— Você é mesmo uma megera.
— O senhor já disse isso.
— Pois saiba que não vou devolvê-la e também não
vou ao seu quarto, não até que me implore. Me deitarei
com quantas criadas quiser. Se você não se comportar
como deve, vou dar-lhe o tipo de castigo que merece. —
Hugh recuperara o controle e falava friamente. — E que
se exploda o que a rainha acha ou deixa de achar.
Margareth cerrou os punhos, a fúria só a custo
mantida sob um semblante frio e indiferente. Aquele
maldito conde era mesmo uma fera. Mas ele teria o que
merece.
Sete

— O que você estava dizendo? — Margareth


perguntou, os olhos ainda voltados para o vidro embaçado
da janela na sala de café.
— Que daremos uma festa em uma ou duas
semanas. Provavelmente depois voltaremos para a cidade.
— Ah! — Ela falou, insuflando o ar com força.
— O que foi? Não quer dar uma festa, também? —
Hugh resmungou, bebericando o café.
— Não é isso. Só não gostaria de voltar a cidade
tão cedo.
— Porque? — Hugh se viu perguntando,
completamente surpreso.
Há menos de uma hora os dois haviam discutido de
tal forma que faltara apenas se engalfinhar, rolando pelo
chão aos socos e pontapés. Agora, ela estava sentada
olhando a vista da imensa propriedade pela janela. Ele
bebericava um café forte e amargo, os pensamentos ainda
tumultuados por causa da briga com a esposa. E agora, ela
simplesmente não queria ir para a cidade? Será que ela
queria enlouquece-lo?
— Gosto daqui. — Ela disse com sinceridade.
— Eu também.
Os dois olharam-se por uma fração de segundo,
depois, ela voltou os olhos azuis para um livro de Dickens
e ele continuou com o café.
— Você saberá como organizar tudo?
— Saberei. A senhora Garden me ajudará.
— Ótimo.
Hugh levantou-se para sair.
— O que devo dizer se perguntarem sobre nós?
— Diga o que quiser. — Ele respondeu e saiu.
Os dois não voltaram a ver-se pelo resto da noite.
Margareth ceou no quarto e Hugh não dera as caras.
Nenhum dos dois ousara tentar abrir a porta de conexão
dos quartos. Depois de um dia exaustivo, ela não demorou
a pegar no sono.
No meio da madrugada, Margareth despertou. A
cabeça latejando e o corpo queimando. Estaria ela com
febre? Levantou devagar e seguiu até a bacia, despejou um
pouco de água com a jarra de louça fina que Mad
abasteceu logo cedo e molhou o rosto, a nunca e os
punhos. Foi até a janela e abriu a cortina. A noite escura
estava banhada apenas pela beleza da lua, cheia e
pomposa. Com dificuldade Margareth abriu a janela e
deixou o vento forte fustiga lhe as faces rosadas e quentes.
Aspirou profundamente o ar da noite e sentiu o aroma das
damas da noite. Fechou as janelas e voltou para a cama.
Antes de deitar porém, escutou. Com os sentidos em
alerta ela ficou imóvel diante da cama. Não moveu um
músculo sequer, tentando discernir melhor aquele
barulhinho ao longe. Não é possível. Margareth pensou,
sentindo a fúria esquentar seu sangue e tremer suas mãos
pequenas. Aquele maldito conde estava fazendo de novo.
Pé ante pé ela caminhou na direção da porta de
ligação dos quartos. Encostou a cabeça com cuidado para
não fazer barulho e ficou ouvindo.
Os gemidos do outro lado da porta e o barulho da
cama rangendo provocavam-lhe um nó na garganta e uma
ânsia brutal. Tinha vontade de entrar lá, esbofetear aquela
maldita criada abusada e fazer coisa pior com aquele
demônio com quem se casara. Mas se ele pensava que ela
ia ceder aos seus joguinhos, ele estava muito enganado.
Mesmo que sua vontade fosse irromper pela porta e fazer
um escândalo para toda a Inglaterra escutar, ela não faria.
Aguentaria firma e daria o troco. Tanto Aila, quando
Hugh, pagariam caro pelo que estavam-na fazendo passar.
Margareth continuou com a cabeça colada à porta,
respirando lentamente e mantendo os nervos sob rédeas
muito curtas.
Do outro lado da porta, Hugh estava começando a
ficar impaciente. Sabia que Margareth estava acordada,
ouvira quando ela derramara água na bacia e abrira a
janela. Aquele havia sido o momento pelo qual tanto
esperara. Ela finalmente estaria desperta o suficiente para
ouvi-lo.
Assim que ela fechou as janelas Hugh fez um
meneio de cabeça para Aila que em cima da cama
começou a gemer. Ele caminhou até a porta de ligação dos
quartos e colocou a cabeça rente à porta, tentando
perceber se ela se movimentava.
Aila estava com a cara fechada, preferia gemer
quando o conde a estivesse cavalgando, mas se ele
mandava ela obedecia, portanto, pulando e gemendo na
cama, ela fingia estar nas nuvens sob caricias
enlouquecedoras do conde.
Hugh foi até a criada que estava com sua blusa
semiaberta e sua saia de lá suja sobre seus lençóis. Sentiu
repulsa ao vê-la daquela forma, mas não disse nada.
— Você não está fazendo barulho suficiente.
— Desculpe amo. — Aila apressou-se em dizer.
— Trate de se animar mais.
— Talvez se o senhor viesse aqui me ajudar, eu
conseguisse me sair melhor.
— Pare de falar besteiras e faça o que mandei.
— Sim, amo.
Aila recomeçou a gemer, fazendo a cama ranger
ritmicamente. Hugh bufava, andando de um lado para o
outro. Passara a chave na porta, sabia que Margareth
irromperia por aquela porta enlouquecida e ficaria ainda
mais furiosa quando descobrisse que estava trancada. Ele
demoraria para abrir, depois acabaria mostrando quem
realmente era o amo da casa. Mas ela não veio, nem
colando o ouvido com toda força na porta, Hugh
conseguiu ouvir qualquer movimentação. Aquela maldita
mulher, ou estava dormindo como uma égua velha e
cansada e pouco se importava com o mundo a sua volta,
ou estava acordada, ouvindo tudo e pouco se importando
com ele. Ele descobriria e ela pagaria caro por isso.
— Pare com isso! — O conde disparou furioso para
Aila que se encolheu.
— Porque o senhor não vem aqui e deixa que eu
cuido do senhor? — A criada falou, com seu sotaque
cadenciado das classes inferiores.
Aila começou a tirar a parte de cima de seu
uniforme, mas Hugh não estava com ânimo para aquela
criatura.
— Vista-se. Dê-se o respeito, pelo amor de Deus
mulher. Vista-se.
— Mas amo...
— E pare de me chamar assim. Saia daqui!
Aila sentou com os pés para fora da cama. Um misto
de raiva e frustração em seu rosto.
— Mas... O senhor é mesmo um homem cruel.
Ela falou, depois recolheu suas botinas surradas e
saiu. Nesse momento, Hugh sentiu-se culpado. Não apenas
por usar uma jovem criada que só fazia o que ele mandava
e de bom grado, como também provocava e humilhava a
esposa, uma jovem sem nenhuma experiência que se
assustara com sua brutalidade e por isso reagira de forma
tão escandalosa. Se ao menos ele tivesse pensado a
respeito, se tivesse compreendido melhor a situação,
agora, nada disso estaria acontecendo.
Hugh afastou os pensamentos culpados da mente,
depois bateu os lençóis com força e despiu-se,
mergulhando o corpo nu sob uma grossa cobertura de lá.
Rolou na cama pelo resto da noite, sem pregar o olho por
um segundo sequer.
Pouco antes de levantar, resolveu descarregar as
energias contidas nos últimos dias. Fechou os olhos e
começou a massagear seu membro. De início não pensara
em nada e por isso nada acontecera. Ficara irrequieto e
indignado. Começou a pensar em Aila, seu corpo nu sendo
dominado e gemendo sob seu toque, mas o membro entre
seus dedos pouco deu sinal de erigir-se. Hugh sentou na
cama, frustrado. Ele estava ficando louco, nem masturbar-
se mais conseguia. E de quem era a culpa?
Margareth.
Pouco a pouco a imagem da loura rebelde surgira
diante de sua visão. Primeiro com o vestido pesado,
andando de um lado para o outro, farfalhando as anáguas e
balançando os braços graciosamente. Contrafeito, Hugh
constatou que o membro começava a ficar ereto. Poderia
parar ali, dizendo a si mesmo que não sentia nada pela
jovem condessa, que pouco se importava com seu corpo
jovem e quente, mas não estava com vontade de mentir,
nem mesmo para sua própria consciência. Aos poucos a
lembrança da noite do casamento se fez viva em sua
mente. Margareth nua, os seios fartos e firmes, o arrepio
que percorreu seu corpo quando ele a tocou. Logo, antes
que a memória estragasse o momento, Hugh começou a
fantasiar, imaginando o que poderia ter feito com
Margareth na noite de núpcias. Teria passado seus dedos
longos pelo corpo dela tranquilamente, várias vezes.
Depois deixaria os dedos passearem por sua nuca e
envolveria a cabeleira loura desde a raiz, enganchando-os
como uma garra de urso, os cabelos louros ficariam
presos entre seus dedos, sedosos. Puxaria sua cabeça para
junto de seu rosto e beijaria seus lábios carnudos até que
ela ficasse sem ar. Quando estivesse ofegante, a deitaria
na cama e abriria suas pernas. Apreciaria seu corpo nu
por algum tempo e depois, finalmente, mergulharia sobre
o tufo de pelos claros que cobriam a parte mais feminina
dela. Imaginou-se fazendo-a gemer e arranhando suas
costas. Imaginou-a chamando seu nome e pedindo mais.
Imaginou-se penetrando-a e ela seguindo seu ritmo com os
quadris e os dois chegando juntos ao ápice.
Quando abriu os olhos, havia ejaculado sobre os
lençóis.
Oito
Quando Hugh desceu para o café o dia já estava a
todo vapor na propriedade. Os criados andavam de um
lado para o outro, alvoroçados, carregando caixotes de
madeira, malharias, baldes cheios de água e panos. As
Criadas caminhavam a passos rápidos, executando
variadas funções. O que quer que se tivesse passado ali,
as estava deixando como formigas operárias. Hugh parou
no meio da escada, observando abismado a movimentação
frenética. Margareth. Pensou.
Hugh sentou-se à mesa com um olhar confuso.
Margareth juntou-se a ele instantes depois, ainda
envolvida com seus afazeres. Deu ordens à senhora
Garden e pediu a Mad que mandasse chamar Aila. Quando
sentou-se, finalmente, parecia radiante e Hugh não pôde
deixar de cogitar se ela havia ou não ouvido o suposto ato
selvagem com a criada.
— Bom dia. — Margareth falou-lhe, dando um
sorrisinho simpático que não deixava transparecer em
nada seus sentimentos reais.
Talvez ela não tivesse ouvido.
— Vejo que acordou cedo e colocou a casa a
funcionar como uma locomotiva.
— Ah! — Ela sorriu. — Colocar uma casa dessa
proporção nos eixos não é tarefa fácil, ainda mais quando
se tem uma festa a preparar.
Dessa vez, quem sorriu foi Hugh.
— Acho que em breve teremos que redecorar a casa
inteira, mas por enquanto não temos tempo, então farei o
meu melhor. — Margareth declarou.
— Fico muito satisfeito com isso.
— Obrigada.
Mad apareceu na porta seguida por Aila, as duas
curvaram-se e baixaram suas cabeças para o chão.
— Vossa Graça. — Mad falou.
Margareth virou bem devagar o corpo esguio e
sorriu para sua criada. Gostava de Mad e odiava Aila.
Uma conta simples. Faria o impossível para tratar aquela
maldita abusada como merecia, ou ainda pior.
— Mad, quem costuma recolher os penicos pela
manhã?
Hugh engasgou com o chá.
— Eu ou alguma outra criada. A senhora Garden
costuma determinar as nossas funções.
— Pois informe a senhora Garden que a partir de
hoje a responsável por esta tarefa será a Aila. Estão
dispensadas.
As duas jovens fizeram uma mesura e sairam.
— Ah! Mais uma coisa. Certifique-se de limpar
também os penicos da ala das criadas.
Aila arregalou os olhos, Mad ficou muda e Hugh
engoliu em seco um gole de chá. Era óbvio que ela ouvira
o barulho durante a noite passada e, se não podia se
vingar dele, então vingava-se da criada. Pobre Aila,
pensou Hugh por alguns instantes. Os pensamentos em
Aila foram afastados pelo sorriso meigo que Margareth
deu-lhe ao tornar a se virar para a mesa. Apesar do
sorriso, Margareth só conseguia pensar em vingança.
— Amanhã a senhora Garden providenciará para
que a lista de compras seja enviada às devidas lojas em
Londres. Você acha que devemos enviar convites ou será
um evento menos formal?
— Não sei. — Hugh respondeu com sinceridade.
— Neste caso, acho melhor enviarmos. Depois
pedirei à senhora Garden para fazer a lista de convidados
com você.
— Está bem.
Hugh estava atônito. Margareth era uma mulher
linda, de olhar juvenil e meigo, mas por dentro era um
mistério, parecia dona de um ódio ferrenho, capaz de
humilhar até mesmo uma criada. Jamais imaginara que ela
poderia ser aquele tipo de pessoa.
— Por que você fez isso?
— Por que fiz o quê?
— Por que chamou a criada aqui para dizer-lhe que
vai limpar penicos?
— Ah! Desculpe, sei que devo passar essas coisas
para a senhora Garden, mas ela está muito ocupada com
os afazeres da recepção.
— Não se faça de tola Margareth. Você fez de
propósito.
— Agora você vai querer se meter nos afazeres
domésticos também?
— Mas que diabos mulher, que tipo de pessoa é
você? Uma megera?
Margareth eriçou um dedo na direção dos olhos
verdes do conde.
— Escute bem, Hugh Ruthenford. Que esta seja a
última vez que me chama de megera. As criadas são
minhas, eu faço o que bem entendo com elas. Mas será
que nem mesmo pela manhã podemos comer em paz?
— As criadas são suas, coisa nenhuma!
— Como não? Por acaso não sou a senhora dessa
maldita casa?
— Não pragueje!
— Por quê? Você pode e eu não?
— Exatamente.
— Você é completamente louco!
— E você é uma abusada.
— A única coisa que fiz foi o meu dever, cuidar da
casa do meu marido, minha casa.
— Minha casa!
— Por que se casou comigo, conde? Se esta casa é
sua, se as criadas são suas, se todo o mundo é seu, por que
você precisa de uma esposa? Pelo jeito não há lugar nesta
casa para mim. — Margareth prostrou-se, fazendo menção
de deixá-lo sozinho.
— Eu não disse isso.
— Se a minha presença é tão desagradável, se tudo
o que faço o atinge. Se você queria aquela criada imunda
na sua cama, por que não a desposou?
— Você só pode estar brincando. Como ousa dizer
uma coisa dessas?
— Ah! Não me venha com essa conversinha de sou
o conde... Toda Londres já sabe que você é excêntrico.
Acho que ninguém se importaria se tivesse se casado com
a criada.
— Por que você não é como as outras mulheres?
— E por que eu deveria ser?
— Porque é o certo.
— Vamos começar com essa conversa novamente?
Acho que o senhor tem uma certa afinidade com a
violência contra as mulheres...
— Eu deveria ter escolhido outra noiva.
— É, deveria mesmo... — Margareth silenciou-se
por um momento.
Hugh já achava que a discussão estava terminada
quando um sorriso maroto brotou nos lábios da condessa.
— Aposto que Betsy espinhenta seria a esposa
perfeita.
— Quem?
— Betsy espinhenta. Filha dos Rockfeller.
Cabeleira de leão, espinhas por todo o rosto, grande
volume... — Margareth encheu as bochechas de ar e abriu
os braços fazendo o contorno de um círculo por seu corpo.
Hugh soltou uma gargalhada.
— Acho que o dote dela deve ser bem melhor que o
meu. — Continuou ela.
— O pai dela me fez uma proposta tentadora. —
Hugh falou, bebericando o chá.
— Aposto que agora você está arrependido, tenho
certeza de que ela adoraria seus beliscões...
Hugh levantou os olhos verdes na direção dos dela
e deu um sorriso charmoso, por dentro Margareth sentia-
se em êxtase. Não apenas por enfrentar o marido e pelo
riso natural e honesto dele, mas também por estar
divertindo-se. Aquela conversa absurda, a briga, tudo a
levava a crer que ele era uma fera, egoísta e brutal, mas
aquele sorriso charmoso, aquele olhar... bom, aquilo dizia
algo diferente.
— Ela faria tudo que eu mandasse, definitivamente.
— Imagino que sim. Ela é bem simpática, sempre
tenta agradar, mas geralmente se torna entediante depois
de poucos instantes.
— Você por outro lado...
— Eu deveria ter nascido um homem.
Hugh engasgou, cuspindo o chá para todo o lado.
Limpou os lábios com o lenço e lançou um olhar confuso
para ela. Nunca vira uma mulher falar daquele jeito e já
tinha visto muitas mulheres, inclusive as de baixa moral.
— Sempre gostei de correr, montar pôneis, subir em
árvores e esfolar meus joelhos. Acho que sou mesmo uma
péssima dama.
— Jamais imaginaria isso de você. — Hugh falou
sorrindo.
Margareth estava gostando da conversa. Era sincera
sobre ela mesma e ele parecia apreciá-la. Mas esquecer o
que ele a fizera passar nos últimos dias era um risco que
poderia ser fatal.
— Bom, se me der licença vou para o meu quarto.
— Por quê? — Hugh pareceu alarmado.
— A casa é sua, lembra-se? Se não tenho nada a
fazer devo me recolher. Passe bem o dia, esposo.
Margareth saiu apressada, deixando Hugh com um
nó na garganta. Não sabia exatamente o que estava
sentindo, se culpa por fazer a esposa sentir-se mal em sua
própria casa, ou se vitorioso por fazê-la pôr-se em seu
devido lugar. Mas o que está acontecendo com você,
Hugh? Pensou. Será que está amolecendo?
— Você tem um plano e ela é apenas parte disso. —
Ele falou consigo mesmo, depois mergulhou um biscoito
no chá e o comeu.
Nove
É claro que Margareth não ia passar o dia todo
remoendo trancada no quarto. Esperaria apenas o conde
sair para qualquer coisa que fosse e então voltaria a
dominar a casa, antes que perdesse as rédeas da
criadagem e principalmente de Aila, que por sinal deveria
estar furiosa. Bem feito, pensou Margareth. Esse é o
castigo para quem se deita na cama do marido alheio.
Era mesmo uma jovem de coragem e tinha orgulho
de defender sua honra, mesmo que de uma forma nada
convencional. Se fosse um homem, talvez tivesse chamado
Aila para um duelo à moda antiga, mas como era uma
dama e nem mesmo poderia sair aos tapas com a criada,
tinha que armar um jeito de vingar-se dela. E de mostrar a
Hugh seu devido lugar.
A senhora Garden andava de um lado para o outro
bufando. Margareth desceu as escadas animada, logo após
Mad avisá-la da saída do marido. Segundo ela, ele fora a
um encontro de homens do parlamento. Margareth dera de
cara com um olhar tenso da senhora Garden logo no sopé
da escada, mas ela estava de bom humor e não queria
chatear-se. Entretanto, tinha um espirito bondoso, apesar
das pequenas maldades que vinha provando ser capaz nos
últimos dias.
— Senhora Garden, pelo amor de Deus, abra um
sorriso ou do contrário vai ficar velha rápido demais.
A senhora Garden foi pega de surpresa por aquele
comentário. Era muito incomum que as ladys nobres e
mulheres da alta classe tivessem mais do que um contato
formal com os empregados, mas essa jovem parecia se
importar bem pouco com as convenções.
Margareth terminou de descer as escadas com dois
pulinhos, passou os braços pequenos sobre os ombros
fortes e duros da senhora Garden e a impeliu para a
cozinha.
— Acho que a senhora precisa de um descanso e de
um chá.
A senhora Garden não fazia ideia do que responder.
Margareth era surpreendente, capaz de encher cada
cômodo do imenso casarão, com seu sorriso, seu perfume,
seus modos graciosos e sua voz aveludada. Era uma
menina mimada, de fato, mas havia uma doçura nela que
não parecia pertencer a alta classe. A governanta sentiu-se
comovida com o gesto.
— Mad, sirva imediatamente um bom chá para a
senhora Garden e aqueles biscoitos amanteigados que
derretem na boca. Prepare uma bacia com água quente
para descansar os pés dela.
Todos os criados ficaram atônitos.
Hugh preferiu almoçar no clube com alguns outros
nobres, fumando charutos e falando sobre política, não
que tivesse algo importante a fazer, geralmente a nobreza
não fazia mesmo absolutamente nada, mas precisava
começar a colocar seus planos em prática, e estreitar
relações com alguns daqueles senhores era inevitável. O
problema é que seus pensamentos ainda estavam em casa,
em Margareth e seu jeito de confundi-lo.
— Então Hugh meu velho, pensei que não o
veríamos aqui tão cedo... — Falou Charles, filho do
Duque de Paxton, um homem de nariz adunco, bigode feio
e olhos imensos.
— Tenho alguns assuntos que não podem esperar.
— É isso, ou será que você está velho demais para
sua jovem esposa? — O homem gargalhou, provocando
risadas alvoroçadas dos demais.
— Não tão velho quanto essa sua barriga está
grande... — Hugh provocou, tinha apenas trinta anos e um
corpo atlético, ao contrário da maioria dos nobres,
inclusive os Paxton.
Charles Paxton era um maldito arrogante e seu pai,
um dos homens que estavam na lista negra de Hugh. É
claro que provocar o futuro duque de Paxton poderia ser
arriscado, mas Hugh tinha o temperamento forte e todos o
conheciam o suficiente para saber que uma provocação
direcionada a ele poderia resultar numa resposta
desagradável ou numa rinha de homens. O filho do duque
tinha quarenta anos, uma barriga que salientava-se a cada
ano e um par de olhos de peixe morto, uma papada sob o
pescoço e pernas que jamais se ajustavam às roupas
elegantes e formais que ele usava. Era o primogênito do
duque. O herdeiro que fora obrigado a casar com uma
mulher cuja barriga deveria ser ainda maior que a dele e
cujos boatos era de que o odiava tanto ou mais do que um
padre odeia o demônio. Os Paxton estavam na lista de
Hugh. Não que Charles tivesse cometido algum crime
contra Hugh, mas era filho do duque. Se um teria de pagar,
o outro também. Se um recebia o título do outro, também
deveria receber seus pecados e Hugh trataria de cobrar,
tanto ao pai quanto ao filho.
Exatamente como Hugh imaginara, o almoço fora
absurdamente desagradável. Charles era o tipo de
aristocrata em que o povo adoraria colocar as mãos
imundas, era cruel com seus criados, frio com as pessoas
e se considerava tão importante quanto a própria rainha e
seu consorte. Hugh fizera um tremendo esforço para
suportar aquela presença pedante.
O outro acompanhante do almoço, o jovem Leonard,
por outro lado era o carisma em pessoa. Com feições
aristocráticas e maneiras impecáveis, depois de Hugh
casar-se havia se tornado o solteiro mais cobiçado pela
sociedade. De família nobre próspera, cujas ligações
políticas e familiares se davam com o lado do consorte da
rainha, não havia mãe que não sonhasse em casar sua filha
com ele. Mas Leonard não parecia muito intencionado em
se casar e gostava muito do que a vida podia lhe
proporcionar enquanto solteiro. Era jovem e ansiava em
desfrutar da juventude. Hugh nada tinha contra o garoto,
achava-o um pouco imprudente, mas muito divertido, era
sempre curioso e estava sempre disposto a uma boa
história. Entretanto, tê-lo como aliado significava muito
mais do que uma simples amizade, significava um afim no
parlamento. Se a saúde do pai continuasse a definhar, em
breve o jovem assumiria seu lugar e Hugh poderia
precisar de sua ajuda para destruir aqueles que lhe
deviam. Ele tinha algumas ideias de como estreitar laços
com o jovem, mas tudo deveria vir com o tempo, a
recepção que daria em sua casa era uma delas. Coisa
pequena. Pensou, dando outra tragada no charuto e
soltando a baforada em seguida. A derrocada ainda está
por vir.
— De fato, meu caro Leonard, se eu não tivesse
obrigações reais, estaria em casa. — Hugh sorriu.
O rapaz que beirava os vinte e um anos e ainda
deveria ter os hormônios à flor da pele arqueou as
sobrancelhas com curiosidade.
— Sabe o que é melhor de se ter uma bela e linda
jovem esposa à sua espera?
— O quê? Seios?
— Não seja tolo, isso você encontra em qualquer
lugar.
Hugh percebeu que Charles prestava atenção.
— Quando você se casar escolha uma bela mulher,
que o ame e se derreta para você, então entenderá. —
Hugh sorriu, vendo a decepção formar-se no rosto de
Charles.
Os cavalheiros permaneceram em silêncio por
alguns instantes.
— Ouvi alguns boatos... — Falou Charles,
baforando seu charuto.
— Boatos?
— Sobre um certo casamento não ter sido
consumado ainda... — Charles provocou. — Imaginem o
escândalo...
Com toda certeza, alguma criada contara a outra e a
história provavelmente já havia se espalhado por toda
Londres. Além de humilhado em casa, agora também no
clube e na cidade. Margareth estava se saindo um prejuízo
maior do que ele poderia imaginar.
— Bom, não consigo imaginar como esse coitado
deva se sentir... — Falou Hugh, um sorriso amarelo no
rosto.
— Um casamento não consumado? — Leonardo
questionou. — Não sabia que isso era possível?
— Dizem que algumas senhoras são tão frias que
não deixam seus maridos tocá-las nem depois do
casamento. — Charles falou, um olhar maroto para Hugh.
Hugh queria esganá-lo, mas manteve seus nervos e
tentou pensar em algo que não fosse descortês demais
para dizer. Não podia perder a compostura.
— Pensei que fofoca fosse coisa de senhoras...
Leonard gargalhou. Hugh o acompanhou.
— Bom, senhores, preciso me retirar. — Falou,
soltando um risinho insinuante. — Sabe como são os
primeiros meses de casamento...
— Hugh, por que você não viajou em núpcias? —
Leonard questionou antes de se despedir.
— Meu sogro precisa dos meus conselhos em
alguns assuntos, e agora que meu pai faleceu, tive de
assumir meu lugar na câmara dos lordes. Mas espero que
em breve possa dar a minha esposa a viagem que ela
merece.
— Por acaso estão sem dinheiro para a lua-de-mel?
— Charles falou, olhando desafiadoramente para os olhos
verdes furiosos de Hugh. — Ou será que sua esposa só
não quer correr o risco de ficar muito tempo sozinha com
você?
Aquilo era mais do que uma afronta. Era um
desrespeito completo. Jamais um homem entraria num
assunto como aquele e jamais um homem desrespeitaria o
outro daquela forma. Hugh tinha todo o direito de acertá-
lo ali mesmo, seria justificável, mas ao invés disso
engoliu em seco para não voar aos socos e pontapés para
cima daquele maldito. Tinha de ser frio e calculista
quando o assunto se tratava de seu segredo.
Pensou por um instante e então voltou a sentar-se.
— Sabe Leonard, acho muito indelicado falar sobre
esse tipo de coisa, mas como você é meu amigo vou
contar como foi a minha primeira noite com minha esposa.
Hugh começou a narrar detalhadamente, sem o
menor pudor, como se tudo fosse absolutamente normal.
Evitou os detalhes mais diretos sobre o corpo da esposa,
mas falou absolutamente tudo. Bom, tudo o que fantasiara
naquela manhã. Quando acabou sua narrativa, Leonard
estava constrangido, tentando esconder uma ereção
juvenil, Charles estava estupefato e Hugh com vontade de
trucidar alguém.
Mesmo depois, no meio do caminho de volta para
Surrey Hall, ainda tinha os punhos cerrados e os nervos
irados. Teria de convencer Margareth a ser a melhor das
esposas com ele diante daqueles malditos porcos,
principalmente de Paxton.
Quando chegou, se trancou na sala de fumar e ficou
lá sentado em silêncio e no escuro. Precisava pensar e ali
era o melhor lugar que conhecia para isso.
Margareth estava sentada perto da janela, a
lamparina iluminando um exemplar de Dickens, presente
de Hugh. Quando ele perguntara a ela o que poderia lhe
regalar de casamento, além das coisas habituais, ela para
seu espanto e de toda família pedira um livro de Charles
Dickens.
— Entenda vossa graça, meu pai não me deixa ler
muito, ele acha que as mulheres devem se ocupar com
coisas mais adequadas, então se puder escolher, gostaria
de um livro de Charles Dickens, ouvi dizer que é um bom
autor.
— Mas qual deles a senhorita gostaria? — Hugh
perguntara, instigado e fascinado pela moça. Estava
preparado para ouvir algo como: “o que o senhor achar
melhor” ou “uma joia” ainda seria plausível, mas ela
pedira um livro e ele ficara bestificado.
— Ainda não li nenhum livro dele, então escolha
aquele que mais o agradar. Ficarei muito grata.
Pensara tanto em Margareth nos dias que
antecediam a cerimonia que na hora de escolher um livro
para presenteá-la não conseguiu decidir o que poderia ser
ou não adequado para uma jovem como ela, linda,
inteligente e de boa família. Lembrou-se do que seu pai
sempre dizia: “Uma pessoa instruída, Hugh, é uma pessoa
capaz de pensar por si mesmo”. No dia seguinte mandara
entregar um baú na casa dela com vários livros do autor e
outros que ele mesmo havia lido na sua juventude e que
pegara de sua biblioteca em Surrey Hall, a casa que tanto
amava. No bilhete com a caligrafia impecável dizia: Você
terá todos os livros que quiser.
Naquele dia, Margareth sentira-se a mulher mais
sortuda do mundo, havia sido o baú de livros que os
lacaios desembarcaram em sua primeira noite em Surrey
Hall. Ela amava os livros que ele lhe dera, e chegara a
pensar que poderia amá-lo também, mas as coisas iam de
mal a pior e começava agora a achar que acabaria morta
pelas mãos do marido insano.
Aila bateu na porta e entrou. Fez uma mesura
silenciosa e esperou com os olhos baixos que Margareth
autorizasse sua fala.
— O que você quer?
— É que o conde me mandou aqui para prepará-la.
— Me preparar para quê?
O sotaque cadenciado da criada titubeou um pouco,
então ela se aproximou e disse:
— Ele virá ao seu quarto agora, me mandou deixá-
la pronta.
Margareth não disse nada. Se o marido estava indo
ao seu quarto para tomá-la, por pior que pudesse ser, era
sua obrigação como esposa ceder. Era também uma
vitória, Margareth não implorara e ele acabara cedendo.
Se ele fosse bruto, ela o acertaria com o candelabro, se
fosse carinhoso ela seria uma boa esposa. Se não gostasse
do que aconteceria, faria como a mãe ensinara, fecharia
seus olhos e esperaria pelo final. A única coisa com a
qual não se conformava era ele ter mandado aquela
maldita criada para prepará-la. Ele era mesmo um
arrogante. Com um aceno um pouco contrafeito Margareth
aceitou que a criada se aproximasse.
Aila tirou o camisolão de linho macio de Margareth,
penteou seus cabelos, passou gotas de perfume por seu
corpo e a fez deitar-se de olhos fechados. Colocou um
pano cobrindo seus olhos e disse que as ordens do conde
eram para que, em hipótese alguma ela os abrisse.
Margareth protestou um pouco, mas a criada dera de
ombros dizendo que só obedecia ao conde.
Margareth engoliu em seco, fechou os olhos, sentiu
o tecido grosso comprimindo-os e ficou em silêncio.
Alguns minutos depois, um par de mãos afastou suas
pernas bem devagar. Um dedo percorreu o contorno de
sua intimidade, roçando de leve no tufo de pelos.
Margareth sentiu um arrepio percorrer a espinha e
queimar sua genitália. Não sabia se isso era correto, mas
a sensação do marido tocá-la era boa, tinha de admitir.
Algo molhado tocou-a entre as pernas e ela
arquejou. Será que era o que ela estava pensando? Será
que era mesmo o que estava imaginando? À medida que
os movimentos estavam se tornando mais fluidos ela
sentia uma queimação intensa. E teve certeza que era a
língua de Hugh quando ele a passou na parte interna de
sua coxa. Ela arquejou levantando os quadris. Se aquilo
era consumar o casamento, ela queria mais, muito mais.
Queria se jogar nos braços do marido e pedir que ele
colocasse dentro dela seu membro. Será que ele estava
ereto como no dia do casamento?
Ela pensara em abrir os olhos, mas as sensações de
prazer a estavam deixando tonta e extasiada ao mesmo
tempo. Além de que ele não queria que ela o visse
fazendo aquilo. Talvez sentisse vergonha. Talvez fosse
mais um de seus joguinhos.
Margareth rendeu-se ao prazer da língua do marido
massageando sua vagina. O movimento frenético a estava
deixando louca, ela sentia um liquido fluindo da parte
interna e um desejo intenso de ser possuída por ele.
— Hugh, Ah! Hugh. — Ela gemeu.
A língua continuou massageando mais e mais,
tocando a parte interna de suas coxas e voltando a
massagear sua vagina com ainda mais vigor.
— Mas o que diabos está acontecendo aqui? — A
voz de Trovão de Hugh acordou Margareth do êxtase.
Hugh estava parado na porta de ligação do quarto, a
expressão de confusão, fúria e incredulidade misturadas
no rosto bonito.
Margareth ergueu-se com dificuldade na cama, tirou
o pedaço de pano de seu rosto e gritou ao ver a cabeleira
ruiva de Aila parada na direção do tufo de pelos no meio
de suas pernas. Não, aquilo não era possível.
Margareth sentiu o estômago embrulhar-se e uma
vertigem tomar conta de sua visão.
— Mas eu pensei que fosse você... como? Mas que
tipo de jogo é esse seu? — Ela falou, olhando com terror
para Hugh.
Aila gargalhou.
Hugh entrou como um furacão no quarto, agarrou a
criada pelos braços e sacudiu com força.
— Como você ousa?
Atordoada, Margareth pensou que ia desmaiar.
Quando Hugh aproximou-se dela, gritou em choque. Saiu
correndo, nua.
Dez
Hugh deu uma bofetada em Aila que caiu a pelo
menos cinco passos de distância, iniciando um choro
lamurioso. Depois, apanhou uma manta grossa de cima da
cama e saiu correndo para alcançar Margaret. Estava
desvairada e poderia estar correndo em qualquer canto da
imensa propriedade. Provavelmente acabaria
machucando-se naquela escuridão ferrenha e no frio
congelante.
Hugh sentia o coração acelerado enquanto apanhava
uma lamparina a óleo e começava a descer os degraus da
entrada principal. Pensou em chamar os criados, mas
imaginou o espanto que causaria caso a encontrassem
vagando pela relva, pálida e nua sob a lua imensa que
banhava com um brilho de prata todo o verde rasteiro dos
primeiros pátios.
Por um bom tempo correu feito louco pelos jardins
e descampados da propriedade. Não podia deixar que
Margareth passasse a noite sob o frio pungente que seria
capaz de extinguir a vida de uma jovem tão pequena e
frágil. Não a encontrou em canto algum. Deu a volta por
um jardim lateral e atravessou por entre um pequeno
labirinto de flores. Olhou para a esquerda e viu a mata
fechada. Não! Pensou. Ela não pode ter ido por ali, não
teria coragem. Mesmo assim, embrenhou-se na mata
densa e começou a chamar alto pela esposa.
Não demorou para avistar uma silhueta pequena,
quase translucida de tão pálida, cabelos louros
esvoaçando e um visível tremor. Hugh aproximou-se
devagar, ouvindo os soluços fortes que vinham da esposa.
Tentou fazer o mínimo de barulho possível, mas pisou em
um galho seco e a sobressaltou. Margareth virou-se sem
se levantar do chão. Os olhos vermelhos de chorar e os
lábios levemente arroxeados pelo frio. Estava fora de si.
— Meu Deus, Margareth! — Ele viu-se falando
espantado no mesmo instante que correu para envolvê-la
com a manta.
A princípio Margareth lutou, esbofeteou o marido e
o arranhou, mas não demorou para perder as forças e
deixar a cabeça pender sobre seu peito forte. Desmaiou
antes que ele conseguisse dizer mais alguma coisa. Hugh
passou os braços fortes em volta do corpo nu, alçou-a
para junto de seu peito e cobriu com a manta. Admirou-se
com a leveza do corpo e o cheiro dos cabelos. Caminhou
com Margareth nos braços até à entrada dos fundos da
mansão, empurrou a porta e quando não cedeu, esmurrou-a
com um pontapé, causando um baque forte quando ela se
chocou com a parede.
— Senhora Garden! — Berrou, subindo as escadas
em desespero ao ver que a esposa já não reagia. —
Senhora Garden, por Deus.
A senhora Garden apareceu seguida por mais três
criados, sendo um deles Mad, que grunhiu em choque
quando viu o braço de Margareth pender para o chão.
— Faça alguma coisa! — Hugh falava
incoerentemente, terminava de subir as escadas e a levava
para o seu quarto. — Ela está congelando.
A senhora Garden subiu rapidamente os degraus,
fechando o roupão de lã e escondendo o corpo esguio.
Com ela vieram os criados. Hugh colocou Margareth
sobre os lençóis e a cobriu com todas as cobertas que
tinha na cama.
— Trump, aumente o fogo da lareira. — A senhora
Garden tomou conta da situação. — Mad, traga-me uma
bacia com água quente e toalhas limpas. David, vá para a
cozinha e peça à senhorita Livenhows que faça chá para o
amo.
Todos obedeceram imediatamente. Hugh que não
conseguia pensar claramente, ficava andando de um lado
para outro.
— Pelo amor de Deus, senhora Garden se apresse.
— Talvez seja necessário chamar o médico, amo.
A velha senhora Garden cuidou por horas a fio para
que a condessa recuperasse a temperatura do corpo.
Embora seus pensamentos perguntassem o que levaria uma
jovem com vida tão boa a sair correndo como louca pelo
frio, não ousou dizer uma só palavra sequer.
Hugh manteve-se a todo momento andando pelo
quarto, impaciente, receoso e furioso.
Quando Margareth acordou, o corpo estava tão
quente que parecia estar em chamas. Ela não conseguiu se
mexer devido à grande quantidade de cobertores e mantas
que estavam empilhadas em cima de sua silhueta nua.
Sentia um gosto amargo na boca e o estômago roncava,
mas fora isso, nenhum mal-estar ou ferimento, além da
dignidade humilhada, é claro. Hugh estava dormindo ao
seu lado, meio sentado, com as costas sobre uma pilha de
travesseiros fofos de penas.
Margareth olhou-o bem. Nunca tivera a
oportunidade de observá-lo com tanta precisão. Era
incrível como percebendo os detalhes ele podia ser ainda
mais bonito e selvagem. Com um queixo quadrado e a
barba muito bem-feita, ele não gostava da moda dos
bigodinhos, preferia a pele limpa como a de um bebe e ela
pensou que ele tinha razão, ficava bonito daquela forma.
As sobrancelhas grossas se ajustavam sobre um par de
cílios longos. A boca carnuda no meio e mais afilada nos
cantos era muito sedutora e este foi seu último
pensamento, antes de voltar a cair em sono profundo.
Por três dias Margareth não saiu do quarto, fazendo
suas refeições na cama e com um silêncio perturbador.
Hugh não a perturbara, respeitando seu momento e
necessidade de espaço, agora estava decidida a tomar as
rédeas de sua vida.
No quarto dia, levantou-se sentindo a raiva e a ira
querendo explodir do peito. Tivera a oportunidade de
remoer e planejar por três dias. Mad bateu à porta e
esperou segurando uma bandeja com o desjejum da
condessa. Margareth mandou-a entrar, falando num tom
frio como a noite que por pouco não a matara de
hipotermia.
— Bom dia, vossa graça. — Mad falou ao entrar no
quarto de Margareth. — Trouxe o seu café.
— Não será preciso, vou tomar meu café com meu
marido...
Mad baixou a cabeça.
— O que foi?
— O amo foi para a cidade logo cedo.
— Tudo bem, deixe a bandeja aí e me ajude com o
vestido.
Mad largou a bandeja sobre uma mesinha perto da
lareira e apressou-se a tomar a roupa da patroa nas mãos,
com o maior cuidado. Margareth estava com um olhar
gelado que colocaria medo até no mais corajoso dos
criados. Mad trabalhou em silêncio para deixar a
condessa impecável num vestido cuja manga mais justa a
deixava mais elegante. As flores pintadas por toda veste e
o babado nos ombros era um pouco infantil demais, mas
nenhuma das duas ousou comentar nada a respeito.
Quando finalmente Margareth estava dentro de toda a
roupagem volumosa, ajeitou-se delicadamente diante da
penteadeira e esperou que a criada a ajudasse com o
cabelo, prendendo num coque alto e deixando alguns
cachos soltos.
A imagem que ela viu no espelho ao final era de
uma jovem mulher bonita, inocente com lindos cachos
sobre o colo, com vestido de mangas bufantes um pouco
mais justas e um olhar azul irado.
Margareth não tomou o café da manhã. Havia algo
que queria fazer primeiro. Com toda a elegância de que
dispunha pelos anos de preparo, desceu a escadaria,
vendo criado após criado da casa curvar-se à sua
passagem e baixar os olhos em respeito. Quando entrou na
cozinha, sua postura autoritária não deixou dúvidas, era
agora a dona da casa e ninguém jamais voltaria a lhe faltar
com o respeito.
Todas as criadas, inclusive a governanta, a senhora
Garden curvaram-se perante a senhora de Surrey Hall.
Margareth caminhou confiante até aquela que era seu alvo.
Aila estava parada diante de um imenso forno a lenha, os
olhos voltados para o chão e as mãos sobre o avental.
— Olhe para mim! — Margareth ordenou.
Aila não se mexeu.
— Eu mandei olhar para mim!
Aila levantou os olhos bem devagar, num misto de
raiva e medo. Em sua boca um pequeno ponto vermelho
escurecido, com o sangue coagulado da bofetada de Hugh.
Margareth ficou em silêncio por um instante, aspirando o
cheiro da lenha crepitante e olhando com repulsa para a
criada, que não ousou desviar o olhar. Então, sem que a
criada pudesse perceber a tempo, Margareth meteu-lhe
uma bofetada bem no meio do rosto. Aila grunhiu de
pavor e cobriu a bochecha avermelhada com as mãos.
— Agora, você já pode ir esvaziar os penicos.
Margareth virou-se sentindo os nervos à flor da
pele. Respirou fundo e saiu bem devagar, perfilando entre
os criados e esperando as reverencias. Ninguém voltou a
respirar até que ela já estivesse longe dali.
Onze
Hugh estava quase ensandecido quando entrou na
carruagem logo após o almoço. Parecia um louco prestes
a ter um ataque de nervos, com os cabelos revirados e os
olhos vincados numa expressão de ódio. Tudo em seu dia
vinha dando errado, não, tudo em sua semana. Não só as
coisas com a esposa iam de mal a pior, como seus planos
pareciam estar definhando. Precisava encontrar uma forma
de se aproximar daquele a quem desejava destruir mais do
que poderia querer qualquer coisa na vida. Mas todas as
suas tentativas haviam sido frustradas por Charles Paxton.
Era como se aquela criatura horrenda estivesse sempre um
passo adiante de Hugh. À medida que a carruagem
avançava, ele ia ficando mais e mais furioso, sem
conseguir pensar numa forma de derrotar de vez os
malditos Paxton e aproximar-se de seu maior inimigo.
Quando entrou feito um furacão pela entrada
principal e foi para a biblioteca, deu de cara com
Margareth, vestida de forma espetacular parada diante da
janela, dando ordens a um lacaio. O jovem criado estava
em cima de uma escada, tentando desconectar a pesada
cortina que enegrecia o ambiente.
— Mas o que diabos você pensa que está fazendo
na minha biblioteca? — Hugh berrou, a voz de trovão
pegando Margareth e o criado de susto.
Margareth pulou sobressaltada.
— Tirando as cortinas. — Respondeu depois de se
recompor.
— Saia já daí moleque. — Hugh ordenou ao garoto.
O jovem criado começou a descer, sem jeito e com
medo.
— Não saia! — Margareth esbravejou. — Essas
cortinas precisam pegar sol, estão empoeiradas.
O garoto imobilizou-se sem saber o que fazer.
— Eu mandei descer! Mande-o descer
imediatamente!
— Você ouviu o conde, desça daí e saia. —
Margareth dispensou o garoto com um gesto de mão.
O menino desceu e saiu apressado em meio a
reverencias desajeitadas e assustadas.
— Não compreendo. — Margareth falou, deixando
o corpo cair sobre a cadeira em frente à mesa.
— O que é que você não compreende?
— Porque você deseja ter uma esposa...
— Mas era só o que me faltava. — Hugh crispou, os
olhos verdes diretamente focados nos dela.
— Vou para o meu quarto. — Margareth saiu, um
misto de fúria e frustração plantado no rosto.
Hugh afundou na poltrona e ficou em silêncio, os
nervos em frangalhos. A senhora Garden bateu à porta e
aguardou. Quando finalmente Hugh permitiu sua entrada,
ela depositou sobre a mesinha perto do sofá, no centro do
aposento, uma bandeja com chá e biscoitos. Ficou parada
olhando para Hugh.
— O que foi?
— O senhor precisa de mais alguma coisa?
— Não.
— Com licença. — Ela começou a se afastar.
De súbito a senhora Garden parou, virou-se para
Hugh e falou:
— Sabe, é difícil para uma mulher se sentir em casa
quando não lhe deixam cuidar de suas responsabilidades.
Satisfeita virou-se e saiu, sem reverência, sem nada.
Hugh passou o resto do dia pensativo.
Margareth por outro lado estava furiosa. Quando
saíra do quarto, no final da tarde para o chá, sentia-se
ressentida e pouco amigável. Em poucos dias sua vida se
transformara em um verdadeiro inferno e agora ela só
pensava num jeito de escapar da vida a que seu pai a
condenara. Foi então que algo lhe ocorreu.
Novamente foi para a cozinha. Suas visitas ao
ambiente começavam a ser frequentes demais para uma
dama de sua nobreza, mas naquele momento ela pouco se
importava e só pensava no que faria. Três criadas de
idades mais avançadas, braços fortes e jeito ágil poliam a
prataria, exatamente como ela mandara algumas horas
antes. Margareth olhou-as com atenção e falou:
— Podem parar com isso. — Seu tom agora era
cordial. — Não é mais necessário polir nada. Me
desculpem pela perda de tempo.
As mulheres olharam-na confusas. Mandar elas
pararem era uma coisa, pedir desculpas era muito
estranho. A senhora Garden pigarreou e as três mexeram-
se rapidamente, devolvendo os objetos aos seus lugares.
— Eu gostaria de um chá. — Margareth falou, por
pouco não esquecendo de seu plano.
— Vou mandar servir imediatamente.
Margareth esperou por algum tempo, olhando ao
redor e observando os imensos potes de mantimentos que
se espalhavam pelas prateleiras.
— O que é isto?
— Mel.
— E isto?
— Sal.
Margareth sorriu, pegou o pote e calmamente
caminhou até o bule em que a senhora Garden acabava de
despejar chá. Virou uma boa quantidade e mexeu bem
calmamente, diante dos olhos arregalados de pelo menos
oito criadas e da senhora Garden, que fechou o cenho mas
não disse nada.
Hugh sentou-se à mesa de chá em silêncio. Estava
atormentado com os problemas que tivera com Paxton no
clube, mais ainda porque tudo indicava que não obteria
êxito em seu plano. Esperara muito por isso e não podia
falhar. Margareth chegou em seguida, sentou-se logo após
o criado puxar a cadeira e sorriu para o marido,
deixando-o um pouco sem jeito. Ao ver o sorriso da
esposa, o conde retomou os pensamentos de horas antes,
quando a senhora Garden lhe dissera, ao seu modo, para
não intervir nos assuntos da esposa. Talvez a velha
senhora Garden tivesse razão. Quem sabe...
Hugh bebeu o chá num grande gole. O sal desceu
grosseiramente por sua garganta e Hugh engasgou,
cuspindo a mistura sobre a mesa.
— Mas o que é isso?
Margareth permaneceu em silêncio por algum
tempo, depois olhou-o com seu semblante mais sereno e
falou:
— Esse tipo de coisa acontece quando não se tem
uma senhora para comandar as criadas como se deve.
— Senhora Garden! — Hugh berrou.
— Você pode ser o dono desta casa, mas eu como
sua esposa sou a dona. Então você deveria começar a
pensar em não se meter nos meus assuntos...
Hugh bufou contrafeito, jogou o guardanapo de linho
na mesa e saiu, batendo as portas às suas costas. A
senhora Garden chegou instantes depois, sorrindo. Aquela
era mesmo a mulher certa para colocar o garoto nos eixos.
E a velha estava se divertindo muito com a disputa que
travavam. Dali, sairiam frutos fortes, ela pensava
enquanto retirava as coisas da mesa.
— Eu sou mesmo uma megera. — Margareth falou
num tom quase melancólico.
— A senhora me permite dizer uma coisa?
Margareth assentiu.
— Só uma coisa coloca os homens no lugar deles.
— E o que seria? — Margareth falou, ansiosa e
angustiada pelo que poderia ser dito pela velha senhora
Garden.
— Aquilo que eles esperam conseguir quando vão
ao quarto da esposa, à noite.
Nenhuma das duas disse mais nada, era óbvio que
todos sabiam o que ocorria dentro da casa, entre os
patrões e apesar do senso de humilhação que a
perturbava, ela sentia-se contente por ter algum apoio ali,
naquele lugar inóspito.
Margareth saiu para dar um passeio pelo labirinto
de flores, acompanhada de Mad com quem conversava
animadamente, mesmo que a criada falasse o mínimo
possível e sempre com o maior zelo. Ela gostava da
garota e sentia-se grata por ser sua companhia.
Quando retornaram ao cair da noite, Margareth
deparou-se com dois criados carregando um grande rolo
de pano escuro.
— O que é isso? — Perguntou.
Os dois homens de meia idade curvaram-se
rapidamente diante da condessa que fez uma careta de
impaciência.
— As cortinas da biblioteca, o senhor conde
mandou que elas fossem retiradas. Amanhã deverão
passar o dia no sol. A senhora quer que retiremos mais
alguma, vossa graça?
— Amanhã veremos. — Margareth falou, de repente
sentindo-se uma vitoriosa.
Se ele estava cedendo, ela também poderia, mas
como?...
Doze
Margareth tomara um banho demorado, com água
quente que dois criados carregaram em bacias até sua sala
de banho. A senhora Garden lhe dera um óleo perfumado,
Mad pingou várias gotas na água quente abafando a sala
de banho com o cheiro adocicado de rosas. Margareth
mergulhou na água e ficou ali por quase uma hora.
Quando saiu, Mad penteou seus cabelos, moldando
os cachos louros ao final da cascata que balançou
sedosamente em suas costas. Margareth perfumou-se e
vestiu a camisola branca de seda. Depois deitou-se na
cama à espera do que deveria acontecer. Se Hugh cedera
com as responsabilidades da casa para que pudesse
tornar-se realmente a dona da casa, provavelmente iria
querer visitá-la naquela noite, como recompensa.
Mesmo muito tempo depois de Mad deixar o
aposento, a condessa ainda se sentia tensa e temerosa. E
se o conde quisesse repetir a cena da primeira noite,
dando-lhe tapas e a agredindo como ele sempre anunciava
ser típico dos maridos? Olhou para o lado e avistou o
castiçal, pegou-o e ajustou-o mais perto de sua cama, na
mesinha de cabeceira ao estilo gótico. Depois voltou a
recostar-se na cama, sobre os travesseiros fofos. Respirou
fundo e esperou.
Nada aconteceu. Hugh não veio ao seu quarto.
Margareth começou a ficar impaciente, num misto de
ansiedade, medo e aflição pela espera. Andando de um
lado para o outro no quarto. Pensava se não deveria, ela
mesma, tomar a iniciativa e jogar-se na cama do marido.
Não! Ele é quem deve vir, é assim que as coisas são. E
assim continuava de um lado para o outro, roendo as
unhas, mexendo nos cabelos e remoendo os pensamentos.
Um barulho no outro quarto notificou-a de que o
marido estava no aposento, ela aproximou-se pé ante pé
da porta de ligação entre os quartos e colou a cabeça na
madeira sólida. Prendeu a respiração na expectativa.
Nada.
Margareth estava cansada, aquela situação a estava
deixando louca. Ou daria um jeito naquela noite, ou ela
mesma voltaria para a casa do pai e se enfiaria num
maldito convento. Voltou para a cama e afundou sobre o
colchão macio. Levantou e jogou-se novamente. E assim
fez mais de uma vez. Pense Margareth, pense. Ela repetia
incansavelmente. Pense, droga!
Margareth olhou pela janela, a lua cheia banhava a
noite com uma claridade sensual e ela sentiu-se tomada,
de súbito, pela ansiedade de ser tocada pelo marido. Algo
nos olhos verdes do conde despertavam nela um anseio
por seu toque, por sua paixão. Pensando nisso, enrolou-se
num xale de lã e ainda descalça saiu porta fora. Desceu as
escadas rapidamente e mergulhou na noite fria pela porta
da cozinha. Andou pela grama sentindo o orvalho sob os
pés. Aspirou o cheiro da grama úmida e continuou
caminhando pelo jardim. Não demorou a sentir uma
presença à espreita. Não olhou para trás, mas teve certeza
de que ele a estava seguindo.
Margareth sentiu-se maravilhosa. Caminhando pelos
jardins em direção à mata em que quase perdera a vida
pelo frio. Nesta noite, o frio menos agressivo permitiu que
ela se sentisse muito bem, dona de uma deliciosa
autonomia de seu corpo.
Hugh estava andando de um lado para o outro no
quarto, indeciso se deveria ou não ir ao quarto da esposa.
Estava com as energias acumuladas e seu corpo pedia
pelo toque de uma mulher e o fervor de uma paixão, mas
embora tivesse cedido e passado o controle da casa para
a condessa, não tinha certeza se isso era suficiente para
convencê-la a recebê-lo de bom grado. Quando finalmente
decidira cruzar a porta de ligação do quarto, descobrira
Margareth saindo pela outra, descalça, com os cabelos
esvoaçantes e deixando um rastro de cheiro de flores.
Seguiu-a pelo quintal, absorvendo hipnoticamente
cada gesto seu. Linda. Pensou ao vê-la banhada pela lua,
andando como se flutuasse sobre o verde rasteiro. Ele a
seguiu como em um transe, até que ela entrou numa trilha
que desembocava em um riacho onde ele gostava de
pescar no verão. Perdeu-a de vista por alguns instantes. O
medo começou a correr por suas veias, acelerando seu
coração com a ânsia de encontrá-la à beira da morte
novamente.
Hugh percebeu o xale de lã e a camisola jogados
sobre um tronco oco que fora abandonado em meio a
folhas secas. Caminhou devagar para não fazer barulho.
Lá estava a condessa, sentada sobre uma rocha, molhando
os pés na água gelada. Hugh ficou imobilizado. Envolto na
aura sensual que fluía do corpo nu de Margareth e vinha
em sua direção. Sentou-se no chão e ficou observando.
Ela não demorou a entrar na água, mergulhando fundo e
deixando o corpo emergir e submergir seguidas vezes.
Hipnotizado, o conde deixou-se levar pela cena. Ela
o estava seduzindo, ao seu jeito, mas estava. E ele estava
se deixando levar, saboreando o momento como se fosse
um menino em frente ao seu primeiro brinquedo.
Margareth saiu da água bem devagar. O frio
ameaçou esticar suas garras sobre seu corpo miúdo, mas
então ela avistou Hugh, sentado num amontoado de folhas,
o rosto afogueado e uma das mãos sobre seu membro. Ele
estava como da primeira vez que ela avistara, ereto,
envolvido pelos dedos do conde que subiam e desciam
devagar, apertando à medida que a mão baixava e
afrouxando quando subia. Ela observou a cena, um pouco
receosa, mas muito envolvida pelo clima. Deu alguns
passos na direção do marido e o olhar dele extasiado a fez
sentir um calor entre as pernas.
Hugh ergueu os olhos e parou abruptamente, ficando
imóvel. Margareth não disse nada e foi em sua direção,
avançando com o corpo nu até bem perto dele. Hugh virou
as duas esmeraldas verdes na direção das imensas esferas
azuis dela e ambos se encararam em absoluto silêncio.
Margareth pegou sua mão que estava livre e com o
coração acelerado colocou-a no tufo de pelos claros em
sua parte mais intima. Hugh arquejou de excitamento.
Margareth não sabia mais o que fazer, então deixou que
ele tomasse conta do que viria a seguir.
Cautelosamente Hugh explorou a região, passando
os dedos de cima para baixo repetidas vezes. A sensação
de prazer o invadiu e ele pensou em tomá-la ali mesmo,
com a força arrebatadora que sentia explodir dentro de si.
Mas ao contrário de agir impulsivamente, Hugh continuou
com os movimentos suaves, acariciando cada minúsculo
pedacinho de pele que encontrava. Margareth estremeceu,
sentindo um formigamento subir de sua genitália até às
costas, onde alojou-se na nuca.
Com os olhos ainda focados nos dela, ele a puxou
para junto de si e ela deixou-se guiar pelo instinto e
necessidade de ambos. Hugh alojou Margareth em seu
colo e beijou-lhe os lábios. A princípio o beijo fora
delicado, mas então, à medida que o corpo da condessa se
aproximava do seu e ela abria mais a boca para deixá-lo
colocar sua língua, a paixão tomara conta dos dois e o
beijo tornara-se uma fornalha prestes a explodir. Hugh
apalpou bem devagar um de seus seios e ela gemeu
baixinho, deixando-o ainda mais deliciado. Ela passou a
língua por seu pescoço, arriscando com movimentos
inseguros que só inflamaram ainda mais a chama que os
envolvia. Hugh gostava da sua iniciativa, era mesmo uma
mulher voluntariosa, ao mesmo tempo que seu toque era
inexperiente e tímido. Isso o deixava louco de desejo.
Hugh estava ofegante e Margareth sentia o corpo
inteiro tomado pela ânsia de mais. Não sabia mais o que
poderia acontecer entre eles, mas ela queria mais. Queria
que ele explorasse mais e mais seu corpo e queria
explorar o dele. E assim, ela tocou o membro rijo do
marido. Tentou imitar os movimentos que o vira fazer, mas
sentiu-se desajeitada. Ao perceber que ela se esquivava,
Hugh cobriu a mão pequena da esposa e começou a
acariciar o próprio membro, ensinando-a como subir e
descer vagarosamente, alternando a pressão. O calor entre
as pernas de Margareth aumentou e ela viu-se gemendo à
medida que ele deixava a cabeça cair, fechando os olhos
com prazer. Margareth beijou novamente os lábios de
Hugh e ele retribuiu com fúria, colocando sua língua e
movimentando-a com paixão.
Os dois ficaram assim por alguns instantes, até que
Margareth resolveu tentar a coisa mais audaciosa de sua
vida. Lembrava-se do que vira Hugh fazer e como ele
penetrara a maldita criada com seu membro e assim, ela
levantou-se mas esticou a mão para pará-lo quando Hugh
fez menção de acompanhá-la. Margareth olhou para o
corpo atlético do marido e sentiu a umidade em sua
vagina.
Hugh sabia que Margareth estava insegura, mas o
desejava quase tanto quanto ele a desejava. Olhando para
o corpo pálido e pequeno ele ficou extasiado quando ela
se sentou, devagar em seu membro. De início Margareth
teve dificuldade e soltou um gemido dolorido, mas Hugh
auxiliou-a, envolvendo a cintura dela com os dedos
grossos. Ajustou-a na posição e com todo o cuidado
ajudou a baixar seu corpo, unindo-os em um só pela
primeira vez.
Margareth estremeceu quando sentiu que Hugh a
penetrava. Primeiro a dor irrompeu a parte interna, depois
uma sensação de prazer misturou-se ao medo, à
insegurança e à dor do ato. O desejo falou mais alto e ela
viu-se acompanhando o ritmo dele com seus quadris.
Hugh apertou o seio da esposa e depois passou a língua,
sugando o mamilo e fazendo-a tremer. Ela passou as unhas
em suas costas e cravou os dedos na nuca, puxando uns
poucos fiapos de cabelo quando ele estocou com um
pouco mais de ritmo e força. Os dois gemiam, beijando-
se, arranhando e cravando os dedos na pele um do outro.
Quando Hugh chegou ao ápice do prazer, ele olhou
para o rosto de Margareth que parecia tomado por um
transe de prazer incrível. Ela apertou os lábios e
pressionou os dedos com mais força em suas costas.
Naquele momento o conde teve certeza, ela estava se
entregando ao prazer e sendo consumida por ele. Hugh
chegou ao orgasmo no exato momento que Margareth
cravou seus dentes em seu ombro e gemeu guturalmente,
como um animal envaidecido.
Margareth deixou a cabeça pender sobre o ombro
de Hugh. Ele envolveu-a num abraço e os dois ficaram
naquela posição por mais algum tempo. Quando percebeu
que ela começava a tremer pela brisa gelada que os
arrebatava, Hugh alçou o corpo com facilidade, erguendo
Margareth nos braços.
Enganchados, voltaram para a mansão.
Parte 2
A Vingança
Não existe coincidência, apenas a ilusão de
uma coincidência.
(V de Vingança).
Treze

Quando Margareth abriu os olhos, ainda sonolenta,


sentiu uma brisa fria percorrer seu corpo. Estava aninhada
no calor do peito de Hugh e os dois dormiam sobre o
tapete da sala. A sensação dolorida na parte interna de seu
corpo suavizou à medida que as lembranças dos
acontecimentos horas antes ressurgiram em sua mente e
ela sentiu o estômago revirar de excitação. Uma pontada
de alegria surgiu em seus lábios e ela foi obrigada a sorrir
consigo mesma, orgulhando-se de sua coragem e ousadia e
ainda mais, impressionada com a força do desejo que
possuía dentro de si.
Hugh mexeu-se bem devagar e ela sentiu o calor de
sua respiração batendo em seu rosto. Dormindo, a
expressão selvagem suavizava, transformando-o em um
homem incrivelmente lindo. Os cabelos revirados lhe
agregavam os ares sombrios que a despertavam para a
realidade em que ainda estava metida. Casada com um
homem que podia ser incrivelmente doce e ao mesmo
tempo, terrivelmente brutal. Era um labirinto confuso de
sentimentos que a deixavam aterrorizada.
Algo na batida compassada de seu coração a
preocupava, mas ela afastou os pensamentos saboreando o
poder do toque do conde sobre sua pele e do calor que a
incendiava.
Margareth afundou o nariz no peito de Hugh, aspirou
devagar o cheiro dele e voltou a olhar para a beleza
selvagem que se delineava no rosto quadrado. Sem a
menor pretensão de voltar a dormir tocou o queixo do
marido que dormia. Ele respirou um pouco mais forte e
ela sorriu novamente. Com a ponta dos dedos percorreu a
linha da clavícula, muito máscula e desceu pelos ombros
torneados e levemente dourados. Totalmente diferente do
que ela imaginava vindo de um nobre como ele. Os dedos
um pouco hesitantes percorreram o peito e desceram
vagarosamente para a região do umbigo, fazendo
pequenos círculos e contornando a linha do osso pélvico
de Hugh.
A mão forte do conde pousou sobre seus dedos e ela
arregalou os olhos assustada, ao perceber que os imensos
olhos verdes faiscavam em sua direção. Sem dizer mais
nada, Hugh puxou-a para junto de si, colando o corpo nu e
pequeno ao seu. Margareth estremeceu com o contato e
deixou-se levar pela mão forte e áspera do conde que
começava a percorrer delicadamente seus braços.
Sem pensar, Margareth enganchou os dedos finos na
parte de trás da cabeça de Hugh e sentiu as pontas do
cabelo entre eles. Hugh respirou ofegante e então
mergulhou seus lábios nos dela, com fulgor e
arrebatamento.
Se sentir aquelas coisas era errado, então Margareth
era mesmo a pior das mulheres, pois à medida que os
lábios do conde percorriam sofregamente de seu queixo
ao seu pescoço e depois aos seus seios, ela não conseguia
pensar em desejar nada além daquilo. Deitar e esperar
que o marido terminasse? Impossível, tudo o que ela
queria era decifrar cada pedacinho do corpo dele, cada
arrepio, cada sensação. O que ele ia pensar a seu respeito,
isso já não importava. Tudo o que sentia era a ereção do
marido de encontro com seu ventre, antes de penetrá-la
com a força de uma fera.
Margareth suspirou alto, deixando um gemido
escapulir de sua garganta quando Hugh estocou pela
segunda vez. Inebriante. Foi seu último pensamento lúcido
antes de se deixar levar pela sensação maravilhosa de ser
arrebatada pelo prazer. Instantes depois, tanto Hugh
quanto Margareth gemiam deliciados sobre o tapete
felpudo do quarto dela, diante da lareira levemente
aquecida.
A sensação de ter seu corpo colado ao de Margareth
e vê-la com os olhos fechados e os lábios comprimidos de
prazer era indescritível. Hugh já tivera muitas mulheres
em seus braços, a maioria mulheres de pouca moral a
quem ele pagava para satisfazer seus caprichos, outras
criadas iludidas com a ideia de ser arrebatada por um
nobre e ter sua vida completamente transformada em um
conto de fadas. Coisa que nunca acontecia. Nenhuma
delas, no entanto, um dia chegara a importar. E ele nunca
quisera tanto satisfazer alguém como queria agora, diante
daquele corpo tão pequeno que se movia ritmicamente ao
seu, gemendo e espasmando de prazer quase
simultaneamente. Ele nunca quisera tanto provar que era
bom como queria com Margareth. Como ela tinha feito
isso com ele? Como tinha transformado a fera que lutava
para se libertar, em um animalzinho de estimação?
Com esse pensamento Hugh deixou-se levar para o
prazer do ápice e estremeceu quando percebeu que
Margareth chegava ao prazer exatamente ao mesmo tempo.
Ele nunca imaginara que aquela garota mimada e
impetuosa poderia ser tão.... Tão deliciosamente sedenta.
Assim que Margareth sentiu o prazer final
contorceu-se sob o corpo de Hugh, espasmou uma última
vez e relaxou. Foi então que percebeu os olhos verdes
cravados nela, numa mistura de adoração e transe pelo
prazer. Se ele estava sentindo o mesmo que ela, então
definitivamente ser uma esposa valia a pena. Era incrível
como o simples toque, o encontro dos corpos podia
provocar tamanha explosão dentro dela.
A condessa de Surrey esperou que Hugh deitasse ao
seu lado para então olhá-lo com bastante atenção. Hugh
sorriu. Era a primeira vez que ela percebia isso e como
era lindo ver seus lábios carnudos levemente curvados de
satisfação. Ela não conseguiu evitar e sorriu em
contentamento. Aquele homem era um mistério e uma
surpresa e ela estava completamente arrebatada por
aquela sensação incrível de ser sua.
Hugh puxou Margareth para junto de seu peito e ela
cedeu, colando a lateral do rosto nos poucos pelos do
peito dele. Com os dedos distraídos ela deixou-se brincar
na intricada carga muscular que ele trazia no ventre.
— Um castelo por seus pensamentos. — Hugh falou,
a voz branda.
— Uma vez vi meu irmão mais novo sem camisa.
Hugh sorriu. De tudo que ele esperava ouvir
naquele momento, aquela era, definitivamente a última
coisa.
— A barriga dele era diferente... mole...
— Seu irmão não me parece um homem desajeitado.
— E não é. Muitas jovens caem de amor por ele.
Definitivamente é um dos rapazes mais bonitos que já vi,
mas me refiro a isto.
Ela passou os dedos sobre a ondulação no ventre
dele e Hugh compreendeu.
— Meu irmão é magro, mas você é diferente...
— Entendo.
Os dois mergulharam em um breve silêncio. Os
dedos de Margareth voltaram a delinear as ondulações no
abdomen de Hugh que suspirou de prazer.
— Isso agrada você?
— Sim. — Ela falou, com toda a sinceridade que
possuía. Não estava com ânimo para encenações
dramáticas e enfadonhas. Naquele momento, tudo o que
disponha era ela mesma. — Nunca vi um homem nobre
que trabalhasse. Minha família não detém títulos e meu pai
trabalhou muito duro para chegar aonde está, trabalhar é
normal para os Sinclair, mas os nobres geralmente...
— Não fazem nada, não é mesmo?
Margareth olhou-o de soslaio e percebeu que ele
assumira um semblante taciturno.
— Você é diferente, não é? Diferente de qualquer
homem deste mundo.
— Você também não é igual a nenhuma mulher que
eu tenha conhecido.
— E isso é bom ou ruim?
— Às vezes é terrível, você é bem irritante.
Margareth gargalhou e o som de sua risada natural
encheu o quarto de energia. Hugh prestou atenção em seus
traços enquanto ela mantinha os olhos fechados e deixava
o riso sair sem nenhuma dificuldade. Linda. Pensou.
— É difícil lidar com você. — Ela falou num misto
de diversão e sonolência.
— Eu sei.
Hugh falou, curvando-se sobre Margareth e
despertando-a completamente do seu transe.
— Vamos para cama?
Ela sorriu em resposta, parecendo ao mesmo
tempo inocente e ardilosa. Um truque feminino muito
sedutor que o deixou rapidamente em chamas novamente.
Com as mãos sobre o quadril de Margareth, ele beijou-a
novamente nos lábios e no pescoço.
— Tem algo que eu gostaria de experimentar... —
Ela deixou escapar enquanto prendia os dedos nas costas
de Hugh e sentia a queimação entre suas pernas
novamente.
— Você não para de me surpreender.
Quatorze

Margareth estava atônita consigo mesma. Nunca se


imaginara uma mulher muito empolgante. Nada além de
seus ideais e sonhos com a liberdade. Nada como aquilo
que estava fazendo. Era excitante e mágico. E mais, era
prazeroso ao extremo. Jamais compreendera porque a
maioria dos homens e mulheres de classe tinham quartos
separados. Achava que havia descoberto quando se casara
com Hugh e decidira expulsá-lo na noite de núpcias.
Agora, porém, a dúvida voltava à sua mente. Se a
consumação do casamento era algo tão delicioso, como as
pessoas poderiam querer ficar um segundo sequer longe
daquilo?
Hugh gemeu e Margareth sobressaltou-se. Ela
segurava com firmeza o membro ereto do marido e
devagar mergulhava-o dentro de sua boca, deixando a
língua brincar e saboreá-lo como se estivesse degustando
um doce especial. Ela olhou-o e percebeu que seus
quadris estavam levemente erguidos da cama. Seus olhos
fechados com força e suas mãos cravadas nos lençóis.
Não conseguiu definir se ele estava gostando ou não. Com
os olhos abertos voltou a colocar o membro dele em sua
boca, bem devagar, mergulhando até aonde sua garganta
permitiu. Hugh estremeceu, deixando outro gemido
escapar de sua garganta. Então, Margareth passou a língua
pela ponta do membro, sentindo o gosto árido do liquido
que escapulia vez ou outra.
Impulsionada por seu desejo, ela subiu sobre Hugh,
mas não o deixou penetrá-la. Pelo contrário, ainda queria
muito explorar o corpo dele e tinha algumas ideias que
não paravam de saltitar em sua cabeça. Beijou-lhe o peito
definido e passou a língua bem devagar sobre as
ondulações do abdômen, deixando-o ainda mais excitado.
Com os lábios molhados percorreu o caminho oposto ao
membro, subindo com sua língua ao pescoço onde
mordiscou de leve várias vezes. Hugh remexeu-se
instintivamente, como se estivesse prestes a explodir.
— É a sua vez... — Ela murmurou em seu ouvido,
fazendo-o abrir os olhos verdes faiscantes.
Hugh enganchou as mãos nos quadris de Margareth
instintivamente e num gesto rápido e uma manobra
inesperada, girando-a de cima para baixo sem desviar os
olhos dos dela. Deitou-a sob seu corpo, ficando
completamente em cima dela. Os olhos dela pareciam
surpresos com sua agilidade e deliciados com o prazer
que isso provocava. Ele desceu os lábios de seu cabelo,
passando a língua quente sobre o pescoço e mergulhando
os dentes devagar em seus seios. Margareth gemeu alto e
isso o deixou ainda mais motivado, sugando o mamilo
intumescido repetidas vezes.
Com os dedos grossos ele apertou o outro seio e
depois desceu pelos quadris e coxas. Enfiou a mão por
baixo do corpo de Margareth e então deu um aperto de
leve em suas nádegas. Ela resfolegou, aspirando o ar com
dificuldade. Hugh tornou a sugar o mamilo, enquanto sua
outra mão percorria a lateral do corpo dela e afundava
bem no meio do tufo de pelos claros.
Margareth estremeceu quando os dedos começaram
a acariciar sua parte mais intima, passando de um lado
para o outro em movimentos cada vez mais ritmados. Em
poucos instantes, Margareth já não conseguia mais pensar
em nada, gemendo e erguendo os quadris seguidamente.
Hugh desceu com a língua pelo ventre dela que se agarrou
ao seu cabelo e puxou com força. À medida que ele se
aproximava de sua parte interna, ela comprimia com mais
força os quadris na cama e as mãos em seus cabelos e
ombros. Quando finalmente ele mergulhou a língua entre
os pelos, ela ofegou e começou a espasmar.
Não demorou para chegar ao ápice do prazer e
gemer como uma verdadeira fera enlouquecida. Hugh não
conseguia deixar de pensar no que mais ela poderia
esconder. Que mistérios ainda descobriria de sua esposa?
Quando ela finalmente deixou o corpo pender sobre os
lençóis cansados, ele voltou ao seu ouvido e disse:
— Sua vez.
Ela sorriu ao abrir os olhos, exibindo um brilho azul
ousado. Levantou-se e começou a percorrer o corpo dele
com a língua, passando as unhas em seu ventre e
cravando-as delicadamente nas coxas. Mergulhou os
lábios com intensidade no membro que logo erigiu-se
deixando-a ainda mais desejosa. Com movimentos
intensos e rítmicos ela intercalou entre os lábios e os
dedos, subindo e descendo sobre o membro e arrancando
suspiros avassaladores de Hugh. Quando finalmente ele
chegou ao orgasmo, Margareth sorria de prazer e
satisfação.
A explosão que se seguiu a pegou desprevenida e
ela assustou-se um pouco quando um pequeno e viscoso
líquido saltou do membro dele para sua boca. Sem saber o
que fazer ela o engoliu, engasgou um pouco e tossiu.
Hugh puxou-a para junto do peito, ainda com os
olhos fechados, depois pegou as cobertas trazendo-as para
cima dos dois que mergulharam juntos num sono pesado.
Quando Margareth tornou a abrir os olhos, Mad a
estava espiando, com ares de riso e admiração. Com o
dedo indicador sobre os lábios fechados a criada fez um
gesto de silêncio para a condessa que esfregou os olhos e
virou para o lado, certificando-se de que não era um
sonho a visão do homem forte dormindo ao seu lado. Ela
não conseguiu se conter e sorriu, satisfeita consigo
mesma.
— Traga o café para nós dois, aqui. — Cochichou
para a criada que assentiu e saiu do quarto aos pulinhos,
sorrindo como uma criança que acabara de ganhar um
doce.
Hugh sorriu quando abriu os olhos, confirmando
para Margareth o que ela pensara na noite anterior, seu
sorriso era ainda mais bonito e terno.
— Bom dia. — Ela falou, curvando a cabeça para o
lado e deixando a cabeleira loura encaracolada cair sobre
o ombro.
— Acho que ainda não é dia, volte para cá e vamos
dormir mais um pouco. — Ele resmungou bocejando.
— Meu estômago está roncando.
— Como você pode estar tão disposta? Eu me sinto
acabado.
Margareth gargalhou, compreendendo o cansaço
dele por causa do esforço durante a noite. Sorridente e
cheia de energia ela deitou-se ao seu lado e começou a
brincar com seu abdômen novamente, passando os dedos
distraidamente.
— Você não cansa, não? — Ele perguntou,
arqueando uma sobrancelha.
— Não. — Ela falou, sentindo-se de repente um
pouco inibida.
Margareth encolheu-se um pouco sem jeito e Hugh
gargalhou, puxando seu rosto para junto do seu e
beijando-lhe os lábios com ternura.
— Acho que você está querendo ficar viúva.
— Eu?
— Quer acabar comigo antes do café... — Ele riu,
passando as mãos sobre um dos seios que imediatamente
começou a intumescer.
— Desculpe. — Ela resmungou, puxando o cobertor
até cobrir parte do peito e dos ombros.
— Não se desculpe. Gosto disso. — Ele sorriu,
tornando a beijá-la com mais intensidade.
Margareth retribuiu o beijo, abrindo os lábios e
deixando-o mergulhar a língua dentro de sua boca. Ela
gemeu de prazer quando ele colou seu corpo ao dela. Os
dois riram quando o estômago de Margareth roncou alto,
acabando com o clima sensual que tornava a tomar conta
do quarto.
— Você está mesmo com fome.
— Eu disse a você. — Ela falou, deitando-se sobre
o peito do marido e fechando os olhos.
Ele não disse nada.
— Nunca imaginei que pudesse ser assim.
— Assim como?
— Tão bom. — Ela falou, dando de ombros.
— Então deitar de olhos fechados e me esperar
terminar não é mais uma opção.
— Nem pensar. — Ela falou gargalhando.
Hugh a acompanhou, sorrindo.
— Você realmente gostou, não foi?
Ela arqueou as sobrancelhas pensando a respeito.
— Bom, no início doeu um pouco, mas depois...
sim, gostei. Muito.
— Que bom, acho que não suportaria ficar casado
com uma mulher que fechasse os olhos e esperasse que eu
fizesse tudo sozinho.
— Ótimo, pois tenho certas...
Mad bateu à porta interrompendo-os. Margareth
cobriu-se com o cobertor e Hugh mandou a criada entrar.
Ela vinha carregando uma bandeja com pães, frutos e chá.
Fez uma reverência perfeita. Depois colocou-a sobre uma
mesinha e puxou-a na direção da cama. Virou-se em
silêncio para a janela e puxou as cortinas, deixando a luz
forte entrar no quarto.
— Devo voltar para ajudá-la a vestir-se, vossa
graça? — A criada falou, com os olhos voltados para o
chão.
— Sim, mas antes preciso de um banho.
— Vou providenciar água quente. Com licença.
Quando Mad saiu, batendo a porta deu uma última
olhada para a condessa e sorriu, piscando discretamente
para a jovem que enfiava um pãozinho na boca. Margareth
retribuiu o gesto terno e então tornou a olhar para Hugh
que observava tudo silenciosamente.
— Ela gosta de você, na verdade todos os criados
gostam.
— Nem todos. — Margareth respondeu, fechando o
cenho.
Depois de alguns instantes, Hugh aproximou-se da
mesinha e pegou o bule de chá, servindo-se de uma dose
generosa. Pensou em coisas a dizer para a esposa, coisas
sobre sua sensualidade, sobre sua deliciosa entrega ao
prazer e à descoberta, mas acima de tudo pensou em jurar-
lhe que nunca mais nenhuma outra mulher deitaria em sua
cama. Mas não disse nada daquilo. Tomou um gole
sorvendo o aroma forte do chá, depois pegou um pãozinho
e mordeu. Estava macio e quente e desmanchou-se na
boca.
— Acho que uma das melhores coisas que existem
são esses pãezinhos. — Margareth falou com a boca
cheia, de repente recuperada da lembrança de Aila.
— Isso e a torta de frango que a cozinheira faz.
— Hum... deve ser boa. — Ela falou, sorvendo o
chá sobre o pãozinho e sorrindo despretensiosamente.
— Preciso pedir uma coisa a você.
— O quê?
— Sobre a recepção que daremos nos próximos
dias...
— Bem lembrado, tenho muito a fazer sobre isso.
Hugh olhou-a sério. Ela arqueou a sobrancelha em
resposta.
— O que o preocupa?
— Preciso que ela seja impecável. Meus negócios
dependem muito do que acontecer nesse dia.
— Então, será impecável.
Com um novo sorriso nos lábios, Hugh largou o chá
sobre a bandeja e puxou Margareth para junto de si. Ela
entregou-se ao beijo com voracidade. Os dois fizeram
amor com a mesma intensidade da primeira vez,
descobrindo as sensações e se deixando levar pelo prazer.
Quando finalmente Margareth desceu as escadas e
foi à cozinha, perto do meio dia, estampava um largo
sorriso e as faces ruborizadas. Hugh já havia saído para
algum evento e Mad andava de um lado para o outro na
cozinha principal, cochichando, rindo e dando pulinhos.
Ao ver a condessa todos endireitaram-se e fizeram a
rotineira reverência.
— Bom dia. — a condessa declarou simplesmente,
deixando as saias farfalhantes amassadas ao se jogar
sobre o enorme banco de madeira que se dispunha um
pouco afastado da mesa.
— A senhora precisa de alguma coisa, vossa graça?
— Mad perguntou, sem esconder sua alegria.
— Que você pare de rir feito uma maluca. —
Margareth respondeu, caindo na gargalhada em seguida.
Seu humor reverberou pelas paredes e todos a
olharam com extrema simpatia. Se ela de mau humor era
bastante aturável, de bom humor então era simplesmente
magnifica.
— Onde está a Sra. Garden?
— Foi à cidade encomendar as coisas que a senhora
pediu para a recepção. Algumas precisam ser pedidas
com antecedência.
Margareth assentiu. Depois correu os olhos pela
enorme cozinha e falou, os imensos olhos azuis muito
sérios na direção de Mad.
— Onde está Aila?
Mad arregalou os olhos.
— Mande-a arrumar meu quarto e limpar... bom,
você sabe o quê.
— Não vai ser possível, vossa graça.
— Ora, não me diga que aquela criatura horrorosa
ficou doente?
— Não, nada disso.
— Então o que foi? Pare de me enrolar e comece a
falar.
— Ela não está mais aqui.
— O quê?
— Bom, a primeira coisa que o conde fez hoje cedo
foi dispensá-la. Ela partiu há menos de uma hora.
Margareth engasgou.
— Não me diga.
— Sim, ela chorou e implorou, mas então, o conde
foi firme e a mandou partir imediatamente. Cena
lamentável.
— Mas que maravilha.
Mad sabia porque a condessa odiava a criada, na
verdade não havia na propriedade quem não soubesse das
visitas que ela fazia à cama do conde e mais, muitos
sabiam da afronta que Aila vinha fazendo à dona da casa.
Dispensá-la era só uma questão de tempo e apesar da cena
ter sido bastante triste e comovente, Mad achava que
havia sido merecida. No lugar de Margareth, ela mesma
teria expulsado Aila e ainda lhe acertado várias bofetadas
durante o processo. Mas ela não era a condessa e
Margareth, apesar de exultante tentou demonstrar ao
máximo alguma indiferença, embora ficasse nítido o que
ela realmente sentia.
Mad a admirava, era inegável sua classe. Mas era
ainda mais inegável sua força.
Quinze
Nos dias que se seguiram, Margareth não podia
sentir-se mais radiante. Sempre sorrindo, esbanjava
energia e vivacidade pela mansão, deixando a todos
contagiados pela frenética movimentação em prol dos
preparativos para a recepção. Pela primeira vez em
semanas, desde o casamento, Margareth sentia-se
realmente a dona da casa. E enquanto pensava nas noites
ardentes que vinham se tornando regra do casamento com
o conde, agitava as coisas na mansão, tornando-a cada vez
mais impecável para a recepção.
A senhora Garden estava exaurida quando Hugh
chegou. Sentada em um canto da imensa cozinha, abanava
com uma das mãos o rosto avermelhado e esfregava os
pés um no outro, de molho em uma bacia com água quente.
Já era noite e Hugh achou a cena engraçada.
— Boa noite, vossa Graça. — Ela falou,
apressando-se a levantar-se.
— Não se incomode. — Hugh falou.
O bom humor de Hugh era outra novidade da casa.
Desde que Margareth e ele haviam finalmente consumado
o casamento, não se passava uma manhã sequer que as
criadas não o encontrassem dormindo ao lado da esposa.
Se por um lado a disposição da condessa as deixava
exaustas, o bom humor do conde era compensador. Nunca
se viu um período de mais agitação e paz, simultâneas.
Se durante o dia Margareth quase chegava a tombar
pelo cansaço e peso das saias, durante a noite, nua diante
do marido, sentia-se completamente revigorada e disposta
a entregar-se às investidas de Hugh, deleitando-se com as
novas e prazerosas descobertas.
Hugh estava sentado diante de uma mesa do clube
de cavalheiros de Londres, um charuto entre os dedos e os
pensamentos absortos nos contornos de Margareth que
insistiam em transitar por sua memória. Aquilo o estava
consumindo. Com tantas coisas em que pensar e tantos
planos a colocar em prática, como ele só conseguia
pensar nela?
Leonard, o jovem nobre que o seguia para todo
canto, chegou sorridente como sempre, irradiando
jovialidade e dispensando cumprimentos muito formais.
—Hugh, meu amigo conde. — O rapaz falou,
ignorando qualquer tom de etiqueta e beirando a vergonha
pela intimidade.
— Meu caro Leonard, como vai rapaz?
— Melhor agora. Você está sumido. Tudo bem?
— Ah! Nunca estive melhor. — Hugh apressou-se
em dizer. Sua voz soou tão natural que ele se perguntou se
dizia aquilo para manipular a conversa ou se por sentir-se
realmente da melhor maneira possível.
— Pelo jeito, o casamento não é tão mau como
alguns insistem em dizer.
— De jeito nenhum. — Hugh sorria. — Confesso
que às vezes fico quase louco com tantas conversas sobre
novos móveis e livros de romances, mas as noites
compensam meu caro, e como. — Hugh deu um tapinha no
braço do jovem amigo que logo abriu um sorriso.
— Pois imagino. Não se fala em outra coisa nos
chás da tarde.
— O quê?
— Pelo seu sumiço de Londres, todos esperam em
breve um herdeiro dos Ruthenford.
Hugh sorriu. Se todos estavam falando dele,
significava que seu casamento havia provocado muita
comoção. Exatamente como ele esperava. Era apenas uma
questão de tempo até conseguir tudo o que queria. Ele
teria sua vingança.
Na manhã da recepção, cerca de três semanas
haviam se passado desde a cerimônia do casamento. Hugh
estava ainda mais bonito em seu fraque com o peito
estufado. Margareth pulava na cama, ainda de camisola,
os cabelos soltos caindo feito cascatas sobre os ombros e
sobre as costas. Sorria exultante. O rosto angelical apenas
substituído pelo ar sedutor e desejoso.
— Você sabe que ainda é muito cedo, não sabe?
Ele não respondeu de imediato.
— Hugh, você está bem?
— Desculpe, o que você disse? — Hugh parecia
perdido em um turbilhão de pensamentos.
— Você podia voltar pra cama. Ainda temos o dia
todo pela frente.
— Exatamente. Temos o dia todo. Acho que vou
enlouquecer.
O conde começou a andar de um lado para o outro,
mal dormira na noite anterior e Margareth percebia o
quanto ele parecia cansado e tenso.
— O que o preocupa tanto?
— Essa maldita recepção.
— Ainda podemos cancelar. Quem se importa com
esse bando de fofoqueiros?
— Não! — Hugh adiantou-se, pegando a esposa
pelos braços e olhando-a com tormento.
Com um olhar determinado, Margareth
desvencilhou-se das mãos do marido e passou os braços
em seu pescoço. Primeiro tirou a casaca de Hugh e em
seguida apressou-se a despir seus ombros do restante do
fraque. Quando finalmente o peitoral torneado e cheio de
ondas apareceu, ela sorriu. Hugh ameaçou protestar, mas
Margareth olhou-o de esguelha e arrancou a própria
camisola, deixando o corpo firme à mostra.
Com carinho pegou a mão do marido e colocou
sobre seu seio. Depois beijou-lhe o pescoço e puxou-o
para a direção de sua virilha. Hugh gemeu, meio
consternado e meio excitado. Se ele chegava furioso da
rua, ela tirava as roupas e colocava seu membro nos
lábios, deixando-o completamente esgotado. Se ele
chegava animado, ela deitava-se de costas e deixava-o
penetrá-la como um furacão, apertando suas nádegas e
gemendo em resposta às mordiscadas no seio. Naquele
momento, porém, ele estava tenso e confuso e ela, como
vinha virando rotina, o estava seduzindo e acalmando.
Fizeram amor ali mesmo, meio sobre a cama e meio
de pé. Ao fim, Hugh estremeceu, os olhos fechados
entregues ao que quer que Margareth quisesse. Se naquele
momento ela pedisse, ele desistiria de tudo. Mas ela
apenas sorriu, aninhou-o em seus seios e acariciou seu
cabelo.
— Quando você estiver pronto para conversar,
estarei pronta para ouvi-lo.
Estranhamente aquilo acalentou o coração do conde.
Ela sabia, pressentia que algo o atormentava e ao invés de
enchê-lo com perguntas preferiu apenas deixar ciente que
o compreendia e estava disposta a escutá-lo, se assim o
desejasse. Algo naquela mulher o deixava completamente
estarrecido, ao mesmo tempo que completamente
envolvido. Dormiu até perto da hora do almoço.
Margareth mandou servir uma refeição farta para o
marido, com tudo o que um homem poderia desejar num
dia como aquele. Depois sentou-se silenciosamente à
mesa e começou a saborear a refeição. Hugh estava
faminto e sentia-se de repente muito revigorado da
ansiedade e tensão.
— Já disse que você é uma megera? — Hugh sorriu,
acariciando os dedos da esposa e bebericando uma taça
de vinho.
— Algumas vezes. Mas a que devo a honra de mais
este amável insulto? — Ela sorriu, pronta para desferir
uma resposta à altura.
— Você sempre consegue o que quer, não é? — Ele
provocou-a, olhando descaradamente para seus seios sob
o babado do vestido florido.
— Sempre. — Ela respondeu, aproximando-se dele
e acariciando sua virilha.
Hugh alteou uma sobrancelha e sorriu. Não havia
ato que esgotasse as energias daquela mulher. Isso era
excitante.
— E como estão as coisas para a cerimônia?
— Em ordem. — Ela falou despreocupadamente. —
Não se preocupe, tudo vai correr bem.
Margareth piscou, os imensos cílios cintilando
sobre o azul céu de seus olhos. Hugh sentiu o desejo
percorrer seu corpo e achou que talvez estivesse mesmo
ficando louco e a única culpada disso era Margareth.
Sorrindo, ele beijou os dedos dela que retribuiu o afeto
beijando-lhe os lábios.
Já era noite quando os primeiros convidados
começaram a chegar. Muita elegância envolvia o
ambiente. O salão de festa estava iluminado e um aroma
de lavanda era dispersado por um tipo de incenso que
Margareth encomendara de um comerciante francês. Uma
orquestra tocava uma melodia suave quando a primeira
dama cruzou a porta e foi anunciada pelo lacaio. O
vestido cheio de babados e o corpete completamente
sufocante davam-lhe uma cintura muito fina diante de um
grande amontoado redondo de saias. Lembrando
vagamente a Margareth um grande bolo de aniversário.
Mesas se espalhavam pela lateral do ambiente e pequenos
quitutes requintados começaram a ser servidos
imediatamente. Garçons cruzavam o ambiente
discretamente abastecendo os copos que não paravam de
surgir, à medida que a noite começou a avançar. Em
algumas horas o local estava cheio e abafado por falas
animadas e cheiro de charuto. Muitas mulheres andavam
juntas, empoleirando-se com suas crinolinas e anáguas
sobre os assentos especialmente comprados para aguentar
o peso dos vestidos.
A maioria cogitava em que momento o casal
anfitrião deveria chegar. É claro que aquilo era um tipo de
afronta, os anfitriões não estarem no salão quando seus
convidados chegavam e muitos comentavam em baixo tom
o quão desagradável podia ser a presença do conde. Já
que ele era bastante conhecido por sua rudeza. Outros
mensuravam a possibilidade da jovem esposa estar se
recusando a descer para a festividade.
No quarto de Margareth, Hugh andava de um lado
para o outro, os olhos afoitos e as mãos suadas.
— Pelo amor de Deus, Hugh, pare de andar, você
está me deixando tonta.
— Não consigo, isso vai ser um fracasso, já
deveríamos estar lá embaixo. Pense o que devem estar
falando agora...
Margareth caminhou até Hugh e com seu sorriso
mais doce acariciou sua face.
— Deixe que falem. No momento certo
desceremos aquelas escadas. Você é um conde e não um
lorde qualquer. Vamos deixar claro sua superioridade esta
noite.
Ele arqueou as sobrancelhas e ela riu.
Um criado bateu à porta instantes depois e
cochichou que o duque Paxton já estava no salão. Hugh
olhou para a esposa que sorriu.
— Será que agora seria o momento?
Dezesseis

Margareth caminhou bem devagar em sua direção,


esperou que ele cedesse o braço e pegou-o. Ela estava
deslumbrante e, ao descer as escadas com o conde
arrancou suspiros por todo o salão. Seu sorriso era
desigual, e os dois olhavam-se a todo instante. Com toda
certeza aquela entrada era espetacular, exatamente como
ela planejara.
Hugh vestia um fraque, com elegância fenomenal
deixou a cartola sair de sua cabeça e encontrar as mãos do
lacaio que os recebeu ao pé da escada. Com os olhos
verdes faiscantes ele sorriu novamente para Margareth
quando ela apertou seu braço de leve antes de completar o
trajeto da escada.
— Você está linda. — Ele cochichou ao seu
ouvido, provocando um novo e honesto sorriso na esposa.
Roçou os dedos sobre as luvas brancas de
Margareth antes de cruzarem o salão com a graça e a
superioridade da realeza. Algumas damas começaram a
cochichar, evidenciando a beleza do vestido da condessa
e as joias raríssimas com que provavelmente o conde a
havia presenteado.
A condessa de Surrey desfilou com seu lindo
vestido drapeado em creme, com mangas recatadas e
babados sobre o peito. Os cabelos presos no alto
deixavam algumas mexas encaracoladas caírem revoltas
sobre o pescoço longo, onde um colar com diamantes
exibia a riqueza do casal. Um deleite que atiçou até os
olhos dos mais velhos. A cobiça não demorou para ser
evidenciada, tanto entre homens, quanto em mulheres.
Todos queriam um momento com o conde ou com a
condessa.
Margareth não parou de sorrir, nem mesmo quando
seus olhos cruzaram o salão e depararam-se com os
raivosos do duque Charles Paxton. Ele fuzilava Hugh com
intensidade e, à medida que ele exibia sua linda e jovem
esposa, o homem parecia mais amargo e rabugento,
encolhendo-se em sua papada desproporcional que o
deixava tremendamente malvestido no fraque.
— Aquele duque horroroso não tira os olhos de
você. — Margareth falou, quando o marido a enlaçou para
a valsa.
— Deve estar com inveja. — Hugh respondeu
olhando para Charles Paxton e sorrindo com desdém.
— E aquela esposa dele, por Deus, como alguém
pode ser tão intragável?
— E feia.
Os dois riram alto com a maldade de seus
comentários. A valsa começou e passaram a mover-se
pelo salão com destreza, cochichando e falando mal do
duque e sua esposa que parecia ainda mais zangada do
que ele.
A valsa os deixou ainda mais em evidência.
No decorrer da festa tudo transcorreu com
perfeição, exatamente como ela esperava que fosse. Hugh,
ao longe, sorria e fumava um charuto falando com um
jovem de rosto ansioso e animado e mais alguns
cavalheiros que nitidamente pareciam com inveja de seus
ares juvenis. Margareth bebeu um gole de vinho e admirou
mais alguns instantes o marido. Não percebeu quando uma
dama se aproximou e ficou encarando-a.
— Pelo jeito, ao contrário do que alguns de nós
poderia imaginar, ser casada com o conde de Surrey é
uma coisa boa.
Margareth virou-se sobressaltada e quase cuspiu o
vinho quando percebeu que a senhora ousada que lhe
dirigia a palavra era na verdade a esposa do duque
Charles Paxton. Definitivamente de perto a mulher era
ainda mais feia, com os olhos caídos e uma papada grossa
sobre a gola do vestido, os seios fartos pareciam abaixo
da linha correta e a protuberância de seu ventre poderia
ser facilmente confundida com uma gestação.
— Não posso me queixar. — Margareth falou de
súbito tentando organizar os pensamentos. — E curvando-
se numa reverência discreta e delicada.
É claro que ela sabia que o marido não a
repreenderia por algum pequeno deslize e como ele
também não suportava aquele duque e sua esposa, talvez,
mas só talvez, ela pudesse se dar ao luxo de responder
como aquela verdadeira megera merecia.
— Algumas pessoas consideraram uma afronta
vocês dois não estarem presentes enquanto seus
convidados chegaram...
— E a senhora, o que achou? — Margareth
curvou-se aproximando o rosto ao da mulher de forma
intimidante.
— Inexperiência.
— Oh! Mas a senhora me toma com muito carinho.
— Margareth falou, um sorriso inocente brotando em seu
rosto.
A mulher não disse nada.
— Sabe, meu marido é um conde, ele só faz o que
quer. — Margareth deu de ombros. — A senhora deve
compreender muito bem isso, afinal o seu é um duque.
A duquesa já começava a dar-se por satisfeita,
como se tivesse sido vitoriosa quanto a descobrir a
brutalidade e a selvageria do conde quando Margareth
tocou a face, fingindo corar.
— Posso confidenciar uma coisa à senhora?
A mulher assentiu, curiosa.
— Imagine que eu já estava pronta para descer e
receber meus adorados convidados quando meu marido
resolveu que desejava averiguar se eu estava vestida
adequadamente. — Margareth sorriu e a mulher bufou
consternada.
A condessa continuou, direcionando o olhar da
duquesa para onde o Hugh em toda sua boa forma e
carisma atraia mais homens para a conversa.
— Imagine que descobri que meu marido tem um
grande interesse pelas partes intimas femininas. As minhas
em especial...
A duquesa avermelhou seu rosto inchado, estupefata
demais para falar.
— Devo dizer que nunca imaginei que ser casada
com um homem tão forte e bonito poderia ser tão bom. Há
semanas que mal durmo...
— Oh! Garota insolente. — A mulher resmungou,
afastando-se com o rosto muito vermelho.
Uma dama, beirando não mais que vinte anos parou
ao lado de Margareth logo que a duquesa saiu bufando e
reclamando. A garota tinha lindos olhos infantis e um
corpo muito bonito, apesar de muito magro. Fez uma
reverência respeitosa e sorriu, esperando que Margareth
consentisse sua fala.
— É a festa mais bonita em que já estive.
— Oh! Que amável de sua parte. — Margareth
sorriu, reparando na honestidade da garota.
A menina virou seus olhos caramelos na direção do
jovem que conversava animadamente com o conde.
— Na certa você já dançou com muitos cavalheiros
esta noite. Sendo tão bonita... — Margareth começou a
dizer, mas parou ao notar um suspiro de hesitação na
jovem.
— Posso fazer uma pergunta sincera à senhora,
condessa?
— Desde que você me chame apenas de Margareth,
por mim tudo bem.
A garota animou-se.
— Como a senhora fez para conquistar o conde?
Sabe, ele era um homem muito cobiçado e eu cheguei a
pensar que nenhuma moça conseguiria, mas a senhora
conseguiu e ele parece adorá-la.
Margareth pensou à respeito.
— Para ser sincera não sei. Acho que no início
tentei fazer exatamente o contrário.
— Gostaria de ter essa sorte.
Margareth se compadeceu da garota. Ela estava
encantada com o jovem bonito que seguia Hugh na direção
das duas. Com as faces muito coradas a garota encolheu-
se quando os dois pararam diante da anfitriã da festa.
Margareth notou e pensou que talvez pudesse ajudar um
pouco.
— Querida, deixe-me apresentá-la ao meu amigo, o
jovem Marquês de Hartington.
— Por favor, me chame apenas de Leonard, não
gosto muito dessas formalidades.
— Leonard logo terá que se acostumar com essas
formalidades, afinal é o filho mais velho do Duque de
Devonshire.
— Oh! Por isso o reconheci. Como vai Leonard? —
Margareth sorriu, reverenciando de forma espetacular.
A jovem ao seu lado repetiu o gesto, com o rosto
muito corado.
— Leonard é com certeza um grande amigo. —
Hugh sorriu.
— E depois do meu esposo, o jovem mais bonito do
salão.
Os dois homens sorriram admirados com a
delicadeza e destreza de Margareth.
— Se o senhor me permitir, preciso de uns instantes
de sua atenção com algo sobre a recepção.
Hugh alteou a sobrancelha e Margareth lançou-lhe
um olhar de tédio que o alertou de sua impaciência.
— Será que você me faria um favor, querida? —
Margareth falou para a jovem de quem nem mesmo se
lembrava o nome. — Dê atenção ao amigo de meu esposo
e seja gentil com ele aceitando uma valsa. Ele é um
convidado muito importante.
— Claro, condessa. — A garota reverenciou,
enquanto Margareth puxava Hugh pela mão, sorrindo e
falando sobre a beleza da noite.
Os dois jovens ficaram conversando e Leonard
sorriu quando a garota, um pouco encabulada, aceitou a
valsa. Os dois logo deslizaram sobre o salão, diante de
muitos olhares curiosos.
— O que foi? — Hugh puxou Margareth para um
canto, os olhos preocupados.
— O que foi o quê?
— O que aconteceu? Você disse que precisava falar
comigo...
— Ah! Não foi nada, só queria dar espaço para os
dois se conhecerem. — Ela disse, dando de ombros.
Hugh não conseguiu conter o sorriso, passou os
braços pela cintura da esposa e mesmo sabendo que
aquele gesto poderia ser mal recebido pelos membros da
sociedade, beijou-lhe o pescoço e o rosto.
— Não fazia ideia de que além de uma excelente
anfitriã, você poderia ser uma casamenteira.
Ela retribuiu com outro de seus sorrisos largos que
deixavam qualquer um à sua volta desmanchado. Então,
instantes depois, avistou o duque e a duquesa saindo da
festa com ares de ultraje. Apontou com a cabeça para o
casal e fez um olhar de culpa.
— Acho que provoquei a partida deles. —
Margareth confessou.
— Por quê?
— Porque não resisti à provocação daquela bruxa e
respondi à altura.
Hugh alteou a sobrancelha. Margareth suspirou e
então contou resumidamente o que havia dito à mulher
intragável que ambos conheciam como duquesa.
— Você sabe que ela falará mal de você por anos,
não sabe? — Ele disse, tentando conter o riso. — Não
importa o que tenha dito a ela.
— Não me importo, aquela mulher é horrenda. Não
consegui evitar, me desculpe.
— Talvez eu tenha dito uma ou duas coisinhas sobre
nós ao duque, também.
Sorrindo, os dois voltaram para a pista de dança,
onde um lacaio indicou à orquestra para tocar outra valsa.
Dançaram arrebatados, esquecendo-se completamente de
tudo à sua volta.
Quando finalmente não havia mais nenhum
convidado na casa, os dois deitaram-se na cama, no
quarto de Margareth, completamente esgotados.
Dezessete

Margareth acordou sentindo muito frio. Chamou


Hugh e os dois enfiaram-se sob as cobertas. A lareira não
estava acesa e o frio poderia deixar qualquer sujeito forte,
doente. Ela não precisava de outra noite à beira da morte
por causa do frio daquela época, portanto não fez
cerimonias ao colar o corpo pequeno ao do marido.
Aninhada, não demorou a pegar no sono outra vez. Em
semanas, foi a única noite em que dormira sem fazer amor.
Pela manhã, ela declarara que os dois deveriam
compensar isso e não o deixou sair da cama até à hora do
almoço. Quando desceu as escadas para a refeição, Hugh
sentia-se quase tão cansado quanto quando deitara, depois
da festa na noite anterior. Margareth por outro lado,
reluzia de felicidade e cantava dentro da banheira cheia
de água quente e óleo de flores que Mad, aos risos
preparara. Para qualquer um ali estava bastante claro:
Quando Hugh estava com olheiras, estava de bom humor,
e Margareth era, sem sombra de dúvidas, a única causa
para isso. Se ela cantava, ele sorria e à noite, voltavam a
dividir a mesma cama.
Cerca de duas semanas se passaram desde a
recepção que Margareth providenciara e que fora
simplesmente fenomenal. Desde então não se passara um
dia em que não chegara um convite para chá, jantares e
almoços em clubes. Não havia quem, na sociedade
britânica, que não sonhasse em ter o casal desfilando em
algum evento seu. Mas Hugh só pensava em uma coisa:
Vingança.
Hugh arrumou-se com elegância e foi para o
parlamento. Há um bom tempo que não cumpria com suas
obrigações de conde. Embora ainda pudesse usar como
argumento o recente casamento para ficar afastado, queria
e precisava voltar a participar das atividades da câmara
dos lordes. Se tudo tivesse corrido como esperado, sua
popularidade com aqueles homens fúteis e egocêntricos
teria subido muito graças ao sucesso da atuação de sua
jovem esposa. Havia apenas um empecilho a ser
superado: Paxton.
A reunião fora acalorada, os homens bufavam e
gritavam, discutiam uns com os outros e com o nada. As
paredes do enorme salão do parlamento pareciam estar
recuando para o centro da sala e Hugh sentia-se à beira de
sufocar. Sempre gostara da vida ao ar livre e, ser
obrigado a ficar enfurnado naquele local, com aqueles
homens desagradáveis, que gritavam e fumavam seus
charutos fedorentos, lhe provocava uma vontade enorme
de abrir um buraco no solo e esconder-se do mundo, até
que tudo estivesse acabado.
Para piorar ainda mais sua situação, Paxton estava
com um excelente humor e não perdia a oportunidade de
irritar Hugh, jogando quantos lordes pudesse contra as
decisões do conde. Na verdade nada daquilo realmente
importava, nada que aquele duque frustrado fizesse
realmente poderia atingir Hugh, ele não tinha nenhum
interesse real nas coisas ali, mas aproximar-se daqueles
homens, descobrir suas fraquezas e derrotá-los, era um
percurso longo e aquela era uma estrada para isso. Cada
novo veto que o maldito Paxton conseguia contra Hugh,
cada novo aliado roubado, era uma linha tensa que se
formava no rosto do jovem e selvagem conde.
Se as coisas continuassem daquela forma, só uma
coisa poderia resolver o problema. Hugh não era dado a
desaparecer com pessoas, pelo menos não da forma como
ele vinha pensando em fazer com aquele Duque maldito,
que sempre se interpunha em seu caminho. Se o momento
em que isso fosse necessário chegasse, ele teria de ser
cuidadoso. Mas uma coisa Hugh não podia negar, adoraria
apertar aquele pescoço papudo até que o ar sumisse
completamente das bochechas rechonchudas e suadas de
Paxton.
Hugh afundou no banco ao lado do jovem Leonard
que tinha seu primeiro grande discurso naquele dia.
— Se não fosse por você, eu já teria dado o fora
daqui. — Hugh deixou escapar para o garoto que
misturava feições de medo, ansiedade e alegria.
— Você não imagina como fico grato.
Hugh apenas sorriu, dando um tapinha de leve nas
costas do garoto. Era um bom rapaz, cheio de energia,
vigor e um futuro brilhante pela frente. Uma pena Hugh ter
de usá-lo para conseguir alguns de seus propósitos.
— Está concluído então. Sua menção foi negada
conde de Surrey. — Paxton falou, abrindo um sorriso
maldoso e olhando diretamente para Hugh.
Hugh levantou-se furioso, bateu com os punhos na
mesa e sentiu que sua cabeça ia estourar. Vermelho, saiu
furioso, deixando a reunião e uma porção de olhares
confusos.
No caminho para casa, enquanto o cocheiro teimava
com um par de cavalos bem nutridos e lutava com os
sacolejos provocados pela rua de chão batido que
desembocava na imensa propriedade de Hugh, o conde
vinha completamente entretido pelos pensamentos irados
direcionados para o maldito duque Paxton. Aquela erva
daninha que parecia estar completamente ciente de sua
vontade de esganá-lo e por isso o provocava ainda mais.
Mas Hugh estava decidido, daria um jeito naquela maldita
criatura feia e desgraçada. Depois disso, tudo finalmente
entraria nos eixos e poderia concluir seus planos.
O jovem lacaio abriu a porta da charrete e tossiu
para chamar a atenção de Hugh. Demorou alguns segundos
para que ele compreendesse que já estavam em casa.
Desceu cambaleante e se pegou cobrindo o rosto com o
braço, quando o sol avermelhado de final de tarde o
tomou de susto e o cegou.
— O senhor ainda vai precisar da carruagem? — O
criado falou, baixando imediatamente os olhos para o
chão e deixando os ombros penderem desajeitadamente.
— Não! — Hugh resmungou, afastando-se do jovem
que soltou o ar dos pulmões assim que o conde
mergulhara na residência pela porta central.
Margareth abriu um sorriso terno ao ver o marido
entrar na sala. Sua vontade era correr imediatamente para
seus braços, mas não o fez quando percebera seu olhar
quadrado, vincado numa expressão dura que misturava
desespero, angustia e fúria. Resignou-se a segui-lo pela
escadaria, em silêncio. Ele bufava e suspirava pesado a
cada novo passo sobre os degraus. Não disse uma única
palavra durante o trajeto curto que fizeram até o quarto
dele. Margareth sentia-se inquieta e tensa. Já o vira
furioso muitas vezes, mas nunca com uma expressão tão
forte como aquela. Havia algo mais ali. Algo que a
desesperava pelo simples fato de perturbá-lo. Ela queria
perguntar, ansiava por aconchega-lo em seu ventre,
acariciar seu rosto e beijar-lhe os lábios, mas não o fez,
permanecendo em silêncio enquanto Hugh arrancava as
roupas com fúria.
Geralmente um lacaio se apressava a pegar a casaca
e a cartola do conde quando este chegava à residência,
mas naquele dia ninguém ousara, sequer, a fazer
reverência quando o homem irrompera porta à dentro,
perdido em pensamentos e com a expressão mais
assustadora plantada no rosto.
Hugh jogou tudo no chão. Finalmente dirigiu um
olhar torto e sombrio para a esposa que prendeu a
respiração. Como sempre ele estava lindo e nu, era uma
visão ainda mais selvagem. O peitoral cheio de gomos
que balançavam levemente à medida que respirava. Os
braços desenhados como a imagem de um Deus em um
quadro ou uma daquelas estátuas que sempre provocavam
espanto nas jovens donzelas. Margareth não precisou
dizer nada. Ela sabia o que ele esperava dela e ansiava
por aquilo, mesmo que o desejo do marido fosse motivado
apenas por sua necessidade de acalmar os nervos.
Quando Hugh enlaçou-a nos braços fortes,
Margareth já havia arrancado até a última anágua,
praticamente destroçado as fitas do espartilho e jogado
suas roupas intimas para longe. Nua, era uma criatura
ainda menor, delicada e frágil que poderia ser
estraçalhada pelo desejo selvagem de Hugh e com esse
pensamento ele a tomou nos braços, beijou-lhe os lábios
com avidez e a deitou de bruços na cama.
Margareth não conseguia pensar em nada. Seus
nervos, seus sentidos, cada partícula de seu corpo, tudo
estava completamente concentrado nas sensações
deliciosas que o toque de Hugh provocavam em sua pele.
A condessa sentia como se suas intimidades fossem
incendiar a cada novo arrepio que o toque dele
provocava.
Em poucos instantes, Margareth arquejava e gemia
baixinho, sentindo as mãos brutas do conde apertando
seus seios e os lábios mordiscando seu pescoço. Ele
passou o membro ereto em suas nádegas e a jovem arfou.
Era inebriante e ela sentia-se completamente entregue ao
prazer que ele podia proporcionar-lhe. Hugh estava
calado, mas seu rosto começava a relaxar à medida que
sentia o corpo de Margareth resfolegando em contato com
o seu. Tivera muitas mulheres e deitara em muitas camas,
mas em nenhuma delas havia encontrado sede maior do
que aquela jovem rebelde tinha. Jamais havia gostado
tanto de satisfazer uma outra pessoa que não fosse ele
mesmo.
Hugh colou o corpo de Margareth ao seu. As costas
da jovem prenderam-se ao seu peito e as nádegas roçaram
de leve em seu membro, deixando-o ainda mais excitado.
Margareth gemeu novamente. Hugh passou a língua por
seu pescoço, chegando à nuca, enquanto encaixava as
mãos sobre os seios firmes e apertava-os, fazendo o corpo
da esposa chegar ainda mais perto e sorvendo os gemidos
de prazer que ela deixava escapar.
Margareth virou-se de súbito e tocou o rosto de
Hugh, beijou-lhe os lábios com ternura e então o deitou
sobre a cama macia, que ainda estava arrumada com
almofadas e travesseiros de plumas. Hugh obedeceu sem
dizer nada. Os olhos tomados pelo prazer.
Geralmente o conde conduzia a relação, levando-a a
momentos de intenso prazer e ensinando-a a como lhe
agradar, mas hoje, mais do que nunca, Margareth sabia o
que tinha de fazer e desejava muito aquilo. Não apenas
tomar as rédeas do ato, mas satisfazê-lo e descobrir a si
mesma. Aquela era sua missão.
Primeiro percorreu o peitoral delineado do conde
com a língua, mordiscando os mamilos e depois descendo
bem devagar até sua coxa, onde passou os dentes bem
devagar e arrancou um gemido deliciado de Hugh.
Depois, com delicadeza foi chegando o rosto mais perto
do membro do marido que já estava muito rígido. Ela
poderia facilmente abandonar suas ideias e sentar-se ali
naquele momento, esquecendo o marido e provocando seu
próprio prazer, mas tratou logo de afastar o egoísmo
sexual que surgia nela sempre que estava diante daquela
cena e molhou os lábios. Os olhos de Hugh não tardaram a
encontrar os seus. Ela não desviou, ignorando qualquer
fagulha de vergonha que poderia nutrir. Baixou os lábios
na direção do membro de Hugh e ainda com os olhos
cravados nele, mergulhou-o na boca. Hugh arquejou no
mesmo instante e Margareth sabia que acabara de vencer a
maior batalha de todas. Hugh, agora, pertencia a ela, sem
qualquer reserva e sem qualquer impedimento. Era seu do
jeito mais verdadeiro que poderia existir.
Com movimentos lentos a princípio, Margareth
percorreu o membro com a boca, molhando-o, beijando-o
e sugando em seguida. À medida que Hugh mexia os
quadris de excitamento, ela ia intensificando os
movimentos. Hugh não demorou para chegar ao ápice e
despejar seu liquido viscoso dentro da boca de
Margareth, que o sorveu em silêncio e com uma satisfação
fenomenal. Ele era seu, pra sempre!
Margareth deitou-se ao lado de Hugh na cama,
esperou que ele se sentisse recomposto e aninhou-se em
seu peito. Mas o conde ainda não estava pronto para o fim
e não demorou para abandonar a postura branda e dominar
a situação. Primeiro ajustou as costas de Margareth na
cama e com força abriu suas pernas. Ela suspirou e sorriu,
adorava aquela impetuosidade que ele tinha sempre que
estava ávido por seu corpo.
Sem demora, Hugh mergulhou o rosto no aparelho
feminino da esposa e com a língua começou a acariciá-la.
Percorreu primeiro a parte superior, afastando os pelos e
passando a língua pelo que lhe pareciam lábios inchados.
Depois desceu até à cavidade mais úmida que se abria à
sua espera. Mergulhou a língua ali seguidas vezes,
arrancando pequenos grunhidos de prazer de Margareth
que começava a agarrar com força os lençóis. Hugh
colocou um dedo bem devagar no orifício e Margareth
suspirou em resposta. Depois ele começou a friccionar o
dedo e logo em seguida passou a arremeter, como se fosse
seu membro. Ao mesmo tempo, movimentava a língua de
forma frenética. Margareth mexia os quadris de forma
ritmada, deixando-se gritar quando finalmente alcançou o
prazer máximo.
Hugh não esperou que ela terminasse de se
contorcer e a virou de costas, penetrando-a enquanto
apertava seus seios.
A princípio seus movimentos foram lentos e
delicados, mas logo ele estava novamente tomado pela
loucura do ato e começou a estocar com força, puxando os
seios da esposa e mordiscando seu pescoço. Margareth e
Hugh chegaram ao ápice quase ao mesmo tempo.
Repetiram tudo novamente, cerca de meia hora depois.
Cansado e livre de qualquer trava que o mantivesse
distante e frio, Hugh deixou-se envolver pelos braços
pequenos e delicados de Margareth, aconchegando a
cabeleira negra nos seios e deixando o nariz roçar na pele
macia e com cheiro de rosas.
Margareth acariciou os cabelos de Hugh sem dizer
nada. Não sabia que palavras usar para romper a muralha
que ele parecia ter criado em torno de seus segredos. Mas
sabia que algo o afligia e isso a perturbava ainda mais.
Hugh cochilou por alguns instantes, a respiração
tensa. Margareth não se moveu, deixando os olhos
pesarem e as pálpebras cerrar em seguida. Quando ela
abriu os olhos, Hugh estava sentado na cama, os cabelos
desgrenhados e os olhos tristes. Olhava para ela com um
misto de espanto e curiosidade. Ela sorriu e fechou os
olhos mais uma vez. Abriu-os um instante depois e Hugh
continuava daquela maneira, observando-a taciturno.
— Seja o que for, daremos um jeito. — Margareth
falou, ainda com os olhos fechados.
— O que você disse?
— Não importa o que for, vou ajudá-lo.
Dezoito

As palavras de Margareth pegaram Hugh


completamente desprevenido e ele não conseguiu mais
resistir, deixando a cabeça cair sobre seu corpo e a
abraçando com desespero. Soluçou por horas, enquanto
narrava tudo o que guardava no mais absoluto sigilo e que
fatigava sua alma de forma tão arrebatadora e dolorosa,
que o fazia sentir-se como uma fera brutal a maior parte
do tempo.
Margareth chorou junto com ele. Abraçando-o,
completamente compadecida de sua dor. Mais do que
nunca compreendia a selvageria do marido e a ânsia por
ser sempre o dono de tudo, principalmente da situação.
Era mesmo um homem muito forte para suportar tamanha
tristeza e ela sentia-se, mais do que nunca, apaixonada.
Tessie era uma jovem de cabelos encaracolados
rebeldes. Tinha olhos verdes que pareciam o céu noturno
e uma boca muito vermelha. A pele era pálida e macia,
embora ela apanhasse sol quase todos os dias. As mãos
não tinham sinais da labuta diária, ainda que trabalhasse o
dobro que a maioria das jovens da sua idade. Era forte,
ainda que tivesse o corpo pequeno e frágil. Era
determinada e tinha a língua feroz. Fora trabalhar com a
família Ruthenford quando tinha quinze anos. Era a
sobrinha da governanta da casa do condado, em Surrey.
Uma mansão deliciosamente arejada e uma das mais
imponentes construções de toda a Londres da rainha
Victória.
Logo na primeira primavera que passara
percorrendo a imensa propriedade, Tessie teve certeza de
que jamais conseguiria viver em outro lugar. Amava não
apenas os animais que corriam livres pelas léguas de terra
e verde, mas amava a floresta fria que se alongava por
toda a extremidade lateral e seguia até o primeiro
povoado muito longe dali. Amava o chiado do vento à
noite que parecia dizer-lhe algum segredo e, acima de
tudo, os imensos olhos castanhos do jovem lorde, Rodolf.
Tessie vivia sorrindo, mesmo quando executava a
pior de todas as tarefas domésticas. Andava descalça
sempre que podia e escarafunchava a terra enfiando rosas
ou arrancando escaravelhos para provocar as outras
criadas, que se julgavam acima dela pelos mais bobos
motivos. Tessie tinha um espirito travesso e vivia metida
em encrencas. Aos dezessete anos, já não mais podia
correr descalça e com os cabelos desgrenhados, pois era
a assistente da tia, e sentia-se orgulhosa por ter
conseguido o cargo com seu mérito e eficiência.
Ainda que sentisse saudades da vida ao ar livre,
ficava cada vez mais dentro da moradia e executava
mecanicamente tudo o que lhe era mandado. A perfeição
era um traço forte de sua personalidade e raramente era
repreendida por cometer algum erro. Não havia criado,
lacaio ou pessoa naquela região que não a conhecesse e
adorasse. Sua fala forte e seu sotaque arrastado das
classes inferiores era sempre ouvido à distância, e suas
discussões sobre coisas tolas eram sempre arrematadas
com piadas que as damas provavelmente jamais deveriam
pronunciar. Mas Tessie não era uma dama, era apenas uma
criada e já que tinha de limpar penicos para sobreviver,
sem qualquer classe, não se importava de falar algumas
bobagens no meio de outros camponeses desbocados
como ela.
O lorde Rodolf, filho único dos Ruthenford era
muito diferente. Tinha belos olhos castanhos e uma
aparência muito aristocrática. Além de modos impecáveis
que o tornavam não apenas o próximo conde como
também um dos mais indicados para assumir o parlamento
como primeiro ministro. Era um jovem de vinte e três
anos de fala mansa e olhar perdido e estava prometido à
filha de um duque muito poderoso.
Mas Rodolf não gostava de Londres, do barulho das
carruagens e das gentes falando horas e horas nas festas,
chás da tarde e passeios de domingo. Ele gostava de
sossego, do som da correnteza ao longo de um rio e
gostava do riso de uma jovem criada de cabelos negros
cacheados que andava pela casa cantarolando alguma
canção das classes inferiores. Rodolf sabia que era
imperdoável se deixar envolver pela beleza e encantos de
uma camponesa, uma criada sem classe, bens e título.
Sabia que uma união seria impossível e o máximo que
poderia fazer era desfrutar de bons momentos com a
garota, tentando evitar desonrá-la para qualquer
casamento. E sempre que a via perambulando pela casa
com seus modos impetuosos, ele sentia uma dor no
estômago. Queria mais do que tudo deitar-se na cama dela
e mergulhar entre suas coxas, mas não queria que, para
isso, causasse qualquer mal a garota.
Gostava dela e se via, constantemente envolvido em
discussões sobre bobagens da fazenda com ela. E Tessie
sempre o vencia. Não por que seus argumentos fossem
melhores do que os do jovem letrado lorde, mas porque
era um delicioso prazer vê-la sorrindo por ser a vitoriosa.
Perder uma discussão para alguém como ela era um preço
pequeno a ser pago, pelo simples prazer de sua companhia
e riso. E ela ria muito, deixando-o atordoado e corado a
maior parte do tempo.
Rodolf não era dado a grandes conversas sociais e
mostrava-se rebelde sempre que a temporada londrina se
iniciava. Acreditava que os homens, mesmo os nobres,
deviam cuidar de suas propriedades e fazer com que a
riqueza crescesse, ao invés de viver no ócio como a
maioria achava ser a forma correta. O jovem adorava
andar pelas estradinhas de cascalho, observando os
homens trabalhando nas plantações ou cuidando dos
animais. Gostava ainda mais de ver a vida ganhar beleza a
cada nova primavera, depois os desfolhamentos ainda
mais esplêndidos no outono. Tudo em Surrey era
impressionante e ele se via vivendo ali definitivamente,
assim que fosse o conde e não apenas o filho herdeiro.
Seis meses antes da oficialização do compromisso
com a jovem para o qual estava prometido, Rodolf fora
acometido por uma doença que quase tirara sua vida. Fora
afastado dos familiares, trancafiado em um quarto
escurecido, fechado em Surrey Hall e deixado à espera da
morte, com uma febre que o fazia tremer e ranger os
dentes. Os médicos já o haviam desenganado e os pais,
resolutos da morte do filho, já planejavam o funeral.
Mas havia alguém, uma única pessoa que não havia
desistido e não cogitava a hipótese de deixá-lo morrer:
Tessie. Ainda que contrariando as ordens da tia, a criada
passava noite e dia ao lado do jovem lorde. Trocava suas
roupas empapadas de suor, banhava-o com água morna e
quando estava no ápice da febre, mergulhava-o, sozinha,
dentro de uma banheira com água fria. Depois vestia-o,
dava-lhe uma canja e o enfiava sobre os lençóis,
deitando-se ao seu lado e aconchegando-o sobre o vestido
de linho grosseiro que prendia os seios fartos dentro do
uniforme.
Passaram-se cerca de três semanas até que Rodolf
desse qualquer sinal de melhora. Tudo começara quando
Tessie, cansada da escuridão e do cheiro úmido que
impregnava o quarto e mofava as paredes, passou a abrir
as imensas janelas. Mandara trazer mel e ela mesma
criara uma infusão com chá de menta e leite. Ninguém
dizia nada para a garota, não porque seu humor estivesse
ácido e rabugento com os maus cuidados que eram
dedicados ao rapaz desenganado; nem porque tivessem
medo que ela estivesse doente por causa do constante
contato com a doença, mas porque todos viam a luta que
ela travava pelo jovem a quem entregara seu coração.
Ninguém tinha coragem de dizer que era tudo em vão.
Ninguém ousava afirmar que Tessie deveria desistir e
parar de lutar sozinha contra a morte certa do garoto.
Ninguém tinha coragem sequer para lhe dar bom dia.
Tessie emagrecera muito e pouco ajeitava-se
naqueles dias. Andava sempre com os cabelos enfiados na
touca e o rosto avermelhado pelo esforço de cuidar
sozinha de um rapaz que tinha, ao menos, o dobro do seu
tamanho.
Numa manhã, Rodolf estava decidido a dizer tudo
que tinha guardado no peito, antes de morrer. Abrira a
boca mas a saliva grossa secara seus lábios. Ele engasgou
e tossiu. Tessie molhou seus lábios com um pouco de água
e depois esmagara-os com uma colherada da infusão doce
que vinha enfiando goela abaixo há dias. Ele sorriu. Um
sorriso amarelo e triste. Tessie deu-lhe água alguns
momentos mais tarde e acariciou seus cabelos. Abriu as
cortinas e pegou um livro, colocando-o sobre seu colo.
Ela não sabia ler, mas a simples menção disso a deixava
muito envergonhada. Rodolf sabia, mas jamais ousaria
confrontá-la com qualquer coisa que causasse seu
desconforto. Ele sempre sorria e afastava o livro, como se
não estivesse interessado na leitura. Passava a maior parte
do tempo dormindo ou espasmando com febre e no
restante, tentando sorrir ou falar com Tessie, que sempre o
impedia com gestos de mão exagerados e resmungos
autoritários de uma ama.
Naquela manhã ele estava decidido, diria ao menos
obrigado. Antes que pudesse conseguir, seu corpo fora
acometido pela febre mais forte desde o início da doença.
Seu corpo sacolejava e espasmava. E Tessie desesperou-
se ao compreender como o cansaço e a pouca alimentação
a enfraqueceram a ponto de não conseguir sequer amparar
ao jovem para chegar à banheira. Tessie começou a gritar.
Pedia socorro e implorava. Muitos lacaios e criadas se
amontoaram na porta rezando, mas ninguém ousava entrar
no quarto, aterrorizados pela ameaça da enfermidade.
Tessie se viu em tamanho pranto e desapontamento
que entre o choro e os gritos, levou Rodolf arrastado pelo
quarto até à banheira no outro cômodo. Entrou ela mesma
na água gelada e puxou-o em seguida, deixando o corpo
pesado do moribundo cair por cima do seu. Se ele
morreria, ela não se importava de ir junto. Mesmo que no
fundo de seu coração soubesse que nutrir esperanças era
quase como um pecado, e sabendo que provavelmente um
dia seria a criada da esposa dele, ela continuava ali,
entregando todo seu amor e suas forças por sua vida.
— Por favor. Por favor. — ela chorava. — Seja
forte.
Enquanto arrancava a roupa de baixo de Rodolfo e a
camisa de linho empapada de água gelada e suor, ela
rezava, resmungava e até xingava o garoto por estar sendo
tão levado. Depois chorava e dizia o quanto o amava, e o
quanto estaria disposta a dar sua vida pela dele. Logo que
a febre baixou, Rodolf abriu os olhos castanhos cansados
e sorriu, consciente da situação constrangedora em que
estava. Tessie ainda balançava o corpo aninhando-o em
seu peito. Choramingando uma cantiga de ninar da mesma
forma que sua mãe fazia quando ela era pequena.
— Obrigado. — Rodolf gaguejou. — Também amo
você.
Depois daquela tarde terrível, Rodolf pareceu
recuperar-se com rapidez. Como se toda a enfermidade
não tivesse passado de um resfriado de poucos dias e
agora já desse lugar a boa saúde e a faces rosadas. Logo
ele recuperou as forças para andar, falar, ler e discutir
com Tessie. Numa noite gelada, ele impediu que a garota
fosse para o seu quarto e a beijou com a sede de alguém
que está preso no deserto por dias inteiros. Ela tentou
relutar, mas tomada pela paixão acabou deitando-se em
sua cama e deixando que ele descobrisse o fervor de seu
corpo e o prazer de explorar suas partes mais intimas.
No dia seguinte o conde entrara pela porta de forma
intempestiva. Tessie arquejou de espanto quando este a
arrancara dos braços do filho e a jogara no chão.
— Venho aqui para encontrar um filho que fez o
milagre de se curar e o que encontro é esta
desavergonhada enganchada em você... — O homem
berrava.
Tessie chorou acuada em um canto do quarto.
Rodolf tentava consolá-la, gritando em resposta ao pai
que ela seria sua esposa e ninguém poderia impedi-lo. O
velho conde gargalhava e gesticulava dizendo que antes
que isso pudesse acontecer o mandaria para o inferno.
Rodolf se manteve firme, mas o velho também não se
deixava dominar por ninguém.
Três dias depois, enquanto Rodolf ia conversar com
o capitão de um navio e tentar suborná-lo para fugir com a
jovem criada para qualquer lugar do mundo, o velho
conde deu uma pequena e secreta recepção na
propriedade. Dispensando quase todos os criados e
deixando apenas jovens lacaios para servir aos
convidados. Entre os selecionados estava o duque Paxton,
um homem rechonchudo de pele pálida e nariz
arredondado, beirando os trinta e poucos anos.
Depois do jantar o conde os levou uma sala que
estava arrumada com esmero. Mandou Tessie servir vinho
aos cavalheiros e em seguida tirar suas roupas. Ela ficou
aterrorizada e tentou fugir. Dois lacaios a impediram,
segurando-a de pernas abertas sobre a mesa cheia de
louças reviradas e quebradas.
Tessie lutou, esperneou e chutou com força, mas
como em um ritual de brutalidade, os homens foram
ajeitando-se numa obstinada fila e fazendo com que seus
desejos carnais fossem satisfeitos de forma grotesca sobre
o corpo minúsculo da garota. Logo, Tessie estava jogada a
um canto da sala, inconsciente.
Um único homem não quisera participar da cena
brutal, um rapaz que beirava os vinte e três anos e tinha
uma cabeleira loura arrepiada. Um jovem que seria
conhecido, alguns anos depois, como Duque e dez anos
mais tarde teria um filho com uma esposa espanhola a
quem chamaria de Leonard. Pior do que ver a cena brutal
de como aqueles homens usufruíam do corpo da garota,
era ter de ficar calado. Depois do terceiro homem
apossar-se de Tessie e do choro desesperado da garota, o
jovem não mais podia suportar aquilo e saiu feito um
furacão, batendo em um criado com fúria ao cruzar sua
passagem e tentar dissuadi-lo de deixar o local.
— Pode mandar esse conde de merda para o diabo!
— O rapaz gritou perdendo a compostura.
Sabia que a jovem acabaria morrendo pelo que lhe
fora infringido, mas sabia mais do que isso, conhecia bem
a história de Rodolf, e depois de ver os lindos olhos
verdes aterrorizados, sabia que só tinha uma coisa que
podia fazer: Mandar um criado ao porto, interceptar
Rodolf e deixar que o rapaz traçasse seu destino. Nada
bom poderia resultar daquela noite.
— Meu Deus Hugh, não posso imaginar... —
Margareth interrompeu a linha de pensamento do marido
que congelou por alguns instantes. Retomando a narrativa
em seguida a ela tocar-lhe as faces com ternura.
Rodolf encontrara Tessie completamente apagada,
num canto da sala. Sua pele alva estava maculada por
sangue, vinho, e uma mistura de fluídos. Ela arquejou
quando ele a tocou de leve. Trêmula começou um choro
lamurioso. Rodolf olhou ao redor vendo o sorriso
vitorioso do pai e muitos olhos afoitos, uma mistura de
excitamento, pavor e até repulsa pelo resultado final da
festinha particular do conde de Surrey. Um homem sorria.
E Rodolf jamais esqueceria dos olhos malignos dele.
— Cada um de vocês terá o que merece. —
Rodolf falou, antes de sair da sala de bebidas com Tessie
desmaiada nos braços.
Naquela noite ele cuidara de seus ferimentos, a
banhara, vestira com uma de suas camisas e zelara por seu
sono. Na manhã seguinte mandara que duas criadas a
levassem para sua casa na cidade e dissessem a sua mãe
que cuidasse pessoalmente dela, pois seria sua esposa.
Depois foi ao quarto do pai e encontrara o velho com sua
bengala e cartola, se aprontando para voltar a Londres.
Sem pensar muito, Rodolf enfiara uma faca no
ventre do pai, sorrindo quando o velho arquejou de dor e
um fio de sangue começou a correr pelos lábios murchos.
Rodolf mandou chamar o representante do pai e inventou
uma história de que um lacaio embevecido entrara no
local e acertara-o. Disse que tentara lutar com o homem,
mas que ainda não estava completamente recuperado e por
isso o homem, que era sem dúvida muito forte, conseguira
escapar. A governanta, que sabia de tudo, teve um prazer
sinistro ao confirmar cada palavra do novo senhor da
casa. Jamais tornaria a tocar no assunto, indo viver em
uma casa no interior com conforto e sem qualquer contato
com a sobrinha, custeada pelo jovem conde Rodolf.
Investigações rápidas foram feitas e nada mais foi falado
a respeito. A moral e a nobreza do conde diziam que ele
jamais mentiria a respeito, ainda que fosse ele mesmo, o
assassino do pai. Ninguém questionaria sua história.
Quatro semanas foram necessárias para que Tessie
conseguisse pensar com clareza e não tivesse uma crise
cada vez que Rodolf tentasse se aproximar dela. Os dois
casaram-se em uma cerimônia muito discreta e ninguém
ousou questionar a nobreza da jovem, ao vê-la vestida
com luxo e desfilar na igreja com a classe de uma dama.
Rodolf espalhara uma estória de que teria se casado com
a filha de um nobre de uma parte distante da Europa e por
isso a garota ainda aprendia os costumes dos britânicos.
Muito a contragosto mas sem nunca se queixar, a mãe de
Rodolf transformara Tessie em Cecil, a filha mais nova de
um lorde norueguês. Cecil era sempre a mulher mais
bonita das recepções e Rodolf sempre esbanjava
felicidade quando estava ao seu lado. Os dois sorriam
mesmo quando todos os outros estavam sérios.
O tempo ia passando e o casal nunca discutia
sobre o que acontecera, mas Rodolf se culparia pelo resto
da vida pelo que seu pai impusera a mulher que amava.
Os dois viajaram por mais de um ano depois do
casamento e quando voltaram traziam um bebe com os
cabelos negros e cacheados e os olhos verdes da mãe.
Hugh aprendera a trabalhar por que Tessie insistia que um
jovem precisava conhecer bem o que tinha. Como Rodolf
amava Surrey passavam lá a maior parte do tempo e ele
ensinava ao filho todos os princípios que achava
necessários e que qualquer outro fidalgo provavelmente,
repreenderia. Ele era um nobre, mesmo que ainda
houvesse a possibilidade de não ter o sangue Ruthenford
nas veias.
Hugh crescera vendo a paixão que os pais tinham e
a dor que o pai guardava no peito, sempre que o olhava
fazendo alguma travessura. Havia algo ali, mas o homem
jamais dizia coisa alguma, embora entristecesse o olhar
de vez em quando. Eram como qualquer outro pai e filho.
Discutiam às vezes, fumavam juntos e pescavam também,
provocavam Tessie e roubavam tortas da cozinha.
Tessie morrera quando Hugh tinha 18 anos. E ele e
o pai choraram juntos ao enterrá-la no cemitério da
família. A avó, que pouco se fazia presente no seio
familiar, veio no dia do enterro e colocou uma flor no
túmulo. Depois beijou o filho com ternura e olhou de
soslaio para o neto. Ela nunca fora muito carinhosa com
Hugh e se mantinha o mais distante possível do garoto,
mas gostava de Tessie apesar de todas as circunstâncias.
Não tinha como evitar, todos gostavam dela. Seu
riso incendiava a casa e sua voz embalava o sono. Era
sempre a encrenqueira que deixava o marido louco da
vida. À noite, depois que brigavam durante o dia inteiro,
os dois gemiam e riam, anunciando que as pazes haviam
sido feitas.
Rodolf morrera cerca de seis meses depois,
completamente bêbado, sujo e desgrenhado. Por mais que
o médico dissesse que Tessie morrera por complicações
cardíacas, o conde afirmava que todo o mal que ela
sofrera era sua culpa. Ninguém o entendia, até que duas
noites antes de ele mesmo deixar a vida, bêbado,
despejara toda sua história para Hugh, que nunca mais
teve paz.
A última coisa que ele podia fazer para o pai era
prometer vingança. E vingança seria o que ele faria contra
todos que humilharam seus pais e maltrataram sua mãe.
Dezenove

Margareth passou o resto do dia com um terrível


embrulho no estômago. Nenhum dos dois desceu para as
refeições. Tomaram banho na mesma banheira,
acariciando-se em silêncio e comeram no quarto,
deitando-se em seguida com os braços sob a cabeça e os
olhos fixos no teto. Não falaram muito desde que Hugh
finalmente abrira seu coração e contara tudo que o tornava
o homem que era. A princípio ele se preocupara se aquela
história, sua história, não o tornava menos digno de
Margareth. Afinal, talvez ele não fosse filho de seu pai e
nem o descendente dos Ruthenford. Mas ela parecia
preocupada com algo mais importante e conhecendo-a
como conhecia, tinha a impressão de que sua linhagem o
tornaria ainda mais atraente para o espirito rebelde dela.
— Acho que precisamos nos mudar para a casa de
Londres. — Ela falou finalmente.
— Mas porquê? Achei que você gostasse daqui...
— Realmente gosto. Preferia viver aqui para
sempre, mas se vamos nos vingar daqueles desgraçados,
precisaremos estar mais perto e de um plano eficaz.
Hugh ergueu-se na cama sobre os cotovelos,
olhando admirado para Margareth que estava muito
pensativa.
— O que foi? — Ela pareceu surpresa ao perceber
que era observada.
— Você é um mistério para mim. — Ele deixou
escapar.
— Pensei que fosse vingança que você queria...
— E é, mas não pensei que você estaria disposta a
me ajudar.
— Eu falei que fosse o que fosse o ajudaria e
agora que conheço os motivos, faço questão!
— Jamais imaginei que conheceria alguém como
você.
Margareth sorriu.
— O que aconteceu hoje, no Parlamento?
— Aquele maldito Paxton. Toda vez que tento me
aproximar do duque de Canterburry ele dá um jeito de me
atrapalhar.
— Paxton? Quer dizer o... tal, sabe que...
— Não, o filho dele. Já faz uns cinco anos que o
desgraçado morreu. E eu nem tive a chance de cumprir
com a minha promessa.
— E o que você pretende?
— Eu preciso me aproximar do duque, aquele
maldito foi o pior de todos com a minha mãe, e o velho
ainda está vivo e feliz, gabando-se por ter se casado com
uma bela jovem depois que sua primeia mulher morreu.
Exibindo por aí uma garota que tem idade para ser neta
dele.
— Então precisamos nos livrar do Duque Paxton
primeiro.
Hugh arqueou as sobrancelhas ao perceber a
expressão insolente no rosto da esposa.
— Acho que tenho uma ideia. — Ela falou, sorrindo
enquanto enfiava a mão por dentro da camisa do marido e
acariciava sua pele trincada.
Os dois estavam instalados na propriedade de
Londres há pouco menos de uma semana. A casa era uma
versão apenas um pouco menor de Surrey Hall. Margareth
já estava adaptada à nova moradia, embora sentisse falta
das cavalgadas pelos campos, dos passeios pelos bosques
e do cheiro de natureza da mansão no condado. Não tinha
do que reclamar, Hugh fazia tudo que estava ao seu
alcance para tornar sua vida o mais agradável possível e
isso incluía trazer a cozinheira e Mad.
A criada estava extasiada, havia sido escolhida
entre tantas para acompanhar a condessa para a cidade e
isso significava usar uniformes melhores, conviver com
pessoas mais elegantes e comer comida ainda melhor.
Andava pela casa como se fosse uma governanta. A velha
que cuidava da casa fingia não se importar com a
petulância da jovenzinha, isso a tornava ainda mais
competente e interessada em tornar os patrões sempre
muito satisfeitos.
Com isso, governanta e criada logo se tornaram
aliadas competentes e amigas intimas. Mad a colocara a
par da situação em Surrey Hall, sobre a quase morte da
condessa e sobre o fato de o conde praticamente dividir o
mesmo quarto com a esposa, não passando praticamente
uma única noite sozinho desde que os dois haviam
finalmente se acertado. Por achar conveniente, a criada
guardou a história com Aila para si e tratou de deixar
claro o quanto admirava a condessa e estava grata por ter
sido escolhida. Era uma moça jovem, praticamente da
mesma idade de Margareth e a jovem condessa gostava de
ter com quem conversar, discutir sobre liberdade e até
estava empenhada em ensinar a menina a ler.
Mas a ida de Mad para a casa de Londres não era
apenas para o conforto de Margareth, ela confiava na
jovem e sabia que sua ajuda seria útil, quando ela e o
marido começassem a traçar seus planos vingativos contra
aqueles que impuseram tanta dor aos Ruthenford.
Não havia sido completo ainda o ciclo de uma
semana quando Margareth anunciou, logo cedo o que tinha
em mente.
Hugh estava sentado à mesa bebericando uma xícara
de chá com leite e comendo um pão macio ainda quente.
Margareth chegou esbaforida, as mãos agitando-se no ar e
o vestido meio amarrotado.
— Você está bem? — Hugh falou, levantando os
olhos de seu prato e iniciando um sorriso maroto para a
esposa.
Ela sentou-se ruidosamente e dispensou o lacaio
que os servia com um gesto impaciente de mão.
— Enviei um recado logo cedo para os meus pais.
Devemos ir tomar chá com eles hoje à noitinha.
Hugh gostava de fazer as refeições cedo, ao
contrário da grande maioria da nobreza britânica que
dormia tarde, acordava tarde e comia tarde. Essas
temporadas na cidade que incluíam visitas para o chá num
horário em que ele já estaria pensando na janta o
irritavam. Limitou-se apenas a fazer uma careta.
— Também não estou com ânimo para olhar para a
cara do meu pai. Como eu posso admitir que ele estava
certo ao me casar com você? Logo depois de ter dito a ele
que preferia morrer em um convento...
— Você disse isso a ele? — Hugh sorriu, animado
com o rumo da conversa.
— Isso e muito mais e nada foi ameno.
Hugh achou tudo aquilo cômico, mas preferiu não
provocar a esposa.
— Se eu chegar com essas bochechas rosadas ele
vai achar que está certo e que todos os homens têm o
direito de decidir sobre a vida de suas filhas. Isso é muito
injusto.
— Bochechas coradas é... isso porque ele não viu o
que mais está corado... —Ele falou gargalhando.
Margareth ficou muito vermelha, sentindo as
bochechas queimarem. Hugh olhou-a impressionado. Para
uma mulher com um apetite tão grande para o coito, ela
ficava corada por uma piada bastante amena, diga-se de
passagem. Deixou a imaginação vaguear por algumas
lembranças em relação às coisas que faziam no quarto e
com esse pensamento logo sentiu uma ereção. Nunca
imaginara que uma mulher pudesse exercer tamanho poder
sobre ele e sorriu com a situação em que se metera.
Depois de alguns instantes, Margareth rompeu o
silêncio:
— No que está pensando?
— Em arrancar o seu vestido e voltar para cama.
Ela riu, as bochechas corando novamente.
— Do que vale ser um nobre e não poder fazer
aquilo por que anseia? — Hugh estava divertido, olhando
para o membro que se evidenciava na calça escura.
Margareth pensou por um instante, então, tomada
por aquele desejo que a dominava quando era provocada
por ele, foi até o marido e ajoelhou-se no chão. Aquilo
era uma tarefa bem difícil com tantas anáguas por baixo
daquele imenso vestido de babados e flores. Hugh deixou
que ela o acariciasse por cima da calça, estremecendo
quando por fim arrancou a parte de baixo da vestimenta
dele e mergulhou os lábios sobre o membro ereto. Hugh
rangeu os dentes, tomado pelo prazer e surpresa.
Margareth passou a língua no membro do marido,
arrancando suspiros e gemidos quase silenciosos. Depois
como se aquele fosse seu merecido prêmio por algo que
fizera, mergulhara-o nos lábios, deixando-o aprofundar-se
ao máximo. Hugh gemeu novamente e ela sorriu, iniciando
os movimentos ritmados que tanto o excitavam. Quando
chegou ao ápice, Hugh estava completamente
desorientado, meio sentado e meio caído sobre a cadeira
e com as pernas trêmulas. Como se não bastasse,
Margareth tirou a roupa de baixo, arrancando com
dificuldade as anáguas e sentando-se sobre a mesa em
seguida.
Hugh sorriu com a visão ousada da condessa,
ergueu o vestido e deparou-se com o tufo de pelos. Ela
abriu as pernas bem devagar e arfou quando Hugh passou
a língua por sua genitália. Margareth acabou desabando
sobre o prato, xícara e tudo o que havia na mesa, tamanho
era o êxtase que as mãos e língua de Hugh provocavam
nela. Não demorou muito para que ela ansiasse por mais.
Hugh puxou-a para seu colo. Estava excitado
novamente. Margareth sentou-se em cima do membro,
mergulhando-o dentro da cavidade úmida e quente que
espasmava bem devagar. Com as mãos nas nádegas de
Margareth ele a alçou, fazendo-a comprimir-se contra seu
peito sempre que ele a fazia subir e descer. O ritmo não
demorou para aumentar e Hugh não conseguiu se segurar,
chegando ao coito um pouco antes de sua esposa. Depois,
ele a ajudou, passando os dedos na parte intima da esposa
da mesma forma que fazia com a língua. Ela desmanchou-
se de prazer e deixou a cabeça pender sobre o peito dele.
— Tem certeza de que precisamos ir na casa dos
seus pais?
Margareth balançou a cabeça em concordância.
No final da tarde, Margareth estava arrumada e
pronta para encarar a mãe, uma mulher de expressão
austera que talvez um dia tenha sido bonita, mas que há
muito era apenas mais uma senhora com joias no pescoço
e um ar de irritação permanente no rosto. O pai os
recebera com um afetuoso abraço e sorria sempre que
olhava para a filha. Se ele estava preocupado com o
casamento dela, com sua felicidade conjugal, não deixava
transparecer, falando de amenidades.
Margareth e a mãe trocaram poucas frases de pouca
importância sobre a casa, decoração, convites para chá e
a temporada londrina que logo chegaria ao fim e que,
provavelmente os nobres em grande maioria deveriam
voltar para suas casas de campo. Margareth não tinha o
menor ânimo para aquelas amenidades fúteis e sentia-se
ressentida com os pais pelo pouco caso que faziam em
relação às suas vontades e felicidade.
Hugh agira como normalmente fazia diante de
estranhos ou pessoas com as quais não nutria uma relação
muito afetuosa. Frio. Educado, respondia às questões do
sogro, mas não se aprofundava nos assuntos e era reticente
sempre que questionavam algo mais pessoal, mudando de
assunto após uma ou outra resposta seca. Seu humor ia
piorando quando percebia o quanto sua esposa parecia
chateada. Qualquer um com um olho mais treinado
perceberia a insatisfação da garota, diante de uma família
que parecia pouco se importar com seus sentimentos.
O conde sabia que o pedido de corte e casamento
que fizera ao sogro só fora aceito por causa de sua
fortuna, de seu título e posição social. E sabia os motivos
que o haviam feito pedir Margareth em casamento. No
início tudo parecia muito normal, casar com uma moça
cujo pai tinha os relacionamentos necessários para a
execução de seus planos, mas agora, algo havia mudado
dentro dele. Algo importante havia se transformado e não
apenas sua necessidade de vingança importavam, mas os
sentimentos de mais alguém. Alguém que havia se tornado
a parte mais importante de seu dia. Enquanto
acompanhava a esposa para a mesa, ladeado por seu
cunhado, pela esposa enfadonha e chata cujos olhos
parecia saltados, a sogra e mais alguns convidados para a
mesa, Hugh só conseguia pensar no desconforto que
Margareth estava enfrentando apenas com o intuito de
iniciar as relações de que ele tanto necessitava.
Se ela ao menos lhe dirigisse o olhar, ele seria
capaz de sair porta fora e esquecer para sempre seus
planos. Bastava que ela indicasse, apenas um olhar. Mas
Margareth se mantinha controlada, os nervos afiados há
muito contidos por rédeas curtas e os modos mais
elegantes. Hugh fez questão dele mesmo puxar a cadeira e
sentar-se logo ao lado da esposa, mudando, desta forma a
combinação inicialmente arranjada pela sogra.
Os homens logo iniciaram uma conversa sobre o
parlamento, Hugh respondia com meros resmungos e
gestos sutis de cabeça. Margareth tocou sua mão por baixo
da mesa, apertando de leve os dedos dele, o que o deixou
um pouco mais forte em suas convicções.
— Se você quiser, podemos dar o fora daqui. —
Hugh cochichou ao ouvido da esposa.
Margareth sorriu e cobriu o rosto com um lencinho,
fingindo estar corada com algo sedutor que o marido
tivesse dito. Imediatamente todos os olhos se voltaram
para o casal, curiosos. Instantes depois, Margaret
encontrou os olhos invejosos da cunhada e sorriu, como se
indicasse a ela a posição de cada uma naquela família.
Enquanto a cunhada não passaria jamais de uma mera
Sinclair, Margareth era a condessa de Surrey, esposa de
um conde lindo, cobiçado e selvagem. Por alguns instantes
a jovem condessa deixou-se vencer pela ironia do destino,
saboreando a satisfação que aquilo provocava.
— Mãe. — Ela disse instantes depois. — Vamos
dar nosso primeiro chá em dois ou três dias, quem a
senhora sugere que convidemos?
Hugh captou imediatamente o plano e fingiu estar
entretido com a conversa dos homens, deixando espaço
para que a esposa ganhasse campo e considerasse as
opiniões e situações.
A mãe de Margareth fez uma pequena lista incluindo
nobres e alguns lordes importantes. Por algum motivo
excluíra justamente as duas pessoas que mais Hugh
odiava.
Depois do chá, os homens se retiraram para a sala
de fumar e acenderam seus charutos. Hugh esforçou-se
para aguentar a companhia entediante e enfadonha
enquanto Margareth arrancava as informações que
precisava. Precisava arranjar um jeito de incluir os
malditos Paxton ao seu círculo, se livrar dele de uma vez
por todas e só então, ajudar o marido a destruir de vez
aquele que teria sido o pior de todos os homens. Aquele
que por pouco, com sua brutalidade, não havia tirado a
vida de Tessie, a mãe de Hugh, sua sogra. Margareth teria
adorado conhecê-la. Gostava de espíritos livres e
personalidades fortes. Foi então que lhe ocorreu, seu
casamento, sua união com Hugh deveria ter sido
justamente mais um passo do conde em direção à sua
vingança. Um nó em sua garganta se formou e ela teve de
concentrar as ideias, afastando aquele pensamento
doloroso para o mais longe possível de sua mente.
— Estive pensando em convidar o duque Paxton e
sua esposa. Eles estiveram em nossa recepção em Surrey
Hall...
A mãe de Margareth bufou.
— O que foi, mamãe? Acha que não devo convidar
a lady Paxton?
— Acho que você deve fazer o que quiser, só não
vejo porque alguém quereria a companhia daquela mulher.
Margareth também não via. Margareth precisava
pensar e rápido.
— Se puderem me dar licença... — Margareth falou,
levantando-se e saindo na direção de um longo corredor.
— Mamãe, se importa se eu for até meu quarto, quero
buscar um livro que esqueci.
A mulher apenas concordou, sem achar estranha a
atitude da filha, afinal Margareth era sempre daquele
jeito, impaciente com formalidades e por isso,
provavelmente, a mulher não ligara muito para os modos
da filha.
Mad seguiu a condessa e foi interceptada instantes
depois.
— Preciso que você vá à sala de fumar e diga ao
meu marido para ele ver a reação do meu pai em relação
ao duque P.
A princípio Mad pareceu um pouco confusa, mas
então sorriu, fez sua reverência formal e se afastou.
Margareth voltou para a sala instantes depois, um olhar
simpático no rosto.
— Acho que devo ter deixado o livro em outro
lugar. Talvez não o tenha visto em um dos meus baús. —
Falou, sentando-se em seguida à reverência das mulheres.
Lady Starlington era uma mulher beirando os 35
anos, tinha os cabelos muito bem ornados num coque da
moda, cujos cachos endurecidos por alguma pasta caiam
duros nas laterais do rosto, olhava impressionada para
Margareth. A jovem condessa sabia que aquilo só podia
ser por causa de Hugh, ele era, com toda certeza um dos
jovens mais bonitos, ricos e cobiçados de Londres e ela,
justamente ela, uma moça sem título de nobreza havia
conquistado o interesse do conde. Todas, inclusive sua
cunhada, deveriam estar morrendo de inveja e curiosidade
sobre sua felicidade conjugal.
Esquecendo-se um pouco de seus planos, Margareth
deixou-se envolver por seu lado mais maléfico e cogitou a
hipótese de provocar um pouco as mulheres. Por alguns
instantes ficou na dúvida, mas até que Mad retornasse com
sua resposta, ela não tinha muito o que fazer.
— Então condessa, não nos deixe morrendo de
curiosidade, como é a vida na família Ruthenford? —
Lady Starlington questionou, abrindo um sorriso torto que
divertiu Margareth
Se ela repensava sua ideia de provocá-las, aquela
pergunta não ajudava muito. Com um sorriso maroto,
Margareth moveu-se na poltrona, deixando o corpo mais
ereto.
— Nunca imaginei que pudesse ser tão boa. —
Margareth sorriu, dando uma piscadela em seguida e
arrancando da Lady um grunhido de satisfação.
— Ouvi dizer que o conde é uma fera, um homem
terrível. — A cunhada de Margareth crispara, os olhos
impregnados de raiva e inveja. — Pobre Margareth, deve
sentir tanto medo...
Margareth pensou muito bem nas palavras que ia
usar.
— Em primeiro lugar você deve me chamar de
Vossa Graça. E de fato, Hugh é uma fera com aqueles de
quem ele não gosta ou que merecem. Comigo ele é
simplesmente maravilhoso, não poderia esperar marido
melhor.
A mãe de Margareth cobriu a boca com uma das
mãos, abafando um pouco o som de espanto para com o
qual Margareth tratava a outra. Todo mundo sabia, não
havia uma pessoa em toda Londres que não conhecesse a
personalidade implacável de Hugh e nos anos que haviam
se passado desde a morte de seu pai, ele só havia
intensificado a fama de brutal, terrível e mau.
Margareth queria gritar com aquelas pessoas,
mandar que desfizessem aqueles olhares de espanto e
choque. Dizer que ninguém o conhecia de verdade e que
ele era tudo menos a fera que adoravam chamá-lo,
inclusive ela mesma, muitas vezes, na tentativa de
convencer o pai de não a obrigar a se casar com Hugh.
Agora, pensando sobre isso, sentia-se amarga.
— Mas ele é bom para você? — A Lady Starlington
questionou, os olhos cheios de afeto e pena de Margareth.
— Melhor marido não há nesse mundo. —
Margareth falou, abrindo um sorriso doce. — Nunca vi
homem mais gentil... Faz tudo por mim, os melhores
presentes, agrados, delicadezas que nunca esperei de um
cavalheiro de sua linhagem.
Lady Starlington sorriu, animando-se com o rumo da
conversa.
— Quem diria. — A cunhada resmungou,
visivelmente irritada.
Margareth estava prestes a dar-lhe um tapa, mas
recompôs-se quando Mad entrou carregando um livro nas
mãos. A criada se abaixou ao pé do ouvido da condessa e
cochichou a resposta para sua pergunta. Depois entregou-
lhe o livro e saiu, reverenciando as senhoras. Margareth
sorriu mostrando a capa marrom do livro, depois largou-o
ao lado e direcionou um olhar fulminante para a cunhada.
— Se eu soubesse que o casamento era tão bom...
— Oh! Nitidamente apaixonada. — A lady suspirou.
— Me lembra a mim mesma, nos meus primeiros meses
de casamento.
— Ah! Mas não me diga que a senhora não está
mais apaixonada pelo lorde Starlington. Não consigo
imaginar ninguém vivendo sem um amor como o meu e de
Hugh. — Margareth falava olhando diretamente para a
cunhada, que fechou o cenho em uma carranca feia.
— Claro que estou, mas com o tempo as coisas se
modificam um pouco, principalmente depois dos filhos.
— Então acho que devo aproveitar ao máximo
agora... — Margareth sorria e seu sorriso era genuíno.
— E espero muitos netos. — A mãe de Margareth
obrigou-se a dizer, querendo participar da felicidade da
filha como se tivesse algo a ver com os sentimentos do
casal.
— Ah! Não duvido que logo tenhamos alguma
notícia desse tipo... — Margareth abriu um sorrisinho
maroto.
Jane, a cunhada enciumada de Margareth bufou
contrafeita com aquela simples sugestão.
— Mas e você, Jane, já não passou da hora de nos
agraciar com algumas crianças sorridentes? — Lady
Starlington inquiriu, nitidamente desapontada pelos modos
da esposa do irmão de Margareth.
— Quando Deus quiser, eles virão. — A jovem
resignou-se a dizer, tentando minimizar a conversa.
— Talvez meu irmão precise ter uma conversa com
Hugh, quem sabe meu esposo possa ensinar algumas
dicas... — Margareth provocou, arrancando outro
grunhido de espanto da mãe e um olhar de víbora da
parente.
— Com aquele jovem conde, tão bonito, você deve
ter as noites muito ocupadas. — Lady Starlington parecia
completamente alheia às alfinetadas das duas jovens e
demonstrava-se realmente admirada com a condessa, e
com o amor. Era uma mulher romântica, Margareth
concluiu.
— A senhora não faz ideia de quanto. Nunca, nem
em um único dia sequer tenho paz nos meus aposentos. Ele
praticamente se mudou para o meu quarto. — Ela
respondeu, sorrindo com todos os dentes.
A mãe de Margareth parecia prestes a desmaiar,
sabia que a insolência da filha podia ser das piores, mas
envergonhá-la assim, diante de uma das ladys mais
influentes de seu meio, era terrível. Queria esbofetear
Margareth, pedir que fosse para casa com seu marido
arrogante, mas não o fizera, resignando-se a escutar a
conversa com o rosto avermelhado e suando. Jane, por
outro lado, vinha ficando cada vez mais furiosa. Não
podia suportar que Margareth, aquela jovem mimada,
pudesse ser tão feliz. Em sua mente aquilo deveria ser
fingimento, mas se fosse, ela jamais saberia. Ouvira
muitos boatos no início do casamento, sobre Margareth e
Hugh se odiarem e sobre a garota quase ter morrido numa
floresta, mas então, os via juntos, e pareciam mesmo
apaixonados.
— Ouvi dizer que você esteve doente. — Jane,
provocou, tentando espantar os pensamentos odiosos e se
concentrando em analisar a expressão no rosto de
Margareth.
Margareth sabia exatamente como a história deveria
ter repercutido e precisava pensar rápido em uma resposta
convincente. Mentir, sabendo que o boato havia sido
espalhado por criadas, não era uma alternativa.
— Sim, é verdade. — Ela falou, como se estivesse
pesarosa.
Jane sorriu, sentindo-se vitoriosa.
— Imagine a senhora, Lady Starlington...
— Ora, por favor, me chame apenas de Aurora.
— Pois bem. Imagine você, Aurora que temos um
lago lindo logo no início de um bosque. Passei vários dias
imaginando como seria passear por ali à noite.
A mulher concordava animada, sorrindo sem
qualquer formalidade. Margareth ajeitou-se na poltrona
como se quisesse melhorar sua posição, para narrar um
fato longo e espetacular. As ouvintes se prepararam.
— Bom, uma noite, Hugh e eu decidimos dar um
passeio e a senhora pode imaginar que andar de mãos
dadas, sob uma lua maravilhosa, conversa baixa, uma
coisa leva a outra e nós nos deixamos levar... —
Margareth deu de ombros. — Peguei um resfriado muito
forte. Mas Hugh esteve todo tempo ao meu lado e ele
mesmo cuidou da minha recuperação.
A Lady quase pulou da cadeira, espantada,
admirada e emocionada. Margareth sentia-se um pouco
envergonhada, ao mesmo tempo que satisfeita por ver as
caretas da mãe e da cunhada.
— A duquesa Paxton não pareceu muito animada
com a sua festa. — Jane despejou por fim.
— Ora, aquela mulher não se anima com nada. —
Lady Starlington retrucou.
— Não se pode agradar a todos, infelizmente. —
Margareth concluiu.
— Minha sobrinha disse que você é a melhor e mais
doce anfitriã.
Margareth ficou satisfeia.
— Graças a você, ela tem sido convidada
constantemente para os chás do duque de Devonshire.
— Imagino que o jovem Leonard deve ter ficado
muito encantado com a beleza e delicadeza da sua
sobrinha. — Margareth falou com sinceridade,
lembrando-se subitamente da menina a quem não
perguntara o nome, mas que parecia derreter-se no evento.
— Ah! É o que espero.
— Bom, acho que já está tarde e Hugh gosta de se
recolher cedo. — Margareth abriu um sorrisinho tímido.
Enquanto a carruagem do casal era chamada,
Margareth deixou o marido trocando umas últimas
palavras com o pai, o irmão e o lorde Starlington e
chamou a mãe, levando-a para um canto.
— Qual é o seu problema? — A mãe a inquiriu com
autoridade.
— Qual é o meu problema? — Margareth repetiu
com repulsa. — Você e o papai me obrigaram a casar com
um estranho, sem o menor direito de escolha e agora você
faz essa cara para questionar qual é o meu problema?
A mulher ficou contrafeita.
— Fizemos o melhor por você.
— E se ele fosse mesmo a fera que todos dizem?
— Mas pelo jeito não é, e você mesma disse que
está bem.
— Não, não é. De fato é um marido maravilhoso —
Margareth fechou o cenho entristecida. — Mas se fosse à
essa hora eu poderia estar trancada numa masmorra ou
algo pior.
— Bom, se ele não é, então tudo deu certo.
Margareth tinha vontade de chorar, esbofetear a mãe
fútil e fraca, que preferia aceitar tudo calada ao invés de
lutar por seus sonhos.
— Sabe, realmente Hugh me faz muito feliz, sinto
muito por saber que você nunca vai sentir nada desse tipo.
— Oh! — A mulher reagiu estupefata. — Como
você ousa falar assim com a sua própria mãe? Eu sou sua
mãe!
— E eu sou uma condessa, meça você suas
palavras, senhora. — Margareth fuzilou-a. — Agora me
diga o que há entre você e aquela duquesa Paxton.
— Não há nada, só não suporto aquela mulher.
— Por acaso, eu conheço você muito bem para
saber que suportaria qualquer coisa para conviver com
gente como ela. Então, o que há entre vocês?
— O marido dela, aquele duque horrível está
tentando falir o seu pai. Nunca vi ninguém tão repugnante
quanto aquele sujeito. Usa de sua posição para nos
intimidar. É claro que eu não deveria estar ciente de nada,
afinal isso é assunto de homens, mas as coisas chegaram a
tal ponto que mesmo eu, uma dama, percebi o que está
ocorrendo.
Margareth conteve um grunhido de assombro e a
mãe teve de cobrir o rosto com um lenço para evitar que
começasse a chorar. A condessa jamais a vira tão
fragilizada e assustada.
— Preciso saber como ele está fazendo isso.
— Eu não sei, só escutei umas poucas conversas
entre seu pai e seu irmão.
— Mãe, eu posso ajudar, mas você vai ter que
descobrir todos os detalhes. Assim que você me der mais
informações, falarei com Hugh e ele ajudará no que for
preciso. Você entendeu?
A mulher assentiu, recompondo-se quando o conde
e os demais homens apareceram. Lady Starlington fez uma
reverência adotando a postura exigida pelo decoro de sua
classe.
— Minha sobrinha tinha razão, vossa graça é
mesmo uma moça encantadora.
— Obrigada. Jamais imaginei que ia gostar tanto de
uma amiga da minha mãe. — Margareth declarou.
As duas mulheres despediram-se e então Margareth
partiu, seguida por seu marido que estava nitidamente
mortificado e com um estado de espirito exausto. Os dois
jantaram na varanda vestindo apenas as roupas de baixo.
Margareth estava soturna e Hugh preocupado.
— Por que você queria saber como seu pai reagiria
à menção ao Paxton?
— Porque conheço minha mãe e sabia que algo a
estava perturbando.
— E o que você descobriu?
— Que o duque está tentando falir meu pai.
Vinte

O primeiro chá oferecido na luxuosa mansão dos


Ruthenford ocorreu no final da tarde de uma quinta-feira.
Margareth estava delicada em um vestido novo feito sob
medida com laços em cor de vinho, nas mangas, alguns
bordados de flores no corpete que evidenciavam sua
candura e pureza enquanto ela mesma só conseguia pensar
em arrancar as anáguas e partir para cima do marido,
tirando também dele as roupas enfadonhas com as quais
perfilava pomposo pelo quarto, nervoso do mesmo jeito
em que estivera na recepção em Surrey Hall.
Hugh saiu do quarto de vestir com pressa, dizendo
apenas que tinha que buscar algo, quando retornou trazia
nas mãos um lindo colar de safiras que parecia brilhar
ainda mais posto em contraste com a brandura da pele da
condessa e as cores vivas do vestido. Passou-o pelo
pescoço da esposa e o prendeu. Margareth puxou os
cabelos num coque alto com pontas esparsas que caíam
sobre os ombros. Cobriu-se com um xale, colocou duas
pulseiras delicadas de ouro e deu o braço para o marido
para descer as escadas com toda a classe e beleza de que
dispunham.
A maioria dos convidados já petiscava perto da
mesa de quitutes, dois homens fumavam perto do janelão
que dava para o jardim enquanto quatro senhoras
aglomeravam-se perto da entrada em arco, conversando
animadamente sob a luz de candeeiros ao estilo gótico.
Assim que o casal chegou na imensa sala de visitas, o
silêncio tomou conta do lugar. Hugh vinha sem cartola, e
sorriu para a esposa quando ambos deram conta da
impactante imagem que faziam, ao passar por um espelho
adornado com marfim que ficava de frente para a porta da
varanda.
A sala de convidados era na verdade um ostentoso
salão de recepção, com uma mesa enorme que
acompanhava toda a extensão da parede, cadeiras
almofadadas na última moda francesa, quadros nas demais
paredes e vasos cheios de flores sob pequenas cristaleiras
e toucadores. Criadas ágeis e silenciosas abasteciam os
pratos e as taças, não deixando um cavalheiro ou dama
sem algo nas mãos, por um segundo que fosse. Hugh
congelou quando deu de cara com seu inimigo. Paxton
estava vestido com um fraque propicio para o verão.
Deixava sua bengala e cartola aos cuidados de um lacaio
e puxava a esposa com ares enfadados quando deparou
com o olhar especulativo do conde. A mulher que vestia-
se como a maioria, sob babados e mais babados não
conseguiu evitar um olhar enviesado para Margareth que
resplandecia com as safiras que combinavam
perfeitamente com os olhos do marido. Não havia uma
dama sequer na sala que não suspirasse à passagem dos
dois.
A jovem condessa cumprimentou o duque e a esposa
com uma reverência formal e depois sorriu para a
duquesa, convidando-a para juntar-se às demais senhoras.
O conde não disse muito para o inimigo, deixando-o
sozinho na primeira oportunidade e indo juntar-se ao
jovem Leonard que não parava de tagarelar sobre uma
certa senhorita que o havia deixado hipnotizado.
Depois de quase uma hora circulando pelo
aposento, exibindo sua melhor performance de anfitriã,
Margareth convidou a todos para a refeição. Muitos
gracejaram sobre os petiscos terem sido o suficiente para
abastecer seus estômagos, mas ninguém queixou-se ao ver
a refeição começar a ser servida. Carnes frias, chás
variados, leite, queijos, frutas, tortas, e muitas outras
iguarias de diversas regiões. Tudo foi rapidamente
passado para os pratos, deixando os convidados
deleitados com uma refeição que segundo Margareth
pensava, seria capaz de abastecer um vilarejo pobre por
semanas.
A conversa soou animada durante a refeição, a não
ser por um ou outro olhar do duque, que fuzilava a beleza
juvenil e rebelde de Hugh e invejava amargamente o
corpo do conde cujas mãos descontraidamente
repousavam sobre a da esposa. A duquesa pouco abriu a
boca, deixando claro que só estava ali por motivos
sociais relacionados ao marido, mas a condessa por sua
vez, conquistou cada senhora, exibindo sorrisos marotos e
sempre dizendo o quanto admirava cada uma das damas,
perguntando sobre pequenos detalhes de suas roupas ou
vida conjugal, como se buscasse apoio na experiência das
senhoras e valorizasse cada novo conselho. No fundo,
queria que tudo chegasse ao fim o mais rápido possível.
— Paxton quer casar a filha com Leonard! —
Margareth contou, muitas horas mais tarde quando ambos
já se preparavam para dormir.
— Mas achei que o garoto estivesse prometido à
filha do conde de Canterburry.
— E está. Mas aquele duque feio não é bobo, sabe
que o garoto é um ótimo partido. E as moças se derretem
por ele.
— E você se derrete por ele?
Margareth gargalhou.
— Acho que prefiro as feras do campo.
Dessa vez foi Hugh quem riu alto, puxando a esposa
para junto do corpo e beijando-a com intenções evidentes.
— O que você tem em mente?
— Acho que Leonard ficaria muito bem com a
sobrinha da lady Starlington.
— Você gostou mesmo daquela mulher, não é?
Margareth deu de ombros.
— Gostei da sobrinha também.
— Eu gosto do garoto, não queria envolvê-lo...
— Eu sei e sinto muito por isso, mas nesse momento
ele é tudo que temos. E acho que tive uma ideia.
Hugh encolheu os ombros, vencido. Margareth
tomava a frente de seu plano, mais determinada do que ele
jamais pensara ser e, possivelmente com menos
escrúpulos. Se ele havia casado a si mesmo com uma
jovem bem relacionada para se aproximar dos lordes do
parlamento, ela seria capaz de casar qualquer outro com
ainda mais sucesso. Ainda pensando sobre isso, Hugh
deixou-se tomar pela esposa que ainda tinha energia
suficiente para convencê-lo de que estava certa. Depois
do coito, com os olhos cerrados e sentindo o cheiro do
cabelo louro que se espalhava por seu peito,
distraidamente, ele não tinha mais dúvidas de que sua
esposa faria o que bem quisesse e ele a seguiria ao
inferno se fosse preciso.
Vinte e Um

Margareth faria compras com a duquesa de


Devonshire numa manhã de quarta-feira. Quando a hora
chegasse e o dia quente estivesse em seu ápice, começaria
a colocar seu plano em ação. O verão vinha chegando e
ela não via a hora de voltar para Surrey Hall. Desde o
primeiro chá dado em sua residência em Londres, o casal
Ruthenford vinha sendo o mais requisitado para as festas e
eventos da nobreza da cidade. Muitos lordes sem títulos,
mas com dinheiro o bastante para adotar os costumes da
nobreza, também insistiam na presença de Hugh e sua
exuberante esposa. As semanas iam passando com uma
rapidez assombrosa, e a condessa escolhia a fio os
eventos aos quais ela e seu marido iriam participar.
Excluindo, propositalmente os malditos Paxton.
Naquela manhã ela estava exultante. Sabia muito
bem o que a família de Leonard representava para seu
marido, e usá-los daquela forma não parecia a coisa mais
certa a fazer. Como não era uma grande estrategista e nem
tinha conhecimentos suficientes para bolar planos
mirabolantes, tais como os dos livros que lia, ela
simplesmente passou a fazer visitas mais constantes à
duquesa, a cativando bem devagar. Dia após dia.
Margareth estava vestida com simplicidade,
carregando uma sombrinha que combinava perfeitamente
com seu vestido sem mangas. A duquesa por sua vez,
vinha num lindo tom de vermelho, sob um vestido com
mangas curtas que caiam sobre os ombros. Uma flor no
longo cabelo crespo e negro. Era uma mulher beirando os
cinquenta anos, mas com uma expressão jovial e alegre
que facilmente fazia com que a jovem condessa se
lembrasse de Leonard. Madelina era uma espanhola que
nunca perdera completamente o sotaque e frequentemente
se punha a conversar em espanhol, como se esquecesse
que vivia entre ingleses que não compreendiam uma
palavra sequer.
Para seu contento, Margareth aprendera algumas
palavras no idioma materno da duquesa o que divertiu as
duas por horas e horas, atazanando os maridos inocentes
que mal sabiam que elas não paravam de falar palavras de
baixo calão.
Hugh, consequentemente ia ficando mais próximo do
duque e gostava cada vez mais do filho. Aquele jovem
tinha um ótimo caráter e com toda certeza havia herdado
do pai. Seu espirito livre, porém, Margareth assegurava,
vinha da mãe, a espanhola de sangue quente que
conquistara o marido desafiando-o a domá-la. A duquesa,
era sem dúvida uma mulher muito elegante, acompanhava
a moda, tinha sempre chapéus da melhor qualidade e
parecia sempre feliz. Evitava ao máximo os círculos da
elite e criara um filho apaixonado pela vida.
Enquanto Madelina escolhia uma das joias mais
caras da joalheria, Margareth fingia apreciar um broche
pequeno, em formato de flor de lótus com um diamante na
ponta. Seus pensamentos, porém, não paravam um
segundo, tentando descobrir uma forma de abordar o
assunto. Foi quando veio a ideia.
— Madelina, querida, veja esta peça aqui. —
Falou, apontando para um colar bem pequeno cujo
pingente parecia-se com uma gota de orvalho azulada.
— Um pouco sem graça para mulheres como nós,
você não acha? — Madelina respondeu sorridente.
— Sim, sem sombra de dúvidas, sem graça para
qualquer mulher que tenha um pouco de alma no corpo. —
Margareth falou, piscando.
Margareth pegou no braço enluvado da duquesa e
cochichou ao pé de seu ouvido.
— Na verdade acho que vi esse colar no pescoço
da duquesa Paxton.
— Oh! Não é possível.
— Só entre nós? — Margareth puxou a mulher ainda
para mais perto. — Se Hugh sonhar que estou me metendo
na vida alheia ficará enlouquecido.
— Pobre de você, não consigo imaginar como deve
ser difícil viver com um homem tão terrível. — Madelina
falou, gargalhando sem o menor pudor.
— Ah! Pare, assim ficarei corada. — Margareth
retrucou divertida com a ousadia da nova amiga. —
Jamais imaginei que o casamento pudesse ser... sabe,
assim... — Falou por fim com toda a sinceridade de seu
coração.
— E não é para a maioria das mulheres da nossa
classe. Mas para nossa sorte não somos como elas e nos
divertimos muito com nuestros hombres. — Respondeu a
duquesa com simpatia. — Mas o que era mesmo que você
ia dizer? Sabe, não se pode perder uma boa fofoca...
precisamos estar sempre bem informadas.
— Você é muito curiosa. Bom, eu ia dizer que
chegou aos meus ouvidos que a família Paxton está por um
triz de perder tudo. Parece que a duquesa está até
penhorando suas joias. Não me impressionaria nada se
realmente este colar fosse a mesma peça que vi no
pescoço dela dias atrás.
— Oh! Santo Deus. — Madelina cobriu a boca para
reprimir as palavras de espanto e pesar. — Coitados. Não
que eu goste daquela mulherzinha entojada, mas longe de
mim desejar esse pesar a alguém. Mas será verdade?
— Bom, eu não estava acreditando também, mas
veja esse pingente, posso afirmar com veemência de que o
vi no pescoço da duquesa no chá em minha casa. Sem
contar que...
— Que...?
— Parece que o duque já tem tudo resolvido... ou
planejado pelo menos.
— Pelo amor de Deus pare de rodeios minha jovem.
Margareth deu de ombros.
— Parece que o duque está acertando o casamento
do filho com a menina Starlington. A sobrinha protegida
do banqueiro.
— Sim, aquela bela jovem seria uma ótima solução.
Além de muito bonita e bem educada, parece que herdou
um bom dinheiro dos pais e vive sob os cuidados dos tios
que são gente muito refinada até onde sei.
— Exatamente. Só não é bom negócio para a jovem.
— Mas o jovem Paxton é bem aprazível, além de ter
um bom nome, como pode não ser um bom partido?
Margareth bufou consternada exaltando seus ares
mais inocentes e culpados.
— Creio que não posso dizer mais nada, minha
amiga. O que sei me foi dito em confiança por uma jovem
cujo coração está preenchido de amor e prestes a se
partir.
Madelina sorriu. Seu espirito vivo e animado estava
sedento por uma boa e emocionante história de amor
jovem.
— E se eu prometer guardar para mim?
— Você juraria isso?
— Mas é claro, embora ache que não é necessário.
Mas ande, me diga, quem poderia ter conquistado o
coração daquela bela jovem.
— O seu filho.
Vinte e dois

Madelina soltou um imenso suspiro de prazer e


espanto. Ficou calada por algum tempo e então declarou,
por fim, satisfeita:
— Não posso dizer que fiquei surpresa. Meu filho é
mesmo um jovem atraente e um excelente partido.
— Realmente, um belo jovem.
Enquanto as duas mulheres escolhiam suas joias e
conversavam sobre outras coisas sem importância,
Margareth percebia o quanto aquela conversa havia
despertado na duquesa. A mulher era esperta e, portanto,
Margareth não voltaria a tocar no assunto, pois poderia
despertar suspeitas, mas uma coisa a jovem condessa não
tinha dúvidas. Algo no que dissera havia provocado uma
mudança de postura e um semblante ainda mais astuto na
companheira de compras. Algo, em algum momento, havia
despertado o interesse da duquesa.
Cerca de uma semana depois, o duque de
Devonshire ofereceu um baile extraordinário que não
deixava em nada transparecer ter sido feito de última
hora. Mas Margareth, ao chegar na festa e ver a linda
senhorita Starlington no seio da conversa com a duquesa e
outras ladys não teve mais qualquer dúvida. Seu plano
havia fisgado a mulher. A grande maioria das mulheres
nobres não suportava a presença pedante da duquesa
Paxton, mas ninguém jamais ousaria lhe dizer qualquer
coisa. Em todo caso, Madelina parecia adorada por todos,
inclusive pela grosseira duquesa que fazia vista grossa
aos gracejos exuberantes da espanhola, tratando-a com a
maior deferência e cordialidade.
— Acho que tudo está correndo como planejado.
— Margareth falou, apertando o braço do esposo e
sorrindo-lhe.
Os dois valsaram com a mesma paixão que faziam
em todas os bailes. Ignorando planos, pudor ou qualquer
resultado que a imagem do casal apaixonado poderia
causar. Para espanto de todos o duque de Devonshire e a
esposa fizeram quase a mesma coisa. Margareth tinha
certeza de duas coisas, estava sendo aceita e admirada e
estava sendo provocada. Ela ficou ainda mais encantada
com Madelina a partir desse dia.
— Vamos dar uma volta no jardim, condessa? —
Madelina aproximou-se de Margareth depois de rodar o
salão em uma segunda valsa. — Está um pouco quente
aqui, você não acha?
— Ah! Sim, por favor, adoraria dar uma
bisbilhotada por sua propriedade. Descobrir se minha
casa chega aos pés desta imensa mansão.
— Não seja ridícula, pois ambas sabemos que seu
marido tem mais dinheiro do que o meu.
— Entretanto o seu tem um título mais importante.
— Sem dúvidas.
— Mas o meu é mais bonito. — Margareth
provocou-a.
— E uma fama de dar medo.
— Oh! — Margareth cobriu os lábios com a mão,
impedindo que um gritinho de assombro escapasse por sua
garganta.
— Por acaso fiquei sabendo que ele se interessa
muito pelas partes intimas da senhora. — Ela falou,
gargalhando em seguida.
Margareth então compreendera, lady Paxton já havia
espalhado seu veneno invejoso.
— Você ficou sabendo da minha pequena maldade.
— Fiquei sim e devo dizer que achei bastante
ousado, ainda que engraçado. Até se casar, pouco havia
que eu soubesse de você, nada além de sua beleza
espetacular e sua paixão por livros. Mas então eis que
você se torna a condessa de Surrey.
As duas sentaram-se em um banco no coreto de
madeira, as flores espalhadas pelas amuradas davam um
ar angelical ao patamar. Madelina continuou segurando o
braço da condessa.
— Então muitos boatos começam a circular pelos
círculos aos quais frequento. Primeiro a estranheza de um
jovem nobre se casar com uma moça sem títulos, o que
facilmente seria excluído afinal sua beleza justificaria
perfeitamente isso. Mas então sequer uma viagem de lua
de mel. Os dois simplesmente se enfiaram naquele
casarão velho e não tardou para a notícia de que você por
pouco não teria perdido a vida.
Margareth não conseguia falar, estava estupefata
com a astúcia e destreza da duquesa. Era uma mulher sem
igual.
— Então, finalmente os boatos de que estariam tão
apaixonados que o conde sequer pisasse em seus
aposentos. É um tanto quanto contraditório, você não
acha? — Sem esperar pela resposta continuou falando, os
olhos amendoados faiscando intensamente. — E eis que a
conheci e francamente tirando uma ou outra exceção você
é adorada por todas as mulheres que conheço. Você não
acha isso tudo intrigante?
— Vendo por este ângulo, devo concordar.
— Então, devo considerá-la como uma amiga ou
alguém que aproxima de mim por algum outro motivo?
Talvez um bom casamento para uma amiga...
Margareth suspirou. Havia subestimado a
inteligência da duquesa e por isso precisava mudar de
estratégia. Mentiras só piorariam tudo. É claro que ela
desconfiara de que Margareth estivesse empurrando a
senhorita Starlington para Leonard, sem sequer supor os
reais motivos de sua aproximação, mas de qualquer forma
isso poderia ser um problema, um revés para seus planos.
Talvez a verdade, ou um pouco dela pelo menos,
resolvesse a situação.
— Posso confiar realmente em você Madelina?
— Se não for algo que afete minha família, pode, é
claro. — A mulher respondeu com extrema franqueza.
— Quando me casei com Hugh eu o odiava. O
odiava como nunca fui capaz de odiar alguém. E odiava
ainda mais meu pai por ter me forçado a casar com um
homem de dar medo. Como prova de que pouco se
importava comigo ou meus sonhos, fomos direto para
Surrey Hall. — Margareth falou, deixando-se transportar
para sua primeira noite de casada. — Veja, eu não tinha
qualquer entendimento do que aconteceria naquele quarto.
Por mais que tenha implorado para minha mãe, tudo o que
eu aprendi foi que deveria deitar-me de olhos fechados e
deixar que meu marido fizesse o que bem entendesse com
meu corpo. Sabe o quanto isso é ultrajante?
— Sei sim. É o que a maioria das mulheres aprende.
— Madelina falou gargalhando. — Mas suponho que você
não seja do tipo que aceita isso.
— Mas é claro que não, como posso não ser a dona
do meu próprio corpo?
— Entendo.
— Acredite, as primeiras semanas foram terríveis.
Eu me recusava a ceder aos caprichos de Hugh e ele
tornava minha vida um inferno naquela casa.
Madelina não disse nada.
— Então, uma noite fugi. Por muito pouco não morri
naquele frio. Mas Hugh zelou por mim até que estivesse
plenamente recuperada e então foi apenas uma questão de
tempo para nos conhecermos melhor.
— E agora você o ama, perdidamente.
Margareth assentiu, baixando os olhos.
— Estava ainda decidindo que tipo de pessoa você
é quando me contou a história dos Paxton. Mas é claro que
já deveria saber que estávamos nos preparando para unir
nossas famílias quando me contou sobre os boatos...
Margareth concordou novamente.
— Confesso que fiquei um pouco apreensiva
naquele dia. Curiosa a respeito do seu interesse pela
duquesa. Sabe, meu filho admira muito seu marido. Ele
realmente o adora. Quando procurei informações por aí,
não fiquei sabendo de nada sobre a suposta dificuldade do
duque, mas essas coisas são facilmente escondidas de nós
mulheres, você não concorda?
— Você é muito astuta. — Margareth deixou
escapar.
— E como você acha que conquistei meu marido?
— A duquesa falou, gargalhando novamente e seu riso
fácil enchia o coreto de eco. — Me diga, os Paxton
realmente estão em maus lençóis?
— É o que parece.
— E a menina Starlington realmente gosta do meu
filho?
— A conheci na recepção que oferecemos em
Surrey Hall. É uma boa moça e está genuinamente
encantada por Leonard. Embora o tio esteja muito
inclinado a dar sua mão ao filho do duque Paxton. Não
menti para você, Madelina, não tenho motivos para isso.
Madelina observou atentamente a expressão de
Margareth. Depois concordou com um aceno de cabeça.
— Meu filho não fala em outra coisa do que essa
bela jovem. Nunca o vi tão interessado em alguém, mas
romper um compromisso com outro duque pode ser
complicado.
— Imagino que sim.
— Sou uma entusiasta do amor. Pode soar piegas,
mas me casei por amor e gostaria que meu filho pudesse
fazer o mesmo. Adoraria que ele fosse realmente feliz,
como o duque e eu somos.
— Acho que é o sonho de toda mãe, que seus filhos
encontrem a felicidade.
— Discordo de você. A grande maioria que
conheço tem os filhos como apenas uma mera peça de
xadrez, ferramentas capazes de tornar possível conexões e
alianças que podem mover o mundo e que sem a união de
uma família talvez não fosse possível.
— Isso é horrível.
— É mesmo, mas é a verdade. Meu pai mesmo, só
concordou que eu me casasse com um estrangeiro por
causa do título.
— Mas você o amava, não é?
— Ah sim, com a força de uma tempestade. E ele a
mim. Mas tinha a fama de ser um homem de muitas
mulheres... Já contei a você que meu marido não gosta dos
Paxton?
— Pensei que fosse o contrário.
— Este nosso mundo é muito complicado. Por isso
a maior parte das mulheres prefere se manter na
ignorância, pensando apenas em vestidos e joias.
— Você adora joias e vestidos! — Margareth
provocou-a.
— Mas que espécie de mulher eu seria se não
gostasse?
As duas riram juntas.
— Não sei o que há, mas meu marido tem aversão à
família Paxton. Entretanto uma ligação entre os dois
ducados seria um grande passo.
— Entendo.
— Mas como eu disse, acho que todos deveríamos
nos casar por amor.
Vinte e três

Margareth estava com a mente em um turbilhão.


Madelina havia se transformado numa verdadeira
surpresa. Nunca conhecera uma mulher mais mordaz e
ousada, sem medo de falar o que pensava. Mas agora
estava feito, não tinha como voltar atrás e a duquesa
jamais poderia sonhar os reais motivos pelos quais
Margareth estava empenhada. Ela havia transformado a
mulher em sua aliada e um casamento provavelmente
ocorreria em breve. Agora só precisava saber como
fechar ainda mais o cerco em relação ao casal Paxton. É
claro que não estava falido, mas deveria ter algo que
pudesse realmente ser usado contra ele e sua esposa
repugnante. Somente com o afastamento daquela criatura
horrenda é que os Ruthenford poderiam ter sua vingança
contra o velho duque de Canterburry.
Naquela tarde, pela primeira vez, Margareth
tomaria chá na casa dos Starlington e conheceria o
inimigo número um do marido. Um velho de aparência
autoritária que exibia uma esposa beirando não mais do
que vinte e dois anos. Uma jovem de olhar triste que
falava pouco e ouvia distraidamente a conversa alheia.
Mas acompanhada pelo casal também estaria a
única filha do duque, uma jovem quase da mesma idade da
madrasta, com cabelos louros e expressão angelical.
Naquela manhã Hugh estava com um péssimo
humor.
— Eu realmente não quero ir.
— Mas Hugh, é a melhor forma de nos
aproximarmos do Duque de Canterburry.
— Pois diga que estou doente.
— Nem pensar. Tenho dado duro para conseguir
afastar Leonard das duas pretendentes e colocá-lo no
caminho de Charlote Starlington para quê? Para você
jogar tudo fora por causa do seu mau humor?
— Você sabe o quanto eu odeio aquele homem. Por
anos venho bolando um jeito de destruir ele e toda sua
maldita família. Como poderei me sentar à mesa com
aquela gente?
— Do mesmo jeito que tem feito com Paxton.
Ignore-o se for preciso, mas nós vamos.
— Não vamos, não.
— Hugh, destruí qualquer chance do Paxton de
roubar o pretendente da filha do velho e estar lá hoje,
quando provavelmente receberemos a notícia de um
noivado é fundamental. Só assim poderemos nos
aproximar daqueles a quem seu pai prometeu dar o troco.
Além do mais a vida da minha família também está em
jogo.
Hugh arriou na cama vencido. Margareth terminou
de aprontar-se com a ajuda de Mad a quem mandou um
lacaio chamar e então prendeu o chapéu e sorriu
afetuosamente para o marido rabugento.
Apesar do estado de espirito soturno, Hugh
esbanjava beleza e sorrisos ao circular entre os
convidados do lorde Starlington. Aceitando reverências e
retribuindo com eficiente polidez.
Margareth, logo após sua chegada se tornara uma
das mais festejadas senhoras, sendo convocada para todas
as conversas e debates femininos sobre moda, moral e o
que mais surgisse. Cerca de uma hora depois, o duque de
Devonshire chegou acompanhado da esposa e do filho.
Todos vinham vestidos com esmero e responderam a cada
mesura com educada formalidade.
Quando chegou a vez de Margareth, Madelina
simplesmente esqueceu a pose de duquesa e se atirou a um
afetuoso abraço. As duas sorriram e muitas senhoras
suspiraram de inveja e admiração da relação das duas
nobres.
Pouco a pouco o grupo foi sendo perfeitamente
ajustado à mesa de chá e servido com delicadeza e
esmero. Charlote Starlington estava sentada perto da tia, o
rosto rosado e os lábios carnudos se sobressaltavam em
realce ao vestido com costura prateada. Leonard não
desviava os olhos da menina que sorria tímida para o
rapaz.
Depois da refeição, todos se reuniram na sala de
jogos da família, conversando animadamente. Lorde
Starlington mandou servir vinho do porto e o que mais
interessasse aos convidados, e quando não havia sequer
uma pessoa cuja mão estivesse deposta de taça, anunciou
com sua voz de trovão:
— Caros amigos, hoje tenho a graça de anunciar que
um grande momento chegou para nossa família. — Ele
tomou fôlego. — Para minha tristeza, há muitos anos meu
irmão e sua esposa deixaram este mundo num trágico
acidente. Muitos aqui devem se lembrar de como nossa
família ficou assolada pela tristeza. Agora, porém, anos
mais tarde, nossa sobrinha e protegida tornou-se uma
moça adorável. De boa educação e moral impecável.
Tamanha é sua beleza e graça que nos deu a maior e
melhor notícia de todos os tempos.
O homem olhou para o jovem Leonard que tinha as
bochechas avermelhadas. Ergueu a taça e sorriu.
— Hoje cedo fui agraciado pela visita do jovem
Marquês, filho do meu amigo antigo e Duque de
Devonshire. Para nossa surpresa, mas não espanto, nossa
amada sobrinha era alvo de sua afeição e ele nos agraciou
com muita alegria ao pedir nossa benção e permissão para
desposar Charlote. Não vendo impedimento e
compreendendo a força do amor dos jovens, com muita
satisfação hoje brindo ao noivado de minha sobrinha com
o marquês de Hartington. À felicidade dos noivos.
Todos ergueram suas taças e brindaram. Margareth
sorriu e Hugh apertou a mão de Leonard que estava
tímido. Os dois haviam sido empurrados um para o outro,
a cada nova valsa que Margareth insistia que dançassem,
a cada nova conversa que travavam durante um baile que
pouco interessava a ambos ou a cada novo passeio pelos
jardins a céu aberto com estrelas como holofotes e a lua
como madrinha. Estavam de fato apaixonados e felizes.
Passaram o restante da noite aos cochichos, trocando
gracejos discretos e um beijo escondido.
Margareth se deixara levar pela conversa animada
da amiga, a duquesa de Devonshire sempre tinha algo
interessante a contar, ainda que fugisse da temporada
londrina antes mesmo que essa despontasse ao ápice de
bailes e recepções. A duquesa também tocou piano de
forma espetacular e cantou uma melodia em espanhol,
arrancando risos curiosos das senhoras e olhares
cobiçosos de alguns senhores.
Apesar de tudo, Hugh estava se divertindo. Gostava
da companhia sóbria do pai de Leonard e da conversa
animada da mãe. Gostava de ver sua esposa desfilando
distraidamente entre as mulheres e se destacando com
sorrisos marotos em sua direção. Imaginava-se tocando
ali mesmo, mas logo que sentia seu corpo dar sinais,
afastava os pensamentos e voltava à comemoração de
noivado do jovem.
Um baile ostentoso foi dado, semanas depois,
oficialmente anunciando o noivado do casal. Foi nessa
noite que Margareth teve certeza. Lady Elizabeth Coucex,
a duquesa de Cunterbury escondia um segredo.
Que a moça era muito jovem e entediada ninguém
tinha qualquer dúvida, mas havia algo mais e ela não via a
hora de descobrir.
Tudo transcorria na mais perfeita ordem, Margareth
e Hugh desfilavam relaxados, conversando animadamente
com amigos e trocando beijos acalorados às escondidas,
até que após uma valsa, tentando tomar fôlego, Margareth
viu-se em meio a uma conversa séria entre as duquesas
Madelina e a lady Claire Paxton.
— Isso me parece uma calunia de alguém que está
com inveja. — Foram as palavras de Madelina que
chamaram a atenção de Margareth.
— É o que dizem por aí, não estou fazendo nada
além de contar a você o que ouvi de outros.
— Fez bem, mas assim que escutar qualquer coisa
do tipo, trate de abafar a besteira com uma reprimenda,
pois isso mancharia a reputação da duquesa.
Margareth fingiu estar distraída, prestando atenção
aos casais que se espalhavam pelo salão valsando, mas na
verdade seus ouvidos estavam mais atentos do que nunca.
— Como sempre você está certa. — Lady Paxton
resmungou. — Uma pena não nos tornarmos da mesma
família.
— A mesma coisa tem me dito o duque de
Canterburry e sua esposa. Mas o que podemos fazer, não
é? — A duquesa espanhola sorriu. — O coração dos
jovens é impulsivo e anseia por amor.
Claire não disse nada, amarrou um pouco mais sua
cara inchada e afastou-se com um meio sorriso furioso.
Naquele instante, Margareth sabia exatamente o que
fazer.
Vinte e quatro

— O que você acha do meu plano?


— Acho que é uma loucura, mas pode dar certo.
— E o que mais o garoto falou? — Margareth
inquiria Hugh com determinação.
— Que a duquesa se encontra com um rapaz duas
vezes por semana. Num quarto discreto.
— Isso é ótimo. Acho que devemos começar a
colocar essa ideia em prática o quanto antes. Ainda mais
que tenho certeza de que aquela lady Paxton asquerosa
está espalhando a notícia o tanto quanto pode. Logo a
moral da moça estará manchada e de nada nos servirá.
— Concordo.
— Ótimo, agora me ajude a tirar o espartilho.
— Mas você acabou de colocá-lo.
— Eu sei, mas estou com vontade de tirar.
Margareth sorriu, passando os dedos
descontraidamente sobre o peito ainda nu do marido e
virando-se de costas. Deixou o pescoço pender para um
lado e a cabeleira jorrar feito uma cachoeira. A simples
visão do pescoço e clavícula dela fez com que Hugh
ficasse excitado. Passando a puxar as fitas do espartilho
com pressa.
— Por que você não vai providenciar o que
combinamos e eu o espero aqui?
— E o que você vai fazer enquanto isso?
— Nada. — Ele fez uma expressão inocente.
— Conte-me. — o conde sussurrou em seu ouvido.
— Vou deitar-me na cama completamente nua e me
tocar até que sinta cada parte do meu corpo úmida.
Hugh alteou as sobrancelhas.
— E se você demorar, não terei outra escolha senão
eu mesma satisfazer os meus desejos.
O conde sorriu com malicia, adorava quando sua
esposa deixava transparecer seu temperamento ousado e
autoritário. Era uma delícia, saber do que ela era capaz e
de como isso o deixava excitado. Saiu apressado para a
biblioteca, voltando minutos mais tarde com um olhar
satisfeito.
Quando entrou no quarto surpreendeu-se com o que
viu. Margareth estava realmente deitada sobre os lençóis
macios, completamente nua. Os dedos estavam dentro do
tufo de pelos, na parte intima. Ela gemia, enquanto a outra
mão apertava com fulgor um dos seios. Imediatamente ele
sentiu seu membro erigir-se e uma queimação percorrer
sua espinha. Quando a jovem o viu, observando-a com o
olhar em chamas, mordeu o lábio inferior. Virou-se de
costas, assumindo a posição com os joelhos sobre a cama
e as nádegas levemente separadas. Hugh arrancou suas
roupas e penetrou-a com força, apertando seus seios e
estocando com brusquidão. Ela gemeu e ofegou, chegando
ao ápice instantes depois. E ele logo em seguida.
Não satisfeita, Margareth passou a andar nua pelo
quarto, cogitando o que mais podia fazer para satisfazer
sua necessidade. Hugh, deitado sobre as mãos, sorriu ao
vê-la tão desejosa. Tinha algumas ideias do que poderia
impor-lhe...
— Você não se cansa? — Hugh inquiriu, um brilho
furtivo nos olhos.
— Não! Será que há algo errado comigo?
O conde gargalhou.
— Se tiver algo errado com você deve haver
também comigo.
Com o mesmo brilho selvagem que arrancava
suspiros de Margareth o conde saiu do quarto, nu. Passou
pela porta de ligação entre o seu aposento e o da esposa e
surpreendeu-se com uma verdade. Há muito tempo não
colocava os pés naquele quarto. Sorriu contrafeito com
sua displicente entrega ao casamento. Foi até o armário
que mantinha perto da janela. Com as mãos carregadas,
voltou para a esposa que ainda caminhava impaciente
pelo quarto, nua, as mãos na cintura e os olhos aflitos.
— Tenho uma ideia. — Ele anunciou, sorridente.
Margareth não disse nada, deixando-se conduzir
pelo marido. Ele pegou a corda que trazia e passou nas
pernas dela, afastando-as completamente. Prendeu um dos
pés à cama e o outro à penteadeira, deixando-a de pé,
completamente despida e amarrada. Fez o mesmo com as
mãos, prendendo-as na trava da janela e na guarda da
cama. Aquilo era uma novidade assustadora e excitante
que fez com que Margareth descobrisse mais uma vez a
fúria de seu desejo. Totalmente subjugada pelas cordas,
ela fez um esforço para continuar em pé.
Hugh saiu novamente, voltando instantes depois com
o óleo que ela mantinha no quarto de banho, perto da
banheira. Despejou um pouco nas mãos grossas e
começou a espalhar pelo corpo da condessa. Começou
logo na nuca, fazendo movimentos leves e ritmados. Foi
descendo pelas costas, desviou para os seios e friccionou-
os. Espalhando calmamente o óleo pelo corpo quente.
Desceu devagar e sedutoramente para o ventre e voltou
para as nádegas, apertando-as e massageando. Margareth
gemeu alto. Hugh voltou para frente e olhou-a com desejo.
Um desejo profundo e arrebatador.
De joelhos, chegou bem perto da intimidade de
Margareth e tocou-a com delicadeza, depois mergulhou o
rosto entre o tufo de pelos, fazendo-a gemer
constantemente enquanto passava sua língua e sugava a
pele entumecida. Margareth continuou a gemer, cada vez
mais alto. Puxou os braços e esticou-os, já sem forças
para manter o corpo em pé. Hugh sorriu, adorava vê-la à
mercê de sua vontade. Como um felino, contornou-a e
cravou os dedos em seus seios, colando o próprio corpo
ao dela. Pingou mais algumas gotas do óleo em suas mãos
e esfregou o membro ereto. Posicionou-o e começou a
penetrá-la por trás. Com uma das mãos, Hugh acariciava
um seio banhado em óleo, e com a outra friccionava as
partes úmidas entre as pernas de Margareth. A princípio
ela gemeu, não com prazer, mas com a dor que a
penetração causava-lhe e isso sobressaltou-o. ele tentou
novamente fazer com que o membro mergulhasse nas
nádegas. Margareth grunhiu e se esquivou.
— Desculpe. — Hugh sussurrou, desistindo.
— Por favor, passe mais óleo. E faça devagar.
— Você não quer que eu pare?
— Não, continue. Devagar.
Hugh colou novamente seu corpo ao de Margareth,
pressionou seus seios com firmeza e massageou. Depois,
deixou uma das mãos deslizar novamente para o tufo de
pelos onde começou um movimento ritmado que
provocava espasmos de prazer na esposa.
Quando notou que ela estava bastante excitada, a
penetrou, devagar a princípio. Acariciando-a sem parar.
Margareth contorceu-se por alguns instantes e então
relaxou. Ele começou a estocar, primeiro sutilmente e
depois com rapidez. Gemendo animalescamente. Ainda
acariciando o órgão intimo dela, ele chegou ao ápice,
curvando-se um pouco pra frente e jorrando seu liquido
viscoso para dentro. Não demorou, Margareth deu
indícios que também chegaria.
— Pela frente. — Ela sussurrou entre gemidos.
Ainda com os dedos acariciando-a freneticamente,
ele a penetrou pela frente. A sensação foi estarrecedora e
em poucos instantes Margareth urrou de prazer.
Naquele momento a condessa decidira que não
poderia haver coisa melhor do que ser casada com Hugh
e, sorrindo para o marido murmurou:
— De novo.
Vinte e cinco
Hugh piscou seguidas vezes, não conseguia manter
seus olhos abertos e pouco captava da conversa enfadonha
à mesa. Margareth, por outro lado, não podia estar mais
radiante, falando um pouco com cada convidado.
Madelina, sua convidada principal também dispensava
comentários, em seu vestido vermelho vivo e flores
negras. Tipicamente espanhola, sorridente, falando com
seu sotaque arrastado e deixando escapar poucas palavras
em sua língua materna, fazia o marido sorrir a cada gesto
feminino. Havia uma paixão ali que inspirava a condessa.
Juntas pareciam iluminar a sala de jantar.
— Você está acabando com o coitado. — A
espanhola cochichou para Margareth que apenas sorriu.
— Eu deveria ter me casado com um homem feio.
— Margareth declarou por fim, ao ver Hugh tombando as
pestanas e retornando a abri-las com ares de assombro.
Madelina riu alto, fazendo com que vários pares de
olhos se dirigissem imediatamente para seu semblante
divertido. Com um aceno distraído de mão, dispensou os
curiosos e voltou para conversa com a anfitriã.
— Eu me perguntava se alguém, algum dia,
conseguiria domar a fera.
— Oh! Não fale assim do meu marido. —
Margareth crispou com malícia.
— Não me diga que você era alheia à fama do
conde? — A outra inquiriu, com ares brincalhões.
— Mas é claro que não. Você sabe muito bem disso.
— A condessa suspirou.
— O amor jovem... Não é mesmo uma coisa linda?
Margareth não respondeu. Virando-se logo em
seguida para explicar à mãe algo sobre a prataria. A
palavra amor, no entanto, ficou retumbando em sua mente.
Definitivamente ela não entendia nada de amor, assim
como não entendia nada de coito e estava descobrindo.
Hugh havia sido uma grande e grata surpresa, mas
não tinha certeza de que o sentimento que nutria era, de
fato, o famoso e aclamado amor. Nos dias que se
seguiriam, remoeria o tema constantemente, sopesando
cada fagulha que se acendia diante da presença do marido.
Por fim, a espera ansiosa por ele, o frio no estômago
quando ouvia sua voz e o recente ciúme, lhe fariam
confirmar seus temores.
Depois do jantar suntuoso com mais de cinco pratos
e uma sobremesa escandalosamente doce, lady Sinclair
chamou a filha para um canto e baixou seu tom de voz ao
máximo, para que somente a condessa escutasse seus
conselhos.
— Escute o que tenho a dizer... — Começou ainda
pensativamente. — Normalmente as mães não falam esse
tipo de coisa, mas depois do que você me disse no nosso
último encontro, me sinto na obrigação de fazer um papel
a mais em sua vida...
— Mas afinal de contas do que você está falando?
— Margareth falou alto demais, alertando Hugh que
cochilava sentado em sua poltrona na sala de café.
— Fale baixo... — a lady repreendeu, tensa. — O
que tenho a falar, diz respeito somente a nós duas. Na
verdade, eu nem deveria estar...
— Ora pelo amor de Deus, pare de fazer rodeios.
— Quero dizer... bom, olhe para o estado do seu
marido.
— E o que tem ele?
— Você precisa cuidar que ele passe mais tempo em
sua cama, e não em clubes de cavalheiros.
— Como é?
— Como você espera gerar os herdeiros do conde
se ele estiver assim cansado por causa das companhias
indesejadas...
— Porque diabos você acha que ele anda em
lugares assim? — Margareth estava intrigada e até um
pouco furiosa.
— Veja aparência de cansaço, mal falou duas
palavras o jantar inteiro. — A mulher completou, os olhos
vincados no conde que voltava a cochilar diante do olhar
divertido do duque e sua esposa espanhola.
— Mamãe, primeiro: o que meu marido faz não é da
sua conta. — Ela eriçou o dedo zangado diante dos olhos
enrugados da mãe. — Quem casou com o conde fui eu,
então pode deixar que o tratarei exatamente como eu achar
que devo.
A mãe cobriu a boca espantada. O desapontamento
brotando no rosto imediatamente.
— E segundo, ele está cansado por que dorme todas
as noites em minha cama! E eu o mantenho bastante
ocupado, ou seja, ele dorme pouco.
— Oh! Por que você não pode ser como as outras
moças?
A lady afastou-se da filha, a mão enluvada sobre os
lábios. Margareth sorriu ao contemplar o marido. Os
cabelos bagunçados e o olhar totalmente exaurido.
Percebendo o desânimo para o restante das formalidades
de um jantar londrino da nobreza, Margareth cochichou
para a duquesa.
— Como faço para que toda essa gente vá embora?
Madelina sorriu, compreendendo perfeitamente a
situação em que sua jovem e audaciosa amiga se
encontrava. Com um abano de cabeça e um olhar divertido
foi até o marido e murmurou em seu ouvido. Passou os
dedos distraidamente sobre a manga de seu fraque e
mordeu o lábio. Depois veio despedir-se da condessa.
Assim que o casal partiu em sua carruagem
elegante, os demais seguiram o exemplo, finalizando
rapidamente as formalidades e indo embora. Margareth e
a mãe não trocaram mais qualquer palavra até a mais
velha dizer adeus, ainda estupefata. O pai, pelo contrário,
beijou a mão da condessa com displicente atenção e ao
abraçá-la desejou que fosse tão feliz quanto demonstrava.
O gesto pegou-a de surpresa, enchendo ainda mais sua
mente de preocupações em relação ao que ele deveria
estar enfrentando com o maldito duque Paxton.
Hugh tirou as roupas e deitou-se apenas com a
ceroula. Quando a esposa chegou no quarto, já despojada
do vestido graças à eficiente e rápida ajuda de Mad, ele
dormia pesadamente. É claro que ela se perguntava
porque, se não tinha nenhum interesse, estaria ali, em sua
cama e não na dele. A palavra que a perturbaria pelos
próximos dias ressoou no mesmo instante, como um sino
de catedral que retumba na hora da missa.
Será que Hugh a amava? Será que ela o amava?
Como poderia ter certeza?
Pela manhã, Mad entrou no quarto com uma
bandeja de desjejum avantajada. A condessa acordou o
marido quando a criada já estava longe. Os olhos
cansados diriam que ele tivera uma noite péssima, quando
na verdade havia dormido horas seguidas sem qualquer
interrupção.
— Você está se sentindo bem?
— Me sinto como se uma manada tivesse passado
por cima de mim.
— Oh! — Ela cobriu a boca com os dedos finos.
— Você sabe que a culpa é sua?
— E que culpa eu tenho se você não se alimenta
como deveria?
— Eu me alimento muito bem, mas você consome
todas as minhas energias.
— Então trate de comer mais!
E com um olhar sensual levantou-se da cama,
deixando as cobertas para trás e desfilando nua pelo
quarto. Abriu as cortinas e voltou a mirá-lo. Os olhos
desejosos do marido a fizeram sorrir.
— Vou me vestir, temos muito o que fazer hoje.
— Ou podemos ficar por aqui e esquecer o resto
de Londres.
— A manada vai deixá-lo em paz hoje! — Ela
provocou-o, cruzando os braços sobre o peito firme.
Depois de completamente vestida e segurando sua
sombrinha que combinava perfeitamente com o vestido
bordado, Margareth encontrou Hugh no vestíbulo. A
cartola ajustava-se perfeitamente e ele exibia seu melhor
olhar. Totalmente recuperado.
— Minha mãe acha que você passa as noites numa
dessas casas de más companhias.
Hugh olhou-a surpreso, enquanto ela passava seus
dedos finos sobre seu braço, enganchando-se a ele.
— Ela acha que devo manter você mais tempo em
minha cama.
— Eu não fazia ideia de que vocês tinham esse tipo
de conversa.
— Não temos.
— E o que você disse a ela?
— O que você acha?
Antes de os dois mergulharem no ar abafado que
vinha tomando a cidade, o lacaio que acompanhava a
carruagem surgiu afoito diante dos dois. Fez uma
reverência formal e pediu para falar com o conde em
particular.
— Diga logo, não há nada que minha senhora não
possa saber.
Com os olhos envergonhados ele baixou o tom de
voz e anunciou.
— Aquilo que o senhor me pediu para cuidar. Está
acontecendo.
Vinte e seis

O velho duque de Canterburry estava furioso. Com


que tipo de pessoa aquele homenzinho enfadonho e
malvestido achava que estava lidando? Qual não foi seu
espanto ao receber o bilhete do petulante afirmando que
as suspeitas estavam certas e a duquesa estava realmente
faltando com a conduta correta de uma dama.
Enfurnado na carruagem, seu couro cabeludo suava,
suas mãos tremiam e sua voz soaria enrolada, se
conseguisse murmurar outra coisa que não: “mais
rápido!”. Apressando o cocheiro, o duque açoitava seus
próprios pensamentos. E se fosse verdade? E se sua bela
e entediada esposa estivesse mesmo envolvida com algum
rapaz? Não apenas sua reputação estaria perdida, mas sua
honra, sua dignidade e seu nome. Estaria para sempre
destinado à vergonha.
E que atitude tomaria quanto ao infeliz Paxton? Com
toda certeza o desgraçado o chantagearia ou pior,
espalharia para toda Inglaterra seu infeliz infortúnio. De
qualquer forma estava em maus lençóis. Por que não
batera mais forte da última vez? Por que não a deixara
mais tempo trancada no quarto com as penitências? Talvez
agora não estivesse sujeito a tão terrível dilema.
Enquanto as patas apressadas dos cavalos trotavam
pelas ruas de Londres, os pensamentos do velho só
pioravam sua ira, sua ânsia pela violência com que tratava
a menina que despojara, depois de ficar viúvo. Se fosse
em outras épocas nada disso estaria acontecendo e ele já a
teria ensinado como ser uma esposa adequada, para um
homem como ele.
Em outras épocas não precisaria apenas enfiar seus
dedos nas intimidades dela e obrigá-la a tocá-lo em sua
genitália quase morta. Se fosse em outros tempos teria
desfrutado aquele casamento verdadeiramente e a garota
não veria motivos para procurar por outra companhia
masculina. E se tentasse já estaria debaixo da terra. Mas
se fosse verdade. Se ela estivesse nos braços de outro, ele
daria um jeito de calar Paxton e então a surraria até à
morte.
O cocheiro fez com que os animais cansados
parassem bem diante da porta de um armazém barato, na
parte mais suja e pobre da cidade. O velho duque desceu
desajeitadamente da carruagem, soltando fogo pelas
ventas e crispando coisas ininteligíveis. Entrou no
estabelecimento e ficou desnorteado pelo forte cheiro de
mofo misturado a tabaco. Mandou o lacaio esperar do
lado de fora e fulminou o atendente com um olhar
aterrador. Cruzou a porta dos fundos e deparou-se com um
corredorzinho fedorento e cheio de poças. Abriu a
primeira porta e viu um jovem casal abraçado.
Aproximou-se da mulher e então, ao constatar que não era
sua esposa, voltou para o beco fétido. O coração
acelerado, a mente em um turbilhão e as pernas
começando a tremer.
A outra porta estava semiaberta. Canterburry entrou
sem bater e deu de cara com uma moça de classe baixa,
terminando de amarrar suas botinas surradas. O homem
que estava sentado em uma cadeira dura, lendo à pouca
luz que entrava pela janela embaçada, era jovem e bonito,
com linhas rusticas no rosto anguloso. Era da classe
trabalhadora, sem dúvidas, mas bem-apessoado, com ares
sonhadores.
— Quem é você? — O duque berrou para a garota
que amarrava as botinas.
— Mad. — a garota curvou-se respeitosamente.
Bufando o homem apoiou-se no batente da porta,
respirou fundo e voltou para sua carruagem. Um misto de
melancolia e ódio invadiram seu peito.
— Tudo bem, senhor? — O lacaio questionou, os
olhos para o chão e a mão esticada para auxiliá-lo a
retornar ao seu assento na carruagem.
— Sim, vamos para casa.
***
Quando Margareth e Hugh afundaram no couro
macio da carruagem, o coração de ambos palpitava
descompassadamente. Aquela tinha sido a mais louca
ideia que a condessa poderia ter tido. Arriscaram muito
deixando que as coisas chegassem até aquele último
instante, mas não poderia ser diferente, do contrário tudo
podia, simplesmente não acontecer. Mas e se o velho
chegasse no momento errado? Era um risco que poderia
gerar mais do que apenas a desgraçada de uma moça
indefesa e solitária, mas por fim, tudo havia dado certo.
Agora precisavam correr contra o tempo para finalizar o
que haviam começado, quando o lacaio entrara no
vestíbulo avisando ao conde.
A bela jovem sentada diante de Margareth chorava,
soluçando baixinho enquanto a carruagem trotava.
— Você precisa se acalmar. — Margareth foi dura.
— E precisa me dizer se há alguma criada que seja de
confiança e confirme a história que iremos contar.
A garota anuiu melancolicamente, enfiando o rosto
entre os dedos e voltando a soluçar.
— Tudo bem, já passou. Vamos ajudá-la.
Hugh sentia compaixão pela bela jovem, deveria ser
insuportável a companhia daquele velho brutal e
arrogante. Em contrapartida odiaria estar no lugar do
homem e acabar descobrindo que a própria Margareth
estivera nos braços de outro. Seria capaz de algo terrível
se isso ocorresse. Com esse pensamento, o conde virou-se
para a janela da carruagem e fixou seus olhos nos
passantes. Como se pressentisse os sentimentos que
amarguravam o marido, a condessa colocou a mão
enluvada sobre seu joelho e acariciou de leve.
Quando chegaram à imensa propriedade do duque, o
próprio lacaio do conde tratou de estacionar o veículo,
num local em que facilmente passasse despercebido pelos
empregados da residência. Assim que entraram pela porta
da cozinha, a duquesa foi recebida por três criadas
afoitas. As senhoras, que beiravam a meia idade
reverenciaram os visitantes e abraçaram a lady da casa.
— Graças a Deus a senhora está bem, o que
aconteceu vossa Graça? — Uma delas murmurou nos
ouvidos da duquesa.
— Estou bem. Graças a eles. Obrigada. —
Murmurou para a condessa.
Margareth, ao ver o estado calamitoso da garota que
deveria ter praticamente a sua idade, tomou as rédeas da
situação.
— Escute, você precisa se trocar, refazer o cabelo e
esconder as marcas de lágrimas do rosto. Eu vou ajudá-la.
Enquanto isso, por favor, peça a alguém que sirva chá
para nós duas na varanda e um licor para o conde.
Querido, você trouxe algum charuto?
Hugh assentiu.
— Então acenda-o e nos espere lá fora. —
Margareth virou-se para as criadas. — Estivemos a tarde
inteira aqui, vim devolver um broche da sua senhora, e
ficamos para o chá. Vocês entenderam?
As duas anuíram conscientes do que a dama estava
fazendo pela patroa.
— Pois então tratem de agir, o duque deve chegar a
qualquer momento e vai estar num estado de ânimo
assustador, precisam agir com calma e cautela. Do
contrário a vida da duquesa estará em risco.
A mais velha cobriu os lábios com a mão rustica e
então se lançou para um abraço com a jovem duquesa.
Para a sorte da garota, as criadas a adoravam e não
tramariam nada que pudesse prejudicá-la.
— Se há alguém que queira mal a lady, tratem de
despachar dos arredores. Qualquer um que for inquirido
deve assegurar o que foi combinado.
Momentos mais tarde, a carruagem chegou trazendo
o duque assombrado. Hugh já estava em seu segundo
charuto e embora não fosse um fumante assíduo,
desempenhava seu papel magistralmente, mantendo o
olhar perdido no horizonte. Era bastante difícil estar ali,
na propriedade do homem que fizera tanto mal a sua mãe,
e divertira-se com aquilo.
Margareth tentava distrair a jovem duquesa, falando
coisas bobas de seu cotidiano. A garota tentava sorrir e
sempre reagia com amargura quando a condessa a
repreendia por deixar seu estado de espirito transparecer.
— Seu marido está chegando, se ele perceber o que
aconteceu meu marido estará com problemas e você na
lama. Seja forte. Vai passar rápido. E se ele falar algo em
relação ao Paxton, você já sabe o que dizer.
— Sim, imagino que o duque esteja mesmo furioso
com relação ao noivado do jovem marquês.
— Não hesite, é a sua vida que está em jogo, não
apenas dinheiro, mas sua vida. Você entendeu?
— Não vou hesitar, aquele homem horroroso
tentou... — Ela encolheu-se. — E tentará mais vezes,
acredite.
As duas concordaram com uma reverência discreta.
— Sorria, estamos conversando sobre vestidos e
bailes. Somos duas nobres que amam bailes.
O velho que subiu as escadas da entrada da frente
com o apoio da bengala, ficou atônito ao dar de cara com
a esposa e mais, com o duque de Surrey e sua senhora, de
quem tanto ouvira falar. É claro que ele não ia com a cara
do rapaz. Além da fama de ser um homem selvagem, que
gostava de labutar no campo ao lado dos criados, era filho
de Rodolf e ele não havia se esquecido do passado.
Por mais que os anos houvessem transcorrido, por
mais que o conde tivesse levado seu segredo vergonhoso
para o tumulo, ele ainda se recordava da fera que havia
em seu sangue, quando tinha trinta anos. Se havia uma
coisa em seu corpo que ainda parecia jovem, era a
memória, a mente afiada que não deixava passar nada. E
uma recordação deliciosa daquilo que tornou as famílias
Coucex e Ruthenford, das propriedades Canterburry e
Surrey, inimigas, o fazia questionar o que o tal de Hugh
estaria fazendo ali.
Os dois homens se cumprimentaram com as
formalidades habituais aos títulos, as senhoras
reverenciaram o mais velho e Margareth abriu um largo e
sedutor sorriso. Vendo o semblante jovial e o olhar
atrevido o velho compreendeu porque a garota era tão
requisitada nos chás, porque sua própria esposa que
detinha de um título superior a admirara desde o primeiro
baile em que estiveram juntas. Com uma mulher como
aquela, ele próprio teria de ser uma fera. Na certa seria
capaz de desafiar o marido e ser ardente como só uma
criada era capaz. Aquele pensamento fez o velho sorrir
para a esposa do outro, que por sua vez, pigarreou
contrafeito ao perceber os ares cobiçosos.
— Que prazer em revê-lo, duque. — Margareth
iniciou o ritual que vinha ensaiando na última hora. —
Espero não sermos inconvenientes ao virmos sem avisar
com antecedência adequada.
— De maneira alguma. — O tom brusco soou
característico ao rosto enrugado.
— Está tudo bem? — A duquesa questionou
distraidamente.
— Mas é claro! Onde você esteve à tarde?
— Aqui mesmo. — Ela deu um sorrisinho
encabulado, como se a preocupação do marido a
surpreendesse. — Vou pedir que Leonor traga um licor....
A garota saiu, o rosto afogueado. Na cozinha,
conseguiu se recompor e mandou que o lacaio fosse
buscar a cartola e a bengala do marido, enquanto a criada
mais intima, Leonor, deveria servi-lo com licor de alcaçuz
e um charuto.
— Obrigada. — Murmurou para a companheira de
confidências e ama.
— Não me agradeça, a vida seria muito pior sem a
senhora aqui.
As duas trocaram um olhar terno e então a duquesa
retornou à varanda. O semblante renovado e a coragem
assumindo o lugar do medo que a fatigava a mente.
— Oh! Eu estava contando agora mesmo ao duque
que passei alguns dias tentando descobrir a dona do
broche, felizmente Madelina o reconheceu.
— A duquesa? — O velho questionou, assumindo
uma postura um pouco mais leve.
— Ah! Sim, a duquesa, que indiscrição a minha, é
que somos tão boas amigas que às vezes me esqueço das
formalidades.
Hugh, que parecia soturno, perto do corrimão, achou
engraçado. Não conseguia evitar de perceber o quão
inventiva Margareth podia ser e se não conhecesse seu
temperamento mais íntimo poderia questionar ele mesmo
se suas ações, em casa, não eram também parte de um
fingimento muito bem tramado.
— Por fim... — A condessa continuou. — A
conversa foi se tornando tão animada que acabamos nos
estendendo além do adequado. Espero que não seja um
transtorno termos vindo tão inesperadamente e pior,
passado tantas horas tomando o tempo da duquesa.
— Pelo contrário. — A garota anunciou
participando da encenação. — Tenho certeza de que
estamos a caminho de uma amizade longínqua e próspera.
— Não tenho dúvidas disso. — Hugh riu. — Depois
de praticamente discutirem a moda inteira de Londres e
Paris, não imagino alguém mais íntimo do que as duas
senhoras.
O velho duque assentiu satisfeito. Aquela era com
toda certeza uma conversa entediante de que as mulheres
mais gostavam, e ter certeza de que a esposa não estivera
infringindo as leis do matrimônio e passara sua tarde
falando das trivialidades femininas lhe agregava algum
ânimo.
Mais tarde, depois de alguma conversa amena com
o homem, o casal de Surrey atentou para o adiantado da
hora e decidiu partir. A duquesa, que se sentia mais segura
depois de toda a história ser desenrolada, chamou a
condessa para um canto no vestíbulo, abraçou-a com o
coração na mão e sussurrou:
— Serei eternamente grata a você.
— Não se preocupe, está tudo bem. Não esqueça do
que combinamos. Seja forte, um dia você será dona de sua
vida.
As duas sorriram e então Hugh e Margareth
partiram. Uma única certeza retumbando na mente:
Estavam cada vez mais perto de vingar aqueles que
haviam sofrido por causa da monstruosidade de gente
como o duque.
Vinte e sete
O mensageiro chegou por volta das onze da manhã.
Entregou o bilhete diretamente nas mãos do conde e saiu,
após receber sua comissão. Hugh analisou o envelopinho
sem o selo de cera tradicional das famílias mais nobres. A
letra miúda que se desenrolava no bilhete não possuía
qualquer sinal de delicadeza, pelo contrário, era uma letra
fria e totalmente desapegada das palavras que se seguiam.
Margareth entrou na biblioteca com um sorrisinho
maroto nos lábios, o marido admirou-a por alguns
momentos e então passou a correspondência para sua mão
enluvada.
— O que é isso?
— Isso não, quem...
Ela lançou um olhar confuso em sua direção.
— Oh! Meu Deus, ele chegou? — Cobriu os lábios
com uma das mãos, num misto de empolgação e medo.
— Sim, e já está em Surrey Hall.
— E o que você vai fazer?
— Ainda não posso fazer nada, vamos deixá-lo lá
por mais alguns dias, depois veremos.
— E como você sabe que ele vai ficar, que não vai
se meter em nenhuma confusão?
— Porque sei exatamente do que ele gosta e já
providenciei...
Os olhos azuis de Margareth cintilaram de
exultação. Tudo parecia correr dentro do que se podia
esperar. As coisas deveriam se desenrolar no Parlamento
em breve e o primeiro a tombar seria Paxton, depois o
maldito duque de Canterburry. No final, não sobraria um
nobre se fosse preciso, nenhum daqueles que haviam feito
tanto mal à família Ruthenford teria escapatória. Todos
estavam fadados à vingança de Hugh. Margareth se
asseguraria disso.
Quando o conde chegou ao Parlamento naquela
tarde, ficou surpreso com a cena que já fervia. O duque de
Canterburry aos berros com Paxton. Uma disputa que
aparentemente deveria ser simples, estava pegando fogo.
Os dois homens berravam muito mais do que o necessário.
Hugh ficou algum tempo observando, cogitando o quanto a
coisa poderia piorar. Para espanto de todos que
acompanhavam a sessão, ficou muito claro, quando
finalmente as coisas se acalmaram, que o duque de
Canterburry estava retirando seu apoio ao outro fidalgo.
Haveria muita agitação e murmúrio nos dias que se
seguiriam. E com toda certeza uma grande leva de nobres
seguiria o principal homem da sociedade inglesa. Hugh,
ficou satisfeito com o resultado da astuta armação de sua
esposa, além de provavelmente salvar a vida da bela
duquesa, também estava destruindo, pouco a pouco os
malditos Paxton. Aquela sensação era deliciosa.
— Não seja insensato, velho! — Paxton berrou para
Canterburry que bufou.
— E você me respeite, pois além de mais velho sou
também infinitamente mais rico do que você, seu grande
imbecil.
— Temos o mesmo título. — O outro retorquiu.
— Título não significa honra. — O velho cuspiu,
fazendo Paxton corar de raiva.
— Você é um maldito ingrato.
— Diga mais uma palavra e darei, eu mesmo, uma
surra em você...
Hugh cruzou os braços sobre o peito, esticou as
pernas e recostou-se confortavelmente no assento.
Margareth adoraria escutar a cena detalhadamente mais
tarde. O conde esforçou-se para captar cada mínima
expressão dos dois duques que berravam diante de todos
como se se odiassem mais do que qualquer coisa no
mundo.
A melhor cena, no entanto, foi quando o duque de
Canterburry, que tantas vezes repelira as tentativas de
aproximação do conde, aproximou-se de Hugh e apertou
sua mão, reverenciando-o e afirmando apoio em uma
delicada causa sobre uma aliança comercial com a
Dinamarca. Aquela era, sem sombra de dúvidas, uma
grande vitória para os Ruthenford.
***
Canterburry era um homem duro, seu rosto quadrado
aterrorizava a jovem esposa, seu pensamento ágil era
difícil de ser enganado e por isso ela ficava muito grata
pela companhia e bondade da condessa. Nunca havia
imaginado que uma estranha podia salvar sua vida, sem
pedir nada em troca.
Margareth, que tomava chá pela segunda vez
naquela semana com a duquesa reforçou sua
recomendação de que a garota esperasse mais alguns dias
antes de voltar a ver seu enamorado amante. Os riscos
eram grandes não apenas para ela, como também para o
casal que a ajudara com a farsa que salvara sua vida.
A jovem que a princípio ficara muito assustada,
agora tinha na condessa uma melhor amiga. As duas
conversaram pelas horas seguintes sobre a moda
vitoriana, as classes inferiores, o frio que destruía
plantações, chás, louças de porcelana chinesa, e tudo o
mais que vinha agregado às amenidades da nobreza. A
intimidade que crescia a cada instante levou a duquesa a
abrir seu coração e declarar seu sonho de fugir com o
amante, um rapaz da classe trabalhadora que lhe jurava
amor eterno.
— Você precisa ter paciência, minha cara, esse dia
vai chegar. Seria melhor é claro se você tivesse um
herdeiro...
— Isso vai ser impossível. — A garota murchou na
cadeira.
Ambas olharam para o horizonte, apreciando o ar
fresco que lhes arrebatava as faces. A mesa disposta no
jardim perto da floresta onde Margareth quase perdera a
vida, propiciava uma deliciosa vista e um ar revigorante.
A condessa lançou um olhar confuso para garota que
esfregou o rosto com desalento.
— Até onde sei não há nada de errado comigo. —
Ela apressou-se a dizer vendo a expressão de
desconfiança da outra.
— Mas seu marido tem uma filha, não é?
— Sim, mas ele é velho, não consegue mais
consumar o casamento. Não da forma que geraria um
herdeiro, você entende?
— Oh! Que lástima. Como será difícil sua situação
quando ele morrer... — Margareth compadeceu-se.
— Não pode ser pior do que já é. Ele é um bruto,
fica furioso por não conseguir... sabe... deixar aquela
coisa horrível ereta o bastante para colocar dentro de
mim, me espanca como se a culpa fosse minha de ser tão
velho e molenga e, ainda me faz fazer coisas que me dão
asco.
— Oh! Que horror. Não imagino vida pior.
— Por isso não me importo de ficar na miséria,
desde que fique livre.
— Isso não vai acontecer, vou ajudá-la. Acaba de
me ocorrer uma ideia que pode dar certo, mas que será
tremendamente perigosa.
A duquesa suspirou.
— O que você quer dizer?
— Que você tem uma escolha: pode fugir
carregando suas joias e viver bem por algum tempo,
caindo em miséria depois e com o nome difamado, ou
pode ter coragem de ficar e me ajudar a fazer seu marido
pagar por todo mal que fez.
— E por que isso é tão importante para você?
— Porque quando me casei, quase tive o mesmo
destino que o seu.
— Mas você e o conde parecem apaixonados.
— De fato, mas as primeiras semanas foram
infernais, por pouco não perdi a vida nessa floresta que
agora embeleza o nosso chá.
— E como foi que resolveu sua infeliz situação?
— Ao contrário do seu marido, o meu consegue
muito bem cumprir com suas obrigações, então, aqui
estamos. — Deu de ombros.
A duquesa insuflou o ar deixando-o sair pesado e
quente. Olhou com ares esperançosos para a floresta e
então deu um sorriso fraco para a condessa que esperava
com o coração palpitando a mil.
— Naquela noite, depois que você e o conde
partiram, meu marido foi ao meu quarto, não me espancou,
mas fez muitas perguntas. Quando eu o inquiri sobre o que
tratava tais questionamentos, ele acabou deixando escapar
que o duque Paxton havia plantado a semente da dúvida
em sua cabeça. Que por pouco ele não me matara.
Margareth não disse nada, ouvindo atentamente cada
palavra da duquesa.
— Nunca imaginei que aquele duque horroroso, o
Paxton, pudesse ser tão maldoso, logo comigo que nunca
sequer levantei os olhos para a família dele. Mas depois
de você me contar que a duquesa estava espalhando sobre
mim e Harry, me difamando sem ao menos ter certeza, eu
não pude evitar, senti tanto ódio que só queria me vingar.
Se não fosse você, agora eu estaria morta. Imagine só se
outra pessoa tivesse escutado e ao invés de me salvar
quisesse meu mal?
— E o que você fez?
— Exigi reparação. Depois, me deitei com meu
marido e fiz todas as coisas que ele gosta tanto. Senti
muita repulsa, mas fiz. Na mesma noite recebi a promessa
de que eu seria vingada, que ele cuidaria pessoalmente
para dar uma lição ao Paxton e sua família mesquinha.
Com o seu apoio, posso ser corajosa.
A condessa sorriu.
— O que devo fazer?
— Sabe as providências que você e o Harry tomam
para não gerar uma criança?
A duquesa anuiu tímida.
— Pois agora você deve parar.
Vinte e oito
O céu azul claro estava riscado pelas primeiras
linhas de laranja, o sol já baixava no horizonte e o frio
começava a penetrar pelas imensas janelas, quando a
carruagem do duque Paxton entrou na propriedade dos
Canterburry. Charles foi anunciado, e o anfitrião que já
estava sentado em sua poltrona, na sala de fumar, um
charuto fumegando entre os dedos e uma taça pequena com
licor sobre a mesinha de mogno lustrado, apenas meneou a
cabeça assentindo sua aproximação. O duque virou-se
para a porta dupla da saleta e bufou quando deparou-se
com o outro, o olhar sombrio.
— Você tem bastante coragem para vir aqui. — O
olhar frio do duque de Canterburry fez com que Charles
Paxton respirasse com esforço, começando a suar.
— Desmond, o que deu em você hoje?
— O que deu em mim? — a voz soou entrecortada
de raiva.
A troca de olhares era dura. Paxton esperava que o
velho Coucex recuperasse o juízo, quem sabe se
desculpasse e ambos voltassem as negociações e tramas
que tanto impulsionavam o parlamento às decisões que
mais enriqueciam suas famílias.
— Pelo amor de Deus, homem, tínhamos um
acordo de cavalheiros.
— Que você jogou fora ao tentar abalar a honra da
minha esposa.
— Mas eu fiz apenas o que você pediu...
— Você estava tentando me humilhar
publicamente...
—Tentar? — Charles explodiu. — Ela mesma fez
isso, encontrando-se às escondidas com um qualquer.
— Como você ousa macular a reputação de uma
dama tão exemplar? — Desmond Coucex, estava à beira
de um ataque. — E pior, como eu pude acreditar em tão
vil criatura?
— Na certa você não viu pessoalmente, por isso
ainda questiona a veracidade do que digo. Fui apenas leal
a um bom amigo, forneci ajuda em um momento de
desespero. E é assim que me retribui?
— Sabe o que é pior, duque? — Canterburry
cuspiu as palavras com repugnância. — É que eu
acreditei, duvidei da honra de Elizabeth para descobrir
que, além de insultá-la você ainda a confundiu com uma
maldita criada.
— Não é possível, tenho certeza do que vi. E
porque você iria querer que eu averiguasse tais fatos se já
não tivesse suspeitas?
— Você só pode estar louco!
Os dois berravam.
— Eu, louco? Você é um maldito velho arrogante,
que se vê acima de tudo, me pede para ajudá-lo e agora
me acusa... Mas não deixarei isso assim, você não perde
por esperar.
— Você está me ameaçando?
— Vou fazer o que já deveria ter feito há muito
tempo: expor suas jogadas, seus acordos e tudo o mais
que me lembrar. Seu nome estará na lama e nem será por
culpa da coitada com quem se casou.
— Você não ousaria.
— Tem alguma dúvida?
— Seu maldito! — O duque de canterburry gritou,
no exato momento em que apanhou uma pequena estatueta
maciça, réplica da Vênus de Milo, do batente da janela.
Bateu com força na cabeça de Paxton, que surpreso
cambaleou. Antes que Charles pudesse reagir, outro baque
soou seco. Desmond golpeou-o mais três vezes, até que
seu corpo caísse inerte.
Não demorou muito, uma poça de sangue começou
a se formar ao lado da cabeça de Paxton, que já não mais
respirava. Uma criada que entrava na sala de fumar
carregando uma bandeja de chá, assustou-se com a visão
do morto, derrubando tudo e gritando.
— Cale a boca, sua infeliz, vá chamar Saul e mais
um lacaio.
Tremendo, a garota disparou porta afora. Retornou
minutos depois, acompanhada do capataz e de um lacaio
magro e silencioso.
— O senhor me chamou, vossa graça? — O
homem reverenciou.
— Pare com essas bobagens, não temos tempo pra
isso. Preciso que você dê um fim nesse porco imundo.
Ninguém pode saber o que aconteceu aqui. Vocês
ouviram?
Todos assentiram.
— Thomaz, me ajude aqui. — O capataz falou
para o garoto que passou rapidamente pelo duque e
começou a puxar o corpo morto de Charles Paxton.
Jordy, a criada, correu para o quarto de lady
Elizabeth e despencou no tapete, chorando, soluçando e
narrando a cena que vira. O silêncio tomou conta do resto
da casa. Nunca mais, ninguém ousaria mencionar o nome
do morto dentro da propriedade Canterburry.
Vinte e nove
Hugh e Margareth estavam deitados no tapete do
quarto, suados e sôfregos. Mad bateu na porta e esperou
que o conde assentisse sua entrada. Margareth se enfiou
embaixo da colcha, na cama, enquanto Hugh vestiu um
chambre sobre o corpo nu.
A criada entrou e reverenciou-os com a mesma
cordialidade de sempre. Colocou uma bandeja com chá e
biscoitos sobre a banqueta perto da cama e baixou os
olhos para o chão.
Há mais de uma semana a notícia do
desaparecimento misterioso do duque Paxton e seu
cocheiro haviam causado furor na alta sociedade londrina.
Ninguém conseguia imaginar que mal feitor poderia ter
causado tal sofrimento à família, mas Hugh, que tinha um
instinto, desconfiava que o velho Coucex tivesse algo a
ver.
O olhar da criada anunciava informações.
— O que foi Mad? — Margareth inquiriu,
esticando-se para beliscar os biscoitos.
— Encontraram o duque Paxton.
— Então apareceu... — Hugh espreguiçou-se. — No
mínimo estivera farreando em algum bordel.
— Hugh!
— Com uma esposa daquelas, até eu...
Margareth deu um tapinha no ombro do marido.
— Ele estava numa dessas casas de gente sem
moral, Mad? — Margareth levantou os imensos olhos
azuis para a criada.
— Não senhora.
— Então desembuche criatura, estou morrendo de
curiosidade.
— Ele está morto.
Margareth engasgou.
— Co-como? Quando?
— Não sei ao certo, mas um lacaio me contou que
acharam o corpo dele e do cocheiro boiando no rio
Tâmisa. As autoridades estão alvoroçadas.
— Você não acha que deveria ir até lá?
— Eu? Nem pensar. — Hugh encostou a cabeça no
imenso travesseiro de plumas, cruzou os braços atrás da
cabeça e fechou os olhos. — Cada um recebe o que
merece.
— Obrigada Mad, qualquer novidade por favor me
informe.
— Sim, vossa graça.
Com uma reverência discreta a criada saiu do
quarto, deixando Margareth com um olhar taciturno e
Hugh com um meio sorriso nos lábios.
— Por que você está rindo?
— E você ainda pergunta?
— Você não está achando que temos algo a ver com
isso, está?
— Outra pergunta sem sentido.
— Hugh, pelo amor de Deus, isso é muito sério.
Hugh abriu os olhos verdes que cintilaram. Com um
semblante sereno aproximou o rosto quadrado ao da
esposa.
— Se não fosse o Paxton, seria a Elizabeth.
— Você acha que...
— É claro que sim, a essa hora ela estaria morta e
enterrada e no mínimo o Charles deu oportunidade para
aquele velho louco.
— Oh! Deus, o que fizemos.
— Salvamos a vida da duquesa, o maldito Paxton
não teve nada além do merecido.
Margareth cobriu o rosto com as mãos e suspirou.
— Não pensei que pudesse chegar a isso.
— Margareth, você precisa entender, aquele homem
é um louco, ele gostou do que fez com minha mãe, e deve
ter feito coisa pior durante todos esses anos. Não é nossa
culpa se ele é um monstro.
— Pobre Elizabeth.
Um misto de sentimentos envolveu Margareth. Era
como se ela tivesse se tornado a pessoa maquiavélica que
destruía os demais. As mesmas pessoas más que ela
conhecia através dos romances que lia e que sempre se
davam mal no final. Não, ela não era como aquelas
pessoas, era ainda pior, porque era de carne e osso. Era
uma mulher de verdade tentando e conseguindo destruir a
vida de outras pessoas reais. Mas ela tinha um motivo, um
forte motivo. Com o coração machucado pela consciência
de seus pecados, a condessa passou o resto do dia na
cama, com dor de cabeça.
À noite, Hugh deitou ao seu lado sedento, mas ao
contrário dele, não estava disposta. Sentia-se angustiada e
confusa. Com medo de se tornar algo tão ruim que nunca
fosse capaz de voltar a ser a Margareth que um dia fora.
Dormiu com ajuda de algumas gotas de láudano e quando
acordou, sentia uma dor de cabeça terrível.
— O que há com você? — Hugh parecia aflito, pela
manhã.
— Me sinto um monstro. Ajudei a tirar a vida de
uma pessoa.
— Claro que não, não seria possível nem que você
quisesse.
— Hugh, nunca mais serei uma boa pessoa. Me
sinto tão...
— Margareth, nem temos certeza de que foi o
Coucex realmente quem fez isso e, de qualquer forma, o
Charles sabia como era aquele homem, todo mundo sabe
que eles se beneficiam dos projetos aprovados no
parlamento. Além do mais, nenhum de nós o forçou a
matar o outro. Não temos culpa.
— É claro que temos, se não tivéssemos interferido,
ido tão longe. E foi tudo ideia minha. — Falou, iniciando
um choramingo.
— A ideia foi sua, mas quem escreveu aquele
recado fui eu, então, se alguém tem culpa esse alguém sou
eu.
— E você não sente um pingo de remorso?
— Mas é claro que não, a morte foi pouco para
aquele desgraçado.
— Hugh...
— Margareth, eles machucaram minha mãe! Nada
do que fizermos vai realmente compensar... — Ele a
pegou pelos braços.
— Você está me machucando.
— Entenda. Eles são os culpados, não nós.
— Mas...
— Chega.
Largando Margareth sobre os lençóis macios, Hugh
caminhou até à janela. O suor começando a correr por
suas costas, debaixo do traje habitual. Olhou pela janela,
viu o sol ganhando contornos expressivos no horizonte.
— Para ser minha esposa, você precisa ser a
Margareth forte de sempre.
— Para ser sua esposa preciso ser um monstro e
não sentir remorso?
— Fazemos o que tem de ser feito.
— Pelo amor de Deus, veja só o que você está
dizendo. Como você pode ser tão frio?
— Do mesmo jeito que foram com minha família, há
trinta anos.
Depois de um silêncio perturbador, Hugh tornou a
olhar para a esposa, que ainda parecia amuada e triste.
— Estou indo para Surrey Hall, conversamos mais
quando eu voltar.
— O que você vai fazer lá?
— Vou cuidar dos nossos interesses.
— Mas não podemos continuar, Hugh, pessoas estão
se ferindo por nossa causa.
— Chega, Margareth, o que está feito está feito. Não
há retorno, então não devemos ter remorsos. — Saiu
batendo a porta.
Trinta
Margareth tomou o café na cama, banhou-se
tentando afastar a sensação desagradável que se instalara
em seu corpo e passou o resto da manhã cuidando dos
afazeres da casa. Com os pensamentos embaralhados,
dera tantas ordens controversas para as criadas que elas
acabaram ignorando-a e cuidando de sua rotina por conta
própria.
Era muito ruim se sentir parte de algo capaz de
causar a morte de alguém, mas era ainda mais doloroso
recordar-se da forma como Hugh a olhou. Por pior que
fosse participar dos acontecimentos, Hugh tinha razão
numa coisa, todos sabiam como o duque de Canterburry
era, sua fama de violência era murmurada em cada canto
de Londres e apesar dela e Hugh terem provocado a crise
na ínfima amizade entre os duques, sabia que se ele era o
assassino de Paxton, era pura e simplesmente por sua
própria natureza.
Não, ela não podia se culpar por aquilo, o monstro
era ele, e não ela ou seu marido. Por pior que fossem suas
ações ela salvara uma jovem que assim como ela mesma,
havia sido obrigada a se casar com um estranho. Estava
protegendo sua família e lutando para restaurar a de seu
marido, estava dando justiça àqueles que jamais
receberiam o que mereciam, simplesmente por causa do
poder que exerciam.
O dia pareceu nublado e insosso para a condessa,
que andou de um lado para outro até boa parte da tarde.
Como um animal perdido que zanza pelas redondezas em
busca de um punhado de carne velha, ela ficou, totalmente
perdida em seus pensamentos.
— Mad! Mad! — Margareth entrou na cozinha
lustrosa aos berros.
— O que foi senhora, está tudo bem? — A garota
correu até ela sem o cuidado das formalidades, tamanho
fora seu susto.
— Arrume nossas coisas, vamos para Surrey.
Imediatamente.
— Sim, senhora.
Algumas horas mais tarde, a lua já reluzia no céu,
iluminando as estrelas que se espalhavam a pouca
distância uma da outra. Margareth abriu a persiana da
carruagem e deixou que o cheiro cálido da estrada de
terra acertasse seu rosto. Em poucos instantes cruzaram o
portão imponente da bela propriedade do marido.
Um lacaio as recebeu com formalidade e ela subiu
para o quarto do marido, a fim de lhe fazer uma surpresa.
Antes, porém, pediu que Mad avisasse a criadagem para
servir o jantar mais tarde, no quarto, e que a ajudasse a
tirar seu vestido e as anáguas. Animada a criada
alvoroçou a casa.
Hugh ainda estava no campo, inspecionando a ala
oeste da plantação. Margareth estava excitada e feliz,
sabia que teria de dizer muitas coisas a Hugh, mas não
tinha dúvidas de que quando ele a visse, despida e
sorridente, seria capaz de esquecer a discussão. Tão
deliciosa era a sensação de causar uma surpresa
agradável ao marido que as escadas pareceram
desparecer sob seus pés. Margareth nem deu-se conta da
distância percorrida até abrir a porta do quarto do esposo
e dar de cara com ninguém mais e ninguém menos que
Aila, nua, dormindo sobre os lençóis alvos.
— Mas... Mas... — Começou a tremer, tentando
digerir a cena. — Mas o que diabos você está fazendo
aqui?
Aila abriu as pestanas devagar, como se fosse
acordada de um sono pesado.
— Hugh, meu amor, é você? — a garota falou,
fazendo com que Margareth urrasse de ódio.
— Sua desavergonhada, saia já dessa cama.
De súbito, Aila sentou-se, esfregou o rosto e
pareceu surpresa ao dar de cara com a condessa.
— Onde está o Hugh? — Margareth crispou furiosa.
Aila deu de ombros com indiferença.
— Já mandei você sair da cama do meu marido.
— Só saio quando ele mandar.
Margareth então, tomada pela ira e mágoa, foi até à
porta e chamou por Mad. Não esperou a criada chegar e
voou para cima de Aila, agarrando-se nos cabelos negros
e puxando-a para o chão. Assustada a criada caiu
ruidosamente sobre o piso de madeira encerada.
— Não toque em mim. — Aila gritou. — Eu estou
grávida, não machuque meu bebe, por favor.
Margareth parou, prestes a esbofetear a outra. Seus
olhos estavam tão atônitos que não conseguiu formular
exatamente o que dizer a seguir.
— É isso mesmo, estou esperando um filho do
conde. O que você acha que ele faz quando sai no meio da
tarde?
— Sua... Sua desgraçada, saia já da minha casa.
Mad que chegava nesse instante surpreendeu-se com
o que viu, a patroa enraivecida, enxotando Aila do quarto
do conde.
— Está tudo bem, senhora?
— Chame o Torrance, e mais alguém, quero essa
desgraçada fora daqui.
— Mas que gritaria é essa? — Hugh subiu as
escadas e deparou-se com as criadas que se amontoavam
na porta de seu quarto.
Com ele a senhora Garden vinha esbaforida.
— O que está acontecendo aqui? — Hugh
finalmente conseguiu entrar e deu de cara com Margareth.
— Margareth, o que você está fazendo?
Ela riu alto e raivosamente, limpou os olhos que
lacrimejavam e então o fitou com todo seu ódio.
— Estou descobrindo que meu marido continua a
dormir com uma maldita criada.
— Mas do que você está falando?
Margareth afastou-se da porta do quarto e seu
vestido volumoso deu espaço para a imagem de Aila,
acuada perto da cama, nua.
— Mas... Não estou entendendo, o que ela está
fazendo aqui?
— Ela, meu querido marido, ela estava dormindo na
sua cama, esperando pelo pai de seu filho.
Hugh não disse nada, confuso, perplexo e totalmente
frustrado.
— Como você pôde fazer isso comigo? —
Margareth sentou-se na banqueta perto da janela e cobriu
os olhos com as mãos ainda enluvadas. — Achei que você
me amasse.
— Margareth, eu... eu... não sei o que você está
pensando, mas...
Com os olhos azuis envoltos num círculo vermelho,
Margareth olhou novamente para Hugh que sentiu um nó
formar-se na garganta.
— Nunca vou perdoar você.
Partiu para seu quarto, trancando-se em seguida e
deixando Hugh desesperado, do outro lado da porta,
esbofeteando a madeira e berrando para que ela o
deixasse entrar.
Cansado de esmurrar a porta grossa, Hugh voltou
para o quarto e arriou sobre a cama. Aila não estava mais
lá e a senhora Garden que a tudo assistia em silêncio,
mandou que as criadas servissem chá para o conde.
— O senhor está bem?
— Eu não sei. Simplesmente não sei o que
aconteceu aqui hoje.
Mad que estivera os últimos instantes tentando
convencer Margareth a deixá-la entrar no quarto, retornou
ao aposento do conde, reverenciou-o e então assumiu uma
postura firme. Nunca ousara falar com ele sem sua
permissão, mas agora o faria, queria esclarecer tudo,
gostava da patroa e odiava o que o conde fizera com ela.
— Vossa graça, a condessa veio para Surrey porque
estava triste com a discussão que tiveram, não sei ao certo
o que ela queria dizer, mas estava ansiosa. Quando
chegamos aqui se deparou com Aila em sua cama
afirmando que espera um filho seu.
— Mas não é possível.
Mad deu de ombros.
— A senhora ainda vai precisar de mim? — Mad
inquiriu a senhora Garden.
— Não, você pode ir e nenhuma palavra disso com
os demais criados.
— Sim, senhora. Com licença. — Reverenciou o
conde e saiu.
Hugh não dormiu, tentando vez ou outra convencer
Margareth a abrir a porta para esclarecer as coisas.
Revirou na cama o restante do tempo e quebrou um vaso
na parede, deixando-o espatifado no chão junto com as
flores e a água que encharcou o tapete.
Margareth, por sua vez, nunca chorara tanto na vida.
Uma dor profunda parecia perfurar seu coração e parecia
que o mundo estava chegando ao fim. Só conseguiu dormir
quando o sono e o cansaço a venceram. Sem trocar de
roupa e com o rosto inchado, acordou com o pior de todos
os humores.
Abriu a porta de conexão dos quartos e deparou-se
com Hugh levemente adormecido, vestido com a roupa do
dia anterior e os cabelos bagunçados. Ele despertou com a
movimentação dela pelo aposento.
— Margareth, graças a Deus, precisamos conversar.
— foi em sua direção.
— Não! — Ela esquivou.
— Não entendo, como você pode acreditar que eu
tive algo com ela...
— Não importa mais no que eu acredito ou não.
Tenho apenas duas coisas a lhe dizer, conde.
Ele a olhou frustrado.
— Não quero um bastardo seu andando nesta casa.
— a condessa crispou, os olhos fulminando o marido. —
Arrume um lugar bem longe para abrigar aquela
desgraçada, quando a criança nascer faça o que quiser
com os dois, mas mantenha-os longe de mim.
— Você só pode estar brincando.
— Como sua esposa, esta casa também é minha,
portanto tenho esse direito.
— Mas ela não está grávida, não estava quando a
mandei embora, não está agora. Você precisa me escutar.
Margareth erigiu o dedo e continuou:
— Não me importa. — Fez um breve silêncio,
engoliu em seco e olhou-o pela última vez nos olhos. —
Vou ajudá-lo a concretizar os planos que já combinamos,
mas a partir de hoje somos casados apenas por esse
interesse. A porta do meu quarto estará fechada para
sempre para você e peço a gentileza de não tentar forçá-
la.
— Você é minha esposa, está louca se vou aceitar
isso.
— Se quiser minha ajuda com sua vingança, conde,
estes serão os termos.
— Margareth, me escute. Não tive nada com aquela
mulher.
— Isso não está mais em discussão.
— É claro que está em discussão! — Hugh berrou,
socando a parede com raiva.
Margareth virou as costas para Hugh que ergueu o
punho ensanguentado. Saiu deixando-o furioso. Fechou a
porta que dava para o seu quarto e deixou o corpo cair ali
mesmo, tornando a chorar a plenos pulmões. Antes de cair
em sono profundo, escutou o som de coisas quebrando.
Hugh urrou e então tudo virou o mais absoluto silêncio.
Nunca mais, ela haveria de entregar seu coração
novamente. Nunca mais.
Trinte e um

Dois dias se passaram antes de Margareth tornar a


cruzar com Hugh. Com o vestido de babados azul claro,
ela desceu as escadas em sua melhor aparência. Hugh que
se encaminhava para a sala de jantar avistou-a e ficou
calado. Os olhos faiscando num misto de raiva e
ressentimento. Cumprimentaram-se com fria formalidade e
seguiram, lado a lado, até à mesa. Em silêncio começaram
o desjejum. Não tardou para que o visitante, até então
desconhecido para Margareth, surgisse diante dos dois.
Foram apresentados rapidamente e o homem,
August, fez questão de sentar-se perto da anfitriã que não
lhe disse mais do que meia dúzia de palavras, nos minutos
que se seguiram. August era poucos anos mais jovem que
Hugh, mas com um olhar tão jovial e sorridente que o
clima tenso pouco a pouco amenizou-se. Dispendendo
vários galanteios para a condessa parecia não se importar
com os olhares de reprimenda do conde.
— O senhor é mesmo um homem muito galante. —
Margareth respondeu com um sorriso tímido que
rapidamente se transformou num olhar astuto e frio. —
Mas não é a mim que deverá bajular, eu já sou uma mulher
casada.
— Não estou bajulando a senhora, apenas sendo
sincero.
— Pois use sua sinceridade para com outra jovem.
Ele sorriu com exagerado afeto. Hugh bufou
consternado.
— Você não acha que devemos voltar para Londres?
— a condessa inquiriu o marido.
— Sim, de fato é o melhor momento para darmos
continuidade aos nossos negócios.
— Pedirei que a senhora Garden e Mad preparem
nossa partida para o fim desta tarde.
— Para mim está bom.
Em Londres o tempo parecia correr muito mais
rápido, e também mais triste e frio. Margareth pouco saía
do quarto, dispensando as refeições sempre que podia e
evitando ao máximo a presença de Hugh. Ele, por sua vez,
estava cada vez mais arisco e bruto com criados e
convidados, que não tardaram a notar o clima gelado entre
o casal.
Numa manhã fria, cerca de duas semanas desde o
retorno dos Ruthenford para a casa de Londres, Madelina
chegou sem avisar. Seu jeito espalhafatoso logo encheu o
ambiente e antes mesmo de ela apontar diante da porta do
quarto de Margareth a condessa já sabia de sua chegada.
— Mas afinal de contas o que está acontecendo com
você? — Madelina crispou com um olhar de advertência
ao entrar no aposento e deparar-se com a condessa sob as
cobertas, os cabelos revirados e um olhar profundo de
lágrimas.
— Não posso ter um dia ruim? — Margareth
retrucou com mau humor.
— Mas é claro que não, com a vida e o marido que
você tem, no mínimo tem que acordar cantando uma bela
ópera.
— Ah! Por favor. — Margareth cobriu o rosto com
o travesseiro.
— O que foi que aquele belo rapaz fez pra você
ficar desse jeito? — A duquesa sentou-se na cama,
fazendo com que seu lindo vestido de camadas se
transformasse num imenso amontoado de tecidos lilazes.
— Não quero falar sobre isso.
— Você não tem escolha. — a espanhola sorriu com
seus imensos cílios negros.
Margareth sentou-se na cama, ajeitou as cobertas e
esfregou o rosto, sentindo-se um verdadeiro trapo.
— Uma maldita e imunda criada, você acredita?
— Ora, não me diga. E você tem certeza disso?
— Ela está grávida, pelo menos diz que está.
— E como você descobriu?
— Cheguei em Surrey Hall e ela estava deitada na
cama dele, nua, dormindo.
— Oh! Mas que ousadia.
— Achei que ele fosse feliz, comigo.
— Não se impressione querida, alguns homens são
assim mesmo.
— Mas eu dei um basta, a partir de hoje, nosso
relacionamento diz respeito apenas a formalidades.
— Não diga uma bobagem dessas, Margareth. Logo
as coisas se resolverão.
— Como, me explique, como ficarei com um homem
que se deita com outra?
— Do mesmo jeito que todas as mulheres da nossa
classe fazem.
— Duvido que você já tenha passado por isso.
— Eu não duvidaria. Se o duque faz, é muito bem
escondido é claro, mas eu não colocaria minha mão no
fogo.
Margareth deitou a cabeça no colo da amiga e
chorou, deixando-a perceber toda a vulnerabilidade de
seu coração quebrado.
— Querida, torture seu marido por alguns dias e
então faça as pazes, é melhor do que ficar sofrendo.
A condessa não disse nada, se deixando envolver
pelos carinhos que a outra dispensava aos seus cachos
louros rebeldes.
— Você soube o que aconteceu? — Madelina
perguntou de súbito, após um momento de silêncio.
— Não. — Margareth voltou a se recompor,
limpando as lágrimas do rosto.
— A família Paxton está em maus lençóis.
— Não entendo, achei que eram apenas boatos de
que estavam falidos.
— De fato. — A duquesa respirou fundo. — Que
fique entre nós apenas, mas parece que o jovem herdeiro
não é bom com as posses da família e tem péssimos
hábitos.
— O que você quer dizer?
— Parece que ele gasta muito em cartas.
— Não me diga. — Margareth arregalou os olhos,
surpresa.
— Vim porque achei que talvez seu marido pudesse
aconselhá-lo. Todos sabemos que os Ruthenford são
excelentes administradores.
— Porque Hugh não tem medo de sujar as mãos. —
A condessa deu de ombros.
— Seria excelente se ele tivesse um padrinho,
alguém que o ensinasse o valor das coisas.
— E por que você acha que Hugh aceitaria fazer
isso?
— Porque ele é um nobre, e estaria ajudando outro
nobre em momentos de dificuldade.
— Você não pode ser tão inocente assim, Madelina.
— Margareth esbravejou. — Aqueles Paxton são uns
asquerosos, meu marido jamais aceitaria ajudar algum
deles.
— Eu sei, são pessoas difíceis mesmo, mas veja, a
maioria dos nobres o são. Apesar de tudo estou
preocupada com a Lady e sua filha, a pobre jovem não
conseguirá um bom casamento se a família continuar nessa
situação.
— Você tem um bom coração. — Margareth disse,
vencida. — Verei o que posso fazer.
— E aproveite para fazer as pazes com aquele belo
rapaz, não há quem ainda não tenha percebido o clima
tenso entre vocês.
— Oh! — Margareth cobriu o rosto e deixou a
cabeça cair sobre os travesseiros.
Mesmo em Londres, Hugh preferia fazer suas
refeições cedo e preferia ficar na biblioteca a acompanhar
outros nobres aos clubes. Cada vez gostava menos da
companhia dos homens da nobreza londrina e a situação
com Margareth piorava seu ânimo. A vontade que nutria
era de subir ao quarto da esposa, derrubar a porta e tomá-
la à força, mas seu orgulho estava ferido, sua raiva
inflamada pela falta de confiança da condessa e isso era
um veneno que o impedia de desejá-la com fervor.
Sem conseguir concentrar-se em sua leitura, Hugh
largou o livro que folheava em cima da mesa e fechou os
olhos, recostando-se na poltrona confortável. Não
percebeu quando Margareth entrou.
— Acho que sei como acabaremos de vez com os
Paxton. — A voz da condessa o fez abrir as pestanas
rapidamente. Os olhos verdes cintilaram sob a fraca luz
que banhava o ambiente. Ela prosseguiu: — Cartas.
Trinta e dois

August apareceu no vestíbulo logo após a chegada


de Margareth. Seria a primeira aparição oficial do
visitante como amigo íntimo da família Ruthenford. A
condessa que estava vestida luxuosamente, admirou-se
com a aparência elegante do homem. Hugh, com seu
fraque de costura perfeita parecia desajeitado e rabugento.
Não amenizou o olhar duro para o suposto amigo. Estava
com o pior humor de todos, rangendo os dentes cada vez
que o homem lhe dirigia a palavra ou lançava algum olhar
astuto para sua esposa. Margareth e o marido não
trocaram mais do que duas palavras formais.
A carruagem chegou e eles foram escoltados por
dois lacaios tímidos que não levantaram os olhos do chão.
Direto para as garras do inimigo, um dos mais
memoráveis eventos de Londres, o baile na imensa
propriedade dos Coucex, o ducado de Canterburry.
O trio chegou ao baile e foi recebido efusivamente
pela jovem e bela duquesa que esbanjava luxo com joias
caras. Hugh e o duque mal trocaram meias palavras e o
conde passou boa parte da noite bebendo vinho e licor,
num canto da sala, sem dar a mínima atenção aos olhares
alheios. August não demorou muito a se tornar o centro
das atenções das senhoritas e também dos cavalheiros,
com sua voz agradável e seus galanteios, além de suas
perguntas inteligentes e seu genuíno interesse pelas coisas
da nobreza.
Fora apresentado como um amigo antigo de
universidade de Hugh, amigo e hospede do conde com
quem ficaria até sua volta para o sul da França, local em
que assumiria uma propriedade herdada. Passou a noite
rodando de uma mesa a outra, dançando com jovens e
velhas e saudando os cavalheiros. Conquistou a todos e
Margareth não demorou a pensar que ele tinha realmente
um grande talento para sua missão, aquela que os ajudaria
a findar de vez a vingança.
Margareth conversou distraidamente com a anfitriã,
notando a elegância do espaço e dando dicas sobre o que
ela deveria fazer em relação ao gênio duro do marido.
— Minha querida, você precisa dar um jeito, faça
as coisas que ele gosta, finja que está se divertindo, o
importante é que ele consiga. — A condessa frisou.
— Não sei como, já estou casada há cinco anos e
nunca aconteceu.
— Porque você era inexperiente, agora já sabe
como ele é, deve perceber as coisas das quais ele gosta,
seja esperta e o faça pensar que essa criança que você
carrega é dele. Isso garantirá sua segurança e
tranquilidade para o resto da vida, bem como a de um
certo alguém.
— Vou tentar.
— Não, você vai conseguir!
As duas sorriram, voltando a circular entre as outras
senhoras pelo resto da noite.
O baile pareceu interminável, os assuntos
desagradavam tanto à condessa quanto ao marido e ambos
não viam a hora de voltar para casa e enfurnar-se em seus
aposentos, esquecendo a situação que muito importunava-
os, a criança que Aila, provavelmente estaria gerando. E
pensando nesse bebe, um bebe inocente que não tinha
culpa do que a vida havia reservado, Margareth percebeu
que ela mesma ansiava em gerar uma vida, em dividir seu
tempo e amor com alguém tão puro e indefeso e que a
amasse incondicionalmente. Mas se não havia acontecido
desde o casamento, talvez não acontecesse nunca, talvez
ela não pudesse gerar vidas, ou simplesmente Deus a
achasse sem condições. Dormiu novamente entregue às
lagrimas.
Hugh estava deitando na cama ainda vestindo o
fraque, uma mistura de sentimentos envolvia seus
pensamentos já nublados e confusos pela quantidade de
vinho e licor ingeridos no baile. Poderia esquecer o
assunto, ignorar Margareth, fazer sua vontade, nunca
houvera escassez de mulheres em sua cama, mas não. Ele
não conseguia ignorar aquilo. Era a segunda vez que
aquela mulher petulante o rejeitava. E Aila, grávida? Não,
claro que ela não podia estar esperando um filho seu.
Hugh achava impossível, afinal de contas ela era esperta,
sempre cuidadosa e ele também. Mas aquilo o
importunava, e se fosse verdade? E se estivesse mesmo
esperando uma criança, um filho seu?
E por que diabos Margareth simplesmente não
podia acreditar quando dizia que não estivera mais com a
criada?
Não conseguiu dormir, sentindo o quarto dar voltas
e voltas toda vez que fechava os olhos. Levantou-se e
mergulhou na penumbra do corredor. Andando de um lado
para o outro, impaciente. Olhou seguidas vezes para a
porta do quarto de Margareth, estaria trancada?
A porta de ligação de seus aposentos estaria
fechada sem dúvida, mas e aquela? A porta do corredor
estaria aberta? Será que ela faria um escândalo se ele
tentasse? Aquilo o estava enlouquecendo. Aquela maldita
mulher o deixava à beira do surto desde que entrara em
sua vida. Seria capaz de matar o primeiro que cruzasse
seu caminho apenas para descontar a ira e ardência que
queimava seu corpo. Abriu a porta, sem pensar. Se
pensasse mais, voltaria para o quarto e enfiaria a cabeça
debaixo do travesseiro, para recuperar o juízo. Mas
àquela altura, ele não tinha mais qualquer pingo de juízo e
só pensa vaem uma coisa: Margareth.
A encontrou dormindo, ainda vestida com a roupa
do baile, os olhos manchados por lágrimas que feriam seu
delicado rosto e traziam à tona uma mágoa que talvez não
tivesse mais cura. Hugh sentiu um nó formar-se em sua
garganta. Como podia causar tanta tristeza à única pessoa
com quem realmente se importava?
Hugh sentou na cama e suspirou profusamente,
queria tocar o rosto de Margareth, dizer de seu infortúnio
por vê-la daquela forma, mas não queria correr o risco
dela despertar e o rejeitar novamente. Tantas perguntas
retumbavam em sua mente, tanta dor...
A condessa abriu os olhos bem devagar, piscando
seguidamente. Viu Hugh olhando-a e ajeitou-se na cama,
subitamente assustada e confusa.
— Margareth.
— O que você está fazendo aqui?
— Por favor, não me mande embora. Não esta noite.
Os olhos azuis da esposa do conde estreitaram-se. A
dor que invadia seu peito era quase tão violenta quanto o
desejo de entregar-se à paixão que nutria por ele.
— Não consigo perdoá-lo. Não posso.
— Eu sei, mas acredite em mim, não estive com ela,
não estive com outra pessoa que não você e isso é até
engraçado, porque achei que nunca seria possível que
alguém tivesse esse poder sobre mim.
— E se ela estiver mesmo grávida.
Hugh engoliu em seco.
— Já não deveria haver uma barriga? — Ele
questionou, de repente para si mesmo. — Ela não pode
estar grávida. Não de mim.
O conde aproximou seu rosto de Margareth, abriu
levemente seus lábios e preparou-se para beijá-la, certo
de que as coisas estavam, finalmente resolvidas. Mas a
condessa recuou, limpou o rosto e tornou a olhá-lo.
— Eu gostaria de ficar sozinha.
— Não! — Hugh berrou. Pondo-se de pé
furiosamente. — Será que você não escutou tudo o que eu
acabei de dizer?
— Escutei, mas ainda não sei se acredito.
Margareth saltou da cama, ficando frente a frente ao
marido e olhando-o com determinação.
— Como você pode dizer isso?
— Do mesmo jeito que você pôde se deitar com ela
na nossa noite de núpcias.
Hugh engoliu em seco.
— Por favor, vá embora.
— Não! Você é minha esposa e eu exijo que aja
como tal.
— Antes de me exigir qualquer coisa você deveria
começar por você. Dê o exemplo, meu caro conde.
Os dois berravam.
— Sua megera. — Hugh segurou-a nos braços e
chacoalhou com força.
Margareth desprendeu-se e lançou a mão na direção
de Hugh, ele não se defendeu, deixando-a acertar-lhe bem
no meio da face, com toda a força. Com os olhos
fulminando, Hugh voou na direção dela, tomou seu rosto
entre os dedos fortes e olhando com intensidade para o
par de safiras furiosos beijou-a. Um beijo ardente que
arrebatou a ambos.
Com a sede de uma fera presa ao deserto, Hugh
envolveu Margareth em seus braços, impedindo-a de lutar.
E ela nem sequer ousou fazer isso, fechando seus olhos e
mergulhando de cabeça na paixão. Com brutalidade, o
conde rasgou o vestido, puxou as anáguas que pareciam
intermináveis e deixou a esposa completamente nua diante
de si. Apreciou o corpo pequeno e firme enquanto a
ajudava a tirar o resto de seu fraque. Nenhum dos dois
ousou dizer nada, agarrando-se ao corpo do outro com a
força de um vendaval.
Hugh ergueu Margareht que cruzou as pernas em
volta de sua cintura, arranhando suas costas e mordendo
seu ombro. Ele puxou seus cachos para baixo, e beijou seu
pescoço, fazendo-a estremecer. Escoltou-a na parede,
perto da janela e penetrou-a com força, apertando suas
nádegas e beijando seu pescoço. Margareth gritou ao
chegar ao ápice, arranhando-o ainda mais.
Fizeram amor até o dia raiar do outro lado da
janela. Na manhã seguinte, porém, quando Hugh acordou,
Margareth não estava mais no quarto. O conde vestiu-se
rapidamente e desceu para o café, dando de cara com a
esposa aos risos. August retribuía o gesto, simpática e
galantemente. O conde olhou para os dois com
desconfiança, assumiu seu lugar na cabeceira da mesa e
tocou de leve na mão da esposa. Margareth puxou os
dedos e olhou-o com firmeza.
— Nada mudou.
Trinta e três

Hugh sentiu seu sangue ferver imediatamente.


Queria estrangular Margareth ali mesmo e mais, queria
quebrar a cabeça de August que a tudo assistia com
curioso divertimento.
— Você quer me enlouquecer, é isso? — Hugh
berrou, levantando-se e fuzilando Margareth com o olhar.
— Como você ousa falar assim comigo? —
Margareth repetiu o gesto do marido.
— Ponha-se no seu lugar!
— Ponha-se o senhor no seu lugar, e pare de dormir
com as criadas.
August arregalou os olhos, nunca antes vira mulher
nenhuma desafiar o marido, ainda mais alguém como
Hugh. Aquela ali, sim, daria gosto de ter sob os lençóis.
Se fosse tão ardente quanto era atrevida... Bom, isso
justificava muita coisa. Ele nunca havia imaginado que
Hugh pudesse se casar. Era um dos homens mais difíceis
com quem lidara e um dos poucos que conseguira
desmascará-lo em seu truque. É claro que o conde fora
ainda mais esperto, deixara-o escapar impune de suas
jogadas contra a alta classe francesa, mas havia uma
condição, August para sempre lhe deveria um favor. E ali
estava ele pagando sua dívida com um dos homens mais
perigosos que já conhecera e que parecia prestes à
histeria por causa de uma bela e desbocada jovem.
— Eu não estou dormindo com nenhuma criada e
mesmo que eu estivesse, você seria a última pessoa a ter o
direito de me questionar sobre isso.
— Pois se é assim, o que lhe importa como ajo? —
Margareth crispou, os olhos vincados numa expressão de
desafio. — Suas necessidades serão atendidas, sempre
que desejar, vossa graça, se é isso que o preocupa.
— Tem razão... — Hugh disse depois de algum
silêncio, com gravidade e ferocidade. — Sendo assim,
nada mais importa.
Margareth olhou-o estupefata, como se esperasse
por algo que o conde não conseguira alcançar. August, por
outro lado, tinha absoluta convicção do que a bela lady
esperava, mas não ousaria dizer uma palavra, nem mesmo
se inquirido a respeito.
— Vamos, temos um assunto de ordem urgente a
resolver.
August levantou-se de imediato e em silêncio.
Hugh tornou a olhar para Margareth, seu rosto
inexpressivo e sob total controle. O vermelho nas
bochechas da condessa anunciavam sua vitória na
discussão. A atingira profunda e dolorosamente e mesmo
assim não sentia prazer ou satisfação. Algo estava errado
com ele, o conde tinha certeza, submeter os outros à sua
vontade provocava-lhe sempre uma deliciosa sensação de
poder e agora, simplesmente não havia nada. Nada além
de um profundo e doloroso incômodo.
No restante do dia, Margareth passou trancada na
sala de leitura, olhando pela janela o dia nublado
escurecer gradativamente, os pensamentos perdidos e uma
pontada de mágoa agulhando seu coração.

Hugh respirou a fumaça dos charutos e soltou o ar


lentamente. Bateu com as cartas na mão e resmungou. A
penumbra esfumaçada dava a austeridade necessária para
que o conde abdicasse da partida sem revelar a ansiedade
de que desfrutava. Sabia o quanto o suposto amigo, um
golpista de primeira linha - se é que essa nomeação podia
ser dada a alguém com tamanha desenvoltura e desapego
para com a sociedade e suas convenções – estava prestes
a concluir com seu acordo. É claro que Hugh tinha mais
alguns planos para August, e para tanto acrescentaria uma
generosa quantia em dinheiro à proposta. Por enquanto,
porém, estava concentrado numa única ação. Falir o
último homem da família Paxton.
— Estou fora.
Os olhos de August brilharam, aquele era o sinal.
Passara as duas últimas rodadas deixando o imbecil
beberrão à sua frente ganhar, instaurando assim a
confiança necessária para a derrocada final. E esta estava
prestes a acontecer, uma vez que o herdeiro do inimigo de
Hugh estava apostando até as calças naquela única
partida. Uma ou duas rodadas de cartas no máximo e ele
estaria resolvido para sempre na vida. Com dinheiro
suficiente para se manter bem por muitos anos, com luxo
até, e principalmente, livre de Hugh e seu olhar mortífero.
Essa segunda, era de fato, a sensação mais importante
naquele momento, se livrar daquele conde que parecia
estar sempre prestes a cortar suas vísceras e empalhá-lo
feito uma fera da selva colonial. — E o jovem duque, se
acovardará ou tentará a sorte? — provocou, olhando
diretamente para o Paxton, levemente embriagado.
— Pois eu quero ver. — o rapaz disse, sustentando
um olhar firme e convencido de que deixaria o homem
enfadonho à sua frente sem um único centavo.
August puxou com agilidade felina a carta da
derrocada, fazendo-a se lançar discretamente do pulso da
camisa para os dedos. A original, sumindo entre alguma
parte de seu casaco onde ninguém encontraria caso
revistasse. August virou suas cartas e o rapaz empalideceu
imediatamente. A mudança de cartas havia sido realmente
sutil, o golpista desconfiava que mesmo os olhos astutos
do conde haviam deixado passar o movimento fugaz e
agora questionavam inconscientemente como tivera tanta
sorte ou como realizara a proeza.
— Não é possível! — o duque berrou, levantando-
se zonzo e assim sendo acudido por ninguém mais e
ninguém menos que o próprio conde vingativo.
Um mordomo elegante foi chamado e às pressas
trouxera um copo de água e uma toalha molhada que
depositou na testa do nobre. O filho de Charles Paxton,
Charles Segundo, estava pálido como se tivesse dado de
cara com a visão do pai moribundo, apontando-lhe o dedo
e o acusando de arruinar de vez a família.
Muitas vezes perdera dinheiro em partidas de cartas
nos clubes, mas jamais uma quantia com a qual não
pudesse custear ou choramingar ao pai para quitar. Desde
que conhecera, semanas antes, o amigo de Hugh, vinha
tendo uma milagrosa sorte e naquela noite, diante de
muitos jovens de estirpe inferior à sua, elegantes
herdeiros da classe trabalhadora dos bancos que vencera
na nova fase da Inglaterra fabril, ele havia perdido
dinheiro suficiente para arruinar totalmente sua família.
Vomitou aos pés de um garçom que o atendia com a
toalha e o abanava com uma folha do jornal, abanando-o
como se fosse resolver com um pouco de brisa a caustica
situação em que o garoto mesmo havia se deixado colocar.
— Isso não está certo... Eu... estou falido.
— Fique calmo, garoto. Tenho certeza de que
resolveremos tudo como cavalheiros. — Hugh deu um
tapinha de consolo nas costas do rapaz que revidou com
um olhar furioso.
— Isso é tudo culpa sua, saia da minha frente.
Cambaleando empurrou Hugh diante de todos, e
provocando assim a necessária quebra de qualquer
aliança e obrigação que o conde poderia ter com o outro
de sua classe. O herdeiro Paxton saiu, deixando na mesa a
promissória que reivindicava um valor estimado ao das
duas principais propriedades da família. Não tinha como
escapar, se não remanejasse seus recursos com habilidade
estaria falido em menos de um ano, e Hugh tinha certeza
de que isso era fato consumado, uma vez que o garoto não
via um palmo diante do nariz e com a fúria e ânsia de
recuperar a fortuna perdida, estaria se embrenhando ainda
mais em jogos, bebidas e mais dividas. Em breve, o
último a carregar o nome Paxton estaria na miséria e
Hugh, teria, finalmente, dado a justiça que sua mãe
merecia.
No percurso de volta para casa deixou August
diante da porta vermelha descascando de um prostíbulo
famoso, o rapaz que bebera um pouco além para
comemorar sua felicidade na mesa de cartas, ficou
encostado ao poste, bem abaixo da lamparina a convidá-
lo para uma visita rápida a casa da Madame Beouwet,
uma rechonchuda mulher de meia idade que mantinha
vários quartos no fundo da espelunca que gerenciava e
que era fugazmente conhecida como um recanto para
homens solteiros e casados, sedentos por diversão de
qualquer espécie. Hugh não era dado a bordeis, achava as
mulheres imundas e inescrupulosas, preferindo tombar
criadas mais sonhadoras pelo pasto seco de sua
propriedade em Surrey Hall. Mas nem a lembrança de
suas aventuras juvenis com o sexo oposto, durante anos e
anos, conseguia amainar a ira que vinha incendiando seu
peito e a culpa era unicamente dela.
À noite visitou o quarto da esposa, a porta estava
aberta e ela vestida apenas com o camisolão de linho
francês quase transparente que ele costumava arrancar
com ferocidade. Os cabelos espalhavam-se sobre o
travesseiro de penas, o busto apertado contra a cama e as
pernas levemente dobradas num meio círculo convidativo.
O conde sentou-se à beira da cama e aspirou com
profundidade o aroma adocicado que vinha da silhueta
pequena que dormia silenciosamente. Ressentiu-se
consigo mesmo, por não ter dito as palavras certas logo
cedo, quando poderia estar um passo mais perto da
conciliação. Mas também sabia que Margareth era uma
verdadeira megera quando queria e conseguia levá-lo ao
ponto mais alto da irritação em poucos instantes. Sempre
compensava na cama, porém. Agora, no entanto, as coisas
pareciam irrevogáveis e Hugh pela primeira vez,
perguntou a si mesmo porque isso era tão importante.
Porque queria tanto que a mulher o aceitasse de bom
grado em sua cama, acreditasse em sua palavra e
delirasse ao seu toque.
Esse pensamento o levou novamente ao assunto de
Aila. Não, aquele maldito assunto não estava resolvido. A
criada atrevida ia pagar caro por aquela afronta.
Margareth gemeu, virou-se na cama e abriu os olhos
bem devagar, despregando os enormes cílios e deixando o
azul cintilar à luz da vela que o conde depositara no
criado mudo ao lado da cama. Uma linha tensa se formou
na testa da condessa ao dar de cara com a expressão
enervada do marido. Sentou-se na cama rapidamente e
então tocou-lhe, por instinto, na mão apoiada na colcha.
— Aconteceu alguma coisa?
Hugh acenou levemente, fazendo-a respirar com
profundidade e soltar o ar num longo e quente suspiro.
— Foi tão fácil que chega a ser assustador.
— Oh! — Margareth cobriu os lábios com a mão
pálida. — sei que estamos fazendo o certo, mas...Espero
que tudo acabe logo.
— Você está bem? — Hugh alteou a sobrancelha. —
A senhora Garden me disse que você esteve indisposta.
— Já estou bem.
— Mas vejo que não tocou na comida. — o conde
apontou na direção de uma bandeja com o jantar frio
intocado.
— Meu estômago está um pouco tenso, nada demais,
amanhã estarei melhor. Obrigada por perguntar.
— Me desculpe. — Hugh disse pouco antes de se
levantar contrafeito e sair, o olhar consternado por não
poder envolver a esposa em seus braços fortes e quentes e
os nervos culpados por saber de sua grande parcela de
culpa naquele mal estar.
Se ela estava definhando de tristeza, ele era o
responsável, mesmo que fosse inocente de tudo que fora
acusado. Com um nó se formando grosseiramente na
garganta, Hugh alcançou a porta de ligação dos quartos,
antes de cruzá-la, porém, Margareth falou:
— Está quase no fim, não é?
Assentindo, o conde mergulhou no breu do seu
próprio aposento, batendo de leve a porta e afundando na
cama da mesma forma e com a mesma roupa que chegara.
Nessa noite, sonhou com a morte e acordou sentindo gosto
de sangue.
Final
Só os mortos conhecem o fim da guerra.
(Douglas MacArthur)
Trinta e quatro

Nas semanas seguintes, tudo decorreu da forma


exata como Hugh e Margareth haviam pensando. O que era
assustador e animador em igual forma. O duque Paxton à
beira de um colapso nervoso procurava constantemente
August implorando por uma revanche, coisa que este
deveria aceitar caso fosse mesmo o cavalheiro que se
dizia. E o homem aceitava, relutante, mas aceitava a
revanche, sempre implorando que o rapaz não o pelasse
até às ceroulas. Assim, ao invés de recuperar sua fortuna,
ia endividando ainda mais o nome da família.
Numa quinta-feira gelada, pouco antes do final da
temporada londrina, o rapaz fora encontrado com uma
corda no pescoço, pendurado no balaústre da varanda do
quarto, no segundo andar da casa, as pernas soltando
leves espasmos não pelo frio da noite, mas pelos últimos
suspiros do duque moribundo.
Uma semana depois, as damas restantes da família
Paxton mudaram-se para a casa de uma parente distante, a
mais nova indo, posteriormente, viver sob o asilo de
freiras, custeado pelo restante das economias de seu dote,
o que o irmão não perdera nas cartas por força da sorte da
jovem. Nenhuma de suas prendas lhe valeu um casamento
adequado sem o valor em espécie que seria reservado ao
noivo. Fadada a viver sob a vergonha e solteirona,
preferiu a moça partir para o exilio, impelida pela mãe, é
claro, que não suportava a humilhação dos olhares de
soslaio das outras senhoras. A mais velha, vivera o
restante de seus dias sob o jugo da família, padecendo dos
luxos a que estivera, por décadas e mais décadas
acostumada a desfrutar e remoendo a miséria a que fora
lançada, quando seu marido, um homem de fato
desagradável, mas constante e estável, a deixara neste
mundo para minguar à própria sorte.
Depois de algum furor tudo voltou ao normal e
ninguém pareceu realmente sentir falta daquela família da
qual não restara sequer um título.
Margareth que deveria se regozijar pelo sucesso de
boa parte de seu plano, viu o coração se encher de tristeza
e apesar de tudo se compadeceu da viúva. Ninguém
merecia destino tão cruel, nem mesmo aquela mulher
horrível. Piorando ainda seu ânimo, a falta de apetite e a
incansável vontade de chorar lhe apregoaram um aspecto
cansado antes mesmo de o outono findar-se. Mesmo com a
frequente visita de Madelina, os constantes bailes nos
quais sempre esbanjava rara beleza, e com as idas para
sua amada Surrey Hall, a dama parecia prestes a cair
enferma na cama.
August, por outro lado, estava em sua melhor fase,
ficara com praticamente todo o espolio que arrancara do
Paxton agora morto também e de outros nobres cujo nome
era de mais valia que a fortuna, frequentava os bailes e
era sempre adorado por jovens donzelas que sonhavam
com uma paixão ardente em seus braços, como se ao invés
de golpista, fosse o homem de raras qualidades, um
verdadeiro príncipe encantado que as roubaria a qualquer
momento da vida tediosa de vestidos e chapéus.
Antes da temporada londrina se dissipar e a maioria
dos nobres partir para suas propriedades, August iniciara
sua jogada final, acertada algumas semanas antes com o
conde. No último baile, colocaria em prática a cartada
derradeira e depois tomaria o rumo transatlântico,
finalmente partiria para a nova terra, ia viver sob a luz da
nova era, seria importante, alguém de valor. Teria uma
casa com criados e uma bela esposa para satisfazer suas
necessidades, especialmente se fosse como a condessa,
ardente e forte. Uma pena, pensava ele, volta e meia ao
dar de cara com a jovem de olhos brilhantes, uma
verdadeira pena ser a esposa do conde. Fosse outra,
arriscaria cada um dos centavos que ganhara, apenas pelo
desfrute de uma noite fortuita.
Conhecido, respeitado e popular que estava no meio
da nobreza, fora anunciado como um convidado de grande
honra no baile anual da corte. Nunca chegara a conhecer a
rainha e seu consorte, apenas os nobres de título
importante tinham tamanho prestigio de convívio e se não
fosse Hugh, um homem de princípios apesar de tudo,
talvez o próprio Ruthenford frequentasse o seio real, o
que August acharia proveitoso o bastante para justificar
dever mais algum favor ao homem. Mas como sempre, o
conde ficava afastado da realeza, apresentava a si e a
esposa com a formalidade pedida, trocava quando
convidado, algumas meras amenidades com os soberanos,
ainda que o príncipe o visse com bons olhos e tivesse
prazer em sua conversa. Ambos eram homens que não
tinham medo do trabalho e valorizavam boas ações para
com o povo.
Bastante tempo depois que o casal consorte jantou e
se retirou do salão principal, o baile decorreu, regado a
música e bebida de qualidade inestimável. August dançou
com diversas damas e se estendeu além da conta para com
a bela e delicada lady Coucex, a filha do duque de
Canterburry. Apesar do olhar colérico o velho não
dissuadira a filha da companhia, concentrando suas
atenções para a esposa que exibia um semblante cansado e
bochechas vermelhas além do normal para a época do
ano.
Margareth que apesar de mais magra e com um
olhar fechado estava bonita como nunca em seu vestido de
gala e crinolina armada. Encontrou a duquesa algum
tempo depois no jardim, sendo socorrida pela amiga
espanhola. As duas prestaram seu melhor atendimento,
diante do que estava explicito: uma criança estava a
caminho. Depois de Madelina ser dispensada com uma
desculpa qualquer, a bela duquesa abriu seu coração e
deixou que Margareth escutasse sua maior agonia, temia
que o marido descobrisse de sua condição e a
machucasse, temia pela vida do bebe, temia por seu
amante.
— Seu marido é velho, não viverá o suficiente para
ver a cor dos olhos da criança. — Margareth sorriu,
acalentando a jovem mãe aflita. — Não se aflija, cuide
bem do seu herdeiro e trate de se alimentar corretamente.
Sempre poderá contar comigo.
No fundo de seu coração tinha medo do que o
destino reservava para a moça que já sofrera o bastante,
mas de qualquer forma, não podia agir com deslealdade,
não colocaria seus planos abaixo, mesmo que às vezes
Hugh realmente merecesse.
E como sentia falta do conde... Por mais que o
marido a visitasse quase todas as noites, a solidão
contorcia suas entranhas e desanimavam-na por completo.
Se não morresse pela falta de forças no corpo, já que
vinha comendo o mínimo e vomitando mais do que o
estômago conseguia dar conta de compensar, talvez
definhasse de tristeza. E com esse pensamento, se fechava
ainda mais à dor e angústia que percorriam cada
minúscula partícula de seu corpo, frágil.
Resignada, Margareth voltou para o salão do baile,
onde viu August dançando novamente com a filha do
duque. Naquela noite, Hugh, finalmente teria sua revanche
contra o mais tirano dos tiranos. Logo, poderia enfrentar o
homem face a face e acusá-lo do mal que proporcionara a
mãe, depois cuspiria em sua cara velha como traçara sua
vingança.
Sentada em silêncio em sua sala particular, tomando
o ar fresco que penetrava pelas imensas janelas abertas,
Margareth viu o momento em que o golpista passou,
carregando suas malas, sorrateiramente. August parou
diante da porta e acenou de relance para a condessa, que
não disse nada, tornando a olhar para o jardim com o
mesmo desânimo que vinha se tornando parte de sua alma.
O desaparecimento só seria notado no horário do
almoço seguinte e aquele tempo teria sido suficiente para
que a moça, levada pela paixão, estivesse longe e à
própria sorte, nas mãos de um homem que provavelmente
a abandonaria depois de algumas noites. Quando voltasse,
tomada pela vergonha, encontraria o pai que veria seu
nome ser arrastado na lama. Mas não antes de descobrir
que não haveria herdeiro para levar seu nome, não um
herdeiro cujo sangue contivesse a maldita herança do
velho. Hugh se encarregaria disso.
Um lacaio alvoroçado acordou a casa inteira.
Embora estivessem em Surrey Hall, por imposição de
Margareth que se via a minguar entre as paredes fechadas
da casa de Londres, o tumulto não deixara de ser ouvido
por boa parte da criadagem.
— Mas o que está acontecendo? — Hugh berrava
furioso enquanto descia as escadas, ainda vestido com as
ceroulas.
Margareth que já estava a par da situação adiantou-
se na direção do marido e anunciou:
— Precisamos ir para Canterburry imediatamente.
Trinta e cinco

Hugh e Margareth chegaram na casa de Londres dos


Canterburry algum tempo depois, a noite ainda no pico da
escuridão e o frio tomando as faces da condessa e
empalidecendo seu semblante já atormentado. Não
imaginavam pelo que estavam prestes a presenciar. O
lacaio que praticamente invadira a residência, com os
nervos afoitos mal conseguira explicar o súbito ataque do
duque à esposa, e de como o jovem rapaz escapara
sorrateiramente para buscar socorro com os amigos da
moça, a pedido da própria lady da casa. Tudo havia
decorrido em poucas horas, justamente porque o velho
descobrira da fuga da filha que àquela altura já estava
desonrada diante de toda a sociedade britânica.
— O senhor vai ajudar a minha senhora, não vai? O
Duque vai matá-la, está tão furioso e fora do juízo que se
ela ainda estiver viva será um verdadeiro milagre. —
Repetia vez ou outra o lacaio que apegado à bondade e
beleza da lady, receava por sua vida.
Margareth temia que não chegasse a ver a amiga
viva, que o tempo e a distância que percorriam na
carruagem, pelas ruas do campo e pelo silencioso
percurso da cidade, impedissem de salvar as duas vidas
que habitavam aquele corpo. Mãe e filho àquela altura
podiam já ter dado seu último suspiro de vida. O coração
sendo açoitado pela dor e remorso de tudo que havia
tramado contra a alma gentil e sonhadora da garota,
Margareth soluçava e rezava, pedindo a Deus perdão por
seus imensos pecados e clamando pela vida frágil da
moça e do bebe em seu ventre. Entretanto, quando
cruzaram o pátio, entraram no calor da casa e subiram as
escadas, deram de cara com a criadagem amontoada
diante da porta do quarto da duquesa, murmurando ao
torpor dos acontecimentos.
Hugh entrou logo após o lacaio afastar os
empregados. A esposa o seguiu instantes depois, soltando
um grito de assombro ao ver o corpo estirado no chão,
agonizante. O conde, viu o sangue espalhando-se ao redor
da silhueta e compreendeu: Aquele era o momento, se não
dissesse nada ali, nunca mais teria sua chance.
Enquanto a esposa corria para abraçar a duquesa
que ainda segurava um abridor de cartas com as mãos
banhadas em sangue escuro e tremendo
descontroladamente, Hugh aproximou-se do duque
desfalecido que respirava com dificuldade, pegou a mão
do velho e apertou:
— Há muitos anos espero por esse momento. —
Falou o conde, fazendo o outro arregalar os olhos de
pavor. — E foi tão fácil...
— Não fale, não vai adiantar, você não viverá para
ver o sol nascer. — Hugh continuava, o olhar de
esmeralda implacável. — Hoje, eu selo a punição
merecida ao pior homem lançado neste mundo.
Então, o homem à beira da morte compreendeu.
Abriu a boca para falar, mas um fio de sangue o engasgou.
Ele tossiu, tentou puxar o ar, mas só fez foi soluçar e
cuspir mais sangue. Hugh fez com que se calasse, os olhos
frios saboreando o momento.
— Sua filha, a esta altura já está arruinada, uma
pena que você não terá tempo de sentir a humilhação...
August Cleithon não passa de um golpista, muito bom por
sinal, e demorará para que ele devolva a jovem manchada
para todo o sempre. Ela minguará por causa dos pecados
do pai. Assim como os Paxton... Oh! Você achou mesmo
que o duque tivesse enlouquecido e perseguido sua esposa
por obra do acaso, ou para afrontá-lo? — Hugh riu, uma
meia lua cruel se formando nos lábios carnudos do conde.
— Engraçado como um bilhete, um bilhete tão
simples pode resolver tantas questões.
O homem apertou os dedos de Hugh, mas o conde
não foi cordial, esmagando os dedos do inimigo entre os
seus e sussurrando em seu ouvido.
— Sua mulher, você já deve saber, espera uma
criança. Mas não haverá ninguém neste mundo para herdar
seu sangue ruim, velho. Sua fortuna será gasta pelo amante
de sua esposa e pelo filho dele.
Os olhos agourentos do duque moribundo
percorreram o ambiente à penumbra. Deu de cara com a
esposa que mantinha uma mão no ventre e a outra ainda
segurava a ferramenta que utilizara para se defender.
Margareth a tinha envolvida em seus ternos braços e
explicava aos cochichos os fatos mais importantes da
trama.
— E ninguém sentirá sua falta, porque ninguém
realmente quer você por perto. Nem mesmo encontrarão
seu corpo para que uma cerimônia fúnebre seja prestada
em sua homenagem. Não haverá nada.
O velho Coucex agonizou, cuspindo sangue
enquanto tossia com força assombrosa. Hugh não desviou
por um segundo sequer seus imensos olhos verdes do
olhar mórbido do duque.
— Você sabe de quem eu sou filho?
O homem balançou a cabeça bem devagar, prestes a
dar o suspiro final. Hugh sorriu com maldade e então
soltou a mão do velho que não tivera sequer tempo de
fechar seus olhos, morrendo após afogar-se com o próprio
sangue e saliva.
Apesar de abalados, os criados ajudaram a dar fim
ao corpo do duque, exatamente como Hugh dissera: não
houvera cerimônia fúnebre, ninguém sequer encontraria o
corpo que afundaria num rio longínquo da propriedade.
Tudo seria resolvido com explicações simples. A lady
preservaria sua herança e seu filho, embora fosse carregar
o nome Coucex e receber o ducado de Canterburry, jamais
seria o homem que o marido da mãe fora. Embora a
criança, e todos esperavam que fosse menino, não
soubesse, estaria livre dos pecados do suposto pai.
Uma história foi elaborada e seria contada aos
quatro cantos de Londres. O conde e a esposa instruíram a
esposa viúva e prometeram maiores e melhores
explicações num futuro próximo. Grata como estava, não
questionou e passou o restante da noite treinando
metricamente suas palavras. Convencendo o inspetor que
provavelmente seria encarregado do caso, tudo ficaria
bem. Quanto mais simples a história, mais convincente
seria:
O duque, preocupado e triste pelo sumiço da filha
saíra enlouquecido, dizendo que precisava providenciar
que a jovem fosse encontrada o quanto antes, planejava,
inclusive, proporcionar uma punição para o enamorado
que roubara sua filha, talvez o desgosto o tivesse feito
tirar a própria vida, ou perder o juízo. De fato, por mais
que passassem dias à procura do homem, vivo ou morto,
jamais o encontrariam novamente. Jamais.
Hugh levou a esposa em estado de choque direto
para Surey Hall. No caminho, Margareth adormecera
apoiada no ombro do marido que fizera o mínimo de
movimentação, para deixá-la mais confortável.
Já estabelecidos novamente em seus aposentos, a
condessa pedira que sua criada Mad preparasse um banho
quente, a moça o fizera com agilidade, pingando gotas de
óleo de rosa e deixando o vapor espalhar o delicioso e
calmante aroma. Margareth mergulhara na água morna até
o pescoço, fechara os olhos e deixara que o corpo fosse
vagarosamente relaxando. Cada pedacinho doía, e tudo
parecia tensionado, sem contar os seios que estavam
maiores e o ventre intumescido.
Nunca duvidara da violência e ódio de Hugh, mas
aquele olhar mortífero e maligno realmente a assustara.
Pelo menos tudo havia finalmente acabado, ou assim ela
pensara. Uma mão tranquila mergulhara na água morna.
Margareth não disse nada, supondo a princípio que a
criada estava ali para ajudá-la. Mas Mad era do tipo
conversadora e o silêncio não era um traço seu, portanto,
se não era a moça, só podia ser o marido. E o conde
deveria estar sedento por liberar a energia da vingança,
Margareth sorriu, ainda como os olhos fechados, talvez
ela pudesse perdoá-lo, pelo menos durante a noite.
— Você pode entrar aqui se quiser.
— Prefiro matá-la daqui mesmo! — A voz ferina
alertou Margareth.
A condessa abriu os olhos e soltou um grito de
assombro. Aila, os olhos vidrados e os cabelos revoltos,
estava parada diante de sua banheira. Seu aspecto
enlouquecido era aterrador. Margareth tentou levantar,
mas a mulher puxara de dentro da blusa uma pistola antiga
e enferrujada cujo cano havia sido cortado de forma
grotesca, diminuindo assim seu tamanho e aparência.
Apontou direto para a loura que se esquivou
instintivamente.
— Você achou mesmo que eu fosse deixar passar
tudo o que me fez? — Aila proferiu com a voz fria.
— O que você quer?
— O conde, é claro. Quando você morrer ele não
terá outra escolha se não ficar comigo, então... — disse,
dando de ombros.
— Ele jamais ficará com você.
— Tampouco com você. — o sorriso maligno se
formou no momento em que a pistola apontou para o peito
da condessa.

Hugh andava de um lado para outro no quarto.


Nunca chegara realmente a acreditar que conseguiria
vingar a mãe, pensara que passaria a vida correndo atrás
daquilo e que por fim teria ele mesmo que tirar a vida dos
inimigos, mas o que acontecera fora simplesmente
surpreendente. Por pior e mais maligno que ele tivesse
sido, Hugh sabia que ainda poderia ser uma boa pessoa.
Dedicaria sua vida a isso e a se entender com aquela
maldita mulher que tanto o deixava à beira da loucura.
Tirou a casaca e deu mais alguns passos pelo quarto antes
de se decidir por de fato ir tentar as pazes com a
condessa. Talvez fosse mesmo o momento de abrir seu
coração, de revelar aquele sentimento que queria explodir
em seu peito e o impedia de seguir adiante.
Se as consequências de suas ações o atormentavam
e ele temia se tornar uma pessoa ainda pior que o inimigo
morto, temia ainda mais que Margareth o odiasse, que o
visse como um monstro, o que ele realmente havia sido
por conta da vingança.
Naquela noite não a queria por obrigação, a
desejava por amor.
Entrou no quarto de Margareth pela porta de ligação
dos aposentos, não a vendo ali dirigiu-se para o quarto de
banho. Cogitando as palavras com as quais se aproximaria
dela, a desarmaria e mais, a convenceria. Sua surpresa foi
tremenda. Margareth completamente nua, em pé na
banheira, os olhos terrivelmente assustados diante de uma
pistola antiquada que poderia estourar a qualquer
momento. Seu coração espancou o peito com brutalidade,
como se estivesse prestes a explodir junto com a pistola
que Aila empunhava, sob um sorriso torto de ódio.
— Chegou bem a tempo de ver a sua linda condessa
pagar por todo mal que me fez. Só assim nós poderemos
ficar juntos meu amor.
— Por favor, largue isso. — Hugh manteve a calma,
mesmo sentindo o coração explodir dentro do peito. —
Nós nunca poderemos ficar juntos.
Aila estalou a língua entre os dentes, sorriu raivosa
e acenou para que o conde fosse se juntar à esposa. Ele
deu a volta na banheira e se posicionou o mais perto de
Margareth que pôde. A lady não se moveu, observando a
inimiga com extremo pavor.
Passando os braços no entorno de Margareth, Hugh
sussurrou em seu ouvido:
— Amo você.
A loura piscou devagar, sabendo que estava diante
da morte certa.
— Me desculpe. — A condessa proferiu, olhando
diretamente para a criada.
— Não vai adiantar se desculpar, sua garota
mimada. Você vai morrer hoje.
— Não me desculpei com você. — Margareth
crispou para a outra que arregalou os olhos. — Também
amo você, Hugh.
O som do tiro ecoou pelo aposento de banho de
Margareth. As fagulhas acertaram os olhos de Aila e ela
gritou, sentindo a pólvora queimar seus dedos. Largou o
revolver e riu histericamente ao perceber que acertara. O
filete de sangue correu pela banheira.
Trinta e seis

Mad ouviu o barulho de disparo do corredor, vinha


trazendo um chá para sua senhora, sabia que a condessa
não vinha se sentindo bem há semanas. Tinha certeza de
que o motivo por trás dos mal estares da lady eram devido
a um bebezinho que crescia em seu ventre, já até
conversara a questão com Margareth, mas tendo sido
mandada guardar segredo, não fazia nada além de cuidar
com zelo da condessa. Esperava ver o ventre crescer
logo, quem sabe participar como auxiliar do parto e se
encarregar ela mesma dos cuidados do bebe. Era a criada
favorita da condessa, sempre bem tratada e companheira
fiel da lady, não via qualquer motivo pelo qual pudesse
ser impedida de compartilhar aquele momento especial da
residência. E como era apegada à senhora, seria também
ao seu bebe.
Quando o som do estampido a encontrou a meio
caminho do quarto da condessa, Mad deixou a bandeja
com o chá e os biscoitos cair no chão. Correu para o
aposento de banho e gritou ao ver a cena. Aila de joelhos
rindo como louca, as mãos e os olhos chamuscados. Hugh,
caído entre a banheira e o chão, a água encarnada pelo
sangue que respingara ali e Margareth, tremendo dos pés à
cabeça, tentando puxar o marido ferido para o seu colo.
O tiro acertara a parte de trás do ombro de Hugh,
quando ele se postara à frente da esposa para protegê-la.
Seu instinto fora rápido o suficiente para evitar que a
condessa recebesse a bala, mas não o bastante para
impedir que encontrasse seu corpo. Caiu sobre Margareth
que recebeu o impacto e desequilibrou-se. Ambos
estavam no chão. A condessa precisou reunir todas as suas
forças para deslocar o marido.
Hugh gemeu quando ela o movera, puxando o corpo
pequeno debaixo dele.
A primeira reação de Mad foi apanhar a arma ainda
quente e jogá-la longe, gritou por socorro da porta do
quarto e correu para acudir os patrões.
Juntas, Margareth e sua criada conseguiram arrastar
Hugh. Ele tentou ajudar, impelindo o corpo com
dificuldade para ficar de pé, mas estava zonzo pelo
ferimento e cambaleou, caindo sobre o tapete onde tantas
vezes deitara a esposa e proporcionara gritos de prazer.
As lágrimas dela banharam as costas do conde que
respirava com dificuldade.
— Chame ajuda, Mad. — a condessa forçou-se a
dizer.
Enquanto a criada se levantava cambaleante e
nervosa e saia correndo do quarto, Margareth recobrou a
calma, conversou com o esposo, ajeitando a cabeça suada
sobre suas pernas, tentando mantê-lo acordado. Acariciou
os cabelos negros. Vinha esperando o desfecho de seus
planos maquiavélicos de vingança e um momento ideal
para dar a notícia a Hugh, mas agora, já não tinha certeza
de que ele conseguiria aguentar. Sabia o quanto uma arma
de fogo era capaz de machucar um homem, lia a respeito
das pessoas que nunca sobreviviam, mas não queria
aceitar que Hugh, o conde selvagem que a desposara,
perderia a vida ali, diante dela que o amava com todas as
forças. O sangue corria a fio pelo tapete, manchando o
corpo nu da condessa e ensopando o chão. Com uma
toalha Margareth pressionou o ferimento a fim de cessar o
fluxo, sentiu a respiração pesada do marido ao gemer pela
dor. Apoiou-o melhor e sussurrou em seu ouvido.
— Aguente firme, não posso criar seu filho sozinha.
Devagar, Hugh abriu as pestanas, estava deitado de
bruços, com a cabeça levemente virada para a direção do
ventre dela. Deu um sorriso fraco, um novo gemido e
fechou os olhos.
A senhora Garden entrou no quarto como um
furacão, indo direto para a condessa que chorava
descontroladamente. Dois lacaios entraram em seguida,
sem dirigir-se para a lady ainda nua, apoiaram o conde
sobre os braços e deitaram-no na cama. As ordens
seguintes da governanta foram para que buscassem o
médico às pressas, e ajudassem a manter o ferimento
estancado. Margareth vestiu uma camisola por cima do
corpo ensanguentado, foi ao quarto de banho e deparou-se
com Aila, ainda rindo como se tivesse, definitivamente,
perdido o juízo.
Com toda a força de sua ira, a condessa agarrou a
mulher pelos braços e a enxotou dali, entregando-a a um
lacaio que chegava naquele momento com mais toalhas
limpas.
— Não a deixe escapar.
A movimentação frenética da casa fez com que uma
grande comoção se desenvolvesse em toda a propriedade.
Apesar de tudo, o conde sempre fora um homem bom para
os funcionários, pagando-lhes conforme o combinado e
metendo as mãos finas no trabalho duro quando
necessário. Não havia um que não esperasse por sua
morte com pesar no coração.
O médico fez todo o atendimento ali mesmo, no
quarto de Margareth sob seu olhar enternecido. Não havia
como saber, talvez o conde sobrevivesse, talvez não. O
futuro do senhor de Surrey Hall era incerto e dependia da
graça de Deus ou da força do homem.
Aila foi entregue ao inspetor que prontamente se
dirigiu com seu grupo de apoio ao condado de Surrey.
Não tinha muito o que se pudesse fazer, além de prender a
moça, levá-la à justiça e rezar para que o conde
sobrevivesse.
A condessa não saiu do lado do marido nem por um
segundo nos dias que se seguiram, baixando sua febre com
banhos frios e toalhas molhadas na testa, aquecendo-o nas
noites frias e conversando durante seu sono profundo,
pedindo que tivesse forças e sobrevivesse por ela e pelo
filho. Mal comia, mal bebia e pouco cuidara de sua
própria higiene. Estava desnorteada e não suportava a
ideia de deixar Hugh morrer.
Foram os momentos mais difíceis que Margareth
enfrentara na vida, além das visitas incômodas de nobres
curiosos e da própria família que vinha especular acerca
dos acontecimentos, o quadro do marido parecia
estagnado e ele ao invés de se recuperar, vinha piorando,
enfraquecendo e minguando. Ela já não estava certa da
sobrevivência dele e chorava horas a fio. Exceto quando
Madelina vinha passar algumas horas ou tomar o chá, todo
o resto dia passava-se como um borrão.
Hugh tivera muitos sonhos enquanto dormia sob
febre alta, vira a mãe cantando no jardim, o pai
convidando-o para uma pescaria, viu Aila rindo
histericamente e viu os inimigos, mortos a seus pés. No
entanto, quando via sua própria morte e um tumulo sem
dizeres específicos era interrompido pela voz de
Margareth que o acusava de estar abandonando-a.
Sonhava com uma criança de cabelos negros e olhos
brilhantes, sentia o cheiro de rosas do quarto e via a
imagem da esposa, nua, à sua espera e de braços abertos.
A febre piorou de forma a fazer Hugh espasmar
durante uma madrugada inteira, Margareth que dormia a
seu lado acordou assustada quando o homem começou a
delirar, chamando por seu nome e debatendo-se
atordoadamente.
Ela lembrou-se da história dos pais de Hugh, do que
a mãe fizera pelo pai e como o amor da criada salvara a
vida do jovem fidalgo quase morto. Reunindo todas as
forças de que dispunha, a condessa arrastou o marido pelo
quarto.
Mad preparou um banho morno com os óleos da
condessa e com a ajuda de um lacaio forte a mulher
mergulhou-se na banheira com o marido, chamando-o à
razão, chorando sem parar e discutindo sobre a mania de
dificultar sua vida em tudo.
— Se você morrer vou odiá-lo para sempre. —
Dizia entre soluços. — Não me deixe sozinha neste
mundo, não sobreviverei sem você.
Por toda a madrugada Margareth suportou os baques
que recebia quando Hugh espasmava por causa da febre.
Suas costas doíam como se queimasse, mas ela não
desistiria até que ele estivesse bem ou ela mesma
estivesse morta a seu lado. Quando finalmente o corpo
sossegou, a condessa fechou os olhos sentindo a
respiração fraca do homem que amava. Dormiu com a
cabeça dele pendendo sobre seus seios.
— Estou com frio. — Hugh murmurou, acordando
Margareth de susto.
— Oh! Deus, você está vivo!
— Você está querendo me matar com essa água fria?
— Ele disse com dificuldade, abrindo um meio sorriso.
Nos dias decorrentes do banho gelado, Hugh teve
uma melhora significativa e antes da semana seguinte se
encerrar já estava de pé, dando ordens pela casa com sua
voz grave e caminhando pelo campo, alegando para os
companheiros que era ruim o bastante para sobreviver a
uma bala e que não o desafiassem pois nem a morte o
vencera. É claro que a esposa era a principal responsável
por sua sobrevivência e ele deixava isso escapar com um
misto de orgulho e provocação.
Na temporada londrina seguinte, o casal Ruthenford
apresentava aos amigos um bebe risonho, de pele pálida e
bochechas rosadas, olhos azuis céu e cabelos negros como
a noite. Se Margareth fosse descrever sua vida, diria que
vivera como nos livros que lia na juventude, feliz para
sempre, ou quase sempre, salvo quando estava em pé de
guerra com o marido, coisa que sempre se resolvia à
noite, sob os lençóis ou em cima do tapete novo do quarto
da condessa. E o quarto do marido? Haviam transformado
num belo quarto de criança, com móveis de madeira
lustrosa, cortinas pintadas com nuvens fofas e um
cavalinho de madeira que se mexia.
Fim!

Conversa com o leitor


Olá Leitor(a) apimentado(a),
Espero que tenha gostado da trajetória de Hugh e
Margareth. Por favor, não deixe de comentar e dar
algumas estrelinhas, sua avaliação e opinião são muito
importantes para mim.
Se quiser saber mais sobre o meu trabalho, pode me
procurar pelo blog:
http://diariohotbylilith.blogspot.com.br/
Beijos picantes...

Lilith Al

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