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Alguém para Recordar

Mary Balogh
(Série Westcott 07)

Flah, Leine, Sá

Sinopse

Matilda Westcott passou sua vida atendendo às necessidades de


sua mãe, a Condessa viúva de Riverdale, nunca questionando a teia
de solidão que ela mesma criou. Para Matilda, que se considera uma
filha solteirona idosa, o casamento é ridículo - afinal, o amor é um
jogo para os jovens. Mas sua vida tranquila e ordenada se desfaz
quando um cavalheiro arrojado de seu passado reaparece,
ameaçando encantar mais uma vez o coração dela.

Charles Sawyer, Visconde de Dirkson, não espera enfrentar Matilda


Westcott trinta e seis anos após seu romance fracassado. Além
disso, ele não espera que sentimentos de décadas surjam ao vê-la.
Ao encontrar Matilda em um jantar oferecido pelo Conde de
Riverdale, ele fica tão fascinado por ela quanto no dia em que se
conheceram e se pergunta se, depois de todos esses anos, eles
terão uma chance de serem felizes juntos. Charles está determinado
a quebrar o exterior duro que Matilda construiu por mais de três
décadas, ou ele corre o risco de perdê-la mais uma vez ....
Caro leitor,

Bem-vindo ao mundo da Regência da família Westcott.

Se esta história é a sua primeira aventura na série ou se você é um


velho amigo que leu todos ou alguns dos seis livros que a
precederam, estou encantada que você tenha decidido ler esta
novela. Não fazia parte do plano original da série, mas captou a
minha imaginação e insistiu em ser escrita! Estou gostando muito de
dar vida a toda essa família, contando a história de amor de um de
seus membros, em cada livro.

A série Westcott nasceu na minha mente com a ideia de uma


situação de crise. E se o chefe de uma família – nada menos que um
conde - tivesse contraído um casamento bígamo quando jovem,
tentado a isso porque estava em apuros financeiros e precisava de
uma esposa rica? E se ele justificasse, de qualquer maneira, em sua
mente, o fato de a esposa com quem se casou secretamente alguns
anos antes estar morrendo de tuberculose?

Alguém saberia? Havia uma filha daquele primeiro casamento, mas


ela, na época, ainda era uma criança. Ele decidiu que, se ela fosse
colocada em um orfanato, ninguém saberia quem ela era.

E se ele escapasse da bigamia até depois da sua própria morte,


mais de vinte anos depois, quando sua Condessa viúva enviasse seu
advogado para encontrar e pagar à órfã - presumivelmente uma filha
fruto do amor de um caso ilícito - ela secretamente saberia que seu
marido a estava sustentando?

E se o filho da condessa, o novo conde, perdesse o título e a fortuna


após a descoberta chocante de que era ilegítimo?
Suas irmãs também perderiam os seus títulos e status social.

Toda a família, jogada numa turbulência, teria de aprender, de


alguma forma, a lidar com uma nova realidade. Um primo que nunca
esperara ou quisesse herdar o título, o encontraria impingido sobre
ele, de qualquer maneira.

E haveria a complicação adicional da única filha legítima do falecido


conde descobrir quem ela era, ao mesmo tempo que a família a
descobriu.

A família abriria ou fecharia as suas fileiras para com ela? Ela


gostaria de fazer parte disso?

Alguém para Amar, o primeiro livro da série Westcott, trata


exatamente dessa catástrofe. Especificamente, é a história de amor
de Anna Snow, na realidade Lady Anastasia Westcott, a filha
primogênita do conde, e Avery Archer, Duque de Netherby, guardião
de Harry Westcott, o jovem recém-desempossado, Conde de
Riverdale. O que aconteceria se aquela órfã recém-descoberta se
apaixonasse pelo homem escolhido para proteger o herdeiro
despojado? E se ele se apaixonasse por ela?

Meu plano para a série era escrever oito livros - para Anna; para
Harry e suas irmãs, Camille e Abigail, e sua mãe, Viola, a Condessa
de Riverdale; para Alexander, o novo Conde de Riverdale, e sua
irmã, Elizabeth; e para Jessica Archer, prima e melhor amiga de
Abigail. A maioria deles são jovens. A mais velha é Viola, que tem 42
anos quando sua história está sendo contada em Alguém para
Cuidar.

Alguém para Recordar, esta novela adicional e originalmente não


planejada, é diferente das outras, pois a sua heroína, Lady Matilda
Westcott, tem cerca de cinquenta anos, consideravelmente mais
velha do que qualquer outra heroína que eu já criei. Mas a história
dela estava implorando para ser contada, e eu sei que existem
leitores que querem romances sobre heróis e heroínas com mais
idade. Eu tenho de admitir que, absolutamente, adorei escrever esta
história. Espero que você goste também.

Esta história é especial para mim por causa da forma como puxou
pela minha imaginação. Tudo começou com Matilda, a filha
solteirona de um ex-Conde de Riverdale, que aparece em cada um
dos romances de Westcott. Foi ela quem permaneceu solteira para
se dedicar aos cuidados da sua mãe, enquanto o seu irmão mais
novo e as duas irmãs se casavam. Em todos os livros anteriores, ela
surge como uma personagem excessivamente exigente, irritando
constantemente a Condessa viúva, enrolando-lhe xales nos ombros
e protegendo-a de correntes de ar e outros elementos hostis.

Ela pressiona sais de cheiro nela, ao menor indício de


aborrecimento.

Sem ser convidada e muitas vezes indesejada, ela sempre parece


ser a chefe dos comitês de família para lidar com as crises que
surgem, de tempos a tempos, dentro da família. Enquanto ela e suas
irmãs estão planejando um casamento para a grande sociedade para
Anna e Avery em Alguém para Amar, por exemplo, Avery leva Anna
para uma igreja pequena e obscura, numa tarde e se casa com ela
em privado.

Nesse ponto, no início da série, Matilda certamente não parecia uma


heroína em potencial.

Isso começou a mudar, no entanto, em Alguém para Confiar, livro 5,


a história de Elizabeth. A mudança tornou-se irrevogável em Alguém
para Honrar, livro 6, a história de Abigail. O que aconteceu foi que,
Matilda começou a se tornar uma pessoa real para mim e, de
repente, ela era preciosa.

Ela era muito mais do que apenas uma filha, irmã ou tia solteirona
envelhecida para os outros personagens. Ela era mais do que
apenas uma mulher exigente, cujo mundo girava em torno da mãe e
da, cada vez mais ampla, família Westcott. Ela era uma pessoa.
Comecei a ver que ela realmente amava a sua família e que queria o
melhor para todos. Ela era romântica, como demonstrado em suas
reações quando alguns membros da família escolheram
companheiros que, o resto da família, achou menos do que ideal. Ela
ficou feliz por Elizabeth e falou em sua defesa quando Elizabeth fez o
anúncio chocante de que iria se casar com um homem nove anos
mais novo. Ela ficou feliz por Abigail, depois que Abigail se casou
com um homem que havia começado a vida como filho ilegítimo de
uma lavadeira da aldeia.

A essa altura da série, eu percebi que nutria um grande carinho em


relação a Matilda e queria que ela tivesse a sua própria chance de
romance e felicidade. Eu também queria conhecê-la completamente
(a propósito, é assim que todos os meus personagens principais
começam e crescem - através das histórias que escrevo para eles).
Qual era a história por trás de sua solteirice e da sua agitação? Ela
sempre foi a mesma? Ela nunca esteve interessada em se casar?
Qual era a verdade dela? Como ela não tinha realidade além da
minha imaginação, só eu poderia responder a essas perguntas,
escrevendo a sua história.

Decidi, depois de terminar Alguém para Honrar, no final do verão


passado, que faria algo que nunca havia feito antes, desde que
comecei a escrever nos anos 80, e descolou o inverno inteiro antes
de começar a história de Jessica na primavera. No entanto, eu havia
organizado um retiro de quatro dias com um grupo de amigos
escritores em Novembro. Eu amo esses retiros, tanto pelo tempo
passado a escrever quanto pela camaradagem, e odiava não ir. Mas
se eu fosse, não poderia passar os dias girando meus polegares
enquanto todos os meus amigos estavam alegremente tocando em
seus teclados. Mas o que eu deveria escrever?

A pergunta logo encontrou uma resposta, é claro. Eu escreveria uma


novela - uma história longa, um romance curto - para Matilda. Eu
pensei que a princípio, seria publicado apenas como um e-book.

Comecei com entusiasmo e havia escrito um terço da história até ao


final do retiro. Tudo veio com relativa facilidade, apesar da iminente
temporada de Natal. O herói já se identificara em Alguém para
Honrar. Era simplesmente uma questão de reunir essas duas almas
solitárias em uma história de amor quente e romântica. Talvez a
iminência do Natal tenha realmente me ajudado, mesmo que não
seja passada na época do Natal.

Assim que terminei, enviei a história para Claire Zion, minha editora.

Depois de ler a novela pronta, Claire gostou tanto que sentiu que
deveria ser divulgada para todos os fãs de Westcott, e não apenas
para os leitores de livros eletrônicos. Portanto, agora você tem na
mão a edição impressa (ou talvez esteja lendo a edição de livros
eletrônicos, o que também fizemos).

Como tenho certeza de que você notou, este livro é mais barato que
meus romances completos. Isso é apenas porque é mais curto, não
porque é menos importante para mim do que os romances. Matilda é
um membro de pleno direito da minha amada família agora! Gosto
muito dela e fico feliz que, o maior número possível de leitores possa
encontrar sua história, independentemente do formato de leitura
preferido.

Também incluímos neste volume trechos de todos os seis romances


de Westcott já publicados. Se por acaso a história de Matilda for a
primeira da série que você leu, talvez os trechos o levem a
enriquecer seu conhecimento da família lendo as histórias completas
de seis de seus membros. A esperança é que esses trechos o
ajudem a escolher o próximo a ler.

Se você já os leu, talvez os trechos lembrem cada história separada


e o incentivem a relê-las na íntegra. Recentemente, perguntei na
minha página do Facebook quantas pessoas são re-leitores e fiquei
surpresa ao constatar que a grande maioria dos que responderam, o
são. Eu também. Há algo muito reconfortante em encontrar velhos
amigos novamente nas páginas de um livro amado. É um pouco
como voltar para casa.
Mas se você é um antigo ou novo fã da família Westcott, ofereço-lhe
o seguinte para ajudá-lo a navegar na série: Alguém para Amar, livro
1, envolve a descoberta, logo após a morte do Conde de Riverdale,
chefe da família Westcott, de que seu casamento de mais de vinte
anos era bígamo e que o filho e as duas filhas desse casamento
eram, portanto, ilegítimos. A filha secreta e legítima de seu primeiro
casamento, que cresceu em um orfanato, desconhecendo a sua
verdadeira identidade, agora herda tudo, exceto o próprio título e as
propriedades inerentes. Essa criança, Anna Snow, agora crescida
até a idade adulta, é a heroína deste livro, que mostra como ela lida
com as surpreendentes novas realidades de sua vida, e, não menos
importante, é o inesperado namoro do muito aristocrático Duque de
Netherby, cuja madrasta era Westcott de nascimento.

Alguém para Manter, livro 2, é a história de Camille, uma das filhas


despojadas do falecido conde. Além de perder seu título e status
social, Camille perdeu seu noivo aristocrático, que terminou o
noivado como resultado das notícias. A orgulhosa, despreocupada e
meio sem humor Camille, tem que reconstituir sua vida de alguma
forma e dá o passo totalmente inesperado ao se candidatar ao cargo
de professora num orfanato em Bath recentemente desocupado por
Anna, a meia-irmã pela qual ela se ressente profundamente. Lá,
Camille conhece Joel Cunningham, o amigo íntimo de Anna e ex-
pretendente.

Alguém para Casar, livro 3, é a história de Alexander Westcott,


repentinamente e contrariado, Conde de Riverdale depois que seu
primo em segundo grau Harry, perde o título após a descoberta de
sua ilegitimidade. Junto com o título, Alexander herdou a mansão e
os bens que o acompanham, ambos negligenciados e degastados e
precisando de um enorme fluxo de dinheiro - o que ele não possui.

Ressentido, mas obedientemente, Alexander volta sua mente para a


busca de uma esposa rica. Ao mesmo tempo, Wren Heyward, uma
vizinha reclusa, que usa sempre um véu por causa de uma
desfigurante marca de nascença em um lado do rosto, decide usar a
vasta fortuna que herdou recentemente de um tio para comprar um
marido e algum senso de pertencer.
Alguém para cuidar, livro 4, é a história de Viola, a ex-Condessa de
Riverdale, 42 anos, que reagiu ao conhecimento de que seu
casamento havia sido bígamo e que seus filhos eram ilegítimos
primeiro, fugindo para morar com o irmão e, depois, vivendo em
silêncio no campo com sua filha mais nova. Ela suprimiu a sua raiva
e sofrimento por alguns anos. Mas seu controle finalmente se rompe,
sem motivo aparente, e no batismo de seu neto em Bath, e ela sai
sozinha, para voltar para casa.

No caminho, ela encontra um homem que uma vez, anos atrás,


tentou convencê-la a se envolver em um caso ilícito.

Ela recusou, mas agora, quando ele sugere que ela embarque com
ele, num breve encontro romântico sem amarras, ela se pergunta:
por que não? Ela faz isso - ela foge com Marcel Lamarr. Como se vê,
no entanto, existem muitas restrições associadas a essa decisão
impulsiva - tanto para Viola quanto para Marcel. Porque cada um
deles, tem uma família que se importa.

Alguém para Confiar, livro 5, é a história de Elizabeth, Lady Overfield,


irmã viúva do recente Conde Alexander, que deixou seu marido
abusivo, um ano antes de sua morte. Agora ela decidiu que quer se
casar novamente, mas não por amor, desta vez. Ela quer um
casamento de respeito mútuo e contentamento silencioso. No
entanto, numa reunião de família de Natal no campo, ela passa um
tempo com Colin, Lorde Hodges, cuja irmã é casada com seu irmão.
Existe uma química inesperada entre eles, mas qualquer
pensamento de romance está fora de questão, pois Colin é nove
anos mais novo que Elizabeth e ele também está em busca de uma
noiva entre as jovens debutantes da próxima temporada. Adorei o
desafio de lidar com o dilema mulher mais velha / homem mais
jovem. Também adorei criar a mãe de Colin, a vilã super-narcisista,
que apareceu pela primeira vez em Alguém para Casar.

Alguém para Honrar. É a história de Abigail, que ainda está lutando


com a maneira como a sua vida mudou completamente, depois que
se descobriu que ela era ilegítima. Ela ainda não sabe bem quem é
ou o que quer da vida. Então ela conhece o tenente-coronel Gil
Bennington, um amigo e colega do irmão. Gil é um oficial militar e
parece ser um cavalheiro, mas na realidade ele é o filho ilegítimo de
uma lavadeira da aldeia e cresceu como um rato de sarjeta, para
usar suas próprias palavras.

Ele adquiriu alguma riqueza e uma casa no campo, mas está


desesperado para recuperar a sua jovem filha dos avós maternos,
que a levaram quando sua esposa morreu enquanto ele estava
lutando na Batalha de Waterloo. Seu advogado o avisa que sua
melhor chance de vencer o processo é se casar novamente, para
que ela tenha uma mãe, assim como ele próprio, para oferecer a sua
filha.

Espero que você goste da nova história, Alguém para se Lembrar.

Espero que você concorde comigo que Matilda é uma pessoa


preciosa e merece ser feliz para sempre, mesmo que tenha chegado
tarde na vida.

E espero que você concorde que Charles é perfeito para ela e a


aprecia tão plenamente quanto ela merece. E espere encontrá-los
novamente em livros futuros - assim como os filhos de Charles,
incluindo o seu primeiro filho, Gil Bennington e, é claro, a família de
Matilda, os Westcotts.

Por favor, procure o próximo livro da série, livro 7, a história de Lady


Jessica Archer, no próximo ano.

Tudo de bom para todos vocês,

Mary Balogh

Um

Lady Matilda Westcott acabara de dar uma guinada para pior. Ela
não achou possível, mas estava enganada.
Ela estava sentada atrás da bandeja do chá na sala de visitas,
servindo a mãe e os visitantes, cuja chegada inesperada a animou a
princípio.

Alexander, Conde de Riverdale e chefe da família Westcott, e Wren,


sua esposa, sempre foram bem-vindos. Eles eram um jovem casal
amável e atraente, e Matilda gostava muito deles. A conversa seguiu
linhas previsíveis por vários minutos - perguntas sobre a saúde de
Matilda e sua mãe, e notícias de seus filhos pequenos e de
Elizabeth, irmã de Alexander, e Colin, Lorde Hodges, seu marido,
com quem desfrutaram um piquenique, em Richmond Park, no dia
anterior. Mas agora eles haviam mudado de assunto.

— Wren e eu decidimos que deveríamos convidar o Visconde de


Dirkson para jantar conosco. — disse Alexander.

— Deveríamos? — A mãe de Matilda, a Condessa viúva de


Riverdale, perguntou bruscamente. Enquanto isso, Matilda havia
ficado quieta, o bule suspenso sobre a terceira xícara.

— Como uma espécie de agradecimento, prima Eugénia — explicou


Wren. — Não que algum de nós precise agradecer exatamente a ele.
Gil é seu filho, afinal. Mas o Visconde de Dirkson não teve relações
com Gil a vida toda e podia, facilmente, ter ignorado a audiência de
custódia, há algumas semanas. Sua presença pode não ter feito
diferença na decisão do juiz, é claro. Por outro lado, talvez tenha
feito alguma diferença. E queremos que ele saiba que apreciamos o
que fez. Pelo bem de Abigail. E pelo bem de Gil e Katy. Nós o
convidamos para amanhã, e ele aceitou.

— Mas gostaríamos que fosse um jantar de família — disse


Alexander. — Nem todos os Westcotts estão na cidade, é claro, mas
esperamos que aqueles que estão se juntem a nós. — Ele sorriu,
seu sorriso muito charmoso, primeiro para a mãe de Matilda e depois
para a própria Matilda.

Matilda mal notou quando começou a derramar a terceira xícara de


chá com a mão que ela segurava firmemente.
Ela também foi convidada.

Ela deveria ter ficado encantada. Enquanto o último conde,


Humphrey, seu irmão, estava vivo, os Westcotts não eram uma
família tão próxima quanto eram agora. Ele tinha pouco uso para
qualquer um deles, até sua esposa, filho e filhas. E ele fez coisas
terríveis durante a vida, a pior das quais, foi se casar duas vezes.
Isso não era um crime em si, mas no caso dele foi. Seu primeiro
casamento secreto, com Alice Snow, havia produzido uma filha
igualmente secreta, Anna. Seu segundo casamento, com Viola, sua
condessa por 23 anos, gerou três filhos - Camille, Harry e Abigail. O
aspecto criminoso do segundo casamento era que se sobrepunha ao
primeiro, em um mês ou dois antes de Alice morrer de tuberculose.
Como resultado, Viola e seus filhos acabaram destituídos, enquanto
Anna, que crescera num orfanato, sem saber quem era, havia
herdado uma vasta fortuna, e toda a família havia sido jogada numa
turbulência, pela natureza bígama do segundo casamento de
Humphrey, que só foi descoberto após sua morte.

Que ele não descanse em paz, Matilda costumava ficar muito


tentada a pensar, mesmo a dizer em voz alta. Um sentimento muito
desagradável, sem dúvida, para não mencionar muito pouco
feminino.

Ela, muitas vezes cedia à tentação de pensar assim - como o fazia


agora.

Ela deveria ter ficado encantada com o convite, pois Alexander era
um tipo muito diferente de conde do que Humphrey tinha sido e tinha
trabalhado duro para manter a família unida. No entanto, o jantar era
em homenagem a alguém de fora da família. Visconde de Dirkson.

Charles. Um homem que Matilda ficaria muito feliz em nunca mais


olhar, pelo menos, o resto de sua vida.

Tudo começou quando Abigail Westcott, filha mais nova de


Humphrey, chegou inesperadamente a Londres, há algumas
semanas, com um marido igualmente inesperado, com quem se
casara no dia anterior. O tenente-coronel Gil Bennington parecia um
jovem cavalheiro perfeitamente respeitável - ele era um militar amigo
de Harry, irmão de Abigail. No entanto, ele havia revelado à família
de Abigail que, na realidade, ele cresceu como um rato de sarjeta -
suas palavras - com sua mãe solteira, que ganhava a vida como
lavadeira da aldeia. A família ficou devidamente chocada. Afinal, era
realmente chocante. Matilda gostara do jovem de qualquer maneira.
Ele era alto, moreno e bonito, mesmo que seu rosto estivesse
marcado pela cicatriz de uma antiga ferida de batalha e, mesmo que
ele tendesse a olhar o mundo com uma expressão severa. Ela
achara o casamento repentino, maravilhosamente romântico. Ela só
tinha ficado chocada quando, o tenente-coronel Bennington admitiu,
quando pressionado, que seu pai, com quem não mantinha relações
por toda a vida, era o Visconde de Dirkson.

Ele era Charles Sawyer quando Matilda o conheceu há anos, anos


atrás. Uma vida inteira. O título veio mais tarde, com a morte do seu
pai.

Mas ela tinha lidado com ele desde a revelação de Gil - um negócio
secreto e terrivelmente escandaloso que chocaria sua família até as
raízes, se se soubesse. A lembrança ainda a arrepiava o suficiente
para desmaiar completamente - se ela fosse do tipo que desmaia, o
que ela não era. Bem, não era segredo para todos. O jovem Bertrand
Lamarr sabia. Ele era meio-irmão de Abigail, não um Westcott de
nascimento, mas aceito por todos eles como membro honorário da
família.

O que aconteceu foi que ela, uma moça solteira, havia visitado o
Visconde de Dirkson, um cavalheiro viúvo, em sua casa em Londres,
com apenas o jovem Bertrand como companhia para dar uma
aparência de respeitabilidade ao que estava na realidade, muito além
dos limites.

Ela reuniu toda a sua coragem até ao ponto máximo, para citar
alguém numa peça de Shakespeare - Lady Macbeth? - embora
possa não ser uma citação estritamente precisa. De qualquer forma,
ela havia convencido Charles a fazer alguma coisa por seu filho
natural, que estava prestes a comparecer perante um juiz para pedir
a tutela da sua filha pequena, que havia sido levada para a casa de
seus avós maternos enquanto Gil estava longe, lutando na Batalha
de Waterloo, e nunca lhe foi devolvida. Foi a primeira vez em trinta e
seis anos que ela ficou cara a cara com Charles ou trocou uma
palavra com ele. Depois que ela disse o que tinha a dizer, ela partiu
com Bertrand e se confortou - tentou, pelo menos - com o
pensamento de que aquilo tinha sido o fim.

Acabado. O fim.

Agora Alexander e Wren o convidaram para um jantar em família.

E ela era um membro da família.

Charles Sawyer também era o único homem que Matilda já amou.


Há trinta e seis anos. Mais da metade da vida bíblica. Ela tinha
cinquenta e seis agora.

Todas as xícaras já estavam cheias, notou Matilda e deveriam ser


distribuídas antes que o chá esfriasse. A mãe dela estava falando.

— Então o Visconde de Dirkson deve ser recompensado, por ter um


filho fora do casamento e não fazer nada por ele, há mais de trinta
anos, até que ele falou em nome do filho, perante um juiz, algumas
semanas atrás? — ela perguntou enquanto Matilda colocava uma
xícara de chá na mesa ao lado dela e certificava-se de que estava
perto o suficiente para ela chegar, mas não tão perto que pudesse
ser derrubada por um cotovelo descuidado.

Wren veio pegar a sua xícara da bandeja e a de Alexander e sorriu


agradecida a Matilda. — Ele comprou a primeira comissão do filho há
alguns anos, se você se lembra, prima Eugénia — disse ela.

A viúva fez um som de escárnio e afastou a mão da filha quando


Matilda tentou reorganizar o xale, que escorregara de um ombro. —
Não se preocupe, Matilda.
— E esse filho agora é casado com Abigail e, portanto, é membro da
nossa família — acrescentou Alexander, pegando a sua xícara e
pires da mão de Wren. — Mas, além de comprar a comissão, o que
Dirkson fez, algumas semanas atrás, foi significativo. Sem sua
recomendação na audiência, Gil poderia muito bem não ter
recuperado a custódia de sua filha, e ele e Abigail ficariam
perturbados. Dirkson com certeza participou da audiência para seu
próprio bem, é claro, já que Gil é seu filho. No entanto, Wren e eu
sentimos a obrigação de lhe agradecer em nome da família de
Abigail. Diga que você também virá.

— Não foi nada menos que um milagre que o Visconde de Dirkson


tenha descoberto sobre a audiência de custódia — disse Wren.

Mas isso não aconteceu por um milagre, pensou Matilda, pegando


sua própria xícara e tomando um gole de chá. Não havia nada de
milagroso nisso.

— Você está muito quieta esta tarde, Matilda — disse Alexander,


sorrindo gentilmente para ela. — O que você acha? Você vem ao
nosso jantar? Você vai convencer a prima Eugénia a vir também?

Sua opinião raramente era solicitada. Ela era apenas um apêndice


de sua mãe enquanto ela se preocupava com a mãe, certificando-se
de que ela não se sentava na direção de uma corrente de ar, não se
esforçava demais nem se excitava demais, embora sua mãe se
ressentisse de toda a sua atenção. Às vezes, em especial
ultimamente, Matilda se perguntava se sua mãe precisava dela ou se
a amava. Era um pensamento que a deprimia terrivelmente, pois se
o amor e o cuidado que ela dava à mãe eram inúteis, então qual
tinha sido o propósito de sua vida? E por que ela já estava pensando
nisso no passado?

— Acho que é uma ideia admirável — disse ela. — Você é um digno


Conde de Riverdale, Alexander. Você leva a sério a sua
responsabilidade como chefe da família. Convidar o Visconde de
Dirkson para jantar com a família em Londres é uma boa maneira de
lhe mostrar que apreciamos ter intervindo a favor de Gil. Isso lhe
mostrará que consideramos Gil um de nós, que valorizamos a sua
felicidade e a de Abigail. E de Katy.

Katy era a filha de Gil - e neta de Charles. Essa percepção


apunhalava, um pouco dolorosamente, o coração de Matilda toda
vez que sua mente a relembrava. Ele teve outros netos. As suas
duas filhas eram casadas e ambas eram mães. Seu filho, o caçula,
ainda não era casado.

Sua esposa de vinte anos havia morrido cinco anos atrás.

Alexander pareceu satisfeito com os elogios dela. — Você virá então


— ele disse. — Obrigado.

Sim, ela iria, embora o próprio pensamento a fizesse sentir enjoada.


Ele ainda era muito bonito. Charles, isto é. Enquanto ela ... bem, ela
era uma solteirona envelhecida, talvez até uma velha e ... Bem.

— E você também convidará a família do Visconde de Dirkson? —


sua mãe estava perguntando. — O filho e as filhas dele?

— Dificilmente eles sabem da existência de Gil — disse Alexander,


franzindo a testa. — Duvido que ele queira que eles saibam.

— Talvez — disse Wren — devêssemos dizer ao Visconde de


Dirkson que ele pode trazer os seus filhos, se assim o desejar,
Alexander. Que a decisão seja dele.

— Farei isso, meu amor — disse ele, acenando para Matilda, que
estava se oferecendo para lhe servir uma segunda xícara de chá. —
Sim, obrigado. Você vai, prima Eugénia?

— Eu vou — ela disse. — Dirkson correu selvagem com Humphrey


enquanto jovem, você sabe, embora ele não tivesse o título naquele
tempo. Sua reputação tornou-se cada vez mais desagradável com o
passar do tempo. Ele não era recebido nas altas esferas e talvez
ainda não o seja.
— Acho que não vamos segurar o passado contra ele — disse
Alexander, com um brilho nos olhos. — Se ele não tivesse sido pai
de um filho ilegítimo quando era muito jovem, nem estaríamos
planejando este jantar, estaríamos?

— E Abigail não teria encontrado o amor de sua vida — disse


Matilda.

— Ah, acho que você tem razão, prima Matilda — disse Wren,
sorrindo calorosamente para ela. — Eu acredito que ela e Gil são
perfeitos um para o outro e pais perfeitos para Katy. Não, não mais
chá para mim, obrigado. Devemos partir em breve. Já lhe tomamos
muito tempo.

— Mas ainda não contamos as nossas muito boas notícias — disse a


viúva.

— Oh, — disse Wren. — Nós certamente as queremos ouvir.

E Matilda foi instantaneamente lembrada do porquê dela estar se


sentindo severamente relegada, mesmo antes de Alexander e Wren
chegarem com seu convite.

— Edith está vindo morar conosco — anunciou a mãe.

— Sua irmã, prima Eugénia, você quer dizer? — perguntou


Alexander.

— Edith Monteith, sim — disse a viúva. — Eu tenho tentado


convencê-la a vir desde que Douglas morreu, alguns anos atrás. Ela
não tem crianças nem filhos para continuar vivendo naquela
descomunal mansão, tão perto da fronteira escocesa que não faz
diferença. Será muito melhor para ela, ficar comigo. Ela sempre foi a
minha irmã favorita, mesmo sendo quase dez anos mais nova que
eu.

— E ela vai morar permanentemente com você? — perguntou Wren.


— Isso realmente soa como boas notícias. — Mas ela lançou um
olhar preocupado a Matilda.
Sua mãe deve ter visto o olhar. — Vai ser maravilhoso para a
Matilda, também — disse ela. — Ela já não vai ter a prisão de tratar
de uma velha. Ela terá alguém mais próximo da sua idade, como
companhia. Adelaide Boniface virá com Edith. Ela é uma prima
distante de Douglas e muito pobre e indigente. Ela tem sido a
companhia de Edith há anos.

Tia Edith sofria de baixo astral desde que Matilda conseguia se


lembrar, e Adelaide Boniface se assegurou de que continuasse em
baixo. Se o sol estivesse brilhando, certamente era o prenúncio de
nuvens e chuva, por vir. Se restava metade de um bolo no prato para
o chá, o fato de metade dele ter desaparecido era motivo de
lamentação, pois não haveria amanhã. E ela falava habitualmente
num gemido nasal, enquanto o nariz ofensivo era constantemente
tocado e empurrado de um lado para o outro com um lenço
embolado, toda a operação seguida, de cada vez por uma fungadela
seca. Matilda achou intolerável a perspectiva de ter a sua companhia
constantemente, para não mencionar a tia Edith. Ela realmente não
sabia como iria suportar uma invasão tão grande, em sua casa e em
sua própria vida.

— Estou muito feliz por vocês duas — disse Alexander, deixando de


lado a xícara e se levantando. — Elas estão chegando em breve?

— Depois que retornarmos à casa de campo, no final da temporada


— disse a viúva. — Certamente estamos felizes com isso, não
estamos, Matilda?

— Será algo novo pelo que esperar — disse Matilda, sorrindo com
determinação enquanto Wren a abraçava e Alexander beijava a sua
bochecha e se inclinava sobre a cadeira da mãe para garantir que
ela não precisava se levantar.

— Vamos ver vocês duas, amanhã à noite, então — ele disse.

Oh, Matilda pensou, depois que eles foram embora, como ela iria
suportar tudo isso? Ficar cara a cara com Charles, novamente
amanhã e passar uma noite inteira em sua companhia. Regressar ao
campo num mês, para um lar que não seria mais o lar. A vida poderia
ficar mais sombria?

Mas como passar uma noite na companhia de Charles, trinta e seis


anos depois, deveria importar? Ninguém podia alimentar um coração
partido e esperanças arruinadas por tanto tempo. Ou, se alguém o
fizesse, era realmente uma criatura patética.

Ah, mas ela o amava ...

Um monte de bobagem.

***

— Ele tem trinta e quatro anos, — Charles Sawyer, Visconde de


Dirkson, estava contando a Adrian, aos 22 anos, o mais novo de
seus filhos. — Isso aconteceu muito antes de eu me casar com sua
mãe. De fato, antes que eu a conhecesse.

— Quem era ela? — Adrian perguntou depois de uma pausa, uma


carranca franzindo a sua testa, uma mão segurando um livro
encadernado em couro, que ele pegara aleatoriamente de uma das
estantes em que ele se apoiava. — Ou talvez eu devesse ter
perguntado: quem é ela?

— Era — disse Charles. — Ela morreu há muitos anos. Ela era filha
de um próspero ferreiro. Eu a conheci enquanto estava com um
amigo numa casa próxima. Foi uma ligação breve, mas com
consequências.

— Então, o tempo todo que você esteve casado com a Mãe — disse
Adrian — você estava vendo aquela mulher e ele. Sua outra família.

— Nada disso – Charles lhe assegurou. — Ela não quis nada comigo
quando entendeu que eu não me casaria com ela, embora sua
família a tivesse despejado sem um centavo. Ela recusou todo apoio
para si e para a criança. Ela a criou com o dinheiro que ganhou como
lavadeira até que ele partiu com um sargento de recrutamento, aos
quatorze anos, para se juntar ao exército. Depois que ela morreu,
comprei uma comissão para ele. Mas ele me pagou e cortou todos
os laços comigo, depois que eu comprei uma promoção para ele.
Sua mãe criou um filho orgulhoso.

— Mas ele conseguiu ascender ao posto de tenente-coronel depois


que você lhe deu uma ajuda nas fileiras de oficiais — disse Adrian,
abrindo o livro brevemente antes de fechá-lo sem sequer olhar para
ele. — E agora ele se casou na família Westcott. Bertrand Lamarr,
esse meu amigo de Oxford, que nos visitou há algumas semanas,
também tem uma conexão com eles. Seu pai se casou com um deles
há alguns anos. E a senhora que veio aqui com ele, era Westcott.
Você a levou para ver o jardim enquanto ele e eu estávamos nos
familiarizando novamente. Foi através dela que você descobriu que
seu ... filho havia se casado com uma Westcott e estava numa
batalha judicial para recuperar a custódia de sua filha? Sua neta? —
ele riu um pouco trêmulo e colocou o livro na prateleira, em vez de
colocá-lo no devido lugar.

— Sim — disse Charles. — Fui à audiência e disse algumas palavras


ao juiz. Riverdale, chefe da família Westcott, parecia acreditar que o
que eu dissesse faria a diferença e ajudou ... Gil a vencer o seu
caso.

— Gil — disse o filho suavemente.

— Gilbert — disse Charles. — Ela o nomeou. A mãe dele.

Ele pensou em contar ao filho, depois de receber uma segunda nota


de Riverdale, após o convite inicial. O Visconde de Dirkson era muito
bem-vindo a levar seus filhos e seus cônjuges para o jantar também,
se quisesse, dizia o bilhete. Charles certamente não desejava tal
coisa. Ele nem queria comparecer. Pereça o pensamento. Ele não
conseguia perceber por que a família Westcott se sentia, de alguma
forma, em dívida com ele. Afinal Gil era seu filho. Katy, como Adrian
acabara de apontar, era sua neta. Ele não comparecera àquela
audiência de custódia pelos Westcotts. Ele havia feito isso pelo seu
filho, a quem nunca tinha visto antes daquele dia, mas a quem
amava por trinta e quatro anos. Sim. Verdade.
Ah, mas ele também o fizera, pelo menos em parte, por um dos
Westcotts, não?

Por Matilda?

Ele raramente tinha ficado tão surpreso, não, chocado - do que,


algumas semanas atrás, quando seu mordomo foi ao seu quarto de
vestir para informá-lo de que Lady Matilda Westcott estava lá
embaixo, na sala de visitas, com o jovem Lamarr, Visconde de
Watley, que alegava ser um amigo da universidade do filho de Sua
Senhoria.

Matilda. Aqui em sua própria casa. Querendo falar com ele. Depois
de quanto tempo? Trinta anos? Trinta e cinco? Devia ser o último ou
até um pouco mais. Gil tinha trinta e quatro anos, e todo o drama
com Matilda havia terminado, antes de ele ser concebido. De fato,
houve uma conexão. Charles, certamente não teria se envolvido
naquela má situação com a mãe de Gil, se ele não estivesse
sofrendo com a rejeição de Matilda, quando ela se recusou,
veementemente, a enfrentar a desaprovação de seus pais com o seu
relacionamento. Durante semanas ou até meses, ele correu para os
braços da primeira mulher bonita que chamasse a sua atenção e que
correspondesse a seus flertes.

E ele não tomou nenhuma das habituais precauções quando se


deitou com ela. Ela também não tomou nenhuma. Talvez ela nem
soubesse que isso era possível. Ou talvez ela realmente acreditasse
que ele prometera se casar com ela, embora ele soubesse, sem
sombra de dúvida, que ele não o fez.

Ele havia superado Matilda anos e anos atrás, embora, quando os


dois estavam em Londres, ele a visse ocasionalmente, ficando cada
vez mais velha e mais séria, desperdiçando-se com uma mãe que
havia negado a felicidade da filha e agora parecia não gostar das
atenções dele. Ele se sentia irritado toda vez que olhava para Matilda
Westcott, o único sentimento que lhe restava.
Isto é, até ele ter entrado, algumas semanas atrás, na sala de visitas
aqui, em sua própria casa, e ela o chamou pelo seu nome, em vez
de pelo seu título, uma mulher de cinquenta e seis anos que era uma
estranha e ainda assim, não o era. Ele se viu então, lembrando a
bonita, viçosa e calorosa jovem mulher que fora uma vez, e sentira
uma irritação muito mais intensa que o habitual - por ela e talvez pelo
próprio tempo, por lhe ter roubado a juventude e beleza. E talvez, por
si mesmo, por recordar não apenas os fatos, mas também os
sentimentos, principalmente as profundezas de sua paixão juvenil
por ela e a dor contrastante de seu desespero por perdê-la, não
porque ela não o amava, mas porque seus pais não o achavam
digno dela. E raiva.

Por ela o ter expulso e não houve como fazê-la ver a razão. E raiva,
atualmente, por ela ter vindo a sua casa, assim, sem convite, e com
apenas a conexão do jovem Lamarr com Adrian, como desculpa.

Ele estava com raiva por ainda poder se lembrar daqueles


sentimentos.

Pois tudo isso havia acontecido uma vida atrás. E por que ele
deveria se lembrar? Ele conhecera dezenas de mulheres antes e
depois dela e até depois do casamento.

Por que deveria incomodá-lo que Matilda tivesse envelhecido? Não,


não envelhecido. Isso era impreciso e cruel. Além disso, ela tinha
quase a mesma idade que ele. Ela tinha atingido a meia idade - o
lado sombrio da meia idade, para ser mais preciso. Ela nunca se
casou. Por que não, pelo amor de Deus? Ninguém tinha
correspondido às expectativas dos queridos mamãe e papai? No
entanto, suas duas filhas mais novas haviam se casado bem. Matilda
teria sido valiosa demais para eles, então, enquanto a família se
afastava? Teriam apreciado tirar toda a vida e juventude e paixão
dela, até que ela se tornasse como era agora?

Mas por que deveria incomodá-lo, o que aconteceu com Lady


Matilda Westcott? Um coração machucado não permanece
machucado por muito tempo. Ele logo aprendeu isso. Ele a
esquecera antes que o verão terminasse. A mãe de Gil teve
sucessoras. Sua reputação como libertino fora merecida.

— Então — disse Adrian — ele vai estar na sua vida agora? Como
membro semi-respeitável da família Westcott? É disso que se trata
este jantar?

— O jantar — explicou Charles — é a maneira de Riverdale me


agradecer por ter comparecido na audiência de custódia e talvez ter
dado uma pequena ajuda que permitiu que meu ... filho recuperasse
a filha dos avós. Ele não precisa me agradecer. Nenhum deles
precisa. Eu realmente não quero ir ao jantar, mas parece a coisa
civilizada a se fazer.

— E você quer que eu vá com você — disse Adrian.

Charles deu de ombros, pegou a caneta de pena da escrivaninha à


sua frente para aparar a ponta, mudou de ideia e a colocou de volta.
— Pensei que devia lhe contar finalmente — disse ele — antes que a
palavra vaze, como irá acontecer, e você saiba da verdade por outra
pessoa. A existência do meu filho natural, não altera em nada, os
meus sentimentos por você e suas irmãs.

— Eu tenho um meio-irmão doze anos mais velho — disse Adrian,


como se só agora estivesse entendendo o que Charles havia lhe dito
alguns minutos atrás. — Ele se parece comigo?

— Não — disse Charles.

— Não. — Adrian riu. — Como poderia? Eu me pareço com a


mamãe. Ele se parece com você?

— Sim — disse Charles. — Mas ele tem uma cicatriz facial. — Com
um dedo, ele traçou uma linha em uma bochecha e desceu sobre o
queixo.

— O herói das cruzadas — disse Adrian. — Suponho que o torna


irresistível para as mulheres. E ele é alto e moreno como você, não
é? Suponho que você vai se aproximar dele agora.
— Duvido muito — disse Charles. — Ele não tem uma grande
opinião sobre mim e eu não posso culpá-lo.

— Você tem uma grande opinião sobre ele? — perguntou o filho.

Charles hesitou. — Sim. — disse ele. Ele empurrou a cadeira com as


costas dos joelhos e ficou de pé. — Você pode vir jantar comigo se
quiser, Adrian. Ficarei contente se você o fizer. Eu vou entender se
você não for.

— Você pretende contar para minhas irmãs? — perguntou Adrian.

Nenhuma delas estava em Londres atualmente. Bárbara, a mais


velha das duas, estava no campo com o marido e os filhos, para
comemorar o quadragésimo aniversário de casamento de seus
sogros. Jane descobrira que estava grávida pouco antes do início da
temporada e permaneceu no campo, até se recuperar da fase dos
enjoos que a atormentara também quando do primeiro filho.

— Sim — disse Charles. — Pessoalmente, quando a oportunidade


surgir. — E pela mesma razão que o convencera a contar a Adrian. A
verdade viria à tona agora que Gil havia aparecido em sua vida,
mesmo que seu filho planejasse viver o ano todo em
Gloucestershire.

Era melhor que as notícias viessem do pai.

Adrian assentiu e se afastou das estantes de livros. — Eu irei — ele


disse. — Bertrand estará lá, você disse?

— Lamarr? — disse Charles. — O Visconde de Watley? Muito


provavelmente, já que seu pai é casado com a ex-Condessa de
Riverdale.

— Então eu irei — disse Adrian novamente. — Contanto que seu


outro filho também não esteja lá.

— Não — disse Charles. — Ele já levou a sua esposa e filha para


casa em Gloucestershire.
— Às suas custas? — perguntou Adrian.

— Não — Charles disse a ele. — Ele é, independente,


aparentemente rico. Assim como a esposa dele.

— Eu tenho de partir — disse o filho abruptamente, caminhando em


direção à porta. — Eu deveria estar em algum lugar meia hora atrás.

— Adrian. — Seu filho parou, com a mão na maçaneta e olhou para


ele. — Adorei você desde o primeiro momento em que o vi, todo
envolto nos braços de sua mãe, suas bochechas vermelhas e
gordas. Não mudei de afeto desde então.

Seu filho assentiu novamente e se foi.

Ele não era bom com palavras de carinho, pensou Charles. Ele não
tinha sido um bom marido. Eles não se casaram por amor, ele e sua
esposa, e viveram vidas muito separadas. Eles sempre foram
educados um com o outro, mas não havia calor ou carinho real entre
eles.

Não fora o caso com seus filhos. Ele sempre os amou total e
incondicionalmente, e ainda os amava. Ele passou tempo com eles
quando eles eram jovens. Ele os ensinou a montar e levou Bárbara a
caçar com ele, em várias ocasiões. Ele havia pescado com Jane e
Adrian. Ele havia levado todos eles para nadar e subir em árvores - o
último quando sua esposa estava bem fora de vista. Ele lera para
eles antes que eles pudessem fazer isso por si mesmos. Talvez, ele
pensou agora, ele tivesse esbanjado em seus filhos legítimos, o
tempo todo e a afeição que a mãe de Gil se recusou a permitir que
ele esbanjasse em seu primogênito.

Ele pegou a caneta de pena novamente, embora não se voltasse a


sentar, e a girou na mão, passando a pena na palma da mão.

Ele amava o filho primogênito com uma dor dilacerante. Mas ele
desejou que tudo isso, não tivesse causado emoções inúteis - a
súbita aparição de Gil em Londres com uma esposa, aterrorizada
com o fato de ele perder a filha para sempre se o juiz decidisse
contra ele; Charles vendo seu filho pela primeira vez naquele
pequeno tribunal onde a audiência foi realizada, a família Westcott
unida em suas fileiras de cadeiras; o estranho e desagradável café
da manhã, na manhã seguinte, no hotel de Gil, organizado pela
esposa de Gil; o quase certo conhecimento de que eles nunca mais
se veriam.

Matilda.

Ele desejou não se sentir zangado com ela, irritado com ela por
envelhecer, e o fazer querer atacar alguém ou alguma coisa, por uma
razão que ele não podia nem imaginar.

A paixão era para os jovens. Ele se ressentia das fortes emoções


que vinham de todas as direções nas últimas semanas. Sua vida,
pelo menos nos últimos dez anos, tinha estado do lado plácido
quando se rendeu à meia-idade, preparando-se para desfrutar de
seus netos e se regozijou com a forma como seus filhos estavam se
estabelecendo em vidas significativas. Seu relativo contentamento
com a vida, incluíra a felicidade por seu primogênito ter sobrevivido à
brutalidade inimaginável das guerras napoleônicas.

Ele não queria que emoções fortes surgissem agora na sua idade.

Ele não queria ter de olhar novamente nos olhos feridos de seu filho
mais novo, que acabara de descobrir a existência de um meio-irmão
mais velho. Ele não queria contar a Bárbara e Jane, e isso era um
eufemismo.

Ele não queria ir a este jantar infernal na casa de Riverdale, na South


Audley Street. Ele não queria ter de falar sobre Gil com os Westcotts.

Ele não queria passar uma noite na companhia de Matilda.

Especialmente isso. De fato, sem isso, o jantar seria apenas um


inconveniente.

Ele a amou ...


Mas foi tudo tolice.

DOIS

Dezoito membros da família Westcott - embora nem todos,


realmente, tivessem o nome ou, em alguns casos, até mesmo o
sangue - estavam reunidos na sala de visitas da casa na South
Audley Street, onde Alexander, Conde de Riverdale, morava na
cidade. As idades variavam, desde a Condessa viúva, que tinha
setenta e poucos anos, a Boris Wayne, 21 anos, filho mais velho da
irmã de Matilda, Mildred, recém-chegado de Oxford e ansioso para
se destacar como um garboso jovem citadino, para grande
consternação de sua mãe.

Em outras palavras, havia muitas pessoas entre as quais se


esconder.

Mas, no entanto, pareciam poucas para Matilda, quando o mordomo


de Alexander anunciou o Visconde de Dirkson e o Sr. Adrian Sawyer,
seu filho, que ela conhecera muito brevemente, algumas semanas
atrás, quando visitou o pai dele. Ela assumiu sua posição de
costume, por trás da cadeira da mãe e se ocupou com suas tarefas
habituais, verificando se a mãe estava confortável e se não havia
correntes de ar vindas da porta aberta, mesmo que não fosse a
época do ano em que se resfriaria com essa exposição. Ela tentou
ser invisível, misturar-se com a paisagem.

Charles entrou na sala à frente do filho. Ele era um homem de


aparência notavelmente distinta e estava atraindo todos os olhares
em seu caminho. Bem, é claro que ele estava. Ele era o recém-
chegado, o convidado de honra. Ele acabara de entrar no meio de
uma multidão de pessoas que alegavam algum tipo de parentesco.
No entanto, ele parecia perfeitamente à vontade enquanto sorria e se
curvava para Wren e apertava a mão de Alexander. Seu cabelo
ainda era grosso e predominantemente escuro, embora estivesse
bem prateado nas têmporas. Embora ele não fosse esbelto como um
jovem é esbelto, ele tinha uma figura excelente, o peso extra bem
distribuído. Suas roupas eram feitas sob medida.

Na verdade ele era um homem extremamente atraente e Matilda


desejava ter pensado em alguma desculpa para não vir, embora que
desculpa, ela não soubesse. Sempre fora notoriamente saudável.
Nunca teve durante toda a sua vida, os afrontamentos, as
palpitações cardíacas ou qualquer outra doença a que muitas
mulheres acudiam sempre que desejavam evitar uma atividade que
consideravam entediante.

Desejou que sua mente não estivesse tão cheia de abelhas


zumbindo.

Ela voltou sua atenção para o Sr. Adrian Sawyer, vários centímetros
mais baixo que o pai e um rosto mais cheio, de cabelos loiros em vez
de negros - um jovem de aparência agradável. Ele também estava
sorrindo quando se curvou para Wren e disse algo que a fez piscar
de volta para ele. Que motivo seu pai lhe dera para participar do
jantar em família? Ele disse a verdade? Bertrand estava caminhando
na direção de seu ex-amigo da universidade, e os dois apertaram as
mãos calorosamente antes que Bertrand o chamasse para
apresentá-lo a Estelle, sua irmã gêmea, e a um Boris, francamente
ansioso.

Vendo Alexander começar a guiar Charles pela sala para ter certeza
de que todos o conheciam - embora ele certamente conhecesse -
Matilda se afastou mais da cadeira e se inclinou sobre as costas para
ajustar o xale da mãe.

— Não se preocupe, Matilda — disse a mãe no momento em que os


dois homens chegaram diante de sua cadeira.

— A Condessa viúva de Riverdale — disse Alexander — e Lady


Matilda Westcott.
— Eu conheço o Visconde de Dirkson — disse a mãe de Matilda,
com a voz régia e um pouco fria — embora já tenha passado algum
tempo desde a última vez que nos falamos. Eu vi você na sala do juiz
algumas semanas atrás, mas você não permaneceu após o término
do processo. Você costumava ser amigo do meu filho.

— Sim, Senhora — disse ele, curvando-se para ela. — O falecido


Riverdale e eu éramos conhecidos há vários anos. Eu também
conheço Lady Matilda. Como vai, Madame?

Ele a olhava diretamente sobre a cabeça de sua mãe, e Matilda se


sentia tão perturbada quanto uma garota em seu primeiro baile, seu
coração batendo forte o suficiente no peito para roubar a respiração,
o cérebro girando e agitando com as asas de mil abelhas de modo a
que nenhuma resposta sensata se apresentasse imediatamente à
sua língua e lábios. Ninguém estava olhando para ela, ela disse a si
mesma. Não com nenhuma particular atenção, pelo menos. E por
que deveriam? Ela era apenas Matilda. E por que ficar tão
perturbada? Na verdade, ela o visitou e passeou com ele no jardim e
falou com ele há menos de um mês. Mas isso foi metade do
problema. O que ele deve ter pensado de sua ousada presunção?

— Estou bem, obrigada — disse a mãe dela sucintamente, utilizando


as palavras que Matilda deveria ter proferido no breve momento de
hesitação que se seguiu à sua pergunta.

Seus olhos permaneceram nos dela por mais um momento antes


que ele olhasse para baixo para reconhecer a resposta de sua mãe,
e então se afastou com Alexander para apertar a mão de outra
pessoa.

Matilda inclinou-se sobre o encosto da cadeira novamente para


ajustar o xale de sua mãe, lembrou-se de que acabara de receber
ordens para não mexer e se endireitou. Ela, que nunca chorou,
mesmo quando havia uma boa causa, queria chorar agora, quando
não havia nenhuma.
— É fácil ver de onde Gil conseguiu sua altura e sua aparência, não
é, Matilda? — disse sua ex-cunhada, Viola, passando para o lado
dela. — Ele e Abby e Katy chegaram em segurança a casa, em
Gloucestershire. Eu recebi uma carta hoje. Abby ama a casa, a vila e
o campo. Eu raramente ou nunca, tive uma carta tão exuberante
dela. Eu acredito que ela vai ser feliz.

— Eu sei que ela vai ser — disse Matilda, dando um tapinha no


braço de Viola. — Ela já é. Ambos são. Ele tem um jeito de olhar
para ela e ela para ele, e eles têm a criança. E a casa deles no
campo, com um jardim cheio de rosas.

— Agora, se eu apenas pudesse ver Harry feliz, me considerarei a


mãe mais abençoada — disse Viola.

O filho dela, Harry, havia sido brevemente o Conde de Riverdale


após a morte de seu pai - antes de ser revelado que seu nascimento
era ilegítimo.

— Ele terá o seu feliz para sempre, nunca tema — Matilda


assegurou.

— Você não pode ter certeza de que alguém será feliz, Matilda —
disse a mãe. — O que você sabe da felicidade conjugal, nunca tendo
se casado?

Matilda não estremeceu, pelo menos não externamente.

— Mas Matilda sabe muito sobre o amor, Mãe — protestou Viola,


passando o braço pelo da antiga cunhada. — Aceito a palavra dela
sobre o futuro de Abby e Gil, porque quero concordar com ela e
realmente concordo. E eu concordo acerca de Harry.

Charles estava inclinando a cabeça para ouvir a conversa do


pequeno grupo para o qual fora levado. Ele estava sorrindo, seus
olhos enrugando atrativamente nos cantos.

Ele foi pai de Gil, logo depois que ela o mandou embora, embora ele
tivesse jurado amor e fidelidade eternos quando partiu. E, durante os
anos seguintes, ele teve a reputação, que Matilda acreditava ser
merecida, de libertino, jogador e um homem que viveu muito e se
comportou de forma imprudente. Ele talvez tivesse amadurecido com
a idade. Ela não tinha certeza. Mas certamente seu pai tinha tido
razão em recusar seu consentimento para o casamento deles e seus
pais tinham razão em insistir que ela pusesse um fim a seu
relacionamento com ele. Relacionamento! Ah, parecia muito mais do
que isso. Mas certamente ela teria sido infeliz se tivesse se casado
com ele.

Não seria?

O amor não seria suficiente.

Seria?

Mas eram perguntas inúteis para se perguntar. Ela não sabia as


respostas. Não havia como voltar atrás para fazer as coisas de
maneira diferente. Não havia como saber o quão feliz ou infeliz seria
o casamento deles. Não houve casamento.

O jantar estava sendo anunciado e Matilda entrou na sala de jantar


com a mãe. Felizmente, ela conseguiu se sentar no meio da mesa, a
alguma distância de Charles, que estava sentado ao lado de Wren
ao final da mesa. Infelizmente, talvez, ela não tivesse pensado em ir
para o outro lado da mesa para que ela estivesse do mesmo lado
que ele e, portanto, incapaz de vê-lo toda vez que ela erguesse os
olhos do prato e virasse a cabeça para o lado. Mas não importava
mesmo. Ele nunca estava olhando para ela quando,
inadvertidamente, olhava para ele.

Ele estava sempre, educadamente concentrando sua atenção em


Wren, à esquerda, ou em Louise, a Duquesa viúva de Netherby, irmã
do meio de Matilda, à direita. A conversa era animada ao longo dos
dois lados da mesa.

Matilda descobriu, sem surpresa, que tinha pouco apetite. Ela


também sentiu vontade de chorar sem nenhuma boa razão, de novo.
Ela sinceramente esperava que não estivesse prestes a se
transformar numa choramingas em sua idade avançada.

Foi uma noite um pouco mais agradável do que Charles havia


previsto. Por um lado, Adrian foi levado quase imediatamente para a
ala do jovem Bertrand Lamarr, que o apresentou a Lady Estelle, sua
irmã gêmea; a Boris Wayne, filho de Lorde Molenor; e a Lady Jessica
Archer, meia-irmã do Duque de Netherby, casada com um Westcott.
E como Adrian era um jovem de temperamento geralmente calmo e
fácil, ele parecia estar em casa com todos eles e, realmente, se
divertindo.

O jantar foi excelente, a conversa agradável. Ele tinha companheiros


agradáveis na mesa. Somente no final da refeição o assunto de Gil
foi levantado quando Riverdale se levantou, com uma taça de vinho
na mão.

— Nós, Westcotts, estamos sempre prontos para encontrar uma


desculpa para nos reunirmos — disse ele quando todos ficaram em
silêncio e se viraram. — Estamos felizes esta noite por ter o
Visconde de Dirkson e o Sr. Sawyer conosco também. Talvez
nenhum de nós precisasse de estar presente na sala do juiz para a
audiência de custódia há algumas semanas. Talvez a jovem Katy
tivesse sido liberada aos cuidados de Gil e Abigail, mesmo que todos
tivéssemos ficado longe. Mas estou feliz, mesmo que a nossa
presença não tenha pesado com o juiz, pelo menos demonstramos
ao casal recém-casado que nos importamos, que os consideramos
familiares, que nos preocuparemos com o bem-estar deles e
ficaremos com eles sempre que houver uma ameaça a alguém, de
qualquer ordem. É o que nós, Westcotts, fazemos por nós mesmos.
É o que, sem dúvida, você faz por si mesmo, Visconde de Dirkson.
Estamos felizes que seu filho tenha vindo com você esta noite.
Vamos fazer um brinde à família, a todos os ramos dela, por mais
pequena que seja a conexão?

Eles beberam, até Adrian, que olhou com firmeza para o pai,
enquanto fazia isso.
As damas se retiraram para a sala de estar após o brinde, deixando
os homens com o Porto e a conversa masculina. Mais tarde, na sala
de estar, a Marquesa de Dorchester, sogra de Gil, veio sentar-se ao
lado de Charles. Ela falou das dificuldades que a filha enfrentara
após a descoberta de que o pai havia se casado com a mãe
bigamamente. Ela também falou de sua convicção de que o
casamento de sua filha com Gil seria feliz para os dois.

— Madame, — Charles disse, — você não tem que me convencer,


se isso é realmente o que você está tentando fazer. Eu concordo
com você.

Eles sorriram um para o outro, dois pais ligados pelo casamento de


seus filhos.

Ele conversou com outros membros da família também, mesmo com


a Condessa viúva de Riverdale, depois que ela o chamou, quase
como uma rainha convocando o seu súdito. Ele não gostava
particularmente dessa senhora, embora não tivesse tido nenhum
relacionamento com ela por muitos anos e seria tolice guardar rancor
pelo que ela havia feito há mais de meia vida atrás. Mas, ainda
assim, naquela noite ela o havia incomodado. Ele a viu assim que
entrou na sala de estar mais cedo, talvez porque Matilda estivesse
de pé atrás da cadeira ao lado da lareira, e Matilda era a Westcott
que ele menos queria encontrar esta noite. Mas quando ele se
aproximou de Riverdale para prestar as suas homenagens, ela se
inclinou sobre as costas da cadeira para ajustar o xale da mãe sobre
os ombros. A velha senhora afastou as mãos e a advertiu para não
mexer, uma impaciência levemente disfarçada em sua voz, embora
ela devesse estar ciente de que poderia ser ouvida.

Ou talvez ela não estivesse ciente. Talvez ela estivesse tão


acostumada a tratar Matilda dessa maneira que isso não lhe pareceu
um comportamento inadequado diante de um estranho. Mas então,
demonstrou seu desrespeito pela filha. Charles reconheceu a
senhora mais velha e voltou sua atenção para Matilda e perguntou
como ela estava. Mas foi a mãe quem respondeu, deixando a filha
sem nada a dizer e talvez se sentindo tola. Ele sentiu irritação com
as duas, com a viúva por se comportar como se a filha dela nem
sequer existisse e nem sequer pudesse ser objeto da sua atenção, e
com Matilda, por aceitá-la humildemente.

Era essa a vida pela qual ela o havia renunciado todos aqueles anos
atrás? Mas por que ele deveria se importar? Era tudo história antiga.

Bom Deus, ele teve uma vida plena desde então. Matilda estava
vivendo a vida que escolhera, como a filha solteirona que
permaneceu em casa, o suporte e a companhia de seus pais na
velhice.

Mas quem iria cuidar de Matilda em sua velhice?

Teria gostado da noite se ela não estivesse lá. Mas, a cada


momento, ele estava ciente dela e odiava o fato. Ele esteve ciente
durante o jantar e deliberadamente evitou olhar para ela e talvez
encontrar seu olhar. Ele relaxou brevemente enquanto os homens
estavam sozinhos juntos depois do jantar. Mas então ele a tinha
notado, novamente, na sala de estar.

Ele não tinha ideia do porquê. Ele se envolvera em um romance


breve e apaixonado com ela quando ambos eram muito jovens, fora
rejeitado pelo pai quando ele pedira para a cortejar, fora rejeitado por
ela depois, na medida em que ela lhe dissera, firmemente, para ir
embora e recusou-se a falar com ele ou a olhar para ele novamente.
E esse tinha sido o fim. Certamente foi o tipo de decepção que a
maioria dos homens, e provavelmente muitas mulheres, sofreram
durante a sua juventude volátil. Ele não sofria por um amor não
correspondido por muito tempo. Talvez alguns dias. Talvez algumas
semanas. Não mais do que isso. Ele rapidamente seguia com a sua
vida.

E isso aconteceu trinta e seis anos atrás, pelo amor de Deus. Por
que, então, ele estava tão consciente dela agora e tão irritado por ela
- e com ela? A sociedade estava repleta de solteironas e solteirões,
usados por seus parentes e sem espírito para revidar. Mas nenhum
dos outros o irritou ou despertou ira nele por eles.
Ela estava de pé em uma extremidade da sala, conversando com
algumas das outras damas. Depois que elas se afastaram, ela
permaneceu ali, endireitando uma pilha de partituras em cima do
piano. Então ela olhou através da sala em direção a sua mãe. Talvez,
Charles pensou, isso precisava ser liquidado – o que quer que isso
fosse. Ele caminhou em direção ao piano antes que ela pudesse se
apressar para ver se o xale de sua mãe precisava de ser endireitado
novamente.

— Como é que você está, Matilda? — ele perguntou, enfatizando a


única palavra. Ela não teve a chance de responder à pergunta antes.

— Oh! — Ela olhou nos olhos dele e manteve o olhar ali. — Minha
mãe pensou que você estava falando com ela.

— Mesmo que eu estivesse olhando para você? — disse ele. — Ela


imagina que você é invisível?

Ela respirou fundo e fechou a boca. Então ela respirou novamente


quando deve ter ficado óbvio para ela que ele estava esperando por
sua resposta. — Acho que não. Não sei o que você espera que eu
diga.

— Espero que você me diga como está — ele disse. — Seria a coisa
cortês a fazer, responder a uma pergunta educada, não seria?

Ela inclinou a cabeça levemente para um lado, e ele foi


instantaneamente atacado pela memória. Tinha sido um gesto
característico dela quando tinha vinte anos, e aparentemente ainda
era.

— Estou bem, — disse ela. — Obrigada.

— Por que você não disse isso quando perguntei antes? — E por
que ele estava insistindo nisso? Ele não fazia ideia, exceto que ainda
estava sentindo a irritação que ela parecia despertar nele.

— Minha mãe respondeu — ela disse.


— Para me informar que ela estava bem — disse ele. — Ela sempre
responde às perguntas dirigidas diretamente a você? — ele franziu o
cenho para ela.

— Talvez a tivesse envergonhado se ela percebesse que era a mim


que você estava perguntando — disse ela. — Charles, o que é isto?

Era uma boa pergunta. Ele não tinha resposta. Ela parecia ter a
idade dela, ele pensou. Mas ela não era realmente uma criatura
deslavada, como se poderia esperar que ela fosse, nessas
circunstâncias. Ela era alta, ainda com as costas retas como tinha
sido quando jovem, sua postura elegante, até orgulhosa. Ela não era
mais esbelta. Mas ela estava bem proporcionada e elegantemente
vestida. Seu rosto praticamente sem rugas, o cabelo ainda não se
notava grisalho. Ela era, o que se poderia chamar, uma mulher
bonita. Ela tinha sido bonita em criança, com uma faísca de
animação que a tornava bonita aos olhos dele. Ela poderia ter se
casado com uma dúzia de homens elegíveis durante a sua primeira
temporada. Ela não se casou com ele. Ela também não se casara
com mais ninguém. Nem durante todas as temporadas depois dessa.

— Você está feliz? — ele perguntou, seu tom soando abrupto até
para seus próprios ouvidos.

Ela franziu a testa, mas não disse nada.

— Eu esperei, cada vez que eu abria os jornais da manhã por um


ano ou mais depois, — disse ele, sem parar para explicar o que ele
quis dizer com mais depois, — ver o anúncio de seu noivado com
alguém rico, adequado e respeitável. Isso nunca aconteceu, mesmo
depois que parei, especificamente, de procurar. Você está feliz?

— Não sei bem o que dizer — disse ela. — Eu me tornei útil. Minha
mãe precisa de mim, e é um conforto para as minhas irmãs saberem
que ela tem companhia constante.

Ele olhou fixamente para ela. Ele estava de costas para todo mundo
na sala. Mas ele não supôs que sua conversa com ela estivesse
sendo particularmente comentada. Por que deveria ser? Ele havia
conversado com a maior parte do resto da família nessa fase da
noite. Por que não com Lady Matilda Westcott também? Ninguém
nesta sala, com exceção da mãe, se lembraria do breve e intenso
namoro. E mesmo que alguém o fizesse, fazia muito tempo.

Como seria a vida se eles tivessem se casado? Era impossível


saber.

Tanta coisa teria sido diferente. Tudo teria sido. Gil não existiria.

Adrian, Bárbara e Jane também não. Nem nenhum de seus netos.


Mas talvez outros filhos e netos que nunca nasceram tivessem
existido em seu lugar.

— Você vive para servir, então? — ele perguntou.

— Existem maneiras piores de passar a vida — disse ela.

— Existem? — Não era realmente uma pergunta que ele esperava


que ela respondesse. — Por que você não se casou?

Ela recuou um pouco antes de se recuperar e olhar além dele, para


sorrir brevemente para alguém que ele não podia ver. — Talvez —
ela disse — ninguém me pediu.

— Isso não faz sentido — disse ele. — E não é verdade. Eu


perguntei.

Os olhos dela focaram, de novo, nele totalmente. — Talvez não


houvesse ninguém com quem eu quisesse casar — disse ela.

— Nem eu?

Ele a observou respirar lentamente. — Seu filho, Gil, nasceu apenas


um ano depois — disse ela. — Se eu queria casar com você ou não,
não é o ponto. O ponto é que eu fui sensata ao não fazer isso.
Isso era indiscutível. Ele era conhecido como um selvagem antes
mesmo de conhecê-la. Mas tinha sido a selvageria de um homem
muito jovem, testando as suas asas e semeando algumas aveias
selvagens, se não era uma mistura desesperada de metáforas. Sua
verdadeira notoriedade como um personagem desagradável e um
canalha, vieram depois. Teria acontecido se ele tivesse se casado
com Matilda? Ele não sabia a resposta. Ele não se casou com ela.

— Foi sensato, então — ele disse — não se casar com mais


ninguém também?

— Talvez, — disse ela.

— Mas talvez não? Você se arrepende de permanecer solteira? —


Ele não parecia deixar o assunto em paz.

— Os arrependimentos são inúteis — disse ela.

— Sim. — Ela se arrependeu, então?

— A bandeja do chá foi trazida — disse ela, olhando para além dele
novamente — e Wren está servindo. Devo ir e adicionar a correta
quantidade de leite e açúcar à xícara da minha mãe e levá-lo a ela. É
assim que ela gosta do seu chá.

E ninguém mais era capaz de fazer isso direito? Ninguém mais sabia
o número exato de cubos de açúcar ou gotas de leite? Ele não
perguntou em voz alta. Ele ficou de lado e a deixou passar. Ao fazê-
lo, ele sentiu o cheiro de seu perfume, tão sutil que não podia ser
detectado a menos que alguém estivesse perto dela. Ele foi atingido
pela lembrança do mesmo perfume e um beijo compartilhado atrás
de uma aspidistra envasada, na varanda do lado de fora de um salão
de baile, onde eles dançaram juntos um minueto. Um beijo breve e
apaixonado. Lady Matilda Westcott sempre - quase sempre – era,
cuidadosamente, acompanhada por sua mãe.

Por que ele se lembraria daquele beijo quando ele, certamente,


esquecera centenas de outros e das mulheres com quem os havia
compartilhado? Ela pressionou os lábios nos dele e colocou o busto
contra o peito dele, a coluna arqueando-se para dentro das mãos
dele.

E ele sentiu o perfume dela e se perdeu em uma felicidade sensual -


e um intenso desejo sexual que nunca foi totalmente satisfeito.

Por que ele estava lembrando? Só por causa desse cheiro de


perfume?

Três

Matilda levou à mãe uma xícara de chá, do jeito que ela gostava,
assim como um pedaço de bolo, e ficou perto, mesmo que não
houvesse necessidade. Tanto sua irmã Louise quanto sua prima
Althea, mãe de Alexander, estavam sentadas perto dela e a
envolviam em conversas.

As mulheres mais jovens estavam concordando que a reunião desta


noite tinha sido uma boa ideia de Alexander e que era encorajador
que o Visconde de Dirkson tivesse vindo e, até tivesse trazido o Sr.
Sawyer, seu filho, com ele.

— Bem, eu não gostei — disse a mãe de Matilda. — Tudo o que


posso dizer é que espero que não seja um caso de tal pai, tal filho. O
Visconde de Dirkson era um amigo de Humphrey, o que não é uma
grande recomendação, embora Humphrey fosse meu filho.

— Mamãe, não se aborreça. — Mas quando Matilda entregou à mãe


os sais aromáticos que ela sempre mantinha em sua bolsa, ela foi
empurrada para o lado.

O Sr. Adrian Sawyer falou naquele exato momento. Ele estava se


dirigindo ao pai, mas alto o suficiente para atrair a atenção de todos.

— Bertrand está organizando uma festa para ir aos Kew Gardens


amanhã, papai — disse ele. — Ele quer que eu vá com eles. Você se
importaria muito se eu não o acompanhar até Tattersalls, como
prometi que faria? Podemos fazê-lo na próxima semana?

— E quem irá fazer parte dessa festa, eu pergunto, Bertrand? —


Louise perguntou, erguendo a voz.

— Bem, minha irmã e Adrian, com certeza, tia — respondeu


Bertrand.

— E Boris.

— E eu — acrescentou Jessica, Lady Jessica Archer, filha de Louise.


— Posso ir, mamãe, em vez de a ir visitar?

— E minha querida amiga, Charlotte Rigg, para equilibrar os


números — disse Estelle, irmã gêmea de Bertrand. — Tenho a
certeza de que a mãe dela a deixará vir. Eu acredito que ela tem
projetos para o Bertrand. — Ela riu quando ele fez uma careta. — A
mãe dela, ou seja, não a própria Charlotte.

— Oh, que aborrecimento — disse Louise. — Isso significa que devo


acompanhar-vos para garantir à Sra. Rigg que vocês estão
devidamente acompanhadas. Há algumas senhoras que eu,
particularmente, gostaria de visitar amanhã.

— Oh, mamãe — protestou Jessica — todos somos primos e irmãos.


Não haverá absolutamente nenhuma necessidade de um
acompanhante. Além disso, tenho 23 anos.

— Um verdadeiro fóssil — disse Avery, Duque de Netherby,


suspirando, olhando com olhos preguiçosos para sua meia-irmã
através do seu monóculo adornado com pedras preciosas.

— Mas a Miss Rigg não é irmã nem prima de ninguém — observou


Louise. — Nem ela tem 23 anos. Duvido que ela tenha dezenove
anos. E sua mãe não será capaz de acompanhar. Ouvi, ainda esta
tarde, que ela está de cama com uma desagradável constipação.

— Bem, que chatice — disse Jessica.


— Eu atrevo-me a acompanhar os jovens — disse Charles, fazendo
com que todos os olhos se desviassem para ele, incluindo os de
Matilda, embora ela estivesse tentando ignorá-lo, tendo ficado,
consideravelmente perturbada, por aquela conversa estranha deles.

Céus, ele acreditava seriamente que a família Westcott, para não


mencionar a Sra. Rigg, o consideraria um acompanhante adequado
para um grupo de seis que incluía três jovens senhoras, nenhuma
delas relacionada a ele? Mas ele ainda não tinha terminado.

— Desde que haja uma senhora que esteja preparada para vir como
acompanhante, é claro — disse ele.

— Mas se eu for, como parece que devo — disse Louise — você


pode evitar o problema, Lorde Dirkson. Eu...

— Acho que eu poderia... — Viola começou ao mesmo tempo.

Charles cortou as duas.

— Talvez Lady Matilda Westcott? — ele sugeriu, voltando seus olhos


completamente para ela. — Se a Condessa viúva puder dispensá-la
por algumas horas, isto é.

O quê? O quê?

— Eu? — Matilda disse estupidamente, estendendo a mão sobre o


peito enquanto sentia todos os olhares se virarem. Embora ela
estivesse, realmente ciente apenas dos olhos dele, e da sensação
perturbadora de que ela poderia desmaiar. No entanto, ela não
pensou nos sais aromáticos em sua bolsa.

— Ah, sim, venha, tia Matilda — exclamou Jessica, virando-se


ansiosamente para ela. — É realmente muito lamentável ir a um
passeio com a própria mãe, como acompanhante. — Ela riu e olhou
com carinho para Louise. — Sem querer ofender, mamãe. Tenho a
certeza de que você se sentiu exatamente da mesma maneira,
quando tinha a minha idade.
— Ah, sim, por favor, venha, tia — acrescentou Bertrand, que a
informara há algumas semanas que ela era uma ótima passageira
depois de andar na sua carruagem desportiva de dois lugares até a
casa de Charles sem se agarrar ou gritar apavorada. Na verdade,
tinha sido uma das experiências mais emocionantes de sua vida. Ela
só desejou que ele pudesse ter dado rédea livre aos cavalos. —
Você pode manter um estrito olhar de acompanhância em Estelle. —
Ele sorriu para a irmã gêmea.

— Acompanhância? — Seu pai, o Marquês de Dorchester, ergueu as


sobrancelhas.

— Por favor, venha, tia Matilda? – pediu Boris. — Estou ansioso para
ver o pagode em Kew. Eu nunca estive lá.

— Posso adicionar meu pedido, Madame? — Sr. Sawyer


acrescentou, sorrindo docemente para Matilda. — E você ficará
confortável com o papai, uma vez que o conhece, não ficará?

Pareceu a Matilda que a sala ficou subitamente silenciosa e que


todos os olhares se voltaram, acusadoramente, para ela. Talvez ela
estivesse imaginando isso. Mas suas bochechas pareciam ter
pegado fogo.

— É um conhecimento muito ténue — ela se apressou em explicar.


— Eu conheci seu pai, Sr. Sawyer, quando meu irmão ainda estava
vivo e eu tinha acabado de fazer minha estreia em sociedade. — Ela
se perguntou se ele se lembraria dela chamando seu pai de Charles,
em vez de Lorde Dirkson, quando ela aparecera em sua casa com
Bertrand, algumas semanas atrás. E céus, ela desejou que ele não
mencionasse essa visita. A mãe e o resto da família ficariam, no
mínimo, escandalizados. — Dançamos juntos em alguns bailes
naquela temporada. Isso foi há muitos anos, como você pode
imaginar. Eu ficaria encantada em ser acompanhante de Jessica,
Estelle e Miss Rigg amanhã, se eu for dispensada. Faz muito tempo
que não vou a Kew. Mamãe?
— Claro que você pode ser dispensada, Matilda — disse a irmã
Mildred. — Vou passar a tarde com mamãe.

— Não preciso que ninguém me mime — protestou a mãe delas.

— Vou passar a tarde com você de qualquer maneira — disse


Mildred. — Você pode me mimar, se preferir. Pelo menos poderei
relaxar, sabendo, pela primeira vez, onde Boris está. Ele estará sob
os olhos de águia da minha irmã.

— Mamãe — Boris protestou, claramente mortificado.

— Então está resolvido — disse Bertrand, esfregando as mãos. —


Nós apenas temos de fazer arranjos para Charlotte Rigg vir conosco.

— Ah, não haverá problema com isso — garantiu Estelle. — Não


quando a mãe está doente demais para levá-la a lugar algum e tia
Matilda estará acompanhando a festa. Não há ninguém mais
respeitável.

— Obrigado, Estelle — disse Matilda. — Você me faz parecer muito


séria e monótona.

— Você não é nada monótona — exclamou a jovem, assustando-a


correndo para ela e abraçando-a. — Ou séria.

— O que eu quero saber — disse Boris — é sobre a sua juventude


agitada, tia Matilda, quando você estava na cidade com o tio
Humphrey e fez o seu debute e conheceu Lorde Dirkson. Tudo era
muito diferente naquela época?

— Ah sim, sim — disse Matilda, um pouco tonta pelo fato de que a


atenção de todos estava sobre ela. — Vivíamos em cavernas, você
sabia, e usávamos peles de animais.

— E caçamos nossa comida com marretas de pedra — acrescentou


Charles, para a grande alegria dos jovens.
Matilda, chamando a atenção e notando o brilho ali - oh ela
reconheceu esse brilho - de repente se sentiu tonta de alegria.

Alegria?

Quando ela se sentiu alegre pela última vez? Quando ela também se
sentiu jovem? Há muito, muito tempo atras. De volta à quando eles
viviam em cavernas e esfregavam varas para fazer fogo. Mesmo
antes do tempo dos arcos e flechas.

— E você dançava nos bailes, tia Matilda? — perguntou Boris.

Infelizmente, não. A valsa não tinha sido inventada até muito tempo
depois que ela era jovem.

— Nós andávamos descalços ao bater dos tambores — Charles


respondeu por ela, na verdade sorrindo por um momento.

Matilda riu alto e depois se sentiu terrivelmente constrangida. Pois


embora os jovens e a maioria dos adultos também rissem, os olhos
de Charles estavam fixos nela, e de repente ele não estava mais
rindo.

Seus olhos até pararam de piscar.

Ah, mas ela desejou, desejou, desejou que a valsa se tornasse


popular trinta anos ou mais antes. Foi certamente a dança mais
romântica de todos os tempos. Ela desejou que tivesse a memória
de valsar com ele, mesmo que apenas uma vez.

— Foi simpático da sua parte oferecer-se para acompanhar a nossa


festa — disse Adrian na manhã seguinte enquanto cavalgava ao lado
do pai pelas ruas de Londres.

— Vou gostar de ver Kew por minha conta — disse Charles. — Só


espero que você não se sinta constrangido pela minha presença.

— Nem um pouco. — Adrian sorriu. — Se eu quiser me tornar


amoroso, tenho certeza de que vou descobrir alguns arbustos atrás
dos quais escorregar enquanto você estiver olhando para o outro
lado.

— Você gosta de uma das damas, não é? — perguntou Charles.

— Lady Jessica Archer tem uma corte de admiradores grande o


suficiente para encher a nossa sala de estar — Adrian disse a ele. —
Eu estaria totalmente perdido na multidão. E não gosto de Lady
Estelle Lamarr, embora ela seja extremamente bonita e eu goste
dela. Não acredito que tenha conhecido Miss Rigg, embora possa
reconhecê-la quando a vir. Não tenho intenção de fixar meu interesse
por muitos anos ainda.

O grupo deveria se reunir na Archer House, na Hanover Square,


casa do Duque de Netherby, meio-irmão de Lady Jessica. Eles
deveriam levar uma carruagem, fornecida pelo pai do jovem Bertrand
Lamarr.

As mulheres iriam nela. Os homens as acompanhariam a cavalo. E


eles tinham clima perfeito para a excursão. Depois de alguns dias
nublados e tempestuosos, o sol estava brilhando e o vento
finalmente havia diminuído. Seria um dia quente, embora,
provavelmente, não fosse opressivamente quente.

Por que o diabo ele tinha feito a oferta para acompanhar os jovens?

Obviamente, ele não poderia ser o único acompanhante de um grupo


de jovens solteiras. No entanto, sem elas não haveria necessidade
de acompanhante. Ele poderia cumprir seu papel apenas se
houvesse uma senhora mais velha, mas ele não tinha esposa. Tinha
ele imaginado o silêncio chocado com o qual sua oferta tinha sido
recebida? Ele sabia por que tinha feito, é claro, pois já tinha uma
senhora acompanhante em mente.

Estranhamente, ele realmente não pensara nas implicações de sua


sugestão até mais tarde. Tinha sido uma coisa do momento. Mal lhe
ocorreu que ele estava condenando os dois a passarem o dia juntos.
Ele pensara apenas que Matilda estava livre para ir com os jovens,
que ela provavelmente seria bem aceita por todos, já que não era
mãe de nenhum deles. Ele pensou que ela provavelmente iria
desfrutar de um dia com os jovens, livre da própria mãe. Ele pensara
que ela passaria um dia em Kew. Ela teria gostado trinta e seis anos
atrás. E sim, Adrian, havia arbustos por trás dos quais, um casal
poderia se esgueirar para um beijo rápido.

Ele queria que ela fosse visível. Eles eram muito decentes, os
Westcotts, mas tinham uma falha coletiva que o irritou a noite toda.
Nenhum deles viu Matilda. Oh, eles não a ignoraram. Ela fazia parte
da família deles e foi incluída em todas as atividades e conversas.
Mas nenhum deles a viu. Nenhum deles, com exceção da mãe, a
tinha visto, adorável e graciosa, olhos brilhantes, bochechas coradas
de animação, dançando um minueto. Nenhum deles a conhecia. Um
pensamento presunçoso, sem dúvida, quando ele não mantinha
relações com ela há mais de trinta anos e a tinha conhecido há tanto
tempo atrás, apenas por alguns breves meses.

Mas ela era uma pessoa, por Deus, mesmo que tivesse passado dos
cinquenta anos. Mesmo se ela fosse uma solteirona. Ela merecia
uma vida.

Mas agora ele estava preso na companhia dela o dia todo. Não era
um pensamento feliz, embora ele tivesse se vestido com muito mais
cuidado do que o habitual naquela manhã - para seu grande
aborrecimento, ao perceber isso.

— Acho que quero conhecê-lo — disse Adrian abruptamente.

Charles virou a cabeça para olhar para o filho.

— O Tenente-coronel Bennington — explicou Adrian. — Gil.

— Ele mora em Gloucestershire — disse Charles. — Duvido que ele


queira te conhecer, Adrian. Ele não deseja mais me ver.

— Um homem pode viajar — disse Adrian. — Um homem pode bater


na porta. Pode permanecer fechada para ele, é claro, mas ele pode
fazer essas coisas.
Charles franziu a testa. — E você vai? — ele perguntou quando eles
viraram seus cavalos na praça Hanover.

O filho dele deu de ombros. — Talvez, — disse ele. — Talvez não.

Não havia mais chance de considerar o que Adrian acabara de dizer.


A carruagem de viagem de Dorchester, bem como um grupo de
cavalos, estavam do lado de fora da casa de Netherby. Um grupo
tagarela de jovens estava reunido nos degraus e na calçada,
enquanto a jovem Duquesa de Netherby e a Duquesa viúva, a mãe
de Lady Jessica, olhavam do último degrau, provavelmente se
preparando para acenar em despedida. Lady Matilda Westcott
estava de pé junto à porta aberta da carruagem.

Uma vez ele havia dito a ela, Charles se lembrou de repente, que
azul pálido era a cor dela, que ela a deveria usar o máximo possível.
De onde diabos veio essa memória? Ela a estava usando agora.
Podia-se pensar que era uma cor muito jovem para uma mulher da
sua idade, mas o vestido e o brilho que ela usava eram bonitos e
elegantes, não juvenis nem deselegantes. Ela usava uma touca azul
marinho de abas pequenas, elegante, sem adornos, flores ou penas.
Ela o viu e inclinou a cabeça, com os lábios cerrados. Ele se
perguntou se ela se arrependia de ter concordado com a sugestão
dele. Mas ela o fez isso sem hesitar.

E então ela fez aquele pequeno leve e bem-humorado comentário


sobre viver em cavernas e usar peles de animais à pergunta que um
dos jovens lhe havia feito sobre a vida quando era jovem. E então,
quando ele acrescentou sua própria tolice, ela riu alto com o que
parecia uma alegria genuína.

E ah ...

Ela era a Matilda naquele momento, tal como antes. Como se todos
os anos tivessem desaparecido.

— Sr. Sawyer — Lady Estelle Lamarr gritou alegremente, dirigindo-


se a Adrian enquanto eles se aproximavam. — Aí está você. Você
está quase atrasado. E você vê? Adicionamos mais dois membros à
festa. O Sr. Ambrose Keithley e Dorothea, sua irmã, concordaram em
se juntar a nós. — Miss Rigg e os Keithleys foram apresentados e
fizeram as suas vénias e reverências.

— Como vai, Lorde Dirkson? — Bertrand Lamarr cumprimentou,


sorrindo para Charles. — Tanto a Sra. Rigg quanto Lady Keithley o
aceitaram, sem questionar, como acompanhante de suas filhas.

— Creio, Bertrand — disse a Duquesa viúva. — Que foi o fato de


Matilda acompanhar o grupo que convenceu as duas. — Bom dia,
Lorde Dirkson, Sr. Sawyer.

Charles tocou o chapéu para as damas e sorriu para Matilda. Os


lábios dela ficaram ainda mais apertados. Até as luvas de pelica
dela, ele notou, eram de um azul pálido. Ela se vestira com tanto
cuidado quanto ele, esta manhã? Será que ela se lembrara do que
ele lhe dissera sobre a cor? Ou ela descobriu por si mesma, ao longo
dos anos, o que lhe convinha?

— Se não pretendem que os cavalos se rebelem por ficarem


esperando por tanto tempo — disse ela, não se dirigindo
especificamente a Charles, — talvez devêssemos pensar nos por a
caminho.

— Ah sim, sim — Lady Estelle gritou. — Você se sentará no banco


de frente para os cavalos, tia Matilda. Todos estamos de acordo
nisso. O resto de nós tirou à sorte, e Jessica ganhou o assento ao
seu lado, a sortuda. Charlotte, Dorothea e eu vamos nos espremer
no outro assento, de costas para os cavalos.

— Que sorte que os cavalheiros têm — disse a Srta. Keithley —


poder andar o tempo todo ao ar livre. Deveríamos também ter
sorteado o assento do meio. Agora teremos de discutir sobre isso.

— Não comigo — disse Matilda. — Você pode ocupá-lo no caminho


até lá, Srta. Keithley, e Estelle no caminho de volta.
— Bravo, tia Matilda — disse o jovem Boris Wayne. — Você as
mantém na linha.

Miss Keithley riu e subiu na carruagem. As outras três jovens não


perderam tempo em segui-la, todas conversando e rindo ao mesmo
tempo.

— Matilda — Charles ouviu a Duquesa viúva dizer à irmã: — Espero


que você saiba para o que se ofereceu. Duvido que eles parem de rir
o resto do dia.

— Espero sobreviver à provação, Louise. Eu já fui jovem —


respondeu Matilda antes de olhar, obviamente surpresa, para
Charles, que havia desmontado para a ajudar a subir para a
carruagem. — Obrigado, Lorde Dirkson.

Ela descansou a mão levemente sobre a dele e ele fechou os dedos.


Era uma mão fina e de dedos longos e quente através da luva. E
então ela estava dentro da carruagem e se virou para se sentar ao
lado de Lady Jessica, e o cocheiro subia os degraus e fechava a
porta antes de subir na frente e pegar as rédeas.

Charles montou seu cavalo novamente, e toda a cavalgada partiu em


seu alegre caminho para Kew. Adrian já estava rindo com os outros
jovens, perfeitamente à vontade.

Agora esta, Charles pensou, era uma experiência nova. O libertino


virou acompanhante.

Bertrand tinha pensado durante a noite num amigo dele que, com
certeza, gostaria de se juntar a eles. Talvez mais significativo, Matilda
entendeu, pelo descuido estudado com o qual ele explicara, o amigo
tinha uma irmã que era muito bonita e vivaz e dançou um set com
Bertrand em seu baile de apresentação há cerca de um mês, além
de vários desde então. Então a carruagem estava mais lotada do que
o planejado originalmente, e três das jovens foram forçadas a sentar-
se juntas no banco oposto ao que ela compartilhava com Jessica.
Seus espíritos, no entanto, não pareciam estar, de alguma forma,
abafados pelo desconforto.

Era realmente um grupo alegre. Matilda tinha quase esquecido como


os muito jovens se comportavam quando se abstraiam das pessoas
mais velhas. Ela poderia ter tentado impor um pouco mais de decoro
nelas e, assim, garantir um pouco de paz para si mesma, mas por
que deveria? Ela ficou, realmente satisfeita, ao descobrir que a sua
presença parecia não ter nenhum efeito inibidor sobre os espíritos
mais jovens.

— Mamãe não estava nem um pouco inclinada a me permitir vir —


disse a Miss Keithley quando a carruagem estava a caminho —
embora Ambrose também viesse. Eu quase morri. Mas então lhe
disseram que você deveria nos acompanhar, Lady Matilda.

— Oh Deus — disse Matilda, brilhando de volta para a garota. —


Isso significa que tenho a reputação de ser um dragão?

Foi uma observação bastante viciosa, mas, no entanto, provocou


uma renovada rajada de risadas das quatro companheiras de
viagem.

— Não, — a Miss Keithley assegurou. — Mamãe disse que você era


eminentemente respeitável, suas palavras exatas.

— Ah, um dragão, então — disse Matilda. — Tentarei não soprar


fogo sobre nenhum de vocês. Desde que todos demonstrem sua
conduta mais tranquila, a partir deste momento.

Por alguma razão, essa sugestão provocou outra explosão de alegre


risada, e Matilda se sentiu feliz, sem uma razão que pudesse
explicar.

Ela não se sentiu nada feliz durante uma noite de sono conturbado.
Ela nunca fora uma acompanhante. Mais exatamente, ela nunca foi
uma acompanhante com Charles Sawyer. O que é que o tenha
possuído para sugerir o seu nome, quando Viola estava prestes a
sugerir ir com os jovens, e Louise estava prestes a se tornar uma
mártir, e concordar em ir ela própria? A Mãe não estava nada
satisfeita. Ela dissera a Matilda, a caminho de casa, na noite
passada, que deveria ter colocado aquele homem em seu lugar, com
uma recusa muito firme. Desde que ele estava indo também, nessa
excursão às ruínas de Kew, quem iria acompanhar Matilda?

Mãe, Matilda havia protestado. Eu tenho cinquenta e seis anos.

E o Visconde de Dirkson é um libertino, sua mãe respondeu.

Era um libertino, Matilda havia dito. O seu próprio filho vai estar na
festa, mamãe.

Ela ficou acordada, imaginando por que ele sugerira seu nome e por
que ela concordara com tanto entusiasmo e o que faria se algum
jovem se comportasse mal. Certamente isso não aconteceria. Todos
eram jovens criados adequadamente. E ela se perguntava sobre o
que ela e Charles iriam falar, se eles fossem emparelhados, como
certamente era muito provável, já que os jovens gostariam de estar
uns com os outros.

Ela se perguntou se ele ofereceria seu braço e se ela o seguraria. O


próprio pensamento interferiu em sua respiração e ela se perguntou
se poderia desenvolver um resfriado ou varíola ou algo igualmente
terrível, da noite para o dia, para que ela pudesse enviar suas
desculpas e implorar a Viola que fosse em seu lugar. Mas havia a
sua constituição notoriamente saudável. Ninguém acreditaria nela.

Mas agora ela se sentia feliz e despreocupada, quase como se fosse


uma dessas jovens. Quase como se ela tivesse, repentinamente,
perdido trinta e seis anos e pudesse começar a rir também, a
qualquer momento. Deus, todos olhariam para ela como se ela
tivesse brotado outra cabeça.

— Um pensamento me incomodou ontem à noite — disse ela. — A


excursão foi planejada para incluir seis jovens. Mas seria impossível,
pensei, que os seis fossem organizados, de maneira a que dois não
fossem o par de um irmão ou um primo. Que terrível desperdício de
um passeio e um clima agradável que teria sido.

Mais uma vez, a risada encantada e emocionante.

— Mas agora que o número aumentou para oito, — Matilda


continuou, — vocês podem cada uma passear com um cavalheiro
que não está relacionado convosco de forma alguma.

O riso, desta vez, foi misturado com alguns rubores.

— E isso inclui você, Lady Matilda — disse Miss Rigg. — Pois somos
dez no total, não é?

— Bem, Deus me valha, sim, você está certa — disse Matilda,


esperando que ela não estivesse prestes a se tornar uma das
coradas. — Agora deixem-me ver. Preciso evitar Boris Wayne, pois
ele é meu sobrinho, e Bertrand Lamarr, já que ele é enteado da
minha ex-cunhada. Isso faz dele, de alguma forma, meu parente?
Hmm. Talvez não, mas ele me chama de tia Matilda. Ele é muito
bonito, não é?

— Ele é, — Miss Keithley disse, com um suspiro mal disfarçado.

— Bertrand e eu consideramos você, nossa tia — disse Estelle a


Matilda. — E não diga a ele que ele é bonito ou sua cabeça vai
inchar.

— Mas você será emparelhada com Lorde Dirkson, Lady Matilda —


disse a Srta. Rigg com toda a seriedade, como se houvesse alguma
alternativa.

— Acho que você está certa, — Matilda disse, — uma vez que ele é
o único perto de mim em idade. Bem, ele também é bonito, não é?

— Acho que o Sr. Sawyer é bonito — disse Estelle. — Ele tem olhos
gentis e um sorriso doce.
— O Visconde de Dirkson era mesmo amigo do tio Humphrey? —
perguntou Jessica. — E você realmente conheceu todos eles anos
atrás, tia Matilda, e dançou com ele nos bailes? Eu acho que ele
deve ter sido muito bonito quando jovem. Ele devia ser parecido, um
pouco, com Gil, mas sem a cicatriz. Você o apreciava?

— Apreciava? — disse Matilda, erguendo as sobrancelhas. — Esse


é o tipo de linguagem que a sua mãe a incentiva a usar, Jessica?

Mas Jessica apenas riu de alegria, assim como as outras três. —


Você estava apaixonada por ele?

— Oh, absolutamente — disse Matilda. — Assim como todas as


outras garotas que estavam no mercado naquele ano e,
provavelmente, algumas que não estavam. Mas havia muitos outros
bonitos rapazes para cobiçar, também. Estou convencida de que os
homens eram mais bonitos naqueles dias.

— Oh, tia Matilda — disse Jessica, ainda rindo — esse é o tipo de


linguagem que a vovó incentivou você a usar? Cobiçar?

— Touché — disse Matilda, e deu um tapinha no joelho da sobrinha.

A atenção das jovens virou-se para as janelas naquele momento.


Elas teriam alegado, sem dúvida, estar admirando a paisagem, se
lhes perguntassem, no entanto, o que elas realmente estavam
admirando eram os cavalheiros, que, frequentemente, cavalgavam à
vista das janelas. Eles faziam isso deliberadamente, assim
acreditava Matilda, para ver e serem vistos. Ah, ela tinha esquecido
muito acerca dos rituais de acasalamento dos mais jovens. Mas com
que facilidade a lembrança de tudo isso voltou - o brilho e o flerte, o
leque acenando e fingindo indiferença, até desdém.

Os homens sempre estavam em vantagem a cavalo, desde que


tivessem figuras razoavelmente elegantes, boa postura e coxas bem
musculosas e cavalgassem como se eles e o cavalo fossem uma
única entidade.
Tudo o que Charles era e fazia. O pensamento estava na mente de
Matilda antes que ela pudesse se proteger. Ele tinha cinquenta e seis
anos, pelo amor de Deus. Mas ele ainda era maravilhosamente
bonito e atraente. Embora provavelmente apenas aos seus olhos.
Ela duvidava que alguma de suas companheiras estivesse lhe dando
uma olhada quando havia Bertrand e Boris para olhar, e o Sr. Sawyer
e o Sr. Keithley.

Ela se perguntou se ele havia notado que ela estava usando azul
claro.

Ela esperava que não, ou, se ele tivesse notado, pois, afinal, ele
tinha olhos, ela esperava que ele não se lembrasse de uma vez dizer
que ela deveria sempre usar o azul em tons pasteis, porque realizava
o aparentemente impossível e a deixava ainda mais bonita e mais
desejável do que ela já era. Na verdade, ele usara essas palavras -
mais desejável. Ela ficou chocada e emocionada até ao âmago. Mas
que tolice pensar que ele poderia se lembrar. Tantos anos se
passaram. Ela não havia escolhido a sua roupa deliberadamente por
esse motivo. Ela havia tentado três vestidos diferentes primeiro - o
verde escuro, o bronzeado e o azul escuro - antes de instruir sua
criada a puxá-lo da parte de trás de seu guarda-roupa. Ela o usara
apenas uma vez antes, embora o possuísse há dois anos. Ela
concluiu, depois daquela ocasião, que era muito juvenil. Mas hoje ela
o experimentara e se sentira imediatamente feliz nele. Ela podia ser
uma acompanhante, mas não era idosa. Não exatamente, de
qualquer modo. E ela queria parecer o seu melhor.

Ela, deliberadamente, não se perguntou o porquê.

Era muito estranho não estar com a mãe. Não estar observando-a a
todo o momento para ter certeza de que estava confortável e quente
e não precisava de um xale, leque ou xícara de chá. Não ser uma
sombra que ninguém realmente via, exceto a sua mãe, que muito
frequentemente se irritava com ela, por constantemente a paparicar.

Por que ela fazia isso, então? Por que ela precisava ser necessária
para alguém? Era maravilhoso estar livre de tudo isso. Todo o dia de
hoje - bem, o resto da manhã e a tarde de qualquer maneira - se
estendia à sua frente sem mais nada a fazer, exceto tomar conta de
oito jovens que realmente não precisariam de assistência e apreciar
as belezas de Kew Gardens, que ela não via há séculos. E era um
dia perfeito, com apenas uma nuvem no céu ou um sopro de vento.

Uma tarde inteira para passar na companhia de Charles. E ela não


se sentiria constrangida com isso ou com medo de que ele a
achasse maçante, embora certamente a achasse. Porque ele
perguntou a ela. Ela nem pensara em oferecer seus serviços como
voluntária. Ela ia se divertir, embora estivesse um pouco apreensiva
com o fim da jornada e a união que aconteceria assim que os
homens desmontassem e as senhoras descessem da carruagem.
Talvez fosse a única pessoa que sabia exatamente com quem seria
emparelhada.

Ela ia se divertir de qualquer maneira. E se ele pensava que iria jogá-


la na defensiva, como havia feito na noite anterior, teria um rude
despertar. Ela não devia a Charles Sawyer uma explicação por tudo
o que fizera com sua vida. Se alguém devia uma explicação, era ele.

Embora isso não estivesse certo. Afinal, foi ela quem interrompeu o
romance e o conhecimento - porque não teria sido capaz de
continuar com o segundo sem o primeiro. Ela o afastou e, assim,
liberou-o para fazer e ser o que quisesse. Ele fez exatamente isso.
Mas ela nem pensaria no passado pelo resto de hoje.

— Isto vai ser tão divertido, — disse Miss Keithley. — É a primeira


vez que saio sem a mamãe, desde que chegamos a Londres.

— Mas se você acha que a sua mãe é uma acompanhante rigorosa,


— Matilda disse — espere até descobrir como eu sou. Os dragões
podem parecer suaves em contraste. Você pode pedir à sua mãe
para acompanhá-la aonde quer que vá pelo resto da temporada.

Uma explosão renovada de risadinhas felizes recebeu seu terrível


aviso e ela sorriu.
E então parou de sorrir.

Eles tinham chegado.

Quatro

Bertrand Lamarr e Boris Wayne queriam ir direto a Torre chinesa e


subir ao topo.

— Duzentos e cinquenta e três degraus — disse Boris —


serpenteando pelo centro.

— E vistas espetaculares em cada andar — acrescentou Bertrand.

— E realmente existem dragões dourados nos telhados? — Miss


Rigg perguntou. Mas ela queria ir primeiro ao laranjal, porque havia
sido recomendado por um primo.

— Mas dizem que é muito escuro por dentro para que a fruta floresça
— disse Miss Keithley.

— Quero ver alguns dos templos — disse o irmão dela. — Não os


vimos no ano passado, porque todo mundo queria ver a torre.

Lady Estelle Lamarr queria ver o Palácio Kew, e Lady Jessica Archer
preferiria o chalé da rainha.

— Todos os membros da realeza costumavam fazer piqueniques nos


jardins quando eram crianças — disse ela. — A rainha Charlotte
costumava organizá-los.

— Está um dia tão bonito — disse Adrian — e os jardins são tão bem
arranjados e tão cheios de árvores e plantas variadas e extensões de
grama verde que eu ficaria contente em passear sem nenhum
destino específico, vendo o que deve ser visto quando chegarmos a
ele.
Todos expressaram uma preferência quase antes de Charles ajudar
Matilda a descer da carruagem e entregar os cavalos aos cuidados
dos cavalariços e do cocheiro.

— Acho que podemos passar pelo menos algumas horas aqui —


disse ele — antes de sentir a necessidade de procurar um almoço
tardio ou um chá cedo, o que parecer apropriado quando chegar a
hora. Haverá a chance de ver tudo e até mesmo relaxar e nos
cuidarmos e aproveitar o sol. Lady Matilda, você é a única que não
manifestou uma opinião. Com o que devemos começar?

— Eu? — ela disse, estendendo a mão sobre o peito. Charles


adivinhou que suas preferências não eram frequentemente
consultadas. — Bem, eu não me importo.

— A torre, tia Matilda — disse Boris, sorrindo para ela.

— Casa da rainha.

— Os templos.

— O laranjal.

— Kew Palace.

Todos clamavam para serem ouvidos, e havia muitas risadas


intercaladas com as vozes levantadas. Ambrose Keithley estava
cutucando Bertrand Lamarr nas costelas por algum motivo
desconhecido e estava sendo cotovelado para trás. Miss Keithley
levantou o guarda-sol e colocou-o girando atrás da cabeça. Adrian
estava fingindo que este lhe tinha batido nos olhos quando bateu
palmas. Matilda levantou a mão, e milagrosamente, a ordem foi
restaurada.

— Vocês todos têm muita energia reprimida — disse ela. — Ela


precisa ser usada. Duzentas e cinquenta e três degraus, você disse,
Boris? Perfeito. Vamos começar com a torre. Além disso, quero ver
esses dragões, mesmo que sejam apenas madeira dourada e não
ouro maciço.
— Mas você precisa subir ao topo, tia Matilda — disse o sobrinho,
balançando as sobrancelhas para ela.

— Existe alguma dúvida de que eu não faça isso? — perguntou ela.


— Claro que vou subir ao topo. Vamos. Não concordei em
acompanhá-los a todos apenas para permanecer aqui
procrastinando pelo resto do dia.

E todos pararam e seguiram por uma larga avenida gramada na


direção da torre, que era, claramente, visível na maior parte do
parque.

Charles ofereceu seu braço a Matilda. Ela parecia inteligente e


educada, seu jeito rápido. No entanto, havia sobre ela uma sugestão
de exuberância que não se via quando fazia o papel da filha
solteirona cuidando das necessidades da sua mãe. Ele estava com
um pouco de medo de que a jornada até aqui em uma carruagem
cheia de moças alegres e risonhas lhe consumisse toda a energia e
paciência. O oposto parecia ter acontecido.

Ela olhou para o braço dele antes de deslizar a mão através dele,
depois olhou para ele. — Eu não subo ao topo da torre desde ... —
Ela fechou os olhos brevemente, antes de virar a cabeça. Ela não
completou a frase.

Desde que eles fizeram isso juntos quando tinham vinte anos?

— Eu também não — ele disse.

Ele esteve em Kew várias vezes desde então, é claro. Ele esteve
perto da torre. Ele havia sido instado algumas vezes a subir, mas
sempre recusou. Ele nunca se perguntou o porquê. Era fantasioso
imaginar agora que era porque ele já o subira com Lady Matilda
Westcott?

— Foi um dia parecido com hoje — disse ele.

— Sim — ela disse suavemente. E então, um pouco mais firme, —


Foi? Não me lembro.
Eles caminharam atrás dos jovens, que, como ela observara,
estavam cheios de bom humor. Eles estavam em pares, mas
estavam conversando em grupo.

— Você esqueceu, Matilda? — ele perguntou.

— Sim, — disse ela.

— Estávamos em um grupo como este — ele disse. — Acredito que


éramos seis, sem contar os pais de uma das jovens, não lembro
quem. Mas eles não eram os seus pais. Eles eram um pouco mais
indulgentes. Seu irmão era um dos nossos.

— Eu esqueci — ela disse.

— Quem quer que fossem esses pais — ele disse — não subiram
mais que o segundo andar. Eles permaneceram lá enquanto o resto
de nós se dirigia ao topo. Os outros não ficaram lá por muito tempo.
Eles desceram as escadas ruidosamente quase imediatamente,
deixando nós dois para apreciar a vista.

— Aceito sua palavra — disse ela. — Não tenho interesse no


passado distante. Eu estou aqui agora. Está um dia bonito e quero
aproveitar tudo como está.

— Muito bem — ele disse, cobrindo brevemente a mão dela no braço


dele.

Ele a beijara, cercado por madeira esculpida, céu vasto e extensões


verdes abaixo. Não havia sido o primeiro beijo deles, mas foi o
primeiro que pôde ser prolongado. Ele disse a ela, com a boca contra
a dela, que a amava. E ela disse a ele, depois que ele a beijou, que
ela o amava.

Foram palavras que ele não dissera a mais nenhuma mulher. Ele
havia crescido rápido depois de Matilda e abandonado qualquer
bobagem tão imatura e sentimental.
Sua boca agora, ele viu quando olhou para o rosto dela, estava em
uma linha cerrada.

— Vamos aproveitar tudo como está agora, então — disse ele. —


Você foi levada, à quase insanidade, na jornada até aqui?

Ele ficou surpreso com o sorriso repentino e o brilho nos olhos dela
quando ela olhou para ele.

— Nem um pouco — ela disse. — Que delícia de jovens são,


Charles.

— Rindo? — disse ele. — E tagarelando?

— Bem — ela disse — eu ri e conversei junto com elas. — De


repente ela pareceu constrangida e virou a cabeça, escondendo o
rosto atrás da aba do chapéu. — Por que não? Parecia a melhor
forma de autodefesa.

Matilda! Ah, Matilda! O que os pais dela fizeram com ela? Ou isso
era injusto? Se Bárbara ou Jane quisessem se casar com um jovem
tão selvagem quanto ele aos vinte anos, ele teria dado seu
consentimento?

Ele sabia que não. Mas ele também teria proibido a eles todo futuro
contato com esse jovem? Elas o teriam obedecido sem questionar,
se ele tivesse?

Ele deveria ter esperado? Se ele tivesse desistido de seus modos


selvagens e se aproximado dela no ano seguinte, teria sido capaz de
convencê-la a mudar de ideia? E ao pai dela? E a mãe dela?

— Por que você não se casou, Matilda? — ele perguntou.

A cabeça dela voltou bruscamente para ele. — Eu nunca o quis —


disse ela.

— Você queria se casar comigo — ele a lembrou.


— Eu era jovem — ela disse. — E tola.

Mesmo agora, ridiculamente, doía.

— Você nunca amou mais ninguém? — ele perguntou.

— Não. — Ela franziu a testa.

— Você nunca quis se casar? — ele perguntou. — Ou você nunca


encontrou um homem para amar?

— Chega — ela disse. — Por favor, Charles, chega.

E ele ficou um pouco horrorizado ao ver que os olhos dela estavam


bastante brilhantes, mas não do sol ou do prazer do passeio.

— Desculpe-me — ele disse. — Perdoe-me.

— E por que você deveria se importar? — ela perguntou. — Você


teve um filho logo depois. E havia outras mulheres. Muitas delas.
Não se podia deixar de ouvir sobre elas. E você se casou alguns
anos depois e teve filhos e netos, o tempo todo adquirindo uma
reputação cada vez pior como um libertino entre outras coisas.
Quanto você me amou, Charles? Serei eternamente grata à minha
mãe e meu pai por terem incutido algum sentido em mim. Minha vida
como ela é, é muito melhor do que teria sido, se eu tivesse casado
com você.

Cada palavra parecia um golpe. E cada palavra era verdadeira.


Exceto quatro delas, ditas com um sarcasmo cortante - quanto você
me amou.

Literalmente, eram verdadeiras, mas ela não as quis dizer


literalmente.

Ele a tinha amado, mas ele provou isso da pior maneira possível,
caindo completamente em pedaços depois que ela lhe disse que não
teria mais nada a ver com ele. Ele não podia, nem culpar a
imaturidade. Sua reputação desagradável tinha sido bem-merecida
por anos e anos.

— Sinto muito — ele disse. — Eu sinto muito.

— Chegamos à torre — disse ela, e sorriu brilhantemente para os


jovens, que pararam de andar e se juntaram em grupo, para admirá-
la do lado de fora.

— Existem dez andares — disse a Miss Keithley. — Eu os contei.

— Impressionante, Dorothea — disse o irmão. — Você sabe contar


tanto assim.

— Não tenho certeza de que poderei entrar em qualquer uma dessas


varandas, — Miss Rigg disse, — se é assim que elas são chamadas.
Não no andar mais alto, de qualquer modo. Deve ser aterrorizante.

Cada andar tinha uma varanda do lado de fora e um teto saliente


acima. Mas não era necessário sair para apreciar a vista. Havia
janelas altas e com o topo redondo em cada andar.

— Pegue o meu braço — disse Boris. — Prometo não a deixar cair.

— Isso é gentil da sua parte — ela disse. — Mas seremos capazes


de subir as escadas os dois, lado a lado?

Todos entraram para descobrir, exuberantes e tagarelando. Parecia


que eles ainda não haviam consumido grande parte de sua
superabundância de energia.

— Adoro os dragões — disse Matilda, olhando para a série de


telhados. — Eles parecem que são feitos de ouro.

— Você realmente quer ir até ao topo? — perguntou Charles. —


Você não é obrigada.

— Ah, mas eu sou — ela disse. — Fui desafiada pelo meu sobrinho
e aceito.
— Ele tem o hábito de emitir desafios e sorrir e balançar as
sobrancelhas para você? — ele perguntou.

— Oh, Deus do céu, não — disse ela. — Ele sempre me tratou com
o maior respeito como a irmã mais velha de sua mãe,
consideravelmente mais velha irmã. Eu acredito que ele está
gostando de me provocar.

— E você está gostando de ser provocada — disse ele.

— Sim. — Ela suspirou. — Às vezes é um pouco solitário ser uma tia


solteira. — Mas ela corou lindamente enquanto falava e parecia que
gostaria muito de retirar as palavras. Ninguém realmente gostava de
admitir a solidão. E talvez nenhuma mulher gostasse de admitir ser
uma tia solteira, como se essas duas palavras descrevessem tudo o
que havia para saber sobre ela.

— Você não é minha tia, felizmente — disse ele. — Você é Matilda.

— Oh — ela olhou para ele um pouco incerta, com a cabeça


levemente inclinada para o lado.

— Vamos seguir os jovens — perguntou ele — para garantir que


nenhum deles se tente pendurar, nos trilhos da varanda, pelas
pontas dos dedos? Eu odiaria falhar durante a minha primeira função
como acompanhante.

— Oh, meu Deus, sim — ela disse. — Que horrível pensamento. E é


exatamente o tipo de coisa que os jovens fazem, para impressionar
as jovens. Talvez não pendurados nos trilhos da varanda, mas
certamente sobre eles. O simples pensamento disso me dá
palpitações no coração.

Eles suspiraram e subiram as escadas, serpenteando pelo interior da


torre, parando apenas uma vez, brevemente, no quinto nível, para
olhar pelas janelas enquanto recuperavam o fôlego. Exclamações
altas de admiração e os habituais risos vinham dos andares acima.
— Oh, — Matilda disse: — Eu tinha esquecido como mais alto
parece um edifico a partir do interior do que parece do lado de fora. E
nós estamos apenas na metade do caminho.

— Tem certeza de que não deseja reivindicar que ganhou meio


desafio? — ele perguntou, quase esperando que ela dissesse sim.
Às vezes esquecia-se que ter cinquenta e seis anos era um pouco
diferente de ter vinte.

Como resposta, ela se virou e continuou a subida. Caminhando atrás


dela, Charles admirou, sob o azul pálido de seu vestido, o balanço de
seus quadris, ainda bem torneados, embora não mais jovens. E ele
admirou o fato de que ela mantinha a coluna ereta e subia,
firmemente, sem diminuir a velocidade. Quando chegaram ao topo,
os jovens estavam se movendo através da sala circular, olhando e
exclamando pela altura e apontando, uns para os outros, todos os
pontos de referência que podiam ver, tanto dentro dos jardins de Kew
como além.

— É como estar num balão de ar quente — disse Adrian — exceto


que há mais do que ar vazio sob nossos pés.

— Você andou de balão? — Lady Estelle perguntou a ele.

— Sim — ele disse a ela. — No ano passado. Foi emocionante e


francamente aterrorizante. Mas eu vivi para contar a história.

— Se eu não soubesse que era impossível — disse Lady Jessica —


eu juraria que esta torre está balançando. Alguém, por favor, me
assegura que não está?

— Acho que está — disse Bertrand, cambaleando e depois sorrindo


para ela. — É melhor você se agarrar a mim, Jessica, e me impedir
de cair.

Ela gargalhou e deu um tapa no braço dele.

E todo mundo estava pronto para descer e partir para outra aventura.
— Depois de subir até aqui — disse Charles — pretendo ficar um
pouco e admirar a vista à vontade. A minha apreciação vai durar,
pelo menos, dez minutos.

— Demora tanto tempo assim para recuperar o fôlego? — Sr.


Sawyer perguntou, sorrindo um pouco descaradamente.

— E isso também — admitiu o pai.

— Mas nem todos precisam esperar por nós ao pé da torre — disse


Matilda. — Podemos cumprir nosso dever de maneira adequada
daqui de cima. É uma torre de vigia esplêndida. Ouso dizer que não
há uma polegada quadrada dos Jardins que nos seja invisível.

Keithley gemeu alto e apertou o peito.

Havia muitas árvores, é claro, e uma pessoa não podia vê-las, nem
debaixo delas, dali de cima. Mas os jovens deveriam ter algum
tempo juntos. E o que eles poderiam fazer em dez minutos? Embora,
é claro, demorasse tanto tempo para descer dali, e então, não seria
mais possível ver todos os cantos de Kew, muito menos todos os
recantos.

— Confio em que todos se comportem como jovens senhoras e


senhores que são. — acrescentou ela com a voz grave de tia
Matilda.

Não que ela já tivesse sido uma tia severa. Ela nunca havia
interferido no modo como o irmão e as irmãs ou os sogros
escolheram para lidar com os filhos.

— Isso foi muito maroto da sua parte, tia Matilda — disse Boris. —
Agora você nos forçou a sermos bons.

— Não que algum dia sonhemos em não ser bons — disse Dorothea
Keithley enquanto seguia o Sr. Sawyer pela escada em caracol. —
Não me olhe assim, Ambrose.
— Você tem olhos na parte de trás da cabeça? — protestou o irmão,
oferecendo a mão a Jessica para ajudá-la no topo da escada.

Logo eles se foram descendo, ruidosa e alegremente.

— Vamos nos encontrar do lado de fora do laranjal em meia hora —


disse Charles atrás deles.

E Matilda estava ciente do som do vento em toda a parte externa da


torre e de mais nada. Ela se aproximou de uma janela e olhou para
árvores, gramados e a frente de tijolos vermelhos do palácio Kew.
Ela foi para a janela seguinte e viu as extravagâncias do templo entre
as árvores e a terra que se estendia até o infinito, além dos Jardins.
Ela se moveu novamente e, simplesmente, olhou. Ela estava ciente
do calor do braço direito de Charles ao longo de sua esquerda,
embora eles não estivessem se tocando. Ela podia sentir o cheiro da
colônia dele.

— Ah, aí estão eles — ela disse, apontando para baixo. — Eles


ficaram todos juntos.

— Não vejo nenhum romance entre eles — disse ele — com a


possível exceção de Bertrand Lamarr e Miss Keithley. Eles estão
apenas apreciando a companhia uns dos outros.

— Sim, — disse ela.

— Numa situação semelhante, estávamos demasiado ansiosos para


ganhar tempo, para nós mesmos — disse ele. — E tivemos a sorte
de ter um par de acompanhantes que estavam felizes em
permanecer no andar térreo da torre.

Ele a beijou aqui, talvez neste mesmo local. Ele dissera que a amava
e ela não duvidara nem um pouco, da verdade de suas palavras. Ela
disse a ele que o amava e quis dizer as palavras, com toda a paixão
de seu jovem coração. Mas nem um mês depois ela o mandara
embora, dissera que não falaria com ele ou sequer o veria
novamente. Ela dissera a ele quando pressionada, quando parecia
ser única maneira de convencê-lo, que ela não o amava, que ela
nunca o havia amado.

— Você quis dizer isso? — ele perguntou agora, e ela sabia que ele
havia virado o rosto para o dela, não estava mais olhando para a
vista mas para ela. — Eu sempre me perguntei.

— Eu quis dizer o que? — ela perguntou, mas sabia o que ele queria
dizer. Era como se ele tivesse lido os pensamentos dela.

— Que você me amava — ele disse.

Ela franziu a testa e observou um cavalo e uma carroça avançando


ao longo de uma faixa de estrada na paisagem distante.

— Não me lembro — ela disse. — Você está falando sobre o tempo


que estivemos aqui juntos todos esses anos atrás? Como devo
lembrar o que disse ou o que quis dizer?

— Você me disse que me amava — disse ele — depois que eu disse


que te amava. E então, não muito tempo depois, você me afastou.
Mas o corte mais cruel de todos, veio com as palavras que você
utilizou enquanto o disse. Você não me amava, você disse, e nunca
me amou. Mas você me amou quando estávamos aqui. Você quis
dizer isso, não quis?

Por baixo das sobrancelhas contraídas, ela lhe retornou o olhar. Por
que a resposta era importante para ele? — Você viveu uma vida
inteira de eventos memoráveis desde então — ela disse. — Você foi
pai de Gil. Você se casou com Lady Dirkson e teve filhos e netos.
Você viveu anos repletos de ... de uma vida tumultuada. Por que
tentar lembrar agora, o que aconteceu ou não aconteceu aqui, anos
e anos atrás, quando éramos jovens e tolos e não poderíamos ter
conhecido nossas próprias mentes? Por que se preocupar em
lembrar? Mal nos vimos desde então. Falamos apenas algumas
vezes, todas elas muito recentemente. Qual é o sentido de tudo isso,
Charles? Se alguma vez tivemos uma ... uma chance, já se foi.
Essas coisas aconteceram com outras pessoas, em outra vida. Não
somos as mesmas pessoas, agora. Nem mesmo perto.

— Nós éramos tolos? — ele perguntou. Ele se virou para olhar para
baixo novamente. Matilda podia ver os jovens, ainda em grupo,
caminhando por uma avenida gramada em direção a um dos templos
curvos. — Mas sim, claro que sim. Eu era jovem e apaixonado e
depois, ferido, como só os jovens podem ser. Eu estava cego pela
dor. Em vez de esperar um ano e depois tentar, durante a próxima
temporada, fazer você mudar de ideia e fazer com que seu pai visse
que eu havia mudado, imediatamente pulei em um prazer selvagem,
tentando esquecê-la e acalmar os meus sentimentos feridos. Eu
nunca a tentei reconquistar. Sim, eu fui um tolo. Você foi?

—Tola? — disse ela. — Não. Eu sempre fui obediente aos meus


pais. Eu sempre acreditei que eles sabiam o que era melhor para
mim e me amavam. Eu acreditei neles quando me disseram que
você não era um marido adequado para mim, que as suas devassas
selvajarias não me trariam nada, além de miséria.

— Devassas? — ele se virou para olhá-la novamente. — Naquela


fase da minha vida? Dificilmente. Então você foi sensata ao terminar
comigo? Dizer-me que você não me amava?

— Sim, — disse ela.

Ele estava olhando fixamente para ela, e quase inevitavelmente, ela


teve de virar a cabeça e olhar para trás.

— Diga-me — disse ele — que isso, pelo menos, não era verdade.
E, por favor, não me diga que não se lembra.

— Por que eu deveria me lembrar? — perguntou ela. — Foi uma vida


atrás. Charles, claro que eu te amei. Nós éramos jovens como estes
jovens são jovens agora. — Ela gesticulou com uma mão em direção
à janela, embora não olhasse para fora. — Você era bonito e estava
me cortejando. Você dançou comigo e falou sem parar comigo
sorrindo e parecia rir só para mim. Claro que te amei. Teria sido
estranho se eu não o fizesse.

— Mas você parou?

— Claro que parei — disse ela, lembrando-se de seu coração


partido, de seus sonhos despedaçados, de sua convicção de que ela
certamente não seria capaz a viver. — Você imaginou que eu estive
sofrendo por você todos esses anos? Você me vê como uma
solteirona pobre e frustrada, suspirando todas as noites, antes de
dormir, com as lembranças do único homem com quem ela
compartilhou um romance quando não era mais que uma menina?
Isso é absurdo e ofensivo.

— Eu disse que imaginava algo assim? — ele perguntou. —


Lamento. Eu te chateei.

— Não estou chateada — disse ela, passando as palmas das mãos


enluvadas pelas bochechas e sentindo a umidade humilhante das
lágrimas ali, ela, que nunca chorava.

— Não vamos conversar nem pensar nestes anos todos que se


passaram — disse ele. — Eu te amava quando estivemos aqui juntos
pela última vez, Matilda, e você me amou. É uma lembrança amarga
por causa de tudo o que veio logo depois. Mas há uma doçura muito
distinta sobre isso também. Nós éramos um jovem casal apaixonado.
Eu nunca me apaixonei desde então.

— Que bobagem — ela disse.

— Talvez, — disse ele. — Mas é verdade, no entanto. Eu também


não acredito que você tenha?

— Eu? — disse ela. — Claro que tenho, não, não tenho. Existe algo
de vergonhoso nisso? Eu tive oportunidades. Mas eu não casaria
sem amor. Eu era uma jovem teimosa.

— Sim, — disse ele. — Eu sei.


— Bem, — ela disse, — é uma doce memória, Charles. Também foi
algo que aconteceu com duas pessoas que não existem mais.

— Mas nós existimos — ele disse. — Somos essas mesmas


pessoas, trinta e seis anos depois. Há cabelos grisalhos, mais para
mim do que para você, e linhas esculpidas em nossos rostos e
figuras um pouco mais cheias. Mas você ainda parece muito bem.
Talvez eu possa dizer isso, porque eu olho para você, com olhos de
cinquenta e seis anos. Para mim, você parece bem, embora eu
gostaria de ver a sua boca com os lábios apertados com menos
frequência e sorrindo, como sorriu hoje sempre que estávamos em
companhia dos jovens. Eu gostaria de beijar aquela boca
novamente.

Ela olhou para ele como se estivesse colada ao chão. Ela estava
chocada demais para bater no rosto dele. Ao mesmo tempo, sentiu
uma renovada onda de consciência - de como estavam sozinhos ali
em cima, do último beijo que haviam compartilhado aqui, dele, de
sua sólida presença, de sua boa aparência, de sua masculinidade.
Da boca dele.

Mas ela era de meia idade. No lado extremo da meia idade, de fato.

Beijar era para os jovens. Ela não sabia mais como fazê-lo. A última
vez que ela foi beijada foi ... trinta e seis anos atrás. Seria
embaraçoso. Seria bizarro. Seria …

Ela lambeu os lábios, e os olhos deles baixaram para seguir o gesto.

Seus mamilos estavam formigando. Havia uma dor entre as suas


coxas.

Ela não experimentava essas coisas há muitos anos. Ela tinha


passado da idade ... Mas mesmo antes disso, ela suprimira as
necessidades incômodas que não lhe traziam nada além de uma
vazia frustração e infelicidade. Ela não podia agora ...

Ela deu um passo mais perto dele, e quando ele se aproximou dela,
ignorou o instinto de recuar de susto e deixou-se descansar contra
ele, fechando os olhos ao fazê-lo. Mesmo através do casaco, colete
e camisa, ela podia sentir que ele era quente e firme, musculoso e
masculino. Ela se sentiu envolvida pelo cheiro dele, sua colônia, o
amido que deve ter sido usado na sua gravata e colarinho, a
essência que era, o próprio Charles. Talvez fosse ridículo sentir que
tudo isso era familiar, mas era verdade. Com as coxas, ela podia
sentir os músculos poderosos dele.

Com as pernas, ela podia sentir o couro flexível de suas botas


hessianas. Era tudo o suficiente para fazê-la desmaiar - se ela
soubesse como fazê-lo.

Ela se lembraria disto, pensou, como sempre se lembrara da última


vez. Ela se lembraria pelo resto da vida. Com a respiração
agonizante, ela se lembraria de que o amava, que sempre o amara,
mesmo que houvesse dias, semanas, talvez meses na vida, em que
não pensara nele nem uma vez. Oh não, nunca meses. Ou até
semanas. O amor nunca desaparece completamente. Está sempre
lá, adormecido, esperando para ser revivido. Corações partidos
estão sempre ansiando para serem consertados.

Os braços dele baixaram ao longo dos dela e ele encontrou as mãos


dela e entrelaçou os dedos com os dela enquanto os braços
descansavam contra os seus lados. Ele abaixou a cabeça e inclinou-
a, ligeiramente, para o lado. Ela sentiu a respiração dele contra uma
bochecha e abriu os olhos. A dele procurou a dela, a poucos
centímetros de distância e, de alguma forma, ela não se sentiu uma
solteirona velha e envergonhada e seca, para quem estas coisas
eram meramente uma vergonha no momento e um sonho do que
poderia ter sido há muito tempo e nunca poderia ser novamente. Ele,
certamente, não parecia um homem envelhecido que já deveria ter
passado por essas coisas.

— Permite-me? — ele murmurou, seus lábios quase nos dela.

Como resposta, ela fechou os olhos novamente e diminuiu a


distância.
E...

Oh meu...

Oh meu...

Oh ... meu Deus.

Seus pensamentos não eram mais coerentes do que isso por quanto
tempo o beijo durou. Provavelmente foram alguns segundos. Não,
certamente mais do que isso. Minutos? Horas?

Tinha sido assim todos esses anos atrás? Todas as sensações


físicas?

Todos os anseios emocionais? Toda a incapacidade de pensar? Mas


se tivesse sido, como ela poderia ter deixado ele ir?

Ah, como ela poderia deixá-lo ir?

Charles.

— Charles?

Ele afastou a boca da dela e a olhava, com olhos impossíveis de ler.

Eles ainda estavam se tocando ao longo de todo o seu comprimento.

Seus dedos ainda estavam entrelaçados ao lado do corpo.


Realmente, ela pensou, tinha sido, por qualquer objetivo padrão, um
beijo bastante casto. Também tinha sido nada como um tremor de
terra. Não, esse era um termo moderado demais. Tinha sido um
choque no universo.

Para ela, de qualquer maneira.

Ele, é claro, deve ter participado em mil beijos com tantas mulheres.

Não exagere, Matilda.


Foi um exagero?

— Estamos negligenciando o nosso dever — disse ela.

Uma onda de algo tão fugaz que era impossível nomear, passou pelo
rosto dele. Diversão, talvez? Arrependimento? Anseio? Nenhum
deles?

Todos eles?

— Foi você quem disse aos jovens que confiava neles — ele disse.
— Eu teria me mantido logo atrás deles, pisando nos calcanhares
dos últimos da fila.

— Ah, você não faria — ela disse. — Foi você quem disse que
precisava de dez minutos aqui antes de segui-los.

— Porque sou um homem velho e precisava recuperar o fôlego e


descansar meus joelhos artríticos — disse ele.

— Bobagem. — Ela estava ciente de que eles ainda estavam se


tocando, frente a frente, e seus dedos ainda estavam entrelaçados.

Ele a soltou e deu um passo para trás. Definitivamente havia risadas


nos seus olhos agora. — Sinto muito por desconcertá-la, Matilda —
disse ele.

— Você não o fez — ela assegurou.

— Há outra razão pela qual você está zangada, então? — ele


perguntou.

— Não estou zangada — protestou ela, passando a mão na frente do


vestido e certificando-se de que o chapéu ainda estava reto. — Mas
viemos como acompanhantes e ...

— E acabamos necessitando de alguns para nós — disse ele. —


Venha. Nós vamos descer. Eu irei primeiro para que você não tenha
que olhar para o abismo a cada passo.
Oh! Oh! Ele certamente dissera exatamente a mesma coisa da última
vez. Mas que ridículo acreditar que ela pudesse se lembrar de um
ato tão trivial de galanteria, trinta e seis anos depois.

— Obrigada — ela disse, e queria chorar.

Ainda, de novo.

Cinco

Durante a semana seguinte à excursão a Kew Gardens, Charles


concentrou-se em voltar à vida normal. O único problema era que ele
não tinha a certeza de que isso seria possível - não, pelo menos, se
normal significasse o que tinha sido até um mês atrás.

Por um lado, ele largou a amante que manteve desde pouco tempo
após a morte de sua esposa. Ele a deixou, abruptamente, na mesma
noite depois que Matilda o visitara, inesperadamente, em sua casa,
embora na época, ele não acreditasse que houvesse alguma
conexão entre os dois eventos. Ele assumiu que substituiria sua
amante em breve. Mas ele não o fez nas semanas seguintes,
embora não tivesse a certeza de que o celibato lhe convinha.
Tampouco tinha a certeza de que não. Na verdade, era o sexo por
sexo que não o satisfazia mais, mas ele não sabia o que o satisfaria.
Ou, se o fizesse, não estava disposto a pensar nisso seriamente.

Por outro lado, havia Gil. Seu filho tinha estado em sua vida por trinta
e quatro anos, de uma maneira puramente periférica, mas isso
mudou com todos os problemas durante a batalha pela custódia e,
depois do café da manhã para o qual a esposa de seu filho o
convidara e sua primeira reunião presencial com o seu filho. Dizer
que a reunião foi desconfortável seria subestimar seriamente o caso,
mas, depois, foi difícil aceitar a possibilidade de que ele nunca mais
visse Gil ou ouvisse dele de novo.
Mas ele soube, alguns dias depois de Kew - ou pelo menos sobre
ele, através de Abigail, a esposa de Gil. Ela escrevera uma carta
cheia de alegres detalhes sobre a vila de Gloucestershire na qual
moravam, sua casa e jardim, dominados pela visão e pelo cheiro de
rosas.

Intercaladas com esses detalhes, surgiram histórias aparentemente


aleatórias sobre Katy, sua neta. E havia uma menção a Gil, que
estava se transformando de soldado em fazendeiro, com botas
enlameadas, pelas quais Abigail o repreendeu quando ele entrou em
casa com elas, um dia, sem limpá-las adequadamente no raspador
de botas do lado de fora da porta. Charles achou a leitura da carta
mais dolorosa do que prazerosa, mas a leu pelo menos uma dúzia
de vezes no decorrer do dia.

Depois, havia Adrian, que havia renovado a amizade de que


desfrutara com Bertrand Lamarr na universidade. Ele também se
tornara amigo da irmã de Lamarr e de Boris Wayne. Os quatro
aparentemente haviam visitado a Condessa viúva de Riverdale no
dia seguinte a Kew para agradecer a Lady Matilda Westcott por
acompanhá-los e tornar o dia tão divertido para eles - palavras de
Adrian. Aparentemente, ela tentara convencer a mãe a colocar os
pés num banquinho enquanto eles estavam lá, mas a viúva havia
declarado que ela era capaz de manter os pés no chão e ficou
bastante irritada com a filha por causa da confusão.

— E acabei me sentindo muito zangado também — relatou Adrian.


— Não havia nenhum dos sorrisos e nem de olhos cintilantes de
Lady Matilda que vimos ontem, nem as falsas severas advertências.
Acho que a Condessa viúva a sufoca, papai. É uma pena, e não está
certo. Não é fácil ser mulher, é? Especialmente uma solteirona. Eu
me pergunto por que ela nunca se casou.

— Talvez ela tenha escolhido não o fazer— sugeriu Charles.

— Mas a alternativa ... — protestou seu filho.


Charles acabou se sentindo irritado - mas tanto com Matilda quanto
com a sua mãe. Por que ela se comportava assim? Por que ela se
permitira tornar-se a filha solteira e estereotipada de uma mãe
autocrática? Ele não queria pensar em Matilda. Ele desejou poder
apagar a memória do dia em Kew, especialmente, daquela meia hora
no topo da torre. Ele não sabia o que fazer com o que havia
acontecido ali. Ela despertou nele memórias que estavam tão
profundamente enterradas, que ele teria pensado que elas tinham
sido completamente destruídas, se o reaparecimento dela em sua
vida não as trouxesse à tona. Não apenas lembranças dos fatos no
entanto, mas também lembranças de sentimentos e paixões que
deveriam ser risíveis agora, mas não eram.

Matilda! Não havia como ele querer se envolver com ela novamente.

Seria ridículo. E o seu palpite era que ela concordaria com ele.

Depois havia as filhas dele. Bárbara e a sua família voltaram das


comemorações do aniversário dos seus sogros, no mesmo dia em
que Jane chegou à cidade com a sua família, depois de se recuperar
de suas náuseas. Eles se reuniram no dia seguinte para visitar
Charles, trazendo seus filhos com elas. Ele conversou e brincou com
os três netos e admirou vários brinquedos e tesouros que eles
tinham trazido com eles, para sua aprovação - incluindo o orgulhoso
tesouro de uma contusão do tamanho de um ovo de pássaro,
adquirido por escorregar das costas de um pônei, que se tornou,
repentinamente, brincalhão. As crianças foram levadas ao berçário
pela ama de Bárbara e, Charles foi deixado sozinho com as filhas.
Bárbara lhe fez um convite. Seu aniversário estava chegando em
breve.

— Eu sei, — disse Charles. — Eu nunca esqueço aniversários, pois


não?

— Queria que todos os homens fossem como você, papai — disse


Jane, balançando a cabeça e estalando a língua. — Wallace, por
exemplo. — Wallace, Lorde Frater, era o seu marido. — Em vez de
jantar em família, em casa, como sempre — continuou Bárbara —
faremos uma festa de família nos Vauxhall Gardens. Edward
reservou um camarote e vamos festejar lá, ouvir a orquestra, dançar
e assistir aos fogos de artifício. Faz três anos, ou mais, desde a
última vez que estive lá.

— Fomos no ano passado — disse Jane. — Mas estou sempre feliz


por ter uma desculpa para ir a Vauxhall. É pura magia, se o tempo
estiver bom.

— Oh, o tempo estará perfeito para o meu aniversário — garantiu


Bárbara. — Não ousaria ser de outra maneira. Adrian estará vindo.
Ele pediu a Lady Estelle Lamarr para acompanhá-lo. Você a
conhece, papai? Ela está fazendo sua apresentação este ano,
embora já tenha passado da idade normal. Eu a vi uma ou duas
vezes. Ela é uma beleza, coloração muito escura.

— Eu a conheço — disse Charles. — O irmão gêmeo dela estava em


Oxford com Adrian.

— Seria adorável, para manter os números iguais — disse Bárbara


— se você convidasse alguém também, papai.

— A Sra. Summoner, talvez? — Jane sugeriu.

A Sra. Summoner, que tinha ficado viúva ao mesmo tempo que


Charles, tinha insinuado em várias ocasiões, que ela não se
importaria de se envolver num caso discreto com ele. Ela devia ser
vinte anos mais nova que ele. Ele levantou uma mão.

— Se eu devo levar alguém — disse ele — escolherei por mim


próprio. Vou perguntar a Lady Matilda Westcott.

Ele não sabia exatamente o que o fez dizer aquilo, e, certamente,


não sabia se ela aceitaria - exceto que ele estava tentando criar
coragem para conversar com as filhas sobre algo que elas
precisavam saber, e isso tornava um tanto imperativo que ele o
dissesse agora.
— Lady Matilda Westcott? — Jane franziu o cenho. — Você quer
dizer Abigail Westcott, papai? Mas ela não é mais Lady Abigail, é?
Ela perdeu o título há vários anos. Além disso, ela é jovem demais
para você.

— E ela se casou recentemente, ouvi dizer — acrescentou Bárbara.

— Eu disse Lady Matilda Westcott — disse Charles. — Ela é tia de


Abigail Westcott, Abigail Bennington agora. Ela se casou
recentemente com o tenente-coronel Gil Bennington. Meu filho.

Elas o encararam sem entender.

— Você disse 'meu filho'? — Jane perguntou, e riu.

— Eu disse — ele disse. — Gil Bennington é meu filho natural. Ele


nasceu há trinta e quatro anos, antes mesmo de eu conhecer a
vossa mãe. Sua mãe era filha de um ferreiro da vila. Ela o criou sem
minha ajuda, embora a assistência tenha sido oferecida. A única
ajuda que eu lhe dei foi, depois que ela faleceu, comprar uma
comissão para ele, no regimento de infantaria no qual ele era
sargento. Ele recusou qualquer ajuda adicional, não muito tempo
depois disso. Eu o vi pela primeira vez algumas semanas atrás,
depois que ele veio a Londres com a sua nova esposa. Eles vieram
comparecer perante um juiz que deveria decidir quem teria a
custódia da sua filha. Ela estava morando com os avós maternos na
época. Agora ela está com Gil e a sua esposa. Eu fui à audiência. Eu
falei em defesa de Gil. Desde então, ele levou a família para a casa
deles em Gloucestershire.

Tudo saiu às pressas.

O sorriso de Jane desapareceu. As duas filhas estavam olhando


fixamente para ele.

— Você tem um filho? — perguntou Jane. — Além do Adrian?

— Adrian sabe? — Bárbara perguntou. — Meu Deus, isso o matará.


— Ele sabe — disse Charles. — Ele foi comigo na semana passada,
a um jantar oferecido pelo Conde de Riverdale e sua esposa. Vários
outros membros da família Westcott também estavam lá. Ocorreu-
me, quando fui convidado, que a verdade, por fim iria ser descoberta
e que, seria melhor que vocês ouvissem isto por mim em vez de
através de fofocas da ton.

Suas filhas pareciam identicamente atordoadas, como Adrian parecia


quando Charles lhe contou.

— E você vai convidar a tia de Abigail Bennington, uma das


Westcotts, para a festa de aniversário de Bárbara? — disse Jane.

— A menos que Bárbara se oponha — Charles disse a ela. —


Obviamente ainda não lhe perguntei. Ela pode dizer não, mesmo que
eu lhe pergunte.

— Lady Estelle Lamarr também tem uma ligação com a família


Westcott, não tem? — Bárbara disse, franzindo a testa pensativa. —
O pai dela se casou com a ex-Condessa de Riverdale há alguns
anos? A mãe de Abigail Westcott?

— Sim, — disse ele.

— E Adrian vai levá-la ao Vauxhall — disse Bárbara. — No entanto,


ele sabe.

— Sim — disse Charles novamente.

— Oh Deus. — Bárbara recostou-se na cadeira e colocou as palmas


das mãos contra as bochechas. — Sinto como se estivesse no meio
de um sonho bizarro. Temos um meio-irmão, Jane.

— Se você tiver uma pena consigo — disse Jane — alguém, pode


facilmente me derrubar. Como é possível que nunca soubéssemos
disso? E como você pôde, papai? Oh, de todas as coisas terríveis. O
que Wallace dirá quando eu lhe contar? Como ele é, papai? Embora
eu não tenha certeza de que quero saber.
Elas não estavam muito felizes, Charles percebeu. Não era
surpreendente. Ele também não. Ele manteve o segredo por tanto
tempo, que parecia desconcertante que a verdade fosse conhecida e
perturbasse os seus filhos. A sua esposa nunca soube.

— Acredito que ele é um bom homem — disse ele.

Ele prosseguiu a contar-lhes alguns fatos sobre seu filho. E ele se


perguntou ao fazê-lo, se deveria pedir a Matilda que fosse ao
Vauxhall com ele, e, assim manter viva a conexão entre a família
dela e a dele.

Talvez seus filhos se ressentissem disso. Embora Adrian não


parecesse fazê-lo. Muito pelo contrário, de fato.

Como ela responderia se ele a convidasse? Ela aceitaria? E o que


isso significaria se ela o fizesse? Seria um evento íntimo com a
família dele.

Alguém teria a ideia de que ele a estava cortejando?

E ele estaria?

Quando Matilda recebeu um convite por escrito para se juntar à Sra.


Bárbara Dewhurst e sua família para uma noite nos Vauxhall
Gardens, para a comemoração do aniversário dela, pensou, a
princípio, que a dama devia tê-la confundido com outra pessoa. Mas
apenas por um segundo.

— Parece que alguém acabou de morrer, Matilda — disse a mãe


dela, do outro lado da mesa do pequeno-almoço. — O que
aconteceu?

Matilda levantou o olhar sem expressão. Ela adoraria levar o cartão


para cima para digerir o seu conteúdo na privacidade de seu quarto,
mas era tarde demais para isso. Aparentemente, o seu rosto a traiu.

— Quem é a Sra. Dewhurst? – a mãe dela perguntou, depois que


Matilda leu o convite em voz alta.
Matilda sabia. Ela sabia quando Charles se casou e com quem ele
se casou e onde. Ela sabia quando cada um de seus filhos nasceu -
e se casou. Ela sabia quando a esposa dele morrera. Para alguém
que tinha sido inteiramente obliterado da sua mente e memória há
mais de trinta anos, ela sabia muito sobre ele. E ela havia sofrido
muito com cada etapa da sua vida, negando cada pontada de
sofrimento.

— Ela é a filha mais velha do Visconde de Dirkson — explicou.

— Mas por que ela convidaria você para uma festa de família? —
perguntou a mãe. Mas ela não esperou por uma resposta. Deixou a
torrada pela metade, secou a boca com o guardanapo de linho e
recostou-se na cadeira, olhando a filha o tempo todo. — Você deve
agradecer ao próprio Visconde por isso?

— Não sei mais do que você, mamãe — disse Matilda. Exceto que
ele a beijou, e ela teve dificuldade em comer e dormir na semana
seguinte, pobre criatura patética que ela era.

— Você se imaginou apaixonada por ele uma vez — disse a mãe


dela.

— Oh Deus. — Matilda riu e mexeu o café, mesmo que a xícara já


estivesse meio vazia. — Isso foi há muito tempo, mamãe. — Ela
olhou para cima e colocou a colher no pires. — Mas eu não me
apaixonei por ele. Eu o amava de alma e coração.

A sua mãe continuava a observá-la com firmeza, e Matilda esperou o


discurso de raiva e ridículo que estava por vir. Em vez disso, sua
mãe pousou o guardanapo ao lado do prato e suspirou.

— Eu sei, — ela disse.

Matilda levantou a xícara, mudou de ideia e a colocou de volta no


pires. Ela levantou os olhos.

— Não tenho certeza de que, na época, sabia sobre a parte da "alma


e coração" — disse a mãe. — Embora eu tenha entendido mais
tarde, quando você não quis mais nada a ver com nenhum dos
muitos cavalheiros perfeitamente elegíveis que a cortejaram nos
anos seguintes. Eu disse a mim mesma que era uma paixão. Disse a
mim mesma que era apenas uma paixonite, algo que as meninas
sentem uma dúzia de vezes antes de estabelecer-se num casamento
sensato.

— O senti apenas uma vez — disse Matilda. Oh Deus, ela e mamãe


nunca conversaram assim.

— Sim, eu sei — disse a mãe novamente. — Ele era selvagem como


o Humphrey, Matilda. Humphrey era meu próprio filho, mas nunca fui
cega aos seus muitos defeitos. O Visconde de Dirkson, ou Charles
Sawyer como ainda era naquele tempo, era um ano mais velho. Eu o
culpei por desviar Humphrey, ou me iludi ao culpá-lo. Meu coração se
partiu com a perspectiva de você se casar com ele e ter que suportar
um casamento miserável pelo resto da vida. Eu não estava errada
sobre ele. Ele ficou pior do que apenas selvagem com o passar dos
anos.

— Eu sei, mamãe — disse Matilda.

— Mas — disse a mãe — sempre vivi com a culpa de lhe negar essa
miséria, ou essa felicidade. Pois é impossível saber se a vida dele
teria sido diferente se você tivesse se casado com ele. Ele também
te amava de alma e coração?

— Eu acreditava que sim — disse Matilda. — De fato, eu sabia disso.

— Ser mãe é um trabalho árduo — disse a mãe. — Quer-se muito


que seus filhos sejam felizes. Qualquer um quer fazer tudo ao seu
alcance para evitar que eles sejam infelizes. Mas onde termina a
orientação sábia e começa a interferência cega?

Matilda franziu a testa do outro lado da mesa para a mãe. — Você e


o papai fizeram a coisa certa — ela disse.

— Fizemos? — Sua mãe ergueu o guardanapo novamente e


começou a dobrá-lo cuidadosamente. — Você foi a minha
primogênita, Matilda. Hesito em dizer que você era a minha favorita,
pois vocês eram todos os meus favoritos em momentos e
circunstâncias diferentes. Mas você era especial. Você era a minha
... minha primogênita.

Matilda se viu piscando para conter as lágrimas. Sua mãe nunca


falou assim. E ela nunca tinha sido uma mãe efusiva. Ela nunca
dissera que amava a filha mais velha, muito menos que era a
favorita.

— Preciso ir e responder à Sra. Dewhurst — disse Matilda,


levantando-se. — Eu vou recusar, é claro.

— Por quê? — perguntou a mãe.

— Eu não pertenço a essa família — disse Matilda. — Eu me sentiria


envergonhada e desajeitadamente deslocada.

— Por quê? — sua mãe perguntou novamente. — É óbvio que foi o


pai da Sra. Dewhurst quem sugeriu o seu nome. Por que mais ela
teria pensado em a convidar? Ouso dizer que ela nem a conhece.

Matilda não conseguia pensar numa resposta. Por que ele sugeriu
convidá-la? Ele não disse nada durante ou após a viagem de Kew
para casa, sobre vê-la novamente. Não soube nada dele desde
então. Ela assumiu que ele se tivesse arrependido amargamente de
algumas das coisas que ele havia dito. Sem mencionar aquele beijo.

— Você gostou do dia em Kew? — perguntou a mãe.

— Sim, claro que sim — disse Matilda. — Os jovens foram


amorosos. Fiquei emocionada quando o Sr. Sawyer veio, no dia
seguinte, com Boris, Bertrand e Estelle para me agradecer. Foi
atencioso da parte deles.

— E o Visconde de Dirkson foi amoroso? — perguntou a mãe.

Matilda sentou-se novamente. — Ele foi uma companhia agradável,


mamãe — disse ela. — Acredito que todos os jovens gostaram dele.
— Mas você Matilda? — perguntou a mãe.

— Sim, claro — ela disse. Ele me beijou. Eu, uma solteirona de 56


anos.

— Então você deve ir ao Vauxhall com ele e a sua família — disse a


mãe dela.

— Mamãe ... — começou Matilda, mas a mãe levantou a mão.

— Matilda, — ela disse, — você me levou à beira da loucura, várias


vezes, nos anos desde que o seu pai morreu.

— Eu sei — disse Matilda. – Eu quero cuidar de você, mamãe, mas


sei que você se ressente de todos os meus cuidados.

— Você me deixa louca de culpa — disse a mãe. — Acredite em mim


quando digo que não entendi o quanto você o amava, Matilda. Talvez
o conselho que seu pai e eu lhe demos, tenha sido sensato. Parecia
que sim na época. Mas tenho olhado para você, todos estes anos
desde então, como uma pedra de pesar e culpa em volta do meu
pescoço. Deveríamos ter aconselhado você e depois confiado em
você para tomar a sua própria decisão. Deveríamos, pelo menos, ter
colocado um limite de tempo em nossa recusa. Poderíamos ter
insistido para que o seu rapaz esperasse um ano, antes de solicitar,
novamente, a seu pai permissão para falar com você.

— Mamãe! — Matilda chorou, ouvindo apenas que ela era uma


pedra de moinho no pescoço da mãe.

— Matilda — disse a mãe, levantando-se enquanto a filha disparava


para ela, a fim de ajudá-la, um impulso que ela controlou antes de
dar mais de dois passos. — Matilda, eu amo você. Quando eu a
repreendo, é porque meu coração dói por você e eu sei que sou a
culpada por tudo o que você se tornou. Agora, estou indo para a
minha sala de estar para ler os jornais da manhã. Posso subir as
escadas com a ajuda do corrimão e dos meus próprios pés. Você
deve de ir à sala da manhã para escrever para a Sra. Dewhurst.
Você deve agradecer-lhe o gentil convite e informá-la de que ficará
encantada em participar. Ou você pode escrever uma recusa. A
escolha é sua.

Matilda, pasma, observou a mãe sair da sala. Pela primeira vez em


muitos anos, ela não correu atrás dela para oferecer assistência não
solicitada. Foi preciso muita resolução.

Ela aceitou o convite. Depois de colocá-lo na bandeja de prata no


corredor e chamar a atenção do mordomo, ela foi para o quarto e
deitou-se na cama, algo que nunca fazia durante o dia, e olhou para
o dossel.

Eu te amo.

Não na voz de um homem há anos e anos atrás, mas na voz de sua


mãe. Talvez pela primeira vez na história. Se sua mãe tinha dito isso
antes, Matilda não se lembrava disso. Ela sempre optara por
acreditar que devia ser verdade de qualquer maneira, embora,
ultimamente tivesse duvidado. Mas, oh, o desejo de ouvir essas
palavras da própria mãe. E elas, agora, tinham sido ditas.

Eu te amo.

Matilda rolou para o lado, escondeu o rosto no travesseiro e chorou.

Eu te amo.

Por que ele queria que ela fosse ao Vauxhall com a sua família?

Ele se arrependeu daquele beijo no topo da torre em Kew Gardens?

Eu te amo.

Ele também havia dito essas palavras para ela há muito, muito
tempo.

A vida, a sua vida sombria e sem fim, de repente se tornou cheia de


emoção, demais para ser suportada. Ela não estava acostumada a
emoções fortes. Ela não sabia o que fazer com isso.
Exceto chorar.

Algo que ela nunca fez.

Ela chorou.

Assim que soube através de Bárbara que Matilda tinha aceito o


convite para Vauxhall, Charles escreveu para informá-la de que iria
na sua carruagem até à casa da mãe dela e a escoltaria até lá. Ele
não estava ansioso para a ir buscar em casa, mas era a coisa certa a
fazer e ele realmente não tinha medo do dragão. Ou tinha? Mas
quando ele chegou na noite marcada e foi conduzido para a sala de
visitas, descobriu que a condessa viúva estava sozinha ali.

Seu coração afundou quando ele se aprumou para a batalha.

— Madame — ele disse, fazendo-lhe uma vénia.

Ela o olhou de cima a baixo da cadeira ao lado da lareira, sua


expressão severa, até hostil.

— Lorde Dirkson — ela disse. — A sua filha tem uma noite adorável
para a festa dela.

— Ela tem sorte, — disse ele, — considerando o fato de que temos


tido nada além de garoa e ventos tempestuosos pelos últimos dias.

— Diga-me — ela disse. — Eu cometi um erro todos esses anos


atrás?

Suas palavras o pegaram completamente de surpresa. Ele não


soube, por um momento, como responder. — Eu entendi — ele
disse, — que o Conde de Riverdale, seu marido, rejeitou o meu
pedido porque meus modos selvagens me tornaram um pretendente
inelegível para a filha dele. Eu tinha vinte anos. Eu me comportei do
mesmo modo que um grande número de jovens se comporta nessa
idade. Descontroladamente, é isso. Estava preparado para mudar a
minha forma de agir, depois de conhecer Lady Matilda. Se eu teria
feito isso ou não, não se pode ter certeza. Acho que você acreditou
na época que estava agindo no melhor interesse de sua filha.
Eventos subsequentes parecem ter justificado que você tivesse essa
opinião.

— Você a amava? — perguntou ela.

— Sim, Madame — ele disse. — Muito profundamente. Eu não


espero que você acredite em mim.

— A idade, não necessariamente fortalece uma pessoa, ou a isola da


dor — disse ela. — Minha filha é tão frágil agora como era na época,
Visconde de Dirkson, mesmo que pareça estar determinada em
seguir em frente e incapaz de sentir profundamente.

Matilda não lhe parecia assim, em nenhum aspecto.

— Você está me perguntando minhas intenções, Madame? — ele


perguntou.

Ela não respondeu por um momento enquanto olhava firmemente


para ele. — Eu estou — ela disse então.

Ele se sentiu jovem novamente, sendo levado diante de pais


suspeitos enquanto perseguia as suas filhas. Era um pouco bizarro.
Mas uma coisa estava clara. O velho dragão se importava, afinal. Ele
não gostava dela, mas ela se importava. Pelo menos, ele supôs que
sim. Talvez ela estivesse apenas ansiosa com a possível perda de
sua escrava de longa data.

— Elas são honradas, Madame — ele assegurou. — Não quero


machucar Lady Matilda. Farei tudo ao meu alcance para não o fazer.
Eu nunca a machuquei, se você se lembra. Não fui eu quem
terminou a nossa ligação.

O que diabos ele estava dizendo? Ele estava se comprometendo


com algo? Os eventos das duas últimas semanas o deixaram com a
sensação desconfortável de que ele estava sendo arrastado para
algum tipo de armadilha. Mas ... uma armadilha de quem? Não de
Matilda, certamente. Nem da mãe dela, nem da família dela. Sua,
então? Afinal, ele foi o primeiro a sugerir a si mesmo e depois
Matilda, como acompanhante para a excursão dos jovens a Kew. Foi
ele quem sugeriu o nome dela para Bárbara.

— Você ainda a ama? — a viúva perguntou a ele.

Ele ergueu as sobrancelhas. — Eu gosto dela, Madame — ele disse.

Ela estreitou os olhos e depois assentiu secamente. — Matilda é


adulta — disse ela. — Ela é adulta há muitos anos. Está na hora de
aprender a não interferir na vida dela. Tenho a certeza de que você
concorda com isso, Lorde Dirkson.

— Tenho certeza, Madame — disse ele — que a sua preocupação


por ela advém do amor.

Ele não tinha a certeza disso. Mas antes que ela pudesse responder,
a porta atrás dele se abriu e ele se virou, aliviado, ao ver Matilda
entrar na sala, o vestido de noite num cinza gelo, prateado e
cintilante, um xale azul de caxemira sobre um braço, o cabelo
penteado com simples elegância, sua postura mais ereta do que o
habitual, as bochechas levemente coradas, os lábios em uma linha
cerrada.

E tudo se varreu. Ele se apaixonou. Novamente.

Seis

Eles cruzaram o rio de barco e não pela ponte, uma conveniência


que Matilda sempre considerou pouco romântica desde que foi
inaugurada alguns anos antes. Charles tirou o xale do braço assim
que ela começou a sentir um pouco de frio e o envolveu em volta dos
seus ombros. Por um momento, ele manteve o braço em volta dela,
segurando o xale no lugar, mas logo o removeu e sentou-se mais
apropriadamente ao lado dela, mantendo uma conversa leve. Devem
ter passado vinte e cinco ou, mais provavelmente, trinta anos desde
que ela fora acompanhada a algum lugar apenas por um cavalheiro.
Ela ficou aliviada por sua mãe não ter sugerido que a sua criada a
acompanhasse. Como seria humilhante se isso tivesse acontecido
na presença dele.

Ele chegou um pouco cedo demais. Ela não estava completamente


pronta. Mas ela se apressou, alarmada por ele ter que enfrentar a
mãe, sozinho, na sala de estar. E, com certeza, mamãe parecia
severa quando chegou lá e ele parecia sério. Ele não havia lhe dito,
e ela não perguntou, o que havia acontecido entre eles. Apenas uma
conversa banal e formal sobre o clima, ela esperava.

— Oh, — disse ela agora. – Olhe só. — Eram palavras tolas, pois
estavam de frente para a margem oposta do Tamisa e ele teria de
ser cego para não ver as dezenas de lanternas coloridas penduradas
nos galhos das árvores nos jardins Vauxhall, balançando na brisa,
seus reflexos se agitando através correnteza da água. — Não é pura
magia, Charles?

— É mesmo — ele concordou, mas quando ela virou a cabeça para


olhá-lo, descobriu que ele estava olhando para ela, os olhos
sombreados pela escuridão próxima e a aba do chapéu alto.

Ela sorriu e virou o rosto. Ele costumava fazer isso o tempo todo. Ela
o interrogou uma vez. Por que você está sempre me olhando? ela
perguntou. Ele já tinha uma resposta pronta. Porque não há nada
nem ninguém neste mundo que eu prefira olhar. Palavras tolas e
lisonjeiras que a aqueceram até aos dedos dos pés. Ela não fez a
mesma pergunta agora. Quem sabe como ele responderia?

— Foi muito gentil da sua filha me convidar para participar das


comemorações do aniversário dela — ela disse. — O cartão dela
mencionava o fato de ser uma festa de família.

— Família imediata, sim — disse ele. — Bárbara e Jane estarão lá


com seus maridos. Adrian convidou Lady Estelle Lamarr. E eu
convidei você. Eventos sociais são sempre melhores quando há um
número par de homens e mulheres.

— Estelle também estará aqui? — ela perguntou, satisfeita. — Eu


não sabia. Eu gosto do seu filho, Charles. Ele é um jovem muito
agradável.

— Ele também gosta de você — ele disse a ela. — Ele diz que você
tem um brilho permanente nos olhos.

— Ah — ela disse — Não tenho.

— Não, eu sei — ele disse. — Mas você deveria, Matilda. Você


nasceu para suscitar felicidade nas pessoas ao seu redor. Você
costumava fazer isso. Quando ganhei os seus afetos, por um curto
tempo, pelo menos, foi contra vigorosa concorrência.

— Isso é tão falso — ela protestou.

— Você não conhecia os seus próprios encantos — ele disse a ela.


— Era uma das coisas encantadoras sobre você. Você era muito
admirada, Matilda, em grande parte, por causa do brilho de felicidade
que exalava.

Ele devia estar errado. Oh, ele certamente estava. Ela teve outros
pretendentes, é claro, um número tedioso deles depois que o
mandou embora. Mas ela era Lady Matilda Westcott, filha mais velha
do Conde de Riverdale. Ela tinha um grande dote. Ela era
extremamente elegível.

A atenção que recebeu não foi, de todo, surpreendente. Não havia


nada de pessoal nisso. Ele estava completamente errado sobre isso.

— Isto é uma conversa boba — ela disse.

Ele riu, e o interior dela revirou. — Então é bom que termine por um
tempo — ele disse enquanto o barco chegava ao ancoradouro e toda
a magia e prazeres de Vauxhall os aguardavam, assim como o
nervosismo de conhecer as suas filhas e seus maridos, como
membro da festa da família, como se ... Bem, como se Charles a
estivesse cortejando.

Ela estava tão acostumada a estar sozinha, pensou Matilda. Por um


momento, ela desejou o enfado de cuidar da mãe. Depois colocou a
mão na de Charles, levantou-se cuidadosamente contra a oscilação
do barco e saiu para o cais. Ela reorganizou o xale sobre os ombros
como uma desculpa para soltar a mão da dele, endireitou a coluna e
assentiu vivamente para indicar que estava pronta para prosseguir.
Lanternas coloridas balançavam acima das suas cabeças. O som
distante da música os levou a se aproximar.

— Matilda. — Ele ofereceu o braço. — Eu escolhi você como minha


companhia para esta noite porque eu queria você aqui. Todos
estarão preparados para gostar de você. Você não precisa parecer
que está prestes a marchar para a batalha.

— As suas filhas sabem? — ela perguntou enquanto segurava o


braço dele. — Sobre Gil, quero dizer?

— Sim, — disse ele.

— E elas sabem que ele é casado com a minha sobrinha? —


perguntou ela.

— Sim, — disse ele. — E com a meia-irmã de Lady Estelle Lamarr.


Elas sabem. Elas estão lidando com o conhecimento.

Como ela estava, pensou Matilda. Ela ainda estava lidando com isso,
com o conhecimento de que Charles tinha sido pai de Gil apenas
alguns meses depois de lhe declarar o seu amor eterno e fidelidade.

Eles passearam por uma larga avenida na direção da rotunda,


cercados por outras pessoas, seus sentidos assaltados pelos sons
da música e das vozes e pela visão das luzes coloridas. Ela estava
aqui com uma companhia que não era a sua mãe. Ela estava aqui
com um homem que a escolhera deliberadamente. Ela estava aqui
com Charles. Quem poderia ter previsto isso?
— Você se lembra — ele perguntou, com a voz baixa — da última
vez que estivemos aqui juntos, Matilda?

Como ela poderia não se lembrar? A magia, a excitação, a pura


alegria daquela noite. A sensação inebriante de ser jovem e
apaixonada. A antecipação de uma vida inteira de amor juntos. Ela
nunca duvidara de sua elegibilidade, mesmo sabendo que ele havia
se envolvido em algumas aventuras selvagens com Humphrey.
Afinal, ele era um herdeiro de um título de Visconde. E, aquela noite,
tinha sido uma das poucas vezes que eles conseguiram roubar mais
do que apenas alguns breves momentos, juntos sozinhos. Eles
andaram por um dos caminhos mais estreitos e escuros entre as
árvores, até que pararam e ele a beijou.

— Faz muito tempo — disse ela.

Ele não respondeu. Chegaram à rotunda com os seus camarotes de


frente aberta, dispostos em forma de uma ferradura, próximo da pista
de dança. A orquestra estava posicionada no centro.

— Parece que somos os últimos a chegar — ele disse. — Mas todo


mundo estava vindo pela ponte. Meus filhos, ao que parece, não têm
sentido de romance.

— E você tem? — As palavras estavam fora de sua boca antes que


ela pudesse controlá-las.

Ele virou a cabeça para sorrir para ela. — E eu tenho — ele disse.

Então eles estavam no camarote da família e Matilda estava sendo


apresentada ao Sr. e à Sra. Dewhurst, e ao Lord e Lady Frater, todos
eles sorrindo amigavelmente para ela e apertando a sua mão. O Sr.
Sawyer também lhe apertou a mão calorosamente e Estelle sorriu
para ela e beijou a sua bochecha.

— Faz apenas meia hora que soube que você também vinha aqui
com o Visconde de Dirkson, tia Matilda — disse ela. — Fiquei muito
feliz. Não é a noite perfeita para Vauxhall?
— É mesmo — Matilda concordou. — E desejo-lhe um feliz
aniversário, Sra. Dewhurst.

Ela era uma moça bonita e favorecendo a mãe na aparência, assim


como o irmão. Lady Frater se parecia mais com o pai.

— Obrigado, Lady Matilda — disse a Sra. Dewhurst. — Mas você


pode, por favor, me chamar de Bárbara? E tenho certeza de que a
minha irmã prefere ser chamada de Jane do que Lady Frater.

— Eu prefiro com certeza — disse a jovem Lady. — Venha e sente-


se, Lady Matilda. A comida chegará em breve. Vauxhall sempre tem
o melhor presunto. E morangos.

— Edward vai servir champanhe para você e para o Papai —


Bárbara disse, quando o marido se levantou.

Ah, isto, pensou Matilda, olhando para além dela, para a família de
Charles e, além do camarote, para as vistas e ouvindo os sons de
Vauxhall, era maravilhoso. Maravilhoso. Ela iria guardar todos os
detalhes em sua memória para acarinhar para o resto de sua vida.

Seus olhos pousaram brevemente no rosto de Charles e ela sorriu.

A coisa era, pensou Charles, que Matilda parecia ter a idade que
tinha.

Ela não tinha tentado minimizá-la. E ela se comportava com uma


certa formalidade. Ao mesmo tempo, havia algo quase juvenil nela -
uma certa inocência e curiosidade sobre ela. Não havia brilho nos
olhos, muito poucas risadas, nem muita conversa, muito poucos
sorrisos diretos. Mas ... O que havia nela? Durante todo o tempo,
enquanto jantavam, ouviam música, observavam os dançarinos e
conversavam, ela parecia ... feliz? Essa palavra era forte o
suficiente? Ela parecia que realmente queria estar ali. Ela parecia
totalmente presente. Ela olhou para os filhos dele, genros e sobrinha,
como se realmente gostasse deles e estivesse gostando de estar
com eles. Ela olhou muito pouco para ele, mas, quando o fez, foi
quase com uma expressão interrogativa, como se não soubesse por
que estava ali com ele, mas, naquela noite, de qualquer maneira,
estava contente que estivesse.

Ele suspeitava que houvesse muito pouca alegria na vida adulta de


Matilda. E muito poucos passeios que não incluíam a sua mãe ou
outros membros da família Westcott.

Ele sentiu que as suas filhas gostavam dela, mesmo sabendo de sua
conexão com Gil. Ele sabia que Adrian gostava.

— Quero dançar — anunciou Bárbara depois que os restos da ceia


foram limpos. — E a próximo vai ser uma valsa. Venha, Edward.

— Acredito que quase todas as danças no Vauxhall sejam valsas,


Bárbara — disse Wallace. — Jane? — Ele estendeu a mão para a
esposa.

— Já lhe foi concedida autorização para dançar a valsa, Lady


Estelle? — perguntou Adrian. — Eu sei que esta é a sua primeira
temporada.

— Já, sim — ela disse a ele.

— Não tenho certeza se as regras se aplicam tão estritamente aqui


em Vauxhall — Charles disse, enquanto Lady Estelle se levantou e
pôs a mão na de Adrian. Ele virou a cabeça. — Matilda?

— Oh — ela disse — eu nunca valsei. A dança nem existia em


Inglaterra até alguns anos atrás. — Havia uma certa melancolia na
sua voz.

— Mas você conhece os passos? — ele perguntou.

— Sim, claro — ela disse. — Eu sempre achei que era a dança mais
romântica jamais inventada. Os jovens de agora têm muita sorte.

— Eu não creio, — disse ele, — que exista alguma proibição sobre


os não tão jovens valsarem também. — Ele se levantou e estendeu a
mão para a dela.
— Eu vou fazer uma triste figura de mim mesma — ela protestou. —
E vou humilhá-lo.

— Matilda. — Ele se inclinou um pouco em sua direção. — Você não


confia em mim para a segurar, guiar e impedi-la de tropeçar nos seus
próprios pés ou nos pés de outras pessoas? E você não confia em si
mesma para executar os passos que viu e ansiava por dançar?

— Eu não ansiava ...

— Mentirosa — ele disse suavemente, sorrindo para ela. — Seus


olhos a denunciam.

— Oh, eles não ... — ela protestou.

— Valsa comigo — ele disse.

Ela levantou a mão e colocou na dele. Ela apertou os lábios e ergueu


os ombros e ele quase riu. Mas não era o momento de rir. Apenas
para ternura. Ele sabia que a jovem e brilhante estrela que a jovem
Matilda fora, ainda estava trancada dentro dela, há muito reprimida.
Todo o calor, vitalidade e amor de que ele se lembrava ainda
estavam lá também. Ele não estava imaginando isso. Não era um
pensamento desejável da parte dele. A sua Matilda ainda existia,
mas ela tinha crescido, como ele, e ele não estava arrependido. Ele
não estava mais interessado em beleza e fascinação juvenil. Uma
Matilda de 56 anos lhe convinha perfeitamente. Mas a verdadeira
Matilda, não aquela modelada por seu senso de dever para com a
mãe e pelas necessidades da sua família, que a viam, meramente
como irmã solteira ou tia.

— Você vai se arrepender — ela o avisou.

— Só se você também — ele disse. — Estou apostando na minha


capacidade de garantir que você não vai.

Ele a levou para a pista de dança junto com várias outras pessoas,
incluindo seu filho e suas filhas, e esperou a música começar. Ele
olhou para cima, além das lanternas coloridas, e viu a lua, quase
mas não completamente cheia, e estrelas contra o céu escuro.

— Veja — ele disse, e ela olhou para cima com ele.

Ele baixou os olhos para o rosto dela e a música começou. Ele


colocou uma mão atrás da cintura dela enquanto a dela descansava
em seu ombro. Ele pegou a outra mão na dele e a segurou com
firmeza, perto, mas sem tocar o peito dele. E ele a conduziu através
dos passos da valsa, hesitante a princípio, evitando qualquer rodopio
chique. Ela manteve os olhos nos dele, embora não o estivesse
realmente vendo, ele sabia. Ela estava concentrada nos passos que
tinha visto, mas que nunca dançara. E então ela sorriu rapidamente e
depois com mais brilho, e ele sabia que ela o estava vendo e
começando a se divertir.

Ele a levou a um simples rodopio, e ela riu. Com puro deleite. Ele
sorriu de volta nos olhos dela. Ela era calorosa e vital em seus
braços, e ele estava onde ele queria estar mais do que qualquer
outro lugar do mundo - não no Vauxhall especificamente, mas dentro
do relaxado círculo dos braços de Matilda. Ele estava onde sempre
desejara estar, muito tempo depois de ter, consciente e
inconscientemente, deixado de lado a memória dela e da sua paixão
por ela.

— Nenhum de nós vai se arrepender — ele murmurou sob os sons


da música, vozes e risadas.

— Não — ela disse. E então, com um toque de admiração em sua


voz, — eu estou valsando, Charles.

Ele sentiu um curioso toque na garganta como se - pensamento


alarmante - estivesse prestes a chorar.

— Estamos valsando — disse ele.

E Vauxhall teceu a sua magia em redor deles.


Todos eles, casais velhos e jovens, gordos e magros, ricos e pouco
ricos, valsavam. E Matilda valsou com Charles entre eles.

Ela não se sentia constrangida por ser uma solteirona sisuda que
sempre se sentava entre as acompanhantes, nas raras ocasiões em
que participava de um baile com a mãe ou porque tinha passado dos
cinquenta anos. Ela não tinha passado da idade de querer dançar
uma valsa ou brindar-se com um pouco de romance. Ela não era
velha demais para apreciar a sensação da mão de um homem na
parte de trás de sua cintura, a outra mão na dela, toda a valsa a ser
dançada cara a cara, quase corpo a corpo. Ela podia sentir o calor
dele. Ela podia sentir o cheiro da colônia dele, bem como algo
igualmente atraente que parecia ser o próprio cheiro dele. Ela não
era velha demais para sentir a atração de sua fisicalidade. Ou
sonhar.

Ou para se apaixonar.

Embora talvez fosse impossível se apaixonar por algo em que


alguém já estivesse envolvido. Se apaixonar de novo, então. Poderia
alguém se apaixonar duas vezes, pelo mesmo homem, quando na
verdade não havia parado de amá-lo desde a primeira vez? Isso era
possível?

— O que te diverte? — ele perguntou, e Matilda estremeceu com a


baixa intimidade de sua voz no ouvido dela. Ele sabia, como muitas
pessoas não sabiam, que, para se fazer ouvir através da música e do
murmúrio de vozes, era necessário lançar a voz sob a agitação geral,
em vez de tentar gritar sobre ela.

— Estou apenas curtindo a valsa e as inúmeras sensações de estar


aqui em Vauxhall numa noite adorável — ela disse a ele.

— Não — ele disse. — Havia diversão em seu rosto, Matilda. Algo


fez cócegas em você.

— Oh, — ela disse, — Eu queria saber se é possível ter os mesmos


sentimentos duas vezes na vida sobre o mesmo assunto, ou se isso
significaria que realmente tinha havido apenas uma sensação
distribuída por um longo período de tempo, mesmo que talvez
estivesse adormecida por um tempo, e não dois sentimentos
separados.

E se ele pudesse interpretar isso, seria uma maravilha.

Ele a levou numa série de rodopios que a deixaram maravilhada com


o fato de que, essa talentosa dançarina, que nem uma vez tropeçou
em seus próprios pés ou em qualquer outra pessoa, era ela. Matilda
Westcott. Embora ela soubesse que era realmente o fato de dançar
com Charles que a fazia parecer bem.

— Posso ver por que você estava tão divertida — disse ele. — Essas
são questões enormemente divertidas.

Os olhos dele estavam rindo. Ah, ele costumava fazer isso o tempo
todo. E Matilda não conseguiu impedir que sua própria risada
borbulhasse. Então sua boca também estava sorrindo e todos os
tipos de linhas apareceram em seu rosto, principalmente nos cantos
externos dos olhos. Rugas em formação. Ou melhor, linhas de riso.
Muito atraentes.

E ela nunca - ah, certamente nunca antes, em toda a sua vida,


mesmo quando estava apaixonada aos vinte anos - fora mais feliz do
que era agora, neste exato momento. Valsando em Vauxhall. Com
Charles. Ela queria se beliscar. Não, ela não o fez. Se isso era um
sonho, ela não queria acordar. Nunca.

Mas a valsa chegou ao fim. A vida sempre avançava, quer se


quisesse ou não. Matilda voltou no braço de Charles para o
camarote, apenas para ter a sua mão solicitada, para outra dança,
por seu filho.

Oh meu! Ela estava prestes a recusar. Ninguém nunca dançou com


Matilda. Ela nunca esperava isso. Mas agora dois parceiros numa
noite? Ela poderia nunca se recuperar da vaidade disso. Charles, ela
podia ver, estendia a mão para a filha mais velha e a conduzia para a
área de dança.

— Bem, obrigada — ela disse. — Acabei de dançar a minha primeira


valsa, você sabe. Espero não fazer uma figura triste de mim mesma
e um espetáculo de você durante a segunda.

Ele riu quando eles tomaram os seus lugares na pista de dança. —


Eu sou filho do meu pai em alguns aspetos — ele disse. — Farei
com que você não se machuque, Lady Matilda.

— Ah, — disse ela, — mas você pode também fazer com que você
não o faça?

Ele riu de novo.

Ele era um dançarino tão bom quanto o pai, ela decidiu depois que
eles dançaram por alguns minutos sem conversar - e sem
contratempos - embora ele não fosse Charles, é claro. Ele não era
tão alto e tinha uma cor mais clara e consideravelmente mais jovem.
Ela duvidava que ele tivesse dado um momento de ansiedade à mãe
por ser selvagem enquanto crescia. Embora ele fosse um mero
garoto, é claro, quando a sua mãe morreu.

Os olhos dele estavam nos dela. — Você conhece o meu meio-


irmão, Lady Matilda? — disse ele. — Quando você veio à nossa casa
naquele dia com Bertrand Lamarr, foi para contar ao meu pai sobre a
audiência de custódia, não foi?

— Sim, — disse ela. — Eu pensei que ele poderia ser capaz de


ajudar. Era uma grande incógnita, veja bem, se o juiz ordenaria que a
garotinha ficasse com os avós ou que fosse devolvida ao pai.

— A garotinha — ele disse. — A minha sobrinha. Minha meia


sobrinha.

— Katy, sim — ela disse.


Ela imaginou, que ele ainda estava lutando com o conhecimento, de
que havia outro membro da família de seu pai de que ele e suas
irmãs nada sabiam, até muito recentemente. Assim como eles, os
Westcotts, tiveram de lidar com a aparição de Anna, a única filha
legítima de Humphrey, no meio deles, seis anos atrás. Não tinha sido
fácil. Foi mais difícil para uns do que para outros.

— Lady Matilda, — ele disse, — fale-me sobre a sua sobrinha.

Ela pensou, por um momento, que ele estava mudando de assunto.


— Estelle? - disse ela. — Ela não é realmente minha ... Oh, você
está perguntando sobre Abigail, está?

— Sobre a Sra. Bennington, sim — ele disse.

— Ela é a filha mais nova de meu irmão — disse ela. — Ela sempre
foi doce e quieta, mas uma garota feliz, eu creio. Ela estava prestes
a fazer o seu debute na sociedade quando o seu pai morreu e foi
feita a descoberta de que ele nunca havia sido, legalmente, casado
com a sua mãe. Ela parecia ser a pessoa que melhor recebeu o
golpe. Ela permaneceu quieta e doce. Mas a felicidade dela se foi. E,
na verdade, ela ficou mais quieta do que já tinha sido, retraída e
insistente em ser deixada a viver a sua vida à sua maneira.
Estávamos todos preocupados. Meu coração doeu por ela com
aquele sentimento de desamparo que se tem quando se quer
desesperadamente ajudar, sabendo que todos os esforços para o
fazer não são desejados e, portanto, são inúteis.

A história da sua vida.

— Ah, mas ela se sabia amada — ele disse. — Isso é inestimável


por si só, Madame.

Ele era um jovem gentil, ela pensou. Alguma jovem teria muita sorte
quando ele decidisse se estabelecer.

— E nesse ano ela conheceu Gil Bennington — contou ela — e


casou com ele sem dizer uma palavra à sua família, exceto ao seu
irmão, que foi o único membro da família no seu casamento.
Nenhum de nós estava muito tranquilo em relação a isso, pois ele é
um homem taciturno, sério e severo, muito militar. Mas ficou claro
para nós, na audiência de custódia e depois, que ele ama a sua filha
imensamente e provavelmente, muito provavelmente, a Abigail
também. E ela brilha de felicidade, embora seja tão quieta e
reservada como sempre. Há um certo olhar sobre duas pessoas
apaixonadas, Sr. Sawyer.

Matilda ficou surpresa ao perceber que eles ainda estavam


dançando, cercados por outros casais. Ela havia esquecido de
tropeçar nos seus próprios pés.

— Ela é minha meia-cunhada — disse ele. — Se existe esse


relacionamento.

— Seu pai ama você e suas irmãs, não obstante, o fato de que ele
também ama seu filho natural — disse ela. — O amor não é uma
coisa finita a ser igualmente distribuída entre um número limitado de
pessoas. É infinito e pode ser espalhado para abranger o mundo
inteiro sem perder um pingo de sua força. E Deus, apenas me
escute. Se você deseja conselhos sobre a vida, vá até à tia Matilda.
Diga a todos os seus amigos.

Ele riu. — É um choque para o sistema, você sabe — disse ele —


descobrir aos 22 anos de idade que se tem um irmão de 34 anos. E
agora não vou descansar até o conhecer. E à Sra. Bennington. E
Katy.

Matilda sorriu. Como ela gostava desse jovem. Sob outras


circunstâncias, ele poderia ter sido dela. Mas não. Que pensamento
estúpido e ridículo. Ele era filho de Charles e da sua falecida esposa.

— Quando você e meu pai se conheceram quando jovens — disse


ele — você estava apaixonada, Lady Matilda? E que pergunta
impertinente é esta? Por favor, ignore-a.

Ela continuou a sorrir para ele enquanto Charles e Bárbara


dançavam, rindo de algo que um deles havia dito.
— Nós dois éramos muito jovens — ela disse a ele. — Apenas vinte.
O que quer que existisse entre nós, Sr. Sawyer, acabou muito antes
de seu pai conhecer sua mãe. Eu o vi muito pouco durante os anos
do casamento deles, e, até esse pouco, foi de longe. Nós nunca nos
falamos. Nunca houve nada entre nós.

— Exceto quando você era muito jovem — ele disse. — Como se o


amor jovem fosse tolo e não fosse levado a sério. Eu tenho vinte e
dois, Lady Matilda. Apenas dois anos mais velho que meu pai tinha
então. Eu sei que sou jovem. Eu sei que levará anos até que eu
adquira qualquer tipo sério de sabedoria. Mas os sentimentos dos
jovens não devem ser descartados ou tomados com ligeireza. Eles
são muito reais. Lamento que algo tenha acontecido, e não vou
perguntar o que foi, para separar você e meu pai. Eu gosto de você.

Matilda sorriu e piscou os olhos rapidamente. Era, por causa de


alguma coisa relativa à vida depois dos 55 anos, que ela se estava
se tornando um regador, nos dias de hoje?

— Obrigada — ela disse. — Não foi culpa do seu pai, você sabe. Foi
minha. Mas também é história antiga. Muito antiga.

Eles ficaram num silêncio confortável, pelo que restava da valsa.


Como era agradável sentir-se apreciada, Matilda pensou, surpresa.
Às vezes, costumava imaginar que apenas ser amada, tinha algum
significado.

Mas havia algo enormemente tocante, algo genuíno, em saber que


alguém gostava dela. Um jovem que não tinha qualquer razão para
se sentir assim com ela.

O filho de Charles.

Depois que a dança terminou, enquanto a orquestra fazia uma


pausa, todos se deliciaram com os morangos com creme de leite,
pelos quais Vauxhall Gardens era famoso. E então, Jane sugeriu
uma caminhada, algo que todos concordaram que precisavam,
depois de se deliciar com alimentos tão ricos. Além disso, durante a
escuridão da noite, havia sobre Vauxhall uma atraente beleza para
além da área ao redor dos camarotes.

Todos partiram juntos, o Sr. Sawyer e Estelle liderando o caminho ao


longo da ampla avenida arborizada, bem iluminada pela luz das
lanternas coloridas, Charles e Matilda na retaguarda - como um casal
de acompanhantes conscientes - Charles comentou.

— No entanto — acrescentou um ou dois minutos depois — creio


que foi à Bárbara que o Marquês de Dorchester confiou os cuidados
de Lady Estelle, esta noite. Isso nos deixa livres de toda
responsabilidade, Matilda.

Por alguma razão, suas palavras a deixaram sem fôlego.

A avenida estava cheia de foliões. Era difícil para um grupo de oito


permanecer juntos. Mas ela e Charles não precisaram tentar. As
duas filhas estavam com os maridos. Estelle estava sob os cuidados
de um deles e sendo escoltada por um jovem certamente muito
respeitável.

Que adorável, pensou Matilda, estar sem responsabilidades e


caminhar sozinha com um homem na multidão.

Como ela estivera com o mesmo homem no mesmo local, trinta e


seis anos atrás.

Sete

Trinta e seis anos atrás eles caminharam por esta avenida com um
grupo de outros jovens. Estranhamente - ou talvez não tão
estranhamente, considerando há quanto tempo - Charles não
conseguia se lembrar de quem era qualquer um dos outros, embora
pensasse que Humphrey estivesse lá. Os pais de uma das moças os
acompanharam, mas eles eram um casal alegremente descuidado e
desfrutaram dos prazeres de Vauxhall por conta própria, não
prestando muito atenção ao seu dever, fato que os encantara.

Charles e Matilda haviam entrado num caminho lateral, mais estreito


que a avenida principal, mais densamente cercado por árvores, mais
escassamente iluminado por lanternas e quase deserto. Eles
conseguiram andar lado a lado, mas apenas porque cada um tinha
um braço em volta da cintura do outro. A cabeça dela pousou no
ombro dele depois de um tempo até que, em uma pequena clareira
ao lado do caminho, eles pararam e ele a beijou.

Ele parou, como que de fazer amor total com ela, e ela indicou, no
momento em que ele estava se afastando, que ela não o devia ter
permitido. Mas eles haviam compartilhado um abraço longo e
apaixonado antes daquele momento. Depois, enquanto recuperavam
o fôlego, a testa dele contra a dela, as mãos dela se espalharam
sobre o peito dele, ele disse novamente que a amava, que queria se
casar com ela. Ela disse que sim, oh sim, oh sim, ela também queria
se casar com ele. Ela o amaria com todo seu coração, para todo o
sempre.

Logo depois, eles retornaram à avenida principal para se juntar à


festa e começar a viver felizes para sempre. Menos de uma semana
depois, ele havia visitado o pai dela ...

— Matilda — disse ele, enquanto caminhavam pela avenida principal


— quanto tempo demorou para que você parasse de me amar? —
Por que ela o tinha amado. Ele tinha duvidado disso durante muito
tempo, quando a dor era crua mas não mais.

— O mesmo tempo que demorou a você — ela disse. — Gil nasceu


no ano seguinte.

— Lidei com meu amor indesejado de uma maneira completamente


desenfreada e imatura — ele disse. — Suponho que, permaneci
imaturo muito tempo depois da idade em que a maioria dos homens
se acalma. Até há cerca de dez anos atrás, de fato. Não amava a
mãe de Gil, embora não quero falar desrespeitosamente. Ela não era
uma mulher de moral fraca. Eu acredito que ela realmente pensou
que eu a amava e iria me casar com ela. Ela me puniu com muita
eficácia quando entendeu que eu não iria e não podia.

— Mantendo você longe do seu filho? — disse ela.

— Sim.

— Você está me dizendo, então — perguntou ela — que todo o


comportamento pelo qual você ficou famoso foi por minha causa? Eu
te machuquei tanto?

— Eu me machuquei — ele admitiu. — Mas meu comportamento era


meu. Você não foi responsável por nada disso, Matilda.

— Humphrey sempre me assegurava, sempre que perguntava —


disse ela — que você não estava ferido, que estava mentindo para
mim quando me disse que me amava, que era incapaz de amar
como ele. Você era um sujeito importante na sua opinião. Ele me
disse para crescer no mundo real e não esperar amor fora das
páginas de um livro.

— E você ouviu e acreditou? — disse ele. Ela perguntou ao irmão


sobre ele?

— Não procurei o amor de nenhum homem — disse ela.

— Por minha causa? — ele perguntou.

— Não, claro ... — ela parou. — Sim. Por sua causa.

Ele respirou lentamente e soltou um suspiro quase audível.

— Sua mãe te trata mal, Matilda — ele disse. Talvez parecesse uma
falácia, mas não era. — Você desistiu do amor e do casamento para
ser tratada com impaciência e irritabilidade, mesmo ante estranhos?
Você não se arrepende?
— Os arrependimentos são inúteis — disse ela bruscamente. —
Minha mãe às vezes fica impaciente comigo porque eu a mimo. Eu
só percebi isso recentemente. Sempre estive tão empenhada em
demonstrar o meu amor e devoção, em tornar a minha vida parecer
significativa, que a tratei, pelo menos nos últimos anos, como uma
mulher idosa e não como uma pessoa digna, ainda capaz de cuidar
da sua própria vida. Fui uma dura provação para ela, como ela foi
para mim. Não julgue de fora, Charles. Ela tem os seus próprios
demônios para lidar. Ela se sente culpada por arruinar a minha vida.
A minha presença sempre ao seu lado e o meu ... comportamento
subserviente são uma reprovação constante para ela. Eu poderia ter
me comportado de maneira diferente, todos esses anos atrás. Eu
poderia ter lutado por mim mesma, em vez de ceder tão
humildemente aos medos e comandos de meus pais. Eu poderia ter
casado com alguém que eles aprovassem. Oh, mas arrependimentos
são inúteis, Charles. Devemos estragar a mais maravilhosa, das
noites maravilhosas, falando do passado?

A avenida estava lotada. Eles se esquivaram de outros foliões e,


provavelmente, irritaram vários deles com seu ritmo lento. A
orquestra voltou a tocar, mas a música era quase abafada pelo som
de vozes e risadas.

Talvez sua mãe não fosse tão ogro, então, Charles pensou.

Aparentemente, ela tinha consciência. Talvez ela amasse a sua filha


mais velha, afinal. Provavelmente ela o fazia, de fato. E Matilda a
amava em troca, apesar de sua mãe ter arruinado a sua vida - uma
escolha interessante de palavras. Não, ele não deveria julgar. As
relações humanas íntimas eram, muitas vezes muito mais
complexas, do que pareciam às pessoas de fora. Seu próprio
relacionamento com a esposa, por exemplo, estava longe de ser
simples, longe de ser unilateral. No geral, havia sido um casamento
decente, embora ele fosse um marido rebelde a maior parte do
tempo e, ela lhe dissesse, mesmo antes de se casar, que ela não
tinha nenhum interesse real pelos homens, mas reconhecia a
necessidade de se conformar às expectativas da sociedade,
casando-se com ele. No entanto, eles haviam produzido três filhos
que se tornaram adultos afetuosos e sensíveis, dos quais ambos
tinham orgulho.

— Não vamos estragar a noite — disse ele. — Ela é maravilhosa,


não é?

Ele não podia ter a certeza, com a luz ténue e oscilante das
lanternas, mas parecia que seus olhos estavam cheios de lágrimas.
E quanto ela havia revelado sobre os seus sentimentos!

... esta maravilhosa das noites maravilhosas.

Ah, Matilda.

— Venha — ele disse, virando-a para um caminho lateral, assim


como ele fez mais de trinta anos atrás. — Vamos procurar um pouco
mais de privacidade.

Ele não podia ter certeza de que era o mesmo caminho. Mas isso
não importava. Era estreito como o outro, um pouco estreito demais
para duas pessoas caminharem, confortavelmente, lado a lado. Ele
tirou o braço do dela e envolveu a cintura dela. Longe de mostrar
qualquer indignação ou resistência, ela colocou o próprio braço sobre
ele e repousou brevemente o lado da cabeça no ombro dele.

Assim como da última vez.

— Assim é melhor — ele disse. — O barulho parece mais abafado


aqui.

— Sim, — disse ela. — Charles ...

— Mmm? — Ele esperou que ela continuasse.

— Certamente isto é impossível — disse ela.

— Isto?
— Certamente é — ela disse. — Impossível. Mais de três décadas se
passaram. Estou velha.

— Eu me oponho a essa palavra — ele disse a ela. — Pois se você é


velha, então eu sou mais velho. Parece que três meses mais velho.
Não somos velhos e, mesmo que sejamos, não estamos mortos.
Somente nessa circunstância, eu seria forçado a concordar com
você que isto é impossível. Embora, talvez eu não pudesse
concordar ou discordar. Eu estaria morto. Estamos vivos, Matilda.

— Mas este tipo de coisa é para os jovens — ela protestou.

— Esgueirar-se entre as árvores para colocar os braços em volta da


cintura um do outro? — disse ele. — Abraçar?

— Ah, não isso — ela disse, apressadamente. — Seria muito


impróprio.

E ela parecia tanto uma soberba solteirona de meia-idade que ele


sorriu na escuridão. Ele a amava. Mas apenas porque havia também
a sua paixão. E paixão que, definitivamente, se escondia dentro dela.
A qual vislumbrou, brevemente, durante o beijo em cima da torre. E
em alguns de seus olhares e palavras desde então - esta
maravilhosa das noites maravilhosas, por exemplo.

— A maioria — ele concordou.

— Você está rindo de mim — ela disse.

— Sim.

Ela virou o rosto para ele, embora ele duvidasse que ela pudesse ver
seus olhos rindo. — Isso é cruel.

— É, meu amor? — ele perguntou.

— Charles! — Sua voz parecia meio agonia, meio indignação.


— Você não quer que eu te chame assim? — ele perguntou. — Meu
amor?

— Ch-aa-arles.

Ele parou de andar. Havia um pequeno abrigo de chuva aberto,


numa pequena clareira, à direita do caminho, um banco dentro dele,
uma lanterna suspensa do galho de uma árvore à sua frente para
iluminar o interior. Ele a levou em direção a ele, embora ele não se
sentasse com ela. Ele a encarou e entrelaçou os dedos com os dela
ao lado deles, como fizera na torre. Ele podia, vagamente, ver o
rosto dela assim como ela era capaz de ver o dele. Ela o estava
olhando com os olhos arregalados.

— Isso não é resposta — ele disse. — Você não entende, que é isso
que você é para mim, meu amor?

— Ah — ela disse — você não pode me amar, Charles.

— Não vejo por que não — disse ele. — E aparentemente é


possível. Eu testei a ideia e não encontro nenhuma falha nela. Você
me ama, Matilda?

Ele a observou lamber os lábios, abaixar o olhar, primeiro para a


boca e depois para o pescoço. — Claro que sim — disse ela,
parecendo quase zangada.

— Você não pode possivelmente. — ele disse a ela, e seus olhos se


ergueram para olhar acusadoramente os dele novamente.

— Eu nunca deixei — ela disse. — Você acha que eu o fiz, ou que


poderia? Acompanhei todos os acontecimentos da sua vida de longe,
e vivi pelos poucos vislumbres que tive de você, ao longo dos anos.
Sangrei um pouco por dentro, toda vez que ouvi algo sobre você que
reafirmou minha convicção de que havia feito a coisa certa,
recusando-me a ter mais alguma coisa a ver com você. A dor
diminuiu com o passar do tempo, até quase não haver dor. As
lembranças diminuíram até ficarem quase inconscientes, perdidas
em algum lugar nos recônditos da minha mente. Mas sempre,
sempre, soube que te amava, por mais ridículo que parecesse, por
mais ridículo que parecesse para quem possa ter suspeitado.

Ele ficou muito quieto por dentro. Seu amor por ela deve ter
permanecido dormente nele por mais de metade de sua vida, mas
ele não pensou nisso, depois de um ano ou mais que ela o rejeitou.
Ele não pensou nela ou quase não pensou. No entanto, seu amor
não deve ter morrido completamente – senão como se reavivou, tão
facilmente agora, em toda a sua intensidade? Por que, após um
período tão breve, ele estava mais seguro do que em qualquer outra
coisa em sua vida, que amava esta mulher que tinha a idade dele e
que parecia e se vestia sem glamour ou óbvio fascínio? No entanto,
para ele, ela parecia a mulher mais bonita do mundo. Por que ele se
apaixonou apenas duas vezes na vida e pela mesma mulher? Isso o
abalou profundamente: mesmo sendo ela quem o havia rejeitado
todos esses anos atrás, ela permaneceu fiel a ele desde então. Pois
ele sabia que ela devia ter tido inúmeras chances de se casar com
outros homens, pelo menos nos dez anos seguintes a ele.

— Matilda. — Ele suspirou e a puxou para ele, um braço em volta da


cintura e o outro em seus ombros. — Você me envergonha com sua
firme fidelidade.

— Mas fui eu quem te mandou embora — disse ela.

— Por razões que lhe pareciam boas na época e, possivelmente,


eram — ele disse. — Como qualquer um de nós pode ter certeza, de
que não teria terminado exatamente como aconteceu, mesmo se
tivéssemos casado? Não acredito que teria, mas não posso ter
certeza. Talvez precisássemos esperar até ficarmos mais velhos.
Poderíamos ter tido um casamento muito infeliz se tivéssemos
casado quando éramos jovens.

— E talvez não tivéssemos — disse ela, com infinita tristeza em sua


voz.

— Você disse, anteriormente, que arrependimentos são inúteis —


disse ele, apoiando a testa na dela. — Você estava certa.
— Sim — ela concordou.

E ele a beijou.

Ela beijou como alguém que nunca havia sido beijada antes, com os
lábios levemente franzidos e os membros rígidos - mesmo que eles
tivessem se beijado em Kew. Mas lá, ele não a tinha abraçado.
Talvez ela se sentisse mais assustada desta vez. Ele levantou a
cabeça.

— Coloque os seus braços em volta de mim — ele disse. Ela tinha


as mãos agarradas ao braço dele. Ela inclinou a cabeça levemente
para um lado, em um gesto familiar, antes de se soltar e deslizar um
braço sob o dele, sobre a cintura dele e envolver o outro no pescoço.

— Charles, — disse ela. — Eu não sou boa nisto. Eu só vou fazer


uma figura triste de mim mesma.

— Não acredito que exista um manual — disse ele. — Ou qualquer


regra, de fato. Apenas me beije, meu amor, e eu vou te beijar.

— Você não deveria me chamar assim — disse ela.

— Meu amor? — disse ele. — Por que não?

Ela apertou os lábios, parecia que estava prestes a dizer algo, e


mudou de ideia. — Continuo esperando acordar — disse ela
finalmente.

— Eu também — ele disse a ela. — Mas enquanto dormimos, vamos


compartilhar o sonho?

Ela apertou os braços sobre ele. — Muito bem — disse ela, tão
primorosamente, que ele quase riu.

Ele sorriu e a beijou novamente, puxando-a contra ele, movendo a


mão pelas costas dela para atraí-la ainda mais. Ele sondou a costura
dos lábios dela com a língua e, quando eles se entreabriram, ele
explorou o interior da boca dela, acariciando e circulando a língua
dela. Ela gemia baixo na garganta, e ele podia sentir uma de suas
mãos emaranhadas em seus cabelos.

E embora ela fosse diferente da maneira como tinha sido aos vinte
anos, havia algo nela que era inconfundivelmente Matilda, e ele
sabia que nunca havia realmente deixado de a amar. Foi por isso
que ele nunca se apaixonou por mais ninguém. Para sempre, em
algum lugar nos recônditos de seu ser, sempre tinha sido Matilda. E
agora - sim, era como um sonho - ele a segurava nos braços,
novamente.

Eles estavam se olhando nos olhos um do outro, sob o brilho ténue e


rosa da lanterna, a cabeça dela inclinada para trás.

— Eu nunca pedi para você se casar comigo — ele disse. — Seu pai
disse que não, e então você me mandou embora, e a pergunta
permaneceu sem resposta.

— Sim, — disse ela. — Sinto muito, Charles. Sei agora que você
sofreu exatamente como eu.

— Podemos finalmente corrigir a omissão? — ele perguntou. — Quer


se casar comigo, Matilda?

Seus olhos se arregalaram e ela deu um passo para trás, abaixando


os braços para os lados. — Oh, — disse ela. — Mas é impossível.

— Por quê? — ele perguntou.

— Tem a sua família — ela disse. — E a minha. Tem... a nossa


idade.

Ele virou a cabeça para olhar o banco dentro do abrigo de madeira e


a levou a sentar-se lá. Ele pegou uma das mãos dela e a segurou na
coxa.

— Vamos dispensar a última objeção primeiro? — disse ele. —


Existe um limite de idade para o amor e o casamento? Se desejamos
passar o resto de nossas vidas juntos, importa se temos vinte ou
cinquenta e seis ou oitenta?

— As pessoas iriam rir — ela disse.

— Elas iam? — ele acariciou o polegar sobre a palma da mão. —


Que estranho da parte delas. Que pessoas exatamente?

— Elas ririam de mim, — ela disse.

— Não consigo pensar em ninguém que o faria — disse ele. — Mas


no caso improvável de existir alguém, você se importaria?

Ela franziu o cenho, pensativa, com os olhos nos dele. — Eu acho


que sim, — disse ela. — Se eu me tornasse objeto de zombaria da
sociedade, acho que iria me importar.

E o fato é que isso era possível. Lady Matilda Westcott era


conhecida por muitos como uma solteirona séria, exigente e
envelhecida, que pairava constantemente sobre sua mãe. Será que
ela seria olhada como uma figura ridícula se ela de repente
anunciasse o seu noivado e parecesse como parecia agora? Como
uma mulher apaixonada? Com o coração nos olhos? “Toda abril e
maio”.

— Então suponho que você terá que decidir qual o curso de ação
que você prefere — disse ele. — Você prefere manter a sua imagem
familiar e, portanto, em grande parte invisível na sociedade? Ou você
prefere anunciar o seu noivado comigo e se tornar a sensação do
momento e não muito invisível?

— Oh, — disse ela, ainda franzindo a testa. — Oh Deus.

— Há trinta e seis anos — disse ele — você não teve escolha. Foi-
lhe dito o que fazer e você o fez. Você viveu com as consequências
desde então. Agora, depois de todos estes anos, você tem uma
escolha. Você pode continuar como está. Ou você pode se casar
comigo. Você tem a escolha, Matilda.
— Mas ainda é impossível — disse ela. — Pois não somos os únicos
envolvidos. Existe a sua família. E a minha.

— Meus filhos gostam de você — ele disse a ela. — Eu sei que


Adrian o faz. Ele me disse isso. E sinto que Bárbara e Jane também.
Eles não gostam muito das mulheres que eu acompanho. Pois eles
sempre as consideram esposas em potencial, e todas elas acabam o
querendo, de uma maneira ou de outra.

— Certamente, eu gostaria tanto, quanto qualquer outra pessoa —


disse ela. — Eles não podem deixar de comparar as outras mulheres
com a mãe. Eles certamente não podem querer que você se case
novamente.

— Acredito que você esteja errada nisso — ele disse. — Por mais
que eu não mereça tanta sorte, tenho filhos que me amam e desejam
me ver feliz. Eles amavam a mãe, mas aceitam o fato de que ela se
foi, enquanto eu ainda estou aqui. E o que dizer dos Westcotts,
Matilda? Eles parecem muito decentes, em geral. Por que você
espera que eles se oponham, finalmente, à sua felicidade?

— Ah — disse ela — não é que eles não desejem a minha felicidade.


Mas para eles, eu sou apenas a Matilda. Ou a tia Matilda. Sou a irmã
que ficou em casa para cuidar de minha mãe enquanto os outros
dois se casavam. Todos eles iriam ...

— Rir? — ele sugeriu quando ela não completou, imediatamente, o


pensamento.

— Não. — Ela estava franzindo a testa novamente. — não é isso.


Eles não seriam tão cruéis. Mas eles ficariam ... incrédulos.

— E talvez um pouco felizes por você? — ele sugeriu.

— Não tenho certeza — ela disse. — Eles certamente podem


duvidar do meu julgamento. Quando souberam que você era o pai de
Gil, eles imediatamente se lembraram de sua reputação
desagradável.
— Era uma notoriedade bem-merecida — disse ele — e tem sido
difícil de abalar, até impossível em alguns círculos. Eu posso
entender a preocupação que eles sentirão por você. No entanto, se
você decidir se casar comigo, eles saberão que eu mudei. Talvez
alguns deles já o saibam. Todos eles me trataram com cortesia
calorosa quando participei do jantar de Riverdale.

— Mas, então você não era meu noivo — disse ela.

— E agora sou? — ele sorriu para ela. — Então terei algum trabalho
pela frente. Terei de convencê-los de que amo você, que você é todo
o mundo para mim e sempre será. E você, se decidir se casar
comigo, terá de mostrar a eles que você não é apenas a irmã Matilda
ou a tia Matilda, mas Matilda sem qualificadores, uma pessoa de seu
próprio direito, livre para fazer suas próprias escolhas. Uma pessoa
que merece a felicidade. Se, isto é, você me ama mais do que você
tem medo da mudança ou da incredulidade de sua família e da
sociedade.

— Oh, Charles. — Ela suspirou.

Ele soltou a mão dela, colocou o braço sobre os ombros dela e


colocou a cabeça dela no ombro dele.

— Duas simples perguntas — ele disse. – Primeiro, você me ama?

— Você sabe que sim — ela disse. — Eu sempre o fiz.

— Segundo — ele disse — você quer se casar comigo?

Houve um longo silêncio antes de ela responder. — Sim — ela disse,


finalmente.

— Uma pergunta um pouco mais complexa, então — ele disse. —


Quer se casar comigo, Matilda?

— Oh, — disse ela.

Ele esperou.
— Sim — ela disse, então, sua voz quase inaudível. — Oh sim,
Charles, eu quero.

Ele soltou o ar que não havia percebido que estava segurando. —


Então, por hoje à noite, vamos descansar — ele disse. — Nós nos
amamos. Devemos nos casar e passar o resto de nossas vidas
juntos. Às vezes a vida é, realmente, assim tão simples.

— Mas ... — ela começou.

Ele colocou um dedo nos lábios dela. — Sem mas. Não essa noite.

— E amanhã acordamos do sonho? — ela perguntou contra o dedo


dele.

— Existe uma coisa engraçada acerca do amanhã — ele disse. — É


que nunca chega. Você percebeu? Pois quando chega o dia que
deve ser amanhã, é hoje. E hoje estamos apaixonados e planejamos
nos casar.

Ela olhou para ele e depois riu - com aquele delicioso som alegre
que sempre podia fazer seu coração revirar. — Que absurdo! — ela
disse. — Você fez a minha cabeça ficar zonza.

Ele sorriu para ela e a beijou novamente, antes de se sentar em


silêncio com ela, olhando para a escuridão de tons rosados e
ouvindo o canto dos pássaros e os sons distantes da música e das
vozes e das risadas.

— Nós vamos nos casar? — ela perguntou depois de um tempo. —


Finalmente?

— Finalmente — ele disse suavemente, sua bochecha contra o topo


da cabeça dela. — E vai ser bom, Matilda. Eu prometo.

— Sim. — Ela sorriu e, sob o brilho da lanterna, ele viu uma lágrima
escorrer pela bochecha dela e desaparecer sob o queixo.
Ele não demostrou que havia notado. Ele fechou os olhos e
descansou um pouco mais, em sua felicidade.

Oito

Charles estava muito errado sobre o amanhã. Tinha chegado.

Também se tornou hoje no processo, como Charles havia dito, mas


era muito diferente de ontem.

Oh Deus, ela estava começando a pensar como ele, de uma maneira


que lhe atordoava a cabeça. Basta dizer que hoje - agora, hoje de
manhã - era muito diferente de ontem, ontem à noite. Então ela foi
pega na magia dos jardins Vauxhall e tudo lhe pareceu possível. Foi
a noite mais maravilhosa de sua vida. Culminou com fogos de
artifício e numa viagem para casa em um veículo escuro, com as
mãos entrelaçadas na coxa dele. Terminou com um beijo caloroso
quando a carruagem parou ao lado da sua porta. E a promessa
tácita, de felizes para sempre.

Naquela manhã, ela era, novamente, Matilda Westcott, um pouco


pálida e com olhos sonolentos, porque não estava acostumada a
noitadas ou a dançar e beijar cavalheiros bonitos e concordando em
se casar com eles. Ela não estava acostumada a rir e até gargalhar
uma ou duas vezes. Oh, Deus, ela realmente se comportou de
maneira tão imprópria, como se fosse uma garota? O que todos
devem ter pensado? Hoje, a ideia de se casar com Charles parecia
totalmente absurda. Ele não podia ter falado a sério, ou, se tivesse,
hoje estaria sentindo um certo horror pelo que dissera, num
momento impulsivo.

Naquela manhã, ela estava se sentindo velha, gorda, mortalmente


deprimida e irritada, e nem um pouco ela. Ela queria ser ela mesma
novamente. Em vez disso, sentia vontade de chorar.
— Sua noite fora — disse a mãe, pousando a carta que estava lendo
e olhando para a filha do outro lado da mesa do café — não deve ter
sido um grande sucesso.

— Eu teria ficado mais feliz se tivesse ficado em casa — disse


Matilda. — Eu me preocupei que você estivesse sozinha. — Com
uma onda de culpa, ela se apercebeu que mal tinha dado um
pensamento a sua mãe, durante toda a noite. E agora ela mentiu e a
fez se sentir pior.

— Eu estava sozinha numa casa cheia de criados e uma biblioteca


cheia de livros — disse a mãe dela. — Matilda, eu não preciso de
você.

Bem assim. Ela foi justamente punida por sua mentira.

— Eu apenas amo você — acrescentou a mãe.

A mãe dela nunca falou assim. Matilda franziu a testa e olhou para o
prato. Ela ficou bastante surpresa ao ver meia fatia de torrada
barrada com geleia ali. Ela não conseguia se lembrar de comer a
outra metade, ou qualquer outra coisa.

— Foi uma noite agradável o suficiente — disse ela. — Vauxhall vale


sempre a pena uma visita. A Sra. Dewhurst pareceu gostar do
aniversário dela. Todo mundo foi muito amável e gentil.

Eu valsei. Eu ri. Ele me beijou - e eu o beijei de volta. Eu aceitei sua


proposta de casamento.

— E o Visconde de Dirkson? — perguntou a mãe.

— Ele foi amável e gentil também — disse Matilda, levantando-se. —


Mamãe, deixe-me pegar uma xícara de café fresco. Esse ficou frio
enquanto você lia sua carta.

— Não preciso de uma xícara nova — disse a mãe, com um lampejo


de sua antiga irritabilidade. — Não se preocupe, Matilda. Lamento se
a noite não foi tudo o que você esperava que fosse. Sinto muito.
— Eu não tinha expectativas — disse Matilda. — E foi realmente
muito agradável.

Mas sua mãe estava de pé e caminhando em direção à porta. Estava


na hora de uma de suas reuniões com a governanta para discutir as
refeições para os próximos dias e outros assuntos domésticos. Ela
nunca havia permitido que Matilda assumisse as suas
responsabilidades. Ela nunca se ofereceu para compartilhá-las.

Matilda foi para a sala da manhã para escrever cartas para as


sobrinhas, Camille em Bath e Abigail em algum lugar de
Gloucestershire em sua casa de campo, que ela compartilhava com
Gil e Katy. Filho e neta de Charles. Não havia como fugir dele, havia?

Mas ela queria? Ela não aceitou uma oferta de casamento dele
ontem à noite? Ele não segurou a mão dela até a carruagem e a
beijou antes de o cocheiro abrir a porta e descer os degraus? No
entanto, ele não disse nada sobre vê-la novamente. Mas,
certamente, ele pretendia. Seria muito peculiar se ele não o fizesse,
mesmo que tivesse mudado de ideia.

Como ele certamente fez.

Oh, ele estava errado sobre amanhã. O amanhã definitivamente


chegou, e não era o mesmo que ontem. Mas o que acontecia hoje,
enquanto se fazia o contraste entre ontem e amanhã? Estranhos
pensamentos.

Ele não podia amá-la.

Não havia como ele realmente querer se casar com ela.

Basta olhar para ela.

Os primeiros visitantes chegaram no início da tarde. Não era


incomum as irmãs de Matilda visitarem, pois estavam atentas à mãe
e sabiam que ela gostava de ouvir as últimas fofocas que ainda não
haviam chegado aos jornais da manhã. Era incomum que eles se
reunissem, como fizeram hoje, e que Louise trouxesse sua filha
Jessica e Anna, Duquesa de Netherby, sua nora. E assim que as
quatro chegaram, trocaram cumprimentos e falaram sobre o tempo e
sentaram-se, e logo Viola, Marquesa de Dorchester, ex-cunhada de
Matilda, também foi levada à sala.

— Parece que todas nós tivemos a mesma ideia esta tarde — disse
ela, e beijou as bochechas, perguntou pela saúde da viúva e
comentou o fato de que seria um dia adorável se o vento não
estivesse tão cortante.

— Eu sabia que você, pelo menos, estaria aqui, Louise. Sua


carruagem está do lado de fora da porta.

— Thomas chegou do White's Club esta manhã — disse Mildred —


com a notícia de que, você foi vista em Vauxhall, na noite passada,
Matilda, em companhia do Visconde de Dirkson. Você estava
passeando pela avenida principal com ele, aparentemente sem nem
a sua empregada como companhia. Pensei que quem disse isso ao
Thomas devia ter se enganado, mas quando falei com Louise, ela
me informou que Jessica dançou com o jovem Bertrand Lamarr na
noite passada e ele disse a ela, quando perguntou sobre Estelle, que
tinha ido com o Sr. Sawyer e uma das suas irmãs a uma festa de
aniversário em Vauxhall Gardens. E o Sr. Sawyer disse a Bertrand
enquanto eles estavam esperando que Estelle terminasse de se
arrumar, que seu pai havia convidado você para acompanhá-lo,
Matilda.

— Fiquei encantada, tia Matilda — disse Jessica.

— Sim, eu estava lá — disse Matilda. — Foi uma noite agradável.

— Apenas agradável? — Viola sorriu calorosamente para ela. —


Estelle estava borbulhando esta manhã sobre todas as suas
experiências lá. E ela estava muito feliz por você estar lá também.
Ela nos contou como você parecia muito diferente de como ela
sempre pensara em você. Sobre como, em Kew Gardens, na
semana passada, e em Vauxhall, na noite passada, você estava
plena de brilho, riso e diversão, por outras palavras, eu garanto. Você
se divertiu?

— Bem, eu me diverti. — Matilda sentiu-se terrivelmente


desconfortável. Ela não estava acostumada a ser o foco da atenção
de ninguém, nem da família. — Era uma festa de aniversário, e eles
são uma família unida e estavam gostando muito da ocasião e da
companhia uns dos outros. Como eu poderia não ter gostado
também? Seria incivilizado parecer entediada ou, até mesmo,
solene.

— Tia Matilda. — Havia pura travessura no sorriso de Anna. — Você


tem namorado? Eu espero que sim.

— Anna — disse Louise, reprovadora.

— Oh, diga que é verdade, tia Matilda — disse Jessica, com uma
faísca de malícia nos olhos. — Quando estávamos em Kew, pensei
que o Visconde de Dirkson era particularmente atento a você.

— E nós ouvimos, Matilda — disse Viola — que você valsou na noite


passada. Mais de uma vez. Com o Visconde de Dirkson mais do que
com qualquer outra pessoa.

— Eu acredito que você está apaixonada — disse Jessica, rindo e


batendo palmas.

— Jessica. — A voz indignada de sua mãe colocou, num instante, o


fim à sua alegria. — Sua tia Matilda não é uma figura divertida. Ela é
uma senhora de idade madura e deve ser tratada com o respeito que
lhe é devido. A própria ideia de estar apaixonada, como se fosse
uma garota tonta. E pelo Visconde de Dirkson de todas as pessoas.

— Eu devo concordar com Louise — disse Mildred. — Eu não posso


ficar parada e escutar minha irmã sendo provocada acerca deste
assunto. Ela é madura demais para se apaixonar ou ter um
namorado. E ela é sensata demais para perder a cabeça por um
homem como o Visconde de Dirkson. Ele pode ter reformado as suas
maneiras nos últimos anos, mas já teve uma reputação muito
desagradável e, mesmo agora, não deve ser bem-vindo à sociedade
de braços abertos. Provavelmente não foi prudente que Alexander e
Wren o convidassem para jantar conosco. Apenas considere o que
se seguiu. Ele teve o descaramento de sugerir que Matilda
compartilhasse com ele os deveres de acompanhante para a
excursão dos jovens a Kew. E quando soube, esta manhã, que ele a
levara para a festa de aniversário de sua filha, fiquei muito zangada.
Você não deve ser submetida a esse desrespeito, Matilda, e lamento
que isso tenha acontecido. Pedirei a Thomas que fale com o
Visconde de Dirkson. Louise e Anna, não machucariam se vocês
convencessem Avery a fazer o mesmo.

Matilda sentou-se calmamente em sua cadeira, lutando contra o


desejo de pular de pé e prover alguma necessidade imaginária da
mãe.

— Obrigada — ela disse. — Obrigada por terem vindo e demonstrar


a vossa preocupação. Você fala de mim como uma mulher madura,
Louise. E você também, Mildred. No entanto, vocês falam comigo
como se eu fosse uma criança, alguém com falta de conhecimento e
da experiência necessária para comandar a sua própria vida e tomar
as suas próprias decisões. Vocês falam de mim como se eu fosse
alguém que precisa de um homem, um membro da família, para me
proteger de todo o mal que me espera além de minhas portas.

— Bem, você deve admitir, Matilda — disse Louise — que sua


experiência de vida é severamente limitada. Você viveu todos os
seus dias com mamãe e papai enquanto ele estava vivo, protegida
na segurança de casa. Nós nos importamos. Não queremos ver você
sujeita a fofocas.

— Nós não suportamos vê-la humilhada — acrescentou Mildred. —


Ou ferida. Nós amamos você, Matilda. Você é nossa irmã.

Matilda respirou fundo para responder, mas sua mãe falou primeiro.

— E Matilda é minha filha — ela disse. — Minha primogênita. A mais


velha de todas. Com idade suficiente para decidir por si mesma o
que ela quer fazer com sua vida, mesmo que seja apenas para ir a
Kew Gardens a uma festa de jovens e o pai de um deles, um homem
cuja reputação, uma vez, o colocou além dos limites da sociedade
educada. Ou mesmo para ir ao Vauxhall sob a escolta do mesmo
homem e em companhia de seu filho, filhas e cônjuges. Ela tem
idade suficiente para decidir por si mesma se vai brilhar, rir e se
divertir, como Estelle disse. Que linguagem descuidada, Viola! E
Matilda tem idade suficiente para decidir se vai valsar sob as
estrelas. Ela tem idade suficiente. Talvez seja desrespeitoso, Louise
e Mildred, questionar o julgamento da vossa irmã mais velha.

Houve alguns momentos de incrédulo silêncio enquanto todos,


inclusive Matilda, encaravam a condessa viúva. Encarar era a única
palavra apropriada.

— Realmente não quis ofender, Matilda — disse Louise, finalmente.


— Você deve saber disso. Estou apenas preocupada com você.
Claro que você pode ... Mas você tem uma ligação com Visconde de
Dirkson?

— É verdade — perguntou Jessica — que você era apaixonada por


ele, tia Matilda?

— E você está de novo? — perguntou Anna. — Mas nós estamos


constrangendo você. Nos perdoe. Nós realmente nos importamos,
você sabe. Se não o fizéssemos, não a provocaríamos. Nós nos
preocupamos com a sua felicidade. E consigo. Vamos mudar um
pouco de assunto. Houve fogos de artifício ontem à noite? Eles eram
tão incríveis quanto costumam ser?

Mas antes que Matilda pudesse responder, o mordomo apareceu na


porta - ninguém havia ouvido sua discreta batida - e todos se viraram
para ouvir o que ele tinha a dizer.

— O Visconde de Dirkson, Milady — anunciou ele, e Charles entrou,


a passos largos, na sala.
Charles vira as duas carruagens do lado de fora da porta. Ele até
reconheceu uma delas como pertencente ao Duque de Netherby. Por
um momento, pensou em voltar o seu currículo e retornar mais tarde,
mas sempre havia uma chance de ele já ter sido visto pela janela da
sala de estar. Além disso, ele não tinha motivos para se esconder da
família Westcott. Na verdade, ele tinha todos os motivos para não o
fazer.

No entanto, alguns minutos depois, ele ficou um pouco


desconcertado quando entrou na sala de estar nos calcanhares do
mordomo e encontrou a sala, aparentemente, cheia de mulheres.
Todas elas eram membros da família. Matilda, ele ficou feliz em ver,
hoje não estava pairando atrás da cadeira de sua mãe, mas estava
sentada com as costas retas na ponta de outra cadeira, duas
manchas coloridas nas bochechas.

— Madame. — Ele fez uma reverência para a condessa viúva e


olhou para as outras. — Ladys. Matilda. — Ele sorriu para ela.

Ela olhou para ele, com o que ele poderia descrever apenas como
um enorme embaraço, pois todo mundo se apressava em
cumprimentos, que variavam de moderados a efusivos. Ele imaginou
que elas estavam falando sobre ele antes de sua chegada. Ele se
perguntou se Matilda lhes tinha contado, como ele contara a seus
filhos - Adrian ontem à noite, Bárbara e Jane esta manhã.

— Estelle estava deslumbrada no café da manhã sobre a visita a


Vauxhall na noite passada — disse a Marquesa de Dorchester. —
Que ideia inspirada, Lorde Dirkson, escolher o local para celebrar o
aniversário da sua filha.

— Foi inteiramente ideia dela, Madame — disse ele. — Mas foi


realmente uma noite adorável. Não foi, Matilda?

— Foi — ela disse, e certamente, não foi sua imaginação que toda a
atenção se voltou, repentinamente, para ela. As mãos dela estavam
apertadas firmemente no colo. Seus lábios estavam numa linha
cerrada. — Foi adorável.
Ah, ela não lhes tinha dito.

— Vim me assegurar de que você não sofreu nenhum resfriado ou


outros danos — disse ele.

— Foi muita gentileza sua — disse Louise, Duquesa viúva de


Netherby — convidar Matilda.

— A bondade não teve nada a ver com isso, Madame — disse ele.
— Ou, se foi, foi por parte de Lady Matilda. Ela teve a gentileza de
aceitar o convite da minha filha para fazer parte da festa.

— Oh, — Lady Molenor, irmã mais nova de Matilda, disse. — O


convite veio da sua filha, não foi?

— Sim — ele disse. — Por minha sugestão.

— O convite de Estelle também veio da Sra. Dewhurst — disse a


Marquesa. — Acredito que por sugestão do Sr. Adrian Sawyer. Ela
teve um tempo esplêndido.

— Sente-se, Lorde Dirkson — disse a viúva, indicando uma cadeira


vazia.

— Não pretendo ficar, Madame — disse ele. — Vim apresentar os


meus respeitos e perguntar a Lady Matilda se ela pode passear
comigo, no meu cabriolé, no parque, mais tarde.

— Oh, — a Duquesa de Netherby disse, — a minha irmã nunca


andou num cabriolé. Ela ficaria aterrorizada.

— Já andei, Louise, — disse Matilda. — Eu andei com Bertrand, uma


tarde há várias semanas e longe de ficar aterrorizada, achei uma das
experiências mais emocionantes da minha vida.

— Matilda? — Lady Molenor disse. — Impossível.

— Com Bertrand? — disse a Marquesa. — Bem, o ladino. Ele não


disse nada para nós.
— Bravo, tia Matilda. — A jovem Duquesa de Netherby riu. — Que
esplêndido da sua parte.

— De fato — Lady Jessica Archer concordou. — Como ele te


convenceu a fazer algo tão ousado, tia Matilda?

— Exatamente quando foi isso? — a Condessa viúva perguntou


ansiosamente.

Matilda estava esticando os dedos no colo e depois enrolando-os


nas palmas das mãos novamente. — Obrigada — ela disse, olhando
para Charles e ignorando as perguntas que sua família tinha para
ela. — Isso seria maravilhoso.

— Matilda!!!!

— Que bom, tia Matilda.

— Você tem certeza, Matilda?

Ela continuou a ignorar todas elas. Ela lambeu os lábios, os olhos


ainda em Charles, embora estivesse claro que ela estava se dirigindo
a todas quando falou. — Ontem à noite, o Visconde de Dirkson me
pediu em casamento e eu disse que sim.

Bem, isso as silenciou - por alguns momentos, de qualquer maneira.

Charles sorriu lentamente para Matilda, e ela franziu o cenho para


ele.

Parte de sua atenção foi capturada pelo som da Condessa viúva, sua
mãe, respirando fundo. Ele esperou o discurso que certamente viria.

— Bem, graças a Deus por isso — foi o que ela realmente disse.

***

Matilda pensou que suas unhas podiam muito bem tirar sangue das
palmas das mãos, mas ela não conseguia relaxar as mãos. Ela
pensou que seu coração poderia abrir caminho através de sua
cavidade torácica e das costelas. Ela segurou a boca em uma linha
firme para que ela não ... o quê? Rir? Por que ela sentiria uma
vontade irresistível de rir quando estava tão tensa que sua
mandíbula estava presa no lugar?

Ela olhou para Charles e mal podia acreditar que ele era o mesmo
homem com quem ela dançara e rira na noite anterior. E beijou.
Aquele com quem ela havia ficado do lado de fora da rotunda para
assistir aos fogos de artifício enquanto exclamava o tempo todo em
superlativos infantis pelo esplendor de tudo. Aquele que finalmente
ficou atrás dela e envolveu sua cintura com os braços, para que ela
pudesse descansar a nuca no ombro dele e não ficar tonta ao olhar
para cima - apesar do fato de que eles poderiam ter sido observados
por metade da sociedade, ou mesmo três quartos.

Hoje ele era um cavalheiro imaculadamente vestido, bonito, sólido,


de alguma forma, distante dela. Exceto que ... Ele a nomeou sozinha
quando entrou na sala e cumprimentou a todas. Ele sorriu para ela.
Ele tinha vindo para se certificar de que ela não se machucara na
noite anterior, embora, como é que ela poderia ter se machucado, ela
não soubesse. Ele tinha facilmente revidado a ideia de que ele tinha
sido gentil ao convidá-la para ir ao Vauxhall, numa em que ela tinha
sido gentil para com ele, aceitando o convite de Bárbara. E ele veio -
ele havia dito na frente de sua mãe, irmãs, cunhada e sobrinha - para
convidá-la para passear no seu cabriolé, com ele, no Hyde Park.
Deve ter sido há trinta anos ou mais, desde que qualquer cavalheiro
a convidou para fazer isso.

Ela estava repleta de amor por ele. Todas as ansiedades da noite e


da manhã, haviam desaparecido. Ele veio. E ele sorriu e a chamou
pelo nome. Ele queria que ela saísse com ele. Ele ainda a amava.

O amanhã ainda não havia chegado. Ainda era hoje. Eternamente


hoje em que estar com Charles, desfrutar de seu amor, devolvê-lo
em plena medida, a…

— Graças a Deus, mamãe? — disse Mildred.


— Eu pensava que o meu castigo fosse eterno — disse a mãe dela.
— É a pedra de moinho que carrego no pescoço há quase quarenta
anos. Eu pensei que iria carregá-la para o meu túmulo.

— Do que você está falando, mamãe? — perguntou Louise. — Você


está bem? Matilda, mamãe está doente?

— Parem de ser maçadoras — disse a mãe. — Comecem antes a


falar sobre um casamento. Deve ser grandioso. Não vou tolerar nada
menos. Matilda deve finalmente ter seu grande casamento. E se
você tem algo a dizer em contrário, Lorde Dirkson, sugiro que você
mantenha a boca fechada e permita que as mulheres façam o que as
mulheres fazem melhor.

Ele realmente sorriu quando cruzou as mãos atrás das costas. —


Planejar casamentos? — disse ele.

— Precisamente. — Ela assentiu vivamente.

— Mamãe ... — Matilda começou.

— Madame. — Charles falou de novo. — Estou bastante preparado


para permitir que o mundo vire em seu eixo, como sempre fez. No
entanto, sinto-me compelido a falar sobre dois pontos antes de
perder a voz completamente, e temo que o tempo seja iminente.
Primeiro, Matilda e eu não chegamos a discutir o nosso casamento
na noite passada. Não tenho ideia de que tipo de cerimônia ela quer
ou onde ou quando ela quer que aconteça. Ela deve fazer essa
escolha comigo. Não permitirei que ela seja intimidada a ceder ao
que a sua família e a minha podem achar apropriado. E segundo,
quanto a mulheres para nos organizar, como sem dúvida vocês vão
fazer, a menos que Matilda escolha fugir comigo, deve-se lembrar
que há mulheres nas famílias Westcott e Sawyer. Minhas filhas,
apesar dos meus terríveis avisos esta manhã, provavelmente já
estão com meu casamento meio planejado.

— Ainda estou em choque — disse Anna, levantando-se. — Mas um


choque muito agradável. Tia Matilda! Não posso lhe dizer o quanto
estou satisfeita por você. E você também, Lorde Dirkson. Avery e eu
escapamos discretamente, para nos casar uma tarde, você sabe,
enquanto a vovó, as tias e primas estavam ocupadas planejando um
grande casamento para nós. Eu nunca fui mais feliz na minha vida.
— Ela se inclinou sobre a cadeira de Matilda e a abraçou
calorosamente. — E Abigail se casou com Gil na igreja da vila em
casa, apenas algumas semanas atrás, sem ninguém presente,
exceto Harry e a esposa do vigário. Acredito que ela sempre
valorizará a memória. Talvez você ...

— Obrigado, Anna — disse Matilda. — Mas eu quero um casamento.

Ela não pensara nisso até agora, quando tinha quase medo de
acreditar na verdade do que havia acontecido na noite anterior. Mas
era verdade. Durante toda a sua vida, sonhara com um grande
casamento mas, durante a maior parte do tempo, era tudo o que
tinha sido - um sonho sempre desvanecido. E, nos últimos vinte
anos, quase desapareceu.

— Então um casamento é o que você terá, meu amor — disse


Charles.

Meu amor? Oh! Na frente de metade da família dela.

— St. George será, então. — Louise bateu palmas como se quisesse


chamar a atenção de milhares. — Precisamos publicar os proclamas
no próximo domingo. Já é bastante tarde na temporada e não
queremos esperar até que termine e a maior parte da sociedade
retorne ao campo. Se a Matilda vai se casar em St. George, os
lugares devem estar a abarrotar. Oh Deus, devemos informar Wren e
Elizabeth e Althea. Elas vão querer se envolver no planejamento.

— Precisamos marcar uma reunião com a Sra. Dewhurst e Lady


Frater — disse Viola. — Elas terão ideias próprias. Elas já as têm, de
acordo com o Visconde de Dirkson.

— Alexander vai querer hospedar o café da manhã do casamento —


disse Anna. — Mas eu sei que Avery insistirá em que o salão de
baile da Archer House tem mais espaço.

Um casamento de sociedade no St. George's na Hanover Square?


Um café da manhã de casamento no salão de festas da casa do
Duque de Netherby? Matilda começou a se sentir ansiosa
novamente.

Certamente, com certeza, ela seria uma piada. Ela não quis dizer
algo tão grandioso. Apenas um casamento definitivo com…

— Matilda — disse Charles. — Meu cabriolé está aqui ao lado. Por


que esperar até mais tarde para dar uma volta? Tenho a nítida
impressão de que nossa presença aqui é supérflua. Você vem
agora?

— Sim. — Ela ficou de pé. — Ah, sim. Obrigada.

Quantas vezes ela participou de conferências familiares e comitês de


planejamento familiar? Ela costumava estar na vanguarda de todos,
ocupada planejando como livrar algum membro da família do
desastre ou como ajudá-los a celebrar um evento em suas vidas. Ela
deveria agora ser objeto de tal atividade familiar?

Oh! Parecia bom.

— Matilda — disse Charles quando ela se juntou a ele no andar de


baixo, depois de pegar seu chapéu, luvas e bolsa — eu não vou
permitir que você seja intimidada, você sabe. Mesmo por mim.
Especialmente por mim. Você parece preocupada, até um pouco
afetada. Não há necessidade. Você deve me dizer enquanto
passeamos o que você quer. E você deve tê-lo. Você é a noiva. Você
deve tomar as decisões.

Você é a noiva.

Ela sentiu aquela vontade, cada vez mais familiar, de chorar. Em vez
disso, ela sorriu quando ele a ajudou a subir para o banco do
passageiro do currículo e lembrou-se daquela sensação inebriante
de estar muito mais distante do chão que ela esperava. A sensação
de perigo e alegria. Ela riu alto.

— Mas todo mundo ficaria muito desapontado — disse ela — se


fugíssemos com uma licença especial para nos casar em segredo.
Além disso, eu ficaria decepcionada. E eles ficariam chateados se
planejassem e planejassem e eu desaprovasse tudo. Minha família
ficaria chateada. Bárbara e Jane também. Eu acho que um
casamento é para duas pessoas, Charles. Mas um casamento é para
suas famílias e amigos. Vamos deixá-los planejar?

— Isso nos pouparia muita angústia — disse ele, sorrindo para ela
enquanto tomava o seu lugar ao lado dela. — Quando entrei naquela
sala há pouco e vi você, temi que você tivesse mudado de ideia.
Você parecia frágil e severa.

— Mas só porque eu estava convencida de que você devia de ter


mudado a sua mente, — disse ela.

— Absurdo — ele disse a ela.

— Absurdo — ela concordou, e os dois riram como se alguém


tivesse acabado de fazer uma observação extremamente espirituosa.

— Charles — disse ela, colocando a mão no braço dele enquanto ele


se inclinava, pegou as rédeas do jovem cavalariço e as juntou nas
mãos. — Gostaria que estivéssemos no campo. Eu gostaria de poder
pedir que você soltasse os cavalos.

Ele virou a cabeça para olhar em seu rosto, o dele ainda cheio de
risadas. — Você gostaria, meu amor? — ele perguntou.

— Eu sei que você é um cavaleiro notável — ela disse a ele. —


Sempre fez parte da sua reputação.

— Um dia em breve, — disse ele, — quando estivermos no campo,


vou atiçar os cavalos e pôr em risco as nossas vidas numa correria
louca.
— Ah, você vai? — disse ela. — Obrigado, Charles. Ainda não sou
uma senhora idosa, sabe?

— Eu notei — ele disse, e arriscou um tremendo escândalo


inclinando-se para ela e beijando-a brevemente nos lábios, enquanto
as janelas de várias casas ao redor deles olhavam acusadoramente
e seu jovem cavalariço fingia estar olhando atentamente para outro
lugar.

Quando o cabriolé seguiu em direção ao Hyde Park, Matilda, de uma


maneira maravilhosa e feminina, jogou a cabeça para trás e riu.

Nove

Diversas vezes no mês seguinte, Charles sentou-se sozinho na sua


biblioteca, desejando não ter, subitamente, se encontrado no centro
de um redemoinho ou de um tornado - ambos pareciam metáforas
apropriadas. Pois é claro que o aviso de seu noivado apareceu em
todos os jornais de Londres e talvez em alguns provinciais também.
E onde quer que fosse, ele enfrentava parabéns ou - em seus clubes
- infinitas piadas sobre as quais era forçado a rir. Seu filho e um dos
genros, o arrastaram até ao alfaiate, o fabricante de botas e o
chapeleiro e Deus sabe onde mais, para que no dia do casamento
ele pudesse surpreender a sociedade com tudo novo e elegante.

Suas filhas e todas as mulheres do mundo que tinham uma ligação


com a família Westcott, por mais ínfimas que fossem, realizavam
reuniões após reuniões para discutir todos os aspetos do casamento
que as mulheres, invariavelmente, achavam para discutir e decidir.

Embora, sendo justo, ele não ouviu relatos de altercações ou vozes


levantadas, discussões acaloradas ou rivalidades entre as duas
famílias. As previsões iniciais se mostraram bastante precisas. O
café da manhã do casamento seria servido na Westcott House, a
casa de Alexander, Conde de Riverdale, na South Audley Street.
Convites foram enviados. Se qualquer membro da sociedade que
permanecesse dentro de um raio de trinta quilômetros de Londres
tivesse sido omitido, Charles ficaria enormemente surpreso. Parentes
de lugares mais distantes haviam sido convocados, incluindo alguns
primos que ele mal conhecia, mas cuja presença no dia do
casamento era considerada, por suas filhas, essencial para sua
felicidade.

Charles teria ficado muito feliz de fazer o que os Netherbys tinham


feito e se esgueirar para se casar com Matilda em uma igreja
obscura em algum lugar, com uma licença especial na mão,
enquanto as suas famílias estavam num reboliço de conspirações e
planejando um grande casamento para superar todos os outros do
ano. Mas, apesar das constantes dúvidas e dos segundos, terceiro e
sexto pensamentos dos quais Matilda sofreu ao longo do mês, ele
entendeu que um grande casamento público era o que ela realmente
queria. E o que Matilda queria ela teria. Ela esperou tempo suficiente
pelo casamento - trinta e seis anos.

O que ela mais temia era ser ridicularizada. Charles não teve dúvida
de que havia certos elementos da sociedade que a ridicularizaram
pelas costas. Sempre houve. O mundo nunca se livraria de pessoas
desagradáveis que compensassem suas próprias inseguranças
arrastando outras pessoas mais felizes e bem-sucedidas para seu
próprio nível através de suas fofocas. Elas deveriam ser
sinceramente ignoradas. Ela era bem recebida onde quer que fosse.
Bárbara realizou uma festa em sua homenagem, e Jane a convidou
como convidada especial para o camarote particular de Wallace no
teatro, na mesma noite após o anúncio aparecer nos jornais. O
Duque e a Duquesa de Netherby organizaram uma festa de noivado
em sua casa, e o Marquês e a Marquesa de Dorchester organizaram
um chá da tarde. Charles a levou a passear no parque várias vezes e
a acompanhou até um concerto privado e uma noite literária.

Ela recebia felicitações com dignidade silenciosa onde quer que


fosse.
Ela não era mais a solteirona monótona para sempre na sombra da
sua mãe, embora talvez isso tenha algo a ver com o fato de que sua
mãe se recusou categoricamente a tê-la lá por mais tempo. E Matilda
não precisava temer por seus cuidados, informou a mãe, a Charles
quando ele abordou o assunto de ela vir morar com eles após o
casamento.

— Você também não precisa temer, Lorde Dirkson — ela


acrescentou. — Sou perfeitamente capaz de cuidar de mim mesma.
E Matilda não lhe contou? Minha irmã vai morar comigo quando eu
voltar ao campo depois que a temporada terminar. Ela estará
trazendo sua companheira de longa data com ela, uma senhora
estimada que oferecerá companhia sem tentar me preocupar com
meu túmulo.

Charles entendeu, imediatamente, que a vida estava prestes a


mudar, muito para pior, para Matilda, que sem dúvida, se veria,
constantemente, sendo comparada, desfavoravelmente, com a dama
de companhia de sua tia.

— Realmente não sei como o teria suportado — Matilda admitiu


quando mencionou o que a mãe lhe dissera. — Eu ficaria louca.
Adelaide Boniface é a criatura mais sombria que conheço. E ela
funga.

— Agora eu sei — ele havia dito — porque você aceitou minha


proposta de casamento.

— Ah, com certeza! — ela o assegurou e riu alegremente.

Ele amava o riso dela. Ele amava a felicidade dela. Ah, ela se
comportava em público com uma quieta dignidade, embora, mesmo
assim, ele estivesse ciente de um brilho interior nela que o aquecia
também. Em particular, ela sorria bastante, e o brilho era mais
intenso.

Os olhos dela, quando o olhavam, tinham um brilho que os faziam


sorrir, mesmo que o resto do rosto estivesse em repouso.
Ele se sentiu impressionado e humilde pela felicidade dela.

E pelo fato de que ele a compartilhar.

Ele nunca pensou muito em ser feliz. Não era uma palavra presente
no seu vocabulário - embora ele tivesse sido feliz quando cada um
de seus filhos nasceu e sempre que passou algum tempo com eles
durante os anos de crescimento. Ele ficara feliz quando suas filhas
se casaram e quando seus netos nasceram. Ele não tinha usado
essa palavra em particular para descrever seus sentimentos. Ele não
conhecia a exuberante consciência de felicidade desde que Matilda
desapareceu de sua vida quando ele ainda não era mais que um
rapazote.

Agora ele se encontrava feliz novamente. Mesmo que ele tenha


passado grandes períodos de tempo, trancado em sua biblioteca,
durante o mês anterior às suas núpcias, desejando que ele não
tivesse de passar pelo calvário medonho de encarar um grande
casamento de sociedade antes que ele pudesse levar Matilda para
casa e viver a sua vida, com ela, lá. Ele estava até sonhando com
felizes para sempre, embora felizmente o mantivesse dentro dele. Às
vezes, ele ainda pensava e se sentia como um rapazote. Era
absolutamente embaraçoso.

Ele ficaria muito feliz quando o casamento terminasse.

Enquanto isso, ele estava igualmente feliz por Matilda que, apesar de
todas as suas frequentes dúvidas, teria, finalmente, o casamento que
deveria ter tido mais de trinta anos atrás.

***

Charles estava muito correto em suas percepções. Não houve


discussões desagradáveis entre as filhas, por um lado, e as damas
da família Westcott, por outro, enquanto planejavam o casamento.
Todos elas, assim que os Westcotts se recuperaram do choque que
sentiram ao saber que Matilda, a mais confirmada das solteironas,
iria finalmente se casar, se jogaram com entusiasmo no
planejamento do casamento da temporada. E se Louise e Mildred, as
irmãs mais novas de Matilda, ainda se sentiam cautelosas com o
passado notório do noivo, logo deixaram de lado os seus medos a
favor de regozijar-se com o fato de sua preciosa Matilda, aquela
rocha de apoio de irmã em que se apoiavam desde meninas,
finalmente, ia encontrar a sua própria felicidade. As filhas do noivo
ficaram genuinamente satisfeitas com o pai, tendo concluído que
Lady Matilda Westcott era muito diferente de qualquer uma das
outras damas que ele acompanhou em Londres desde a morte da
mãe. E muito preferível também.

Não houve discussões, então. Houve, no entanto, um momento


embaraçoso. Chegou quando eles estavam fazendo as listas de
convidados em potencial e todos estavam lançando sugestões, a
maioria das quais foi aceita sem questionar. Viola, Marquesa de
Dorchester, sugerira Harry - o Major Harry Westcott, seu filho - que
não estava longe em Hinsford Manor, em Hampshire, e Camille, sua
filha mais velha, que estava em Bath com o marido e a família. Ela
foi interrompida antes que ela pudesse dizer mais.

— Certamente espero que Camille e Joel venham — disse Wren,


Condessa de Riverdale. — Mas eles vêm, Viola? Com todos os sete
filhos?

Todas, exceto uma dessas crianças, tinham menos de dez anos de


idade e quatro deles eram adotados, e três de Camille e Joel.

— Eles vieram a Hinsford alguns meses atrás para ver Harry quando
ele finalmente voltou da guerra — disse Viola. — Se eles virão agora
a Londres para o casamento de Matilda é outra questão, é claro.

— Eles devem ser convidados de qualquer maneira — disse


Elizabeth, cunhada de Wren. — Caberá a eles decidir se eles vêm ou
não.

— Isso parece sensato — disse Mildred.


— E a Abby? — perguntou Jessica. — Ela e Gil também devem ser
convidados.

Foi quando a sugestão de um momento embaraçoso aconteceu.


Jessica e Abigail sempre foram as mais chegadas amigas. Jessica
estava tão machucada quanto a prima, quando a ilegitimidade de
Abigail foi revelada quando ela estava prestes a fazer a sua
apresentação à sociedade.

— Eles foram recentemente para casa em Gloucestershire — Louise


disse rapidamente. — É demais esperar que eles voltem tão cedo.
Tenho certeza de que você escreverá para eles com as notícias, é
claro, Viola, se ainda não o fez.

— Mas ... — Jessica disse.

— Quem mais? — sua mãe disse, mais alto do que parecia


necessário, direcionando um olhar aguçado para a filha.

Houve uma pausa embaraçosa antes que Mildred se apressasse


com uma nova sugestão. — Que tal...

Mas Bárbara Dewhurst a interrompeu. — Não, sério — ela disse. —


Estamos bem cientes de quem é Gil Bennington, não estamos,
Jane? Ele é casado com a ex-Abigail Westcott, sua filha, Madame. —
Ela balançou a cabeça na direção de Viola. — E ele é filho natural do
nosso pai.

— Realmente não há necessidade ... — Louise começou.

— Não, realmente não há necessidade de esconder todas as


menções à sua existência, Madame — disse Jane, Lady Frater,
interrompendo-a. — Nós sabemos sobre ele. Nosso pai nos disse.
Também sabemos que ele não quer ter nada a ver com o pai. Isso o
machuca, embora ele não tenha admitido isso abertamente. Nosso
irmão, Adrian, no entanto, está determinado a encontrá-lo em algum
momento. Foi um choque descobrir tão tarde em nossas vidas que
temos um meio-irmão. Mas nos sentimos tão curiosas sobre ele
quanto Adrian.
— Sim — concordou Bárbara. — E agora há essa extraordinária
circunstância de nosso pai estar prestes a se casar com a tia de
Abigail Bennington.

— Ele tem uma filha pequena — disse Jane, parecendo quase


melancólica. — A nossa sobrinha. Anseio vê-la.

— Você está sugerindo, então, — Anna, Duquesa de Netherby,


perguntou — que eles sejam convidados para o casamento?

— Bem — disse Bárbara, franzindo a testa — sem dúvida, nosso pai


ficará horrorizado. E parece quase certo que o próprio Gil se
recusará a vir. Mas ...

— Talvez Abigail venha sozinha — sugeriu Wren. — Seria uma pena.

— Vamos convidá-los? — perguntou Anna.

— Realmente não vejo por que não — disse Jessica. — Abby faz
parte da nossa família como qualquer um de nós.

— E nós estamos convidando Camille, — Elizabeth disse, — embora


parece igualmente duvidoso que ela venha. Talvez devêssemos
enviar um convite e deixar Abigail e Gil decidirem por si mesmos.

— O que você acha? — Viola perguntou às filhas de Charles. — Por


favor, sejam honestas. E você informará seu pai se nós os
convidarmos?

Bárbara sorriu. — Ele nos disse — disse ela — que poderíamos


fazer qualquer coisa que desejássemos para este casamento, desde
que não façamos nada que Lady Matilda desaprovaria, e desde que
não esperemos que ele tenha que ouvir os detalhes.

— Ah! — disse Mildred, sorrindo de volta. — Então precisamos


consultar Matilda, não é? E deixá-la decidir.

— Sabemos qual será a resposta dela — disse Elizabeth.


— Sabemos? — perguntou Mildred.

— Claro — disse Elizabeth, rindo. — Matilda é uma romântica. Ela


sempre foi. Ela, certamente, vai querer que eles sejam convidados
para o casamento dela.

— Ah, espero que sim — disse Jessica. — Eu espero que eles


venham.

Matilda havia se afirmado a si mesma, algo que ela raramente fizera


em toda a vida, pelo menos por conta própria. Ah, ela havia permitido
que as mulheres de sua família e de Charles organizassem seu
casamento de acordo com seus desejos, era verdade. Ela havia
tomado a decisão de fazer um grande casamento na sociedade,
apesar de ter mudado de ideia, em privado, pelo menos uma vez a
cada hora em que estava acordava. Tendo feito isso, ela se
contentou em deixar os detalhes para o grande comitê - do qual ela
teria sido um membro líder se fosse o casamento de mais alguém.

Mas ela havia se afirmado de outras maneiras. Ela havia escolhido


uma roupa para a ocasião, um simples e elegante vestido azul-claro
quando suas irmãs queriam que ela usasse um vestido mais fino e
elaborado, mais adequado para a ocasião. E elas queriam que ela
escolhesse uma cor mais vívida, pois os tons pastel estavam
associados à juventude e ela certamente não gostaria de ser
acusada de tentar minimizar sua idade.

Ela estava agora - no dia do casamento - usando o vestido azul


claro.

Ela também estava usando um chapéu de palha - não uma touca -


que segurava na cabeça dela com alfinetes e levemente inclinado
para a frente sobre os olhos. Estava enfeitado com flores de seda,
que eram um tom um pouco mais escuro que o vestido dela. Louise
descrevera isso como frívolo, e Mildred sugeriu que ela trocasse a
guarnição por uma fita simples em vez das flores. Matilda o estava
usando esta manhã – completo com flores.
Ela também usava luvas prateadas, sapatos prateados e brincos de
prata, algo que raramente usava, porque depois de uma ou duas
horas, invariavelmente, descobria que os brincos lhe beliscavam os
lóbulos causando uma dor insuportável, se ela não os tirasse. Mas
isso sempre deixava os lóbulos vermelhos e com uma aparência
dolorosa, geralmente com as impressões dos brincos. Naquela
manhã, ela usara os brincos como o último de todos os acessórios,
na esperança de poder terminar o casamento e, talvez até o café da
manhã depois, sem gritar de agonia. Eles eram na forma de sinos e
tilintaram levemente quando ela movia a cabeça. Outra frivolidade.

E ela se afirmou sobre Abigail e Gil. É claro que eles deveriam ser
convidados, ela assegurara à delegação que lhe fizera a pergunta:
Viola, Anna, Louise e Mildred. Era muito provável, ela concordou,
que Gil se recusaria a vir e que Abigail não viria sem ele. E era
completamente possível que se viessem, Charles se sentiria
terrivelmente envergonhado e talvez Adrian e Bárbara e Jane
também, apesar do que as duas últimas terem dito o contrário. Mas é
claro que eles deveriam ser convidados. Os adultos racionais devem
poder decidir-se sobre o que desejam fazer com suas vidas. Não
deveria caber a suas famílias tentar viver suas vidas por eles.

— Matilda — Mildred perguntou, parecendo pensativa — foi isso que


aconteceu com você? Foram a mamãe e papai que te afastaram do
Visconde de Dirkson quando vocês dois eram jovens?

— O que aconteceu há mais de trinta anos não importa mais —


Matilda disse com firmeza. — É agora que importa. Estamos juntos
agora, Charles e eu, e devemos nos casar, e quero um dia de
casamento perfeito. Será mais perfeito se Gil e Abigail forem os
únicos membros da família que não vão estar presentes ou se
estiverem? É impossível responder. Mas a decisão não deve ser
nossa. Deve ser de Gil e Abigail.

— Não do Visconde de Dirkson? — perguntou Viola.

— Ele dirá que não — disse Matilda — enquanto seu coração anseia
por dizer que sim.
— Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance — disse
Anna, sorrindo — para garantir que ele atenda ao desejo de seu
coração. E você também, tia Matilda.

— Bem, eu quero que eles venham, — Matilda admitiu, — embora


eu gostaria de pedir que o convite não seja enviado até amanhã.
Suponho que devo falar com Bárbara e Jane primeiro.

Mas aquelas duas jovens, assim como Adrian, que estava com suas
irmãs quando Matilda visitou, pela primeira vez Bárbara, estavam
genuinamente curiosas em conhecer o meio-irmão cuja existência
elas nem conheciam até recentemente.

— E se eles vierem e papai não os quiser aqui — disse Adrian — eu


ficaria muito surpreso. Eu acredito que ele deseja se reconciliar.

— Mas isso não faria você infeliz? — perguntou Matilda.

— Não. — Ele franziu o cenho em pensamento, por um momento. —


Papai disse algo no dia em que me contou sobre Gil Bennington. Ele
me contou como se apaixonou por mim no momento em que me viu
depois que eu nasci. E eu acho que ele se apaixonou da mesma
maneira pelas minhas irmãs. Todas as minhas memórias de infância
me confirmam a crença de que ele estava dizendo a verdade. Ele
passou mais tempo conosco do que a maioria dos pais que eu
conhecia, com seus filhos e sempre dava a impressão de estar tão
feliz com a nossa companhia quanto nós com a dele. Não acredito
que o amor tenha limites, Lady Matilda. Quero dizer, o fato de
sempre ter existido Gil e que nosso pai obviamente se importava
com ele, não significa que ele se importava menos conosco. Se Gil
voltar à vida de papai agora, isso não significa que estamos
diminuídos. Pois não?

— Nem um pouco — assegurou Matilda, lembrando-se de que,


quando Anna chegou inesperadamente à família, aos 25 anos,
parecia, a princípio, que os recém-ilegítimos filhos de Humphrey,
Camille, Harry e Abigail, seriam deslocados. Não tinha sido assim.
Exatamente o contrário havia acontecido. Toda a família se unira
com mais firmeza do que nunca, sob a ameaça de ataque. Eles
haviam derrotado a ameaça com amor.

Matilda fez o que nunca lhe veio naturalmente. Ela se levantou e


abraçou primeiro Adrian e depois suas irmãs. E porque o Sr.
Dewhurst, marido de Bárbara, também estava na sala, ela o abraçou
também.

— Diminuir — ela disse. — Que noção tola. O amor de sua família


está prestes a se expandir, não a diminuir. Seu pai está prestes a se
casar comigo, não está?

Ao que todos riram, Matilda incluída.

E escolheu-se sobre qual homem da família a entregaria em seu


casamento. Thomas, marido de Mildred, havia se oferecido.
Alexander também, como chefe da família. Harry - o Major Harry
Westcott, o mais velho de seus sobrinhos - havia escrito de Hinsford
para oferecer os seus serviços. Avery, Duque de Netherby, a
informou uma tarde de que ela, sem dúvida, tinha dezenas de
membros da família lutando em duelos pela honra de levá-la pela
nave de St. George, mas se não, ou se ela não gostasse muito de
nenhum dos concorrentes, ele ficaria feliz em se disponibilizar. Colin,
Lorde Hodges, marido de Elizabeth, havia se oferecido, assim como
Marcel, Marquês de Dorchester, marido de Viola. Até o jovem
Bertrand Lamarr se havia oferecido, sorrindo para ela atrevidamente
ao fazê-lo.

— Afinal de contas, tia Matilda, — ele tinha dito, — eu acredito que


comecei a renovação do seu romance quando concordei em
acompanhá-la até a casa do Visconde de Dirkson quando você
pretendia que ele fosse assistir à audiência da custódia da filha de
Gil.

E desde que ele falara publicamente, toda a história secreta saiu à


tona, e a família descobriu que, pouco tempo atrás, Matilda havia
dado um passo verdadeiramente escandaloso ao visitar um
cavalheiro, em sua própria casa, sem ninguém para acompanhá-la,
exceto um muito jovem rapaz, nem mesmo relacionado com ela pelo
sangue.

Confie nos jovens para manter um segredo!

Matilda fez a sua escolha e a anunciou durante o jantar em família


que precedeu a festa de noivado que Avery e Anna deram para ela
na Archer House.

— Obrigado a todos vocês — disse ela, olhando para cada homem


por sua vez, embora Harry ainda não tivesse vindo do campo. —
Estou emocionada que cada um de vocês esteja disposto a substituir
o meu pai. No entanto, tenho cinquenta e seis anos. A noção de que
alguém, alguém do sexo masculino, precisa me entregar é estranha.
Me entregar a quê? Eu sou maior de idade há 35 anos. Embora eu
sempre tenha morado com mamãe, tenho meios independentes. Eu
posso me entregar ao homem de minha escolha. Então eu vou andar
sozinha pela nave da igreja.

— Matilda — disse a mãe, com reprovação na voz. — Isso,


simplesmente, não se faz.

— Isso será feito por mim — disse Matilda. — E esta é minha palavra
final.

— Oh, bravo, tia Matilda — disse Jessica.

— Jessica! — disse a mãe.

— Eu digo, — disse Boris. — Você é uma ótima camarada, tia


Matilda.

— Uma camarada, Boris? — perguntou Mildred. — Uma ótima


camarada? Onde você aprendeu esse vocabulário?

Mas o filho dela apenas sorriu e balançou as sobrancelhas.

— Não pode ser permitido, Matilda — disse Louise com firmeza. —


Você será a ...
— Eu acredito — disse Avery em sua voz lânguida de sempre, com
monóculo adornado com pedras preciosas na mão, embora ele não
estivesse olhando de verdade. — há um estatuto pouco conhecido
nos livros, segundo o qual, após a idade de, ah, cinquenta e cinco,
uma mulher deve ser considerada inteiramente sua própria pessoa e
pode fazer o que quiser, sem correr o risco de ser exilada por toda a
vida por fazer o que ninguém fez antes dela.

— Ah, Avery — disse Estelle, rindo. — Você inventou isso na hora.

— Bem, é claro que sim, idiota — disse o irmão gêmeo.

— Então isso resolve o problema — disse Matilda. — Obrigado,


Avery. Embora eu tivesse feito isso de qualquer maneira, você sabe,
mesmo que não houvesse tal estatuto.

— Sim — disse ele.

E aqui estava ela agora, vestida de azul pálido e prateado, com um


chapéu frívolo em um ângulo alegre na cabeça, sabendo - embora
Charles não o fizesse - que Gil e Abigail e Katy haviam chegado no
final da tarde de ontem à casa de Viola e Marcel em Londres, e
sabendo também que nenhum homem a esperava no andar de baixo
para lhe oferecer um braço firme e masculino para ajudá-la a andar
pela nave de St. George para encontrar seu noivo.

O noivo dela! Seu coração deu um pulo dentro do peito e executou


algumas piruetas e vários saltos mortais antes de deixá-la,
simplesmente, sem fôlego. Certamente ele teria mudado de ideia no
último momento e não estaria lá esperando por ela quando ela
chegasse.

Que absurdo total e absoluto!

O noivo dela! Charles. Ah! Finalmente. Até, até que enfim.

E se ela se mantivesse ali, com uma luva posta e a outra ainda na


mão da sua criada, e alimentasse mais pensamentos idiotas, era ela
quem não chegaria na hora. Não que as noivas devessem chegar a
tempo.

Mas ela não era uma noiva qualquer. Ela era Matilda Westcott. E
Matilda passara a vida a ser pontual, com a teoria de que era mal-
educado se atrasar e desperdiçar o tempo de outras pessoas quando
elas poderiam usá-lo para obter melhores resultados em outros
lugares.

Ela não começaria a se atrasar com seu próprio casamento. Ela


também não chegaria cedo. Isso seria embaraçoso. Ela chegaria a
tempo. Ao minuto.

E estava na hora de partir.

— Obrigada — ela disse, pegando a luva da empregada e puxando-a


enquanto respirava fundo algumas vezes.

O dia do casamento dela!

Talvez ela desse umas piruetas no caminho ao longo da nave. Agora,


isso daria um casamento memorável.

Quão terrivelmente a mente balbuciava quando alguém estava


nervoso.

E ela estava muito, muito nervosa.

Oh, Charles!

Ela endireitou os ombros, saiu do quarto de vestir e desceu as


escadas para a carruagem que esperava.

Dez
Charles foi deixado ao seu destino enquanto esperava a chegada de
sua noiva em St. George's. Atrás dele, os bancos estavam cheios de
família e do próprio crème de la crème da sociedade aristocrática.
Pelo menos, ele assumiu que eles estavam cheios. Ele não virou a
cabeça para olhar. Mas ele podia ouvir o farfalhar de sedas e cetins,
as conversas abafadas, as gargantas limpas.

Dada a escolha, ele ainda optaria por um casamento tranquilo. Ele


também estava feliz por Matilda finalmente ter o seu grande
casamento. Sentou-se no banco da frente, imaginando como teria
sido a vida dela se o pai não tivesse recusado o seu pedido com
tanta veemência ou se ela não se tivesse recusado a discutir o
assunto depois. Ou se ele tivesse tido a coragem de lutar pelo que
queria, em vez de se virar irritantemente para cuidar de seu coração
machucado, tornando-se um dos mais notórios infames libertinos de
Inglaterra.

Eles se casariam? Os filhos dele também seriam dela - mas filhos


diferentes, é claro? Mas filhos dela - e dele. Ela teria sido feliz? Ele
teria? Sua vida certamente teria sido diferente. E a dele?

Esses eram pensamentos inúteis, é claro. Talvez eram sempre


inúteis quando aplicados ao passado. Se o passado tivesse sido
diferente, então o presente também o seria. Ele não estaria sentado
aqui, em plena exibição diante da sociedade, aguardando a chegada
de sua noiva. Ela não estaria vivendo o dia do casamento agora,
hoje.

Ele estava feliz por estar agora. Ele se sentiu subitamente feliz,
mesmo quando uma pontada de ansiedade o cutucou para que ela
não estivesse passando por um de seus muitos momentos de dúvida
e simplesmente não viesse.

Impossível! Claro que ela viria.

— Nervoso? — Adrian murmurou do lado dele. Seu filho era seu


padrinho.
— Claro — Charles murmurou de volta. — Hoje é o começo de uma
vida totalmente nova.

Mas, antes que a ansiedade pudesse tomar conta dele, ele ouviu
uma agitação vinda da parte de trás da igreja e imaginou que isso
anunciava a chegada de Matilda, que, aparentemente, vinha sozinha.
Sua mãe havia chegado mais cedo com a Sra. Monteith, sua irmã e
Miss Boniface, sua dama de companhia que, segundo Matilda,
fungava. Elas haviam chegado mais cedo do que o inicialmente
planejado para morar com a Condessa viúva e consolá-la pela perda
de sua filha mais velha para o casamento.

O clérigo, vestido a preceito, apareceu de algum lugar e Charles


levantou-se com o resto da congregação e o grande órgão de tubos
começou a tocar. Charles virou-se para olhar ao longo da nave. E,
com certeza, ela vinha sozinha, uma mulher de meia-idade, de
costas retas, prosseguindo com uma lenta dignidade - mas não muito
lenta - ao longo do corredor, os olhos fixos em frente até que o
encontrou e os manteve nele. Ela estava decentemente vestida, com
elegância, quase severamente em azul pálido - como ele esperaria,
se tivesse pensado no assunto - com um chapéu de palha
absurdamente bonito com aba sobre a testa e com as mãos
enluvadas de prata, entrelaçadas, diante dela. Seu rosto estava
pálido, sua boca em uma linha austera até que ela estava a poucos
passos dele. Então, sem ser vista por todos, exceto pelos mais
próximo da congregação, ela sorriu para ele com toda a luz do sol de
um dia de verão atrás dos olhos.

Ele viu naquele sorriso a garota vívida que ela tinha sido. E ele viu na
postura discreta de seu comportamento, a mulher que ela se tornara.

Ele viu Matilda. Seu amor. Desde sempre e para sempre o seu amor.

Ela colocou a mão na dele, entregando-se a ele porque, como ela


havia explicado, ela não precisava de nenhum homem para fazer
isso por ela, não importa o quão intimamente relacionado a ela esse
homem fosse ou quão bem-intencionado. Ela deixou os dedos se
enroscarem nos dele num aperto firme.
— Aqui estou eu — ela murmurou apenas para os ouvidos dele.

— E finalmente — ele disse tão baixinho — eu também.

Eles se viraram juntos para enfrentar o clérigo.

— Caros Irmãos — ele começou.

E assim, em poucos minutos, eles se casaram.

Afinal, Charles ficou feliz por terem feito dessa maneira, com toda a
pompa de um culto na igreja, com toda a família, amigos e
conhecidos presentes. Ele estava feliz por si mesmo, pois queria que
o mundo soubesse que se casou com esta mulher por escolha e por
amor. Ele ficou feliz por Matilda, pois ela brilhou desde o momento
em que sorriu para ele até o momento em que o clérigo os declarou
marido e mulher. E ainda assim, ela brilhou quando ele a levou à
sacristia para a assinatura do registo. Quando Alexander, Conde de
Riverdale, testemunhou a sua assinatura e então a abraçou, e Adrian
testemunhou a sua assinatura e a abraçou também, ela brilhou para
eles. Ela brilhou quando eles deixaram a sacristia e prosseguiram, de
braço dado com Charles, ao longo da nave, sorrindo de um lado para
o outro enquanto passavam pelos bancos. Era impossível ver todos
que estavam lá. Mas eles fariam isso no café da manhã do
casamento em pouco tempo.

Ela ainda sorria quando eles passaram pelas portas da igreja e


emergiram sob o sol, no alto do longo lance de degraus até à
carruagem que os aguardavam - uma carruagem aberta decorada
com flores até ficar quase irreconhecível. Ela sorriu para a multidão
de espectadores que se reuniram ali para aplaudir e até torcer. E ela
riu quando viu os jovens sobrinhos e os genros dele esperando mais
abaixo, ao longo das escadas para lhes atirar pétalas de flores antes
que eles pudessem alcançar a segurança duvidosa da carruagem
aberta. E então, na metade do caminho, quando as pétalas já
estavam chovendo sobre eles numa chuva de cores vivas, ela olhou
de volta para onde a congregação começava a sair para o ar livre
atrás deles e ela perdeu o sorriso.
— Ah — ela disse, e Charles teve a curiosa impressão de que ela viu
algo que estava procurando. Ele olhou para trás, enquanto ria de
outra chuva de pétalas que flutuava na aba do chapéu.

Muitas pessoas haviam saído, com suas filhas e netos, mãe e tia e
irmãs de Matilda. E um grupo um pouco separado dos outros, três
degraus abaixo. Um homem e uma mulher e uma criança entre eles,
segurando uma mão de cada um.

Quando, posteriormente, pensou sobre isso, Charles não supôs que


o silêncio tivesse realmente caído sobre a congregação acima, a
reunião dos curiosos abaixo e os jovens nos degraus com seus
punhados de pétalas. Mas pareceu-lhe que, de repente, estavam
cautelosamente em silêncio, Matilda e ele, com o braço no dele, o
rosto virado para o dele - com ansiedade?

Deus. Oh bom Deus.

Nenhum dos grupos se moveu por um ou dois segundos, mas


pareceu muito mais tempo na altura. Então a mulher deu um passo
para baixo, levando a criança e o homem a desceu também. E
Matilda deu um passo para trás, forçando-o a fazer o mesmo. Quem
desceu ou subiu os outros degraus entre eles, Charles não sabia, ou
quem primeiro estendeu a mão. Mas, de repente, ele sentiu o aperto
quente e firme da mão de seu filho, enquanto a segurava em troca.

Seu filho mais velho, isso era.

Gil.

— Parabéns, Sir — ele disse rigidamente.

— Você veio — disse Charles, tolamente.

— Nós viemos.

E então Matilda estava abraçando primeiro a esposa do filho e


depois o filho, e então se curvava para sorrir para a criança - Katy - e
dizendo algo para ela. E Abigail estava abraçando Charles e
levantando Katy para dizer como está ao seu avô, e de alguma forma
- oh, de alguma forma, seu filho também o estava abraçando.
Brevemente, de forma desajeitada, improvável, certamente não
intencional, inesquecível.

— Parabéns, Sir — ele disse novamente.

— Você veio — disse Charles, só para ser original.

Em todos os casamentos em que Charles já participara, os noivos


deixaram a igreja e dirigiram a gama de parentes travessos que
foram à frente deles para decorar a sua carruagem com ferragens
barulhentas e jogar flores. A carruagem estava sempre a caminho
quando grande parte da congregação deixava a igreja para trás.
Todas as saudações e parabéns, todos os abraços e beijos, tapas
nas costas e risadas vinham mais tarde, quando os convidados
chegaram ao local para o café da manhã do casamento.

Este casamento foi uma exceção a essa tradição. Era tarde demais
para escapar. Em instantes, eles estavam cercados por convidados
do casamento. Matilda estava sendo abraçada, beijada e chorada
por sua mãe, suas irmãs, cunhada, primos, sobrinhas e tia. Ela tinha
crianças sobre ela - a maioria deles, ele acreditava, filhos de sua
sobrinha Camille, de Bath - todos tentando falar suas coisas aos
gritos, enquanto pisoteavam as pétalas de flores sob as quais ela
estava parada. Suas próprias filhas e netos logo se reuniram sobre
ela também. Ela tinha os olhos brilhantes, as bochechas rosadas,
rindo e adorável. Enquanto isso, o cunhado, os sobrinhos e os
primos o bombeavam pela mão e lhe davam um tapa nas costas,
assim como os genros, tendo abandonado o ato de atirar pétalas no
momento - ou talvez não tivessem mais o que jogar. Adrian e as
filhas e netos de Charles o estavam abraçando.

Outras pessoas os estavam cumprimentando.

Matilda, a pouca distância de Charles, virou-se para encontrá-lo e


sorriu para ele de uma maneira que deixaria a luz do sol
envergonhada.
Ela estava, ele percebeu, aproximando-se dele até poder segurar a
mão dele na dela, totalmente feliz.

Como ele estava.

— É melhor sairmos enquanto ainda podemos — disse ele rindo.

— Devemos? — Mas ela deslizou o braço pelo dele e permitiu que


ele a conduzisse pelo caminho que se abria para eles e a ajudou a
subir para a carruagem.

— Eu tenho apenas um desejo restante — ela disse enquanto ele se


sentava ao lado ela e pegou a mão dela, entrelaçando os dedos. —
Espero que os jovens tenham amarrado todo um arsenal de panelas
e frigideiras e botas velhas embaixo da carruagem. Quero fazer um
barulho profano a caminho de Westcott House. Eu sempre invejei ...

Mas o que ou quem ela sempre invejara foi abafado quando o


cocheiro deu aos cavalos o sinal para andarem e a carruagem se
movimentar. O mesmo aconteceu com o riso de Charles. E os sinos
da igreja também lançaram as boas novas de um novo casamento.

O único desejo restante de Matilda se tornara realidade.

Ela virou o rosto para ele, e ele viu que ela estava rindo - até o riso
desaparecer e seus olhos se tornarem luminosos sob a aba do
chapéu.

Matilda.

Que papel ela desempenhou ao trazer o filho mais velho para ele,
hoje, todos os dias? Qual o papel do filho mais novo e das filhas?

Certamente eles foram consultados. O que diabos havia convencido


Gil a vir para o casamento do pai de que ele não queria saber? O
que significava exatamente que ele tivesse vindo? Ele também viria
ao café da manhã do casamento?
Era impossível fazer qualquer uma dessas perguntas. O barulho
vindo de baixo da carruagem era ensurdecedor.

E as respostas esperariam.

Ele sorriu para a noiva e os olhos dela se encheram de lágrimas


enquanto ela sorria de volta para ele.

— Eu amo você — ele disse, e os olhos dela baixaram para ler os


lábios dele.

— Eu amo você — seus lábios disseram em troca.

E ele baixou a cabeça e a beijou. Apropriação seja condenada. Se


ele deveria sofrer esse barulho, que proclamava ao mundo que um
casal recém-casado estava a caminho pelas ruas de Londres, pelo
menos ele iria deixar o mundo saber que estava feliz com isso.

Ele levantou a cabeça e sorriu para ela. Os olhos dela estavam


cheios de lágrimas e risadas.

Ele a beijou novamente. Ou ela o beijou.

Eles se beijaram.

Fim

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