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Mary Balogh
(Série Westcott 07)
Flah, Leine, Sá
Sinopse
Meu plano para a série era escrever oito livros - para Anna; para
Harry e suas irmãs, Camille e Abigail, e sua mãe, Viola, a Condessa
de Riverdale; para Alexander, o novo Conde de Riverdale, e sua
irmã, Elizabeth; e para Jessica Archer, prima e melhor amiga de
Abigail. A maioria deles são jovens. A mais velha é Viola, que tem 42
anos quando sua história está sendo contada em Alguém para
Cuidar.
Esta história é especial para mim por causa da forma como puxou
pela minha imaginação. Tudo começou com Matilda, a filha
solteirona de um ex-Conde de Riverdale, que aparece em cada um
dos romances de Westcott. Foi ela quem permaneceu solteira para
se dedicar aos cuidados da sua mãe, enquanto o seu irmão mais
novo e as duas irmãs se casavam. Em todos os livros anteriores, ela
surge como uma personagem excessivamente exigente, irritando
constantemente a Condessa viúva, enrolando-lhe xales nos ombros
e protegendo-a de correntes de ar e outros elementos hostis.
Ela era muito mais do que apenas uma filha, irmã ou tia solteirona
envelhecida para os outros personagens. Ela era mais do que
apenas uma mulher exigente, cujo mundo girava em torno da mãe e
da, cada vez mais ampla, família Westcott. Ela era uma pessoa.
Comecei a ver que ela realmente amava a sua família e que queria o
melhor para todos. Ela era romântica, como demonstrado em suas
reações quando alguns membros da família escolheram
companheiros que, o resto da família, achou menos do que ideal. Ela
ficou feliz por Elizabeth e falou em sua defesa quando Elizabeth fez o
anúncio chocante de que iria se casar com um homem nove anos
mais novo. Ela ficou feliz por Abigail, depois que Abigail se casou
com um homem que havia começado a vida como filho ilegítimo de
uma lavadeira da aldeia.
Assim que terminei, enviei a história para Claire Zion, minha editora.
Depois de ler a novela pronta, Claire gostou tanto que sentiu que
deveria ser divulgada para todos os fãs de Westcott, e não apenas
para os leitores de livros eletrônicos. Portanto, agora você tem na
mão a edição impressa (ou talvez esteja lendo a edição de livros
eletrônicos, o que também fizemos).
Como tenho certeza de que você notou, este livro é mais barato que
meus romances completos. Isso é apenas porque é mais curto, não
porque é menos importante para mim do que os romances. Matilda é
um membro de pleno direito da minha amada família agora! Gosto
muito dela e fico feliz que, o maior número possível de leitores possa
encontrar sua história, independentemente do formato de leitura
preferido.
Ela recusou, mas agora, quando ele sugere que ela embarque com
ele, num breve encontro romântico sem amarras, ela se pergunta:
por que não? Ela faz isso - ela foge com Marcel Lamarr. Como se vê,
no entanto, existem muitas restrições associadas a essa decisão
impulsiva - tanto para Viola quanto para Marcel. Porque cada um
deles, tem uma família que se importa.
Mary Balogh
Um
Lady Matilda Westcott acabara de dar uma guinada para pior. Ela
não achou possível, mas estava enganada.
Ela estava sentada atrás da bandeja do chá na sala de visitas,
servindo a mãe e os visitantes, cuja chegada inesperada a animou a
princípio.
Ela deveria ter ficado encantada com o convite, pois Alexander era
um tipo muito diferente de conde do que Humphrey tinha sido e tinha
trabalhado duro para manter a família unida. No entanto, o jantar era
em homenagem a alguém de fora da família. Visconde de Dirkson.
Mas ela tinha lidado com ele desde a revelação de Gil - um negócio
secreto e terrivelmente escandaloso que chocaria sua família até as
raízes, se se soubesse. A lembrança ainda a arrepiava o suficiente
para desmaiar completamente - se ela fosse do tipo que desmaia, o
que ela não era. Bem, não era segredo para todos. O jovem Bertrand
Lamarr sabia. Ele era meio-irmão de Abigail, não um Westcott de
nascimento, mas aceito por todos eles como membro honorário da
família.
O que aconteceu foi que ela, uma moça solteira, havia visitado o
Visconde de Dirkson, um cavalheiro viúvo, em sua casa em Londres,
com apenas o jovem Bertrand como companhia para dar uma
aparência de respeitabilidade ao que estava na realidade, muito além
dos limites.
Ela reuniu toda a sua coragem até ao ponto máximo, para citar
alguém numa peça de Shakespeare - Lady Macbeth? - embora
possa não ser uma citação estritamente precisa. De qualquer forma,
ela havia convencido Charles a fazer alguma coisa por seu filho
natural, que estava prestes a comparecer perante um juiz para pedir
a tutela da sua filha pequena, que havia sido levada para a casa de
seus avós maternos enquanto Gil estava longe, lutando na Batalha
de Waterloo, e nunca lhe foi devolvida. Foi a primeira vez em trinta e
seis anos que ela ficou cara a cara com Charles ou trocou uma
palavra com ele. Depois que ela disse o que tinha a dizer, ela partiu
com Bertrand e se confortou - tentou, pelo menos - com o
pensamento de que aquilo tinha sido o fim.
Acabado. O fim.
— Farei isso, meu amor — disse ele, acenando para Matilda, que
estava se oferecendo para lhe servir uma segunda xícara de chá. —
Sim, obrigado. Você vai, prima Eugénia?
— Ah, acho que você tem razão, prima Matilda — disse Wren,
sorrindo calorosamente para ela. — Eu acredito que ela e Gil são
perfeitos um para o outro e pais perfeitos para Katy. Não, não mais
chá para mim, obrigado. Devemos partir em breve. Já lhe tomamos
muito tempo.
— Será algo novo pelo que esperar — disse Matilda, sorrindo com
determinação enquanto Wren a abraçava e Alexander beijava a sua
bochecha e se inclinava sobre a cadeira da mãe para garantir que
ela não precisava se levantar.
Oh, Matilda pensou, depois que eles foram embora, como ela iria
suportar tudo isso? Ficar cara a cara com Charles, novamente
amanhã e passar uma noite inteira em sua companhia. Regressar ao
campo num mês, para um lar que não seria mais o lar. A vida poderia
ficar mais sombria?
Um monte de bobagem.
***
— Era — disse Charles. — Ela morreu há muitos anos. Ela era filha
de um próspero ferreiro. Eu a conheci enquanto estava com um
amigo numa casa próxima. Foi uma ligação breve, mas com
consequências.
— Então, o tempo todo que você esteve casado com a Mãe — disse
Adrian — você estava vendo aquela mulher e ele. Sua outra família.
— Nada disso – Charles lhe assegurou. — Ela não quis nada comigo
quando entendeu que eu não me casaria com ela, embora sua
família a tivesse despejado sem um centavo. Ela recusou todo apoio
para si e para a criança. Ela a criou com o dinheiro que ganhou como
lavadeira até que ele partiu com um sargento de recrutamento, aos
quatorze anos, para se juntar ao exército. Depois que ela morreu,
comprei uma comissão para ele. Mas ele me pagou e cortou todos
os laços comigo, depois que eu comprei uma promoção para ele.
Sua mãe criou um filho orgulhoso.
Por Matilda?
Matilda. Aqui em sua própria casa. Querendo falar com ele. Depois
de quanto tempo? Trinta anos? Trinta e cinco? Devia ser o último ou
até um pouco mais. Gil tinha trinta e quatro anos, e todo o drama
com Matilda havia terminado, antes de ele ser concebido. De fato,
houve uma conexão. Charles, certamente não teria se envolvido
naquela má situação com a mãe de Gil, se ele não estivesse
sofrendo com a rejeição de Matilda, quando ela se recusou,
veementemente, a enfrentar a desaprovação de seus pais com o seu
relacionamento. Durante semanas ou até meses, ele correu para os
braços da primeira mulher bonita que chamasse a sua atenção e que
correspondesse a seus flertes.
Por ela o ter expulso e não houve como fazê-la ver a razão. E raiva,
atualmente, por ela ter vindo a sua casa, assim, sem convite, e com
apenas a conexão do jovem Lamarr com Adrian, como desculpa.
Pois tudo isso havia acontecido uma vida atrás. E por que ele
deveria se lembrar? Ele conhecera dezenas de mulheres antes e
depois dela e até depois do casamento.
— Então — disse Adrian — ele vai estar na sua vida agora? Como
membro semi-respeitável da família Westcott? É disso que se trata
este jantar?
— Sim — disse Charles. — Mas ele tem uma cicatriz facial. — Com
um dedo, ele traçou uma linha em uma bochecha e desceu sobre o
queixo.
Ele não era bom com palavras de carinho, pensou Charles. Ele não
tinha sido um bom marido. Eles não se casaram por amor, ele e sua
esposa, e viveram vidas muito separadas. Eles sempre foram
educados um com o outro, mas não havia calor ou carinho real entre
eles.
Não fora o caso com seus filhos. Ele sempre os amou total e
incondicionalmente, e ainda os amava. Ele passou tempo com eles
quando eles eram jovens. Ele os ensinou a montar e levou Bárbara a
caçar com ele, em várias ocasiões. Ele havia pescado com Jane e
Adrian. Ele havia levado todos eles para nadar e subir em árvores - o
último quando sua esposa estava bem fora de vista. Ele lera para
eles antes que eles pudessem fazer isso por si mesmos. Talvez, ele
pensou agora, ele tivesse esbanjado em seus filhos legítimos, o
tempo todo e a afeição que a mãe de Gil se recusou a permitir que
ele esbanjasse em seu primogênito.
Ele amava o filho primogênito com uma dor dilacerante. Mas ele
desejou que tudo isso, não tivesse causado emoções inúteis - a
súbita aparição de Gil em Londres com uma esposa, aterrorizada
com o fato de ele perder a filha para sempre se o juiz decidisse
contra ele; Charles vendo seu filho pela primeira vez naquele
pequeno tribunal onde a audiência foi realizada, a família Westcott
unida em suas fileiras de cadeiras; o estranho e desagradável café
da manhã, na manhã seguinte, no hotel de Gil, organizado pela
esposa de Gil; o quase certo conhecimento de que eles nunca mais
se veriam.
Matilda.
Ele desejou não se sentir zangado com ela, irritado com ela por
envelhecer, e o fazer querer atacar alguém ou alguma coisa, por uma
razão que ele não podia nem imaginar.
Ele não queria que emoções fortes surgissem agora na sua idade.
Ele não queria ter de olhar novamente nos olhos feridos de seu filho
mais novo, que acabara de descobrir a existência de um meio-irmão
mais velho. Ele não queria contar a Bárbara e Jane, e isso era um
eufemismo.
DOIS
Ela voltou sua atenção para o Sr. Adrian Sawyer, vários centímetros
mais baixo que o pai e um rosto mais cheio, de cabelos loiros em vez
de negros - um jovem de aparência agradável. Ele também estava
sorrindo quando se curvou para Wren e disse algo que a fez piscar
de volta para ele. Que motivo seu pai lhe dera para participar do
jantar em família? Ele disse a verdade? Bertrand estava caminhando
na direção de seu ex-amigo da universidade, e os dois apertaram as
mãos calorosamente antes que Bertrand o chamasse para
apresentá-lo a Estelle, sua irmã gêmea, e a um Boris, francamente
ansioso.
Vendo Alexander começar a guiar Charles pela sala para ter certeza
de que todos o conheciam - embora ele certamente conhecesse -
Matilda se afastou mais da cadeira e se inclinou sobre as costas para
ajustar o xale da mãe.
— Você não pode ter certeza de que alguém será feliz, Matilda —
disse a mãe. — O que você sabe da felicidade conjugal, nunca tendo
se casado?
Ele foi pai de Gil, logo depois que ela o mandou embora, embora ele
tivesse jurado amor e fidelidade eternos quando partiu. E, durante os
anos seguintes, ele teve a reputação, que Matilda acreditava ser
merecida, de libertino, jogador e um homem que viveu muito e se
comportou de forma imprudente. Ele talvez tivesse amadurecido com
a idade. Ela não tinha certeza. Mas certamente seu pai tinha tido
razão em recusar seu consentimento para o casamento deles e seus
pais tinham razão em insistir que ela pusesse um fim a seu
relacionamento com ele. Relacionamento! Ah, parecia muito mais do
que isso. Mas certamente ela teria sido infeliz se tivesse se casado
com ele.
Não seria?
Seria?
Eles beberam, até Adrian, que olhou com firmeza para o pai,
enquanto fazia isso.
As damas se retiraram para a sala de estar após o brinde, deixando
os homens com o Porto e a conversa masculina. Mais tarde, na sala
de estar, a Marquesa de Dorchester, sogra de Gil, veio sentar-se ao
lado de Charles. Ela falou das dificuldades que a filha enfrentara
após a descoberta de que o pai havia se casado com a mãe
bigamamente. Ela também falou de sua convicção de que o
casamento de sua filha com Gil seria feliz para os dois.
Era essa a vida pela qual ela o havia renunciado todos aqueles anos
atrás? Mas por que ele deveria se importar? Era tudo história antiga.
Bom Deus, ele teve uma vida plena desde então. Matilda estava
vivendo a vida que escolhera, como a filha solteirona que
permaneceu em casa, o suporte e a companhia de seus pais na
velhice.
E isso aconteceu trinta e seis anos atrás, pelo amor de Deus. Por
que, então, ele estava tão consciente dela agora e tão irritado por ela
- e com ela? A sociedade estava repleta de solteironas e solteirões,
usados por seus parentes e sem espírito para revidar. Mas nenhum
dos outros o irritou ou despertou ira nele por eles.
Ela estava de pé em uma extremidade da sala, conversando com
algumas das outras damas. Depois que elas se afastaram, ela
permaneceu ali, endireitando uma pilha de partituras em cima do
piano. Então ela olhou através da sala em direção a sua mãe. Talvez,
Charles pensou, isso precisava ser liquidado – o que quer que isso
fosse. Ele caminhou em direção ao piano antes que ela pudesse se
apressar para ver se o xale de sua mãe precisava de ser endireitado
novamente.
— Oh! — Ela olhou nos olhos dele e manteve o olhar ali. — Minha
mãe pensou que você estava falando com ela.
— Espero que você me diga como está — ele disse. — Seria a coisa
cortês a fazer, responder a uma pergunta educada, não seria?
— Por que você não disse isso quando perguntei antes? — E por
que ele estava insistindo nisso? Ele não fazia ideia, exceto que ainda
estava sentindo a irritação que ela parecia despertar nele.
Era uma boa pergunta. Ele não tinha resposta. Ela parecia ter a
idade dela, ele pensou. Mas ela não era realmente uma criatura
deslavada, como se poderia esperar que ela fosse, nessas
circunstâncias. Ela era alta, ainda com as costas retas como tinha
sido quando jovem, sua postura elegante, até orgulhosa. Ela não era
mais esbelta. Mas ela estava bem proporcionada e elegantemente
vestida. Seu rosto praticamente sem rugas, o cabelo ainda não se
notava grisalho. Ela era, o que se poderia chamar, uma mulher
bonita. Ela tinha sido bonita em criança, com uma faísca de
animação que a tornava bonita aos olhos dele. Ela poderia ter se
casado com uma dúzia de homens elegíveis durante a sua primeira
temporada. Ela não se casou com ele. Ela também não se casara
com mais ninguém. Nem durante todas as temporadas depois dessa.
— Você está feliz? — ele perguntou, seu tom soando abrupto até
para seus próprios ouvidos.
— Não sei bem o que dizer — disse ela. — Eu me tornei útil. Minha
mãe precisa de mim, e é um conforto para as minhas irmãs saberem
que ela tem companhia constante.
Ele olhou fixamente para ela. Ele estava de costas para todo mundo
na sala. Mas ele não supôs que sua conversa com ela estivesse
sendo particularmente comentada. Por que deveria ser? Ele havia
conversado com a maior parte do resto da família nessa fase da
noite. Por que não com Lady Matilda Westcott também? Ninguém
nesta sala, com exceção da mãe, se lembraria do breve e intenso
namoro. E mesmo que alguém o fizesse, fazia muito tempo.
Tanta coisa teria sido diferente. Tudo teria sido. Gil não existiria.
— Nem eu?
— A bandeja do chá foi trazida — disse ela, olhando para além dele
novamente — e Wren está servindo. Devo ir e adicionar a correta
quantidade de leite e açúcar à xícara da minha mãe e levá-lo a ela. É
assim que ela gosta do seu chá.
E ninguém mais era capaz de fazer isso direito? Ninguém mais sabia
o número exato de cubos de açúcar ou gotas de leite? Ele não
perguntou em voz alta. Ele ficou de lado e a deixou passar. Ao fazê-
lo, ele sentiu o cheiro de seu perfume, tão sutil que não podia ser
detectado a menos que alguém estivesse perto dela. Ele foi atingido
pela lembrança do mesmo perfume e um beijo compartilhado atrás
de uma aspidistra envasada, na varanda do lado de fora de um salão
de baile, onde eles dançaram juntos um minueto. Um beijo breve e
apaixonado. Lady Matilda Westcott sempre - quase sempre – era,
cuidadosamente, acompanhada por sua mãe.
Três
Matilda levou à mãe uma xícara de chá, do jeito que ela gostava,
assim como um pedaço de bolo, e ficou perto, mesmo que não
houvesse necessidade. Tanto sua irmã Louise quanto sua prima
Althea, mãe de Alexander, estavam sentadas perto dela e a
envolviam em conversas.
— E Boris.
— Desde que haja uma senhora que esteja preparada para vir como
acompanhante, é claro — disse ele.
O quê? O quê?
— Por favor, venha, tia Matilda? – pediu Boris. — Estou ansioso para
ver o pagode em Kew. Eu nunca estive lá.
Alegria?
Quando ela se sentiu alegre pela última vez? Quando ela também se
sentiu jovem? Há muito, muito tempo atras. De volta à quando eles
viviam em cavernas e esfregavam varas para fazer fogo. Mesmo
antes do tempo dos arcos e flechas.
Infelizmente, não. A valsa não tinha sido inventada até muito tempo
depois que ela era jovem.
Por que o diabo ele tinha feito a oferta para acompanhar os jovens?
Ele queria que ela fosse visível. Eles eram muito decentes, os
Westcotts, mas tinham uma falha coletiva que o irritou a noite toda.
Nenhum deles viu Matilda. Oh, eles não a ignoraram. Ela fazia parte
da família deles e foi incluída em todas as atividades e conversas.
Mas nenhum deles a viu. Nenhum deles, com exceção da mãe, a
tinha visto, adorável e graciosa, olhos brilhantes, bochechas coradas
de animação, dançando um minueto. Nenhum deles a conhecia. Um
pensamento presunçoso, sem dúvida, quando ele não mantinha
relações com ela há mais de trinta anos e a tinha conhecido há tanto
tempo atrás, apenas por alguns breves meses.
Mas ela era uma pessoa, por Deus, mesmo que tivesse passado dos
cinquenta anos. Mesmo se ela fosse uma solteirona. Ela merecia
uma vida.
Mas agora ele estava preso na companhia dela o dia todo. Não era
um pensamento feliz, embora ele tivesse se vestido com muito mais
cuidado do que o habitual naquela manhã - para seu grande
aborrecimento, ao perceber isso.
Uma vez ele havia dito a ela, Charles se lembrou de repente, que
azul pálido era a cor dela, que ela a deveria usar o máximo possível.
De onde diabos veio essa memória? Ela a estava usando agora.
Podia-se pensar que era uma cor muito jovem para uma mulher da
sua idade, mas o vestido e o brilho que ela usava eram bonitos e
elegantes, não juvenis nem deselegantes. Ela usava uma touca azul
marinho de abas pequenas, elegante, sem adornos, flores ou penas.
Ela o viu e inclinou a cabeça, com os lábios cerrados. Ele se
perguntou se ela se arrependia de ter concordado com a sugestão
dele. Mas ela o fez isso sem hesitar.
E ah ...
Ela era a Matilda naquele momento, tal como antes. Como se todos
os anos tivessem desaparecido.
Bertrand tinha pensado durante a noite num amigo dele que, com
certeza, gostaria de se juntar a eles. Talvez mais significativo, Matilda
entendeu, pelo descuido estudado com o qual ele explicara, o amigo
tinha uma irmã que era muito bonita e vivaz e dançou um set com
Bertrand em seu baile de apresentação há cerca de um mês, além
de vários desde então. Então a carruagem estava mais lotada do que
o planejado originalmente, e três das jovens foram forçadas a sentar-
se juntas no banco oposto ao que ela compartilhava com Jessica.
Seus espíritos, no entanto, não pareciam estar, de alguma forma,
abafados pelo desconforto.
Ela não se sentiu nada feliz durante uma noite de sono conturbado.
Ela nunca fora uma acompanhante. Mais exatamente, ela nunca foi
uma acompanhante com Charles Sawyer. O que é que o tenha
possuído para sugerir o seu nome, quando Viola estava prestes a
sugerir ir com os jovens, e Louise estava prestes a se tornar uma
mártir, e concordar em ir ela própria? A Mãe não estava nada
satisfeita. Ela dissera a Matilda, a caminho de casa, na noite
passada, que deveria ter colocado aquele homem em seu lugar, com
uma recusa muito firme. Desde que ele estava indo também, nessa
excursão às ruínas de Kew, quem iria acompanhar Matilda?
Era um libertino, Matilda havia dito. O seu próprio filho vai estar na
festa, mamãe.
Ela ficou acordada, imaginando por que ele sugerira seu nome e por
que ela concordara com tanto entusiasmo e o que faria se algum
jovem se comportasse mal. Certamente isso não aconteceria. Todos
eram jovens criados adequadamente. E ela se perguntava sobre o
que ela e Charles iriam falar, se eles fossem emparelhados, como
certamente era muito provável, já que os jovens gostariam de estar
uns com os outros.
— E isso inclui você, Lady Matilda — disse Miss Rigg. — Pois somos
dez no total, não é?
— Acho que você está certa, — Matilda disse, — uma vez que ele é
o único perto de mim em idade. Bem, ele também é bonito, não é?
— Acho que o Sr. Sawyer é bonito — disse Estelle. — Ele tem olhos
gentis e um sorriso doce.
— O Visconde de Dirkson era mesmo amigo do tio Humphrey? —
perguntou Jessica. — E você realmente conheceu todos eles anos
atrás, tia Matilda, e dançou com ele nos bailes? Eu acho que ele
deve ter sido muito bonito quando jovem. Ele devia ser parecido, um
pouco, com Gil, mas sem a cicatriz. Você o apreciava?
Ela se perguntou se ele havia notado que ela estava usando azul
claro.
Ela esperava que não, ou, se ele tivesse notado, pois, afinal, ele
tinha olhos, ela esperava que ele não se lembrasse de uma vez dizer
que ela deveria sempre usar o azul em tons pasteis, porque realizava
o aparentemente impossível e a deixava ainda mais bonita e mais
desejável do que ela já era. Na verdade, ele usara essas palavras -
mais desejável. Ela ficou chocada e emocionada até ao âmago. Mas
que tolice pensar que ele poderia se lembrar. Tantos anos se
passaram. Ela não havia escolhido a sua roupa deliberadamente por
esse motivo. Ela havia tentado três vestidos diferentes primeiro - o
verde escuro, o bronzeado e o azul escuro - antes de instruir sua
criada a puxá-lo da parte de trás de seu guarda-roupa. Ela o usara
apenas uma vez antes, embora o possuísse há dois anos. Ela
concluiu, depois daquela ocasião, que era muito juvenil. Mas hoje ela
o experimentara e se sentira imediatamente feliz nele. Ela podia ser
uma acompanhante, mas não era idosa. Não exatamente, de
qualquer modo. E ela queria parecer o seu melhor.
Era muito estranho não estar com a mãe. Não estar observando-a a
todo o momento para ter certeza de que estava confortável e quente
e não precisava de um xale, leque ou xícara de chá. Não ser uma
sombra que ninguém realmente via, exceto a sua mãe, que muito
frequentemente se irritava com ela, por constantemente a paparicar.
Por que ela fazia isso, então? Por que ela precisava ser necessária
para alguém? Era maravilhoso estar livre de tudo isso. Todo o dia de
hoje - bem, o resto da manhã e a tarde de qualquer maneira - se
estendia à sua frente sem mais nada a fazer, exceto tomar conta de
oito jovens que realmente não precisariam de assistência e apreciar
as belezas de Kew Gardens, que ela não via há séculos. E era um
dia perfeito, com apenas uma nuvem no céu ou um sopro de vento.
Embora isso não estivesse certo. Afinal, foi ela quem interrompeu o
romance e o conhecimento - porque não teria sido capaz de
continuar com o segundo sem o primeiro. Ela o afastou e, assim,
liberou-o para fazer e ser o que quisesse. Ele fez exatamente isso.
Mas ela nem pensaria no passado pelo resto de hoje.
Quatro
— Mas dizem que é muito escuro por dentro para que a fruta floresça
— disse Miss Keithley.
Lady Estelle Lamarr queria ver o Palácio Kew, e Lady Jessica Archer
preferiria o chalé da rainha.
— Está um dia tão bonito — disse Adrian — e os jardins são tão bem
arranjados e tão cheios de árvores e plantas variadas e extensões de
grama verde que eu ficaria contente em passear sem nenhum
destino específico, vendo o que deve ser visto quando chegarmos a
ele.
Todos expressaram uma preferência quase antes de Charles ajudar
Matilda a descer da carruagem e entregar os cavalos aos cuidados
dos cavalariços e do cocheiro.
— Casa da rainha.
— Os templos.
— O laranjal.
— Kew Palace.
Ela olhou para o braço dele antes de deslizar a mão através dele,
depois olhou para ele. — Eu não subo ao topo da torre desde ... —
Ela fechou os olhos brevemente, antes de virar a cabeça. Ela não
completou a frase.
Desde que eles fizeram isso juntos quando tinham vinte anos?
Ele esteve em Kew várias vezes desde então, é claro. Ele esteve
perto da torre. Ele havia sido instado algumas vezes a subir, mas
sempre recusou. Ele nunca se perguntou o porquê. Era fantasioso
imaginar agora que era porque ele já o subira com Lady Matilda
Westcott?
— Quem quer que fossem esses pais — ele disse — não subiram
mais que o segundo andar. Eles permaneceram lá enquanto o resto
de nós se dirigia ao topo. Os outros não ficaram lá por muito tempo.
Eles desceram as escadas ruidosamente quase imediatamente,
deixando nós dois para apreciar a vista.
Foram palavras que ele não dissera a mais nenhuma mulher. Ele
havia crescido rápido depois de Matilda e abandonado qualquer
bobagem tão imatura e sentimental.
Sua boca agora, ele viu quando olhou para o rosto dela, estava em
uma linha cerrada.
Ele ficou surpreso com o sorriso repentino e o brilho nos olhos dela
quando ela olhou para ele.
Matilda! Ah, Matilda! O que os pais dela fizeram com ela? Ou isso
era injusto? Se Bárbara ou Jane quisessem se casar com um jovem
tão selvagem quanto ele aos vinte anos, ele teria dado seu
consentimento?
Ele sabia que não. Mas ele também teria proibido a eles todo futuro
contato com esse jovem? Elas o teriam obedecido sem questionar,
se ele tivesse?
Ele a tinha amado, mas ele provou isso da pior maneira possível,
caindo completamente em pedaços depois que ela lhe disse que não
teria mais nada a ver com ele. Ele não podia, nem culpar a
imaturidade. Sua reputação desagradável tinha sido bem-merecida
por anos e anos.
— Ah, mas eu sou — ela disse. — Fui desafiada pelo meu sobrinho
e aceito.
— Ele tem o hábito de emitir desafios e sorrir e balançar as
sobrancelhas para você? — ele perguntou.
— Oh, Deus do céu, não — disse ela. — Ele sempre me tratou com
o maior respeito como a irmã mais velha de sua mãe,
consideravelmente mais velha irmã. Eu acredito que ele está
gostando de me provocar.
E todo mundo estava pronto para descer e partir para outra aventura.
— Depois de subir até aqui — disse Charles — pretendo ficar um
pouco e admirar a vista à vontade. A minha apreciação vai durar,
pelo menos, dez minutos.
Havia muitas árvores, é claro, e uma pessoa não podia vê-las, nem
debaixo delas, dali de cima. Mas os jovens deveriam ter algum
tempo juntos. E o que eles poderiam fazer em dez minutos? Embora,
é claro, demorasse tanto tempo para descer dali, e então, não seria
mais possível ver todos os cantos de Kew, muito menos todos os
recantos.
Não que ela já tivesse sido uma tia severa. Ela nunca havia
interferido no modo como o irmão e as irmãs ou os sogros
escolheram para lidar com os filhos.
— Isso foi muito maroto da sua parte, tia Matilda — disse Boris. —
Agora você nos forçou a sermos bons.
— Não que algum dia sonhemos em não ser bons — disse Dorothea
Keithley enquanto seguia o Sr. Sawyer pela escada em caracol. —
Não me olhe assim, Ambrose.
— Você tem olhos na parte de trás da cabeça? — protestou o irmão,
oferecendo a mão a Jessica para ajudá-la no topo da escada.
Ele a beijou aqui, talvez neste mesmo local. Ele dissera que a amava
e ela não duvidara nem um pouco, da verdade de suas palavras. Ela
disse a ele que o amava e quis dizer as palavras, com toda a paixão
de seu jovem coração. Mas nem um mês depois ela o mandara
embora, dissera que não falaria com ele ou sequer o veria
novamente. Ela dissera a ele quando pressionada, quando parecia
ser única maneira de convencê-lo, que ela não o amava, que ela
nunca o havia amado.
— Você quis dizer isso? — ele perguntou agora, e ela sabia que ele
havia virado o rosto para o dela, não estava mais olhando para a
vista mas para ela. — Eu sempre me perguntei.
— Eu quis dizer o que? — ela perguntou, mas sabia o que ele queria
dizer. Era como se ele tivesse lido os pensamentos dela.
Por baixo das sobrancelhas contraídas, ela lhe retornou o olhar. Por
que a resposta era importante para ele? — Você viveu uma vida
inteira de eventos memoráveis desde então — ela disse. — Você foi
pai de Gil. Você se casou com Lady Dirkson e teve filhos e netos.
Você viveu anos repletos de ... de uma vida tumultuada. Por que
tentar lembrar agora, o que aconteceu ou não aconteceu aqui, anos
e anos atrás, quando éramos jovens e tolos e não poderíamos ter
conhecido nossas próprias mentes? Por que se preocupar em
lembrar? Mal nos vimos desde então. Falamos apenas algumas
vezes, todas elas muito recentemente. Qual é o sentido de tudo isso,
Charles? Se alguma vez tivemos uma ... uma chance, já se foi.
Essas coisas aconteceram com outras pessoas, em outra vida. Não
somos as mesmas pessoas, agora. Nem mesmo perto.
— Nós éramos tolos? — ele perguntou. Ele se virou para olhar para
baixo novamente. Matilda podia ver os jovens, ainda em grupo,
caminhando por uma avenida gramada em direção a um dos templos
curvos. — Mas sim, claro que sim. Eu era jovem e apaixonado e
depois, ferido, como só os jovens podem ser. Eu estava cego pela
dor. Em vez de esperar um ano e depois tentar, durante a próxima
temporada, fazer você mudar de ideia e fazer com que seu pai visse
que eu havia mudado, imediatamente pulei em um prazer selvagem,
tentando esquecê-la e acalmar os meus sentimentos feridos. Eu
nunca a tentei reconquistar. Sim, eu fui um tolo. Você foi?
— Diga-me — disse ele — que isso, pelo menos, não era verdade.
E, por favor, não me diga que não se lembra.
— Eu? — disse ela. — Claro que tenho, não, não tenho. Existe algo
de vergonhoso nisso? Eu tive oportunidades. Mas eu não casaria
sem amor. Eu era uma jovem teimosa.
Ela olhou para ele como se estivesse colada ao chão. Ela estava
chocada demais para bater no rosto dele. Ao mesmo tempo, sentiu
uma renovada onda de consciência - de como estavam sozinhos ali
em cima, do último beijo que haviam compartilhado aqui, dele, de
sua sólida presença, de sua boa aparência, de sua masculinidade.
Da boca dele.
Mas ela era de meia idade. No lado extremo da meia idade, de fato.
Beijar era para os jovens. Ela não sabia mais como fazê-lo. A última
vez que ela foi beijada foi ... trinta e seis anos atrás. Seria
embaraçoso. Seria bizarro. Seria …
Ela deu um passo mais perto dele, e quando ele se aproximou dela,
ignorou o instinto de recuar de susto e deixou-se descansar contra
ele, fechando os olhos ao fazê-lo. Mesmo através do casaco, colete
e camisa, ela podia sentir que ele era quente e firme, musculoso e
masculino. Ela se sentiu envolvida pelo cheiro dele, sua colônia, o
amido que deve ter sido usado na sua gravata e colarinho, a
essência que era, o próprio Charles. Talvez fosse ridículo sentir que
tudo isso era familiar, mas era verdade. Com as coxas, ela podia
sentir os músculos poderosos dele.
Oh meu...
Oh meu...
Seus pensamentos não eram mais coerentes do que isso por quanto
tempo o beijo durou. Provavelmente foram alguns segundos. Não,
certamente mais do que isso. Minutos? Horas?
Charles.
— Charles?
Ele, é claro, deve ter participado em mil beijos com tantas mulheres.
Uma onda de algo tão fugaz que era impossível nomear, passou pelo
rosto dele. Diversão, talvez? Arrependimento? Anseio? Nenhum
deles?
Todos eles?
— Foi você quem disse aos jovens que confiava neles — ele disse.
— Eu teria me mantido logo atrás deles, pisando nos calcanhares
dos últimos da fila.
— Ah, você não faria — ela disse. — Foi você quem disse que
precisava de dez minutos aqui antes de segui-los.
Ainda, de novo.
Cinco
Por um lado, ele largou a amante que manteve desde pouco tempo
após a morte de sua esposa. Ele a deixou, abruptamente, na mesma
noite depois que Matilda o visitara, inesperadamente, em sua casa,
embora na época, ele não acreditasse que houvesse alguma
conexão entre os dois eventos. Ele assumiu que substituiria sua
amante em breve. Mas ele não o fez nas semanas seguintes,
embora não tivesse a certeza de que o celibato lhe convinha.
Tampouco tinha a certeza de que não. Na verdade, era o sexo por
sexo que não o satisfazia mais, mas ele não sabia o que o satisfaria.
Ou, se o fizesse, não estava disposto a pensar nisso seriamente.
Por outro lado, havia Gil. Seu filho tinha estado em sua vida por trinta
e quatro anos, de uma maneira puramente periférica, mas isso
mudou com todos os problemas durante a batalha pela custódia e,
depois do café da manhã para o qual a esposa de seu filho o
convidara e sua primeira reunião presencial com o seu filho. Dizer
que a reunião foi desconfortável seria subestimar seriamente o caso,
mas, depois, foi difícil aceitar a possibilidade de que ele nunca mais
visse Gil ou ouvisse dele de novo.
Mas ele soube, alguns dias depois de Kew - ou pelo menos sobre
ele, através de Abigail, a esposa de Gil. Ela escrevera uma carta
cheia de alegres detalhes sobre a vila de Gloucestershire na qual
moravam, sua casa e jardim, dominados pela visão e pelo cheiro de
rosas.
Matilda! Não havia como ele querer se envolver com ela novamente.
Seria ridículo. E o seu palpite era que ela concordaria com ele.
E ele estaria?
— Mas por que ela convidaria você para uma festa de família? —
perguntou a mãe. Mas ela não esperou por uma resposta. Deixou a
torrada pela metade, secou a boca com o guardanapo de linho e
recostou-se na cadeira, olhando a filha o tempo todo. — Você deve
agradecer ao próprio Visconde por isso?
— Não sei mais do que você, mamãe — disse Matilda. Exceto que
ele a beijou, e ela teve dificuldade em comer e dormir na semana
seguinte, pobre criatura patética que ela era.
— Mas — disse a mãe — sempre vivi com a culpa de lhe negar essa
miséria, ou essa felicidade. Pois é impossível saber se a vida dele
teria sido diferente se você tivesse se casado com ele. Ele também
te amava de alma e coração?
Matilda não conseguia pensar numa resposta. Por que ele sugeriu
convidá-la? Ele não disse nada durante ou após a viagem de Kew
para casa, sobre vê-la novamente. Não soube nada dele desde
então. Ela assumiu que ele se tivesse arrependido amargamente de
algumas das coisas que ele havia dito. Sem mencionar aquele beijo.
Eu te amo.
Eu te amo.
Eu te amo.
Por que ele queria que ela fosse ao Vauxhall com a sua família?
Eu te amo.
Ele também havia dito essas palavras para ela há muito, muito
tempo.
Ela chorou.
— Lorde Dirkson — ela disse. — A sua filha tem uma noite adorável
para a festa dela.
Ele não tinha a certeza disso. Mas antes que ela pudesse responder,
a porta atrás dele se abriu e ele se virou, aliviado, ao ver Matilda
entrar na sala, o vestido de noite num cinza gelo, prateado e
cintilante, um xale azul de caxemira sobre um braço, o cabelo
penteado com simples elegância, sua postura mais ereta do que o
habitual, as bochechas levemente coradas, os lábios em uma linha
cerrada.
Seis
— Oh, — disse ela agora. – Olhe só. — Eram palavras tolas, pois
estavam de frente para a margem oposta do Tamisa e ele teria de
ser cego para não ver as dezenas de lanternas coloridas penduradas
nos galhos das árvores nos jardins Vauxhall, balançando na brisa,
seus reflexos se agitando através correnteza da água. — Não é pura
magia, Charles?
Ela sorriu e virou o rosto. Ele costumava fazer isso o tempo todo. Ela
o interrogou uma vez. Por que você está sempre me olhando? ela
perguntou. Ele já tinha uma resposta pronta. Porque não há nada
nem ninguém neste mundo que eu prefira olhar. Palavras tolas e
lisonjeiras que a aqueceram até aos dedos dos pés. Ela não fez a
mesma pergunta agora. Quem sabe como ele responderia?
— Ele também gosta de você — ele disse a ela. — Ele diz que você
tem um brilho permanente nos olhos.
Ele devia estar errado. Oh, ele certamente estava. Ela teve outros
pretendentes, é claro, um número tedioso deles depois que o
mandou embora. Mas ela era Lady Matilda Westcott, filha mais velha
do Conde de Riverdale. Ela tinha um grande dote. Ela era
extremamente elegível.
Ele riu, e o interior dela revirou. — Então é bom que termine por um
tempo — ele disse enquanto o barco chegava ao ancoradouro e toda
a magia e prazeres de Vauxhall os aguardavam, assim como o
nervosismo de conhecer as suas filhas e seus maridos, como
membro da festa da família, como se ... Bem, como se Charles a
estivesse cortejando.
Como ela estava, pensou Matilda. Ela ainda estava lidando com isso,
com o conhecimento de que Charles tinha sido pai de Gil apenas
alguns meses depois de lhe declarar o seu amor eterno e fidelidade.
Ele virou a cabeça para sorrir para ela. — E eu tenho — ele disse.
— Faz apenas meia hora que soube que você também vinha aqui
com o Visconde de Dirkson, tia Matilda — disse ela. — Fiquei muito
feliz. Não é a noite perfeita para Vauxhall?
— É mesmo — Matilda concordou. — E desejo-lhe um feliz
aniversário, Sra. Dewhurst.
Ah, isto, pensou Matilda, olhando para além dela, para a família de
Charles e, além do camarote, para as vistas e ouvindo os sons de
Vauxhall, era maravilhoso. Maravilhoso. Ela iria guardar todos os
detalhes em sua memória para acarinhar para o resto de sua vida.
A coisa era, pensou Charles, que Matilda parecia ter a idade que
tinha.
Ele sentiu que as suas filhas gostavam dela, mesmo sabendo de sua
conexão com Gil. Ele sabia que Adrian gostava.
— Sim, claro — ela disse. — Eu sempre achei que era a dança mais
romântica jamais inventada. Os jovens de agora têm muita sorte.
Ele a levou para a pista de dança junto com várias outras pessoas,
incluindo seu filho e suas filhas, e esperou a música começar. Ele
olhou para cima, além das lanternas coloridas, e viu a lua, quase
mas não completamente cheia, e estrelas contra o céu escuro.
Ele a levou a um simples rodopio, e ela riu. Com puro deleite. Ele
sorriu de volta nos olhos dela. Ela era calorosa e vital em seus
braços, e ele estava onde ele queria estar mais do que qualquer
outro lugar do mundo - não no Vauxhall especificamente, mas dentro
do relaxado círculo dos braços de Matilda. Ele estava onde sempre
desejara estar, muito tempo depois de ter, consciente e
inconscientemente, deixado de lado a memória dela e da sua paixão
por ela.
Ela não se sentia constrangida por ser uma solteirona sisuda que
sempre se sentava entre as acompanhantes, nas raras ocasiões em
que participava de um baile com a mãe ou porque tinha passado dos
cinquenta anos. Ela não tinha passado da idade de querer dançar
uma valsa ou brindar-se com um pouco de romance. Ela não era
velha demais para apreciar a sensação da mão de um homem na
parte de trás de sua cintura, a outra mão na dela, toda a valsa a ser
dançada cara a cara, quase corpo a corpo. Ela podia sentir o calor
dele. Ela podia sentir o cheiro da colônia dele, bem como algo
igualmente atraente que parecia ser o próprio cheiro dele. Ela não
era velha demais para sentir a atração de sua fisicalidade. Ou
sonhar.
Ou para se apaixonar.
— Posso ver por que você estava tão divertida — disse ele. — Essas
são questões enormemente divertidas.
Os olhos dele estavam rindo. Ah, ele costumava fazer isso o tempo
todo. E Matilda não conseguiu impedir que sua própria risada
borbulhasse. Então sua boca também estava sorrindo e todos os
tipos de linhas apareceram em seu rosto, principalmente nos cantos
externos dos olhos. Rugas em formação. Ou melhor, linhas de riso.
Muito atraentes.
— Ah, — disse ela, — mas você pode também fazer com que você
não o faça?
Ele era um dançarino tão bom quanto o pai, ela decidiu depois que
eles dançaram por alguns minutos sem conversar - e sem
contratempos - embora ele não fosse Charles, é claro. Ele não era
tão alto e tinha uma cor mais clara e consideravelmente mais jovem.
Ela duvidava que ele tivesse dado um momento de ansiedade à mãe
por ser selvagem enquanto crescia. Embora ele fosse um mero
garoto, é claro, quando a sua mãe morreu.
— Ela é a filha mais nova de meu irmão — disse ela. — Ela sempre
foi doce e quieta, mas uma garota feliz, eu creio. Ela estava prestes
a fazer o seu debute na sociedade quando o seu pai morreu e foi
feita a descoberta de que ele nunca havia sido, legalmente, casado
com a sua mãe. Ela parecia ser a pessoa que melhor recebeu o
golpe. Ela permaneceu quieta e doce. Mas a felicidade dela se foi. E,
na verdade, ela ficou mais quieta do que já tinha sido, retraída e
insistente em ser deixada a viver a sua vida à sua maneira.
Estávamos todos preocupados. Meu coração doeu por ela com
aquele sentimento de desamparo que se tem quando se quer
desesperadamente ajudar, sabendo que todos os esforços para o
fazer não são desejados e, portanto, são inúteis.
Ele era um jovem gentil, ela pensou. Alguma jovem teria muita sorte
quando ele decidisse se estabelecer.
— Seu pai ama você e suas irmãs, não obstante, o fato de que ele
também ama seu filho natural — disse ela. — O amor não é uma
coisa finita a ser igualmente distribuída entre um número limitado de
pessoas. É infinito e pode ser espalhado para abranger o mundo
inteiro sem perder um pingo de sua força. E Deus, apenas me
escute. Se você deseja conselhos sobre a vida, vá até à tia Matilda.
Diga a todos os seus amigos.
— Obrigada — ela disse. — Não foi culpa do seu pai, você sabe. Foi
minha. Mas também é história antiga. Muito antiga.
O filho de Charles.
Sete
Trinta e seis anos atrás eles caminharam por esta avenida com um
grupo de outros jovens. Estranhamente - ou talvez não tão
estranhamente, considerando há quanto tempo - Charles não
conseguia se lembrar de quem era qualquer um dos outros, embora
pensasse que Humphrey estivesse lá. Os pais de uma das moças os
acompanharam, mas eles eram um casal alegremente descuidado e
desfrutaram dos prazeres de Vauxhall por conta própria, não
prestando muito atenção ao seu dever, fato que os encantara.
Ele parou, como que de fazer amor total com ela, e ela indicou, no
momento em que ele estava se afastando, que ela não o devia ter
permitido. Mas eles haviam compartilhado um abraço longo e
apaixonado antes daquele momento. Depois, enquanto recuperavam
o fôlego, a testa dele contra a dela, as mãos dela se espalharam
sobre o peito dele, ele disse novamente que a amava, que queria se
casar com ela. Ela disse que sim, oh sim, oh sim, ela também queria
se casar com ele. Ela o amaria com todo seu coração, para todo o
sempre.
— Sim.
— Sua mãe te trata mal, Matilda — ele disse. Talvez parecesse uma
falácia, mas não era. — Você desistiu do amor e do casamento para
ser tratada com impaciência e irritabilidade, mesmo ante estranhos?
Você não se arrepende?
— Os arrependimentos são inúteis — disse ela bruscamente. —
Minha mãe às vezes fica impaciente comigo porque eu a mimo. Eu
só percebi isso recentemente. Sempre estive tão empenhada em
demonstrar o meu amor e devoção, em tornar a minha vida parecer
significativa, que a tratei, pelo menos nos últimos anos, como uma
mulher idosa e não como uma pessoa digna, ainda capaz de cuidar
da sua própria vida. Fui uma dura provação para ela, como ela foi
para mim. Não julgue de fora, Charles. Ela tem os seus próprios
demônios para lidar. Ela se sente culpada por arruinar a minha vida.
A minha presença sempre ao seu lado e o meu ... comportamento
subserviente são uma reprovação constante para ela. Eu poderia ter
me comportado de maneira diferente, todos esses anos atrás. Eu
poderia ter lutado por mim mesma, em vez de ceder tão
humildemente aos medos e comandos de meus pais. Eu poderia ter
casado com alguém que eles aprovassem. Oh, mas arrependimentos
são inúteis, Charles. Devemos estragar a mais maravilhosa, das
noites maravilhosas, falando do passado?
Talvez sua mãe não fosse tão ogro, então, Charles pensou.
Ele não podia ter a certeza, com a luz ténue e oscilante das
lanternas, mas parecia que seus olhos estavam cheios de lágrimas.
E quanto ela havia revelado sobre os seus sentimentos!
Ah, Matilda.
Ele não podia ter certeza de que era o mesmo caminho. Mas isso
não importava. Era estreito como o outro, um pouco estreito demais
para duas pessoas caminharem, confortavelmente, lado a lado. Ele
tirou o braço do dela e envolveu a cintura dela. Longe de mostrar
qualquer indignação ou resistência, ela colocou o próprio braço sobre
ele e repousou brevemente o lado da cabeça no ombro dele.
— Isto?
— Certamente é — ela disse. — Impossível. Mais de três décadas se
passaram. Estou velha.
— Sim.
Ela virou o rosto para ele, embora ele duvidasse que ela pudesse ver
seus olhos rindo. — Isso é cruel.
— Ch-aa-arles.
— Isso não é resposta — ele disse. — Você não entende, que é isso
que você é para mim, meu amor?
Ele ficou muito quieto por dentro. Seu amor por ela deve ter
permanecido dormente nele por mais de metade de sua vida, mas
ele não pensou nisso, depois de um ano ou mais que ela o rejeitou.
Ele não pensou nela ou quase não pensou. No entanto, seu amor
não deve ter morrido completamente – senão como se reavivou, tão
facilmente agora, em toda a sua intensidade? Por que, após um
período tão breve, ele estava mais seguro do que em qualquer outra
coisa em sua vida, que amava esta mulher que tinha a idade dele e
que parecia e se vestia sem glamour ou óbvio fascínio? No entanto,
para ele, ela parecia a mulher mais bonita do mundo. Por que ele se
apaixonou apenas duas vezes na vida e pela mesma mulher? Isso o
abalou profundamente: mesmo sendo ela quem o havia rejeitado
todos esses anos atrás, ela permaneceu fiel a ele desde então. Pois
ele sabia que ela devia ter tido inúmeras chances de se casar com
outros homens, pelo menos nos dez anos seguintes a ele.
E ele a beijou.
Ela beijou como alguém que nunca havia sido beijada antes, com os
lábios levemente franzidos e os membros rígidos - mesmo que eles
tivessem se beijado em Kew. Mas lá, ele não a tinha abraçado.
Talvez ela se sentisse mais assustada desta vez. Ele levantou a
cabeça.
Ela apertou os braços sobre ele. — Muito bem — disse ela, tão
primorosamente, que ele quase riu.
E embora ela fosse diferente da maneira como tinha sido aos vinte
anos, havia algo nela que era inconfundivelmente Matilda, e ele
sabia que nunca havia realmente deixado de a amar. Foi por isso
que ele nunca se apaixonou por mais ninguém. Para sempre, em
algum lugar nos recônditos de seu ser, sempre tinha sido Matilda. E
agora - sim, era como um sonho - ele a segurava nos braços,
novamente.
— Eu nunca pedi para você se casar comigo — ele disse. — Seu pai
disse que não, e então você me mandou embora, e a pergunta
permaneceu sem resposta.
— Sim, — disse ela. — Sinto muito, Charles. Sei agora que você
sofreu exatamente como eu.
— Então suponho que você terá que decidir qual o curso de ação
que você prefere — disse ele. — Você prefere manter a sua imagem
familiar e, portanto, em grande parte invisível na sociedade? Ou você
prefere anunciar o seu noivado comigo e se tornar a sensação do
momento e não muito invisível?
— Há trinta e seis anos — disse ele — você não teve escolha. Foi-
lhe dito o que fazer e você o fez. Você viveu com as consequências
desde então. Agora, depois de todos estes anos, você tem uma
escolha. Você pode continuar como está. Ou você pode se casar
comigo. Você tem a escolha, Matilda.
— Mas ainda é impossível — disse ela. — Pois não somos os únicos
envolvidos. Existe a sua família. E a minha.
— Acredito que você esteja errada nisso — ele disse. — Por mais
que eu não mereça tanta sorte, tenho filhos que me amam e desejam
me ver feliz. Eles amavam a mãe, mas aceitam o fato de que ela se
foi, enquanto eu ainda estou aqui. E o que dizer dos Westcotts,
Matilda? Eles parecem muito decentes, em geral. Por que você
espera que eles se oponham, finalmente, à sua felicidade?
— E agora sou? — ele sorriu para ela. — Então terei algum trabalho
pela frente. Terei de convencê-los de que amo você, que você é todo
o mundo para mim e sempre será. E você, se decidir se casar
comigo, terá de mostrar a eles que você não é apenas a irmã Matilda
ou a tia Matilda, mas Matilda sem qualificadores, uma pessoa de seu
próprio direito, livre para fazer suas próprias escolhas. Uma pessoa
que merece a felicidade. Se, isto é, você me ama mais do que você
tem medo da mudança ou da incredulidade de sua família e da
sociedade.
Ele esperou.
— Sim — ela disse, então, sua voz quase inaudível. — Oh sim,
Charles, eu quero.
Ele colocou um dedo nos lábios dela. — Sem mas. Não essa noite.
Ela olhou para ele e depois riu - com aquele delicioso som alegre
que sempre podia fazer seu coração revirar. — Que absurdo! — ela
disse. — Você fez a minha cabeça ficar zonza.
— Sim. — Ela sorriu e, sob o brilho da lanterna, ele viu uma lágrima
escorrer pela bochecha dela e desaparecer sob o queixo.
Ele não demostrou que havia notado. Ele fechou os olhos e
descansou um pouco mais, em sua felicidade.
Oito
A mãe dela nunca falou assim. Matilda franziu a testa e olhou para o
prato. Ela ficou bastante surpresa ao ver meia fatia de torrada
barrada com geleia ali. Ela não conseguia se lembrar de comer a
outra metade, ou qualquer outra coisa.
Mas ela queria? Ela não aceitou uma oferta de casamento dele
ontem à noite? Ele não segurou a mão dela até a carruagem e a
beijou antes de o cocheiro abrir a porta e descer os degraus? No
entanto, ele não disse nada sobre vê-la novamente. Mas,
certamente, ele pretendia. Seria muito peculiar se ele não o fizesse,
mesmo que tivesse mudado de ideia.
— Parece que todas nós tivemos a mesma ideia esta tarde — disse
ela, e beijou as bochechas, perguntou pela saúde da viúva e
comentou o fato de que seria um dia adorável se o vento não
estivesse tão cortante.
— Oh, diga que é verdade, tia Matilda — disse Jessica, com uma
faísca de malícia nos olhos. — Quando estávamos em Kew, pensei
que o Visconde de Dirkson era particularmente atento a você.
Matilda respirou fundo para responder, mas sua mãe falou primeiro.
Ela olhou para ele, com o que ele poderia descrever apenas como
um enorme embaraço, pois todo mundo se apressava em
cumprimentos, que variavam de moderados a efusivos. Ele imaginou
que elas estavam falando sobre ele antes de sua chegada. Ele se
perguntou se Matilda lhes tinha contado, como ele contara a seus
filhos - Adrian ontem à noite, Bárbara e Jane esta manhã.
— Foi — ela disse, e certamente, não foi sua imaginação que toda a
atenção se voltou, repentinamente, para ela. As mãos dela estavam
apertadas firmemente no colo. Seus lábios estavam numa linha
cerrada. — Foi adorável.
Ah, ela não lhes tinha dito.
— A bondade não teve nada a ver com isso, Madame — disse ele.
— Ou, se foi, foi por parte de Lady Matilda. Ela teve a gentileza de
aceitar o convite da minha filha para fazer parte da festa.
— Matilda!!!!
Parte de sua atenção foi capturada pelo som da Condessa viúva, sua
mãe, respirando fundo. Ele esperou o discurso que certamente viria.
— Bem, graças a Deus por isso — foi o que ela realmente disse.
***
Matilda pensou que suas unhas podiam muito bem tirar sangue das
palmas das mãos, mas ela não conseguia relaxar as mãos. Ela
pensou que seu coração poderia abrir caminho através de sua
cavidade torácica e das costelas. Ela segurou a boca em uma linha
firme para que ela não ... o quê? Rir? Por que ela sentiria uma
vontade irresistível de rir quando estava tão tensa que sua
mandíbula estava presa no lugar?
Ela olhou para Charles e mal podia acreditar que ele era o mesmo
homem com quem ela dançara e rira na noite anterior. E beijou.
Aquele com quem ela havia ficado do lado de fora da rotunda para
assistir aos fogos de artifício enquanto exclamava o tempo todo em
superlativos infantis pelo esplendor de tudo. Aquele que finalmente
ficou atrás dela e envolveu sua cintura com os braços, para que ela
pudesse descansar a nuca no ombro dele e não ficar tonta ao olhar
para cima - apesar do fato de que eles poderiam ter sido observados
por metade da sociedade, ou mesmo três quartos.
Ela não pensara nisso até agora, quando tinha quase medo de
acreditar na verdade do que havia acontecido na noite anterior. Mas
era verdade. Durante toda a sua vida, sonhara com um grande
casamento mas, durante a maior parte do tempo, era tudo o que
tinha sido - um sonho sempre desvanecido. E, nos últimos vinte
anos, quase desapareceu.
Certamente, com certeza, ela seria uma piada. Ela não quis dizer
algo tão grandioso. Apenas um casamento definitivo com…
Você é a noiva.
Ela sentiu aquela vontade, cada vez mais familiar, de chorar. Em vez
disso, ela sorriu quando ele a ajudou a subir para o banco do
passageiro do currículo e lembrou-se daquela sensação inebriante
de estar muito mais distante do chão que ela esperava. A sensação
de perigo e alegria. Ela riu alto.
— Isso nos pouparia muita angústia — disse ele, sorrindo para ela
enquanto tomava o seu lugar ao lado dela. — Quando entrei naquela
sala há pouco e vi você, temi que você tivesse mudado de ideia.
Você parecia frágil e severa.
Ele virou a cabeça para olhar em seu rosto, o dele ainda cheio de
risadas. — Você gostaria, meu amor? — ele perguntou.
Nove
O que ela mais temia era ser ridicularizada. Charles não teve dúvida
de que havia certos elementos da sociedade que a ridicularizaram
pelas costas. Sempre houve. O mundo nunca se livraria de pessoas
desagradáveis que compensassem suas próprias inseguranças
arrastando outras pessoas mais felizes e bem-sucedidas para seu
próprio nível através de suas fofocas. Elas deveriam ser
sinceramente ignoradas. Ela era bem recebida onde quer que fosse.
Bárbara realizou uma festa em sua homenagem, e Jane a convidou
como convidada especial para o camarote particular de Wallace no
teatro, na mesma noite após o anúncio aparecer nos jornais. O
Duque e a Duquesa de Netherby organizaram uma festa de noivado
em sua casa, e o Marquês e a Marquesa de Dorchester organizaram
um chá da tarde. Charles a levou a passear no parque várias vezes e
a acompanhou até um concerto privado e uma noite literária.
Ele amava o riso dela. Ele amava a felicidade dela. Ah, ela se
comportava em público com uma quieta dignidade, embora, mesmo
assim, ele estivesse ciente de um brilho interior nela que o aquecia
também. Em particular, ela sorria bastante, e o brilho era mais
intenso.
Ele nunca pensou muito em ser feliz. Não era uma palavra presente
no seu vocabulário - embora ele tivesse sido feliz quando cada um
de seus filhos nasceu e sempre que passou algum tempo com eles
durante os anos de crescimento. Ele ficara feliz quando suas filhas
se casaram e quando seus netos nasceram. Ele não tinha usado
essa palavra em particular para descrever seus sentimentos. Ele não
conhecia a exuberante consciência de felicidade desde que Matilda
desapareceu de sua vida quando ele ainda não era mais que um
rapazote.
Enquanto isso, ele estava igualmente feliz por Matilda que, apesar de
todas as suas frequentes dúvidas, teria, finalmente, o casamento que
deveria ter tido mais de trinta anos atrás.
***
— Eles vieram a Hinsford alguns meses atrás para ver Harry quando
ele finalmente voltou da guerra — disse Viola. — Se eles virão agora
a Londres para o casamento de Matilda é outra questão, é claro.
— Realmente não vejo por que não — disse Jessica. — Abby faz
parte da nossa família como qualquer um de nós.
E ela se afirmou sobre Abigail e Gil. É claro que eles deveriam ser
convidados, ela assegurara à delegação que lhe fizera a pergunta:
Viola, Anna, Louise e Mildred. Era muito provável, ela concordou,
que Gil se recusaria a vir e que Abigail não viria sem ele. E era
completamente possível que se viessem, Charles se sentiria
terrivelmente envergonhado e talvez Adrian e Bárbara e Jane
também, apesar do que as duas últimas terem dito o contrário. Mas é
claro que eles deveriam ser convidados. Os adultos racionais devem
poder decidir-se sobre o que desejam fazer com suas vidas. Não
deveria caber a suas famílias tentar viver suas vidas por eles.
— Ele dirá que não — disse Matilda — enquanto seu coração anseia
por dizer que sim.
— Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance — disse
Anna, sorrindo — para garantir que ele atenda ao desejo de seu
coração. E você também, tia Matilda.
Mas aquelas duas jovens, assim como Adrian, que estava com suas
irmãs quando Matilda visitou, pela primeira vez Bárbara, estavam
genuinamente curiosas em conhecer o meio-irmão cuja existência
elas nem conheciam até recentemente.
— Isso será feito por mim — disse Matilda. — E esta é minha palavra
final.
Mas ela não era uma noiva qualquer. Ela era Matilda Westcott. E
Matilda passara a vida a ser pontual, com a teoria de que era mal-
educado se atrasar e desperdiçar o tempo de outras pessoas quando
elas poderiam usá-lo para obter melhores resultados em outros
lugares.
Oh, Charles!
Dez
Charles foi deixado ao seu destino enquanto esperava a chegada de
sua noiva em St. George's. Atrás dele, os bancos estavam cheios de
família e do próprio crème de la crème da sociedade aristocrática.
Pelo menos, ele assumiu que eles estavam cheios. Ele não virou a
cabeça para olhar. Mas ele podia ouvir o farfalhar de sedas e cetins,
as conversas abafadas, as gargantas limpas.
Ele estava feliz por estar agora. Ele se sentiu subitamente feliz,
mesmo quando uma pontada de ansiedade o cutucou para que ela
não estivesse passando por um de seus muitos momentos de dúvida
e simplesmente não viesse.
Mas, antes que a ansiedade pudesse tomar conta dele, ele ouviu
uma agitação vinda da parte de trás da igreja e imaginou que isso
anunciava a chegada de Matilda, que, aparentemente, vinha sozinha.
Sua mãe havia chegado mais cedo com a Sra. Monteith, sua irmã e
Miss Boniface, sua dama de companhia que, segundo Matilda,
fungava. Elas haviam chegado mais cedo do que o inicialmente
planejado para morar com a Condessa viúva e consolá-la pela perda
de sua filha mais velha para o casamento.
Ele viu naquele sorriso a garota vívida que ela tinha sido. E ele viu na
postura discreta de seu comportamento, a mulher que ela se tornara.
Ele viu Matilda. Seu amor. Desde sempre e para sempre o seu amor.
Afinal, Charles ficou feliz por terem feito dessa maneira, com toda a
pompa de um culto na igreja, com toda a família, amigos e
conhecidos presentes. Ele estava feliz por si mesmo, pois queria que
o mundo soubesse que se casou com esta mulher por escolha e por
amor. Ele ficou feliz por Matilda, pois ela brilhou desde o momento
em que sorriu para ele até o momento em que o clérigo os declarou
marido e mulher. E ainda assim, ela brilhou quando ele a levou à
sacristia para a assinatura do registo. Quando Alexander, Conde de
Riverdale, testemunhou a sua assinatura e então a abraçou, e Adrian
testemunhou a sua assinatura e a abraçou também, ela brilhou para
eles. Ela brilhou quando eles deixaram a sacristia e prosseguiram, de
braço dado com Charles, ao longo da nave, sorrindo de um lado para
o outro enquanto passavam pelos bancos. Era impossível ver todos
que estavam lá. Mas eles fariam isso no café da manhã do
casamento em pouco tempo.
Muitas pessoas haviam saído, com suas filhas e netos, mãe e tia e
irmãs de Matilda. E um grupo um pouco separado dos outros, três
degraus abaixo. Um homem e uma mulher e uma criança entre eles,
segurando uma mão de cada um.
Gil.
— Nós viemos.
Este casamento foi uma exceção a essa tradição. Era tarde demais
para escapar. Em instantes, eles estavam cercados por convidados
do casamento. Matilda estava sendo abraçada, beijada e chorada
por sua mãe, suas irmãs, cunhada, primos, sobrinhas e tia. Ela tinha
crianças sobre ela - a maioria deles, ele acreditava, filhos de sua
sobrinha Camille, de Bath - todos tentando falar suas coisas aos
gritos, enquanto pisoteavam as pétalas de flores sob as quais ela
estava parada. Suas próprias filhas e netos logo se reuniram sobre
ela também. Ela tinha os olhos brilhantes, as bochechas rosadas,
rindo e adorável. Enquanto isso, o cunhado, os sobrinhos e os
primos o bombeavam pela mão e lhe davam um tapa nas costas,
assim como os genros, tendo abandonado o ato de atirar pétalas no
momento - ou talvez não tivessem mais o que jogar. Adrian e as
filhas e netos de Charles o estavam abraçando.
Ela virou o rosto para ele, e ele viu que ela estava rindo - até o riso
desaparecer e seus olhos se tornarem luminosos sob a aba do
chapéu.
Matilda.
Que papel ela desempenhou ao trazer o filho mais velho para ele,
hoje, todos os dias? Qual o papel do filho mais novo e das filhas?
E as respostas esperariam.
Eles se beijaram.
Fim