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A Tentação do Conde

Patifes & Cavalheiros – livro 2


Emma V. Leech
A Tentação do Conde
por Emma V. Leech
Publicado por: Emma V. Leech.
Arte da capa por: Victoria Cooper
Título original: The Earl's Temptation
Tradução: Inês Vanmuysen
Preparação de Texto/Revisão: Vânia Nunes
Direitos autorais (c) Emma V. Leech 2017
ASIN:  B0BSKD6DVF
ISBN: 978-2-492133-75-6
***
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Nenhuma identificação com pessoas reais (vivas ou falecidas),
locais, edifícios e produtos é inferida. O conde de Falmouth era uma
pessoa real e a família e a casa ainda existem, no entanto, esta é
uma obra de ficção.
Índice
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
A Filha do Escândalo
Prólogo
Capítulo 1
Quer mais Emma?
Sobre Mim!
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Audiobooks
Desafiando um Duque
Ousando Seduzir (em breve)
Morrendo por um Duque (em breve)
A Chave para Erebus
O Príncipe das Trevas (em breve)
Agradecimentos
A Tentação do Conde
E nessa face, e sobre essa fronte,
Tão gentil, tão suave, contudo, eloquente,
Jazem o sorriso que conquista, as cores que dardejam,
Mas que falam de dias em benevolência passados,
Uma mente em paz com todos
Um coração cujo amor é inocente!

 
Ela Cminha em Beleza, por Lord Byron.
Prólogo

Roscoff, França. Julho de 1814.


A velha senhora repousou os ossos frágeis como um pássaro no
palete fino e tossiu. O movimento abalou seu corpo frágil, deixando-
a ofegante e agarrada ao cobertor esfarrapado que a cobria. Sua
jovem protegida correu até ela e agarrou sua mão, com olhos azuis
arregalados de desespero.
A velhice era uma maldição e uma bênção. Morrer e deixar este
lugar abandonado por Deus não era difícil, mas deixar Céleste, isso
sim, era realmente difícil; a pobre e doce criança. Com a morte de
seus pais, ela ficou sozinha e sem um centavo em seu nome. O
último dinheiro de verdade que elas tiveram foi gasto anos atrás,
subornando o padre para dar a sua maman um enterro decente,
apesar do fato de ela ter cometido suicídio. Desde então, sua
existência consistia em agarrar a vida com dedos frenéticos,
lavando e fazendo consertos; a garota tinha até sido levada a roubar
de vez em quando, embora os riscos fossem terrivelmente altos.
Marie sabia que seus próprios ossos seriam enviados para uma
vala comum, mas não conseguia ter vontade de se preocupar com
isso. Suas preocupações tinham acabado, mas Céleste... só Deus
sabia como ela sobreviveria.
— Muito bem, Céleste, vá até o baú. Rápido! — disse ela, com a
voz quase inaudível, e os dedos esqueléticos apontando para a
única esperança da garota. — Tem uns papéis. Pegue-os.
Ela viu a jovem se mover e desejou, como desejava todos os
dias desde que fugiram de suas antigas vidas, que as coisas
tivessem sido diferentes. A Revolução tinha mudado muitas coisas.
Supostamente, traria uma vida melhor aos pobres e necessitados,
embora ela ainda tivesse visto poucos sinais disso, com as guerras
que se seguiram logo depois. Um novo mundo nascido de tal
derramamento de sangue... Como isso poderia ser justificado? E
Napoleão parecia tão ganancioso e sedento de poder quanto
qualquer monarca jamais havia sido.
— Estes, Marie? — A menina ergueu um rolo grosso de
pergaminho, e a velha senhora assentiu. Céleste correu de volta
para sentar-se ao seu lado, com os papéis apertados em sua mão.
Marie estendeu a mão e tocou seu rosto perfeito com um dedo
ossudo, calejado e feio parecendo obsceno ao lado do semblante
doce de Céleste. — A cópia da mãe, tão bela. — No entanto, as
palavras não eram de felicidade, pois ela sabia bem o tipo de
atenção que a garota já atraía, uma situação que só pioraria.
Ela tinha dezoito anos agora, quase dezenove, e fazia tudo o
que podia para esconder a beleza que tinha recebido, enfiando seu
cabelo comprido sob um chapéu feio e vestindo roupas disformes
com tamanhos grandes demais. Mas nada poderia disfarçar aqueles
grandes olhos azuis emoldurados por grossos cílios escuros, a pele
de porcelana ou o arco perfeito de seus lábios rosados.
— Esses papéis — disse Marie, arrastando sua mente cansada
de volta ao assunto importante com o qual ela devia lidar. — Você
deve guardá-los e mantê-los escondidos até que encontre alguém
em quem possa confiar, alguém que possa ajudá-la a recuperar tudo
o que perdeu.
Céleste balançou a cabeça e Marie sentiu uma onda de raiva.
 — Oui! Você deve e você vai recuperar. É seu dever, pertence a
você. Você é Célestine de Lavelle, La Comtesse de Valrey. Você é a
última da sua linhagem. O título foi dado a você por sua mãe que,
por sua vez, recebeu da mãe dela. Você deve... você deve. — A
velha se curvou quando uma tosse sacudiu seus ossos e expulsou
qualquer força restante que tinha. — Prometa-me, Céleste —
sussurrou ela.
A menina fitou-a, com os olhos cheios de tristeza e medo, mas
assentiu com a cabeça. — Je promets — sussurrou ela, e Marie
suspirou e deitou a cabeça. Ela tinha feito tudo o que podia, seu
tempo havia acabado, e agora o destino levaria a garota onde
quisesse. Ela rezou para que fosse gentil.  
Capítulo 1
“No qual as coisas dão errado e os destinos são entrelaçados.”

 
 
Perto da costa da Cornualha, 25 de fevereiro de 1815.
Alex Sinclair, o quarto conde de Falmouth, cumprimentou seus
homens com satisfação. Tinha sido mais uma boa noite de trabalho
e, quando a última carga foi descarregada, puderam respirar
sossegados.
— Bem, Mousy, você está gostando de sua primeira travessia?
— indagou ao grande homem, enquanto carregava um barril enorme
do melhor conhaque francês no pequeno barco preso ao lado do
grande navio, o Bessie Ousada. Ele podia ser um conde, mas
estava com as mãos tão sujas quanto o resto dos homens.
— Tô gostano muito, milorde — respondeu Mousy com um
sorriso, estendendo a mão para pegar o barril de suas mãos. —
Especialmente porque me manteve fora do mau caminho por um ou
dois dia.
— Você não pode se esconder dela para sempre — disse Alex,
sem se preocupar em esconder seu sorriso. — Ela vai querer que
você faça o pedido quando retornar.
Mousy ficou quieto e pareceu um pouco enjoado. — Sim, bem...
acho que vô dá uma sumida por um ou dois dia. Até que ela se
esqueça.
Alex deu uma risadinha. A criada de sua cunhada, Annie, estava
de olho em Mousy, e não escondia o fato de que queria que eles se
casassem. Ela era uma mulher formidável e Alex duvidava muito da
probabilidade de a situação ser “esquecida”. Ela esperava que
Mousy voltasse com um anel e um pedido, e que os céus
ajudassem o pobre malandro se ele não o fizesse.
— Certo, esta belezinha aqui tá cheia, quanto falta?
Alex virou-se para observar a quantidade restante. Caixas de
chá e pedaços da melhor seda francesa, tudo embrulhados em
tecido oleado para protegê-los das intempéries e dos borrifos de sal,
e restavam mais de uma dúzia, ou seja, mais da metade das caixas
de conhaque. Alex podia ver a praia sob a luz do luar, uma intensa
atividade com talvez duzentos carregadores correndo para cima e
para baixo com barris em um arreio sobre seus ombros, carregando
os pôneis e esvaziando a costa o mais rápido possível. A tripulação
do antigo navio de seu irmão Lawrence, o Moça Malvada, havia
mudado de piratas para contrabandistas, mas faziam jus à
expressão “fazer com os pés nas costas” no momento em que
Lawrence abandonou seu estilo de vida perigoso.
As mãos extras que haviam surgido na direção de Alex
facilitavam o descarregamento. Mousy atuava como sentinela,
guiando o navio até sua localização, sinalizando em direção à praia
para um dos vários pontos de atracagem. Os mais obstinados e
implacáveis se voluntariaram como batedores e patrulhavam os
penhascos, de olho na Receita.
— Mais um e terminamos.
— Tá certo. — Mousy assentiu e, em seguida, olhou para cima,
franzindo a testa. — O que é...
Ele não teve tempo de terminar a frase, pois o estrondo de tiros
de canhão explodiu no alto e gritos ecoaram por toda a praia
quando os homens viram um barco se aproximando.
— Maldito inferno! — praguejou Alex, desamarrando a corda. —
A Receita está chegando, rapazes, mexam-se!
Todo o inferno explodiu quando ele empurrou com força o
pequeno barco com Mousy para longe de seu navio, o Bessie
Ousada. — Volte para a praia, leve todos para longe, em segurança
— gritou ele.
— Cê divia vir cumigo, milorde — exclamou Mousy, enquanto
Alex balançava a cabeça.
— Não, eu vou ficar no Bessie, vá... agora!
As velas se desenrolaram com um estalo, enquanto o vento
soprava o navio de mastro único, afastando-os da costa. Ao longe,
Alex pôde ver os homens correndo para cima e para baixo, mas a
Receita não estava na praia, pelo menos. A maior parte da carga
tinha sido descarregada, agora tudo o que importava era fugirem.
Ele olhou para os céus, franzindo a testa quando a lua sumiu.
Desaparecer no escuro não era uma coisa tão ruim com a Guarda
Marítima grudada no seu traseiro como um carrapato, mas a
tempestade que se aproximava não ajudaria em nada. Ele orou para
que conseguissem sair dali.
— E agora? — perguntou o seu homem no leme, e, em seguida,
jogou-se para o convés quando um tiro de canhão passou sobre sua
cabeça.
Alex se encolheu quando o tiro de canhão passou por um triz e
atingiu as ondas do outro lado, encharcando-o com água gelada. —
De volta a Roscoff — gritou ele, com o rosto sombrio enquanto um
trovão estalava acima. — E reze para que consigamos.
***
Céleste estendeu a mão e pegou outro pedaço de tronco de
madeira, mal sentindo a superfície lisa e desgastada entre seus
dedos dormentes. Merde, como estava frio. Mimi vagava atrás dela,
cantarolando uma pequena melodia que havia começado a irritá-la
há um tempo. Pouco mais de três notas, repetindo várias vezes.
Sua voz era surpreendentemente infantil, considerando sua
musculatura, e o rosto feio e enrugado. Mas Mimi era um gigante
gentil. Sua mente fora perdida em algum lugar no campo de batalha,
graças a uma bala perdida que quase tirou sua vida. Em vez disso,
deixou-o vivo e simplesmente pegou toda a maldade e pessimismo
que parecia prosperar em todos os outros homens, tornando-o doce,
mas estúpido. Ele tinha se tornado sua sombra, seu protetor, e ela
estava agradecida por isso. Ele a salvou mais de uma vez, e ela
ficaria feliz em suportar seus hábitos irritantes e canções bobas sem
fim em gratidão por isso.
Ela se endireitou enquanto Mimi grunhia e gesticulava mais
abaixo na praia. Céleste olhou para cima, piscando enquanto o
vento gelado fazia seus olhos lacrimejarem.
— Eu não sei? — respondeu ela, olhando para as grandes
formas escuras dispostas sobre os cascalhos. Eles se aproximaram
um pouco até que a imagem deu lugar a uma forma que sua mente
pôde reconhecer. — Mon Dieu! Há homens ali — gritou ela, e correu
em direção a eles.
Mimi parou, deixando cair os troncos de madeira no chão. Sua
mão grande agarrou seu braço e ele balançou a cabeça, com os
olhos ferozes.
— Solte-me — disse ela, com a voz firme. — Eu não vou deixar
os homens morrerem. Não se eu puder evitar — Ela tinha visto
morte suficiente em sua breve existência. Morte da guerra, da
violência, da pobreza, da sujeira, da doença, da fome e da velhice.
Não importava quantas vezes visse, era feia e devia ser combatida
a todo custo. Ela se soltou de seu aperto e correu até eles.
Virando o primeiro, seu coração ficou pesado. Certamente
mortos, afogados ontem à noite, e pelo silêncio dos outros três,
estavam todos mortos. Ela olhou em volta e viu outras formas entre
os cadáveres. Barris e caixas embrulhadas em tecido oleado. Um
naufrágio. Eles deviam ter fugido da tempestade de ontem à noite,
os pobres coitados. Contrabandistas, muito provavelmente. Os
ingleses estavam sempre ali, abastecendo seus barcos com
conhaque, gin, chá, seda e renda. Tudo isso para evitar pagar os
pesados impostos que o Príncipe Regente inglês cobrava. Bem,
agora não adiantava de nada, mas... tinha sido uma tragédia.
— Mimi, vê todas as caixas e barris?
Mimi assentiu com a cabeça, seus olhos lentos escaneando a
praia.
— Eles são nossos agora, nosso segredo. Temos que escondê-
los o mais rápido possível. Você consegue fazer isso? Consegue ser
inteligente e rápido, mon brave?
Mimi sorriu para ela e assentiu.
— Alors, pode ir agora.
Com um coração pesado, mas tentando ser prática, Céleste
começou a vasculhar cada um dos corpos, verificando nos bolsos
algum sinal de dinheiro ou ouro. Ela deixou todas as coisas
pessoais, mas pegou o que tudo pôde e que poderia manter o frio
longe e sua barriga cheia por um pouco mais de tempo. Suas botas
e qualquer outra coisa seriam roubadas em breve quando os
saqueadores os encontrassem. Ela teve a sorte de chegar aqui
primeiro.
Ela foi metódica, verificando cada corpo, sucessivamente, com
dedos rápidos. O mais distante ficava a uma boa distância da praia
e ela correu, os pés escorregando nas pedras, ciente de que
poderiam ser descobertos a qualquer momento e seu saque lhes
seria tirado. Virando-se, ela notou com satisfação que Mimi havia se
saído bem recolhendo a carga na praia e disfarçando-a sob o casco
de um barco em ruínas. Seria suficiente, por enquanto. Eles teriam
que voltar quando estivesse escuro e encontrar um esconderijo
melhor até que tudo pudesse ser vendido.
Voltando sua atenção para o último corpo, ela lutou para virá-lo.
Ele tinha sido um homem enorme, de ombros largos e pesados, e
pernas bem, bem longas – ele era bem mais alto que ela. Ela
arquejou quando finalmente conseguiu virá-lo de costas, e olhou
com tristeza para o rosto imóvel. Nossa, ele era bonito, ela apostava
que ele deve ter sido um canalha com as mulheres quando vivo,
com um rosto daqueles. Cuidadosamente, ela retirou o espesso
cabelo escuro de seu rosto e pulou para trás com um gritinho
enquanto ele murmurava e suas pálpebras tremiam.
— Mon Dieu — sussurrou ela. — Você tem a sorte do diabo,
contrabandista. — Ela olhou para cima ao ver Mimi andando de
volta em sua direção e gesticulou para ele se apressar. — Ele está
vivo! — disse ela. — Rápido, precisamos levá-lo para dentro de
casa, para longe do frio, antes que morra congelado.
Era mais fácil falar do que fazer. Grande daquele jeito, Mimi
lutava com o peso morto, arrastando-o aos poucos, e foi uma
bênção quando o homem acordou, embora parecesse não saber o
que havia acontecido.
— Bessie? — murmurou ele, quando Céleste deu um tapinha
em sua mão.
— Non, não Bessie — disse ela, cuidadosamente. Seu inglês
era excelente, ou assim ela acreditava, mas ela não praticava desde
que sua mãe tinha morrido. — Eu sou Céleste e você é muito
pesado. Por favor, você prrecisa nos ajudar, e andar.
O homem fez o possível para atender ao seu pedido e se apoiou
em Mimi, colocando um pé na frente do outro com esforço até
chegarem à porta do Madame Maxime. Pelo menos as prostitutas
estariam todas na cama àquela hora da manhã. Eles poderiam
chegar ao sótão se tomassem cuidado. Ela se virou para o homem e
viu que seus olhos se abriram, tentando se concentrar nela. Cinza-
escuro, eles falavam de uma alma determinada e por isso ela estava
feliz. Ainda meio afogado e congelado, seus dentes batiam
ferozmente agora. Seria uma batalha e tanto para recuperar sua
força.
— Você deve ficar quieto. Silence — sussurrou ela, levando o
dedo aos lábios.
Ele assentiu e eles começaram a árdua jornada escada acima,
até o sótão apertado onde ela dormia.
 Mimi tinha acabado de empurrá-lo pela porta de seu quarto
quando a própria madame Maxime enfiou a cabeça para fora da
porta no andar de baixo.
— Que diabos você está fazendo, sua garota estúpida?
Algumas de nós trabalharam a noite toda. Você acendeu as
lareiras?
— Oui, madame, acendi. Desculpe tê-la incomodado. Eu
tropecei na escada.
Ela fechou a porta sem dizer mais nada, e Céleste deu um
suspiro de alívio. Acordada a noite toda trabalhando, até parece, ela
pensou consigo mesma, carrancuda. As outras garotas talvez
estivessem trabalhando; trabalhavam com o que parecia ser alguns
dos sujeitos mais nojentos que passavam pela porta de Maxime.
Mas a própria madame simplesmente fazia os arranjos e bebia
conhaque suficiente para manter seu temperamento azedo
adocicado, para o benefício de seus clientes.
Céleste subiu correndo a escada estreita e curva até seu quarto
no sótão, onde Mimi havia colocado o contrabandista em sua cama
de palete. Tudo parecia ainda mais apertado do que o normal com
os dois homens grandes ocupando todo o espaço disponível, e ela
se espremeu passando por Mimi, desviando das vigas enquanto se
movia para o colchão fino de palha que servia como sua cama.
— Temos que tirar essas roupas molhadas dele — disse ela,
estendendo a mão para começar, e gritando quando Mimi deu um
tapa em sua mão. — Merde! — exclamou ela, esfregando seus
dedos doloridos, e então começou a rir do olhar rebelde no rosto de
Mimi. — Oh, Mimi. — disse ela, dando uma risadinha. — Eu vivo em
um bordel há seis meses. Eu prometo que ele não tem nada que eu
não tenha visto antes.
No entanto, ela começou a repensar essa afirmação em
particular uma vez que Mimi cedeu e começaram a retirar suas
roupas encharcadas. Ela tinha visto muitos homens e mulheres, em
vários estados de nudez, e uma desconcertante variedade de
posições, e algumas lhe pareciam indignas. Era difícil não ver tais
coisas em uma casa como aquela, não importa o quanto ela
tentasse, pelo menos. A essa altura, ela acreditava que era imune a
choques; não havia mais nada no mundo que pudesse surpreendê-
la. E, ainda assim, sua curiosidade foi despertada quando as
camadas foram retiradas para revelar um corpo duro e musculoso,
bem diferente daqueles que tinha visto até aquele ponto.
Seu corpo robusto no colchão estremeceu, sua pele se arrepiou
e ela pegou o pedaço de linho áspero que servia como toalha.
— Alors, saia, Mimi — disse ela, esfregando o linho com força
sobre o braço pesado do homem, tanto para secá-lo quanto para
aquecê-lo. — Você precisa buscar pão na boulangerie e colocar um
pouco de água para ferver. Se elas não tomarem o café da manhã,
esse lugar se tornará um inferno. Você precisa me cobrir.
Mimi encarou a figura inconsciente e Céleste bufou. — Oh, seja
razoável, ele não está em posição de me fazer nenhum mal agora,
está?
Mimi foi embora, embora claramente insatisfeito com isso, e
Céleste voltou ao trabalho, aliviada por poder olhar sua plenitude
sem uma plateia. Ela secou um braço musculoso antes de passar
para o peito. Sua pele era lisa, mas marcada em alguns lugares com
cicatrizes que falavam de uma vida violenta. Uma delas talvez fosse
devido a um ferimento de bala, no alto do ombro esquerdo. Ela
parou por um momento para colocar a mão em seu peito, sentindo a
batida tranquilizadora de seu coração, forte e firme sob os músculos
pesados e pelos grossos. Forçando sua atenção de volta para o
trabalho em questão, moveu-se para seus pés e secou-se,
esfregando-os com vigor para fazer o sangue circular e subir pelas
suas pernas.
Ela parou quando se deparou com a roupa íntima encharcada
que se agarrava ao corpo maciço dele. Ela teria que tirá-la. Com
dificuldade e muito xingamento, finalmente conseguiu se livrar da
maldita coisa, e, depois, engoliu em seco quando se virou e olhou
para o homem nu, esparramado em sua cama.
— Mon Dieu — sussurrou ela.
Ele era a perfeição em sua forma masculina, e ela não pôde
deixar de admirá-lo por um momento, por causa de seu cabelo
escuro e grosso, mandíbula quadrada, boca carnuda e a leve
covinha em seu queixo. Seu olhar desceu mais um pouco. Ela
observou a impressionante largura do peito e ombros, a barriga
esculpida e o intrigante rastro de pelos escuros que levava à sua
masculinidade. Ela continuou com interesse, pois tinha sido sincera
em suas palavras a Mimi, mas nunca teve a oportunidade de ver um
homem em repouso, e tão de perto. Ela mordeu o lábio,
considerando as coisas que tinha visto as prostitutas fazer, e se ele
era desse tamanho antes de ser provocado...
Ele estremeceu de novo, e ela repreendeu-se enfaticamente, o
pobre diabo morreria de frio enquanto ela ficava ali olhando para ele
como uma tola. Humilhada, cobriu-o o melhor que pôde com seu
único cobertor e empilhou cada pedaço de roupa que possuía em
cima dele. Então, acendeu o fogão minúsculo com o que restou da
lenha. Maxime dava-lhe o quarto e um escasso suprimento de
comida em troca de trabalhar seus dedos até os ossos aparecerem
desde o amanhecer até tarde da noite. Mas ela tinha que ir atrás de
seu próprio combustível e, portanto, coletar lenha na praia era
sempre uma tarefa matinal se ela não quisesse tremer de frio a noite
toda.
Ela tossiu quando o pequeno espaço se encheu de fumaça até
que o fogo pegou e a pequena chaminé se acendeu. Com um último
olhar em direção ao belo contrabandista, enviou uma oração para
qualquer Deus cruel que parecesse desprezá-la e implorou que Ele
deixasse o homem viver. Ela trabalharia duas vezes mais, seria
muito, muito obediente, se ele vivesse.
Capítulo 2
“No qual os anjos aparecem aos que estão próximos do outro lado.”

Céleste fez uma careta ao ouvir a risada estridente que perfurou


seu cérebro enquanto arrastava seu corpo cansado pelas escadas.
As meninas estavam sem sombra de dúvida ganhando o sustento
esta noite.
Em uma mão, segurava uma vela no alto, iluminando as
escadas escuras que davam para o seu quarto, e um jarro de água
na outra. Já era quase meia-noite e Maxime a mandara correr em
círculos desde a metade da manhã, quando dignou-se a aparecer e
dar as ordens. Agora, porém, os clientes estavam ocupados com as
prostitutas. Maxime estava bêbada e feliz, e a mandou para a cama
com um aceno suntuoso com a mão que fez com que Céleste
cerrasse os dentes e a xingasse internamente.
Ela só conseguiu tirar um momento do dia para verificar o seu
contrabandista, e isso já tinha acontecido há horas. Ele estava
dormindo ainda, embora sua respiração estivesse cada vez mais
irregular, e ela estava preocupada que ele estivesse começando a
ter febre. Ela havia enviado Mimi para buscar lenha e verificar o
fogo, por isso, seu minúsculo espaço no sótão estava um pouco
mais quente do que as temperaturas congelantes habituais que
estava acostumada a encontrar na hora de dormir quando abria a
porta.
Céleste sentou-se ao lado do homem com um gemido e tirou as
botas. Contorcendo os dedos doloridos – dois deles visíveis através
de buracos em suas meias gastas – ela suspirou com o prazer de
tirar o peso de seus pés doloridos. Alcançando a vela, segurou-a
perto do rosto do homem.
Sua respiração era muito rápida e, mesmo à luz de velas, ela
podia ver que sua pele estava corada de febre.
— Não morra — sussurrou ela. — Por favor, não morra. — Ela
colocou a mão em sua testa, sentindo a pele ardendo sob sua
palma fria. Ele suspirou e sua cabeça virou na direção dela. — Você
deve beber alguma coisa — disse ela, e derramou um pouco de
água do jarro em um pequeno copo de madeira que mantinha ao
lado de sua cama.
Com dificuldade, levantou um pouco a sua cabeça e, com um
braço embalado atrás dele, segurou o copo em seus lábios
ressecados. — Vamos, beba — disse ela, mantendo a voz suave. —
Você precisa.
Ela inclinou o copo, e embora tenha derramado, ele conseguiu
engolir um pouco. Seus olhos tremeluziram e, por um momento, ela
o viu observando-a, sem compreender, antes que seus olhos se
fechassem novamente, e a febre o levasse embora.
Soprando a vela, deitou-se ao seu lado, grata pelo menos pelo
calor que ele trazia, e caiu no sono, exausta.
Ela acordou um pouco mais tarde assustada ao ouvir o homem
ao seu lado murmurando e debatendo-se em seu sono. Ela se
afastou bem a tempo, antes que seu braço pesado pousasse com
força na estreita faixa de colchão em que ela estava dormindo.
— Shhh — disse ela, tentando acalmá-lo colocando a mão em
sua testa, mas sentindo-se cada vez mais agitada com a febre
furiosa que queimava sob sua pele. — Oh, non, non.
Ela o observou, com crescente alarme. Ele estava muito doente,
mas ela não podia pagar um médico, mesmo que pudesse trazer um
aqui sem que Maxime visse. Ele gritava, palavras incompreensíveis,
mas altas o suficiente para causar alarde em uma casa silenciosa.
Felizmente, a noite estava apenas começando para os clientes no
andar de baixo, e seus gritos se perderam na confusão de todos os
outros homens enquanto eles saciavam seus prazeres. Mais tarde,
porém, quando a casa estivesse silenciosa e os clientes já tivessem
partido, ele poderia atrair pessoas para ver o que estava errado.
Céleste mordeu o lábio. Que diabos poderia fazer? Ela não era
médica nem sabia como cuidar de um homem doente, apesar
disso... Ela sabia que ele precisava beber água fresca, descansar
muito e superar essa febre. Láudano. Era disso que ele precisava. O
remédio iria acalmá-lo, ajudá-lo a descansar e aliviar qualquer dor
que tivesse, além de mantê-lo quieto.
Havia láudano na casa, disso tinha certeza. Maxime usava-o
para controlar algumas das meninas menos dóceis. Céleste tinha
visto isso acontecer. Aquelas que lhe causavam problemas,
recebiam uma ou duas gotas no café todos os dias sem que
soubessem, até que ficassem dependentes. Só então, Maxime
revelava o que havia feito. Então, ela o entregaria, por um preço, se
elas fizessem o que lhes dissesse.
Céleste tinha muito cuidado em comer apenas os alimentos que
ela própria tinha preparado e bebia água diretamente do poço.
No entanto, o remédio era mantido em um armário trancado, no
escritório de Maxime, e ela mantinha a chave em uma pequena
corrente em sua cintura.
Céleste amaldiçoou a sua má sorte e pôs-se de pé. Ainda bem
que estava cansada demais para se despir, e não se preocupou em
calçar as botas. Ela faria menos barulho só de meia-calça.
Rezando para que Maxime estivesse bêbada o suficiente a
ponto de desmaiar, desceu as escadas. Abrindo porta após porta,
ela ouviu todos os tipos de ruídos lascivos, grunhidos, gritos e
gritinhos, nenhum dos quais a fez pestanejar. Essa primeira onda de
constrangimento há muito a deixara, e o sexo era algo que ela via
como uma mercadoria. Era sinônimo de poder, podia ser usado para
conseguir o que se quisesse, colocava a comida na mesa e podia
levar mulheres e homens ao desastre e à ruína. Mas, mesmo agora,
ela manteve a esperança de que poderia haver mais do que isso.
No início, ela achava tudo isso nojento e vil. Até que Annise,
uma das garotas mais doces, sentou com ela e explicou como tudo
funcionava, e que era possível encontrar prazer nele, se você
estivesse com um homem que lhe agradasse e soubesse o que
fazer. Por um momento, ela parou nas escadas e se perguntou se o
homem em sua cama sabia o que fazer. Com um pequeno sorriso
se contraindo em seus lábios, rapidamente decidiu que apostaria
tudo o que possuía que ele sabia.
Ela continuou, sentindo o tecido de droguete desgastado e
áspero sob a sua meia-calça e, então, parou na porta entreaberta do
salão. Havia vozes e risos, e o cheiro de ópio flutuando na névoa de
fumaça que nublava o ar. Ela arriscou uma espiada ao redor da
porta e viu Belle sentada com as pernas ao redor de um homem
mais velho com um bigode espesso com uma expressão de intensa
concentração. Belle balançava para cima e para baixo, cavalgando-
o com força, sua expressão entediada, simplesmente querendo
fazer o trabalho e ir para cama. Belle tinha um temperamento ruim e
uma língua afiada, e não gostava de Céleste. Céleste seguiu seu
caminho, com uma oração em seus lábios, passou pela porta aberta
e seguiu em direção ao escritório de madame Maxime.
Ela abriu a porta com cuidado, apenas ousando olhar em volta
assim que estava aberta o suficiente para entrar. Bem, talvez Deus
tenha sido gentil esta noite, pois Maxime estava com a cabeça
sobre os braços, dormindo sobre sua mesa. Seu rosto pintado se
destacava, seus lábios e bochechas com um vermelho berrante,
grosseiro e vincado sob a luz da lâmpada. Além disso, ela roncava
alto o suficiente para acordar toda a vizinhança.
Tentando não arriscar, no entanto, Céleste se aproximou e
soltou a chave da corrente com os dedos trêmulos. Mal se
atrevendo a respirar, destrancou o armário e tirou a grande garrafa
marrom de láudano. Ela a levou para a mesa e pegou um pequeno
copo da mesa de Maxime. Havia uma dúzia de copos vazios, então,
esperava que ela não fosse sentir falta daquele. Ela derramou o que
considerou ser suficiente do amargo líquido marrom-avermelhado
para dar ao contrabandista uma dose em intervalos curtos por
alguns dias, e empurrou a rolha de volta na garrafa.
Maxime roncou alto, sem perceber quando Céleste colocou a
chave de volta na corrente e andou silenciosamente para fora do
escritório. O som vindo do salão continuava, e Belle finalmente tinha
alcançado seu objetivo, pois o homem estava fazendo barulho
suficiente para sacudir as janelas quando atingiu seu clímax.
Esperançosa de que isso significava que Belle estava bem ocupada,
ela passou correndo pela porta aberta e subiu as escadas o mais
rápido que pôde.
Quando chegou à segurança de seu próprio quarto, seu coração
estava retumbando alto. Mon Dieu, o que tinha feito? Se Maxime
notasse que tinha pegado o láudano, iria pagar caro por isso.
Bem, agora era tarde demais e, a julgar pelos movimentos
inquietos vindos da cama, tinha tomado a decisão certa. Tomando
cuidado para não lhe dar muito, inclinou o copo e encorajou o
homem sob seus cuidados a beber um pouco do remédio. Ele fez
uma careta e virou a cabeça para longe, mas ela murmurou
palavras encorajadoras, e ele fez o que lhe foi pedido. E, finalmente,
caiu em um sono profundo.
Aliviada e exausta, Céleste escondeu o copo de remédio atrás
de uma telha quebrada, no alto de uma viga, e se aconchegou ao
seu lado, para então se juntar ao seu contrabandista dormindo como
uma pedra.
***
Alex abriu um olho. Sua visão estava embaçada e seu corpo em
chamas, a dor espetava seu cérebro embaralhado. Ela era tão feroz
que queria levantar os braços e remover a própria cabeça, mas seus
braços estavam muito pesados e era incapaz de movê-los um
centímetro que fosse. Deve ter sido uma noite e tanto de bebedeira,
mesmo para seus padrões – e ele tinha sido atormentado pelos
sonhos mais estranhos.
Ele fechou o olho novamente e tentou lembrar-se do que estava
fazendo, mas seu cérebro estava turvo e lento. Havia um cheiro no
ar que o lembrava de algo que não conseguia lembrar e, exausto
demais para forçar a mente, voltou a dormir.
Ele acordou novamente num susto. — Bessie! — Seu coração
batia forte e sua mente tentava entender o que o alarmava tanto,
mas os pensamentos escapavam muito rápido. E, então, percebeu
que ou estava sonhando ou morto quando o mais extraordinário par
de olhos azuis olharam em sua direção.
— Bessie não está aqui — disse ela, com a voz suave e as
palavras pesadas com o sotaque francês mais sedutor que ele já
tinha ouvido. — Mas eu estou. Meu nome é Céleste, e eu cuidarrei
de você. Ne vous inquiétez.
Ele sorriu e tentou se agarrar a visão, mas seus olhos estavam
se fechando, pesados demais para deixá-lo olhar mais um pouco. —
Não estou preocupado — murmurou ele. — Eu gosto mais de você
do que de Bessie.
O que parecia ser um momento depois, ele foi desperto com
uma sacudida e piscou, até mesmo a luz fraca queimando seus
olhos. A cabeça dele martelava como se tivesse sido atingido por
uma pedra e estava muito quente.
— Acorde — disse uma voz doce, mas insistente em seu
ouvido.
Ele gemeu; devia ter cochilado com uma de suas amantes,
embora não conseguisse se lembrar de qual. — Agora não, querida
— resmungou ele. — Cuido de você mais tarde.
Houve um bufo inesperado de aborrecimento e, em seguida,
uma baixa sequência de palavrões em francês, o que foi ainda mais
surpreendente. Nenhuma de suas amantes falava francês, nem com
uma fluência e vocabulário que teriam feito até mesmo sua
tripulação corar até os dedos dos pés.
— Non, você deve beber isso. Rápido! Antes que eu vá
trabalhar. Já estou atrasada.
Forçando os olhos a abrirem novamente, ele conseguiu focar
sua visão nebulosa e recuperou o fôlego. Um anjo. Ele fez uma
careta e disse a si mesmo que estava sendo um grande tolo, se
estivesse morto não se sentiria tão mal, e não achava que um anjo
xingaria como um marinheiro. E, no entanto, o rosto à sua frente era
o mais perfeito que já tinha visto. Os olhos azuis mais largos, um
nariz reto e uma boca rosa pronta para ser beijada. Havia a mais
tênue dispersão de sardas sobre o nariz doce que estava certo de
que ela deveria desprezar, mas pareceu-lhe bastante adorável.
— Oh, parre de me olhar desse jeito — disse ela, com a boca
perfeita fazendo um beicinho delicioso. — Você deve beber um
pouco de água. Você está com muita febre, e deve beber muito,
oui?
— O que quer que você diga, anjo. — Ele não tinha a menor
ideia de quem ela era ou de onde ela tinha vindo, mas sua mente
parecia muito sobrecarregada para se importar.
Obedientemente, ele inclinou a cabeça para a frente com um
pouco de ajuda. Parecia uma coisa difícil de fazer por algum motivo,
e bebeu a água que ela lhe ofereceu. Tinha um gosto doce, e a
bebia como se fosse néctar, só que agora percebia o quão seca a
sua garganta estava.
— E, agora, você deve beber isso, oui? Vai ajudá-lo a dormir.
Ele franziu a testa quando ela serviu outro copo para ele, e
reconheceu o gosto de láudano. O curandeiro tinha-o medicado
quando tinha sido baleado ou foi quando ele tinha sido ferido em
Trafalgar? Memórias de guerra, navios e homens se afogando se
fundiram até que ele agarrou-se a uma delas.
— Bessie! — arquejou ele, lembrando-se do navio, dos homens
da Receita e da tempestade que os jogou como um brinquedo de
criança contra as pedras.
— Bessie não está aqui, mon brave — sussurrou a doce voz. —
Mas eu cuidarrei de você.
Capítulo 3
“No qual nosso herói ligeiramente infame tenta afastar a tentação e
sofre de dor de cabeça.”

Céleste abriu a porta de seu quarto com alívio devido à


exaustão, tanto física quanto mental. Ela tinha certeza de que
madame Maxime notaria o láudano desaparecido e mal se atrevia a
respirar quando ela distribuía as doses para as meninas. Mas tinha
feito o seu trabalho sem qualquer observação fora do comum, e
enviou Céleste correndo em círculos, como de costume.
Agora, os sons habituais de alegria e devassidão enchiam o ar,
e Céleste fechou a porta atrás de si com um suspiro. Segurando a
vela no alto, dirigiu-se para a cama e parou com surpresa ao ver seu
contrabandista acordado e observando-a com curiosidade em seus
olhos.
— Você está acordado — disse ela, sentindo seu coração
acelerar um pouco. Um homem dormindo em sua cama era uma
coisa, consciente era outra.
— Estou — disse ele, com a voz um pouco grossa. — Pelo
menos, acho que estou, tudo está um pouco... confuso.
Ela sorriu e sentou-se ao lado dele. — É o remédio que te dei.
Ele assentiu. — Láudano.
— Oui, você estava doente e extrremamente quente. — Ela
mordeu o lábio enquanto ele sorria para sua pronúncia. —
Extremamente — disse ela, novamente, tendo dificuldades de
pronunciar o som “r”.
— Seu inglês é excelente — disse ele, a curiosidade em seus
olhos se aprofundando.
— Obrigada — disse ela, sentindo-se muito satisfeita com o
elogio.
— Onde estou? — perguntou ele, franzindo a testa enquanto
contemplava o pequeno quarto caindo aos pedaços e seus
arredores miseráveis.
Céleste podia ouvir um rato correndo sobre as vigas e de
repente se sentiu envergonhada. Ele podia ser um contrabandista,
mas suas roupas eram de boa qualidade. Ele era obviamente bom
no que fazia. De repente, ela percebeu que ele estava nu sob o
cobertor fino, e ele deve ter percebido que ela o havia despido. Suas
bochechas coraram e ela desviou o olhar, feliz com a fraca luz das
velas para esconder seu constrangimento.
— Roscoff — respondeu ela, em resposta à sua pergunta. —
Acho que seu navio deve ter afundado na tempestade. Eu te
encontrei na praia, perto do porto.
Olhando para cima, ela percebeu que ele a observava. — Você
me resgatou? — perguntou ele, sorrindo.
Ela deu de ombros. — Mimi ajudou — disse ela e viu a carranca
retornar.
— Seu... marido?
Ela riu disso e balançou a cabeça. — Non, eu não sou casada.
Mimi trabalha aqui, e eu também.
— Que lugar é este? — perguntou ele, deitando a cabeça para
trás e fechando os olhos. A carranca se aprofundou, e ela sabia que
sua cabeça estava doendo quando ele levantou um braço e tentou
esfregá-la. Ela se inclinou para a frente e afastou a mão dele,
substituindo-a pelas suas. Ela esfregou suas têmporas com carinho,
e ele suspirou.
— Oh, isso é bom — murmurou ele.
Ela sorriu, embora ele não pudesse ver. — Eu costumava fazer
isso com a minha maman — disse ela.
— Esta é a casa dela? — perguntou ele, embora sua voz
estivesse ficando pesada.
— Non, ela morreu há muito tempo, papa também, e Marie. —
Ela suspirou, incapaz de afastar a tristeza de sua voz. Ela não se
permitiu pensar no assunto, mas apenas o fato de dizer seus nomes
trouxe tudo à tona com uma força dolorosa. — Sou só eu agora —
acrescentou ela.
Ele abriu os olhos por apenas um momento, e ela pensou que
havia pena ali, mas então seus olhos fecharam e ele adormeceu
mais uma vez.
Ela o observou por um momento, estendendo a mão para retirar
o cabelo de sua testa, e ele suspirou, movendo-se em direção ao
seu toque. Sorrindo, ela se inclinou e deu um pequeno beijo em sua
têmpora.
— Durma bem, mon contrebandier.
Virando-se, apagou a vela e se aproximou dele, acolhendo tanto
seu calor quanto o tamanho tranquilizador dele ao seu lado. Ela
estava tão cansada de ter medo, de sempre ter que ser corajosa.
Era bom pensar que havia outra pessoa com ela, mesmo que fosse
apenas por um ou dois dias.
***
Alex acordou com uma sede furiosa e ao pegar um copo de
água descobriu que, não só ele não estava ao lado de sua cama
como de costume, como também que aquela não era sua cama.
Não era tão incomum acordar em uma cama estranha, mas os
arredores... Ele olhou em volta para o espaço apertado e sujo, e
franziu a testa. Mas que diabos?
Quando suas faculdades começaram a lutar através da névoa
em sua cabeça, também percebeu que não estava sozinho. Mais
uma vez, isso não era terrivelmente incomum, e ele olhou para
baixo para descobrir o mais delicioso aquecedor de cama que já
tinha visto, enquanto sua mente machucada lutava para recuperar
os detalhes da noite passada. A mulher tinha se enrolado em torno
dele, apoiando sua cabeça em seu peito e com os cabelos
derramados ao redor. Era um castanho-claro, com mechas
douradas e loiras que brilhavam mesmo à luz opaca do quarto. Seu
corpo leve, embora curvo, estava pressionado firmemente contra o
dele, e ele sorriu enquanto ela suspirava em seu sono e se
aconchegava mais perto.
Ao estender a mão para tocar os cachos amarelo-ouro,
descobriu uma textura macia e sedosa, e perguntou-se por que
diabos não conseguia se lembrar de quem ela era ou mais
especificamente – onde ele estava?
Roscoff!
A informação queimou sua mente e sua cabeça doeu
ferozmente, mas quanto mais ele tentava se lembrar dos detalhes,
mais a informação parecia escapar. Láudano, ele se lembrou. A
garota o havia drogado, de modo que explicava a névoa em sua
memória e... Essa não!
Bessie!
O navio tinha afundado... mas e a garota? Talvez se ele pudesse
ver o rosto dela. Deslocando-se ligeiramente, inclinou a cabeça para
que pudesse olhá-la. Por um momento, ficou admirado com a
beleza da garota e, então, passou por seu cérebro que ela era
extremamente jovem. Meu Deus, ela não era muito mais do que
uma criança, ele percebeu com uma onda de culpa. Dezoito, no
máximo, ela provavelmente tinha metade de sua idade. Ele sentiu-
se ao mesmo tempo muito velho e muito infame. Bom Deus, o que
ele tinha feito?
Ele se afastou dela, tanto quanto possível no pequeno colchão
com uma parede de um lado e a menina do outro. Mas o movimento
a perturbou e ela suspirou, alongou-se e bocejou. Apesar de si
mesmo, ele a observou, sorrindo para a natureza luxuosa do
movimento, como um gato contente. Ela piscou, olhos azuis ainda
cheios de sono enquanto um sorriso lento se curvava sobre aquela
boca perfeita.
— Bom dia — disse ele, pela primeira vez em sua vida,
sentindo-se em desvantagem ao acordar com uma estranha.
— Mmmm, oui — disse ela, em um suspiro, enquanto se
aproximava dele. — É mesmo um bom dia, eu gosto de acordar com
você aqui. Você é tão quente. Faz tanto tempo que não me sentia
aquecida. — Ela se aconchegou novamente contra ele, e ele se
moveu em alarme, tentando se sentar para se afastar dela, mas sua
cabeça flutuava e ele gemeu. — O que você está fazendo? —
repreendeu-o. — Você não deve se mover, está muito fraco, homem
estúpido.
Ela muxoxou e xingou um pouco mais em francês, palavras que
uma jovem nunca deveria ter ouvido, muito menos ousado proferir.
Mesmo assim, ela era doce, ao se preocupar com ele, alisando sua
cabeça com a mão fria.
Alex fechou os olhos e cerrou os dentes enquanto ela
pressionava seu corpo quente contra ele. Bom Deus, ele tinha sido
salvo por uma criatura mítica, metade anjo, metade... tentação-
desbocada – e ele iria para o inferno, com certeza.
Ele tremeu quando a mão fria deixou sua cabeça para alisar seu
corpo, arrastando os dedos através dos pelos em seu peito.
— Você é muito... grande — disse ela, soando pensativa, e seus
olhos se abriram em alarme, embora parecesse apenas curiosidade
em sua expressão. — Eu nunca vi um homem tão grande quanto
você.
Ele piscou, imaginando se ela estava sendo sincera e
deliberadamente acariciando seu ego, mas independentemente
disso, estava funcionando. Ele mudou de posição de repente,
desconfortável quando seu corpo começou a acordar e fazer
exigências que não poderia fazer nada a respeito. Seus olhos
desceram para a pequena mão que repousava sobre seu coração e
ela franziu a testa para ele.
— Eu pensei por um momento que você parecia um pouco
melhor, mas... de repente você está parecendo muito quente de
novo — disse ela, com a voz cheia de preocupação.
Oh, meu Deus.
— Você poderia me dar um pouco de água, por favor? —
perguntou ele, com um toque de desespero.
— É claro.
Ela se levantou da cama e atravessou o quarto para servi-lhe
um pouco de água do jarro. Para seu desgosto, ele olhou para cima
e descobriu que ela estava apenas vestida com uma camisola fina
que mal cobria seu traseiro e, então, ela se inclinou para a frente...
Ele fechou os olhos e orou – por perdão, por ajuda... para ter
forças para sobreviver a isso... a essa provação, pois certamente
Deus o estava testando para ver o quão perverso ele tinha se
tornado.
Alex abriu os olhos quando a pequena atrevida se sentou ao seu
lado novamente e segurou o copo em seus lábios. Com uma
carranca, tentou fixar sua mente em assuntos importantes, e o mais
longe possível do corpo quente enrolado a seu lado. Ele bebeu a
água com certo alívio, esperando que isso clareasse sua mente.
— Meus homens — perguntou ele, enquanto ela retirava o copo.
De repente, ele lembrou-se de tudo: os homens da Receita, a
tempestade. — O quê... — Ele olhou de volta para ela e viu seus
olhos cheios de tristeza.
— Eu sinto muito — disse ela. — Havia trois. — Ela ergueu três
dedos, e ele fechou os olhos com angústia no coração. Três bons
homens mortos. Era necessário muitos mais homens para tripular o
Bessie, mas os homens estavam todos na praia e não houve
tempo...
— Je suis vraiment désolée.
Ele olhou para cima e viu seus olhos brilhando de pena, e ela
acariciou seus cabelos.
— Durma agora, mon brave, durma.
E, de repente, ele estava extremamente cansado para pensar
mais, e seu toque era calmante e sua proximidade um conforto... E,
assim, ele dormiu.
***
Quando ele acordou, estava escuro. No início, sentiu-se
desorientado novamente pela estranheza de seu entorno, mas
gradualmente suas memórias voltaram em algum tipo de ordem.
Bessie foi afundado, três de seus homens mortos, e ele foi levado
para terra, em Roscoff. Alex não tinha dinheiro nem prova de sua
identidade, pois tudo era cuidadosamente deixado em casa caso a
Receita o capturasse. Ele também estava sob os cuidados de uma
mulher jovem o suficiente para ser sua filha e bonita o suficiente
para tentar um santo, e há muito tempo havia jogado a sua sorte
com uma multidão bem mais sombria para reivindicar qualquer
parentesco com esse ideal puritano.
Alex sorriu quando se lembrou da bronca que ela lhe dera e, em
seguida, viu-se franzindo a testa quando sua atenção foi tomada por
sons de baderna e, mais uma vez, aquele cheiro familiar no ar. Ópio,
ele percebeu, agora com o juízo perfeito, e os sons eram
certamente familiares também. Raios o partam. Ele estava em um
bordel.
Seu coração afundou até suas botas quando lembrou-se das
palavras que a garota tinha dito. Mimi trabalhava aqui, assim como
ela. Ele sentiu-se subitamente doente. Que uma bela criança com
tanta vitalidade e vigor fosse condenada a uma vida como essa.
Mas certamente explicava a maneira familiar como ela se enrolava
na cama com ele.
Alex sentiu uma dor em seu coração com a ideia de suas
perspectivas. Doença e desespero, a menos que ela tivesse muita
sorte e prendesse o interesse de um homem rico, o que parecia
improvável de acontecer com a natureza decadente de seu entorno.
Embora ele nunca tivesse tido ilusões sobre seu próprio caráter,
tendesse a ser egoísta em seus próprios assuntos, e seu prazeres
eram sua principal preocupação, era um homem compassivo. Ele
sabia que tinha sido abençoado de muitas maneiras, e sua riqueza e
status lhe proporcionavam um modo de vida que poucos poderiam
aspirar também.
Embora trabalhasse despercebidamente, de modo que poucos
soubessem de suas ações, havia descoberto um lado filantrópico
em sua natureza, em desacordo com o caráter cruel e distante que
seus contemporâneos acreditavam que tivesse. Ele não tinha muita
paciência para isso. A ideia de deixar a garota à sua sorte era algo
que não conseguia encarar, especialmente depois que ela o salvara
de seu próprio destino.
Ele não podia deixar isso acontecer com ela. Ele a salvaria, ele
decidiu, recusando-se a considerar as dificuldades envolvidas neste
esquema em particular. Seria um bálsamo para sua consciência,
embora tivesse pelo menos se absolvido de ter se aproveitado dela.
Ele podia ser egoico, assim como todo homem, quanto à força de
sua própria resistência e proeza, mas estava claro que estava
inconsciente e fora de si devido à febre até aquela manhã.
Mas, pelo menos, se ele a tirasse daqui, poderia recompensá-la
por salvar sua vida, e o problema que ela deve ter tido para
escondê-lo aqui. Pois ele percebeu que devia estar escondido. Era
improvável que qualquer cafetina permitisse que uma de suas
meninas mantivesse um homem estranho em um de seus quartos.
Mas, agora, pensando no assunto, ele se perguntou quem era essa
maldita mulher. Uma mulher bela como Céleste aparecia uma vez
na vida e outra na morte. Qualquer cafetina boa no que fazia se
aproveitaria ao máximo dela, mantendo-a nos melhores quartos e
vestindo-a com o melhor traje possível para atrair os clientes mais
ricos que pudesse. Mas aqui estava ela vestida com trapos e
dormindo com os ratos.
O crescente desejo de estrangular a mulher e dar a qualquer
homem que tivesse tido prazer com Céleste uma morte lenta e
dolorosa manteve sua mente totalmente ocupada até que finalmente
a porta do sótão se abriu.
Apenas conseguiu distinguir a figura feminina à luz das velas
que ela carregava, e ele observou como Céleste tirou as botas na
porta. Ele ouviu seu pesado suspiro de alívio antes que ela
abaixasse as botas e andasse silenciosamente até ele.
— Alors, você está acordado, mon chou.
Ele estremeceu um pouco com a maneira familiar que ela falava
com ele, como uma amante, mas estava mais preocupado com a
óbvia exaustão em sua voz e seus olhos. Mas ela sorriu para ele e
mandou-o sentar-se e comer um prato com pão e queijo, e foi só
naquele momento que ele percebeu o quão terrivelmente faminto
ele estava. Seu estômago deu um rosnado alto de protesto, e ela
riu, um som suave em comparação aos ruídos estridentes do andar
de baixo. Ela gesticulou para que ele comesse, e descobrindo que
queria agradá-la além de qualquer coisa, fez o que lhe foi dito. Ela
pegou o prato dele assim que ele terminou e o deixou de lado.
— Você está cansada — disse ele, observando-a e sentindo-se
ansioso com as olheiras sob aqueles olhos incríveis.
Ela bufou levemente antes de começar a se despir. — Oui,
estou cansada. Estou sempre cansada. Eu sonho com camas de
penas macias que eu posso me deitar por dias a fio e
simplesmente... dormir. — Ela suspirou novamente e mais uma vez
ele sentiu uma dor desconfortável em seu peito. Ele estava curioso
para saber mais sobre ela, mas não estava disposto a taxá-la com
perguntas quando ela estava tão exausta.
No entanto, ela era obviamente bem-educada, sua
compreensão do inglês dizia muito sobre isso, e ela não falava
como uma camponesa. Na verdade, ela lembrava-o de uma dama
mais velha que ele conhecia na Inglaterra. Uma marquesa francesa.
Ela havia fugido durante La Terreur, quando a nobreza perdia a
cabeça diariamente para a madame, la Guillotine e sua forma de se
expressar e uma maneira de falar não era muito diferente de
Céleste; para falar a verdade se ignorasse os xingamentos e
palavrões.
Ele se virou para olhar para ela e perguntar onde ela tinha
nascido, e descobriu que ela estava mais uma vez vestindo nada
além de uma camisola, e desviou os olhos.
— Mon Dieu, a velhota me fez trabalhar desde o amanhecer —
disse ela, esticando-se e se deitando ao lado dele com um gemido.
— Minhas costas estão me matando.
— Você... está trabalhando desde o amanhecer? — perguntou
ele, horrorizado, esforçando-se para não olhar para a figura de dar
água na boca, muito visível sob a camisola puída.
— Oui — murmurou ela, abafando um bocejo. — Com apenas
dez minutos para almoçar antes que ela estivesse gritando comigo
para voltar ao trabalho.
Ela pressionou seu corpo mais perto dele, tremendo. Alex
engoliu em seco e moveu-se o mais longe que pôde, apenas para
descobrir que ela se aproximava, enrolando-se nele.
Ele cerrou os dentes.
— Oh, é mesmo? — rosnou ele. Maldita megera malvada. Era o
suficiente! Ele teria que tirá-los desse buraco dos infernos logo pela
manhã. O fato de que não estava forte o suficiente para se sentar,
muito menos sabia como encontraria uma maneira de fugirem sem
dinheiro, era algo que ele considerava irrelevante. Pela manhã,
estaria perfeitamente em forma. Ele tinha que estar.
Apesar de dizer a si mesmo que seria melhor não saber, ele se
viu perguntando sobre o trabalho dela.
— O... pessoal aqui. Eles te tratam bem?
Ela bufou em diversão e se posicionou debaixo de seu braço
como um gato buscando uma carícia, descansando a cabeça em
seu ombro. Ele se viu incapaz de recusar e tentou manter sua
resposta inteiramente paternal, deixando sua mão descansar em
seu ombro, em vez da curva convidativa de sua cintura.
— Madame Maxime é une ivrogne — xingou ela. — Mas pelo
menos, se ela estiver bêbada, não é uma megera. Algumas das
outras garotas são legais, mas Belle é rancorosa, especialmente se
Le Baron de Merde está visitando.
— O barão de...?
Ela deu uma risadinha e balançou a cabeça, os cachos macios
fazendo cócegas em seu peito de uma maneira perturbadora.
— Na verdade, ele é o barrão de Merdorph, mas eu o chamo de
barrão de merda — disse ela, e ele pôde sentir que ela estava
sorrindo.
Ele limpou a garganta. — Sim, essa parte eu entendi. Posso
perguntar o que esse homem fez com você para merecer tal nome?
Ele descobriu que seus punhos estavam cerrados e se esforçou
para relaxar, mas tinha a necessidade desesperada de atacar
alguém.
— Comigo? — perguntou ela, surpresa. — Oh, nada comigo. Eu
não mereço a atenção dele, mas ele trata todas as meninas como
lixo. Mas os nobres são sempre assim. — Ela deu um aceno
desdenhoso de sua mão. — Eles acreditam que estão acima do
resto de nós, meros mortais, mas no final... somos todos iguais.
Ela deu um longo suspiro, e ele ouviu uma nota queixosa que
fez a dor em seu peito piorar. Ele não conseguia entender que tipo
de tolo esse homem poderia ser para não notar Céleste, e que tipo
de cafetina não estaria atirando a garota em sua direção. Mas ele
decidiu que manteria seu título para si mesmo até que tivesse
levado a garota a um lugar seguro, caso ela viesse a acreditar que
ele tinha motivos nefastos. Ele viu-se bastante surpreso com o fato
de que não o fez, mas lá estava. Ele faria a coisa certa por essa
garota. Alex encontraria um bom lar para ela, em algum lugar onde
ela pudesse estar segura e feliz, além de ter um futuro.
Ele ouviu enquanto a sua respiração se aprofundava e, contente
que ela estava dormindo, moveu-a para o lado do colchão, antes de
virar as costas para ela e fazer o mesmo.
Capítulo 4
“No qual o mal persegue nossa heroína e os eventos vêm à tona.”

Para seu desgosto, Alex descobriu que a garota já tinha saído


quando acordou, embora ela o tivesse deixado um prato de comida
e um penico. Ele fez uma careta, tanto de pensar que estava
dormindo enquanto a garota estava ganhando seu sustento e
provavelmente usando boa parte disso para mantê-lo bem-
alimentado quanto pela ideia de que ela estava trabalhando por ele.
Ele comeu tudo que ela deixou, ciente de que precisava recuperar
suas forças assim que pudesse e, então, fez uma tentativa de se
levantar.
No início, o quarto girou, e ele foi obrigado a se agarrar às vigas
para se manter em pé, mas, pouco a pouco, estabilizou-se, mesmo
se sentindo tão fraco como um gatinho. No entanto, eles tinham que
sair dali. Ele olhou ao redor do espaço apertado e se deparou com
seu primeiro problema. Ele estava nu como no dia em que nasceu e
a diabinha havia levado suas roupas. Esse problema, no entanto,
parecia mais fácil de ser resolvido do que a ideia de ficar de pé por
mais de um minuto. Assim, foi com auto repugnância, frustração e
um suspiro de alívio que ele se deitou de volta no fino palete.
Ele dormiu o resto da manhã até acordar quando começou a
ouvir ao som de passos pesados. Uma figura grande e maltrapilha
se abaixou sob a verga da porta e entrou no quarto, imediatamente
Alex estendeu a mão para pegar uma pistola que não estava lá.
Com alarme, ele olhou para o homem e mediu suas chances. Alex
provavelmente era mais alto, embora o peito e os ombros desse
camarada fossem enormes, com as mãos parecendo marretas. Em
circunstâncias normais, Alex teria lutado de igual para igual, mas
como ele mal podia ficar em pé...
O perigo da situação se dissipou quando Alex notou que o
homem carregava uma tigela de comida, algum tipo de ensopado
com um delicioso cheiro, e isso fez seu estômago roncar. O grandão
grunhiu para ele, enfiou a tigela na sua cara – embora a sua
expressão aparentasse que preferia enfiá-la goela abaixo, tigela e
tudo – e depois se abaixou para pegar o penico.
— Vous êtes, Mimi? — perguntou Alex, assumindo que esse era
o homem de quem Céleste havia falado. Ele recebeu um aceno de
concordância em resposta e outro grunhido. Alex sentiu-se aliviado
que o homem fosse mais velho do que ele, feio como o diabo e
aparentemente nem um pouco brilhante, e decidiu não ficar
pensando sobre suas razões para isso. — Merci d'avoir aidé Céleste
à me cacher ici — acrescentou ele, imaginando que deveria
agradecer ao homem por sua ajuda, caso fosse necessária
novamente.
Mais uma vez, Mimi respondeu com um grunhido e foi em
direção à porta. Com um toque de ansiedade, perguntou onde
Céleste estava. Normalmente, ela tentava ir vê-lo na hora do
almoço. Mimi apenas encolheu os ombros e murmurou algo que
soou um pouco como travail, em seguida, fechou a porta e os
passos pesados desceram as escadas.
Quer dizer que Céleste estava trabalhando. Xingando, Alex se
forçou a levantar e a andar de um lado para o outro no quarto. Ele
tinha que recuperar suas forças. Eles tinham que sair dali. Agora
mesmo aquela pobre menina... Náusea rodopiava em seu estômago
enquanto ele considerava exatamente o que ela estava fazendo e
ele permitiu que suas pernas trêmulas o levassem de volta para a
cama. Com as mãos na cabeça, olhou para a tigela de ensopado e
sabia que não aguentaria aquilo por muito tempo, pois a maneira
pela qual a comida havia sido paga fazia seu coração doer e seu
temperamento se enfurecer. Mas se ele quisesse tirá-los daqui,
precisava comer e, então, engoliu em vez de jogá-lo no outro lado
do quarto com fúria, e ele estava mais do que tentado a fazer isso.
***
Céleste bateu a pesada panela de ensopado na mesa da
cozinha, ignorando as sobrancelhas levantadas das meninas.
Madame Maxime vinha redobrando seus esforços para fazer
Céleste tomar juízo. Ela não via que a sua vida seria muito mais fácil
se ela ganhasse seu dinheiro como as outras garotas, Maxime havia
dito, com a voz toda suave e sedutora.
Ela havia colocado um braço sobre o ombro de Céleste e a
abraçado, uma paródia de afeto maternal que fez Céleste ter
vontade de arrancar os olhos da megera. Se Céleste fizesse o que
madame queria, receberia apenas os clientes mais ricos. Ela teria
um quarto próprio com uma cama de penas macias, roupas finas,
vinho e muito para comer, e por tudo isso ela só teria que trabalhar
por algumas horas por noite; a menos que os clientes pagassem o
suficiente para tê-la por mais tempo, nesse caso Céleste ganharia
um bom dinheiro a mais.
Madame descreveu sua possível vida com vivacidade e
emoção, como se estivesse oferecendo à garota uma chance de
algo maravilhoso, se ela deixasse de ser tão teimosa sobre uma
coisa boba como sua honra. Afinal, de que adiantava ela fazer isso,
até parece que alguém iria se casar com ela!
Maxime tinha rido ao dizer isso, e Céleste tinha imaginado seu
contrebandier e uma vida onde eles se casavam, e viviam em uma
casinha à beira-mar...
Seu coração apertou quando percebeu que Maxime
provavelmente estava certa. Não importava o que os papéis que
Marie lhe dera dissessem, no que dizia respeito ao mundo, Céleste
não era ninguém, e ninguém a queria para nada além de seu rosto
bonito e... bem, ela sabia muito bem para que eles a queriam. Ela
precisou de todas as forças que tinha para não cuspir na cara da
mulher vil, mas ela educadamente recusou a gentil oferta de
madame Maxime e, desde então, a megera tinha saído de seu
caminho para mostrar-lhe o quão difícil a vida poderia ser.
Sua carga de trabalho quase dobrou e Maxime até se recusou a
dar-lhe o almoço em punição por deixar cair um jarro de leite
enquanto estava limpando as coisas do café da manhã. O jarro
estava menos da metade cheio, e Céleste estava em pé, exausta e
faminta, mas era exatamente isso que Maxime queria.
Bem, pensou Céleste, ela não deixaria a velhota destruí-la. Ela
tinha em mente o final do dia, quando finalmente seria capaz de ver
seu contrabandista. Ela gostava de falar com ele. Sua voz profunda
em inglês era calmante, sua grande presença ao lado dela,
reconfortante, e o fato de ela ter sentido falta de visitá-lo na hora do
almoço só a fez odiar Maxime ainda mais.
Ela roubou uma grande tigela de ensopado para ele e
convenceu Mimi a levá-la. Ela sabia que era um risco, mas um
homem assim não poderia recuperar sua força no pão e no queijo.
Embora ela também soubesse que, uma vez que ele estivesse forte
o suficiente, iria embora, e ela seria deixada aqui, sozinha.
Ela tentou afastar as lágrimas e voltou sua atenção para polir a
prata. Era um trabalho que odiava, mas pelo menos ela podia se
sentar ao fazê-lo. Além disso, não adiantava chorar sobre o leite
derramado, ela pensou com um sorriso sombrio. Ela sabia muito
bem disso.
Ela estava perdida em pensamentos quando uma voz familiar e
odiosa entrou na cozinha, e ela recuperou o fôlego. Deixando seu
trabalho de lado, juntou suas saias e foi na ponta dos pés até a
porta para ouvir.
Monsieur Pelletier estava falando em um tom baixo com
madame Maxime. Céleste prendeu a respiração, esforçando-se para
ouvir a conversa. Ela detestava o homem que sempre tentava
apalpá-la quando estava perto dele, e havia um olhar avarento e
nojento em seus olhos quando ele a observava, o que ele sempre
parecia estar fazendo.
As outras garotas diziam que ele era cruel, mas como era um
comerciante rico, pagava o suficiente para fazer o que quisesse, e
nenhuma delas se atrevia a reclamar. Clara, que era a única garota
que havia se esforçado para fazer amizade com Céleste, avisava-a
para se esconder quando Pelletier estava por perto. Ela disse que
ele estava sempre fazendo perguntas sobre Céleste e havia batido
em Clara por se recusar a responder. Ela disse que ele queria saber
se ela era realmente virgem, ou se madame Maxime estava
escondendo o fato de que ela estava realmente trabalhando com
ele.
Agora, Céleste sentiu o coração batendo muito forte e rápido
quando a conversa entre Maxime e Pelletier se tornou clara. Maxime
estava vendendo-a para ele, ela estava vendendo sua virgindade, e
por um preço tão alto! Céleste cobriu a boca com a mão para não
gritar. A ideia daquela criatura nojenta se aproximando dela a fez
querer vomitar, mas forçou-se a ouvir.
— Você vai drogá-la com láudano, apenas o suficiente para
mantê-la dócil. Eu não quero que ela durma, está entendido? —
disse Pelletier, com a voz fria e clínica, como se estivesse
organizando os detalhes de um jantar em vez de arquitetando
sequestrar uma garota para seu próprio prazer.
— Oui, monsieur Pelletier — respondeu a megera Maxime, com
um tom tranquilizador. — Eu entendo exatamente o que precisa. A
menina será banhada e vestida com o melhor vestido que temos e
estará pronta para você em todos os sentidos. Não precisa se
preocupar.
— Non, eu não preciso! — zombou Pelletier. — Pois se eu achar
que me enganou, madame, eu prometo que vai se arrepender.
Maxime deu um suspiro audível, claramente levando a ameaça
com a seriedade que merecia. Pelletier não era um homem a ser
irritado, certamente não pelo preço que Maxime estava exigindo.
— Você vai trazê-la para mim amanhã à noite, às oito em ponto.
Temos um acordo?
Céleste não esperou para ouvir mais. Ela correu para o jardim e
saiu pela rua até chegar à praia onde havia encontrado Alex. Ela
estava com ânsia de vômito, porém, não havia nada em estômago
vazio. Oh, mon Dieu, ela tinha que fugir, tinha que sair dali ou
estaria perdida no mundo de Maxime para sempre. Com o pânico
sufocando firmemente seu coração, correu de volta para a casa
para encontrar Mimi.
Ela o encontrou nos fundos perto dos estábulos, cortando lenha
para a lareira, mas ele olhou para cima em alarme enquanto ela
corria em direção a ele.
— Mimi, você disse que um homem ofereceu uma quantia pelo
conhaque; diga-lhe que aceitamos e lhe damos os bens esta noite.
Mimi balançou a cabeça, e ela o acalmou colocando a mão em
seu braço.
— Eu sei que não é suficiente, mon brave, não chega nem perto
de ser o suficiente. Mas eu tenho que ir embora. Maxime pretende
me vender para Pelletier!
Ela ficou comovida pelo menos com a fúria nos olhos de Mimi e
ele bateu o machado no tronco à sua frente, quebrando-o em
pedaços.
— Eu sei — disse ela, puxando o grandão para um abraço. —
Eu sei que você o mataria, mas, e depois, o que faremos? Você vai
ser enforcado e eu não ficarei em uma situação muito melhor. Eu
tenho que fugir, para longe daqui. — Ela o abraçou com mais força
enquanto Mimi emitia um som de angústia. — E eu também sentirei
sua falta, mas não me tornarei uma prostituta, especialmente não
por isso... con! — Ela olhou para ele e já sabia qual seria a resposta
para sua pergunta. — Você poderia vir também, se quisesse.
Mimi agarrou sua cabeça e começou a se afastar de seu abraço,
emitindo um som suave que rasgou seu coração.
— Non, non, está tudo bem, tudo bem, você fica, mon brave,
você fica. Vou ficar bem. Não se preocupe.
Ela ficou com ele até que se acalmasse e voltasse a cortar
madeira antes de voltar para as cozinhas. Pobre Mimi. Ele era
aterrorizado com mudanças ou com qualquer coisa que fosse
diferente da rotina habitual do seu dia a dia. Ele nunca sobreviveria
em nenhum outro lugar.
Pelo menos no Maxime ele tinha um teto sobre sua cabeça e o
suficiente para comer, e as meninas eram gentis o suficiente com
ele. Ele ficaria bem. Mas ela precisava correr, o mais longe e o mais
rápido possível de Pelletier. Seus pensamentos voltaram para o
homem em sua cama e ela orou para que talvez tivesse um
companheiro para sua jornada, se ela pudesse apenas persuadi-lo a
levá-la. Mas, então, lembrou-se de quão fraco ele ainda estava. Ele
tinha quase morrido. Ela não podia forçá-lo a fugir, ainda não, mas
sabia que também não poderia deixá-lo, de jeito nenhum.
Capítulo 5
“No qual os acordos são fechados, a tentação acena para o diabo e
ameaça as boas intenções.”

Quando Céleste finalmente voltou para seu quarto, Alex estava


fora de si. Irritado consigo mesmo com sua própria impotência de
mudar a situação em que ela estava, tudo aquilo era muito
frustrante.
Em circunstâncias normais, poderia comprar tudo com seu
dinheiro e seu título e, na falta disso, ele usaria uma predisposição
para a força bruta e se certificaria de conseguir o que queria.
Sempre tinha funcionado no passado. Mas agora, sem nenhuma
prova de quem ele era, nem um tostão em seu nome, e sem poder
contar com sua própria força, sentia-se impotente. Não era uma
sensação da qual ele gostava. E, no entanto, quando viu Céleste
entrar no cômodo, com a cabeça inclinada e um andar de pura
exaustão, sabia a ruína dela estava em suas mãos. Ele não iria
decepcioná-la.
Para seu horror, ela não falou, apenas se ajoelhou ao lado da
cama, se jogou contra seu peito e começou a soluçar. Por um
momento, ele ficou chocado demais para se mover ou falar.
Mulheres chorando eram algo que ele geralmente evitava a todo
custo e, no entanto, ele sabia instintivamente que Céleste não era
do tipo que se entregava às lágrimas só porque estava frustrada ou
tentando conseguir o que queria. Não. Nessas circunstâncias, ela
provavelmente gritaria e jogaria coisas, pelo que ele tinha visto de
sua personalidade até agora. O que significava que alguém a havia
machucado.
— O que houve, ma mie? — perguntou ele, fazendo um esforço
para manter sua voz suave, embora pudesse sentir uma raiva agora
familiar se acumulando em seu peito. — Alguém te machucou?
— Non — disse ela, balançando a cabeça e olhando para ele
com aqueles olhos azuis cheios de lágrimas. — Ainda não, mas eles
vão.
— O quê? — Ele se sentou e a segurou pelos ombros. —
Quem, Céleste, quem quer te machucar?
Ela piscou e ele sentiu seu coração apertar quando uma lágrima
rolou ao longo de seu rosto. — Você... — começou ela, franzindo
ligeiramente a sua testa. — Você acha que eu sou... jolie?
Alex franziu a testa em resposta, perplexo com a mudança de
assunto. — O quê? Claro que eu acho que você é bonita, bonita de
fato, mas por que diabos você...
Suas palavras foram interrompidas enquanto ela avançava e
pressionava seus lábios contra os dele. Por apenas um segundo,
seu cérebro parou enquanto sua boca doce e macia procurava a
dele. Ele podia sentir o calor de seu corpo através de seu vestido
puído e seu coração disparando em seu peito. Com determinação,
ele a agarrou pelos braços e empurrou-a suavemente, mas com
firmeza, para longe dele.
— Oh, mas s'il te plaît, você disse que eu sou linda, oui? —
insistiu ela, e Alex ficou desconcertado com o desespero em seus
olhos. — Então você gostaria de se deitar comigo?
— O quê? — exclamou Alex, alarmado.
O desespero em sua expressão parecia crescer e ela colocou a
mão em seus cabelos em frustração. — Trepar — disse ela, de
repente, como se essa fosse uma resposta de algum tipo.
Alex ficou momentaneamente sem palavras. — Peço perdão? —
perguntou ele, com cautela.
— Trepar, essa é a palavra, oui? Você quer trepar comigo?
Ele abriu a boca e fechou-a novamente. Ele sabia que estava
pisando em um terreno perigoso, mas ele não tinha ideia de como
tinha chegado lá.
— Por favor — disse ela, estendendo a mão para a frente e
pegando a sua. — Por favor, você pode... fazer isso... comigo? —
Ela pressionou a mão dele em seu peito e Alex a retirou, fazendo-a
suspirar em choque.
— Não! — disse ele, com um pouco mais de força do que
pretendia.
— Você... você não... me quer?
Seu lábio tremeu um pouco, e ele engoliu um palavrão. Ela se
sentou lá, parecendo um anjo quebrado com sua beleza e aqueles
grandes olhos tristes, e tudo nele doía para pegá-la em seus braços
e mostrar-lhe a diferença entre um homem que iria trepar com ela e
um que faria amor com ela. Mas ele havia jurado que seria melhor
do que isso, havia jurado que a protegeria do mundo, até mesmo de
si mesmo.
— Céleste — disse ele, certificando-se de que sua voz fosse o
mais suave e gentil possível. — Céleste, qualquer homem te
quereria, você é... você é incrivelmente bonita, mais do que eu acho
que você imagina. Mas... mas você tem talvez metade da minha
idade e... e você merece coisa melhor do que isso. Você merece
mais do que tem aqui, e eu quero ajudá-la. Vamos sair daqui, você e
eu. Vamos sair daqui, e eu cuidarei de você. Eu vou encontrar um
lugar para você viver, onde você estará segura. Você nunca terá
que... levar outro homem para a sua cama, eu juro.
Ele sorriu para ela e observou as emoções enquanto elas
atingiam em seu rosto, de alívio, gratidão e... pura fúria.
— Merde! — xingou ela, estendendo seu pequeno punho,
golpeando-o. — Você acha que eu sou uma prostituta? Você acha
que eu sou uma daquelas garotas lá embaixo que abrem as pernas
para quem quiser pagar? Você acha isso? Va te faire foutre!
Ela se lançou contra ele e Alex agarrou seus pulsos antes que
ela pudesse causar qualquer dano. Por mais que ela lutasse e
xingasse, ele a virou de costas, usando seu peso para prendê-la e
mantê-la quieta até que se acalmasse... pelo menos um pouco. Ela
o olhava com muita raiva em seus olhos e ele percebeu com traço
de culpa que ele a havia subestimado. Embora ela estivesse em um
prostíbulo e tivesse dito que trabalhava lá, então...
— Céleste, me perdoe. Eu... eu apenas assumi isso. Você disse
que trabalhava aqui! — exclamou ele, incapaz de evitar a acusação
em sua voz.
— Na cozinha! — replicou ela, e então desviou o olhar dele
quando as lágrimas começaram a se acumular novamente, o que foi
muito pior do que qualquer quantidade de raiva que ela demonstrou
por ele.
— Céleste, sinceramente, eu sinto muito, mas... mas a maioria
das mulheres não dorme ao lado de homens que não conhecem e...
Ela olhou de volta para ele, aparentemente intrigada. — Eu não
estou dormindo com homens que eu não conheço — opôs-se ela. —
Eu te conheço. Eu salvei sua vida! — acrescentou ela, levantando o
queixo. — Somos amigos, au moins, ou pensei que fôssemos —
acrescentou ela, com um bico.
Alex sorriu e assentiu. — Sim, sim, claro que somos amigos,
mas, Céleste, você nem sabe meu nome e, ainda assim, vai para a
cama comigo como... como se fôssemos amantes.
— Seu nome? — repetiu ela, e revirou os olhos. — Bah! Quem
se importa com o nome, eu te conheço. Você é um homem bom, um
homem gentil. Eu confio em você. — Ela encolheu os ombros e,
com o movimento, Alex tornou-se vigorosamente consciente da
posição em que estava, de seu corpo macio e aparentemente
disposto abaixo dele. — Eu gosto de você na minha cama, eu gosto
de dormir ao seu lado. Você... você me faz sentir segura e... e
quente e eu gosto muito de você.
Sentindo o perigo mais uma vez, Alex tentou se mover, mas ela
o impediu prendendo um braço em torno de seu pescoço e
envolvendo suas pernas em torno dele.
— Você não gostaria de...
— Não! — disse Alex, antes que ela pudesse dizer aquilo
novamente. — Não diga essa palavra, ela... não é apropriada.
— Não é? — perguntou ela, com as sobrancelhas levantadas.
— Mas isso significa...
— Estou perfeitamente ciente do significado da palavra —
disparou Alex, com crescente exasperação enquanto retirava um
braço para encontrá-lo substituído pelo outro. — E uma jovem dama
nunca deve deixar que isso passe por seus lábios. Uma jovem dama
solteira nem deveria saber disso!
— Pfff — disse ela, revirando os olhos para ele. — Então você
prefere que suas moças sejam estúpidas, non?
— Não! Oh, meu Deus.
Ela suspirou e moveu-se contra ele de uma maneira que o fez
prender a respiração, algo que ela notou com um sorriso.
— Então... o que devo dizer se eu quiser que você... —
sussurrou ela, repetindo o movimento de seus quadris para esfregar
contra sua evidente ereção. Havia apenas um cobertor fino cobrindo
sua nudez, e ele sabia muito bem que ela podia sentir sua
excitação.
Com um pouco mais de força do que queria empregar, ele
removeu o controle dela sobre ele e fugiu para a extremidade do
palete, segurando o cobertor ao seu redor com modéstia.
Alex respirou fundo.
— Eu não vou... vou fazer amor com você — disse ele, tanto
para seu próprio benefício quanto para o dela. Talvez se ele
dissesse isso alto o suficiente, seu pau ouviria e se comportaria. Ver
a decepção em seus olhos não ajudou, embora admitisse que seu
ego gostava disso.
Ela encolheu os ombros e toda a luta pareceu sumir dela. —
Então, madame Maxime me enviará para Pelletier e eu serei a
prostituta que você pensou que eu fosse, afinal.
— O quê? — indagou Alex. — Do que você está falando?
Mas Céleste virou-lhe as costas e encarou a parede, envolvendo
os braços em torno de si mesma e tremendo. — Não importa agora,
mon brave.
Alex de repente percebeu o quão frio estava, e ele próprio
estremeceu.
— Onde estão minhas roupas, Céleste? — perguntou ele. Se
ele ao menos pudesse se vestir, iria sentir-se mais no controle de si
mesmo e dessa... dessa situação ridícula.
— Mimi, está com elas — disse ela, com a voz baixa. — Elas
prrecisavam de consertos e eu não querria que Maxime as visse. Eu
devolverei suas coisas amanhã.
Ele suspirou e deitou-se ao lado dela, puxando-a para seus
braços, mas mantendo-a de costas para ele. Ele sentiu seu arrepio
e se contorcer mais perto, e ele rangeu os dentes enquanto seu
traseiro se encaixava perfeitamente em seu colo.
— Muito bem — disse ele, tentando concentrar sua mente em
qualquer coisa, menos no corpo convidativo ao seu lado. —
Explique-me o que está acontecendo. Por que você estava
chorando, por que você tentou me seduzir, quem diabos é Pelletier e
por que madame Maxime iria vendê-la?
Ele a ouviu fungar e esperou até que ela estivesse pronta para
falar com ele.
— Madame Maxime quer que eu trabalhe para ela, como as
outras garotas, entende?
— Sim — disse Alex, com a voz sombria. — Eu entendo.
— Ela vem tornando minha vida, meu trabalho mais difícil para
me convencer a fazer o que quer. E hoje ouvi sua conversa com
monsieur Pelletier, e amanhã à noite ela espera me drogar e me
deixar... pronta para esse homem, Pelletier, pois ele pagou um
monte de dinheiro para tomar a minha...
Ela parou e começou a soluçar, e Alex a puxou para perto.
Quaisquer desejos que pudesse ter sentido, sumiu diante de tal
história. Pelletier, ele revirou o nome em sua mente e jurou se
lembrar dele. Ele iria se certificar de conhecer esse homem, logo
que Céleste estivesse segura e fora de seu alcance. Ela se virou em
seus braços, e ele a segurou perto, acariciando seus cabelos e
conversando com ela gentilmente até que ela parasse de chorar.
— Então, é por isso que você me queria? — perguntou ele, com
um sorriso triste escondendo seu próprio orgulho ferido. — Para que
você não fosse mais virgem.
Ela ficou quieta por um momento e, então, olhou para cima, com
uma expressão que parou seu coração.
— Não só por isso — sussurrou ela.
Ele a puxou para baixo, para que sua cabeça fosse pressionada
contra seu ombro e lembrou-se de tudo o que a garota estava
enfrentando até que pudesse pensar em qualquer coisa além de
seus próprios desejos. Ela estava lutando pela sobrevivência em um
mundo cruel e insensível, onde até mesmo sua própria beleza
poderia ser usada contra ela. Ele não iria adicionar a isso se
aproveitar de sua inocência. Com controle implacável, ele esmagou
quaisquer sentimentos que pudesse ter e lembrou-se de sua
promessa a ela. Ela estava claramente precisando de um protetor,
uma figura paterna, e ele só podia agradecer a Deus por ela ter
caído em suas mãos. Ele não a decepcionaria.
— Bem, sinto-me mais lisonjeado do que possa imaginar —
disse ele, acariciando seus cabelos. — Mas não é necessário, como
eu disse antes, vamos sair daqui, e eu vou cuidar de você.
— Mas você ainda não está forte o suficiente para partir —
protestou ela. — Eu esperava que você me levasse quando saísse
daqui, mas Pelletier me espera amanhã à noite. Será tarde demais.
Alex franziu a testa e balançou a cabeça. — Então vamos fugir
logo pela manhã.
— Mas você ainda está doente.
Ele rejeitou esse argumento. — O que mais me preocupa é a
minha atual falta de recursos.
— Eu tenho um pouco de dinheirro — disse ela. Para sua
surpresa, ela se sentou e mordeu o lábio, parecendo culpada. — Eu
tenho algo a... confessar.
— É mesmo? — indagou ele, perguntando-se o que a diabinha
estava aprontando agora.
Ela assentiu e começou a torcer as mãos.
— Prromete... que não vai ficar com raiva.
Ele franziu a testa para ela. O que diabos ela tinha feito? — Eu
prometo — disse ele, um pouco cauteloso.
— Quando te encontrrei, também havia muitos... — Ela franziu a
testa, aparentemente procurando a palavra exata e não
encontrando. — Barrique?
— Ah — disse ele, quando começou a entender. — Barris.
— Oui. — Ela assentiu. — Barris de conhaque, caixas de chá
e... — Ela engoliu em seco e olhou para ele com grandes olhos
ansiosos. — Eu os vendi.
Ele sufocou uma risada de surpresa. — É mesmo?
— Oui. — Ela assentiu e mordeu o lábio mais uma vez.
— Quanto por quantos barris?
Ela murmurou uma resposta que fez seu coração afundar. Era
uma fração de seu valor na Inglaterra e muito menos do que ele
havia pagado por isso, mas então, sem conexões e para uma venda
rápida, ela realmente não tinha se saído mal. Ele suspirou e sorriu
para ela.
— Bom trabalho, Céleste. Isso é pelo menos suficiente para nos
levar a maior parte do caminho para Bordeaux, se formos
cuidadosos.
— Bordeaux? — repetiu ela, surpresa. — Por que Bordeaux?
— Porque — respondeu ele, com um sorriso. — eu prefiro me
esconder e evitar ficar em casa por um tempo, caso a Receita esteja
fazendo perguntas, e é lá que meu irmão está.
— Oh — disse ela, com um aceno de compreensão e depois
estremeceu, esfregando as mãos para cima e para baixo nos
braços. — Por favor, deixe-me entrar debaixo desse cobertor agora,
estou com muito frio.
Alex franziu a testa, e ela o cutucou impacientemente.
— Oh, pelo amor de Deus. Eu vivi em um bordello nos últimos
seis meses, eu já vi muita coisa... E certamente já vi tudo o que
você tem — acrescentou ela, com um sorriso.
Alex fez uma cara feia para ela e tentou relegar essa informação
aos confins de sua mente, onde isso não o incomodaria; embora
não tivesse esperanças de que permanecesse lá. Ele não podia
permitir que a garota congelasse, no entanto, e foi com um sorriso
triunfante que Céleste se aconchegou nele, e ele sabia que seria
uma noite de tormento total.
Ele pensou que ela já estava dormindo quando uma pergunta
sussurrada chegou aos seus ouvidos.
— Qual é o seu nome?
— Alexander — respondeu ele, divertido com suas palavras
sonolentas. — Meus amigos me chamam de Alex.
— Alexander — repetiu ela, à maneira francesa, fazendo-o
sorrir. — Gosto muito desse nome. É forte, como você. Boa noite,
Alex.
— Boa noite, Céleste.
Capítulo 6
“No qual as viagens são realizadas, e nossa heroína coloca le chat
entre os pombos.”

Alex ouviu a sua respiração suave enquanto dormia.


Pensamentos de algum bastardo sem rosto chamado Pelletier
rodopiavam em sua cabeça. Ele desejava mais uma vez ter acesso
a tudo o que geralmente estava ao seu alcance, embora se
contentasse com uma pistola ou uma espada. Ele prometeu a si
mesmo o prazer de procurar monsieur Pelletier e se vingar em nome
de uma jovem que não podia se defender de tal maldade.
Punições para uma criatura tão vil voaram através de sua mente
satisfazendo sua raiva por algum tempo. Mas, uma vez que tinha
posto um fim a Pelletier de muitas e variadas maneiras, ainda
estava bem acordado, e embora soubesse que deveria dormir para
ser capaz de enfrentar os dias à frente, viu-se naturalmente inquieto.
Não importava as promessas que havia feito a si mesmo e a
Céleste, a realidade de uma bela mulher enrolada em torno de seu
corpo nu era impossível de ignorar e, assim, foi com a dor da
frustração e resignação que viu que o céu começava a clarear, e
acordou Céleste.
Ela suspirou e piscou para ele, ainda meio adormecida, e ele
tentou ignorar a estranha sensação que floresceu em seu peito
enquanto a observava. Ele só sabia que ela tinha depositado sua
confiança nele, e ele faria tudo o que pudesse para ser digno dessa
confiança.
O silêncio parecia frágil demais enquanto Céleste se movia pelo
quarto, como se os ouvidos dos habitantes da casa estivessem se
esforçando para ouvir sons de sua partida, o que era claramente
tolo. Mas Alex ficou muito satisfeito quando Céleste desapareceu no
andar de baixo e Mimi apareceu pouco tempo depois, carregando
suas roupas, o luxo de água quente para se lavar e sua parte do
dinheiro por vender os produtos.
Alex lavou-se e vestiu-se o mais rápido que pôde, reservou um
momento para se arrepender do fato de não poder se barbear e
seguiu Mimi de volta pelas escadas, carregando suas botas para
fazer o mínimo de barulho possível.
Eles chegaram à cozinha e viram Céleste amontoando o
máximo de comida que podia em um pequeno saco.
— Mimi sempre leva a carroça para a cidade às sextas-feiras
para ir ao mercado — explicou ela, com a voz baixa e urgente nos
arredores escuros do local sujo. — Então, ele vai nos levar até lá e
vamos encontrar uma carruagem.
Alex assentiu e os seguiu para fora no ar gelado da manhã. A
casa estava claramente na periferia da cidade, perto do mar. Ele
sentia o cheiro do sal de algas em decomposição ao redor deles
enquanto as gaivotas grasnavam no alto, ignorando seu desejo de
silêncio.
Ele observou a respiração deles pairar sobre seus rostos
enquanto se dirigiam para a carroça, e sentiu seus pulmões doerem
enquanto o frio queimava dentro de seu peito. Um pônei estava
preso aos arreios da carroça, olhando-os com um ar resignado e
bufando quando se aproximaram. Mimi imitou o barulho do animal e
lhe deu uma cenoura, o som de trituração parecia ecoar pelas ruas.
Alex ajudou Céleste a subir no assento antes de se juntar a ela,
e ela deslizou o braço no dele, inclinando-se para ele e olhando
para cima com ansiedade brilhando em seus olhos.
— Mon Dieu, ele faz barulho suficiente para acordar todos os
vizinhos pelo caminho — sibilou ela, olhando para o pônei com
horror.
Ele riu e deu um tapinha tranquilizador em sua mão. — Eu tenho
certeza de que não seremos pegos por causa de uma cenoura.
Você está nervosa, tudo ficará bem, não se preocupe.
Para sua surpresa, ela parecia tranquilizada por suas palavras e
mais uma vez ele sentiu a responsabilidade de tudo o que havia
assumido. Ele tinha sido responsável por muitas pessoas em sua
vida, tanto em seu trabalho quanto em sua família. Era dever de um
conde cuidar do bem-estar de todos aqueles que viviam e
trabalhavam em torno de sua propriedade, mas nunca havia sentido
o peso dessa responsabilidade como acontecia com Céleste. Ela
encostou a cabeça em seu ombro, e ele estava muito consciente da
preciosidade de sua confiança. Ele precisava entrar em contato com
seu irmão o mais rápido possível, para que ele pudesse enviar mais
dinheiro e uma carruagem a seu encontro.
Quanto mais cedo ele pudesse encontrar um lugar seguro para
ela viver – em algum lugar que ela pudesse ser feliz e encontrar
uma vida para si mesma, um lugar na sociedade – melhor para os
dois. Ele via a expressão em seus olhos e o fato de que ela o
admirava e, por mais que ele estivesse começando a apreciar esse
olhar, não faria bem a nenhum deles.
Não, quanto mais cedo eles se separassem, melhor. Ela
encontraria um marido adequado, um jovem agradável que seria
gentil com ela, e proveria para ela e qualquer família que tivesse.
Por alguma razão inexplicável, ele foi subitamente tomado pela
melancolia e se sentiu compelido a estender a mão e tocar o cabelo
dela, fosse para tranquilizar a si mesmo ou a ela, ele não tinha
certeza. Céleste se inclinou em direção ao toque, embora estivesse
dormindo agora, com a cabeça pesada contra ele, e Alex olhou para
cima e viu que Mimi o observava com aprovação.
— Eu vou cuidar dela, eu prometo — disse Alex a ele, em
francês. Mimi assentiu e voltou sua atenção de volta para a estrada.
Havia muitas carroças se movendo agora, carregadas com
cebolas, couves-flores e batatas; mas a grande maioria levava
peixes e mariscos à medida que o cheiro começava a indicar que
estavam mais perto do mercado.
A diligência ou Diligence, em francês, já estava sendo carregada
quando eles chegaram. Alex despertou Céleste e deixou-a sozinha
para se despedir de Mimi enquanto ele pagava pela viagem. Ele
olhou para a grande carruagem com a trepidação de um nobre, feliz
por nunca ter tido que sofrer a desigualdade do transporte público e,
pior do que isso, do transporte público estrangeiro. No entanto, não
havia nada a ser feito sobre isso, então, eles simplesmente teriam
que se acostumar com a situação.
O melhor disso tudo era muito pior do que ele temia.
Céleste estava com os olhos marejados e parecia frágil depois
de dizer adeus a Mimi, e ele estava feliz por ter gastado um pouco
mais de seu escasso dinheiro do que talvez devesse para garantir
um lugar no interior mais espaçoso da carruagem. O teto já estava
abarrotado de pessoas e a pilha de bagagens era tão alta quanto a
própria carruagem. Tudo tinha sido amarrado com cordas e
correntes. Na verdade, com o postilhão e o condutor, ele contou
dezessete passageiros, incluindo eles mesmos, e sufocou um
gemido de desespero.
Seus nomes, por enquanto, eram monsieur et madame Smith, e
ele a colocou na carruagem. Para piorar sua consternação, era
evidente que os espaços dos cantos já haviam sido tomados, e ele
foi obrigado a sentar com Céleste entre dois estranhos.
Ao seu lado estava uma senhora atraente por volta de trinta
anos, que talvez estivesse maquiada e perfumada demais – embora
aquilo fosse bem-vindo para disfarçar os odores de alguns dos
outros viajantes – o que talvez fosse sua intenção. Do lado de
Céleste estava uma senhora mais velha com um rosto gentil que
prontamente dormiu e cujos roncos suaves foram felizmente
abafados pelo barulho da carruagem.
Em frente a eles estavam mais quatro passageiros. Um homem
pequeno sozinho e de aparência pedante, com cara de advogado ou
médico; um casal de meia-idade e, para a intensa inquietação de
Alex, um padre que o olhava com um olhar de profunda
desaprovação.
Alex lembrou-se de que suas intenções em relação a Céleste
eram inteiramente honrosas e encarou o olhar frio do padre com
igual mérito até que o homem desviou o olhar. Céleste, no entanto,
ainda estava fungando e enxugando as lágrimas e, logo, não era
apenas o padre que estava olhando para ele com desconfiança.
Alex olhou para todos de volta, desafiando-os a fazer um comentário
e, então, fechou os olhos, ignorando a todos com impunidade.
A carruagem estava silenciosa, ou pelo menos tão silenciosa
quanto poderia ser o barulho de uma carruagem. Ela viajou em um
ritmo notável, considerando o estado das estradas, enquanto todos
cochilavam ou se sentiam tão confortáveis quanto podiam. Não foi
uma tarefa fácil, pois a carruagem balançava e muitas vezes
apertava os passageiros mais do que gostariam.
A mulher atraente ao lado dele, uma viúva chamada madame
Durand, como ela havia se apresentado, quase terminava em seu
colo. Ou isso ou pressionava seus encantos generosos firmemente
contra ele; para seu aborrecimento, desgosto do padre, e sendo
recompensado por uma carranca furiosa de Céleste.
À medida que os céus escuros do amanhecer se iluminavam em
um dia bastante sombrio, embora seco, o tédio da jornada começou
a cobrar seu preço sobre alguns que começaram a conversar uns
com os outros para aliviar o tédio. Alex manteve os olhos
resolutamente fechados e desejou que tivesse tido a oportunidade
de educar Céleste sobre o que deveria ou não dizer sobre quem
eram e para onde estavam indo, e só podia orar para que a menina
mantivesse seu próprio conselho. Suas orações, no entanto,
pareciam ter sido escutadas por ouvidos surdos, e ele foi forçado a
abrir os olhos em alarme quando ela começou a conversar com a
senhora mais velha ao lado dela.
A princípio, a conversa parecia bastante inofensiva. Madame
Audet também ficou viúva recentemente e foi morar com sua filha
mais velha, na Gasconha. Um certo tempo gasto ouvindo madame
Audet falar de maneira lírica sobre as muitas e esplêndidas
acomodações a serem encontradas na casa de sua filha, que
aparentemente havia sido abençoada com um casamento fortuito.
Então, naturalmente, ela perguntou sobre Céleste.
Alex quase podia ver o sorriso travesso em seus lábios
enquanto a garota falava, e se perguntava se ela sabia o que estava
provocando quando explicou a todo mundo ali reunido que tinha se
casado naquela semana; e que, sim, aquele era seu marido.
Ao refletir, ele desejou ter mantido os olhos fechados e fingido
dormir pelo resto do dia. Como era de se esperar, ele foi submetido
a olhares especulativos, muitos dos quais ele não tinha dúvida, com
toda a razão, questionaram a validade de tal casamento.
Especialmente quando sua esposa não estava na posse de um
anel. Sem dúvida, também foi notado que não carregavam nenhuma
bagagem além da bolsa de Céleste, que estava cheia de seus
escassos pertences e de comida que ela havia roubado do
prostíbulo.
Madame Audet lançou-lhe um olhar que ele não conseguia ler,
mas ouviu-a dizer a Céleste que seu marido era muito bonito. Nessa
altura, a diabinha da Céleste suspirou, riu e concordou com ela com
entusiasmo. Ela, então, se inclinou para ele e entrelaçou seus dedos
nos dele, olhando-o com tanta adoração que ele não sabia se
deveria espancá-la ou beijá-la. Aquilo fez ele cerrar os dentes e ter
que suportar uma jornada interminável, intercalada apenas por
breves paradas para trocar de cavalo, até que eles chegassem à
pousada para passar a noite.
Como Céleste bem sabia, o anúncio de seu recente enlace
significava que Alex teria que reservar apenas um quarto. Embora
isso fosse de fato uma coisa boa para o orçamento de sua carteira
limitada, era uma coisa tremendamente ruim para seus nervos.
Uma vez que estavam sozinhos, ele a levou para jantar, antes
que ela pudesse espalhar mais histórias que fizessem com que seus
companheiros de viagem o condenassem como um demônio sem
coração e ladrão de inocência.
— Isso foi uma coisa abominável a fazer comigo — disse ele,
quando a porta se fechou atrás deles.
Céleste bufou e se jogou na cama, saltando no colchão de uma
maneira alegre e parecendo completamente sem-vergonha.
— Oh, é mesmo? — indagou ela. — Eles já estavam olhando
para nós, então... eu apenas disse o que eles queriam ouvir. Agora
eles acreditam que talvez sejamos casados, talvez não... deixe-os
desconfiar. Melhor pensamentos como esse, do que de criadas
fugitivas e contrabandistas, eh bien?
Alex bufou e balançou a cabeça. — Você vai acabar me
matando, Céleste.
— Mais non! — opôs-se ela, deitada na cama com um suspiro
de bastante contentamento. — Eu te salvei. Eu não vou deixar você
morrer agora. Non, nunca. Eu te protegerei como você me protege.
Ele se virou para olhar para ela espalhada sobre a cama. Seus
cabelos estavam desgrenhados, braços e pernas separadas e, no
entanto, não foi apenas o desejo que subiu em seu peito, embora
isso estivesse indubitavelmente lá, mas ele foi tocado por suas
palavras. Ela sorriu para ele, como se conhecesse cada
pensamento que passava por sua mente.
— Vamos salvar um ao outro, mon contrebandier — sussurrou
ela.
Alex se afastou da expressão em seus olhos, lembrando-se das
promessas que havia feito. Ele caminhou até a porta, parando antes
de abri-la.
— Vou descer e deixar você descansar um pouco. Nos vemos
no jantar, ma mie.
Ao fechar a porta, repreendeu-se pelas palavras afetuosas. Ele
não deveria encorajar a garota, mas o termo havia surgido em seus
lábios sem que realmente tivesse pensado sobre isso. E, assim, ele
decidiu fazer uma caminhada, apesar da amargura do ar da noite e
do lugar pouco inspirador em que pareciam ter parado. Qualquer
coisa para manter sua mente longe da criatura sedutora que estava
começando a ocupar muitos de seus pensamentos.
Capítulo 7
“No qual as batalhas são travadas e um vencedor é declarado...
mas a guerra continua.”

Céleste se espreguiçou no colchão e suspirou de


contentamento. Ela tinha conseguido, realmente tinha conseguido.
Ela tinha fugido de madame Maxime com Alex! E ele era tão
engraçado, seu contrebandier, tão preocupado com sua reputação e
sua moral e... bah! Céleste lembrou-se da sensação de seu corpo
grande e duro contra o dela, pois ela havia adormecido na noite
passada. Sentira-se tão bem, ao deitar-se com seus braços fortes
ao redor dela, e ela se perguntou o que mais faria ela se sentir bem,
como seria fazer algumas das coisas que tinha visto no bordel, com
um homem como Alex.
Ela sentiu o calor de seu corpo enquanto imaginava aquelas
mãos grandes viajando sobre sua pele, enquanto pensava em sua
boca sobre ela, o peso dele deitado sobre ela. Sua respiração
acelerou e sentiu o desejo se formar em sua barriga, líquido e
quente, fazendo sua pele doer com a necessidade de ser tocada por
ele.
No entanto, ela tinha certeza de que ele se considerava o seu
guardião ou alguma dessas bobagens. Ele parecia querer salvá-la, o
que era muito bom e ela era a favor disso, desde que isso não
significasse salvá-la dele. Ela fez um beicinho de frustração e
percebeu que provavelmente era exatamente isso que ele queria
dizer. Bem, ela só teria que fazê-lo perceber que ela podia ser
virgem, mas estava muito longe de ser inocente, então, realmente,
qual era o sentido de tentar fingir que ela era?
Com esse pensamento em mente, ela se arrumou o melhor que
pôde, fazendo cara feia no espelho com o estado de seu vestido.
Ela se perguntou como seria estar bem-vestida, como a mulher que
se sentou ao lado de Alex na carruagem.
Ela não gostou da mulher à primeira vista e gostava ainda
menos dos olhares cobiçosos que ela lançara na direção dele, e da
maneira como ela continuava olhando-o. Felizmente, Alex estava
ignorando todo mundo e, portanto, não parecia notar. Ela esperava
que ele continuasse a não perceber, porque sentia-se despreparada
para lutar por sua atenção vestida daquele jeito.
Com um suspiro pesado, ela se afastou do espelho e fechou a
porta do quarto antes de descer as escadas apressadamente. O
cheiro sedutor de comida flutuava pelo estabelecimento e Céleste
descobriu que estava quase fora de si de excitação com a ideia de
comer uma refeição que não só não havia preparado, mas que seria
servida a ela, e ela não teria que limpar depois. Era quase
inacreditável.
Para seu alívio, encontrou Alex esperando por ela no fundo das
escadas e depois corou quando se lembrou de tudo o que estava
pensando no quarto. Uma lembrança vívida de seu devaneio brilhou
na frente dela e ela mordeu o lábio, perfeitamente incapaz de
encontrar seus olhos.
— Você está bem? — perguntou ele, quando ela chegou ao pé
das escadas.
Ela assentiu, e ele colocou a mão firmemente em seu braço,
aumentando seu rubor enquanto considerava aquelas mãos
novamente. Ele parou, forçando-a a olhar para cima e encontrar
seus olhos, observando sua expressão de curiosidade e um pouco
de diversão. Ela teve a sensação horrível de que ele sabia
exatamente por que ela estava corando.
— Você tem certeza, ma mie?
— Oui — murmurou ela, seus olhos seguindo na direção seus
lábios e depois xingando-se internamente quando teve que desviar
o olhar novamente.
Felizmente, ele não a questionou mais, mas a levou para jantar,
onde a maioria dos outros clientes já estava reunida.
Para alívio dela e – sem dúvida – de Alex, eles foram deixados
sozinhos, e ela saboreou tanto a refeição quanto o vinho com um
prazer silencioso. Era uma pequena pousada simples e bastante
precária, e o cardápio era simples, mas saboroso. Uma sopa de
legumes e ensopado de coelho com repolho foi seguido por uma
generosa fatia de queijo Camembert e frutas. Ela comeu cada
pedaço colocado na frente dela com prazer e até mesmo gostou do
olhar de indulgência divertida com que Alex parecia observá-la.
— Bem, sinto muito, Alex — disse ela, dobrando seu
guardanapo com cuidado e colocando-o de volta na mesa. — Mas
você vai ter que me carregar lá para cima. Estou muito cheia.
— Bem, da minha parte, estou aliviado por descobrir que isso é
possível — respondeu Alex, com o canto da boca se contorcendo
ligeiramente. — Eu estava prestes ir até a cozinha e instruí-los a
matar um porco para saciá-la.
Ela mostrou a língua para ele, o que era totalmente infantil, mas
o fez rir, e um sorriso floresceu em seu próprio rosto. Ela gostava de
ouvi-lo rir.
— Bem, então talvez você deva subir — disse ele, torcendo a
haste de sua taça de vinho para frente e para trás em seus longos
dedos. — Eu subirei em breve.
— É mesmo? — respondeu ela, completamente incapaz de
manter a decepção de sua voz. — Por que não agora? — Ela olhou
ao redor da sala para onde madame Durand estava falando em tons
baixos com o proprietário, e esperava que ela não fosse seu
objetivo. Ela olhou de volta para ele, mas Alex apenas encolheu os
ombros, evitando seus olhos.
— Pensei que poderia dar um passeio.
— Mas você já deu um passeio — opôs-se ela, sentindo seu
temperamento se alterar. — Você disse isso!
— Céleste, abaixe a voz — rosnou ele, parecendo
desconfortável. — Fiquei preso naquela maldita carruagem o dia
todo e preciso esticar as pernas, isso é tudo.
— Hmph. — Foi toda a resposta que ela deu a esse comentário,
antes de se levantar. Ela fez uma pausa e se inclinou para sussurrar
em seu ouvido “covarde”. Antes de deixá-lo sozinho à mesa.
Não se intimidando, no entanto, Céleste demorou um tempo
considerável se preparando para dormir, desfrutando do luxo de ter
um quarto com uma cama de verdade, embora tenha notado que
havia poeira embaixo dele e que os lençóis estavam mal arejados.
Madame Maxime nunca teria tolerado isso. Então, ela virou as
cobertas e acendeu a lareira, certificando-se de que estava bem
acordada quando Alex finalmente abriu a porta.
Ele suspirou, fazendo cara feia enquanto a olhava sentada na
cama com apenas a camisola. Ela teve o cuidado de se certificar de
que o cordão ao redor de seu pescoço estivesse muito solto e
caísse para revelar um ombro nu e o inchaço de um seio atrevido.
— Por que diabos não está dormindo? — perguntou ele.
Determinada a não se intimidar com seu aborrecimento, ela
apenas encolheu os ombros. — Porque eu queria te ver antes de ir
dormir.
— Realmente não há necessidade, Céleste, estaremos na
companhia um do outro o dia todo amanhã — disse ele, e ela
observou que ele soava cansado agora e seu rosto parecia exausto
e pálido.
Estalando a língua, jogou para trás as cobertas e atravessou o
quarto para ajudá-lo a desabotoar seu casaco.
Tirando as mãos dele do caminho, repreendeu-o em francês: —
Agora, olhe o que toda essa caminhada fez com você —
acrescentou ela, fazendo cara feia para ele. — Você está esgotado.
— Céleste, eu não estou usando roupas de baixo — opôs-se o
homem estúpido, embora mal conseguisse ficar de pé sem oscilar.
— Non — concordou ela. — Sorte sua, pois eu deveria bater em
você! — Ela xingou-o, baixinho, enquanto tirava sua jaqueta e
depois se ajoelhou para tirar suas botas. Criatura idiota, ele quase
tinha se afogado e depois mal tinha se recuperado de ter sido
congelado até a morte e, agora, ele queria caminhar pelo campo
gelado e úmido. Ela continuou sua ladainha de objeções e
xingamentos até chegar às suas calças, momento em que ele
deteve-a.
— Obrigado, isso será tudo — disse ele, com uma maneira fria e
desdenhosa, como se estivesse se dirigindo a um servo ou algo
assim. Ela rangeu os dentes e depois sentiu seus ânimos se
exaltarem ainda mais quando ele pegou um travesseiro da cama e o
colocou na cadeira.
— O que você está fazendo? — perguntou ela, pegando o
travesseiro e jogando-o de volta na cama com um pouco de força.
Resignado, Alex pegou-o novamente e colocou-o de volta na
cadeira. — Vou dormir aqui esta noite. Você pode ficar com a cama.
Ela estreitou os olhos para ele. — Ah, posso? — repetiu,
zombando de seu sotaque.
Céleste observou enquanto suspirava e se preparava para a
batalha que se aproximava. Ela cruzou os braços.
— Você não ouviu nada do que eu disse? Você quase morreu;
ainda não está bem. Eu não vou ver você sentado a noite toda em
uma cadeirra com correntes de ar circulando pelo quarto, non! —
Ela bateu o pé nas tábuas nuas e o desafiou a contradizê-la.
— Meu Deus, Céleste, você não está falando com sua tia
solteirona — respondeu ele, soando realmente muito zangado
agora. — Eu não sou um inválido!
— Non, isso é verdade — concordou ela, acenando com a
cabeça para ele. — Porque eu cuido bem de você! — berrou ela,
batendo no braço dele com as costas da mão. — Porque senão
você estarria morto agora! — gritou ela, seu sotaque se tornando
mais forte à medida que sua fúria crescia. — Então, agorra você
deve fazer o que eu digo e dormir na cama.
— Você vai manter sua voz baixa — sibilou ele, e então ela
percebeu que o tinha convencido.
— Non — disse ela, sorrindo docemente para ele. — E eu
continuarei a não manter minha voz baixa em brreve quando eu
começar a imitar sons como aqueles que ouvia no Madame Maxime,
hein?
Ela teve que lutar contra uma risada ao observar a completa
fúria em seu rosto, mas em vez disso desabou de volta na cama
com um gemido baixo, acariciando as mãos sobre suas próprias
curvas de uma maneira sugestiva e dizendo, alto e sem fôlego:
— Oh, Alex, oh, oui, oui, desse jeito, oui, oui mais forrte... mmm,
oh, por favor, trep...
— Pare!
Ela realmente não teve escolha no assunto, pois uma grande
mão cobriu sua boca. Ele estava olhando para ela, com seus olhos
escuros e selvagens.
— Muito bem, gatinha do inferno, você venceu — disse ele, com
a voz de raiva contida, mas Céleste não se importou nem um pouco.
Ela tinha vencido.
Ela observou com satisfação enquanto ele cuidadosamente
dobrava as calças antes de arremessar as cobertas para trás com
um movimento brusco e furioso. Céleste não se atreveu a sugerir
que ele tirasse a camisa também, o que era uma pena, mas o olhar
em seus olhos sugeriu que não seria uma boa ideia.
Ele bateu no travesseiro com o punho, virou as costas para ela e
apagou a luz sem outra palavra.
Céleste suspirou. Bem, pelo menos ele estava na mesma cama.
***
Alex deitou-se no escuro, dividido entre diversão, um desejo
furioso que o estava levando à loucura e à raiva ardente e quente.
Que tipo de fúria astuta, de olhos de corça ele havia assumido?
Quando ela se deitou na cama, começou a se contorcer e dizer o
nome dele com aquela... aquela voz baixa e ofegante, meu Deus,
ele esteve tão perto de perder o controle. E agora, mais uma vez,
ele estava sem sono e nervoso.
Se ele visse que a garota dormiria profundamente, tomaria conta
da situação e aliviaria a dor que o estava impedindo de dormir e
tornando-o completamente mal-humorado. Porém, ele não se
atreveu.
Ele se perguntou o que seu irmão Lawrence diria se soubesse, e
então fez uma careta. Alex sabia exatamente o que diria; ele riria,
aquele estúpido.
E, assim, foi com esse espírito que Alex passou a noite,
alternadamente olhando para o teto e elaborando planos de como
poderia se livrar de sua bela tentadora na primeira oportunidade. Ele
ouviu as idas e vindas dos funcionários noturnos e dos cavalariços,
trocando os cavalos das carruagens que entravam e saíam do local
em intervalos regulares e, finalmente, adormeceu de pura exaustão
quando o céu começou a mostrar os primeiros sinais do amanhecer.
Alex acordou assustado quando ouviu o som de uma buzina,
anunciando a chegada de uma carruagem que precisava de uma
rápida troca de cavalos, e descobriu que Céleste se enrolava em
torno dele de tal maneira que ficou sem fôlego.
Ela estava deitada meio de frente para ele, sua perna nua entre
a dele e seu quadril pressionando-o de uma maneira que era
deliciosa e torturante. Ele prendeu a respiração, mal se atrevendo a
se mover quando a batida na porta fez os dois pularem e alguém
anunciou que o café da manhã seria servido em dez minutos e a
carruagem sairia em vinte.
Ele congelou enquanto Céleste esfregava os olhos e observava
com alarme como ela se tornava tão consciente quanto ele de sua
posição. Alex esperava que ele não a assustasse – embora não
fosse essa sua intenção – mas ela era, afinal, virgem, apesar de
todas as suas palavras ousadas.
Ela não se moveu e apenas descansou a cabeça de volta em
seu peito. Com um suspiro interior de alívio, foi abrir a boca para
dizer que deveriam se apressar, quando a mão dela deslizou para
baixo, sobre seu estômago e sob sua roupa de baixo para se
emaranhar nos cabelos grossos logo abaixo e depois acariciou seu
membro dolorido.
As palavras morreram em seus lábios e o prazer foi tão intenso
quando sua mão deslizou para cima e para baixo que foi preciso
cada fragmento de força de vontade que possuía para se abaixar e
agarrar seu pulso, em vez de derrubá-la de costas e abrir as suas
pernas.
— Não, Céleste — disse ele, as palavras quase
incompreensíveis enquanto abafava um gemido.
— Sua pele é tão macia — respondeu ela, com admiração em
seus olhos, ignorando completamente seu protesto. — Como seda
— acrescentou ela, e ele perdeu o fôlego enquanto seu polegar
deslizava sobre a pequena fenda na cabeça e alisava a umidade ali
reunida.
Ele murmurou um xingamento sincero e puxou a mão dela para
longe, jogando-a de costas e saiu das cobertas antes de perder seu
último controle sobre a sanidade.
— Você não vai! — enfureceu-se, e depois ficou sem palavras.
Ele vestiu as calças, sentindo que talvez pudesse recuperar
alguma aparência de controle se estivesse vestido.
— Esta noite, você terá um quarto próprio — disse ele, com o
tom frio. — E eu não me importo com o que qualquer um deles
pense disso. Sua... sua...
Possivelmente, pela primeira vez em sua vida, ele estava
totalmente sem palavras, e o fato de que ela estava olhando para
ele, de forma desordenada, sonolenta e totalmente perplexa à beira
de uma explosão de raiva não ajudou. Em vez de tentar se explicar,
decidiu que a retirada era a única opção e saiu do quarto, batendo a
porta atrás dele com certa força.
Capítulo 8
“No qual você deve ter cuidado com o que deseja.”

Alex recusou-se a olhar ou falar com Céleste pelo resto do dia, e


a viagem se arrastou. Estava bem claro para todos na carruagem
que estava de mau humor, logo, evitavam seus olhos e tinham o
cuidado de não falar com ele. Isso despertou simpatia no coração
de todos com relação a Céleste, e o grupo fez um estardalhaço com
ela, com indagações sobre seu bem-estar chegando com tanta
frequência que Alex estava perto de gritar para que a carruagem
parasse para que ele pudesse sair e deixá-los todos com ela.
O fato de Céleste estar de fato parecendo bastante pálida e não
ter falado uma palavra durante toda a manhã não ajudou as coisas.
Estava claro que tinham brigado. Ele se perguntou com um sorriso
sombrio o que os passageiros pensariam se soubessem o porquê.
Porque ele apostaria sua fortuna que eles imaginariam exatamente
o oposto da verdade.
Alex deitou a cabeça para trás e fechou os olhos. Sua cabeça
estava latejando e, apesar da chuva que estava batendo contra as
janelas na última hora, a carruagem estava incrivelmente quente e
abafada. Ele agradeceu a Deus por estarem quase em seu destino,
pois ele se sentia muito mal.
— Alex?
Ele ficou surpreso ao ouvir a voz de Céleste. Ela não tinha se
dirigido diretamente a ele o dia todo, na verdade percebeu que ela
não tinha falado, exceto para responder às perguntas idiotas
dirigidas a ela. Abrindo os olhos, ele viu preocupação em seus olhos
e escolheu-se quando sua mão fria tocou sua testa.
— Alex, você não está bem.
Ele abriu a boca para contradizê-la, mas sua garganta estava
dolorida e ele certamente sentia que a maldita diligência havia
passado sobre ele. Para seu espanto e desgosto, o homem
inteligentemente vestido do lado oposto era, como ele havia
adivinhado, um médico. Felizmente, ele ainda tinha consciência
suficiente para se recusar a ser atacado em uma carruagem pública,
mas uma vez que eles tivessem chegado ao próximo posto de
paragem, nem o médico nem Céleste seriam impedidos.
Ele foi forçado a submeter-se às atenções do bom médico
quando foram levados a um quarto na pousada, o que ele permitiu
sem vergonha alguma. Alex olhou em volta para outro quarto
decadente com apenas uma cadeira, uma cama, uma lareira e um
lavatório. Ele se jogou na cadeira e olhou para a roupa de cama
cinza com uma careta. Não era assim que gostava de ser
acomodado e ansiava pelos lençóis brancos translúcidos de sua
própria cama.
— Ele esteve doente recentemente?
Obviamente decidindo que, o fato de ele ter pegado uma leve
brisa, havia sobrecarregado o cérebro de Alex, o médico dirigiu sua
pergunta a Céleste. Alex abriu a boca para responder antes dela,
com medo de que ela dissesse demais, mas mais uma vez
descobriu que havia subestimado sua jovem protegida enquanto ela
falava em francês com sotaque agradável. Embora os tons de uma
senhora adequada só fizessem parecer que ele, a pessoa com a
aparência estranha, havia fugido com a filha inocente de alguma
boa família nas costas.
— Oui — disse ela. — Ele sofreu um acidente muito grave e
caiu de seu cavalo no rio. A queda em si não foi ruim, mas ele
quase se afogou e não o encontramos por horas. Ele estava muito
doente.
Céleste chamou sua atenção e ele levantou a sobrancelha para
ela, divertido enquanto ela desviava o olhar e estudava os dedos
dos pés.
— Mon Dieu! — exclamou o médico. — E quando foi isso?
— Na semana passada, monsieur.
— Na semana passada? — respondeu o perplexo médico, em
choque.— Mais, claro que ele está doente! É um milagre que ele
esteja acordado! Monsieur, você deve ter a constituição de um boi
— disse ele a Alex, com um muxoxo e balançando a cabeça em
desaprovação. Ele então lançou um olhar pensativo para Céleste e
limpou sua garganta. — Ahhh... — começou ele, parecendo um
pouco desajeitado. — Posso perguntar se monsieur tem dormido
bem?
Alex sufocou uma gargalhada ao ver o rubor aparecia nas
bochechas de Céleste.
— Não, não muito para ser honesto — respondeu ele,
encarando seu olhar com diversão.
O médico limpou sua garganta com clara desaprovação. —
Bem, eu suspeito de exaustão. Vou dar-lhe algo para ajudá-lo a
dormir e sugerir que você durma — acrescentou ele. — Vou instruir
a pousada a trazer um pouco de sopa para você antes de se deitar
e a colocar uma cama dobrável no quarto para que sua... esposa,
durma sem perturbá-lo.
A palavra “esposa”, ele observou, foi falada com tamanha
descrença, e se ele tivesse tido mais energia, o homem teria sido
punido por causa do lado afiado de sua língua, apesar do fato de
que ele estava inteiramente certo.
Enquanto isso, Alex observava como o homem derramava um
gole de algo em um pequeno copo e colocou-o ao lado da cama.
— Merci, monsieur — respondeu ele, esperando que o bastardo
presunçoso não os cobrasse muito. Pelo menos ele teria uma noite
de sono sem Céleste para atormentá-lo.
— De nada — respondeu o médico, que então se inclinou para
falar. — Embora eu não possa deixar de sentir que tenha merecido
o que recebeu. — Ele se endireitou, olhando para Céleste, que
corou de fúria, pois suas palavras tinham sido perfeitamente
audíveis para ela.
— O que você está sugerindo, monsieur? — perguntou ela,
enquanto o médico dava um passo apressado para trás ao ver a sua
expressão. — Você acha que esse homem se aproveitou de mim, é
isso?
Ela avançou pra cima do médico que abriu e fechou a boca
quando a visão, que de fato parecia uma senhorita perdida e
assustada apenas alguns momentos atrás, transformou-se mais
uma vez no furioso gato infernal que Alex bem sabia que ela era
capaz de se tornar. À medida que sua raiva crescia, seu francês se
tornava mais rápido e Alex decidiu que realmente teria que melhorar
o seu se quisesse acompanhar o que estava sendo dito.
— Esse homem é meu marido e ele é um homem bom e
honrado. Você não tem ideia de quão honrado! — acrescentou ela,
e Alex sentiu culpa diante da ligeira emoção em sua voz. — Como
você se atreve a insinuar tal coisa! Eu exijo que você peça
desculpas a ele.
O médico piscou e virou-se para Alex. — Peço desculpas se
causei alguma ofensa, monsieur. Por favor, não se preocupe com a
conta. Desejo-lhe uma rápida recuperação.
— Desculpas aceitas — respondeu Alex, e observou com
diversão enquanto sua pequena “furiosa” conduzia o pobre homem
porta afora, batendo-a atrás dele.
Ela continuou a murmurar para si mesma, uma ladainha baixa e
raivosa de francês incompreensível, extremamente escandaloso
com um fluxo inventivo de palavrões enquanto arrumava a cama e
atiçava o fogo. No momento em que ela se ajoelhou na frente dele
para ajudá-lo a remover suas botas, seu humor parecia estar
melhor, e ele ficou surpreso quando ela segurou sua mão e
pressionou-a em sua bochecha corada.
— Perdoe-me — desabafou ela, de repente e ele ficou alarmado
ao olhar para baixo e ver tanta angústia em seus olhos.
— Por que diabos deveria? — perguntou ele.
— Isso tudo é culpa minha — disse ela. — Se eu não tivesse te
deixado com tanta raiva... Por favor, Alex, por favor, me perdoe. Não
me deixe aqui sozinha. Prometo que vou me comportar e não vou
mais provocá-lo.
— Que diabo lhe deu essa noção tola? — perguntou ele, mas
ela colocou a cabeça em suas mãos e se recusou a olhar para ele.
— Céleste, escute aqui. — Ele se inclinou para a frente e colocou a
mão sob seu queixo até que ela olhou para ele. — Estou um pouco
indisposto. Sabe, você estava certa em me repreender por andar
por tanto tempo na noite passada. Eu não me sentia bem naquela
hora.
— Oui. — Ela assentiu, seus grandes olhos azuis cheios de
culpa. — E se você não tivesse medo de ir para a cama, não teria
feito isso, certo? — Ela balançou a cabeça, e seu coração doeu ao
vê-la parecer tão infeliz. — Eu prometo que vou me comportar, Alex.
Eu não vou... eu não vou...
Ela encolheu os ombros parecendo totalmente miserável e Alex
sorriu.
— Ma mie, eu estou muito bem, nada que uma boa noite de
sono não cure, e você tem a minha palavra de honra. — Ele pegou
as duas mãos dela nas dele e olhou-a nos olhos para que ela
soubesse que estava falando sério. — Eu nunca vou abandoná-la.
Você está segura, como prometi, nunca precisa temer isso. — Ela
fungou e assentiu, tentando sorrir para ele, embora o sorriso não
chegasse aos seus olhos. — E seremos amigos, você e eu.
Ele observou enquanto ela assentia com a cabeça novamente.
— Amigos — repetiu ela, com a voz abafada. — Oui, Alex, seremos
amigos.
Ela se levantou e atendeu uma batida na porta, aceitando uma
bandeja com uma tigela de sopa consistente e algumas baguetes.
Ele comia, observando-a com tristeza. Ela não queria descer e
comer sozinha, dizendo que tinha comido demais ontem e não
estava com fome, e se recusava a compartilhar com ele. Uma vez
que o pequeno palete foi instalado para ela dormir, viu-o tomar o
remédio que o médico havia receitado, e então ela se deitou
sozinha.
Alex olhou do outro lado do quarto para a ligeira figura enrolada
sob o cobertor e suspirou. Ele nunca havia sentido falta dos dias de
sua juventude. Até a semana passada, sempre esteve em forma e
forte, sabia que ainda atraía mulheres sem nenhum problema, e,
embora não fosse um homem vaidoso, também sabia que era bonito
e atraente.
No entanto, embora estivesse longe de estar senil, quando
colocado ao lado de sua juventude, sentia-se velho e, de alguma
forma, culpado pela infelicidade da garota. Mas ele não podia
permitir que ela acreditasse que poderia haver mais do que amizade
entre eles. De fato, ela deveria considerá-lo uma figura paterna. Ele
sabia que era provável que, uma vez que essa aventura tivesse
ficado para trás e ela estivesse estabelecida em uma nova vida,
seria assim que ela viria a considerá-lo. Esses dias seriam
esquecidos ou lembrados com constrangimento e vergonha, e ele
seria relegado ao status de gentil guardião. Deus o ajudasse, mas a
ideia fez seu coração doer e ele se perguntou como iria suportá-la.
***
Quando Alex acordou na manhã seguinte, Céleste já havia
deixado o quarto. Ele se lavou e se vestiu, descobrindo, para seu
alívio, que se sentia muito melhor do que no dia anterior. Talvez não
o seu velho eu, pensou, e depois fez uma careta, velho. Raios o
partam.
Ele desceu as escadas para descobrir que ela já havia comido,
e comeu sua própria refeição com pressa, ansioso para ver como
ela estava aquela manhã. Caminhando até o lado de fora em um dia
brilhante e ensolarado, passou pelos cavalariços segurando os
muitos cavalos que carregavam a pesada diligência, exortando-os a
entrar em seus arreios enquanto batiam e jogavam suas cabeças.
Os campos ao redor da pousada eram espessos com geada e uma
névoa baixa se arrastava sobre eles, dando à terra uma qualidade
etérea sob o sol do inverno, enquanto a grama congelada brilhava,
triturando sob suas botas. Ele encontrou Céleste debruçada sobre
uma pastagem cercada, conversando com um pônei gordo que
estava se submetendo às suas carícias com um olhar de felicidade
apreciativa.
Ela se virou quando ouviu seus passos se aproximando, e Alex
se viu perturbado pela quietude de sua saudação. Em pouco tempo,
acostumou-se com a maneira como seus olhos se iluminaram
quando ela o via. Alegrava seu coração e, sim, inflava seu ego. E
como ele sentia falta daquilo.
— Você está pronta para partir? — perguntou ele, sabendo que
ela estava, pois ele tinha visto sua mala empacotada, mas sem
nada mais para dizer.
— Oui, Alex — disse ela, e se afastou do pônei, pegando o
braço oferecido enquanto ele a levava de volta para a carruagem.
***
Mais três dias e noites se passaram. Eles ainda compartilhavam
uma cama, pois suas finanças estavam diminuindo, mas dormiam
de costas um para o outro, e Céleste manteve sua palavra. Ela não
flertava mais com ele, ou se inclinava sobre ele, procurando uma
carícia ou um abraço. Seus olhos permaneciam abatidos e ela sorria
menos. Ela nunca ria.
Era para o melhor, disse ele a si mesmo. Ela era doce com ele,
assim como todas as jovens, era apenas uma paixonite. Passaria
em breve e, quando acontecesse, se sentiria aliviado por ter lidado
com aquilo sem fazer de si mesmo um maldito tolo. Pois, assim, ela
o esqueceria com a facilidade insensível de um coração jovem, se
ele se permitisse preocupar-se...
Ele simplesmente não podia arriscar.
Mas ela não falava mais, a menos que ele falasse com ela, e ele
sentia falta de conversar com ela, até mesmo sentia falta de suas
broncas, e ele odiava ver o brilho desaparecer de seus olhos.
Foi só quando chegaram à estalagem naquela noite que ela
falou com ele.
— Onde estamos, Alex? — perguntou ela, olhando para a
paisagem ao redor da pousada com curiosidade.
— Estamos em Morbihan — respondeu ele, simplesmente
aliviado por ter sido abordado, mas se perguntando por que ela
perguntou.
Ela respirou fundo e ele sentiu seu coração disparar quando ela
se virou para sorrir para ele, um sorriso verdadeiro e genuíno que
fez ele prender o fôlego em resposta.
— É daqui que vem a minha família — exclamou ela, e ele olhou
para ela surpreso. Nunca lhe ocorrera que ela não tinha nascido e
crescido em Roscoff. Ela estava olhando em volta com excitação e
correu para o cavalariço que estava ocupado desamarrando os
cavalos cansados.
— Monsieur, desculpe-me, mas estamos perto de Allaire?
— Oui, mademoiselle — respondeu o homem, sem olhar para
cima. — Talvez seja uma hora a pé por ali — acrescentou ele,
apontando para uma estrada que levava para o lado oposto da
pousada.
— Oh — disse ela, com um suspiro que ilustrava muito
claramente sua decepção. — Eu gostaria muito de visitar.
Alex sorriu, era maravilhoso demais vê-la feliz novamente,
embora um pouco melancólica. — Bem, é tarde demais esta noite,
ma mie. Estará totalmente escuro em breve, mas talvez amanhã? —
Ela olhou para ele com espanto.
— Mais, não vamos ter tempo antes que a carruagem saia.
Alex encolheu os ombros, sabendo que ele estava sendo tolo,
eles realmente não podiam arcar com a despesa extra, mas... —
Haverá outra carruagem se isso significa tanto para você.
— Oh! — Por um momento, ela se esqueceu e correu para ele,
abraçando-o com força e beijando seu rosto, aparentemente antes
de lembrar que havia prometido não se comportar de tal maneira.
Ela corou e seus olhos abaixaram. — Perdoe-me, Alex, eu esqueci.
Mas eu agradeço muito. Significa muito para mim.
Ela se virou e se afastou dele, e ele amaldiçoou sua própria
estupidez. Ela estava se comportando exatamente como deveria,
como ele esperava que ela fizesse. No entanto, ele sentia falta dos
abraços repentinos e da maneira como ela enfiava a mão na dele,
como se ele não percebesse. Bom Deus, como ele era um tolo.
Capítulo 9
“No qual uma cortina é aberta para revelar o passado, e uma
história trágica e uma condessa solitária vêm à tona.”

— Você nunca me disse nada sobre sua família — comentou


Alex, enquanto caminhavam pela pista que levava a Allaire, no início
da manhã seguinte. Os campos estavam pesados de orvalho, mas,
pelo menos não havia geada, e contornavam as poças que enchiam
o caminho marcado e coberto de vegetação.
Céleste olhou para ele e, rapidamente, desviou o olhar. Ele
sentiu que havia algo preocupando-a hoje. Ela estava claramente
animada para ver onde sua mãe havia nascido, mas ele sentiu que
havia mais do que isso. Ela estava nervosa; ele podia ver a
ansiedade em seus olhos e a tensão em sua postura. Ele parou no
meio do caminho, forçando-a a se virar e olhar para ele.
— Você não vai me dizer o que está errado, ma mie?
Ela balançou a cabeça e sorriu para ele, embora o sorriso não
chegasse aos seus olhos. — Não há nada de errado.
— Você não confia mais em mim? — perguntou ele, tolamente
incapaz de manter a tristeza afastada de sua voz.
Ela franziu a testa para ele e colocou a mão em seu braço. —
Claro que confio em você, Alex! Como eu não o farria? Você é a
única pessoa em quem confio no mundo todo, cerrtamente sabe
disso, não é?
Ele sorriu e assentiu, mas não pôde deixar de observar que era
o único amigo que ela tinha no mundo também.
Eles continuaram caminhando, passando por pequenas casas
de pedra de vez em quando e uma fazenda ao longe com vacas,
mugindo. Ninguém estava à vista, e Céleste não parecia inclinada a
parar, então ele assumiu que ela estava andando com algum
destino específico em mente. Eles continuaram por mais meia hora
até que uma grande e bela construção surgiu na frente deles. Era
evidente seu mau estado, sem dúvida uma vítima da Revolução, ou
da guerra que se seguiu. Era um castelo, construído no estilo de um
grande solar com um pátio e uma capela, e cercado por um muro.
— Que lugar lindo — observou Alex, com sinceridade. Era um
cenário idílico e o edifício em si tinha um grande charme, cheio do
romance de tempos passados. Ele olhou em volta e viu os olhos de
Céleste cheios de lágrimas.
— Ma mie? O que foi, mignonne? — perguntou ele, alarmado.
Apesar de todas as suas melhores intenções, ele estendeu a mão e
pegou na dela, apertando-a suavemente. — Céleste, você não vai
me dizer o que há de errado? — Ele olhou em volta para o castelo e
finalmente entendeu. — É aqui que sua mãe nasceu?
Ela assentiu, aparentemente emocionada demais para falar, e
Alex imaginou que talvez sua mãe tivesse trabalhado aqui, mas
então a Revolução veio e bagunçou a vida de todos.
— Eles tiverram que fugir, durante La Terreur. Eles nunca mais
virram este lugar.
— Eu sinto muito — disse ele, estendendo a mão e acariciando
sua bochecha, antes que pudesse considerar suas ações. Ela
fechou os olhos, inclinando-se na direção de seu toque e, então,
pareceu se lembrar de que isso não era mais permitido, e afastou-se
dele.
— Você acha que poderríamos entrar? — perguntou ela,
olhando para o prédio com tanta saudade que apertou seu coração.
Ele olhou para o castelo com suas janelas quebradas e ar de
decadência. Estava obviamente abandonado e não havia ninguém
ali, então...
— Por que não? — respondeu ele, sorrindo, e segurando a mão
dela na sua, ele a puxou para trás dele, buscando uma entrada.
Eles circularam a construção e Alex encontrou onde parte do muro
alto havia sido destruído, deixando uma pilha de escombros e um
grande buraco. Ele ajudou Céleste a escolher o caminho com
cuidado até que ela tropeçou, e depois ajudou-a a levantar, e como
ele gostava da sensação de tê-la junto de si não permitiu-se
demorar, ou puxá-la para mais perto quando ele a colocou em pé
novamente.
Enquanto ele a observava correr de cômodo vazio em cômodo
vazio, sentiu-se feliz por ter prolongado sua jornada, e não se
importava com a despesa. Ele a carregaria pelo resto do caminho
até sua casa, se necessário. Valia a pena ver o prazer em seus
olhos em descobrir o lugar que seus pais chamavam de lar.
Eles subiram a escada com cuidado, atentos a madeiras podres,
mas tudo parecia bom o suficiente, e chegaram ao próximo andar
sem percalços. De repente, Céleste ficou em silêncio mais uma vez
e sentiu a mudança pairar sobre ela quando entrou em um quarto
grande e iluminado. O sol estava brilhando e ele podia imaginar
como ela devia ter parecido uma vez, enfeitada em toda a sua
elegância.
— Este era o quarto da minha mãe — sussurrou ela.
Alex franziu a testa e olhou em volta. Este era claramente o
quarto mais grandioso, mas ele não disse nada. Se tinha sido ou
não, contanto que trouxesse conforto para ela ver o quarto de sua
mãe, então, melhor ainda.
— Veja. — Céleste apontou pela janela. — Maman disse que
você podia ver o lago e sobre o pátio. Oh, oui, e, olhe, é aí que a
fonte ficava e... — Ela parou e se virou para ele, sorrindo. — Maman
disse que ela esculpiu as iniciais dela e do papa juntas, na primeira
vez que ele a beijou! — Ela correu através do quarto até uma porta
de carvalho que claramente levava a algum tipo de guarda-roupa e
abriu-a, passando as mãos sobre a madeira velha e caindo de
joelhos para procurar ao fundo, até que ela gritou de prazer. —
Voilà!
Alex atravessou a sala para olhar as iniciais esculpidas com
profundidade na madeira e franziu a testa enquanto juntava as
peças e, com o coração batendo forte, perguntou a Céleste.
— Qual era o nome da sua mãe, mignonne?
Ele pôde ver trepidação em seus olhos e, então, ela levantou o
queixo, parecendo quase desafiadora enquanto falava.
— Ela foi Louise-Marie de Lavelle. — Céleste esperou em
silêncio, e ele sentiu que ela estava esperando que risse ou
dissesse que ela deveria estar enganada, mas ele estendeu a mão
para baixo e a levantou novamente.
— E então... — instigou ele. — Você é...
— Célestine de Lavelle — sussurrou ela. — La Comtesse de
Valrey.
Por um momento ele olhou para ela com espanto, certamente
ela estava sonhando acordada? Mas então ele começou a juntar
tudo o que parecia tão incomum sobre uma garota que havia
nascido na sarjeta. De repente, sua mente educada, sua
compreensão do inglês, seu vocabulário e o sotaque bonito fizeram
sentido. Ele se curvou para ela e levantou sua mão até os lábios
com grande solenidade.
— Enchanté, comtesse, é uma honra conhecê-la.
Ele olhou para ela e encontrou seus olhos brilhando. — Você
acredita em mim? — perguntou ela, com a voz baixa e trêmula. —
Não acha que eu inventei isso?
Alex balançou a cabeça. — Você nunca faria uma coisa dessas.
Você é honesta demais para o seu próprio bem.
— Só com você — sussurrou ela, corando um pouco, e ele riu
em resposta, inexplicavelmente satisfeito.
— Ainda bem — respondeu ele. — Então — acrescentou ele,
olhando em volta para o encantador e antigo castelo. — Esta é a
sua casa.
Parecia apropriado de alguma forma, o lugar havia sofrido e
perdido muito no curso da guerra e do conflito, mas não havia
perdido nada de sua beleza.
Ela deu de ombros e se afastou dele. — Não, nunca foi minha,
eu nunca a vi antes de hoje, embora eu tenha semprre imaginado.
Maman costumava falar sobrre aqui — disse ela, soando
melancólica. — Mas eu sou apenas Céleste, não Célestine, nascida
em uma espelunca em Roscoff, não um castelo em Allaire, e
trrabalhando em um prrostíbulo. — Ela deu de ombros, um gesto tão
desesperado que ele queria mudar o passado para ela, bem como o
futuro. — Tudo se foi agora, e não faz sentido desejar que fosse de
outra forma. — Ela se virou e olhou para ele com tanta saudade em
seus olhos que ele precisou de todas as forças que possuía para
não atravessar o quarto e tomá-la em seus braços. — Eu já desejei
muitas coisas durrante a minha vida, mas... — Ela se afastou e suas
palavras eram quase inaudíveis. — Elas nunca vieram até mim.
Alex sabia que ela estava falando dele, e seu coração disparou
e doeu. Era uma tolice impossível de acontecer, e algo que ela
perceberia que seria melhor para ela com o tempo; mas o título, a
sua casa, tudo o que perdera... ele poderia fazer algo a respeito.
Isso ele poderia mudar.
— É seu direito de nascença, Céleste, se você é
verdadeiramente a comtesse, então isso pertence a você. — Ele
aproximou-se um pouco dela. — Diga-me, você tem alguma
evidência, qualquer coisa que valide sua afirmação?
Ela assentiu. — Tenho uns papéis, Marie me deu antes de
morrer. Ela disse que eles provam quem eu sou.
Ele sorriu e estendeu a mão, segurando as mãos dela entre as
suas. — Então eu prometo que vou devolver este lugar para você.
Pode demorar um pouco, mas certifique-se... — acrescentou ele,
desviando o olhar e franzindo a testa enquanto considerava tudo
envolvido em tal tarefa. Ele se virou para trás e a encontrou
observando-o.
— Eu não preciso de um Château, Alex — disse ela, com a voz
suave.
Ele suspirou e balançou a cabeça não fingindo entender mal o
significado dela, o olhar suave em seus olhos era muito fácil de ler.
— Eu sou velho demais para você, ma mie. Muito velho e muito
infame — disse ele em tom de brincadeira e tentou rir, mas
descobriu que não conseguia. — Eu quero que você tenha tudo,
mignonne. Você teve uma vida tão difícil. Quero apenas que o resto
seja tudo o que você merece.
Ela se aproximou dele e estendeu a mão, com um gesto
hesitante e inseguro enquanto colocava a mão sobre o coração
dele. — Mas eu só quero você — disse ela, com a voz baixa e
lacrimosa.
Ele sorriu, embora seu coração se sentisse apertado, e com
força, como se estivesse preso em uma braçadeira de ferro.
— Você está dizendo isso porque eu sou tudo o que você tem
agora — disse ele, com a voz firme, tanto para repetir o sentido
disso para si mesmo quanto para ela. — Mas, uma vez que você
tome o seu lugar de direito no mundo, estará cercada por jovens
bonitos, todos desesperadamente apaixonados por você e se
jogando aos seus pés. E, então, ficará aliviada por não ter se
amarrado a um velho sem graça antes mesmo de ter colocado um
pé fora da porta de sua experiência.
— Você não é velho — protestou ela, irritada, e ele sorriu de
verdade, satisfeito, de qualquer forma, por ela considerá-lo assim.
— E quantos anos você tem, Céleste? — perguntou ele, quase
odiando ouvir a resposta.
Ela franziu a testa como se estivesse calculando. — Vou fazer
dezenove anos em... três semanas.
— Ah, pois bem, devemos comemorar — disse ele, forçando
outro sorriso. — Mas eu tenho trinta e seis anos, quase o dobro da
sua idade, quase vinte anos mais velho! Pense em quão decrépito
eu estarei daqui a dez anos, quando você ainda tiver apenas vinte e
nove. — Ele fez pouco caso, embora seu peito se sentisse apertado
com o esforço, mas ela bufou e balançou a cabeça.
— E daí? — respondeu ela, deixando cair a mão que repousava
contra em seu peito. — Eu me importo isso aqui com esses jovens
— disse ela, juntando os dedos indicador e polegar. — E eu sei que
você não ficará decrépito — disse ela, lançando um olhar
apreciativo sobre ele que fez seu sangue esquentar sob sua pele. —
Você ainda estará forte, em forma e... — Ela suspirou e balançou a
cabeça, afastando-se dele. — Ah, Alex. Se eu soubesse que você
me quisesse, lutaria por você. Mas eu não quero deixá-lo com raiva
novamente.
Alex fechou os olhos e ficou feliz por ela ter se afastado dele,
pois se ela tivesse olhado naquele momento, teria visto muito
claramente o quanto ele a queria.
— Eu nunca fiquei com raiva, mignonne, mas não está certo, e
eu não vou deixar você cometer tal erro. Além disso, você é la
condessa de Valrey, e está muito acima das minhas humildes
ambições.
Ela bufou de nojo. — Non, eu sou só Céleste, é só um nome e
um que nunca foi meu. Eu não me importo com isso, apenas que eu
prometi a Marie que eu deveria recuperá-lo um dia.
— E assim você o fará — disse ele, sorrindo para ela. — Conte-
me sobre Marie — pediu ele, desesperado para levar a conversa
para um terreno mais seguro antes que sua resolução
desmoronasse.
— Marie era a criada da minha mãe — disse ela, olhando para a
vista encantadora de colinas suaves, de campos e bosques
verdejantes além da janela. Alisando a grande pedra áspera que
rodeava a janela, ele imaginou que ela viu sua mãe de pé
exatamente no mesmo local em que conversavam.
— Ela fugiu com meus pais. Eles receberram a notícia de que as
autorridades estavam vindo buscá-los e, então, eles fugirram. Papa
se juntou ao exército sob um nome falso e, assim, eles se
esconderram de madame la Guillotine. Por um tempo, acho que as
coisas não forram tão ruins; mas quando eu tinha oito anos, papa foi
morto e maman tentou seguir em frente, mas... — Ela encolheu os
ombros, embora não houvesse lágrimas, apenas os fatos duros de
uma vida com a qual ela se acostumara. — Pobre, maman — disse
ela. — Ela nasceu para ser bonita e ter coisas adorráveis e ser
adorrada. O novo mundo era feio demais parra ela, e quando papa
foi embora... ela não querria ficar com todas as coisas feias, foi,
então, que ela se matou. Depois disso, érramos apenas eu e Marie.
— Oh, meu Deus, Céleste — sussurrou ele, horrorizado que as
coisas tinham sido muito piores do que temia. Ele não sabia o que
dizer e estava com muito medo de que, se fizesse um movimento
em direção a ela, ele a tomaria em seus braços e todas as suas
boas intenções teriam sido em vão. Mas Céleste apenas encolheu
os ombros novamente, como se fosse de pouca importância.
— É assim que as coisas são.
— Seu pai — perguntou ele, com apreensão, embora soubesse
o que ela diria. — Como ele morreu?
— Na guerra, baleado em alguma batalha com os ingleses, não
sei onde.
— Céleste — disse ele, sentindo-se impotente. — Sinto muito,
meu Deus, é um milagre que você não me odeie.
— Por quê? — Ela olhou para ele surpresa. — Você não o
matou, Alex.
— Não — disse ele, com a voz cautelosa. Ele não queria ser tão
explícito, mas também não mentiria para ela. — Mas eu lutei nas
guerras contra o seu país.
Ela lhe lançou um sorriso triste e assentiu. — E milhões de
outros também. Você não matou papa, e ele não matou os homens
que lutarram ao seu lado. Imperradores, reis e generrais, essas
pessoas fazem guerras e colocam armas nas mãos das pessoas.
Você defendeu seu país como meu pai defendeu La France, e isso é
tudo.
Ele se sentiu humilhado por essa visão, por ela aceitar a parte
de seu país no conflito que lhe causou tanta dor, e não conseguia
encontrar palavras para expressar como se sentia. Ele sabia muito
bem que, se dissesse a ela o que estava em seu coração, falaria
demais, e, por isso, não disse nada.
Capítulo 10
“No qual sonhos e fantasias trazem prazer e dor em igual medida.”

Céleste fez o caminho de volta para baixo deslizando pela


grande escadaria, e imaginando sua mãe descendo com um vestido
lindo, envolto em joias, com seu pai esperando por ela. Ele estaria
bonito e bem-vestido, olhando para maman com adoração, como
sempre fazia. Até a última vez que se despediu delas.
Ela se perguntou como teria sido a vida se tivesse nascido aqui.
Seria realmente tão idílica quanto parecia em sua mente? Claro que
não, era apenas um sonho bobo, ela sabia disso. A vida era dura, a
vida empurrava e puxava você para um lado e para o outro, e tirava
tudo, se você não se segurasse o máximo que pudesse.
Ela lançou um olhar de volta para Alex e ficou sem fôlego. Ele
estava descendo as escadas e parecia muito mais um nobre do que
ela jamais se pareceria com uma comtesse. Ela sorriu, acreditando
que poderia imaginá-lo como um bravo cavaleiro dos velhos contos
de cavalaria e batalhas. Ele era tão alto e musculoso, com aquele
cabelo preto grosso e aqueles olhos cinza-escuros que poderiam
ser tão duros e intimidantes para aqueles que detestava, mas ele
nunca olhou para ela assim. Quando olhava para ela, suas feições
duras suavizavam, aquela boca que parecia ser cruel se curvava em
um sorriso que parecia ter sido feito apenas para ela, e ela sentia
suas entranhas derreterem e sua pele doer de saudade.
Ela achava que ele sorria daquela maneira para ela, porque ele
a desejava tanto quanto ela o desejava, mas ela podia ver agora
que estava errada. Ele pensava nela como uma criança boba,
alguém para ser mimada, acariciada e mantida em segurança. Sua
reação aos avanços desajeitados dela na outra manhã ilustrou isso
claramente. Ele estava tão zangado com ela. Ela nunca mais queria
vê-lo zangado com ela daquele jeito. O dia inteiro tinha ficado
aterrorizada, convencida de que ele partiria à noite e ela acordaria e
descobriria que ele tinha ido embora. Ela nunca mais arriscaria isso.
Melhor amá-lo de longe do que não vê-lo nunca mais.
Eles entraram em um grande salão, e ela se lembrou dos contos
de sua maman sobre os bailes extravagantes que haviam sido
realizados, da dança e do riso, dos belos vestidos, do vinho e da
comida... Tudo parecia tão improvável, tão longe de suas próprias
experiências, que poderia muito bem ter sido um conto de fadas.
— Posso?
Ela se virou com uma carranca e viu Alex sorrindo antes de
executar um arco muito elegante e estender a mão para ela.
— Não estou entendendo — respondeu ela, perplexa.
— Bem — disse ele. — Este é um salão de baile, não é?
Devemos dançar, é o mais apropriado.
Ela riu, surpresa com sua ideia fantasiosa, parecia tão fora de
contexto. — Mas não há música...
Ele deu de ombros e pegou a mão dela, aparentemente não
permitindo protestos.
— Não importa.
Mas ela tinha um problema que importaria. — Alex, e-eu não sei
como — respondeu ela, corando e se sentindo tola.
— Muito bem, então — disse ele, com um tom de fato que a
deixou à vontade mais uma vez. — Já é hora de alguém te ensinar.
Então você pega minha mão, e nós ficamos lado a lado, assim... e
então damos dois passos à frente e nos levantamos nos dedos dos
pés. Em seguida, dois passos para trás novamente, e na ponta dos
pés. — Ela o observava e copiava seus movimentos. — E agora
pegue na minha mão, e vire-se, assim... e...
Ela o observava fascinada, movendo-se da maneira que ele
indicava, e saboreando cada toque de sua mão contra a dela, e
mais especialmente o deslizar de sua mão em torno de sua cintura.
Às vezes, eles caminhavam um em direção ao outro, tão perto que
ela quase podia beijá-lo e, em seguida, ele recuava novamente ou
passava por ela, deixando-a sem fôlego. Ele se movia com tanta
graça, e ela se sentia desnorteada por ele.
Como seu contrabandista havia aprendido a se mover assim?
Que tipo de vida ele levava? Ela estava desesperada para
perguntar, mas não queria quebrar o feitiço que parecia ter sido
lançado entre eles à medida que os passos se tornavam familiares e
ela se movia naturalmente, sem a instrução dele. Ele sorriu para ela,
aparentemente encantado com sua habilidade e ela se deliciou com
sua aprovação, tão feliz por tê-lo agradado após a tensão dos
últimos dias. Mas aquilo acabou cedo demais e ele pareceu se
lembrar disso. O ar um pouco mais distante e formal que ele agora
adotava parecia se estabelecer sobre ele como um manto,
lançando-a para fora no frio novamente e tirando o calor de seu
sorriso dela.
— Você deve estar com fome — observou ele, estendendo o
braço para ela. — Deveríamos voltar.
Ela assentiu, permitindo que ele colocasse a mão em seu braço,
e o seguiu. Ele parou na porta para permitir que ela olhasse ao
redor, e ela olhou para ele, esperando que ele pudesse ver a
gratidão em seus olhos. — Mille mercis, Alex, por me trrazer aqui,
eu nunca vou esquecer isso.
— Você estará de volta, ma mie, em breve — disse ele.
Ela sorriu e assentiu, não porque acreditasse, parecia muito
improvável, mas porque ela queria agradá-lo, porque ele queria isso
para ela. Ela não se importava tanto assim com a casa. Sim, era
extravagante, bonita e ela a adorava, mas tinha sido construída e
usado por uma família rica e ela não tinha nada e, provavelmente,
nunca teria.
Independentemente dos pensamentos de Alex sobre o assunto,
a ideia de encontrar seu caminho e um homem que a amasse,
fazendo-a se sentir de alguma forma valorizada por algo diferente
de seu rosto, era improvável. Estava muito além de qualquer coisa
que ela acreditasse que a vida real poderia entregar a ela. E, no
entanto, quando Alex olhou para ela, quando ele falou com ela e
perguntou sua opinião, ela sentiu que realmente existia, que o que
ela dizia tinha um valor, que ela importava para algo mais do que
luxúria ou paixão fugaz.
Alex a fazia ver o mundo de forma diferente e a acreditar que
talvez houvesse algo melhor para ela, mas mesmo ele não poderia
fazê-la confiar no destino ou na fortuna, pois ele negaria a ela tudo o
que realmente desejava. Pois ela sabia agora, sem dúvida em sua
mente, que o amava e que sempre o faria.
Eles voltaram para fora e o sol estava quente, depois do frio do
antigo edifício de pedra.
— Enviei uma mensagem ao meu irmão esta manhã, instruindo-
o a enviar uma carruagem e dinheiro. Espero que esteja conosco
em uma semana, se não houver percalços — disse ele, sorrindo
para ela. — Então podemos voltar aqui de novo, se você quiser.
Ela fez uma pausa, sem saber o que dizer. Na verdade, embora
estivesse tão feliz por tê-la visto, a velha casa a deixava
melancólica. Mas se isso significava tempo gasto sozinha com Alex,
talvez dançando com ele novamente... — Eu gostaria muito disso.
Ele assentiu e eles ficaram em silêncio por um tempo enquanto
seguiam até a pousada.
— Eu pensei, enquanto estávamos aqui, que talvez eu possa
fazer algumas perguntas discretas, ver se talvez alguém de sua
família ainda está vivo...
Ela ofegou e balançou a cabeça horrorizada. — Non — disse
ela, enquanto o medo deslizava por sua coluna. — Non, por favor,
não faça isso!
Ele franziu a testa para aquela súbita explosão. — Mas por que,
Céleste? Você não quer conhecer sua família?
Ela balançou a cabeça, sentindo lágrimas espetarem seus
olhos. — E por que eles iriam querer conhecer alguma garota que
nasceu na imundície e viveu lá a vida toda? Non, Alex, eles vão
zombar de mim, e... eu... non — disse ela novamente, sentindo-se
bastante aterrorizada com o julgamento de pessoas que poderiam
compartilhar a mesma linhagem, mas não tinham compreensão do
que sua vida tinha sido.
— Céleste — disse ele, parecendo verdadeiramente chocado e
pegando suas mãos. —, eu não quero apresentá-la a eles esta
semana. Isso só acontecerá se você quiser, quando estiver pronta.
Mas deixe-me assegurar-lhe que eu nunca, nunca deixaria ninguém
menosprezá-la ou fazê-la infeliz. Eles não terão conhecimento do
seu histórico, exceto o que decidirmos dizer-lhes, e garanto-lhe que
lidarei severamente com qualquer um que faça você se sentir de
alguma forma indesejável. E acredite em mim, eles certamente
nunca zombarão de você.
Havia tanta força em sua voz, tal certeza, que ela não podia
duvidar dele, embora como um homem que era um contrabandista
poderia lidar com a nobreza estava além da sua compreensão. Mas
ele acreditava nisso, e ela acreditava nele e, então, ela suspirou e
assentiu com a cabeça. — Como você deseja então, Alex. Eu confio
em você.
***
A semana passou rápido demais para Céleste. Ela tinha a
sensação de que as coisas mudariam quando chegassem à casa do
irmão de Alex. E, assim, saboreou cada momento de seu tempo
com Alex. Eles iam para a casa todos os dias e Alex insistia que ela
fizesse planos de como o lugar ficaria quando ela o tivesse
renovado. O que estava além de sua compreensão, é claro.
Mesmo que ele conseguisse recuperar seu título e propriedade,
o dinheiro teria desaparecido há muito tempo, ela não tinha dúvida.
Mas parecia agradá-lo ouvir como ela renovaria o lugar do jeito que
quisesse, e assim ela o satisfazia. Lembrou-se de todos os detalhes
que sua mãe lhe contara e criou um pouco mais, como se estivesse
inventando um mundo de fantasia. De fato, quanto mais ela
inventava e ele ouvia – aparentemente com toda a seriedade – seus
planos, ela quase podia acreditar que seria capaz de entrar nos
quartos, assim como ela os havia descrito para ele.
Ela sabia também que ele tinha começado a fazer perguntas por
aí sobre o que tinha acontecido com a família, para onde eles
tinham ido, se alguém ainda estava vivo... Ele nunca lhe contou os
resultados de suas investigações, assumindo, com razão, que o
conhecimento a deixaria ansiosa. E, assim, ela o deixou fazer o que
quisesse, mas não tinha expectativa de que tivesse algum resultado.
A família deles não tinha sido extensa, essa parte ela sabia. Maman
era filha única e papa tinha dois irmãos, mas um certamente havia
morrido na Guilhotina e o outro papa acreditava estar morto.
À noite, eles comiam juntos e conversavam sobre muitas coisas.
Ela descobriu que Alex era bem estudioso e ela ouvia com fascínio
tanto as histórias que ele tinha aproveitado quanto os contos de sua
própria vida e lugares que ele tinha visto. Ele se juntou à marinha
inglesa em uma idade muito jovem e tinha visto grande parte do
mundo, até que foi ferido na batalha de Trafalgar, um duro golpe na
cabeça que o deixou inconsciente por muitos dias.
Em seguida, foi mandado para casa para se recuperar. E a casa
ficava na Cornualha, um lugar selvagem e bonito como ele
descreveu, e um lugar que ela desejava conhecer. Não só porque
era um lugar que ele claramente amava, mas também porque sua
descrição do litoral acidentado e das belas aldeias que se sentavam
amontoadas no abrigo dos penhascos, despertou sua imaginação.
Ele contou-lhe sobre os homens com quem trabalhara e suas
aventuras no mar, fugindo sempre da Receita e trazendo seda,
renda, chá, conhaque e tabaco para o país. Eles forneciam às
pessoas de toda parte luxos que nunca teriam proporcionado sem
os cavalheiros do livre comércio.
Ela percebeu que ele não falava de um pequeno
empreendimento, mas de algo grande e bem-organizado, com
muitas pessoas envolvidas e grandes quantidades de transação.
Isso explicava a qualidade de suas roupas e sua maneira de falar e
lidar com aqueles ao seu redor, como se ele esperasse obediência
imediata e não aceitasse nada menos que isso. Ela havia notado
que, embora ele parecesse um pouco maltrapilho e pobre, as
pessoas pulavam para fazer o que ele mandava, simplesmente
porque ele não tinha dúvida de que o fariam.
A cada história, ela reunia uma imagem mais completa do
homem à sua frente. Um amigo leal, com um bom coração, mas não
tolo e implacável com aqueles que cruzaram o seu caminho, ou com
quem ele não tinha paciência. Ele não tolerava tolos, e ela
suspeitava que ele não era um homem que fosse desafiado com
frequência. Às vezes, havia um olhar de aço por trás daqueles olhos
cinzentos que a fazia pensar que ele poderia ser um inimigo que a
maioria desejaria sinceramente evitar ter.
Quando finalmente chegava a hora de se deitar, eles diziam
boa-noite e se deitavam sob as cobertas, virando as costas um para
o outro; castos como freiras.
No final da semana, Céleste pensou que poderia enlouquecer
com sua proximidade, já que ela nunca poderia tocá-lo. Ele estava
tão perto, que podia sentir o calor de seu corpo através da curta
distância que os separava. Ela só precisava esticar um braço e
poderia passar a mão por aqueles ombros poderosos e Dieu, como
ela ansiava, mas não se atrevia.
E, no entanto, era um tipo doce de tormento, e que ela temia
acabar. Pois ele não permitiria que eles continuassem dessa
maneira quando chegassem à casa de seu irmão. Isso era muito
claro. Ela receberia seu próprio quarto, sem dúvida, e nunca mais
lhe seria permitido chegar tão perto dele.
Ela fechou os olhos e se permitiu imaginar por um momento a
maneira como poderia se sentir se ele se virasse e a pegasse em
seus braços. O calor de sua pele deslizando sobre a dela, o peso
daquele corpo forte sobre a dela. Ela imaginou sua pele, quente
contra a sua, a sensação de seu peito contra seus seios nus, o peso
dele entre suas coxas. Sua respiração acelerou-se com a ideia e ela
congelou, tentando detectar qualquer som do outro lado da cama,
mas tudo estava imóvel. Ele devia estar dormindo.
Com cuidado para não se mexer demais e perturbá-lo, ela
deslizou uma mão entre as pernas e procurou acalmar a dor que
começara a latejar como um batimento cardíaco. Ela se lembrou da
sensação dele em sua mão, do peso grosso de sua ereção e da
pele macia de cetim. Qual seria a sensação se ele fizesse amor com
ela? Ela imaginou tudo isso. Imaginou como a dor oca que clamava
para ser preenchida seria saciada por seu corpo, suas mãos sobre a
pele dela, sua boca na dela... Levou pouco tempo para que ela
encontrasse a libertação, e apesar de seus melhores esforços para
se manter em silêncio, um leve grito de prazer escapou dela, e ela
ofegou, lutando para conseguir respiração enquanto os tremores a
atormentavam.
Ela tentou se acalmar rapidamente, para retornar sua respiração
ao normal e orou para que Alex não acordasse. Seria mortificante se
soubesse o que ela estava fazendo. Mas a cama estava silenciosa e
ela relaxou mais uma vez. Pelo menos ela podia dormir agora, mas
como um homem faminto que recebia pão para comer enquanto um
banquete luxuoso estava bem debaixo de seu nariz, isso havia
tirado a dor do vazio no momento, mas o desejo por mais ainda
permanecia.
***
Ele tinha ouvido o momento em que sua respiração havia
mudado. Incapaz de dormir, sabia que ela estava acordada, mas
tentou manter sua respiração profunda e uniforme, então ela
acreditou que ele dormia. Mas agora ele se amaldiçoava por isso,
pois se ela tivesse achado que ele estava acordado, não teria
inventado uma forma tão deliciosa de tortura para ele. Os sons
suaves que ela fazia enquanto se deleitava eram insuportáveis,
ainda mais por saber que estava pensando nele. Era o corpo dele
que ela desejava, o toque dele. Ele se perguntou se era possível
morrer de desejo, se talvez seu coração cedesse sob a tensão da
negação? Seria um alívio, pensou ele em desespero. Qualquer
coisa para escapar dessa deliciosa tortura.
Ele só precisava se virar e pegá-la em seus braços, e ele
poderia se libertar desse belo inferno e mostrar-lhe exatamente o
que ela precisava, independentemente do que ela estivesse
sonhando. Ele nunca tinha se sentido tão duro em toda a sua vida,
suas bolas estavam tensas e doíam com a necessidade de
liberação. E, então, ela atingiu o clímax, aquele grito suave e
abafado, os tremores que balançavam o colchão... como ele próprio
não tinha atingido o clímax, era um mistério. Agora, ele ouvia sua
respiração se aprofundar quando ela finalmente adormecia, e a dor
não satisfeita do desejo em seu corpo só era igualada a dor em seu
coração.
Capítulo 11
“No qual um contrabandista heroico pode perder um pouco de seu
brilho.”

Foi com receio que Céleste viu a carruagem preta brilhante ser
puxada no lado de fora da estalagem. Alex se levantou em um
instante, correndo para fora para cumprimentar o condutor e receber
notícias, pois aparentemente essa era a carruagem de seu irmão.
Ela olhou para quatro cavalos castanhos perfeitamente combinados,
brincando enquanto suas cabeças se agitavam com um ar
imperioso. Era como se eles conhecessem seu próprio valor e o fato
de que eram muito superiores à miséria de seu entorno atual. De
fato, combinado com a qualidade da carruagem e o uniforme
intocado do postilhão e do condutor, ficou claro que o irmão de Alex
devia ser incrivelmente rico.
Céleste tentou manter as mãos entrelaçadas em seu colo, mas
não conseguia evitar torcê-las, mesmo tentando mantê-las imóveis.
O que um homem como esse pensaria de Alex aparecendo
acompanhado de criança abandonada e histórias improváveis de
uma condessa empobrecida? Ele exigiria que Alex a expulsasse?
Alex consideraria tal coisa? Claro que não, ela se repreendeu. Alex
nunca voltaria atrás em sua palavra, ela sabia disso, confiava nele;
mas temia ser a causa de qualquer animosidade entre ele e seu
irmão. Ela já tinha lhe causado problemas suficientes.
Alex voltou para a pousada e sorriu para ela.
— Bem, então, nossa conta foi paga integralmente, e eu
finalmente tenho algum dinheiro para nos sustentar — disse ele,
com óbvio alívio. Ela assentiu, tentando sorrir, mas ciente de que
suas noites juntos iriam terminar mais cedo do que ela havia
considerado. É claro que ele tinha o dinheiro de seu irmão para
financiá-los agora. Ele obviamente pagaria por outro quarto. Ela
tinha sido estúpida em não considerar isso.
Ela permitiu que ele a conduzisse até a carruagem e se
acomodou no seu lugar. Olhando de volta para a pousada, ela
sentiu uma pontada de tristeza. As coisas mudariam agora e talvez
de alguma forma para melhor. Alex não precisava se preocupar em
economizar dinheiro, e ela tinha certeza de que a casa de seu irmão
seria confortável e mais luxuosa do que qualquer coisa que ela já
tivesse conhecido, e, ainda assim, ela viraria as costas, de bom
grado, para tudo isso se pudesse manter Alex perto dela. Mas sua
intimidade seria vista como inapropriada na frente de sua família e
ela não faria nada para envergonhá-lo. Então, a partir de agora, ela
teria que ter cuidado com a forma como agia, a menos que
estivessem sozinhos juntos, por medo de traí-lo de alguma forma.
A jornada restante para a casa de seu irmão passou com
crescente tensão. Como ela esperava, a mudança de
circunstâncias, os quartos separados, tudo serviu para trazer uma
formalidade entre eles, uma distância que parecia crescer quanto
mais se aproximava de seu destino. Por sua vez, Céleste suportou-a
da melhor forma que pôde. Ela tentou sentir prazer com seu
entorno, mas a crescente qualidade das acomodações fez com que
ela se sentisse cada vez mais deslocada e, mais de uma vez, ouviu
os funcionários das pousadas cochichando sobre eles.
Seu bonnet roto, roupas velhas e botas extremamente
desgastadas, pareciam mais maltrapilhas que nunca a cada parada,
enquanto senhoras e cavalheiros inteligentes lançavam olhares
consideráveis em sua direção e falavam por trás de suas mãos. Ela
disse a si mesma que não se importava. Deixe-os pensar o que
quiserem. Mas doía considerar que talvez Alex estivesse
começando a sentir vergonha dela.
Não que ele alguma vez a tenha traído, ele era cavalheiro
demais para fazer isso, e de fato ele exigia respeito por ela. Embora
ela desejasse que ele não o fizesse, pois isso só fazia com que ela
se sentisse pior, como se estivesse tentando dar ares de possuir
algo que ela não tinha o direito de possuir.
E logo estariam em Longueville, que aparentemente era o nome
da casa de seu irmão. Alex estava apontando lugares para ela
quando eles começaram a viajar por uma paisagem que ele parecia
conhecer bem, e ela ficou surpresa ao descobrir que ele havia
passado muito tempo ali quando menino. Mas, apesar de seu
entusiasmo e de seu desejo óbvio de que ela ficasse satisfeita, ela
sentiu seu coração afundar ainda mais e a depressão se
estabelecer sobre ela como uma um dia de inverno.
Pois ela tinha certeza agora de que seu irmão não iria querer
que Alex mantivesse Céleste por perto; já que inevitavelmente
causaria fofoca e escândalo. Não que Céleste se importasse com o
que as pessoas diziam sobre dela, mas para famílias como essa
isso importaria. Eles não suportariam os cochichos e os ofensas
murmurados como os que ela havia ouvido na jornada até aqui. E,
assim, ela seria mandada embora, para algum lugar que não
poderia causar nenhum constrangimento, e provavelmente nunca
mais veria Alex novamente.
***
Alex viu Céleste se afastar cada vez mais dele e se perguntou o
que diabos ele deveria fazer. Ela estava claramente aterrorizada
com a ideia de conhecer seu irmão e havia colocado várias
questões pontuais sobre o fato de quão rica era sua família. O fato
de ele ainda não ter dito a ela que era de longe mais rico do que seu
irmão consumia sua consciência, sem contar que ela não tinha ideia
de que ele era um conde.
Sempre que ele tentava dizer-lhe quem ele realmente era, ele se
lembrava de suas palavras mordazes sobre o barão de merde e sua
avaliação geral da nobreza como um todo. Ele não queria que ela o
considerasse sob a mesma luz, que acreditasse que ele pensava e
se comportava como eles, não importando se talvez houvesse
verdade nisso.
Ele se esforçou para se convencer de que seria melhor para
todos os envolvidos se ela pensasse nele assim. Se ela se sentisse
tão distante dele, melhor, isso tornaria sua despedida muito mais
fácil em todos os aspectos, já que deviam seguir caminhos
diferentes. Ele deveria dizer-lhe quem ele era, deixar dinheiro
suficiente com ela para se certificar de que estava bem provida e
enviá-la para viver com algum ramo distante de sua família. Ela
ficaria com raiva dele por mentir para ela, desapontada por ele não
ser o homem que ela passou a acreditar que era, porque por alguma
razão estranha ela achou a ideia dele como um contrabandista
desesperadamente romântica.
Era a coisa certa a fazer, tirar as sombras de dúvida de seus
olhos e fazê-la ver a verdade, e, ainda assim... e, ainda assim... ele
não conseguia.
Apesar do fato de que ela saberia em qualquer caso assim que
colocasse os pés em Longueville, apesar do fato de que era para o
melhor, apesar de todas as suas promessas e boas intenções, ele
não podia suportar a ideia de perder a adoração que brilhava em
seus olhos quando ela olhava para ele. Era egoísta, cruel e covarde,
mas lá estava, e ele não sabia o que fazer.
A carta que ele enviara a seu irmão tinha sido breve e apenas
aludia vagamente à verdade do que havia acontecido. Ele não podia
arriscar explicar tudo, caso a carta caísse nas mãos erradas. Assim,
Lawrence só sabia que Alex havia sofrido alguma dificuldade em
suas viagens e tinha estado doente. De qualquer forma, Lawrence
bem saberia que tipo de dificuldades provavelmente o afligiram,
estando bem familiarizado com a própria Receita.
Ele também havia escrito sobre esbarrar com uma jovem de
bom caráter em circunstâncias infelizes, e, por alguma razão, ele
tinha sido incapaz de escrever de forma convincente uma
explicação sobre o porquê tinha metido em sua cabeça que se
tornaria o guardião da garota. Mas era a coisa certa a fazer. Ele
tinha certeza de que isso se tornaria seu mantra em breve. Alex
podia muito bem imaginar que tipo de ideias estavam rondando pela
mente de seu irmão e só podia esperar que o tolo não ousasse
expressá-las, pois ele iria se arrepender disso.
Inevitavelmente, a carruagem se aproximou do lado de fora de
Longueville, e ele viu os olhos de Céleste crescerem de surpresa.
Se por um lado, o castelo que pertencia à sua família era uma bela
ruína, por outro, Longueville era bela e elegante, expressando
riqueza e conforto. Pelo choque em seus olhos, ele só podia ser
grato por estar amansando-a suavemente, pois se ele a tivesse
levado direto para sua casa em Tregothnan, ela teria ficado
realmente chocada.
— É... magnifique, Alex — murmurou ela, e ele viu o esforço que
ela fez para tentar sorrir para ele, embora seu pavor fosse óbvio.
Embora ele devesse ser mais esperto, inclinou-se para a frente
e pegou a mão dela na dele, apertando-a suavemente.
— Não tenha medo, ma mie — disse ele, esperando que ela
continuasse a confiar nele, quando ela estava prestes a descobrir
que muito do que ele havia dito era uma mentira. — Não há nada
nem ninguém aqui que irá machucá-la.
Ela hesitou e ele pôde ver a ansiedade em seus olhos. — M-
mas seu irmão... — começou ela, mas foi cortada por uma voz
familiar gritando com ele do lado de fora da carruagem.
— Alex? — Ele olhou para fora para ver Lawrence caminhando
em direção a eles e deu-lhe o que ele esperava ser um sorriso
reconfortante antes de sair e cumprimentar seu irmão.
— Lawrence — respondeu ele, sorrindo para seu irmão, cuja
mandíbula bateu no chão ao vê-lo. É claro que ele havia decidido
não mandar buscar seus próprios pertences, ciente de que suas
roupas normais os teriam denunciado em sua jornada. No entanto,
ele havia esquecido o quão desonroso ele deveria parecer, embora
as sobrancelhas levantadas de algumas pessoas das pousadas em
que ficaram devessem tê-lo alertado. Agora, no entanto, sua
aparência era obviamente chocante, como refletido no olhar de seu
irmão mais novo.
— Bom Deus — exclamou Lawrence, apertando sua mão e
olhando-o com espanto. — Que inferno aconteceu com você? Você
parece um dos meus tripulantes.
Alex bufou e balançou a cabeça. — É uma história bastante
longa, mas eu vou entretê-lo com isso mais tarde. — Ele se virou de
volta para a carruagem para ver Céleste observando Lawrence com
uma carranca. Ele lhe deu uma mão e viu os olhos de seu irmão se
arregalarem ainda mais enquanto ele colocava os olhos em Céleste.
Pois mesmo vestida com as roupas surradas que compunham tudo
o que ela possuía no mundo, estava claro que ela era um diamante
vestido de trapos. Ele sentiu um orgulho em apresentá-la, mesmo
não tendo o direito de possuí-la, e Lawrence ficou boquiaberto, sem
palavras.
— Lawrence, esta é Célestine de Lavelle, La Comtesse de
Valrey. Céleste, eu lhe apresento o meu irmão, o senhor Lawrence
Sinclair.
Para seu alívio, Lawrence não questionou a introdução; ele nem
piscou, mas curvou-se com grande deferência e beijou a mão dela.
— Estou honrado em conhecê-la, comtesse — disse ele, com
um sorriso de boas-vindas, e Alex sentiu uma onda de gratidão e
carinho por seu irmão, por aceitar Céleste tão imediatamente e sem
questionar.
— A honrra é minha, monsieur — respondeu Céleste, embora
seu olhar se voltasse dele para Alex, e ele pudesse ver as muitas
perguntas em seus olhos.
— Por favor, não temos formalidade aqui em Longueville e acho
que talvez as circunstâncias permitam que eu peça que me chame
de Lawrence — disse seu irmão.
— E então, você deve me chamar de Céleste.
— Com prazer — disse Lawrence, sorrindo para ela, e Alex ficou
aliviado que seu irmão sempre poderia ser invocado para quebrar o
gelo em situações sociais embaraçosas. — Peço-lhes perdão —
acrescentou Lawrence. — Mas minha esposa estará conosco em
apenas um momento, ela estava se sentindo um pouco indisposta
esta tarde e... foi deitar-se.
Alex chamou a atenção de seu irmão e levantou uma
sobrancelha, e Lawrence sorriu um pouco, mas Céleste estava
aparentemente perdida demais em pensamentos para notar. Ela se
virou para Alex.
— Lawrence é seu irmão? — esclareceu ela, claramente
intrigada.
Ele assentiu, sabendo que ela teria assumido que seu irmão rico
era mais velho, que a riqueza da família havia sido passada para
ele, deixando Alex para fazer seu próprio caminho, mas agora...
— Sim, embora eu tenha certeza de que ele prefira me renegar
— comentou Lawrence, com sua habitual alegria e atitude franca. —
Receio que eu seja um fardo terrível e sem fim de problemas para o
quarto conde de Falmouth.
Alex endureceu e olhou de volta para Céleste, que parecia que
poderia fazer algo terrivelmente desproporcional e desmaiar; já que
toda a cor havia deixado suas bochechas e ela estava olhando para
Alex com horror.
— C'est vrai? Você... você é...
— Essa não — disse Lawrence, parecendo horrorizado. — Eu
disse algo que não devia, não é?
Alex suspirou. — Sim, Lawrence, mas é inteiramente culpa
minha, garanto-lhe. Talvez...
Lawrence não precisou de outra palavra e estendeu as mãos.
— Eu vou deixá-los à sós, por favor, entrem assim que
desejarem. — E com isso, bateu em retirada apressado.
Alex estendeu a mão, sentindo a ansiedade rastejando por sua
coluna diante o horror em sua expressão. — Céleste, você gostaria
de caminhar comigo, por favor?
Ela estava apenas olhando para ele, aparentemente chocada
demais para responder, então ele pegou a mão dela e colocou-a
cuidadosamente em seu braço antes de levá-la para o jardim. Eles
caminharam por alguns minutos até que chegaram a um banco em
um canto isolado, onde podiam falar sem medo de interrupção.
— Você está com raiva de mim, mignonne? — perguntou ele,
mal se atrevendo a ouvir a resposta.
Aqueles olhos azuis largos piscaram, olhando-o com
perplexidade.
— Eu não sei — disse ela, parecendo tão perdida que Alex
queria puxá-la para seus braços e tranquilizá-la de que ela não tinha
nada a temer, mas ele sabia que não poderia fazer isso. — Você é
realmente...
Ele assentiu. — Eu sou Alexander Sinclair, o conde de
Falmouth.
Ela assentiu e, para seu horror, seus olhos se encheram de
lágrimas. — E... você vai me mandar embora agora? — perguntou
ela, a verdade de suas palavras aparentemente uma conclusão
inevitável do tom fatalista com que haviam sido proferidas.
— O quê? — exclamou ele, horrorizado, mesmo que isso fosse
exatamente o que ele precisasse fazer, o que tinha planejado fazer.
— Não! — disse ele, desesperado para apagar a tristeza de seus
olhos. — Claro que não vou mandá-la embora.
As palavras foram ditas antes que pudesse detê-las, se ele
tivesse pensado apenas por um momento, ele as teria expressado
de tal forma que a faria entender que teria que viver em outro lugar
eventualmente. Não era apropriado para uma jovem viver com um
homem solteiro. Mas ele tinha falado de coração porque não
suportava a ideia de deixá-la ir embora. Mas agora o dano estava
feito, suas bochechas coradas de prazer e o brilho retornou aos
seus olhos.
— Oh — soprou ela, e o alívio era muito claro. — Eu estava tão
assustada.
Alex sentiu seu peito ficar apertado. Ele sabia que não tinha feito
nenhum bem à garota, pois, embora ela estivesse tranquilizada no
momento, em algum momento teria que ver a verdade. Ele só
esperava que pudesse fazê-la entender. Mas, por enquanto, pelo
menos, ela estava feliz, e ele estava muito satisfeito em se deleitar
com o brilho de seu prazer, enquanto durasse.
— Você não está muito zangada comigo, então? — indagou-a,
ainda se perguntando se ele tinha perdido um pouco do brilho que
ela tinha pintado sobre ele como seu contrebandier.
Ela encolheu os ombros e olhou para ele enquanto seus lábios
franziam. — Estou um pouco zangada — disse ela eventualmente,
com um suspiro. — Eu gostarria que você tivesse me dito a
verdade, mas... eu não te disse que era uma comtesse
imediatamente, então... eu entendo.
Foi a vez de Alex soltar o ar que não tinha percebido que estava
prendendo.
— E no fim das contas... — acrescentou ela. — Você também é
um contrebandier, não é? — Sua expressão era de tal seriedade
que ele não pôde deixar de rir.
— Sim, ma mie, eu também sou um contrebandier, e tão infame
quanto você supunha.
Ela sorriu para ele, encantada; e ele sentiu seu coração se
acalmar ao ver que ele havia sido acomodado mais uma vez no
pedestal em que tão obviamente o colocara. — Bon — disse ela. —
Bem, então, não é tão ruim, hein?
***
Lawrence e Henrietta estavam esperando por eles quando
entraram no hall de entrada e Alex pôde ver que Henri estava doida
para descobrir o que estava acontecendo.
— Henri, você está tão adorável como sempre — disse ele,
sinceramente, cumprimentando a bela esposa de seu irmão com
prazer genuíno. Ele gostava muito de Henri e sabia que ela
colocaria Céleste sob sua asa, na verdade, ela parecia que mal
podia esperar para colocar as mãos na pobre garota. Alex fez as
introduções e Lawrence levantou uma sobrancelha para ele,
aludindo claramente ao choque de Céleste descobrir que ele era de
fato um conde.
Alex sorriu. — Está tudo bem, Lawrence, eu disse a verdade e
expliquei a Céleste que eu não sou apenas um contrabandista como
ela acreditava. Ela está bastante desapontada, eu temo, mas tem
sido bastante gentil a ponto de me perdoar. — Lawrence parecia
totalmente desnorteado e sem palavras, o que era um evento de tal
raridade que era bastante divertido, então Alex continuou: — Não é
tão ruim, afinal, é, mignonne? — A palavra carinhosa escorregou
muito facilmente de seus lábios e revelou um pouco mais do que ele
esperava na frente de sua família.
Céleste revirou os olhos para ele. — Bah! — disse ela.
Todos riram, mas havia um ar de especulação nos olhos de seu
irmão e Henri que ele não apreciava.
Capítulo 12
“No qual os entes queridos conspiram para o melhor, e o pior dos
resultados.”

Céleste olhou ao redor do quarto que Henri lhe mostrou com


admiração.
— Mon Dieu, é tão lindo, tenho medo de tocar em qualquer
coisa! A casa é simplesmente... perrfeita.
— Verdade, você não acha? — Henri concordou, sorrindo para
ela. — Eu me apaixonei por ela na primeira vez que a vi. Somos
muito gratos a Alex por nos deixar viver aqui. Oh — continuou ela,
como se Céleste fosse uma amiga íntima, e não uma estranha
forçada na sua direção poucas horas antes. —, mas espere até ver
Tregothnan.
— Trregothnan — repetiu Céleste, enrolando-se com a estranha
palavra. — Essa é a casa de Alex?
Henri assentiu. — Sim, é vasta, e muito, muito maior do que
aqui e muito bonita. — A jovem pareceu se sentir culpada ao ver a
reação de Céleste e a cor se esvaiu de seu rosto. Imediatamente,
ela correu para pegar sua mão, levando-a a se sentar na cama. —
Você realmente não tinha ideia, não é?
Céleste balançou a cabeça. — Non.
— Eu não queria assustá-la — disse Henri, parecendo
mortificada. — E realmente não há necessidade. Alex é exatamente
o mesmo que você acreditava que ele fosse, tenho certeza. Ele
realmente não é o tipo de pessoa formal entre seus amigos e
familiares.
Céleste assentiu, mas sabia que não parecia tranquila. — Oui,
mas... eu não tenho nada.
De alguma forma, as palavras não transmitiam o que ela queria
dizer. Ela sabia que Alex não se importava se ela tinha uma fortuna
ou não, mas que diabos ele deveria fazer com ela? Elas ficaram em
silêncio por um tempo, e Céleste olhou para seu vestido cinza
manchado contrastando com a bela seda azul-clara que Henri
usava. Ela notou o charmoso e elegante corte de cabelo da mulher,
o fichu de seda azul-escuro sobre os ombros, tudo isso parecia
fazê-la pertencer a um mundo muito distante de qualquer coisa que
Céleste jamais conhecera.
— Você está muito apaixonada por ele?
Céleste levou um susto e olhou para Henri em choque.
— Oh, não se preocupe — acalmou-lhe Henri, pegando sua
mão e apertando-a. — Eu não vou dizer nada, e realmente não é
uma novidade, sabe. Quero dizer, eu posso ser casada, mas eu
tenho olhos, e Alex é um homem difícil de ignorar.
Céleste soltou uma risadinha, dividida entre a mortificação por
ter sido tão óbvia e o alívio que finalmente poderia falar com
alguém.
— Então — provocou Henri, seu sorriso caloroso convidando a
uma intimidade que Céleste estava desesperada por aceitar. —
Você o ama?
— Oui — respondeu ela, a cor inundando suas bochechas
enquanto ela assentia. — Mas ele acha que sou apenas uma
criança boba — acrescentou ela, desviando o olhar antes que a
emoção do dia a fizesse se embaralhar e chorar. — Alex... ele não
me quer dessa forma — disse ela, com a voz hesitante e
excruciantemente envergonhada.
Ela se virou a tempo de ver Henri lançar-lhe um olhar curioso,
que rapidamente desapareceu.
— Venha, você deve estar exausta — disse sua nova amiga,
passando para tópicos mais confortáveis. — Eu coloquei algumas
coisas minhas aqui, e você pode ficar à vontade para pegar
emprestado por enquanto, e amanhã eu vou levá-la para comprar
suas próprias coisas. — Céleste abriu a boca para objetar que ela
não poderia ir às compras, quando Henri estendeu a mão para a
frente e colocou um dedo em sua boca. — Querida Céleste, você
não tem ideia de como estou feliz por tê-la aqui. Eu só tenho minha
criada como companhia feminina e por mais que eu a ame muito,
ela é... bem, você vai conhecer Annie. De qualquer forma, estou
emocionada por ter você e não terei o prazer de fazer compras com
você roubado de mim. Além disso – para tranquilizá-la – deve
entender que Alex é terrivelmente rico, e se você não for gastar
parte de seu dinheiro para ele, garanto-lhe que ele ficará bastante
desanimado com nós duas.
Céleste riu e achou Henri completamente impossível de resistir,
então ela apenas assentiu e humildemente aceitou um beijo
fraternal na bochecha antes de Henri deixá-la sozinha para dormir.
***
Na manhã seguinte, Céleste descobriu o luxo inimaginável de
começar o dia com uma xícara de chocolate quente com biscoitos
doces enquanto ainda estava na cama. Foi entregue a ela por uma
criada que era tão solícita quanto incompreensível. Antes que ela
percebesse, no entanto, Céleste se viu em uma carruagem com
destino a Bordeaux. Ela nem sequer tinha visto de relance Alex
naquela manhã, para sua frustração. Henri informou-a que ele tinha
assuntos urgentes para tratar com seu notário, mas ele os veria
mais tarde para o jantar.
Pela centésima vez, no espaço de poucos minutos, Céleste
alisou os dedos sobre o material de peliça que Henri lhe emprestara.
Era um veludo cor de ameixa-escuro e ela não tinha usado nada tão
fino em toda a sua vida.
— Você gostou? — perguntou Henri, com um sorriso.
— Eu nunca... — começou Céleste, apenas para sentir sua
garganta ficar apertada, e parou abruptamente.
— Oh, pobre criança — exclamou Henri e se moveu para se
sentar ao lado dela, puxando-a para um abraço. — Eu sinto muito,
Céleste. Espero que você não se importe, mas Alex explicou um
pouco de suas circunstâncias para nós ontem à noite.
Céleste deu de ombros. — Eu não me importo — disse ela, e
depois acrescentou com um pouco de emoção. — Mas eu não sou
uma criança.
Henri sorriu para ela e assentiu. — Perdoe-me, é claro que você
não é. Na verdade, eu sou apenas cerca de seis meses mais velha
do que você, eu acho.
Céleste olhou para ela, refletindo sobre aquilo, Henri parecia ser
o sinônimo de uma boa criação e sofisticação inglesa. Mais uma vez
a imagem de elegância, ela estava vestida com uma peliça verde-
marinho com um colarinho largo. As suas luvas de pelica e o
charmoso chapéu de palha combinavam, também na mesma
tonalidade e eram forrados com cetim dourado que fazia seu rosto
iluminar como se o sol estivesse brilhando sobre ela.
Na verdade, ela parecia ser tudo o que Céleste não era. Ela
engoliu uma onda revoltante de ciúmes, repreendendo-se por ser
tão ingrata quando Henri não tinha sido nada além de gentil. Ela
tentou retornar à conversa e captou algo interessante. — E
Lawrence, ele é mais velho do que você, certo? — perguntou ela.
Henri assentiu. — Um pouco, sim, pouco mais de oito anos, eu
acho.
Céleste suspirou e depois olhou para cima enquanto Henri
apertava sua mão.
— Acho que parte do problema foi a sua situação e... bem as
roupas, sabe? Elas fazem você parecer tão terrivelmente jovem e
frágil, alguém precisando ser salva. Você entende? — perguntou
ela, claramente com medo de ter causado alguma ofensa. — Alex...
— começou ela, e então hesitou. — Bem, ele não costuma salvar as
mulheres... — Henri parou abruptamente e Céleste pôde facilmente
terminar sua linha de pensamento. Ela poderia muito bem imaginar
o que Alex geralmente fazia.
— Mas não se preocupe — continuou Henri, com o tom cheio de
certeza. — Quando terminarmos com você hoje, não saberá o que
aconteceu com ele.
A jovem piscou para ela de forma conspiratória e Céleste riu,
apesar de suas dúvidas de que ela poderia levar adiante qualquer
coisa com a elegância e a segurança de Henri. Mas ela estava mais
do que feliz em tentar.
***
Alex retornou a Longueville mais tarde, no mesmo dia, com um
coração mais leve. Ele havia pegado a papelada que Céleste lhe
dera e, como suspeitava, estava tudo bem e em ordem. A firma de
notários servia sua família há muitas gerações e ele confiava neles
para fazer a coisa certa e ajudá-lo a devolver a Céleste tudo o que
ela havia perdido. Embora eles tivessem dito para ele que não seria
algo que iria acontecer do dia para a noite, não importava o quanto
ele quisesse.
Era o primeiro dia em algum tempo que ele passara sem a
companhia dela, no entanto, e ele se sentiu perturbado ao notar o
quão intensamente sentia sua falta. Isso era algo que ele deveria
superar. De alguma forma, ela se tornara parte de sua vida sem que
ele percebesse, e agora...
Alex tentou descartar a expectativa que sentiu quando
Longueville apareceu à vista. Ele estava bem cansado, com fome e
feliz por estar em casa, isso era tudo.
Alex lavou-se e vestiu-se para o jantar, e o fez com um pouco
mais de cuidado do que o habitual, foi só por estar experimentando
o luxo depois de tantos dias com as mesmas roupas e o empréstimo
ocasional de uma navalha cega das várias pousadas em que se
hospedaram. Não havia outra razão pela qual ele se demorasse na
frente do espelho ou trocasse o colete três vezes. Nenhuma.
Ele se juntou a Lawrence para uma bebida no escritório e
ambos olharam para cima quando primeiro Henri e depois Céleste
atravessaram a porta.
Alex sabia que deveria dizer alguma coisa, que todo mundo
estava esperando que dissesse alguma coisa. Malditos fossem. Mas
certamente não havia nem um único pensamento que pudesse ser
ouvido por cima do pulso do desejo que estava soando em seus
ouvidos. Bom Deus, ele realmente estava condenado.
— A vingança é um prato que se come... à temperatura
corporal? — sussurrou-lhe o irmão, com indisfarçável divertimento.
— Bastardo — retrucou Alex, soando conciso e extremamente
sem graça, e lembrando-se bem que havia provocado Lawrence de
uma forma semelhante. Ele deveria ser grato que o vestido fosse
um pouco mais modesto do que o de Henri naquela noite. Mas
malditos fossem, eles não percebiam o que ele estava enfrentando?
Ali estava ele tentando ser um cavalheiro, e eles... eles conspiravam
em apresentar a garota a ele como o prato mais suculento que já
tinha visto em sua vida. Era de se admirar que ficasse com água na
boca ao vê-la? Com um grande esforço e força de vontade, ele se
recompôs e atravessou a sala, pegando a mão de Céleste e
levantando-a até os lábios.
— Permita-me lhe dizer como você está linda esta noite,
comtesse.
Ele, pelo menos, conseguiu manter seu tom seco e com toda a
sua reserva habitual, mas, no entanto, foi recompensado com um
sorriso satisfeito e um leve corar que tingiu sua pele impecável. O
vestido era deslumbrante por si só, mas em Céleste era uma obra-
prima. Uma anágua dourada em tecido crepe sobre cetim marfim,
enfeitada até os pés com uma borda de tule e com acabamento de
renda dourada, era ao mesmo tempo sofisticada e tentadora sem
ser de forma alguma chocante.
O dourado destacava a cor em seu cabelo e acentuava sua pele
de porcelana; também mostrava seus muitos outros atributos com
grande vantagem. Em suma, ela parecia requintada, e quando ela
finalmente fosse capaz de ser apresentada à sociedade, com toda a
fanfarra que seus pais teriam desejado para ela, realmente chocaria
a alta sociedade.
Ela teria todos os homens comendo em sua mão em pouco
tempo e, por mais que isso o fizesse ranger os dentes de ciúme, ele
não iria tirar isso dela. Ele poderia obviamente oferecer-lhe uma
carta branca e mantê-la sob sua proteção como sua amante, mas só
de pensar nisso fazia com que sentisse nojo de si mesmo. Era raro
ele ter tanta sensibilidade por causa de uma mulher, mas era o que
estava acontecendo.
Tanta coisa lhe fora tirada em sua curta vida; sua casa, seus
pais, seu título, meu Deus, ela quase foi forçada a vender seu
próprio corpo para sobreviver. Apenas a sua própria determinação e
coragem a tinham impedido. Não. Embora isso fizesse seu peito
doer, não arruinaria o futuro dela também, não sem antes ela saber
o que era. Ele teria que deixar claro para ela que eles não poderiam
ter um futuro juntos, independentemente de quais ideias tolas ela
tivesse em sua cabeça.
Ele teria que destruir quaisquer sonhos românticos que ela
pudesse abrigar e mostrar sua realidade, mostrar-lhe o homem que
ele realmente era; e porque ela estava tão errada em colocá-lo
naquele pedestal ridículo como uma espécie de cavaleiro errante.
Mas certamente era uma coisa difícil de fazer.
O jantar foi um grande sucesso, a cozinheira, madame Bertaud
fez de tudo ao descobrir que havia uma comtesse na casa.
Consommé, claro e leve e delicioso e, em seguida, um delicioso
Saumon avec Sauce Crevette foi seguido por Poulardes a la
Perigourdine com petits pois a la francaise e para a sobremesa um
Baba au Rhum tão gostoso que Céleste realmente gemeu de
prazer, o que foi ao mesmo tempo bastante compreensível e
suficiente para fazê-lo querer chorar.
Apesar de suas frustrações físicas, Alex sentiu-se relaxado,
embalado pela boa comida, excelente vinho, ambiente familiar e as
pessoas que ele mais gostava no mundo. No entanto, seus olhos
inevitavelmente se desviavam de volta para Céleste, por mais que
ele tentasse se conter. Ela estava em boa forma esta noite,
especialmente quando Lawrence começou a contar histórias de
todos os apuros em que se meteu quando garoto, e como Alex
sempre foi o único a salvá-lo, muitas vezes às suas próprias custas.
Lawrence era, como sempre, divertido e uma companhia fácil e
suas histórias lançaram uma luz bastante heroica sobre seu irmão
mais velho, algo que Alex nunca tinha sido capaz de ver. Sempre
lhe faltou a natureza extremamente amigável de Lawrence.
Combinado com uma tendência natural de ser taciturno e bastante
frio com pessoas que ele não conhecia, ele era visto sob uma luz
muito diferente pela maioria das outras pessoas. E, no entanto, aqui
estava Lawrence falando dele como se o admirasse, e Céleste
olhando para ele com tanta adoração que sentia sua garganta ficar
apertada. Tudo aquilo era uma loucura.
Ele havia causado escândalo sobre escândalo em sua vida
pessoal, era conhecido por apostar e beber, além de manter um
grande número de amantes. Qualquer glória que ele pudesse ter
trazido sobre si mesmo no curso de sua carreira naval era sempre
precariamente equilibrada ao lado de uma ladainha de queixas
contra ele de outros oficiais que de alguma forma ofendeu com sua
honestidade implacável e ódio de qualquer coisa que se
assemelhasse a bajulação ou adulação. Ele tinha mais inimigos do
que se importava em considerar, e seus amigos, fora as três
pessoas nesta sala, eram todos contrabandistas.
Pouco a pouco, essas marcas negativas contra seu próprio
caráter pareciam se acumular até que seu humor ficou
consideravelmente sóbrio.
— Perdoe-me — disse ele, lançando o que ele esperava ser um
sorriso bondoso para seu irmão e as damas. — Acho que estou me
sentindo bastante cansado. Com licença.
Ele se levantou, ignorando o olhar confuso que Lawrence lhe
lançou enquanto ele saía. Foi mais difícil de ignorar de Céleste, que
também se levantou e correu ao redor da mesa até ele.
— Mais, Alex, você está bem? Você não está febril, está?
Para seu desgosto, ela estendeu a mão e colocou-a em sua
bochecha, e precisou se esforçar muito para não virar o rosto e
fechar os olhos, em vez disso, removeu sua mão como se seu toque
o ofendesse.
— Muito bem, eu garanto a você, por favor, não se preocupe. —
As palavras eram um pouco mais afiadas do que ele pretendia dizer
e ele xingou-se internamente diante do brilho de mágoa em seus
olhos. Mas ela largou a mão e se afastou.
— Claro, Alex, perdoe-me. Bonne nuit.
Ele sentiu Henri e Lawrence observando-o e não disse mais
nada, mas saiu da sala sentindo-se como se tivesse pisado
propositalmente em um gatinho.
***
Na semana seguinte, Lawrence teve motivos para observar seu
irmão mais velho e Céleste juntos e quanto mais ele via, mais
preocupado ele ficava.
Um suspiro profundo veio do lado dele, seguido por: — O que
devemos fazer?
Ele olhou para cima do conforto de sua cama e viu a imagem
deliciosamente retorcida de sua esposa olhando para ele.
— Meu Deus, mulher, você é insaciável. Deixe-me recuperar o
fôlego, pelo menos.
Ele foi recompensado com uma palmadinha de leve em sua
cabeça. — Eu não quero dizer agora — disse Henri, apontando para
ele. — Quero dizer, o que devemos fazer com Alex e Céleste?
Lawrence bufou. — Eu realmente não sei.
— Você acha que ele sabe que está apaixonado por ela? —
perguntou Henri, acomodando-se mais confortavelmente contra ele
e puxando o braço sobre o ombro dela. — Quero dizer, você tem
que admitir que vocês, Sinclairs, não são exatamente rápidos em
compreender as coisas, não é?
— Sabe, eu gosto disso! — bufou Lawrence. — Você sabe muito
bem que eu estava tentando protegê-la, e se bem conheço Alex, é
exatamente isso que ele está fazendo. Afinal, era uma experiência
nova para mim, mas ele tem feito isso toda a sua maldita vida.
— Mas protegê-la de quê? — indagou Henri, perplexa. — Quero
dizer, ele é rico e possui um título, ela não poderia conseguir algo
melhor, a menos que apanhasse um duque, e eu admito, olhando
para ela esta noite, não diria que seria impossível, mesmo ela
estando sem um centavo. Mas ela está tão obviamente apaixonada
por ele, a pobre garota. E eu sei que ele continua falando sobre o
quão jovem ela é, mas eu não sou muito mais velha que ela. Ele
teria se casado comigo se as coisas tivessem sido diferentes.
Lawrence fez cara feia, momentaneamente irritado ao lembrar
da primeira reivindicação de seu irmão mais velho sobre sua
esposa. Felizmente, as coisas funcionaram perfeitamente, para ele,
e Alex, sem dúvida, desempenhou um papel importante nesse
acontecimento.
Lawrence assentiu. — Eu sei. Mas você tem que se lembrar da
parte profundamente honrosa de sua natureza. Não tome isso da
maneira errada, querida, mas seu pai implorou a ele que se casasse
com você para salvar vocês dois da ruína.
Henri franziu os lábios, mas não disse nada, então ele
continuou: — E você mesmo me disse que tipo de reputação ele
tem na Inglaterra. Ele já foi acusado de tudo, desde assassinato até
adultério, com ou sem razão, na verdade, pelas coisas que você
disse, a única coisa de que ele nunca foi acusado foi de
contrabando!
Ela suspirou e sua respiração quente fez cócegas em seu peito.
— Então você acha que não é apenas a idade dela, ele acredita que
não é bom o suficiente?
Lawrence encolheu os ombros, estendendo a mão e apagando
uma das velas que começaram a derreter, antes de se acomodar
contra os travesseiros.
— Acho que são todas essas coisas. Ele sente que é uma
pessoa desalmada, e ela é o sinônimo de inocência. Então, ele é
quase vinte anos mais velho que ela, o que reconhecidamente não é
tão incomum, mas nós dois fizemos observações do tipo de homens
que geralmente se casam com garotas muito jovens e elas não
eram muito elogiosas no geral. Está claro que ele quer ter certeza
de que ela recupere tudo o que perdeu. Ele parece ter em mente
lançá-la na sociedade de tal forma que ela deslumbre a todos.
Henri bufou.
— O quê? — perguntou ele, franzindo a testa.
— Meu Deus, Lawrence, ela ficaria deslumbrante o suficiente se
saísse vestindo as roupas em que chegou, e você sabe disso. Mas
você está completamente enganado se acha que qualquer homem
ousaria se aproximar dela com Alex encarando-os ferozmente por
cima de seu ombro. Sem mencionar o escândalo se ele lhe prestar
muita atenção quando descobrirem que sua família a está
patrocinando. Além disso, você só tem que ver os dois juntos, o ar
praticamente chia entre eles.
Lawrence gemeu e esfregou os olhos.
— Bem, nesse caso, só há uma coisa a se fazer.
— O quê? — perguntou Henri, virando-se para ele com uma
carranca.
Ele se sentou, inclinando-se para a frente e plantando um beijo
nos lábios de sua esposa. — Você só terá que falar com ele.
— Eu? — indagou Henri, alarmada, seus grandes olhos
castanhos se arregalando de horror. — Por que eu?
Encolhendo os ombros, Lawrence a puxou para mais perto. —
Porque ele não vai ouvir uma palavra que eu disser. Tenho certeza
de que ele ainda me considera sob a mesma luz de quando eu tinha
doze anos, e nada do que eu disser deixará uma marca nele. Você,
no entanto, pode falar com ele em nome de Céleste. Você sabe
como ela se sente e o que é melhor para ela. Tente fazê-lo ver que
está sendo um idiota.
— Ah, isso é tudo? — respondeu Henri, ajustando as cobertas
da cama com um ar de irritação, especialmente quando descobriu
que ele estava monopolizando os lençóis. — Porque se ele não for
fazer a coisa certa e se casar com ela, só resta uma coisa a fazer –
ele tem que deixá-la ir. — Finalmente satisfeita embaixo dos
cobertores, ela se aconchegou perto de Lawrence com um suspiro
triste. — Pois ela nunca vai esquecê-lo enquanto ele estiver tão
perto, mas você sabe tão bem quanto eu que se ele mandá-la
embora... vai partir o coração dela.
Capítulo 13
“No qual seu idílio feliz é colocado em risco.”

Henri passou os dias seguintes em um estado de extrema


agitação enquanto tentava encontrar o momento certo para se
aproximar de Alex e falar com ele sobre Céleste. O problema era
que os dois estavam sempre juntos. Ela havia notado que os dias
muitas vezes seguiam o mesmo curso. Alex ia e se escondia no
escritório, sem dúvida com a melhor das intenções de se manter
fora do caminho de Céleste. Mas é claro que Céleste encontraria
alguma razão para ir vê-lo, geralmente porque tinha terminado um
livro e a sala funcionava como uma biblioteca, ou porque estava
lendo em inglês e aparentemente não entendia o significado de
alguma palavra, e apenas Alex poderia explicar do seu gosto.
Henri tinha espiado uma vez, ouvindo Alex se esforçar para
encerrar todas as conversas sem sucesso. Eventualmente, o jeito
simples de Céleste havia persuadido alguma pequena observação
que desfazia todo o seu bom trabalho anterior e, em seguida, sua
mignonne sugeria que eles tomassem um pouco de ar fresco. Alex
sempre concordava em acompanhá-la para uma caminhada e na
maioria das tardes dava um passeio com ela. Henri havia sugerido
vários passeios com a garota, pensando que talvez a vida no campo
fosse monótona para ela e ela gostaria de outra ida às compras,
mas Céleste apenas ria e respondia que tinha mais vestidos do que
jamais pensara ser possível, e por que diabos ela precisaria de
mais? Não havia realmente nenhuma resposta para isso e, assim,
Henri a deixou em paz.
Era notável que a garota não era nem um pouco vaidosa.
Durante o dia, ela estava muito feliz em usar um vestido de
cambraia simples e sem adornos, não que ela precisasse deles.
Mas à noite, quando Céleste estava vestida mais formalmente junto
com Henri, parecia que poderia estar igualmente em casa na corte
real, e era quando Alex começava a fazer caretas e ficava em
silêncio, desculpando-se ridiculamente cedo para se retirar para a
cama, ou trabalhar sozinho no escritório até altas horas. Céleste,
por sua vez, tentava sorrir e continuar desfrutando a noite por
educação, embora estivesse claro que era um esforço de sua parte.
Ela havia tentado discutir o assunto com sua criada, Annie, para
obter sua opinião, mas sua criada, geralmente prolixa, apenas
puxava o ar através dos dentes e balançava a cabeça.
— Desastre preste a acontecê, é isso o que eu acho — disse
ela, em seu sotaque do leste de Londres, com uma expressão
pesarosa e a boca cheia de alfinetes enquanto deixava a linha do
busto apertada em um dos vestidos de Henri.
— O que você quer dizer? — perguntou Henri, alarmada.
Embora Annie e Céleste gostassem, até certo ponto, uma da outra,
as duas nem sempre se comunicavam bem, cada uma achando o
sotaque da outra totalmente incompreensível.
Annie removeu os alfinetes restantes para que pudesse falar e
respirou fundo, seu peito pálido se agitando dramaticamente. —
Quero dizê que o conde tá determinado a ser um mártir da causa da
comtesse e ele fará o que é certo por ela, não importa quais for as
consequência pra ele ou pra ela. O tolo vai continuá a torná a vida
dos dois miserável, em vez de fazê algo que pensa ser repreensível
e amá a moçoila.
— Bem, sim — disse Henri, deixando de lado o livro que deveria
estar lendo, mas não olhava há mais de uma hora. — Essa é
exatamente a conclusão a que Lawrence e eu chegamos ontem à
noite. Mas o que podemos fazer, Annie? Como é que o impedimos?
— Num dá — respondeu Annie, com um encolher de ombros, e
o que Henri considerou uma resposta inútil. A mulher apenas bufou
ao notar o olhar de reprovação de sua senhora. — Num tem o que
fazê com um sujeito assim. Num vai ouvi nem o sentido nem a
razão. É melhor cê poupar o fôlego, meu patinho.
Apesar do presságio de fracasso, a chance de Henri finalmente
chegou no dia seguinte, e decidiu que seria melhor agarrá-la. Alex
havia desaparecido cedo naquela manhã e só voltou ao meio-dia.
Quando o fez, no entanto, veio carregando um pedaço de pano que
se contorcia, que ele descobriu e deu para Céleste.
— Oh! — A garota deu um gritinho de alegria quando um lindo
filhote de spaniel vermelho e branco choramingou e estendeu a mão
para lamber o seu rosto. — Alex, il est adorable! — disse ela, tão
extasiada quanto o filhotinho parecia estar. — Oh, oui, você é
marravilhoso, mon brave.
Alex bufou e balançou a cabeça. — E como você sabe que é um
macho, além do fato de que já está claramente apaixonado por
você?
— Oh, bem — disse ela, e depois mordeu o lábio, considerando.
—, talvez eu o chame de contrebandier.
Alex lançou-lhe um olhar desesperado e soltou um muxoxo
mordaz de desaprovação, entretanto Henri achou que ele estava
claramente satisfeito com a observação. — Eu prefiro que não,
mignonne, não precisamos dar a ninguém pistas. Que tal Bandit,
esse é um nome de má reputação suficiente para agradá-la?
— Oh, oui, Bandit, eu gosto muito desse nome. — Ela correu
para Alex, segurando o filhote debaixo de um braço e ficando na
ponta dos pés para beijar a sua bochecha. — Mille mercis, Alex,
você é muito bom para mim.
Alex abriu uma carranca ao ouvir a sua familiaridade, mas, uma
vez que ela se afastou, Henri avistou um olhar que era bastante
revelador antes que ele a pegasse observando-o. Ele limpou a
garganta. — De nada, mas eu suspeito que o diabinho tenha pulgas,
então é melhor você ir levá-lo para tomar banho antes que todos os
outros fiquem bravos comigo.
Céleste apressou-se para cuidar do cachorrinho, deixando Alex
sozinho com Henri. Ele tirou seu grande casaco e o entregou ao
lacaio.
— Lawrence não está em casa? — perguntou ele, enquanto
Henri o acompanhava até o escritório.
— Não, Alex, ele foi falar com os vizinhos sobre a compra
daquele terreno de cinco acres perto da floresta. — Henri fechou a
porta atrás dela, ignorando o olhar de surpresa de Alex e acenando
com a cabeça quando ele lhe ofereceu uma bebida.
— O que ele quer com aquilo? — perguntou ele, franzindo a
testa, e Henri respirou fundo, preparando-se para uma conversa
embaraçosa. Alex sempre foi gentil com ela e, quando necessário,
franco. Tinha sido embaraçoso na época, mas ela tinha chegado a
ser grata a ele por isso. Ela tinha agora que retribuir o favor, tal
como era.
— Tenho certeza de que ele lhe dirá mais tarde — respondeu
ela, acenando com a mão e tomando a bebida dele com alívio. Ela
tomou um grande gole e rezou para que isso lhe desse coragem. —
Eu preciso falar com você, no entanto — acrescentou ela com certa
força, antes que pudesse mudar de ideia.
— É mesmo? — Alex parecia tão cauteloso quando falou e
sentou-se, cruzando as pernas longas e olhando para ela com
aqueles olhos cinzentos e frios. Não havia dúvida em sua mente que
ele tinha uma boa ideia do que estava fazendo e a temperatura na
sala pareceu cair vários graus. Ele era um homem terrivelmente
intimidador quando queria, e ela podia imaginar facilmente como
que todos esses rumores se espalharam.
Henri limpou a garganta e assentiu, determinada a não ser
intimidada. — Sim... sobre Céleste.
— Oh.
Não havia dúvida sobre seu tom agora, tinha um quê de isso
não é da sua conta em todas as suas nuances. Henri ergueu o
queixo e lembrou-se de que havia enfrentado um pirata furioso e
sua tripulação sozinha. Alex realmente não poderia ser pior.
Olhando para a expressão severa e aquelas sobrancelhas escuras
juntas, não estava totalmente certa de que isso fosse verdade. No
entanto, limpou a garganta e entrou na briga. — Quais são suas
intenções em relação à garota, Alex?
As sobrancelhas dele se levantaram, toda a sua postura mudou
de cuidadosa para uma de indignação furiosa. — Como é que é?
Henri corou e olhou para ele, horrorizada. — Oh, não, Alex, eu
não quis dizer que... que você se aproveitaria dela, de jeito nenhum!
— respondeu ela, limpando suas mãos suadas nas saias fingindo
que estava suavizando os vincos. — Muito pelo contrário, na
verdade — acrescentou ela, amaldiçoando seu marido por persuadi-
la a fazer isso.
— Henri — respondeu Alex com certa força, seu tom frígido de
desaprovação. — Ou você fala o que pensa ou se preocupa com
seus malditos problemas, mas de qualquer forma, faça-o agora. Não
tenho paciência para enigmas.
— Muito bem! — Henri olhou para ele. Se ele fosse ser rude, ela
também não suavizaria suas palavras. — Então eu quero saber se
você vai se casar com a garota. É muito claro que ela está
apaixonada por você, e não importa o que você diga agora, eu
acredito que se sinta da mesma maneira. Entretanto, Lawrence é da
opinião que você não se casará com ela, e nesse caso devo exigir
que você a mande embora o mais rápido possível antes de fazer
qualquer outro dano.
Por um momento, Alex olhou para ela com tanta fúria que sentiu
um tremor de medo real, mas então sua expressão mudou e ele se
levantou, virando-se para olhar pela janela, e seu coração doeu por
ele. Pois havia uma dor real em seus olhos, e ela percebeu que
estava certa. O coração da Céleste não seria o único machucado
por sua separação. Ele ficou em silêncio e agora as palavras dela
pareciam duras e lamentou tê-las dito com tanta força. — Alex, e-eu
gostaria que você se casasse com ela. Você teria se casado comigo
e, na verdade... há apenas alguns meses entre ela e eu.
Ele balançou a cabeça e quando falou sua voz estava fria e
dura. — É muito diferente, Henri. Embora você não tenha tido a vida
mais fácil, posso lhe prometer, em comparação com o inferno que
aquela garota passou não é nada comparado à sua existência
encantadora. Eu teria me casado com você porque seu pai era
conhecido por estar com problemas financeiros, por causa disso ele
não tinha condições de lhe dar uma temporada. Escondida naquele
vilarejo no outro lado do além, você nunca teria encontrado um
marido adequado. Mas você era, eu acreditava, uma garota sensata
e seria capaz de construir uma vida sem mim. Eu não tinha intenção
de ser um marido adequado para você, além do que era meu dever
de dar à família um herdeiro. Uma vez que isso fosse estabelecido,
você teria ficado livre para viver como quisesse, para ter um
amante, contanto que fosse discreta. Mas com Céleste... — Ele
parou e ela esperou que ele falasse novamente.
— Mas com Céleste é diferente, porque você a ama — disse
ela.
— Não seja tão tola — respondeu ele, seus olhos cinzentos tão
frios e altivos como ela jamais os havia visto. — Você não é dada a
imaginações exacerbadas e românticas, Henri, então, eu lhe imploro
que não ceda a elas agora. O interesse que você pode acreditar que
tenho pela criança está além de mim. Admito que a sua beleza é
uma tentação diabólica, mas nem eu sou tão baixo assim. — Henri
assistiu enquanto ele balançava a cabeça, sua expressão pesada
de tristeza. — Céleste viveu com os ratos, foi obrigada a roubar
comida às vezes, e se eu não a tivesse encontrado naquele exato
momento... — Ele soltou um fôlego, e seus olhos cerraram. — Ela
não tem ideia do que a vida pode ser quando se é gentil com você.
Quero que ela saiba, quero que experimente o riso e a diversão, e
tudo de ridículo que a juventude tem a oferecer. Para fazer
travessuras com seus amigos e encontrar alegria onde quer que lhe
agrade.
Henri assentiu, nem um pouco convencida com suas palavras,
mas compreendendo finalmente o que o impedia, mas ainda
assim... — Ela não poderia fazer essas coisas com você, Alex?
— Você está brincando, não é mesmo? — disse ele, com seu
tom mais agudo. Ele levantou uma sobrancelha expressiva, e ela
entendeu o quão tolo ele se sentiria, cercado por um bando de
meninas dando risadinhas, e homens jovens que ele consideraria
pouco mais do que meninos.
Ela suspirou e balançou a cabeça. — Então, se essa é a sua
decisão final, você deve mandá-la embora, Alex. É cruel mantê-la
aqui com você. Ela nunca vai superar você nem vai encontrar outro,
o tempo todo ela vai ficar comparando você a eles, não vê isso?
— Eu sei que tenho que mandá-la embora! — disparou ele, e
depois virou as costas para ela, obviamente sabendo tão bem
quanto Henri que sua raiva o denunciava. — Agradeço-lhe por não
me lembrar de meus próprios deveres — acrescentou ele, sua
maneira fria e desdenhosa retornando novamente. Ele sentou-se de
novo na cadeira, parecendo tão cansado e desgastado que Henri
começou a se perguntar se era realmente Céleste que ela deveria
estar mais preocupada, apesar de todos os seus protestos. — Não
encontrei coragem para o fazer — admitiu ele. — Por mais tolo que
seja, a criança me colocou em algum pedestal ridículo e sei que ela
ficará terrivelmente ferida quando eu lhe disser que deve ir. — Ele
olhou para ela, cheio de súplica em seus olhos. — Você acha que
poderia...
A mão de Henri voou para a boca e ela arquejou. — Ah, Alex,
não! Por favor, não me peça para falar com ela.
Ele sorriu e balançou a cabeça, desviando o olhar dela. — Não,
isso seria uma atitude covarde, não seria? — disse ele, sua voz
mais baixa agora. — Só que não sei como vou suportar magoá-la.
— Ela o observou enquanto ele olhava para cima e encontrou seus
olhos cinzentos tão sombrios quanto um céu de inverno. — Eu
prometi a ela, sabe? Eu não queria, mas... — Ele riu, mas foi um
som irrisório que fez Henri sentir extrema pena dele. — Parece tão
terrivelmente difícil dizer-lhe qualquer coisa que ela não queira ouvir.
Não é um problema com o qual eu já tenha sofrido antes —
acrescentou ele, com uma careta autodepreciativa. — Mas você
está certa, é claro, eu vou tomar providências. Pensei em talvez
mandá-la para as tias de Hertfordshire. Elas vão cuidar dela, e estar
tão longe... Bem, ela estará a uma boa distância de Tregothnan. —
Henri levantou-se e foi até ele, agachando-se ao lado da cadeira e
colocando a mão dela em seu braço.
— Eu sinto muito, Alex, realmente, mas eu gostaria que você
mudasse de ideia e se casasse com ela. Eu acho que você ficaria
feliz. É possível que ela não queira todo o glamour, festas e
bobagens tanto quanto você acredita.
Ele arrancou a mão, lançando-lhe um olhar frio em troca de sua
familiaridade. — Você está completamente errada, garanto-lhe.
Você não a ouviu em Allaire — respondeu ele, com os olhos duros,
desafiando-a a contradizê-lo. — Com todos os planos para aquela
antiga casa, as festas que ela organizaria... — Alex balançou a
cabeça. — Ela deveria se casar com um jovem que quer estar na
sociedade tanto quanto ela. Eles serão selvagens e extravagantes,
e o assunto do momento, e ela terá se esquecido de mim, pode
apostar.
— Você tem certeza disso, Alex?
Ele ignorou o comentário, dizendo apenas: — É seu aniversário
daqui a alguns dias, eu lhe direi depois disso, assim que tudo estiver
arranjado. — As palavras foram proferidas levianamente, como se
fosse um assunto insignificante que não o preocupasse de forma
alguma, mas Henri não estava nem um pouco convencida. Ela podia
não conhecer Alex bem, mas Lawrence conhecia, e ele acreditava
que seu irmão amava a garota. Além disso, os muitos olhares doces
que tinha capturado quando Alex acreditava que ninguém estava
observando, e os pequenos carinhos e comentários ocasionais que
lhe escapavam... O cavalheiro estava protestando muito, ela
percebeu.
Ela o deixou olhando para o fogo, incapaz de encontrar mais
nada para dizer, e sentindo-se um monstro. Ela queria ajudar, e
mesmo sabendo que tudo o que tinha dito era verdade, sentia que
tinha causado a duas pessoas de quem ela gostava muito uma
grande aflição.
Para seu alívio, Lawrence entrou pela porta da frente quando ela
saiu do escritório e correu pelo corredor, praticamente se jogando
em seus braços.
— Henri! Qual é o problema? — Ele levantou o seu queixo,
olhando para ela com alarme nos olhos.
— Oh, nunca mais me peça para interferir novamente, jure que
não vai!
Ele suspirou e a segurou perto. — Oh, querida, você falou com
ele. Ele não ficou zangado com você, não é? — questionou ele. —
Porque se ele ficou...
— Não, ele não ficou zangado. Bem, ele ficou, mas só no início,
mas... Oh, Lawrence, ele nega, é claro, mas realmente acho que ele
está apaixonado por ela, mas ele é tão teimoso. Ele quer dar-lhe o
mundo, e tudo o mais.
— Bem — disse ele, acariciando seu cabelo. — Isso não é uma
coisa tão ruim, é?
— Sim — fungou Henri, sentindo-se miserável por ambos. —
Porque acho que ela não quer.
***
Alex sentou-se no escritório, ignorando o fato de que o fogo
estava extinguindo-se e toda a luz desaparecera dos céus. O
cômodo estava ficando mais escuro, e ele não podia deixar de sentir
que aquilo era perfeitamente apropriado. E, então, a porta se abriu e
Céleste entrou com o cachorrinho latindo por entre suas saias.
— Oh, olhe só, Alex, está vendo como ele me segue, ele não é
um cachorrinho tão inteligente? Apesar de ter ficado bem zangado
com o banho. Não ficou, ma puce? — Ela olhou para cima e franziu
a testa enquanto observava o fogo extinguindo-se. — Mas por que
você está sentado sozinho no escuro? Você está trriste, mon beau?
— Ela sentou-se no chão aos seus pés e descansou a cabeça em
seus joelhos. — Por que está tão trriste?
Ele se obrigou a sorrir e balançar a cabeça. — Não seja tola,
mignonne. Claro que não estou triste, devo ter adormecido. Você vê
o quanto eu estou ficando velho, não consigo nem ficar acordado
por um dia inteiro. — Ele tentou brincar com ela, mas de alguma
forma havia um tom amargo na observação que ele sentiu que ela
ouviu. Estendendo a mão, ela pegou a mão dele e levou-a até sua
bochecha.
— Mas você realmente não está trriste? Você não está se
sentido infeliz por me ter aqui, certo? — perguntou ela, com a voz
baixa e tão insegura que fez seu peito apertar.
Ele ficou em silêncio por um momento, perguntando-se como
poderia responder àquilo. Como ele poderia explicar que, quando
ela partisse, tiraria toda a luz e a alegria de sua vida, e temia que
não restasse nada nela para encontrar prazer.
— Não estou infeliz em tê-la aqui, Céleste. Isso eu posso lhe
prometer.
Capítulo 14
“No qual o futuro parece sombrio e o passado ressurge.”

Alex sobreviveu os dias seguintes apenas mantendo seu


comportamento reservado até onde pôde na companhia de Henri e
Lawrence, e extraindo cada grama de felicidade que conseguiu
encontrar em Céleste. Quando estava com ela, ele colocava um
sorriso no rosto que parecia tranquilizá-la. Ele a mimou além do bom
senso em seu aniversário, a ponto de ela ficar bastante atordoada e
sobrecarregada. Vestidos e rendas, livros e joias, e caixas de doces
de marzipan que eram uma delícia; e ela nunca tinha visto nada tão
doce e gracioso como as frutas em miniatura.
Ela havia exclamado maravilhada e corrido pela sala insistindo
para que todos compartilhassem com ela até que protestassem que
estariam doentes se comessem mais. Ele sabia que se lembraria
pelo resto de seus dias da imagem dela cercada por papéis de
embrulho, olhando para ele como se tivesse dado a ela o mundo de
mão beijada. Bem, ele não tinha, ainda não, mas se estivesse ao
seu alcance, faria exatamente isso.
Seu presente favorito de todos foi um medalhão de ouro que ela
insistiu que ele colocasse imediatamente nela e jurou que nunca
tiraria. Todos ficaram acordados até de madrugada, e ele sabia que
Henri e Lawrence estavam cientes de sua decisão. Ele lhe diria pela
manhã, e por isso este último dia não era um dia de despedidas,
não até o último momento.
Ele não dormiu naquela noite, muito consciente do que estava
por vir, mas já era tarde quando desceu as escadas, consciente de
que Céleste provavelmente dormiria depois de ficar acordada até
tarde. Então, foi com certa surpresa que ele a encontrou no
escritório, esperando por ele.
— Enfin! — disse ela, bufando, fingindo estar brava com ele. —
Eu pensei que você dormiria o dia todo, e olha, está tão ensolarado.
Você gostarria de caminhar comigo, s'il te plaît? Estou tão cheia
de... de... — Ela riu e balançou a cabeça. — Não sei o quê, apenas
tudo tem sido tão marravilhoso e sinto que poderia correr por
quilômetros ou subir uma montanha... ou fazer qualquer coisa. Isso
é muito tolo?
— Não, ma mie, não é tolice. É assim que é ser feliz.
Ela suspirou e pegou seu braço, encostando-se nele. — Oui,
mon beau, estou muito feliz.
Ele puxou o braço para longe dela, sua expressão feroz. — Não
me chame assim, Céleste, não é apropriado.
Um olhar intrigado martirizou seu belo rosto enquanto ela olhava
para ele e tentava pegar seu braço mais uma vez. — Mas por quê?
Eu sou a sua mignonne, por que então você não pode ser mon
beau?
— Porque não é a mesma coisa — disse ele, com a voz afiada
enquanto puxava o braço da mão dela mais uma vez. — Eu falo
com você como... como uma sobrinha, alguém de quem eu gosto,
só isso. Não há nada mais do que isso, então peço gentilmente que
pare de inferir o que não existe.
Ela olhou para ele, e esperou que ela ficasse com raiva, mas ela
apenas desviou o olhar. — Oui, Alex — disse ela, com os olhos
abatidos. — Sinto muito.
Ele endureceu seu coração contra a necessidade de implorar-
lhe perdão. Isso tinha que ser feito, afinal, ele estava fazendo isso
por ela.
— Vamos, então — disse ele, permitindo que sua voz soasse
um pouco mais calorosa. — Vamos dar esse passeio, que tal?
Eles caminharam um pouco mais longe do que pretendia, mas a
cada momento que prometia a si mesmo que abordaria o assunto,
ele encontrava outro motivo para adiá-lo, só mais um pouquinho. Ela
parecia encantadora em um casacão verde-claro sobre um vestido
de passeio amarelo-pálido. Um belo bonnet de palha forrado com
cetim amarelo completava o conjunto e remetia Alex a prímulas, tão
doce e fresco era o resultado. Estava na ponta da língua para lhe
dizer isso, mas ele reteve as palavras com pesar. Ele não tinha o
direito de oferecer tais elogios e confundir ainda mais seu jovem
coração. Ele tinha de lhe dizer o que o seu futuro lhe reservava.
Mas estava um dia tão bonito, ele não queria estragá-lo para
ela. Talvez devesse contar-lhe amanhã, no fim das contas. Porque
hoje era um dia perfeito demais. Havia um calor verdadeiro vindo do
sol e os primeiros sinais de primavera estavam por toda parte.
Amentilhos pendiam dos galhos, gordos como lagartas, e novos
brotos perfuravam o solo como pequenas adagas verdes. Nos
campos, os cordeiros eram novos e bem satisfeitos consigo
mesmos e os grous anunciaram seu retorno triunfante, grasnando
do céu azul brilhante, sua formação precisa de flechas apontando o
caminho.
— É tão bonito aqui. É muito diferrente de Trregothnan?
Alex sorriu, amando a maneira como ela falava o nome antigo,
parecia algo novo e exótico quando ela pronunciava, como se a
velha casa empoeirada tivesse algum segredo misterioso que ele
ainda não havia descoberto. — Muito, ma... Muito diferente, sim —
disse ele, contendo-se. Ele tinha que pôr um fim a isso. — A
Cornualha não é tão agradável e bonita como aqui. É muito bonita,
mas é uma grande e às vezes perigosa beleza, eu acho. É um lugar
difícil e gera pessoas duras, mas que vivem intensamente.
— Você ama muito lá, não é mesmo? — Ela olhou para ele e ele
evitou os olhos dela.
— Suponho que sim. Afinal, nasci lá.
Ela parou, voltando-se para ele. — Alex?
— Sim.
— Queria lhe agradecer, por tudo. Ontem... Eu nunca
esquecerei. Foi tão perfeito. — Ele se afastou da gratidão e
adoração em seus olhos, imaginando como iria passar os próximos
dias, semanas, anos... sem esse calor para alimentar a sua alma.
Ele tinha aprendido a saber como era ter alguém dependente dele,
não apenas de sua segurança como qualquer número de inquilinos
e dependentes, mas de conforto, felicidade e tranquilidade, e... a
ideia de perder isso estava além de sua compreensão.
— Você já me agradeceu, Céleste, não há realmente
necessidade de continuar fazendo isso — disse ele, odiando o tom
indiferente de suas palavras. Ele parecia aborrecido e debochado,
um tom que qualquer um de seus contemporâneos acharia muito
comum nele. Mas usá-lo com ela, tratá-la dessa forma fez com que
sua alma se encolhesse em agonia. — Você já deve saber que sou
muito rico. Eram apenas bagatelas. No entanto, estou feliz por terem
lhe agradado.
— Agradaram-me — disse ela, e agora ele podia ouvir a dor e a
confusão em sua voz. — Especialmente isto — disse ela, tentando
sorrir e estendendo o medalhão para ele. — Eu amo este medalhão,
mas você deve me dar uma mecha de seu cabelo para manter
dentro dele, então...
— Não!
Ele sentiu-a pular em choque com a raiva em sua voz.
— Você deve parar com essa grande tolice, Céleste. Tentei
dizer-lhe gentilmente, mas agora devo deixar as coisas
perfeitamente claras. Você vai parar de falar comigo como se
fôssemos amantes. É repugnante para mim considerar que alguém
tão jovem quanto você possa ser qualquer coisa que não uma
protegida. Eu não sou e nunca serei nada mais do que seu
guardião. Patrocinarei sua entrada na sociedade através de minha
tia Seymour assim que você estiver pronta para debutar, mas, além
disso, essa... essa intimidade com que de alguma forma me trata
deve cessar imediatamente.
Ele parou e ousou olhar para ela, mas ela tinha virado a cabeça
e estava olhando para longe, e ele não podia ver nada de rosto,
escondido como estava pela borda de seu bonnet. — Eu me culpo,
eu deveria ter posto um fim a isso antes. A culpa é inteiramente
minha por ser muito descuidado com você e permitir isso, mas você
deve entender que não há e nunca haverá nada entre nós. Eu não
tenho intenção de me casar, mas se o fizesse, não seria para uma
moçoila sem um tostão, mal saída da sala de aula! — Ele parou
novamente, enfurecido internamente com as palavras e rezando
para que ela se voltasse contra ele. Deixe-a ficar com raiva, deixe-a
odiá-lo como ela certamente deveria odiá-lo. Ela deveria desprezá-lo
e ele a ajudaria a fazer isso. Mas, mesmo assim, ela não disse
nada. Ele podia ver o rápido sobe e desce do peito dela, mas o rosto
dela ainda estava virado e ele não conseguia olhar para ela, pois se
ela chorasse todas as palavras dele provavelmente não serviriam
para nada, pois ele não suportaria magoá-la tanto. — Você
entendeu? — exigiu ele, sua voz horrivelmente fria e dura.
Houve um silêncio por um momento, exceto pelo balido alegre
dos cordeiros, mas então ela assentiu. — Oui, Alex, eu compreendo.
Ele deu um suspiro de alívio, grato por ela estar tão bem. Talvez
a próxima parte não fosse uma surpresa tão grande agora.
— Na segunda-feira vou levá-la para a Inglaterra — disse ele,
tentando manter sua voz firme e equilibrada, e se perguntando por
que seu peito se sentia tão apertado. Ele mal conseguia respirar
pelo peso que segurava seus pulmões em uma garra de ferro. —
Minhas tias esperarão por nós em Tregothnan e elas a levarão de lá
para ir morar com elas. Elas a prepararão para sua primeira
temporada e, quando sentirem que você está pronta, ajudarão a
apresentá-la à sociedade. Elas são um par formidável e conhecem
todos que vale a pena conhecer. — Ele parou, com crescente
apreensão, percebendo como ela estava silenciosa. — Tenho
certeza de que você será um grande sucesso — acrescentou ele.
O silêncio era tão profundo que ele tinha a sensação mais
estranha que podia estender a mão e tocá-lo. A tensão irradiava de
cada linha da figura magra ao seu lado, e ele desejava que ela
dissesse algo, pois ele se sentia compelido a preencher o silêncio.
Talvez ele tivesse sido muito duro, talvez devesse tranquilizá-la.
— Minhas tias vão adorar você, é claro — disse ele, sua voz
soando de repente muito alta e insensível e, ainda assim, ela
permaneceu olhando para longe dele, silenciosa. — A tia Seymour é
bastante aterrorizante, devo confessar, mas você vai se acostumar
com ela, e Dotty – isto é, tia Dorothea para você, a menos que ela
dê permissão, bem, a velha querida é um pouco vaga para ter
certeza. Mas ela é doce e muito carinhosa. Ela vai ficar muito feliz
em tê-la com elas.
Ele parou, sem saber mais o que dizer a ela e orou para que ela
falasse, pois sua determinação geralmente de ferro começava a
enfraquecer e se transformar em pó como papel antigo.
— Você mentiu para mim — disse ela, com sua voz clara e
distinta, apesar da calma de suas palavras. Ela não disse mais nada
por um momento e ele vasculhou em seu cérebro qualquer coisa
para justificar suas ações ou provar que ela estava errada, mas não
tinha nada. Ele tinha mentido. Ele sabia disso na época, mas queria
que fosse verdade.
Ela se virou e ele quase deu um passo para trás quando
confrontado com a raiva e angústia em seus olhos.
— Você prometeu! Você me prometeu que nunca me mandaria
embora! Faz quantos dias. Dez, talvez? — indagou ela, avançando
sobre ele com tanta fúria que ele se perguntou se iria atacá-lo. — Eu
fiz o que você me pediu, Alex, não te provoquei, não te disse que te
amo, tentei ser sua amiga. Não é como se eu esperasse nada de
você — disse ela, seu tom havia mudado de fúria para desespero e
havia tanta dor em seus olhos. Ele não sabia se conseguiria
suportar. — Eu sei que você não me quer assim, eu entendo. Mas
você não pode me deixar ficar? — Ela estendeu a mão e agarrou a
mão dele, e a dela estava gelada enquanto ela se agarrava a ele. —
Irei me comportar e serei silenciosa, não incomodarei mais você, eu
prometo. Por favor, Alex, não me mande embora. Eu morrerei de
solidão sem você.
Ele engoliu em seco e se lembrou de todas as razões que o
levaram a fazer isso, de tudo o que ela perderia se casasse com ele
e fosse remetida a uma velha casa empoeirada no meio do nada,
dos olhares escandalosos que receberia se saísse com ela em
público, dos sussurros e dos mexericos a que ela seria submetida.
— Não seja ridícula — disse ele, zombando dela e balançando
sua cabeça para que ela soubesse que ele desprezava o
melodrama de suas palavras. — Você não vai morrer, eu lhe
garanto. Você vai esquecer tudo sobre mim, assim como eu
esquecerei de você. Em breve, sua mente estará ocupada com
outras coisas. Você estará rodeada de admiradores; irá se
apaixonar por cada um deles em contrapartida, tenho certeza, e
você terá várias diversões interessantes para preencher seus dias.
No final, você me agradecerá, garanto-lhe, se você sequer pensar
em mim. — Ele libertou sua mão de seu aperto. — Por favor, chega
de me acusar. É muito vulgar e demonstra a sua falta de educação.
— Garanto-lhe — repetiu ela, zombando de seu sotaque e dele,
por sua vez. — Nunca lhe agradecerei por isso. Se você realmente
acredita que sou tão superficial a ponto de esquecê-lo e me
apaixonar e desapaixonar por todo homem que sorri para mim... Por
que, então, acredita que eu não sou mais do que a prostituta que
você pensava que eu era, afinal de contas? Eu pensei que me
conhecia, Alex! Eu pensei que me entendesse, mas se acha que eu
quero toda essa... bobagem... — Ela parou e seu coração se
apertou quando as lágrimas finalmente começaram.
— Por favor, meu Deus, nada de lágrimas! — Ele forçou as
palavras, soando enojado, apesar de querer puxá-la em seus braços
e segurá-la, para tranquilizá-la que ela era tudo o de mais brilhante
e maravilhoso.
— Eu seria feliz aqui com você, ou se fosse para Trregothnan —
soluçou ela. — Eu não preciso de mais ninguém, Alex, eu não os
quero. Por favor... apenas deixe-me ficar com você.
Sua garganta havia ficado insuportavelmente apertada e como
ele não a puxou em seus braços e prometeu que nunca a deixaria ir,
estava além de sua compreensão. Mas ele não o fez, apenas ficou
ali, imóvel, como se não se importasse e simplesmente
respondesse.
— Não.
Ela se virou e começou a se afastar dele, e ele correu atrás
dela.
— Céleste, volte aqui — exigiu ele. — Precisamos discutir isso.
Vamos voltar para casa.
— Non! — Ela voltou-se contra ele e ficou claro que não haveria
discussão sobre nada. Ela não era capaz de ter qualquer conversa
racional. Havia um brilho selvagem em seus olhos, ele sabia que os
levaria ao desastre se essa conversa continuasse, pois não
suportaria vê-la mais magoada. — Não vou discutir isso, pois você
não vai ouvir. Você decidiu o que eu devo fazer, o que é melhor para
mim, porque eu sou apenas uma crriança estúpida sem um pingo de
experiência de vida e meus sentimentos não são reais. Eles não
contam e, certamente, não lhe dizem respeito. Portanto, non, eu não
vou voltar parra a casa eu prefirro voltar parra Roscoff! Não querro
ver você, nem falar com você ou estar com você, portanto, aí está,
você conseguiu algo pelo menos hoje. Agora, deixe-me em paz!
E, com isso, ela pegou suas saias e correu, e ele não ousou
segui-la, pois se o fizesse, faria algo imperdoavelmente tolo e
desfaria todas as suas boas intenções. Ele esperava que ela
colocasse sua raiva para fora e voltasse para a casa em breve. Seu
temperamento lhe era familiar, embora ele só o tivesse visto de vez
em quando, mas sempre tinha sido breve, energético e rapidamente
melhorava. Ele só podia rezar para que acontecesse o mesmo hoje.
Com a sensação de algo pesado residindo no peito, Alex refez
os passos de volta para casa e encontrou Henri sentada em um
banco no jardim quando chegou. Ele parou e virou-se para ela.
— Talvez... se você não se importar... — Ele parou, com medo
de que sua voz cedesse demais e respirou fundo para se firmar. —
Talvez seja uma boa ideia se você der um passeio, descendo em
direção ao rio. Céleste...
Henri levantou-se e colocou a mão no braço dele. — Você disse
a ela?
Ele assentiu, incapaz de dizer mais.
— Ah, Alex, eu...
— Não! — disparou ele, virando as costas. — Pelo amor de
Deus, por favor, não faça isso. — Ele se afastou dela em direção à
casa e bateu a porta atrás dele.
***
Céleste andava atordoada, sem saber para onde estava indo.
Suas botas estavam encharcadas e cheias de lama, e suas saias
estavam úmidas e manchadas. Ela teve pena de quem quer que
fosse limpá-las, pois provavelmente nunca mais seriam as mesmas.
Ela se lembrou de seus dias de esfregar e limpar para as meninas
no Madame Maxime e por apenas um momento ela quase pôde
desejar estar de volta lá. Pelo menos, naquela época, ela não tinha
esperanças, não queria nada tão desesperadamente além da
necessidade imediata de comer e ter um teto sobre sua cabeça. Ela
repreendeu-se profundamente por esse pensamento. Quanta
ingratidão. Alex tinha dado a ela tudo o que podia. Não era culpa
dele não amá-la.
Ele havia prometido a ela uma vida de tranquilidade, de coisas
bonitas, festas e amigos e nunca ter que se perguntar de onde viria
sua próxima refeição, ou se ela teria que dormir com um olho
aberto, pois não havia segurança para relaxar o suficiente para
encontrar um sono tranquilo. Ele havia lhe dado tudo o que se
poderia razoavelmente esperar e muito, muito mais, mas ele
também havia tirado algo dela. O fato de o ter feito sem querer não
fez com que doesse menos. Mas sim, que tivesse menosprezado
seus sentimentos como se não valessem a pena porque ela era
jovem a deixava furiosa com ele, e, ainda assim, sua raiva durou
pouco. Por alguma razão, era uma emoção que ela não podia
sustentar em relação a ele. Mesmo que quisesse. Naquele
momento, gostaria muito que ele sofresse a dor que sentia no
coração, que ele soubesse o que era amar alguém que você nunca
poderia ter. Talvez, então, ele não a mandasse para longe dele,
porque saberia o quão profundamente isso a machucaria.
Pouco a pouco, sua raiva foi sendo substituída por uma tristeza
desgastante que parecia roubar sua energia, e ela não queria nada
mais do que sentar-se na lama e ficar ali. Mas isso seria lamentável
e fraco, e ela não era nenhuma dessas coisas. Então, ela voltaria
para casa e seria mandada embora como ele queria que ela fosse e,
então... e, então... Ela não conseguia pensar em nada além disso, a
tristeza era grande demais.
Finalmente, estradas familiares vieram à tona e ela deu um
suspiro de alívio, porém, o céu estava escurecendo. Ela estava
andando há horas e a fome lhe roía o estômago, embora a ideia de
realmente comer qualquer coisa a fizesse sentir-se doente. Nuvens
pesadas e escuras passavam no alto quando os grandes telhados
das torres de Longueville apareceram à distância e as primeiras
gotas de chuva começaram a cair.
O chão já estava encharcado e sujo e, quando a chuva começou
a cair de verdade, suas botas escorregavam no solo espesso e
remexido enquanto ela atravessava o campo até a estrada que
corria para o Château. Ela arfou quando seu pé falhou e quase caiu
de cara na lama, mas uma mão apareceu e a segurou firmemente
no braço, puxando-a de costas e mantendo-a erguida. Virando-se,
ela abriu a boca para agradecer a quem a ajudara, e sentiu uma
onda de puro medo e frio ao olhar nos olhos do homem que estava
ao seu lado.
Capítulo 15
“No qual um herói se desespera e a nossa heroína toma as rédeas
com as suas próprias mãos.”

Por um momento, Céleste apenas olhou fixamente, surpresa


demais para estar tão assustada quanto talvez devesse estar,
embora isso não tenha durado muito tempo. Ela puxou seu braço
livre, mas depois percebeu a futilidade dessa ideia quando
apareceram mais quatro homens, com olhares em seus rostos que
ela sabia serem malvados.
Antes que pudesse falar ou fazer qualquer outra coisa, foi
atingida com tanta força que seus ouvidos zumbiram e suas pernas
cederam, e ela não sabia mais nada, pois a abençoada escuridão a
engoliu.
***
— Céleste! — A voz de Alex soou através da escuridão
crescente e ele ouviu o nome dela repetido quando Lawrence e
seus homens também gritaram. Quando Henri voltou para dizer que
não havia sinal dela, ele mesmo se propôs a olhar, com Lawrence e
os homens que vigiavam sua propriedade. Isso tinha sido há duas
horas. O nome dela ecoou nos campos de Longueville, e ele pensou
que nunca tinha sentido um medo tão grande e desesperador como
o terror que o dominava agora.
Ele deveria tê-la seguido, nunca deveria tê-la perdido de vista. E
se ela tivesse caído? E se alguém a tivesse machucado? Ela nunca
deveria ter sido autorizada a sair sozinha. Eles já tinham estado nos
arredores da propriedade, e não muito longe da casa, e ele tinha
pensado que ela iria apenas andar para esfriar a cabeça e voltar
quando estivesse mais calma. Ele nunca pensou que... Se algo
tivesse acontecido com ela... Ele não conseguia parar de pensar
nisso.
Certamente, se alguém estivesse perto da propriedade, um dos
homens teria visto. Longueville era bem vigiada, tanto Lawrence
como ele tinham inimigos suficientes para levar a segurança muito a
sério, mas se ela tivesse se desviado para longe do Château... Seu
coração se contraiu. Por favor, meu Deus, por favor, que ela esteja
em segurança.
Ele tinha caminhado até as extremidades mais distantes da
propriedade de Longueville no lado norte e segurou a lamparina no
alto, escaneando o horizonte, mas a chuva e o vento batiam contra
ele, cegando-o momentaneamente. Ele foi forçado a olhar para
baixo e viu o mais fraco vislumbre de ouro na lama. Dificilmente
ousando respirar, ele curvou-se e tirou o medalhão da Céleste da
lama, a fina corrente claramente quebrada em dois. Oh, meu Deus,
não. Ele segurou a lamparina e olhou em volta, encontrando o chão
agitado e coberto de pegadas de homens. Ele se virou
cuidadosamente, não querendo perturbar a trilha e encontrou o
lugar onde as pegadas de Céleste paravam. Com terror e fúria
segurando seu coração em suas mãos, ele seguiu as pegadas até a
estrada onde claramente havia uma carruagem esperando.
— Lawrence! — gritou ele, o mais alto que pôde. — Lawrence,
traga os cavalos agora!
***
Céleste despertou para um movimento de sacudida familiar. Sua
cabeça estava latejando e ela podia sentir o gosto do sangue na
boca. Algo estava muito, muito errado. Ela abriu os olhos e
imediatamente se mexeu, pulando para a porta da carruagem, mas
o homem do lado oposto a ela bateu com o pé e a empurrou de
volta para o seu assento. Ela olhou para ele aterrorizada, de repente
focando na pistola em sua mão.
— Eu não faria isso, ma chérie, pois senão terei que atirar em
você, e realmente preferiria não fazer tal bagunça na carruagem.
Céleste ficou imóvel e olhou para seu sequestrador. O ar puro e
preciso sobre ele, desde suas botas de cano alto brilhantes até o
impecável colete de seda azul e a gravata branca translúcida. Tudo
nele era perfeito, não havia um fio de cabelo fora do lugar, suas
mãos eram muito macias, muito limpas, bem cuidadas, com os
dedos longos, uma delas segurava a pistola de maneira tão casual,
com aqueles olhos frios, cruéis e reptilianos. O coração de Céleste
estava martelando e suas próprias mãos tremendo tanto que não
conseguia mantê-las quietas, mas ela sabia o que esse homem
queria e duvidava que ele a matasse, ainda. Ele ainda não havia
conseguido o que queria, e havia percorrido um longo caminho para
consegui-lo.
Ele olhou para ela com aprovação e avançou dentro da
carruagem. Usando a ponta da pistola, ele inclinou a cabeça dela,
de um lado para o outro. — Tanta beleza, uma pena que tive que
bater em você. Espero que você não me obrigue a fazer isso
novamente. Eu odiaria tanto ver essa linda pele coberta de
hematomas. — O cano da arma desceu pelo seu pescoço e voltou a
subir, o metal frio mal tocava sua pele, mas fazendo-a recuar,
aterrorizada. — Pensei muito sobre isto, Céleste. Sabe, eu fiquei
muito, muito, muito zangado ao descobrir que você tinha partido.
Receio que tenha descarregado essa raiva em madame Maxime. —
Ele lhe deu um sorriso desagradável e a repulsa estremeceu através
dela. — Você deveria me agradecer por isso; ela nunca foi muito
simpática com você, não é mesmo? Ainda assim, as meninas
podem sempre encontrar outra cafetina, acredito eu.
Céleste inspirou o ar, arregalando os olhos. Ele tinha matado
Maxime. Era verdade que Maxime não tinha sido gentil com ela,
mas ela não merecia isso. Céleste foi subitamente dominada por
uma raiva pura e fria, que esse bastardo pensava que podia fazer o
que quisesse com ela, com qualquer mulher, porque tinha dinheiro e
uma arma para se esconder atrás. As palavras foram ditas antes
que ela pudesse refrear-se.
— Sinto-me lisonjeada, monsieur Pelletier, que você tenha se
dado tanto trabalho de vir me procurar — respondeu ela, mantendo
o tom tão cortante como vidro e altivo como sua mãe a havia
ensinado ao falar com alguém de uma classe inferior. — Mas temo
que você tenha desperdiçado a sua viagem. Pois o que você
procurou tirar de mim não está mais disponível.
Pelletier franziu a sobrancelha e ela riu na cara dele.
— Eu sou amante do conde de Falmouth, seu tolo, não mais a
doce virgenzinha que você esperava tomar para si. Então, como vê,
não pode mais ter o que queria roubar, pois eu já o dei, de livre e
espontânea vontade e ao homem que amo.
Sua mão voou com tanta velocidade e força que ela não teve
tempo de dar um pio, apenas sentou-se em silêncio atordoada com
a bochecha queimando.
— Sua vadia estúpida — sibilou ele, o rosto marcado com fúria.
Ele olhou para ela como se de alguma forma tivesse se
transformado diante de seus olhos. — Bem, você está certa, não
vale mais nada agora. — Ele olhou para ela com mais repugnância
do que desejo agora. — Mas é uma pena para você — acrescentou
ele, com um sorriso. — Eu teria facilitado as coisas para você, mas
já que é assim, não irei desperdiçar meu tempo. Eu ainda a levarei
comigo, até que me aborreça de você. Então, talvez eu a entregue
aos meus homens para que possa entretê-los por um tempo. Talvez,
se você sobreviver, possa voltar ao seu conde, e veremos se ele
ainda a quer, o que acha?
Céleste engoliu em seco, mas não disse nada. Sua mente
estava cambaleante e ela lutou contra o terror cego que ameaçava
esmagá-la. Tinha que haver uma maneira de se livrar dele. Não
seria a primeira vez que teria que lutar contra alguém maior e mais
forte. No bordel, ela estava acostumada a afastar homens que
achavam que ela era uma das atrações. Um tinha sido
particularmente insistente e a tinha encurralado sozinha. Mas aquele
homem não tinha o brilho cruel em seus olhos que ela podia ver
agora, ele estava simplesmente bêbado, e felizmente lento por
causa disso. Pelletier não era nenhuma dessas coisas, e ele não
estava sozinho.
Ela pensou em Alex e em como se sentiria quando descobrisse
que ela tinha ido embora. Será que ele a acharia ingrata o suficiente
para fugir? Ela percebeu que ele poderia até acreditar que ela havia
corrido de volta para Roscoff depois de tudo o que ela havia dito.
Será que ele a seguiria? Ou será que ele decidiria que a vida seria
mais fácil sem ela? Não, ela não acreditaria nisso. Ele gostava dela
pelo menos, como... como uma sobrinha, isso era óbvio, ou pelo
menos tinha sido.
Não, Alex a seguiria, mas não saberia que deveria procurar por
Pelletier; vê-lo havia sido um choque tão grande. Ela não fazia ideia
de que ele tinha ficado tão obcecado por ela. Sim, ele estava
sempre lá, observando, mas ela nunca havia imaginado que ele
chegaria ao ponto de procurá-la, e ela duvidava que isso ocorreria
com Alex. Ela estava por conta própria e tinha que se salvar.
Céleste sentou-se e jurou manter a boca fechada e os olhos
abertos, até o momento em que pudesse ficar livre. Ela fingiria ser
dócil e fazer o que Pelletier pedisse, talvez então ela encontrasse
uma maneira de escapar dele.
— O que quer que esteja pensando, mademoiselle, não perca
tempo, por favor. Estamos indo para um lugar onde ninguém a
encontrará e você não pode escapar de mim.
Ela assentiu e não tentou deter as lágrimas que caíram. Talvez
se houvesse algo neste bastardo que pudesse ser tocado, ela
poderia pelo menos fazê-lo ir com mais calma com ela.
— Eu entendo, monsieur. Eu o subestimei. Farei o que quiser,
só... não me bata de novo.
Pelletier riu, soando genuinamente divertido, e assentiu. — Oh,
sim, você fará o que eu quiser e talvez se for muito boazinha, não
lhe baterei. Mas não prometo nada, Céleste. Você me causou
problemas e despesas, e eu pretendo obter uma compensação da
maneira que eu desejar.
***
— Maldição! — Alex levou seu cavalo até o cruzamento e eles
olharam novamente para o chão, mas havia muitas pistas ali para
ter certeza de qual delas eles estavam seguindo. — Teremos que
nos separar — disse ele, perguntando-se como, em nome de Deus,
sua voz soava tão calma quando sentia que seu coração estava
sendo arrancado de seu peito. — Rob, pegue quatro homens e siga
a bifurcação à direita. Lawrence, Pierre, e o resto de vocês, venham
comigo.
Eles se separaram e os cavalos trovejaram durante a noite. Alex
rezou para que a sorte deles se mantivesse, pois era uma maravilha
que os cavalos mantivessem o ritmo, pois o caminho era traiçoeiro e
o solo remexido abaixo deles. A chuva continuava martelando,
congelando e incomodando à medida que a velocidade que
cavalgavam forçava os olhos e rostos. Cavalgaram tão rápido
quanto ousaram até que outro cruzamento apareceu. Quando
olharam em volta em desespero, as pistas tinham desaparecido.
Alex xingou com fúria e frustração, e desmontou, procurando nas
estradas por qualquer sinal que tivessem ignorado, mas não havia
rastros de uma carruagem que tivesse vindo por ali recentemente.
— Devemos ter passado do ponto — gritou Lawrence, sobre o
barulho do vento e da chuva. — Certamente havia pegadas no início
desta estrada e uma carruagem não pode desaparecer do nada.
— Veja! — disse Alex, a esperança saltando à vista como um
pequeno vislumbre de luz cintilou brevemente na escuridão através
dos campos. — Você viu isso?
Lawrence balançou a cabeça, mas continuou a observar onde
seu irmão havia indicado. Alex voltou a montar em seu cavalo e eles
olharam juntos até que Lawrence sussurrou.
— Lá! Eu estou vendo.
Ela brilhou por um momento e desapareceu novamente, como
se fosse alguém segurando uma lamparina e caminhando no
escuro. Alex não esperou que Lawrence o seguisse, simplesmente
instou seu cavalo a voltar pela estrada, procurando um caminho fora
do trecho principal que eles não haviam notado. Cerca de oitocentos
metros atrás, encontrou o que procurava e os trilhos de carruagem
que seguiam pelo caminho. Ele foi virar seu cavalo, mas Lawrence,
cavalgando ao seu lado, alcançou e agarrou as rédeas.
— Espere! Alex, não podemos ir até lá sem saber no que
estamos nos metendo.
— Mas Céleste está lá — sibilou ele, a necessidade de
encontrá-la e trazê-la de volta à segurança tão feroz que obliterava
qualquer outra preocupação. Meu Deus, quando ele se lembrou de
todas as coisas terríveis que ele lhe dissera...
— E se ela está lá, provavelmente estará vigiada — retrucou
Lawrence. — Pense, homem! Eu sei que você precisa dela de volta,
mas temos que fazer isso direito. Se eles nos ouvirem chegando,
irão se proteger na casa e nos matarão, um por um. Vamos
esconder os cavalos aqui, e nos aproximar a pé. Você dá a volta por
trás e nós nos espalhamos por cada lado para que ninguém escape.
Certo?
— Muito bem — rosnou Alex, sabendo que Lawrence estava
certo, mas ele mal podia esperar para pôr as mãos em quem quer
que fosse responsável por isso. Quem quer que fosse, se sentiria
muito, muito arrependido pelo trabalho desta noite. — Então pelo
amor de Deus, vamos colocar logo esse plano em ação.
***
Céleste olhou ao redor do quarto desbotado com suas
esperanças desaparecendo muito rapidamente. As janelas tinham
persianas fechadas, que tinham sido claramente pregadas.
Aparentemente, pelo que tinha conseguido entender, esta era
apenas uma parada para a noite. Ele tinha a intenção de voltar para
Roscoff com ela, mas sua pequena revelação tinha agora
impossibilitado esse plano. Ele não queria mantê-la agora que ela
era um produto estragado. O que isso significava, sabendo o que
havia acontecido com Maxime, fez seu coração bater tão rápido que
ela se sentiu tonta de medo.
A quarto em si era espaçoso. Havia uma cama arrumada com
cobertores brancos imaculados e uma única cadeira de madeira. O
quarto tinha sido claramente projetado para servir a um único
propósito, algo que ela não queria pensar muito, pois sua coragem
lhe falharia e sucumbiria à histeria. Caso se deixasse levar pelo
pânico, estaria perdida, e não tinha intenção de se perder. Ela não
tinha sobrevivido tanto tempo sozinha em um mundo perigoso, para
deixar uma criatura vil como Pelletier vencer.
No entanto, não tinha como usar as janelas para fugir e ela
podia ouvir um guarda do lado de fora da porta, um homem grande
e pesado, de aparência estúpida, que fazia as tábuas do chão
rangerem em protesto cada vez que se movia. Sua estupidez
poderia ser usada contra ele, pensou ela. Pelletier tinha
desaparecido por enquanto, mas ela não tinha dúvidas de que
estaria de volta muito em breve. Essa era provavelmente a sua
única chance. Respirando fundo, ela se moveu para a porta e bateu
nela com uma esperança silenciosa.
— Monsieur — sussurrou ela. — Oh, monsieur, por favor, posso
falar com você por um momento?
Houve um sussurro de aborrecimento e uma voz dura
respondeu. — Que veux-tu, chienne.
Ela cerrou os dentes contra a maneira insultuosa como ele falou
com ela e respondeu da maneira mais doce que ela pôde. — Será
que poderia falar com você, por favor? Mas abra a porta, não posso
fazer isso sem ver seu rosto.
— Fazer o quê? — indagou ele.
Ela deu um longo suspiro. — Bem, eu não posso dizer, é... é
embaraçoso.
Houve um silêncio, e ela esperava que a curiosidade do tolo
fizesse com que ele sucumbisse.
Ela ouviu a chave girar na fechadura e a porta se abrir. Ela
quase recuou ao olhar para ele. Ele era enorme e grosseiro, com
uma grande barriga que se projetava sobre um cinto de couro gasto.
Ele virou e trancou a porta novamente atrás dele, mantendo a chave
em seu punho gordo.
— Alors?
Ela se obrigou a lamber os lábios e lembrou como as meninas
do Madame Maxime brincavam com seus clientes, conseguindo seu
interesse para que fossem escolhidas em vez das outras meninas.
— Notei você imediatamente, monsieur — disse ela, mantendo
sua voz suave e seus olhos baixos. — O homem que me levou,
Pelletier, não gosto dele. — Ela lançou-lhe um olhar sedutor por
debaixo das pestanas. — Ele me bateu e disse coisas infames,
mas... mas acho que um homem como você me trataria com
gentileza. Eu poderia ser gentil com um homem como você. — Ela
tomou outro fôlego, forçando a náusea que estava turbilhando em
seu estômago a ficar parada e deixá-la fazer isso. Aproximando-se,
passou a mão sobre o tecido áspero de sua jaqueta, notando com
repugnância várias manchas que fizeram subir a bílis na garganta.
— Você gostaria... que eu fosse gentil com você?
Para seu alívio e repulsa, os olhos do homem se iluminaram e
ele se inclinou para ela.
— Muito bem, então — disse ela, muito consciente da chave em
sua mão. — Por que você não vai até a cama para ficar mais
confortável? — Ela começou a desabotoar seu casaco e puxá-lo de
seus ombros, mas é claro que ele não soltava a mão que estava
apertada sobre a chave. Ele a colocou obrigatoriamente no peitoril
da janela e ela fingiu não notar, fazendo um grande espetáculo de
dobrar bem o casaco enquanto ele ia em direção à cama.
No momento em que suas costas viraram, ela agarrou a cadeira,
levantou-a acima de sua cabeça e a jogou com tudo o que tinha. Ela
se esmagou contra ele, fazendo-o cair na cama em uma chuva de
madeira quebrada, e Céleste gritou enquanto lascas arranhavam
suas mãos. Ignorando qualquer outra coisa, pegou a chave e correu
para a porta, suas mãos tremendo tanto que por um momento
pensou que não seria capaz de virá-la. Uma vez aberta, saltou em
liberdade, correndo para as escadas e encontrando com
consternação outro dos brutamontes de Pelletier correndo para
cima, obviamente atraído pelo acidente vindo do andar superior.
Sem parar, ela fez a única coisa que podia e se atirou para
baixo, seu peso forçou o homem a voltar e os dois caíram
fortemente. Céleste teve, pelo menos, sua queda amortecida,
mesmo machucando-se muito, mas não podia parar agora. O
homem abaixo dela estava gemendo e agarrando a sua cabeça, que
ela notou com prazer sangrava profusamente. Correndo para a
porta da frente, encontrou-a trancada e sem chave à vista, e assim
lutando contra o pânico, virou e se dirigiu para trás. A cada passo,
esperava que Pelletier ou um de seus homens saísse das sombras,
e ela podia ouvir xingamentos e movimentos do andar de cima
enquanto o homem que ela abateu com a cadeira recuperava seus
sentidos. Com o terror fazendo seu coração trovejar nos ouvidos,
encontrou a porta dos fundos, mas depois uma voz chamou de fora
e reconheceu-a como sendo de Pelletier.
Tomada de um pânico cego, procurou por um lugar para se
esconder. Não havia nada e nenhum lugar. Era uma sala grande e
vazia, sem cantos convenientes, nada além de uma enorme lareira.
O fogo não tinha sido aceso e a grade estava fria e cheia de cinzas,
e ela percebeu que poderia ser sua única chance. Correndo até lá,
ela a achou alta o suficiente para se manter de pé com facilidade.
As paredes de todos os lados foram construídas de pedra, e ela
passou as mãos sobre a superfície áspera, tentando encontrar onde
se segurar. A fuligem caiu por cima dela e ela tossiu e se engasgou,
piscando e, então, começou a subir.
Capítulo 16
“No qual um maldito preço é extraído do passado, e pago pelo
futuro.”

Alex se aproximou da casa por trás, o céu ainda escuro e


sombrio com nuvens arroxeadas. A luz da lua já deveria ter
aparecido, mas a cobertura de nuvens era muito profunda e
espessa, e a noite persistia. Pelo menos a chuva havia parado, e ele
mal podia ver um palmo à sua frente. Ele estava congelado e
encharcado até os ossos, mas nada disso importava, seu sangue
corria em suas veias, ardendo de fúria e medo. O desejo de
arrancar, membro por membro, de quem quer que tivesse levado
Céleste era tão grande que ele não queria nada além de derrubar a
porta, sem importar as consequências.
Mas Lawrence estava certo, se quisessem ter certeza de que
Céleste saísse dessa ilesa, precisavam saber no que estavam se
metendo. Pausando ao ouvir vozes, viu alguém entrar na casa pela
porta dos fundos. A porta se fechou e ele acelerou seu ritmo. Ele
não suportava pensar em Céleste fechada ali dentro, no que poderia
estar acontecendo com ela neste momento. Seu coração sentiu
como se estivesse sendo esmagado e ele correu para a porta dos
fundos, preparando sua pistola e carregando-a ao seu lado.
Embora não houvesse nenhuma garantia de que estivesse lá,
eles poderiam ter seguido os caminhos errados; essas pessoas
poderiam ser inocentes. A razão o fazia se questionar se ele se
encontrava a quilômetros de distância de onde ela realmente
estava. Não. Ele tinha aprendido a confiar em seus instintos durante
a guerra, e todos os instintos gritavam que ela estava aqui. Ele
ouviu quando os gritos começaram lá dentro. Alguém estava
gritando sobre uma garota. Onde ela estava? Seu coração se
animou. Ele deveria saber que Céleste não esperaria para ser
resgatada.
Ao girar a maçaneta da porta, ele a encontrou trancada e então
seu coração congelou quando ouviu uma mulher gritar. Não parando
para pensar ou considerar, mais além do alcance da sanidade de
uma forma que jamais havia feito antes, ele simplesmente reagiu e
abriu a porta em um chute.
À primeira vista, a sala estava vazia, e então ele viu uma figura
que pairava sobre a abertura sombria da lareira. O grito veio
novamente seguido por uma chuva de fuligem, e outra figura caiu no
chão. Em meio à poeira e à confusão era muito perigoso apontar
com sua arma, mas ele viu o brilho de uma pistola e se jogou para o
lado quando um tiro passou raspando por sua cabeça.
Levantando-se, focou o olhar no atirador através do ar cheio de
fuligem. — Solte-a! — gritou ele, apontando a pistola para o homem,
embora Céleste ainda não estivesse fora da linha de tiro enquanto o
homem sujo a segurava diante dele.
Os dois congelaram diante de sua ameaça e, por um momento,
ele viu tanta alegria e alívio nos olhos de Céleste, mas durou pouco,
pois uma voz falou atrás dele em francês.
— Leve-a para a carruagem — instruiu uma voz masculina, com
autoridade. Alex virou a cabeça para ver uma figura atrás dele,
vestido como um cavalheiro ao contrário do homem segurando
Céleste e com duas pistolas em riste. Uma era destinada a ele, a
outra, à Céleste.
— Non! — gritou Céleste, lutando contra seu captor. — Non,
deixe-o em paz! Irei me comportar, monsieur, irei com você, mas,
por favor, não o machuque.
— Ah, o seu conde, eu suponho... — disse o homem, com um
desdém de desprezo. Ele se virou para Alex. — Abaixe a arma,
milorde, ou atirarei em ambos.
Alex não se moveu. Ele achava que essa criatura não se
importaria por um momento se atirasse no homem que segurava
Céleste, e ele mesmo estaria morto antes que pudesse se virar e
atirar nele. Mas Lawrence e seus homens estavam na frente, se
eles apenas movessem seus malditos traseiros.
Ele assistiu impotente enquanto o homem afastava Céleste,
embora ela não o tenha facilitado a vida, lutando como um gato
selvagem.
Alex abaixou sua arma e o homem sorriu para ele, uma
expressão profundamente desagradável que Alex estava
desesperado para limpar de seu rosto miserável.
— Largue a pistola. Isso... Bom garoto... — disse o homem, com
um inglês muito acentuado enquanto gesticulava com uma das
pistolas. Alex rangeu os dentes e fez o que lhe foi pedido, e o
bastardo riu, satisfeito consigo mesmo ao apontar as duas pistolas
em direção a Alex. Mas, então, o som dos tiros do exterior fez o
homem olhar de volta para a porta da frente, sua arma não mais
dirigida a Alex.
Alex não hesitou, mergulhando em sua direção, e os dois caíram
no chão. Pistolas foram disparadas e Alex sentiu uma onda de calor
e sua bochecha latejando. O homem abaixo dele praguejou e lutou,
mas Alex lhe deu um soco forte que o deixou inconsciente.
Os sons de uma luta na frente da casa acalmaram e Lawrence
entrou na sala enquanto Alex se colocava de pé e arrebatava sua
arma. — Vigiem-no! — gritou ele. — Eles ainda têm Céleste. — Ele
correu da sala na direção que seu captor havia saído e, para seu
alívio, ainda podia ouvir sua doce furiosa lançando um terrível
xingamento sobre o homem que a segurava.
Ele virou a esquina da casa e viu o bastardo tentando
desesperadamente colocá-la na carruagem enquanto Céleste
chutava e lutava com todas as suas forças. Mas o homem era muito
mais pesado e forte que ela, e com um rugido de raiva ele a atingiu,
jogando-a de volta na carruagem. Alex gritou com raiva e disparou,
o tiro acertando o objetivo e seu alvo caindo para trás, morto antes
de atingir o chão. Correndo para a carruagem, ele estava bastante
seguro de que seu coração havia parado em seu peito quando olhou
a figura imóvel no chão da carruagem.
Ela estava coberta de fuligem e sangue, mas os hematomas em
sua adorável pele eram pouco visíveis no vislumbre da luz da
manhã. Alex a agarrou, segurando-a em seus braços. — Céleste?
— gritou ele, com a mão acariciando o belo rosto dela e mal
ousando respirar enquanto as pálpebras dela tremularam e ela
acordava. — Céleste — disse ele novamente, sua voz tremendo de
alívio que expandia por seu peito e permitia-lhe respirar outra vez.
Ele olhou para ela com admiração, consciente do quanto esteve
perto de perdê-la. Por um momento, ela congelou, piscando para ele
em um atordoamento antes de jogar seus braços em torno de seu
pescoço.
— Alex? — soluçou ela. — Est-ce vraiment toi?
— Sim — respondeu ele, segurando-a o mais apertado que
pôde e agradecendo a Deus. — Sim, mignonne, sou eu mesmo. —
Relutantemente, manteve-a afastada dele e, com raiva crescente,
olhou para os ferimentos dela, evidência de hematomas e maus-
tratos. — Quem fez isso com você, Céleste? — rosnou ele. —
Quem é ele?
— Pelletier — disse ela, apesar de tremer tanto que mal
conseguia pronunciar o nome dele.
Alex ficou totalmente imóvel ao ouvir o nome registrado em sua
mente. Ele deveria ter lidado com o bastardo antes que tivessem
partido, sabendo que ele era uma ameaça para ela, mas em vez de
enfrentá-lo, tinham fugido. Ele poderia ter impedido isso, de alguma
forma. A culpa se fundiu com fúria, mas ele levantou Céleste e a
sentou no assento da carruagem com cuidado. — Fique aqui —
ordenou ele. — E não se mova até que eu venha por você.
— Non — gritou ela, saltando da carruagem e se agarrando ao
braço dele. — Alex, não querro ficar aqui sozinha, aonde você vai?
— Matar Pelletier — disse ele, seu tom feroz.
— Oui! — respondeu ela, seus olhos piscando na escuridão. —
Ele matou madame Maxime, Alex, e ele me disse coisas... coisas vis
e nojentas que farria comigo — gritou ela, sua voz cheia de fúria. —
Sim, eu querro que você o mate, mas eu querro ver, não vou ficar
aqui sozinha!
Ele olhou para ela, perguntando-se se deveria ficar horrorizado,
mas depois viu o medo nos olhos dela. Ela precisava saber que o
bastardo nunca mais a incomodaria. Além do mais, a probabilidade
de ela não apenas segui-lo de qualquer maneira, não importando o
que ele dissesse, era realmente pequena. Ele acenou com a
cabeça, acariciando o rosto dela com os dedos e dando-lhe um
sorriso sombrio. — Fique por perto, então.
Eles voltaram à casa e descobriram que Lawrence, Pierre e os
outros tinham dado um jeito nos três homens restantes, embora
aparentemente o que estava no fundo das escadas tivesse morrido
antes de chegarem lá. Mas um homem permanecia vivo.
Alex levou Céleste a Lawrence, e depois se voltou para
enfrentar o homem que lhe havia feito isso – o homem que havia
planejado fazer coisas que haviam enchido os olhos da garota de
terror.
Pelletier se manteve calado e houve uma compreensão
horrorizada em sua expressão quando Alex avançou sobre ele. —
M-monsieur, perdoe-me, houve algum mal-entendido bobo. Eu
pensava que ela fosse apenas uma prostituta comum. Eu paguei
muito por ela e... e...
— Quer dizer que você pensou que poderia vir à minha casa e
roubá-la de mim — respondeu Alex, seu desejo de desabafar sua
fúria sobre este homem de forma muito clara. — Apesar do fato de
você saber muito bem que ela não era uma prostituta, porque pagou
por uma virgem. E prostituta ou não, nenhuma mulher é sua para
ser tomada, só porque você pode.
Pelletier olhou atrás dele e de volta para Alex com um
desespero crescente ao perceber que não havia para onde fugir. Ele
estava suando profusamente e, enquanto Alex olhava para ele, tinha
uma imagem súbita e vívida em sua mente das mãos desta criatura
imunda em Céleste, em sua doce menina. Ele estava cheio de uma
fúria que nunca havia experimentado antes. Alex bateu no rosto de
Pelletier, e o homem caiu em uma chuva de sangue e um grito de
dor forte, e depois disso ele perdeu a cabeça. Havia simplesmente
sua raiva e o homem sob seus punhos, e então gritos enquanto era
puxado para longe, lutando contra aqueles que parariam sua
necessidade desesperada de retribuição.
— Alex! — Ele pestanejou, sabendo que a voz era familiar, mas
ainda lutando, embora em alguma parte de sua mente ele começou
a perceber que era seu irmão que o estava segurando imóvel, com
alguma ajuda de Pierre. Ele foi preso à parede e vagamente
consciente do choque em seus olhos. — Pelo amor de Deus, ele
está morto! — gritou Lawrence com ele, sacudindo-o com força.
Alex assentiu, percebendo que deveria reconhecer esse fato.
— Você vai ficar calmo agora? — perguntou Lawrence, com a
voz um pouco trêmula, e quando Alex olhou para baixo, pôde
entender o porquê. Uma massa ensanguentada jazia no chão
usando as roupas que Pelletier havia usado. Ele olhou para suas
próprias mãos e as encontrou em grande parte no mesmo estado.
— Estou calmo — respondeu ele, embora não tivesse certeza
de que isso fosse inteiramente verdade. Lawrence o soltou e
gesticulou para que seus homens esvaziassem a sala. Eles levaram
o corpo e os deixaram sozinhos. — Céleste? — perguntou ele.
— Mandei levarem-na para fora quando... — parou Lawrence, e
Alex acenou com a cabeça.
— Obrigado.
Lawrence soltou um suspiro. — De nada. — Ele pegou Alex pelo
braço e o guiou para a frente da casa, onde havia uma bomba
d'água. — Agora, pelo amor de Deus, lave-se.
Alex fez o que lhe foi dito, movendo-se no automático e lavando
o sangue de Pelletier de suas mãos.
— Seu rosto também — disse Lawrence, sua expressão
sombria.
Ele espalhou a água gelada em seu rosto, saboreando o toque
limpo e frio contra sua pele. — Eu o choquei — disse Alex, limpando
a água dos olhos em sua manga.
Lawrence soltou um barulho de diversão embora houvesse
pouco humor nisso tudo. — Vi muitas coisas nos dez anos em que
fui pirata, Alex, e achei que não havia nada que pudesse me chocar,
mas... mas você é meu irmão, maldição, e...
Alex sorriu para ele. — Eu lhe disse há algum tempo, Lawrence.
Eu não sou o homem que era — disse ele. Ele hesitou e respirou
fundo, perguntando-se o quanto Céleste tinha visto e o que ela
pensava dele agora. — Agora talvez você deva entender o porquê
eu não posso me casar com ela. Eu fiz muitas coisas, vi demais... fui
responsável por muita coisa. Eu não trarei tal escuridão em sua
vida. Ela já sofreu o suficiente. Isso precisa terminar aqui e agora.
Ela precisa se afastar de mim, desta vida, para começar de novo.
Lawrence assentiu. — Entendo melhor do que você pensa, mas
não tem como escolher quem você ama, Alex, nós dois sabemos
disso.
— Não — respondeu ele, sabendo o quanto isso era verdade. —
Mas ela é suficientemente jovem para se recuperar e recomeçar, e a
melhor coisa que posso fazer por ela é dar-lhe a chance de fazer
isso.
— E quanto a você? — perguntou Lawrence, a compaixão clara
demais em seus olhos. — Não importa se você não admite, eu sei
que você a ama. Como você vai se recuperar?
Alex encolheu os ombros. — Eu não tenho mais salvação. Não
é de hoje. Mas se eu posso fazer isso por ela... Bem, pelo menos
isso é algo do qual posso me orgulhar, e não tenho certeza se há
realmente algo mais na minha vida do qual me orgulhe.
Capítulo 17
“No qual nossa corajosa heroína está a salvo mais uma vez, mas
enfrenta um futuro solitário.”

Levou algum tempo para enterrar os corpos e destruir qualquer


evidência do que havia acontecido na casa. Alex tirou a coberta da
cama para enrolar ao redor de Céleste, embora isso o tenha
deixado com nojo de si. Mas a garota tremia tanto que os dentes
estavam batendo, e eles ainda tinham uma longa viagem de volta
para casa. Lawrence, Pierre e os homens levaram a carruagem de
Pelletier, dizendo que a abandonariam em algum lugar remoto e
libertariam os cavalos antes de voltarem.
Alex segurou Céleste perto de si, sentada diante dele no cavalo,
enquanto voltavam para casa. Ela deitou sua cabeça em seu ombro
e agarrou-se a ele, olhando para seu rosto como se tivesse medo de
que ele desaparecesse se fechasse os olhos.
— Durma, mignonne — disse ele, com a voz tensa. — Não
deixarei que nada te faça mal novamente. Eu juro, não vou, e sei
muito bem que já disse isso antes, mas...
— A culpa não foi sua, Alex.
Ele fechou os olhos, balançando a cabeça. — Eu deveria ter
feito algo, dado um jeito nele antes de irmos embora, então...
— Non! — Sua pequena mão agarrou as dobras de seu casaco
e o puxou. — Você não podia saber que ele farria tal coisa, e você
estava doente, e não tinha nenhuma arma parra se defender. Como
você poderria enfrentá-lo, você nem sequer tinha uma prrova? Não
se culpe por essa crriatura vil. Como qualquer um de nós poderria
saber que ele nos seguirria? Ele erra louco; não se pode explicar as
ações de um louco!
Alex soltou um som angustiante, totalmente incapaz de
concordar com ela. — Acho que você me perdoaria por quase tudo
— respondeu ele, perguntando-se por que raios ela persistiria em
amar um homem como ele. Embora talvez depois de tudo o que ela
havia testemunhado ontem à noite, isso tenha mudado. Se ele fosse
qualquer outro tipo de homem, deveria esperar que assim fosse,
esperar que ela se livrasse dele de todas as maneiras... mas
egoisticamente não queria que isso fosse verdade. Ele olhou para
ela e encontrou-a sorrindo para ele, e com tanta adoração em seus
olhos, como sempre.
— Oui, quase tudo — disse ela, antes de colocar a cabeça no
ombro dele e fechar os olhos.
***
Quando chegaram em casa, Henri estava frenética. Alex ficou
emocionado com a maneira que paparicou Céleste, falando alto e
levando-a escada acima para banhar-se entre explosões de
lágrimas e um grande abraço. Eles chamaram seu médico, um
homem mais velho e bondoso, que cuidava da família há muitos
anos. Ele declarou que seu corpo estava em forma e saudável, e
que os hematomas eram superficiais e que cicatrizariam
rapidamente. Ele recomendou uma boa-noite de sono e descanso
abundante, e que ela não ficasse muito excitada ou agitada, e
depois lançou a Alex um olhar cauteloso.
— Mas pode demorar um pouco mais para que sua mente se
recupere, milorde — disse ele. — Talvez uma mudança de cenário
valesse a pena, em algum lugar novo e livre de más associações...
Alex assentiu e agradeceu ao homem. Seu coração estava
pesado, pois considerava que Longueville talvez não fosse mais um
lugar onde ela pudesse se sentir segura, mas seu plano anterior de
levá-la às tias parecia o melhor. Lá, ela estaria a salvo sem nada
que a incomodasse, e ele estaria longe. Ele lutou contra a ideia de
que ela estaria mais segura ao seu lado, mesmo que o desejo de
mantê-la ao lado dele fosse mais forte do que nunca. Além disso,
Pelletier estava morto e não havia mais ninguém na antiga vida dela
que pudesse feri-la. No entanto, havia muitas pessoas na sua. Ele
suspirou e serviu-se de uma bebida, virando-se quando ouviu uma
batida silenciosa na porta.
— Entre — chamou ele, olhando ao ver Henri entrar.
— Lawrence está de volta — disse ela, o alívio em seus olhos
bastante evidente. Alex não a havia contado muito do que havia
acontecido, mas a visão dos dois, imundos, espancados e cobertos
de sangue, havia falado por si só. — E Céleste está perguntando
por você.
Ele olhou para dentro de sua bebida, observando o líquido
amarronzado rodopiar em seu copo enquanto o inclinava antes de
engolir um grande gole.
— Como ela está? — perguntou ele.
— Exausta, aliviada por estar de volta... e imensamente
orgulhosa de você.
Ele bufou com repugnância e balançou a cabeça, olhando para
as suas mãos. Ele havia se lavado e se trocado, mas suas mãos
eram provas suficientes do que havia feito. Não que tivesse se
arrependido, nem por um instante. Só era uma pena que o bastardo
não tivesse sofrido por mais tempo. Mas suas mãos ainda estavam
sujas, e mesmo se recuperando, sempre teriam sangue nelas, e
sabia que nunca poderia colocá-las sobre Céleste. Ela merecia
muito mais do que isso.
— Ela disse que... que você o matou com suas próprias mãos, o
homem que a levou.
— Sim — respondeu ele. Ele olhou para cima e encontrou seus
olhos, mas não encontrou ali nenhuma condenação.
— Bom — disse ela com simples aceitação, virando-se e
deixando-o sozinho novamente.
Alex terminou sua bebida e subiu as escadas, batendo na porta
do quarto de Céleste. Ele estava muito consciente da impropriedade
de entrar sozinho em seu quarto, mas eles haviam compartilhado
uma cama por muitas noites e ninguém aqui se importaria, portanto,
não importava mais a impropriedade. Em muito pouco tempo, ela
estaria longe de sua vida. Ele a veria agora se ela quisesse que ele
viesse.
Ele entrou no quarto e descobriu que as cortinas haviam sido
puxadas até a metade e uma luz suave filtrava para dentro do
cômodo. Céleste estava sentada na cama com uma camisola de
algodão branco e um xale de caxemira ao redor de seus ombros.
Encostada em uma montanha de travesseiros, segurava seu
cachorro, Bandit, que se sentava enrolado ao seu lado. Seus olhos
estavam fechados e ela parecia mais jovem do que ele jamais havia
visto, pálida e frágil, os hematomas escuros contra sua pele de
alabastro uma obscenidade. Ele cerrou seus punhos contra a raiva e
a tristeza que floresciam em seu coração e queria matar Pelletier de
novo. Ele deve ter emitido algum som, pois os olhos delas se
abriram e ela sorriu com tanto prazer que sentiu seu coração doer.
Como ela ainda poderia olhar para ele assim? Depois de tudo, todas
as coisas odiosas que ele tinha dito e teve que continuar dizendo
para que ela tivesse uma chance de felicidade. Ela franziu a
sobrancelha quando viu a expressão em seu rosto, e olhou para as
mãos dela.
— Você está bem, Alex? — perguntou ela, com a voz baixa.
Alex soltou uma risada amarga. — Acho que eu que devo lhe
perguntar isso.
— Bah! — respondeu ela, acenando com uma mão desdenhosa.
— Já fui bastante paparicada, merci beaucoup.
Ele sorriu para ela então, satisfeito por ela não estar tão acuada
depois do que havia acontecido, embora sentisse que talvez ela
estivesse atuando na frente dele para tranquilizá-lo. Ela estendeu
sua mão para ele, e ele hesitou, mas não podia recusá-la. Então, ele
a pegou e sentou-se na cama ao lado dela. Ela olhou para suas
mãos machucadas, seus dedos quentes traçando sua pele com um
toque delicado que fazia seu corpo e coração doerem de desejo. Ela
levantou a mão dele e começou a beijar os nós dos dedos, um a
um, seus lábios tão macios e tenros contra sua carne machucada.
— Não — disse ele, ouvindo o desespero em sua própria voz e
arrancando sua mão do alcance dela, antes de ceder ao seu próprio
desejo violento de torná-la sua. E como ele poderia sequer
considerar tal coisa depois de tudo o que ela tinha passado? Ele era
realmente um grande bastardo. — Sinto muito pelo que aconteceu
com você, Céleste, e como seu guardião tenho a responsabilidade
disso, mas mais do que isso nada mudou.
Eles sentaram-se em silêncio, pois ele não sabia o que dizer e
não conseguia encontrar os olhos dela. Pois quando olhou para ela,
estava cheio da necessidade desesperada de protegê-la, de segurá-
la e de nunca deixá-la ir.
— Você ainda me mandará embora, então — sussurrou ela. Não
era uma pergunta, havia resignação na voz dela, e ele tentou dizer a
si mesmo que estava aliviado por ela não lutar mais contra ele.
— É para o melhor — disse ele, olhando para seus nós dos
dedos e vendo-os cobertos de sangue de Pelletier de novo.
— Melhor para quem, Alex?
— Para você, caramba! — esbravejou ele, e depois percebeu,
horrorizado, a maneira como havia falado com ela. — Perdoe-me —
disse ele, sua voz rouca enquanto ficava de pé, afastando-se dela.
— Não há nada a perdoar. Eu irei embora, se for realmente isso
que você quer. Mas não pense que isso vai mudar nada, pois não
vai.
Ele soltou um fôlego, sabendo que pelo menos ela estava
errada. Ele seria esquecido, substituído por número qualquer de
jovens bonitos. — Vai mudar tudo, que é como deve ser — disse
ele, soando desesperadamente entediado. Ele voltou para ela,
olhando-a como se ela não significasse nada para ele. — Não sou
um marido apto para você, sua criatura tola — disse ele, sua voz
enojada. Ele continuou, sabendo que era cruel, mas sentindo que
havia bondade nas palavras mesmo que elas o magoassem ao dizê-
las, e a ela mais ao ouvi-las. — Certamente já deve saber que sou
um solteirão convicto e feliz de sê-lo. Minhas amantes são mulheres
experientes que não querem nem precisam de mais nada do que
estou disposto a dar. Eu fico facilmente entediado, Céleste, e uma
garotinha imatura dificilmente me daria diversão por mais de alguns
dias. O que então eu faria com você, rezar? — indagou ele, um
sorriso zombeteiro em seus lábios.
Suas bochechas flamejaram e ela desviou o olhar dele,
claramente humilhada por suas palavras.
— Sinto muito, mignonne — disse ele, embora soasse muito
como se estivesse rindo dela. — Gosto muito de você, mas nada
mais do que isso.
Ela assentiu e quando falou sua voz estava firme, e ele podia
ouvi-la lutando para manter as lágrimas à distância. — Você deixou
isso muito claro, Alex, por isso não precisa se preocupar. Eu irei, e
não voltarei a incomodá-lo.
Alex manteve-se muito quieto, lutando contra a necessidade
desesperada de pegá-la em seus braços e dizer-lhe que não era
verdade, que cada palavra era uma mentira e que ele a amaria até
seu último suspiro, mas ao invés disso ele se virou e fechou a porta
calmamente atrás dele.
Ele passou por Henri na escada, que deu uma olhada em seu
rosto e parou no meio do caminho enquanto ele aumentava o passo
e se dirigia para a porta da frente. Ele tinha que sair dessa maldita
casa, para longe da Céleste, antes que perdesse completamente a
cabeça e arruinasse tudo.
***
Henri se encostou na parede enquanto Alex descia as escadas.
Havia tanta dor em seus olhos que quase estendeu a mão para ele,
mas não ousou, tal era a agitação que ela sentia emanando dele.
Sabendo que Céleste devia estar de alguma forma no centro da
tortura de Alex, correu o resto do caminho para seu quarto, e
encontrou a garota soluçando sem parar.
Lawrence havia contado a ela um pouco do que havia
acontecido com o homem responsável por levar Céleste, como Alex
havia perdido o controle de si mesmo e praticamente despedaçado
o homem. Lawrence disse que foi assustador assistir, como se ele
estivesse possuído. Ela se perguntou o que aconteceria com Alex
sem Céleste para impedir que aquele lugar escuro em sua alma o
engolisse completamente e o levasse à destruição.
— Calma, calma, está tudo bem — sussurrou ela, puxando a
jovem agoniada em seus braços. — Não chore, Céleste, vai dar
tudo certo.
Mas Céleste balançou a cabeça. — Non, nunca vai ficar tudo
bem, ele está me mandando emborra e nunca mais vou vê-lo.
— Claro que vai — disse Henri, mantendo sua voz gentil e
confortante. — Meu Deus, se você acha que Alex pode se safar sem
nunca visitar as tias, então você subestima muito o poder de
intimidação delas. Ele e Lawrence têm pavor das velhinhas. Bem,
não da tia Dotty, claro, ela é um amor, mas tia Seymour... Oh, você o
verá novamente.
Céleste fungou e enxugou os olhos. — Não importa, mesmo que
eu o veja, ele não me quer. Ele nunca poderia me amar.
— Oh, Céleste — riu Henri, e então levou a mão à boca para
abafar sua diversão. — Ele está tão obviamente apaixonado por
você que é doloroso de ver.
— O quê? — Céleste piscou para ela com espanto. — Por que
você está dizendo isso? Ele pensa que eu sou uma criança, uma
garotinha estúpida. Não... não... não pareço em nada com as suas
amantes sofisticadas — disse ela, com a voz trêmula de emoção.
Cruzando os braços e lançando um olhar duro para Céleste,
Henri bufou. — Ele está mentindo descaradamente.
Céleste abriu a boca e tornou a fechá-la. Estava muito claro que
ela queria acreditar em Henri. — M-mas ele disse... agorra mesmo,
ele ficou lá parrado e disse... — replicou ela.
Henrique revirou os olhos. — Ah, é claro que ele disse! —
repetiu ela, com um muxoxo de irritação. — Vou te dizer uma coisa,
esses malditos homens Sinclair são todos iguais. Eles acham que
sabem o que é melhor para você, qual é a coisa mais honrosa a
fazer — disse ela, enojada. — Como se eles soubessem de alguma
coisa! Eles são tolos, os dois. Honestamente, se você soubesse a
dificuldade que tive para levar Lawrence ao altar, simplesmente não
acreditaria — disse ela, sentindo-se realmente muito irritada com
tudo isso novamente.
— Sério? — perguntou Céleste, obviamente incrédula.
— Sério — disse Henri, com um sorriso. — Mas você precisa
me escutar, porque eu tenho quase certeza de que Alex é muito
mais teimoso do que Lawrence jamais foi.
Céleste suspirou e assentiu. — Ele é um homem muito teimoso,
é verdade, mas... mas... Oh, Henri, eu não consigo acreditar, depois
de tudo que ele acabou de dizer. Como você pode ter certeza?
— Ele praticamente admitiu isso para Lawrence — disse Henri,
sentindo-se culpada por trair a confiança de Alex e Lawrence, mas
reforçado pela luz nos olhos de Céleste.
— C'est vrai? — indagou ela, agarrando as mãos de Henri.
— Ora, é claro que é verdade! — exclamou Henri, com uma
fungada. — Como se eu fosse inventar uma coisa dessas. Ele está
apaixonado por você, eu juro.
— Oh! — Céleste estava prestes a pular da cama e ir atrás dele
de camisola.
— Nem pensar! Céleste, você deve ficar quieta e me ouvir.
Estou falando sério — acrescentou ela, soando realmente bastante
severa, pois Céleste a encarou de volta com uma expressão
rebelde. — Você não deve deixar transparecer que você sabe.
Céleste recostou-se nos travesseiros com um bufo de irritação.
— Muito bem, então — disse Henri, reunindo seus próprios
pensamentos sobre o assunto. — Parece que Alex acredita que ele
é muito velho e muito infame para se casar com alguém tão doce,
jovem e inocente como você.
— Bah! — exclamou Céleste, enojada.
Henri assentiu com a cabeça. — Eu concordo, mas como eu
disse, o homem é um tolo. — Ela suspirou e se sentiu mais
confortável. — Eu acho que você deve ir morar com as tias. Sabe,
na minha opinião, elas vão ficar muito felizes em ajudá-la. Elas
estão desesperadas para ver Alex casado há anos, pelo que ouvi
dizer, e lançaram em vão todas as mulheres que puderam encontrar
em seu caminho. Se elas descobrirem que ele realmente se importa
com você... — Ela lançou um sorriso malicioso na direção de
Céleste. — Oh, sim, acho que podemos dar a volta por cima. —
Mas, então, ela suspirou e lançou um olhar severo na direção de
Céleste. — Mas você deve ser paciente. Deve fazer exatamente o
que as tias disserem. Elas lhe ensinarão tudo, lhe mostrarão como
uma condessa deve lidar com homens, para começo de conversa. E
você deve permitir que Alex sinta sua falta. — Ela suspirou
novamente enquanto Céleste bufava. — Bem, você quer ficar com
ele ou não?
— Oui — disparou Céleste, claramente agravada. — Embora eu
esteja começando a me perguntar por quê!
Henri deu uma palmadinha em sua mão e assentiu. — Sei
exatamente como você se sente, mas o problema é que é tarde
demais para que você debute este ano. Simplesmente não há
tempo suficiente para preparar, e ter tudo feito de acordo com o
gosto das tias. Acredite em mim, eu sei. Só passei um pouco de
tempo com elas antes de voltarmos à França, mas elas são muito
rígidas em termos de etiqueta. — Ela sorriu diante do olhar de horror
de Céleste. — Oh, não se preocupe, não tenho dúvidas de que você
se sairá muito bem. E quando debutar, mais velha e mais
sofisticada, não tenho dúvidas que os duques se jogarão a seus
pés, bem, então vamos ver se ele vai querer se afastar de você
novamente. — Henri lançou-lhe um sorriso compreensivo; Céleste
sorriu de volta, embora tenha sido um esforço bastante lamentável.
— Bem, eu esperro que você esteja certa — disse ela, e depois
suspirou profundamente. — Mas, essa não, isso vai acontecer daqui
a um ano! Eu morrerei antes disso.
— Bobagem — respondeu Henri, balançando a cabeça. — Você
passará o tempo fazendo todas as coisas que nunca teve a
oportunidade de fazer. Você fará amigos e encontrará maneiras de
se divertir sem Alex e... — Com inspiração repentina, Henri de
repente soube exatamente como ela deveria lidar com Alex. — E
você escreverá a ele todas as semanas, e lhe dirá tudo o que está
fazendo!
Ela bateu palmas e sorriu para Céleste. — Oh, sim, e não se
esqueça de fazer uma menção ocasional do nome de algum belo
rapaz. Nada óbvio, apenas uma repetição do mesmo cavalheiro que
visitou mais uma vez deve ser suficiente.
— Mas... e se nenhum belo cavalheirro vir me visitar?
Henri lançou-lhe um olhar triste. — Haverá, não se preocupe
com isso. Ah, e não... Repito. Não lhe envie cartas de amor dizendo-
lhe o quanto sente falta dele.
Céleste fez um beicinho. — Neste momento, eu acho que não
gosto muito dele, então talvez não seja tão difícil.
— Esse é o espírito! — respondeu Henri, sorrindo para ela e
puxando-a para um abraço. — Não se preocupe, Céleste, ainda
vamos ser irmãs. Tenho certeza disso.
Capítulo 18
“No qual o mar cobra o seu preço, a costa da Inglaterra é alcançada,
e o futuro é considerado um lugar miserável para se estar.”

Céleste agarrou-se a Henri, ambas lutando contra as lágrimas


na manhã em que deveria deixar Longueville. A partida havia sido
adiada por uma semana para ter tempo de recuperar e dos
hematomas desaparecerem. De fato, não restava nenhuma marca
física de seu sequestro, embora ela ainda acordasse à noite
chorando de medo. Seu desgosto anterior de estar sozinha havia se
tornado um pouco mais aterrorizante. Nisso, Henri tinha sido um
grande conforto e tinha feito companhia tanto quanto era
necessário. De fato, as duas jovens se consideravam irmãs, não
importava que um homem idiota e teimoso insistisse em tornar as
coisas difíceis.
— Prometa-me que me escreverá com frequência — disse
Henri, fungando enquanto Céleste acenava com a cabeça e a
abraçava novamente.
— Je promets! — disse ela, enxugando as lágrimas. — E você
me escreva também, pois eu me sentirei muito só.
Henri piscou o olho para ela e Céleste corou, percebendo que
ela não deveria dizer tais coisas no futuro. Mas neste momento,
deixando para trás todos que ela havia chegado a amar, parecia
uma coisa difícil ser mandada embora para viver com pessoas que
ela nunca havia conhecido. Annie, por sua vez, a abraçou.
— Boa sorte, comtesse — disse Annie, pressionando
furtivamente um pequeno frasco de algo em sua mão. — Mantenha-
se aquecida durante a viagem — sussurrou ela, piscando para ela e
ignorando o olhar de desaprovação de Alex.
Céleste enfiou o frasquinho em sua retícula e olhou uma última
vez para Longueville e para todas as pessoas que a tinham feito se
sentir tão bem-vinda.
— Adeus — disse ela, sua voz pesada de tristeza, mas Henri
agarrou sua mão e a apertou, olhando-a nos olhos.
— Au revoir — respondeu ela, sua voz firme, e Céleste sorriu
para ela e acenou com a cabeça.
— Au revoir.
Alex a conduziu até a carruagem e depois se juntou a ela. Em
uma coisa ela tinha sido bem-sucedida, pelo menos. Ele havia
concordado em não contratar nenhuma dama de companhia
bisbilhoteira para acompanhá-la na viagem de volta, apesar de ter
insistido em contratar uma criada pessoal, no mínimo, que viajaria
com seu cachorrinho, Bandit. Depois de tudo o que tinha acontecido
antes, parecia absolutamente ridículo, e como o navio era do próprio
Alex, não era como se ela estivesse em público. Henri a teria
acompanhado, mas houve muita celebração nos dias anteriores,
pois ela havia revelado que esperava seu primeiro filho.
Lawrence, radiante e orgulhoso, tinha se recusado
terminantemente que ela viajasse nesta delicada etapa de sua
gravidez. Henri havia argumentado, mas em vão, sua decisão
estava tomada. Pelo visto, o homem estava levando a pobre Henri à
loucura, preocupando-se e fazendo estardalhaço até que ela
confidenciou a Céleste que muitos meses disso a levaria à completa
loucura. Céleste havia sorrido e se simpatizado, mas secretamente
pensou que Henri não sabia a sorte que tinha, pois daria tudo para
carregar o filho de Alex e que ele fizesse tudo por ela.
No entanto, guardou tais pensamentos para si mesma. Por mais
que ela estivesse ansiosa para ter Alex só para si, tinha o cuidado
de ficar quieta e calada, e não falava a menos que lhe falassem,
como tinha combinado com Henri. Ele deveria ser obrigado a ver
que a estava tornando completamente miserável nessa fase, para o
caso de sua determinação falhar e o próximo ano de miséria
pudesse ser esquecido antes de começar. Ambas duvidavam muito
que funcionasse, mas não foi difícil parecer triste e retraída, pois era
inteiramente verdade. Ela se sentia miserável e, além disso, era
muito mais fácil do que ter que fingir felicidade.
Ela mal tinha visto Alex desde que havia falado tão duramente
com ela, e os breves períodos em que ela esteve na companhia
dele não lhe haviam dado nenhuma indicação para suspeitar que o
que Henri havia dito era verdade. No entanto, ela guardou o
conhecimento em seu coração. Lawrence tinha dito que ele tinha
falado tudo, que ele a amava, e ela sabia que Henri nunca diria tal
coisa se isso não fosse verdade. Mas, puxa, como ela ansiava por
um sinal dele, alguma pequena pista que brilharia uma luz nos
próximos meses sem ele, quando seria tudo a que ela teria que se
agarrar.
E, assim, a viagem ao navio de Alex, o Vingança, foi realizada
em silêncio quase total, o que desgastou Céleste e a deixou quase
desesperada para falar com ele. Ela olhou furtivamente para ele do
outro lado da carruagem e admirou a linha expressiva de seu perfil
enquanto ele olhava com resolução para fora da janela da
carruagem. Suas longas pernas estavam esticadas até onde os
limites da carruagem permitiam, e seus olhos viajavam sobre a
grande extensão de seu peito, aqueles ombros maciços e fortes
braços musculosos que se sentiram tão maravilhosos quando ela
dormia em seu abraço. No entanto, isso parecia ter sido há uma
vida inteira, e a probabilidade de que isso voltasse a acontecer
parecia ainda mais improvável.
***
Alex manteve seu olhar fixo no campo enquanto aparecia pelas
janelas das carruagens e fazia tudo ao seu alcance para ignorar a
jovem mulher do lado oposto. Ele podia sentir os olhos dela sobre
ele, viajando por cima dele como uma carícia. Ele cerrou seus
dentes e ignorou a voz insistente de seus desejos que o
atormentavam desde que a porta da carruagem se fechara e
Longueville desapareceu da vista. Ela o queria. Ele sabia como se
soubesse que iria direto para o inferno se cedesse ao desejo. Mas
ele só precisava dar a ordem, e ela seria sua. Ele poderia alcançá-la
agora, puxá-la para o colo e descobrir o seu gosto.
E, em nome de Deus, como ele gostaria de saber o gosto dela.
A ideia o atormentava, o desejo de saber... de tocar... de provar.
Eles poderiam passar o tempo entre agora e até chegarem ao seu
navio da maneira mais deliciosa imaginável. Ele fechou os olhos e
se permitiu, apenas por um momento, imaginar como ela se sentiria
em seus braços, como se sentiria ao envolver aquele corpo esbelto
com seu próprio e encontrar seu caminho sob as camadas de tecido
caro. Alex imaginou afrouxar aquele bonito vestido e revelar a bela
carne por baixo, suas mãos viajando sobre a extensão de seda,
seus lábios fechando-se sobre um peito, primeiro, depois, o outro,
pois ambos mereciam a mesma atenção. Ele levou um momento
para se perguntar se seus mamilos seriam pequenos e rosados, o
mesmo tom de sua boca, e teve que morder um gemido enquanto
seu corpo doía com a necessidade reprimida. Pare com isso, pare
com isso agora, ordenou pra si. Pelo amor de Deus, ele era um
homem experiente, não um jovem inexperiente que não conseguia
controlar seus próprios desejos.
— Você está bem, Alex?
Seus olhos se abriram instantaneamente e ele foi forçado a
enfrentar a fonte de seu desconforto, aqueles olhos
impossivelmente azuis que o olhavam com tanta preocupação. Ele
quase riu. Que maldito tolo ele era.
— Muito bem, obrigado — respondeu ele, de alguma forma
achando sua voz involuntariamente fria e aguda como frustração o
deixava irritável. Ele viu a dor nos olhos dela e sentiu uma dor
florescer em seu peito. Por quê? Por quê, por tudo o que era mais
sagrado, ele tinha mantido suas emoções guardadas com sucesso
todos esses anos, seu coração trancado em um lugar frio e escuro,
só para perdê-lo agora? Não era como se não tivesse sido
perseguido antes. Havia muitas mulheres bonitas dispostas a valer-
se de sua reputação na esperança de redimi-lo e de apanhar um
conde abastado. E havia muitas mulheres casadas e jovens viúvas
ansiosas demais para recebê-lo em suas camas. Ele acreditava ser
imune, invulnerável e mais do que feliz por ser assim. O amor era
ótimo e bom para os poetas e jovens românticos, mas não para ele.
Se você amava as pessoas, se você se importava com o que
acontecia com elas, tinham uma maneira desagradável de morrer e
deixar você sozinho e machucado. Ele tinha descoberto a verdade
disso quando acreditou que Lawrence tinha morrido naquela praia e
tinha impiedosamente fechado qualquer possibilidade de que isso
acontecesse novamente. Se ele pudesse sentir tanta dor por seu
irmão, o que uma mulher poderia fazer com ele?
E, então, Céleste o salvou em Roscoff. Ela o havia pegado em
um momento vulnerável e escorregou por baixo de suas defesas
antes que ele percebesse o perigo em que se encontrava. E ela o
havia rapidamente lembrado dos perigos de tais ternas emoções
quando Pelletier a havia tirado dele. O terror familiar o dominou, o
medo frio que formigava sobre sua pele quando o pensamento dela
presa naquela casa sozinha fez com que seus punhos se
apertassem.
Não. Ele não permitiria isso. Ele se livraria dessas emoções
debilitantes. Ele a esconderia com as tias até que elas a
considerassem pronta para ser apresentada à sociedade. Então, ele
a casaria com tanta conveniência quanto era permitido a um jovem
decente que a mantivesse segura e ocupada com um bom lar, e
muitos pirralhos para prender sua atenção.
Mas é claro que então ele foi forçado a imaginar a forma como
esses pirralhos seriam criados pelo tal jovem decente. Imagens de
Céleste com as pernas esparramadas para algum marido sem nome
rolaram por sua mente, imagens tortuosas de uma figura masculina
com suas mãos e lábios e corpo cobrindo os dela e fazendo-a
chorar de prazer. A raiva e o ciúme explodiram em seu coração, tão
ferozes que ele respirou com força, fazendo Céleste olhá-lo com
curiosidade, embora desta vez ela não tenha dito nada.
Ele fechou os olhos e contou até dez, esperando o desejo
ridículo de matar um homem que nem sequer existia se dissipasse.
Mas a sensação ardia como ácido em suas veias, e ele sabia que
não havia números suficientes no universo para alcançar e
encontrar seu ciúme diminuído. Com uma espécie de tristeza
entorpecida, ele aceitou o fato de que quando ela acabaria se
casando, ele nunca mais poderia vê-la novamente. Por mais
decente e aceitável que fosse o jogo, Alex seria levado a matar
qualquer homem que a tocasse.
***
Céleste olhou de relance para a estrutura enorme de Alex
enquanto ele a guiava para seu navio. Seu nervosismo tornava sua
respiração rasa e seu coração batia forte. Ela nunca havia estado
em um navio antes. Aquilo era suficientemente assustador por si só,
mas algo sobre o homem ao seu lado a deixava inquieta de
maneiras que não conseguia compreender.
Furiosa por ele estar de mau humor e pelo silêncio inflexível que
perdurou durante o resto da viagem, ela decidiu ignorá-lo, da
mesma forma que ele a estava ignorando. Então, ela fez
exatamente isso, e passou a olhar pela janela; sentindo o peso de
seu olhar queimá-la pelo resto da interminável viagem, na
carruagem.
Ele a levou até sua cabine, explicou com o mínimo de detalhes
possíveis que iria ceder o cômodo para ela, naquela viagem, e que
uma criada a atenderia, pouco antes de se curvar com rígida
formalidade e deixá-la sozinha.
Céleste olhou para a porta da cabine com fúria crescente. Ele
saiu tão rápido que praticamente saiu correndo dali. Será que ele
estava realmente com tanta pressa de se livrar dela? Ela tentou
suprir a tristeza que acompanhava esse pensamento e se lembrou
das palavras de Henri. Diferentemente do comportamento atual
dele, elas pareciam zombar dela, a própria ideia de Alex ter
quaisquer sentimentos afetuosos em relação a ela parecia cada vez
mais improvável à medida que seu comportamento se tornava cada
vez mais frio.
Mas, então, seu estômago foi atingido por uma onda de náuseas
enquanto o chão se inclinava debaixo de seus pés. Ela inalou o ar e
foi deitar-se na cama.
Para a sua tristeza e vergonha, foi lá que ela permaneceu
durante o resto da viagem, pois o enjoo do mar surgiu e a manteve
cativa durante toda a duração da viagem.
***
Alex batia com os dedos na balaustrada enquanto esperava
Céleste aparecer. Ele sabia que tinha exaurido a pobre criada com
exigências constantes quanto ao seu bem-estar. A criatura estúpida
simplesmente encolhia os ombros e dizia que a comtesse estava
doente, de cama, e mais nada. Mas nem ele mesmo sabia o que
esperava ouvir como resposta. O que ele sabia era que tinha
sentido muito falta da companhia dela. Que os últimos dias com ela,
que ele havia prometido a si mesmo que aproveitaria, haviam sido
roubados dele.
Ele inalou o ar, dizendo a si mesmo que era um maldito tolo,
pela milésima vez, por todo o bem que tinha feito. No entanto, viu-se
incapaz de respirar ao perceber que não a via desde que a havia
deixado em sua cabine.
Vestindo uma sobrecasaca vermelha de cetim azul-clara e com
seus cacheados e bem definidos cabelos dourados visíveis sob o
bonnet, ela parecia pálida e desesperadamente frágil. Apesar de
suas melhores intenções, ele se viu a seu lado o mais rápido que
suas pernas permitiam, e segurou sua mão pequena e fria dentro de
sua muito maior e quente.
— Mignonne, lamento muito que você não esteja se sentindo
bem. — As palavras foram ditas antes que pudesse detê-las, como
se o enjoo fosse algo pelo qual ele pudesse assumir a culpa.
Ela olhou para ele, com um sorriso cansado nos lábios que não
alcançava seus olhos.
— Não é nada, Alex. Estou perfeitamente bem agora, embora
não esteja em condições de repetir a experiência — admitiu ela,
com uma expressão de arrependimento.
Ele sentiu seu coração entristecer-se um pouco e depois se
perguntou por quê. Não era como se ela algum dia fosse voltar a
velejar com ele, de qualquer forma.
— Sabia que o Almirante lorde Nelson também sentia muito
enjoo em alto-mar? — disse ele, em um tom de baixo, consciente de
que este não era um assunto adequado para discutir com uma
jovem dama. No entanto, essa era a Céleste que pouco se
importava com tais detalhes. — Na verdade, a primeira vez que fui
ao mar, passei toda a viagem pendurado sobre a balaustrada, e era
uma travessia muito mais calma do que nossa. Mas eu acabei me
acostumando, eventualmente. Isso não me incomoda mais agora.
— Eventualmente? — repetiu ela, parecendo horrorizada.
Alex sorriu e assentiu. — É algo que você pode conquistar, em
graus variados, se você perseverar.
Ela o olhou fixamente e ele sentiu o coração dar uma reviravolta.
Havia uma expressão em seus olhos que dizia claramente que ela
perseveraria, por ele, bastava ele pedir.
Ele desviou o olhar e colocou a mão dela firmemente em seu
braço. Ela suportou, em silêncio estoico, a curta viagem dentro do
barco que fazia a travessia do navio até a costa, mas sua gratidão
em colocar os pés em terra firme era bastante evidente.
— Venha, as tias estarão esperando impacientemente por nossa
chegada. Elas não gostam de estar longe de casa e estarão
ansiosas para levá-la embora com elas. — Ele se forçou a dizer
essas palavras, tentando infundi-las com qualquer outra coisa que
não fosse a impressão de que seu coração estava sendo arrancado
de seu peito.
— Tão rápido? — sussurrou ela, e a tristeza em sua voz era
como uma faca em seu peito, que nada mais fazia do que ecoar
seus próprios sentimentos.
— Sim, é claro. Elas já estão esperando em Tregothnan há mais
de uma semana. Você vai amá-las, tenho certeza, e elas a você. E
não se intimide com tia Seymour. Ela é aterrorizante à primeira vista,
mas depois de conhecê-la, realmente não é tão ruim assim. — Ele
ouviu a si mesmo tagarelar até chegar à carruagem desesperado
para deixá-la à vontade e aliviar a infelicidade em seus olhos que
estava transformando o peso em seu peito em um fardo pesado a
ser carregado.
Ele tentou manter a conversa fiada durante o resto da viagem na
carruagem, sentindo que Céleste se fechava cada vez mais, até o
ponto que ele não sabia mais o que dizer. Derrotado, ele desistiu,
mas não conseguiu desviar os olhos dela. Ela olhava pela janela,
embora parecesse não prestar atenção em nada que passava do
outro lado do vidro. Em vez disso, seus olhos brilhavam muito, e ele
podia ver o esforço que ela fazia para não chorar.
Desviando o olhar, ele repetiu a si mesmo todas as razões pelas
quais ela não podia se casar com ele. Toda a fofoca e escândalo
ligados ao nome dele que manchavam o seu título e ele próprio.
Todas as coisas que ele havia feito que tornavam seu coração
sombrio e lançado escuridão sobre sua alma. Ele olhou para suas
mãos, grandes, ásperas e cicatrizadas, e sangrentas demais para
jamais deitá-las sobre a criatura de coração gentil à sua frente. Pois
apesar de seu temperamento explosivo, sabia que ela era muito
amorosa e inocente para se casar com um bastardo como ele. Não
importava o que ele quisesse de todo o coração.
Capítulo 19
“No qual as despedidas são feitas e as tias idosas provam não ser
tão insensatas como alguns poderiam imaginar.”

— Esta é Tregothnan. — Alex observou enquanto Céleste


olhava para ele e depois voltou os olhos para a janela enquanto
passavam pela impressionante guarita que levava à propriedade.
— É muito bonita, Alex — disse ela, com a voz melancólica. Ele
evitou o desejo de expressar seus pensamentos, de dizer-lhe que
queria que ela pudesse ver tudo. Ele queria percorrer o terreno e vê-
lo através dos olhos dela. Caminhar ao longo dos penhascos
selvagens onde o vento tentava agarrá-lo e ameaçava pegá-lo como
uma folha perdida, derrubando-o até as correntezas que
retumbavam sobre as rochas bem abaixo.
Ele ansiava por lhe mostrar a casa e pedir sua opinião sobre ela.
Para ver se ela aprovava as ideias que ele tinha para modernizar a
velha e cavernosa construção. Ideias que haviam nascido há uma
década, mas que nunca tinham chegado a serem concretizadas no
decorrer dos anos desde que havia acreditado que seu irmão mais
novo havia morrido, mudando-o irrevogavelmente. Qual era o
propósito daquilo?
Ele brincou mais uma vez com a ideia quando acreditou que
seria forçado a tomar uma esposa para continuar a linhagem. Mas
agora Lawrence foi, milagrosamente, devolvido a eles, sem perder
tempo em cumprir seu dever e fornecer um herdeiro, e a pressão foi
aliviada. Ele disse a si mesmo que era um alívio, que era melhor
para todos que ele nunca tivesse uma esposa e família para
desfrutar dos benefícios do trabalho que havia considerado todos
aqueles anos atrás. Era melhor deixar isso para a próxima geração.
Assim, ele apenas continuaria a manter o lugar em ordem, sentindo-
se mais como um zelador que cuida de um museu do que um
homem com um lar.
Eles viajaram por mais meia hora em silêncio e, então, ouviu um
suspiro suave e soube que a grande casa tinha emergido. Ele
observou seu rosto, devorando cada nuance de sua expressão e
preservando-a como algo precioso. Uma memória proibida para ser
lembrada e apreciada como uma lembrança querida, uma vez que
ela pertencesse à vida de outra pessoa.
Ela olhou para ele, com seus olhos cheios de pesar e uma leve
diversão. — Então você é realmente um conde, mon contrebandier.
Ele sorriu para ela, incapaz de manter o calor afastado de sua
voz ao ouvir seu estranho termo carinhoso. — Você ainda está
desapontada, então?
Ela olhou para ele e depois desviou o olhar enquanto seus olhos
ficavam mais brilhantes. — Oui — sussurrou ela. Ele engoliu em
seco e desviou os olhos para longe dela, sabendo que ela
acreditava que ele poderia mudar de ideia se fosse apenas um
contrabandista, e não um conde. Será que ela realmente pensava
que era o título dele que o impedia de tomá-la como sua? Será que
ela realmente acreditava que alguma disparidade na linhagem de
sangue deles o impediria? Alex desejava poder dizer-lhe que não
teria importado se ela tivesse sido simplesmente Céleste, uma
menina nascida na pobreza sem um nome que pudesse se agarrar.
Ele teria sentido a mesma sensação de desonra com a ideia de
tomá-la para si. Ele ainda teria sido igualmente indigno dela.
Inexoravelmente, a carruagem foi conduzida à entrada,
balançando até parar suavemente fora da estrutura maciça de
Tregothnan.
***
Céleste permaneceu no vasto saguão de entrada de Tregothnan
House e foi sobrecarregada com o conhecimento de quem era o
homem por quem ela se apaixonara de verdade. Não tinha sido tão
difícil aceitar que ele fosse um nobre em vez de um contrabandista,
como ela havia pensado inicialmente. Com sua grande estatura e o
ar de confiança que beirava a arrogância que ela havia achado tão
reconfortante e atraente, era claro que era um homem acostumado
a ser obedecido.
De pé ao lado da bela Château de Longueville, ele não parecia
tão distante do tipo de homem que seu pai tinha sido – um homem
rico e bem respeitado, mas ninguém de grande importância. Mas
esta casa e terreno que tinham acabado de percorrer fez com que
ela percebesse o quanto ele estava realmente fora do seu alcance.
Ele nasceu para estar entre os escalões superiores da nobreza
inglesa e ela não passava de uma condessa destituída, sem um
franco em seu nome e sem ninguém, a não ser ele, disposto a se
responsabilizar por ela. Ela se sentia terrivelmente pequena e
insignificante, e totalmente certa de que no momento em que
estivesse fora da vista dele seria esquecida. Por que ele se
lembraria de uma francesa barata que encontrou em um prostíbulo,
que tinha uma maneira infalível de fazê-lo perder a paciência a cada
esquina? Ele voltaria para suas amantes sofisticadas, aquelas
mulheres inglesas elegantes e indiferentes que sempre sabiam
exatamente o que dizer ou fazer. Elas saberiam como seduzir um
homem assim, embora ela imaginasse que teriam pouca
necessidade do conhecimento. Ele as queria de uma maneira que
nunca a quisera. Um caroço se formou em sua garganta e foi
apenas a mão de Alex em suas costas que a fez avançar quando
tudo o que queria fazer era enrolar-se como uma bola e chorar.
Ela seguiu para uma elegante sala de estar com móveis
luxuosos, se bem que de bom gosto. As paredes tinham painéis e o
teto fortemente decorado e embelezado com folha de ouro. A vasta
sala, pintada em azul-claro, tinha um tapete grosso e suntuoso, no
qual os pés escorregadios de Céleste afundaram, mais luxuoso do
que qualquer coisa que ela já tinha visto. Ao se aproximar das duas
senhoras mais velhas, elas se levantaram para cumprimentá-la.
Ambas se curvaram formalmente quando Alex se aproximou.
— Tia Seymour, tia Dorothea — disse Alex, com um sorriso,
aproximando-se primeiro de uma mulher alta e de aparência severa,
vestida de cinza-claro e seda na cor de lavanda. — Que bom ver
vocês duas com uma aparência tão saudável.
A dama bufou e revirou seus olhos para ele.
— Muito bonito, Falmouth, tenho certeza. Agora fique de lado e
vamos dar uma olhada na garota.
A boca de Alex se torceu e ele fez com que Céleste ficasse de
pé sob os assustadores olhos cinza-escuros de sua tia Seymour.
— Senhorita Dorothea, lady Russell, gostaria de apresentar-lhes
Célestine de Lavelle, La Comtesse de Valrey.
Céleste fez uma referência e murmurou um cumprimento antes
de olhar de volta para Alex, que lhe deu um sorriso reconfortante.
Ela levou um susto quando uma pequena mão com luvas
aproximou-se e apertou a dela.
— Não fique tão assustada — disse uma voz gentil ao lado dela,
e Céleste piscou ao dar de cara com os olhos azul-claros no rosto
mais doce que ela já tinha visto. — Lady Russell não vai te comer,
eu prometo.
Essa senhora era um pouco mais baixa e mais rechonchuda do
que tia Seymour, de cabelos brancos grossos e um brilho malicioso
nos olhos. Vestida inteiramente de rosa pálido, achava Céleste
parecida com uma bonequinha um pouco desbotada.
— Hmmph.
O som desencorajador veio de Seymour, que estava olhando
para Céleste com os lábios pressionados em uma fina linha dura.
Mon Dieu, ela ainda nem tinha aberto a boca. Para seu alívio, Alex
aproximou-se e ficou ao seu lado, sua grande presença dando uma
sensação de segurança que ela sabia que estava prestes a ser
tirada dela. O pensamento fez com que ela olhasse para ele e seus
olhos se encontrassem. Por um momento, acreditou em cada
palavra que Henri lhe dissera, pois aqueles olhos frios e cinzentos
pareciam tão cheios de toda expressão de arrependimento e pesar
quanto os seus, mas tudo se foi muito rápido, e ele lhe deu um
sorriso, que na melhor das hipóteses era superficial.
— Tia Dorothea estava ansiosa para conhecê-la, Céleste.
— Oh, não, como vamos ser amigas íntimas, insisto que você
me chame de Dotty — disse a velha senhora, apertando a sua mão
novamente. — Todos me chamam assim, sabe.
— Eles não chamam nada — disparou tia Seymour, fazendo
tanto ela quanto Dotty pularem.
— Chamam, sim — sussurrou Dotty, segurando firmemente
ainda a sua mão.
Céleste tentou sorrir, mas seus olhos começaram a lacrimejar e
ela piscou rapidamente.
— Muito bem, então. As apresentações terminaram e devemos
ir — disse Seymour, suas palavras soavam mais como uma ordem
do que um aviso.
— Non! — gritou Céleste, e depois corou, lembrando-se de suas
maneiras, enquanto tia Seymour levantava uma sobrancelha
significativa. — Isto é, quero dizer... Acabei de chegar e... não
poderria...
Tia Seymour olhou para ela atentamente, fazendo com que as
bochechas de Céleste se colorissem de um carmesim mais escuro à
medida que o olhar compreensivo da senhora idosa viajava dela
para Alex.
— Não — disse ela, com sua voz um pouco mais silenciosa. —
Acho que devemos partir agora, antes que qualquer dano maior seja
feito.
— Dano? — repetiu Alex, com um tom frio, e Céleste olhou para
cima e viu-o franzir a sobrancelha para sua tia.
— Sim, milorde, dano — repetiu Seymour, com seus olhos
afiados demais concentrando-se inteiramente em seu sobrinho, e
conde ou não, Céleste não invejou aquele escrutínio. — Uma
senhorita jovem, solteira, que passa qualquer tempo na sua
companhia, provavelmente ficará arruinada simplesmente pela sua
presença. Se você realmente quiser que a garota tenha um
casamento vantajoso, deverá ficar o mais longe possível dela. Já é
ruim o suficiente que seu nome ligado ao nosso levante suspeitas,
mesmo que sejamos sua acompanhante. Mesmo assim... — Ela
olhou para Céleste e muxoxou, como se de alguma forma tivesse
sido mal-informada sobre a adequabilidade da garota. — Devemos
dar o nosso melhor.
— Oh, Seymour — disse tia Dotty, com s voz suave e rouca. —
Ora essa, a garota é um diamante, e não finja que você não pode
vê-la tão bem quanto nós.
Seymour lançou a Alex outro olhar profundamente desaprovador
e bufou. — Oh, eu sei disso — respondeu ela, com um tom
entrecortado. — Eu a vejo com perfeita clareza, garanto-lhe.
Céleste olhou de volta para Alex em confusão, que, por sua vez,
parecia estar prestes a sofrer uma apoplexia qualquer.
— Tia Seymour — disse ele, com o tom educado e cheio de
frieza. — Por favor, podemos conversar, em particular. — Apesar da
cortesia de seu pedido, era muito claro a ordem, mas sua tia apenas
assentiu com a cabeça e se aproximou rapidamente da porta como
se a ideia tivesse sido dela.
— Certamente que pode.
Céleste assistiu enquanto Alex seguia tia Seymour para fora da
sala.
— Não se preocupe, minha querida — disse Dotty, acariciando
sua mão com uma expressão carinhosa. — Alex sabe lidar com
Seymour. — Ela deu um longo suspiro. — Ele certamente já teve
muita prática.
***
Alex conduziu sua tia ao seu escritório, onde a velha senhora o
fitou com uma expressão de aço.
— Tia Seymour, a senhora sabe o quanto eu aprecio sua ajuda
neste assunto — começou ele, lutando para manter seu
temperamento sob controle. Ele devia respeito à velha senhora por
tudo o que ela havia feito por ele e pela família em geral, mas nem
pensar iria permitir que ela denegrisse Céleste, e ele sabia
exatamente o que ela estava inferindo. Sua tia, no entanto, bufou de
repulsa, interrompendo-o e balançando sua cabeça.
— Estou bastante decepcionada com você, Alex, de pensar que
você traria uma de suas amantes e faria ela se passar...
— Já basta!
Ele se permitiu um momento de satisfação por ter feito sua tia
saltar e, na verdade, parecer um pouco assustada.
— Se você está insinuando que eu teria a ousadia de trazer uma
mulher aqui para você que eu tivesse usado de tal maneira... — Sua
fúria era tal que ele cerrou a boca antes que dissesse algo que
realmente seria imperdoável. Ele respirou fundo e virou as costas
para a ultrajante mulher idosa para tentar se acalmar.
— Você quer dizer que ela é uma inocente e não uma meretriz
que você encontrou em algum lugar na sarjeta? — indagou
Seymour, a incredulidade em sua voz bastante reveladora.
Alex respirou fundo antes de se sentir à altura da tarefa de dar
uma resposta educada.
— Estou lhe dizendo, categoricamente, que ela é inocente. Nem
eu nem ninguém jamais tocou nela. — Ele respirou fundo e tentou
dissipar a memória de Céleste enrolada em torno de seu corpo nu
no sótão imundo em Roscoff. Esse tinha sido outro mundo, outra
vida, e isso não a tornava menos inocente aos olhos dele.
— Ela está apaixonada por você — disse Seymour, com sua
habitual dose de tato e uma habilidade extraordinária de atingir em
cheio qualquer problema que lhe fosse apresentado. Alex
agradeceu a Deus, não pela primeira vez, que ela estava destinada
a estar do lado dele.
— Ela é uma jovem tola — disse ele, com um aceno de mão,
como se fosse de pouca importância. — Céleste sente que eu a
salvei e suponho que alcancei um status bastante heroico em sua
opinião. Ela se esquecerá disso em breve, quando outras
oportunidades lhe forem apresentadas. — Ele evitou os olhares
excessivamente afiados de sua tia e virou-se para olhar pela janela.
— Hmmmm.
— Ela precisa de ajuda, Seymour — disse ele, com a voz baixa.
— Ela perdeu tudo e todos. Quando eu a encontrei... — Ele fez uma
pausa e teve que fazer uma pausa antes de poder continuar sem
colocar muita emoção em sua voz. — Ela estava lutando pela
sobrevivência, mas com tanto orgulho e tanta... tanta dignidade. —
Ele se virou para olhar para sua tia, sustentando o olhar dela, desta
vez. — Ela merece sua ajuda e compaixão, como ninguém que eu
jamais conheci.
Sua tia o observava, com os olhos frios e cinzentos iguais aos
seus. Farinhas do mesmo saco, ambos herdaram uma tendência ao
distanciamento e desapego, uma característica familiar que levou-os
a uma reputação de total impiedade que era inteiramente merecida.
Mas onde suas ambições e desejos tinham distorcido e o levaram
por caminhos mais escuros, lady Seymour Russell era o auge da
respeitabilidade e o flagelo da alta sociedade. Nada nem ninguém
havia escapado de seu olhar crítico até que ela se retirou do olhar
do público há dez anos, com o coração partido pela aparente morte
de seu querido sobrinho. Mas Lawrence não estava morto, e agora
Alex estava lhe dando outra razão para voltar ao mundo que ela
tanto amara.
Ele ficou parado sob o escrutínio dela e rezou para não revelar
mais que o fato de que admirava Céleste e a ajudaria, se pudesse.
No final, ela assentiu com a cabeça.
— Muito bem. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para
fazer dela um sucesso.
— Obrigado, tia — respondeu ele, soltando um ar que não
percebeu que segurava, bastante aliviado de que esse obstáculo
pelo menos tinha sido ultrapassado.
Eles voltaram à sala de estar, e Alex ficou ainda mais animado
ao ver Céleste e tia Dotty com as cabeças unidas. Ele sabia que a
querida Dorothea seria incapaz de resistir a Céleste. A velha
senhora era o exemplo de bondade e gentileza, e ele sabia que ela
iria gostar tanto de ser como uma mãe para Céleste, assim como
esperava que Céleste gostasse de receber suas atenções.
Alex abriu sua boca, com a intenção de dizer a Céleste que
estava na hora de ir, mas naturalmente tia Seymour foi mais rápida.
— Tudo está resolvido então, Dorothea, e se quisermos chegar
à pousada antes do anoitecer, devemos nos apressar. — Ela
avaliava tia Dotty que fitava Céleste com piedade em seus olhos.
Alex assistiu, envolto em tristeza, como Seymour imperiosamente as
obrigou a ficarem de pé e as expulsou da sala. De repente, tudo
estava acontecendo muito rápido. Ele tinha pensado que haveria um
pouco mais de tempo, mais um ou dois minutos, pelo menos, no
qual ele poderia preparar seu coração para o momento em que ela
deixaria sua vida. Mas, mesmo sabendo que este momento estava
chegando, mesmo providenciando que esse momento chegasse,
descobriu que não estava pronto. A palavra “talvez” passou perto de
seus lábios, mas morreu antes que pudesse sugerir qualquer ideia
de que parassem para tomar um chá, passassem a noite, ficassem
por alguns dias... Afinal de contas, qual era o objetivo de prolongar a
agonia?
Eles pararam na soleira da casa e se despediram. Alex beijou,
respeitosamente, as bochechas de suas tias, submetendo-se a um
abraço de Dotty, cujos olhos estavam lagrimosos. A velha senhora
odiava tanto as despedidas.
E depois havia apenas Céleste.
Ela não conseguia olhar para ele, e ele podia ver que ela estava
lutando contra as lágrimas.
— Obrigada, milorde — disse ela, tão baixo e formal que ele
quis sacudi-la e pedi-la para parar. Ele não era “milorde”, não para
ela, ele era o seu contrebandier e qualquer outro termo afetuoso
ridículo que ela quisesse chamá-lo, ele não se importava. Qualquer
coisa, menos milorde. — Devo agrradecer por tudo o que você fez
por mim.
— Oh, céus, essa não, devemos fazer algo a respeito desse
sotaque horrível — disse Seymour, com um muxoxo de
desaprovação.
Não! Alex uivava interiormente. Não a mude, não ouse mudar
uma coisa sequer. Ele cerrou os punhos, sabendo que estava sendo
ridículo. Foi por isso que ele havia procurado a ajuda da mulher em
primeiro lugar, para que ela pudesse mudar Céleste, para que ela
pudesse ser moldada e ajustada em uma mulher que fosse aceitável
diante dos olhos da alta sociedade; em uma mulher que não o
quisesse mais. Seu coração estava sangrando no peito. Tinha que
ser assim, mas então, por que estava com tanta dor? Aquele pobre
órgão intocado havia sido ignorado por tantos anos frios e solitários,
e agora não conseguia se calar. Diga a ela, diga a ela, seu tolo!
Diga-lhe que a ama e que não é nada sem ela. Diga-lhe que sem
ela não haverá alegria, não haverá luz, não haverá felicidade
possível. Ponha-se de joelhos e implore-a que fique com você!
— Adeus, então, Céleste, sei que você ficará feliz com minhas
tias. Elas cuidarão muito bem de você.
Melhor do que ele jamais poderia.
Ela olhou para ele e encontrou seus olhos. Naquele momento,
ele soube que estava irreparável e irrevogavelmente mudado. Seu
coração era, sempre tinha sido e sempre seria dela – e só dela – e
ele estava destinado a morrer um velho solitário e amargo sem ela
em sua vida. Uma única lágrima viajou por sua bochecha, e ele não
sabia como sobreviver aos momentos seguintes. Foi, então, que ela
jogou os braços ao redor de seu pescoço, agarrando-se a ele e
soluçando.
— Au revoir, mon contrebandier — sussurrou ela, enquanto seus
braços se agarravam a ele.
Ele sabia que as tias estavam observando, mas não se
importava, por apenas um momento ele envolveu seus braços em
torno dela e devolveu-lhe o abraço. Ele enterrou o rosto nos suaves
cachos rodeando o rosto dela e inalou seu perfume, marcando a
memória de madressilva e da luz do sol em sua mente, pois seria
tudo o que lhe restaria.
Ela pressionou um beijo doce em sua bochecha e depois o
deixou ir, virando-se e indo embora, entrando na carruagem sem
olhar para trás. Suas tias olhavam para ele, ele tinha certeza disso,
mas não conseguia encontrar a vontade de se importar com o fato
de que as tinha chocado quando finalmente se viraram e seguiram
Céleste. Ele observava com a sensação de um homem se
afogando, já que o único controle que ele tinha sobre qualquer coisa
boa lhe tinha sido tirado, em um mundo onde ele não tinha o direito
de seguir.
Voltando a entrar na casa vazia, seus passos ecoaram ao longo
do grande saguão enquanto ele se dirigia ao seu escritório e pegava
o primeiro decantador à vista. Ele pretendia ficar muito bêbado,
muito rápido, e pretendia permanecer assim por muito, muito tempo.
Capítulo 20
“No qual se passaram dois meses e um coração partido não está de
forma alguma remendado, mas um pouco aliviado.”

Dorothea e Seymour ficaram lado a lado na janela da sala de


estar e olharam para a encantadora imagem no jardim. Entretanto,
Seymour franziu a sobrancelha, sabendo que havia uma profunda e
sincera tristeza por baixo da beleza superficial. Céleste caminhava
com o cachorrinho spaniel latindo e perseguindo-a em círculos a
seus pés. Vestida toda em musselina amarela com margaridas
bordadas sobre o corpete, Céleste parecia que também florescia
junto com o resto do jardim, que era um amotinado de bulbos de
primavera e cores brilhantes. Ela pegou uma bola e jogou-a para
seu cachorrinho travesso pegar. Mas sua expressão era exausta e
apática. Ela tinha feito tudo o que as tias lhe pediram; tinha se
sentado, sem se queixar, durante as intermináveis lições sobre o
comportamento adequado de uma senhorita. Ela também tinha feito
um grande esforço para perder seu sotaque francês, embora isso
estivesse se mostrando mais difícil de ser realizado.
— Ela está terrivelmente solitária — disse Dorothea, com um
suspiro.
— Hmmm — respondeu Seymour, evasivamente, seus olhos
cinzentos atentos à cena aparentemente bucólica. — Você tem
notícias de Alex?
Dorothea balançou a cabeça, seus cachos desbotados mais
brancos do que louros agora, dançando ao redor de seu rosto. —
Não, não depois que você o repreendeu por tentar interferir.
Seymour soltou um muxoxo e se afastou da janela, voltando
para o sofá de veludo e dando atenção aos utensílios de chá que
tinham sido preparados para elas. Com movimentos precisos e
cuidadosos que estavam em desacordo com seus anos avançados,
ela seguiu o ritual com meticulosa atenção. Admirando o belo
conjunto de chá de porcelana Limoges azul e dourado que seu
sobrinho a havia enviado, como agradecimento por sua ajuda na
entrada de Céleste na alta sociedade, preparou uma xícara do sabor
preferido de sua irmã e entregou-a.
— Eu não o repreendi — disse ela, voltando à conversa, agora
que a importante tarefa de preparar o chá havia sido atendida com a
devida diligência. — Apenas assinalei que havia pouco benefício em
enviá-la até nós se ele fosse criticar nossos esforços a todo
momento.
Ela olhou de relance para Dorothea, e descobriu que ela havia
franzido os lábios de uma forma familiar. Isso significava que ela
discordava de sua irmã, mas não estava disposta a se manifestar.
— O quê? — indagou Seymour, baixando sua xícara de chá
com um pouco mais de barulho do que pretendia.
Dorothea abriu a boca, claramente hesitante.
— Ah, sinceramente, Dorothea, não precisa ter medo de mim!
Sua irmã lançou-lhe um olhar que claramente contestava esse
fato, mas decidiu enfrentá-la, de qualquer maneira. — Acontece que
eu concordo que seu sotaque é bastante charmoso.
Seymour fez cara feia, e Dorothea apressou-se em dizer. — O
que eu quero dizer é que... sim, ela deve aprender a maneira correta
de falar e os assuntos apropriados de uma conversa...
Bufando, Seymour balançou a cabeça ao lembrar de um
momento escandaloso. A garota havia chocado as duas quando
deixou cair acidentalmente uma xícara de chá no dia anterior e
praguejou de uma maneira que as deixou sem palavras.
Dorothea corou. — Sim, bem, ela certamente precisa... ser
polida.
Seymour deu uma risada sombria que fez sua irmã olhar
fixamente para dentro da xícara de chá.
— Mas eu concordo com Alex. Acho que ela não deve perder
completamente o sotaque.
Fungando de descontentamento, Seymour pegou sua própria
xícara de chá mais uma vez. — Bem, como a criança tem feito
poucos sinais de progresso até agora, duvido que algum de vocês
tenha qualquer motivo de queixa nesse ponto.
Ambas ficaram em silêncio por um tempo, bebericando o chá.
— Recebi uma carta encantadora de Henri — aventurou-se
Dorothea, esperando claramente que esse fosse um tema de
conversa mais seguro.
— Sim — murmurou Seymour, cuja própria carta a tinha enchido
de preocupação. Ela já havia deixado claro para Henri que estava
bem ciente das façanhas de seu sobrinho mais velho no mundo do
contrabando, e que não estava nem um pouco convencida com a
história do retorno de Lawrence à família. Aquele episódio em
particular ela havia deixado para lá, encantada demais com seu
retorno milagroso para querer saber os detalhes sórdidos dos quais
ela imaginava que houvesse muitos. Sua doce irmã podia se
contentar em olhar o mundo através de lentes cor-de-rosa, mas ela
era feita de materiais mais rígidos. O marido de Seymour, lorde
Russell, que Deus o tenha, tinha sido um tipo de homem elegante,
não muito diferente de seus sobrinhos. E ela estava bem ciente de
várias de suas façanhas mais chocantes. Mas na carta de Henri
havia algumas sugestões sutis que aludiam a algo do qual ela
suspeitara quando elas haviam buscado Céleste em Tregothnan.
Que Alex estava apaixonado pela garota.
Realmente não era o casamento que ela teria esperado para
ele. Encantadora como a menina era, e por todas as suas...
desvantagens, ela parecia ser uma criatura adorável, mas ela era
uma estrangeira. Não só isso, ela era francesa! Seymour
estremeceu interiormente com o pensamento. Não, não, estava
realmente longe do que ela esperava para Alex. Mas, então, ela
havia desfilado um verdadeiro banquete do melhor da sociedade
inglesa feminina sob seu nariz desde a época em que atingiu a
maioridade, mas a criatura irritante não havia mostrado a menor
inclinação para casar-se com nenhuma delas. É claro que agora ele
tinha causado tanto dano à sua reputação de tal forma que qualquer
garota bem-criada coraria e gaguejaria, e faria um papel de boba se
ficasse a menos de um metro de distância dele. Embora suas mães
determinadas ainda as obrigassem a suportar a provação da
possibilidade de capturar um dos solteiros mais elegíveis do Reino.
Mas se, como ela mesma havia suspeitado e Henri havia
aludido, Alex tivesse sentimentos pela criança... poderia ser sua
última chance de vê-lo devidamente casado e cumprindo seu dever
de proporcionar um herdeiro à linhagem. Ela deu um longo suspiro.
Uma coisa era muito clara, Céleste estava sentindo falta de Alex.
A menina vivaz e animada que Alex havia descrito em suas
cartas estava muito longe da pequena criatura infeliz que
assombrava sua confortável casa e jardim e só falava quando
dirigiam a palavra a ela. Dorothea estava certa. A criança estava
solitária e triste, e ali, pelo menos, elas podiam fazer algo. Agora, o
pior de seus óbvios defeitos havia sido corrigido, era hora de
conhecer algumas pessoas de sua idade, e talvez isso devolvesse o
rubor às suas bochechas.
Seymour voltou sua atenção para sua irmã. — Pedi a Aubrey
que viesse nos visitar.
— Oh! — A xícara de chá de Dorothea tilintou em seu pires,
fazendo Seymour se encolher. — Que encantador! Oh, agora vamos
nos divertir um pouco, como é maravilhoso ter jovens em casa.
Seymour lançou à sua irmã um sorriso indulgente. Dorothea
nunca havia se casado, graças a um caso de amor infeliz. Tinha
sido um golpe devastador para a querida Dotty, mas ela nunca havia
se tornado amarga ou endurecida, tendo amado sua extensa família
através de Seymour com todo o devotamento e um pouco mais de
afeição externalizada do que a mãe delas. Aubrey era seu neto mais
novo, e aos vinte e dois anos de idade seria uma boa companhia
para Céleste. Ele era conhecido por seu senso de humor e por ter
se metido em todo o tipo de enrascadas, e seu pai tinha deixado
claro que ficaria feliz em se livrar do vagabundo imprudente por
algumas semanas.
— Quando ele chega? — indagou Dorothea, seus olhos azuis
desbotados se acendendo de felicidade.
— Esta tarde — disse Seymour, com um sorriso sereno. Bem, o
que quer que acontecesse, ela tinha seus planos e precisava
esperar para ver o que poderia fazer com aquilo.
***
Céleste olhou para a carta em sua mão e suspirou. Apesar do
conselho de Henri de esperar pelo menos três meses antes de
escrever para Alex – faça o diabo esperar, minha querida – ela havia
desistido na semana passada e lhe escreveu uma breve e muito
apropriada missiva. Graças às tias, sua escrita do inglês tinha
melhorado muito, e ela não tinha mais tanta vergonha de colocar a
caneta no papel. Ela poderia, é claro, ter escrito em francês, mas
queria mostrar-lhe que estava se esforçando diligentemente em
seus estudos para se tornar uma verdadeira senhorita inglesa. Pois
ela não tinha intenção de desistir de Alex. Absolutamente nenhuma.
Se uma mulher inglesa sofisticada e mundana era o que ele queria,
então, era assim que ela se comportaria. Embora por mais que
tentasse, seu sotaque parecia zombar dela. Não importa quantas
vezes Seymour a educasse na pronúncia correta do “pra” e “pro”,
sempre saía “prra” e “prro”. Era muito frustrante.
Mas, mesmo assim, ela queria que Alex soubesse que estava se
esforçando, e com isso em mente havia escrito uma pequena carta.
Agradecendo-lhe por tudo o que havia feito por ela, exaltando as
virtudes de suas tias e a vida em Hertfordshire, ela havia omitido
dizer-lhe que não havia conhecido ninguém e mal havia saído de
casa, não querendo que ele soubesse que a tia Seymour ainda
parecia ter muita vergonha dela. Era muito formal e apropriada, e
soava como a tia Seymour havia dito que deveria.
Em troca, ela tinha recebido uma resposta ainda mais breve.
Agradecendo-lhe por suas consultas, aplaudindo seus esforços e
desejando-lhe muito sucesso, foi ríspido e formal, levando-a às
lágrimas.
Praguejando deselegantemente, de uma forma que teria feito as
tias arquejarem de horror, escondeu a carta e caminhou até a porta
da frente. A única alegria que podia encontrar, pelo menos na
monotonia da vida sem Alex, eram os belos jardins. Ela havia
caminhado ao longo de cada centímetro do extenso terreno e
passou tanto tempo ao ar livre quanto seus estudos e as tias
permitiam. Ela parou para chamar Bandit. Do santuário de sua
cesta, o cachorrinho observou-a com um olhar cansado e voltou a
dormir. Até mesmo o pobre cão só conseguia dar alguns passeios
no ar fresco, pelo visto. Com um suspiro, ela abotoou sua nova
peliça de seda amarela, e bateu em seu bonnet com uma careta —
Céleste, uma dama nunca anda sem seu bonnet!
Pegando a sombrinha, virou-se elegantemente... e foi de
encontro a um peito masculino.
— Ooof!
— Maldição!
Ela olhou para cima... e, mais um pouco para cima, até chegar à
figura alta e bastante elegante de um jovem com olhos cor de mel
que a observava com consternação. Ele estava vestido com o que
ela agora era conhecia como sendo o auge da moda, depois de
muitas horas observando gravuras de moda no The Ladies' Monthly
Museum e La Belle Assemblée. De fato, para seus olhos recém
treinados, com as intrincadas dobras de sua gravata a la trone
d'amour, com um pequeno diamante, o corte do casaco e
pantalonas, um colete que abraçava amorosamente sua forma
atlética, o único relógio de bolso que pendurava de um lado e um
par de brilhantes botas de cano longo para completar a imagem, ele
parecia perfeitamente esplêndido, um verdadeiro bon vivant, sem
dúvida. E, então, ele estragou tudo ao abrir a boca.
— Quem é você? — indagou ele.
Irritada com seu tom, como ele aparentemente tinha entrado
sem avisar, ela levantou o queixo. — Eu poderria fazer-lhe a mesma
pergunta, monsieur — respondeu ela, com tanto desdém quanto a
educação permitia, sem que ele percebesse.
— Santo Deus, um galo! — exclamou ele, perplexo. — Que
diabos está fazendo aqui um galo? Quer dizer que o velho Napoleão
está de volta e provocando problemas novamente?
— Um... o que você acabou de me chamar? — respondeu
Céleste, de olhos arregalados e indignada.
Por um momento, o insolente teve a elegância de parecer um
pouco desconfortável.
— Ummm, ora, você sabe, um galo, uma gaulesa, isto é... hmm,
uma francesa.
— Como se atreve! — exclamou ela, batendo com sua
sombrinha em sua cabeça, destruindo o penteado de querubim
armado, dando-lhe uma aparência um pouco mais desarrumada e
libertina.
— Que me... — O jovem olhou para ela em choque, mas ela
havia passado muitas semanas triste, muitas semanas sozinha e
com raiva por ser mandada embora. Seu temperamento esquentou.
Avançando sobre ele com um acesso de raiva em francês obsceno,
acenou com sua sombrinha de forma ameaçadora.
— Ei-ei, espere um momento — gaguejou o jovem, antes de
decidir que a retirada era melhor do que a valentia, correndo para
dentro de casa com Céleste em seus calcanhares.
Ele parou na sala de estar, aparentemente decidindo que era
muito embaraçoso fugir de uma jovem senhorita diminuta, mesmo
que ela estivesse empunhando uma sombrinha. Embora Céleste
tenha notado que teve audácia de manter uma cadeira entre eles.
— Parece que começamos com o pé esquerdo... — aventurou-
se ele, olhando-a com os olhos alarmados enquanto ela circulava a
cadeira. Ele recuou, afastou-se dela, e prontamente atirou-se sobre
o sofá enquanto ela batia na parte de trás de seus joelhos. Com um
grito de alarme, ele pousou numa pilha amassada entre a mesa e o
sofá. Céleste olhou para ele, com suas botas de cano alto brilhantes
ainda penduradas sobre a mesa de jacarandá, seus braços
separados e uma expressão de perplexidade em seus olhos cor de
mel, e começou a rir.
No início, era uma risada própria de uma dama, da maneira
como ela havia sido instruída, mas a indignação em seu rosto era
demais para suportar e, em seguida, ela gritava como uma louca
com lágrimas correndo pelo rosto. Um momento depois, no entanto,
ela gritou por uma razão diferente quando seus pés foram varridos
de debaixo dela e ela pousou com força em seu traseiro em uma
enxurrada de musselina e seda.
Furiosa, ela xingou o perpetrador desse ultraje, e encontrou os
brilhantes olhos cor de mel cheios de alegria. Ela fez uma pausa,
com raiva lutando contra a diversão, até que o ridículo da situação a
divertiu demais e ela começou a rir novamente. Em seguida, os dois
ficaram sem fôlego devido às gargalhadas.
— Eu digo — indagou o jovem, enquanto se retirava do chão e a
elevava a seus pés de uma maneira um tanto desajeitada. — Se
você não se importa que eu pergunte, quem é você e o que está
fazendo com as anciãs?
Céleste fungou e tentou recuperar um pouco de sua dignidade
esquecida. Estendendo a mão, ela fez uma reverência rígida. — Eu
sou Célestine Lavelle, La Comtesse de Valrey.
— Não brinca! — respondeu ele, levantando uma sobrancelha.
— Eu sou Aubrey Russell, neto de Seymour. De qualquer forma,
encantado, suponho. Mas por que você está aqui?
— Porque lady Russell e a senhorita Dorothea estão me
preparando para a minha apresentação à sociedade — respondeu
Céleste, suavizando cuidadosamente suas saias amarrotadas.
— Hmmm — respondeu Aubrey, divertimento contorcendo os
cantos de sua boca. — Mas quem está preparando a sociedade?
Céleste bufou com repulsa. — Você é um garoto muito rude!
Aubrey bufou e soltou uma pequena gargalhada. — Garoto, é?
Ora bolas, você está se esforçando para me enervar, não está? E
quanto à rudeza, bem, é o sujo falando do mal lavado, sem dúvida
alguma! — Ele apontou um dedo para ela. — Eu não sei uma
palavra em francês, exceto alguns palavrões que aprendi em Eton,
mas sei que esse não era o tipo de linguagem que vem aprendendo
com minha avó!
A expressão de Céleste mudou quando percebeu que esse
garoto assustador poderia causar-lhe todo tipo de problemas se ele
optasse por isso.
— Oh, não fique com essa cara de quem comeu e não gostou
— disse ele, acenando a mão para ela e jogando-se no sofá com
um suspiro e sentindo-se em casa. — Eu não estou prestes a te
entregar. Deus sabe que eu nunca estou em suas boas graças,
sempre me repreendendo por uma coisa ou outra.
— Merci, monsieur — disse ela, com um suspiro de gratidão. —
Lady Russell me considera uma tremenda de uma provação, eu
temo.
— Oh, pode me chamar Aubrey, parece que somos
praticamente família, e eu posso imaginar que ela esteja —
respondeu ele, olhando para ela com interesse enquanto ela o
observava de volta. Ele era realmente um jovem muito bonito. Olhos
cor de mel e cabelos espessos com uma coloração ligeiramente
castanha-avermelhada que se enrolavam sobre sua testa, realçando
um semblante muito agradável. Um cacho teimoso, em particular,
caía sobre seus olhos enquanto ele falava, e ela ansiava para
empurrá-lo para trás. Somado a uma estrutura alta e esguia com
ombros largos e uma mandíbula quadrada e forte, além de covinhas
bastante cativantes quando ele sorria; ele era realmente muito
agradável de se olhar. Com um suspiro, ela desejou que tais
encantos pudessem ser atraentes para ela, no entanto, um certo
demônio de cabelos escuros e olhos cinzentos nunca prestariam
atenção nela.
— Então — disse ele, trazendo a atenção dela de volta para ele.
— Como você veio parar aqui?
Ela encolheu os ombros e sentou-se no sofá ao lado dele. —
Alex me trouxe — disse ela, esquecendo completamente de todas
as lições que tinha aprendido com tia Seymour, diante da maneira
franca e aberta de seu novo convidado; referindo-se a Alex de uma
maneira familiar demais.
— Alex? — respondeu ele, franzindo a sobrancelha. Ela
observou, perguntando-se como diabos ele poderia esquecer seu
próprio primo e, então, seus olhos se arregalaram. — Você quer
dizer Falmouth? Ele te trouxe aqui...
— Oui, quero dizer, sim. Lorde Falmouth, ele me trrouxe.
— Bom Deus. — Ele parecia surpreso com essa informação e
apenas sentou-se olhando para ela por um momento. — Sua família
foi perseguida durante todo... — Ele fez uma careta e fez um sinal
com um dedo em seu pescoço de uma forma bastante ameaçadora.
Céleste assentiu com a cabeça. — Oui, meu tio perdeu a
cabeça na guilhotina, maman e papa fugiram. — Ela suspirou,
sentindo-se totalmente melancólica agora. — Papa morreu na
guerra, maman se suicidou.
Os olhos de Aubrey se arregalaram e ele parecia mais relaxado,
tanto que se acomodou melhor. — Muito bem, então, não pare por
aí — começou ele, acenando-lhe com uma mão impaciente. —
Comece pelo início. De onde você vem? O que aconteceu com
você? Como você conheceu Falmouth?
Céleste olhou para ele com surpresa, mas sua expressão era de
absoluta atenção, assim, ela se acalmou, retirou seu bonnet... e lhe
disse.
Capítulo 21
“No qual as cartas dizem mais do que palavras em uma página.”

Glebe House, Hertfordshire, 25 de julho.


Caro lorde Falmouth,
Espero que você esteja com boa saúde e devo
agradecer-lhe muito gentilmente pela encomenda que
chegou com segurança esta manhã.
Gostei muito das frutas de marzipã que me
lembraram de meu aniversário e de um momento tão
feliz com a querida Henri e seu irmão. Vou me esforçar
para não comê-las de uma só vez, já que a Modiste
que a tia Seymour frequenta adoraria muito me
espetar com alfinetes para demonstrar seu desânimo
diante de qualquer centímetro a mais.
Tia Seymour e tia Dotty também ficaram muito
satisfeitas com o champagne e o conhaque, e enviam
seus mais calorosos cumprimentos.
Fiquei muito feliz na noite passada ao ver tantos
amigos ao redor da mesa de jantar aqui. De fato, pela
primeira vez na minha vida, tenho amigos de verdade,
o que é uma coisa muito boa, e algo mais que devo
lhe agradecer de todo o meu coração. Aubrey estava
lá, é claro, e lorde FitzWalter e sua irmã, e visconde
Trenchard e seu bom amigo lorde Blakeney, e uma
série de outros nomes que sem dúvida o aborrecerão
terrivelmente, por isso, não os mencionarei. De fato,
embora eu não esteja oficialmente apresentada,
parece que a tia Seymour confia em mim para me
comportar com decoro nessas noites felizes. Os
milagres acontecem.
Na verdade, as tias parecem gostar tanto dessas
noites animadas quanto eu, especialmente a querida
Dorothea, que é uma das favoritas entre todos os
jovens, pois ela é tão divertida.
Bandit, lamento informá-lo, é uma perfeita ferinha,
no entanto. Na sexta-feira passada, enquanto eu
estava fora em um piquenique com as tias e Aubrey,
ele comeu meus chinelos de cetim amarelos favoritos.
Eu fiquei realmente muito mal-humorada, mas depois
ele ficou tão emburrado que fui obrigada a perdoar-lhe.
Espero que você veja que meu inglês está muito
melhor agora, na verdade, tia Seymour praticamente
me disse que não era muito terrível, então, como você
pode ver, fiz grandes progressos.
Atenciosamente, sua amiga,
Célestine Lavelle
***
Alex olhou fixamente para a carta em sua mesa e tentou
lembrar-se do rosto de seu primo. Um garoto magricela que
gaguejava se Alex sequer olhasse em sua direção foi desenterrado
de uma memória há muito esquecida e suspirou de alívio. Em
seguida, ele levou um momento para considerar quantos anos
haviam se passado desde a última vez que havia visto Aubrey
Russell e sentiu um aperto no peito. Tinha que ser cinco... não, sete
anos. Um garoto podia mudar muito em sete anos. Praguejando em
voz baixa, Alex encheu novamente seu copo e tomou um belo gole,
saboreando a queimação enquanto a bebida cara deslizava pela
sua garganta.
Então, e se ela estivesse passando tempo com o garoto...
homem. Então, e se os nomes nessa lista fossem mais masculinos
do que femininos? Ele não tinha dúvidas de que suas tias estavam
de olho nas coisas. Além do que, o pai de Aubrey, o barão Russell,
não era um homem rico. Uma condessa sem um tostão dificilmente
seria um casamento de seu agrado.
Mas, e se a Céleste amasse o garoto, e ele não quisesse ou não
pudesse se casar com ela? O aperto em seu peito aumentou e ele
esfregou irritantemente o local sobre seu coração.
Era impossível que o maldito menino... homem não estivesse
apaixonado por ela. Ele teria que ser cego. Ele sentiu uma onda de
ciúmes enquanto imaginava os dois se esgueirando no piquenique,
talvez apenas desaparecendo da vista das tias por um ou dois
momentos para roubarem um beijo. Sua garganta ficou apertada e
de repente foi difícil de engolir. Ele sabia, no fundo, que Céleste não
estaria interessada em alguns beijinhos doces.
No tempo em que haviam passado juntos, Alex descobriu muito
bem que ela era uma criatura de fogo e paixão. Ela precisava ser
educada por um homem que soubesse do que estava falando, que
ensinasse exatamente como essas paixões podiam ser dominadas
e alimentadas, e algum garoto inexperiente nunca seria capaz de
lidar com ela. Ele jurou, baixinho, uma longa série de obscenidades
que não o fazia se sentir nada melhor. Ele esperava que suas tias
estivessem de olho na garota porque se ele descobrisse que Aubrey
ou qualquer outro jovem idiota a tinha tocado, já não haveria
membros suficientes para enterrar até o momento que ele tivesse
terminado com eles.
Alex respirou fundo e tentou assegurar-se de que era apenas
sua imaginação que estava levando a melhor sobre ele. Sua
imaginação havia se tornado uma provação da pior espécie nos
últimos meses. Não apenas por imaginações como essas que eram
frequentes e humilhantes, mas por sonhos picantes que o visitavam
à noite e o deixavam enrijecido, dolorido, e dormente de solidão.
Sonhos em que Céleste corria de volta para ele e sucumbia com
cada expressão de sua devoção que podia ser encontrada. Sonhos
onde ele lhe ensinava o que ela queria dele, onde ele venerava
cada centímetro de sua bela pele com o fervor de um zeloso e
devoto pedinte.
Ele forçou as imagens tentadoras para fora de sua mente antes
que elas pudessem agarrá-lo e humilhá-lo ainda mais.
Pelo menos ela havia falado com ele com um pouco menos de
formalidade, desta vez. O tom frio que o havia tratado em algumas
de suas cartas anteriores o havia afundado em um mar de desânimo
do qual não parecia ter escapatória.
Nas primeiras semanas após ela ter partido para Hertfordshire,
ele tentou retomar com sua vida. Visitando seus clubes e até
mesmo fazendo uma visita a uma de suas amantes. Mas os clubes
pareciam não lhe oferecer nada do que ele queria, a não ser a
capacidade de se embebedar, o que ele conseguia realizar de forma
bastante satisfatória sozinho sem sair de casa, e ele havia
percebido seu erro ao visitar os olhos escuros que ele havia
ignorado por tantas semanas antes mesmo que a porta se abrisse
para ele. Com palavras frias de pesar, ele havia cortado relações
tanto com ela quanto com qualquer outra mulher com quem ele
havia tido um entendimento, oferecendo uma generosa recompensa
pela perda de seu protetor e sua mudança de atitude, mas não deu
explicações.
E, assim, ele encontrava-se: calado, sozinho rodeado pelas
paredes ecoantes de Tregothnan, com um decantador de conhaque,
uma carta de Céleste e uma dor no coração que simplesmente não
era possível de ser ignorada.
Com cuidado, ele redobrou a carta e a colocou com a pequena
pilha de sua outra correspondência. Ele responderia a ela quando
suas emoções estivessem menos esfarrapadas, então só Deus
sabia quando isso aconteceria.
Ele olhou para o relógio e decidiu ir ao encontro dos homens do
Susan Fugaz. Hoje à noite haveria outra negociação, embora as
coisas estivessem esquentando ao longo da costa. Agora que
Napoleão havia sido finalmente responsabilizado de uma vez por
todas, após a loucura de seu último suspiro e cem dias de poder, o
governo estaria voltando forçosamente suas atenções na direção
dos contrabandistas. Ele estava inclinado a dizer aos homens para
deixarem as coisas esfriarem por uma ou duas semanas.
O cofre da igreja, onde eles armazenavam grande parte de suas
mercadorias antes de encontrar uma casa, estava bem abastecido.
No dia anterior, seu inventário havia revelado o local abarrotado até
o teto com barris de conhaque, tabaco e seda suficiente para vestir
cada senhorita elegante da alta sociedade com qualquer cor de sua
escolha, por quantas vezes quisesse. Mas a tripulação estava
ansiosa para ir embora e ele certamente estava cansado de olhar
para as paredes de sua casa vazia e se perguntar que diabos
Céleste estava fazendo, se ela alguma vez pensava nele... ou se ele
tinha sido renegado às alcovas de suas memórias como alguém a
quem ela devia uma dívida de gratidão, e nada mais. A dor diante
dessa ideia fez com que ele recuperasse o fôlego, embora fosse
tudo o que ele esperava e planejava para ela. Por Deus, ele era o
maior hipócrita do mundo. Porque se tudo saísse como havia
planejado para ela... seu coração seria partido.
***
Glebe House, Hertfordshire, 30 de julho.
Caro lorde Falmouth,
Devo lhe agradecer muito sinceramente por seu
presente. Você é muito gentil. Nunca em minha vida vi
sapatilhas de tantas cores. Parecia que um arco-íris se
entrelaçara na sala de estar quando eu deixei todos os
pares dispostos lado a lado. Os olhos de Bandit
estavam positivamente vivos com o desafio, mas vou
me esforçar para mantê-las seguras longe de sua boca
curiosa. Talvez você deva enviar mais marzipã para
distraí-lo. É claro que agora você me passou a tarefa
assustadora de adquirir um vestido em todas as
tonalidades para combinar com os sapatos. Espero que
você esteja satisfeito consigo mesmo...
É tão quente na Cornualha quanto aqui em
Hertfordshire? Suas tias estão achando isso muito
desagradável e permanecem muito dentro de casa. É
claro que Aubrey é maravilhoso em manter o nosso alto
astral, mesmo quando o calor faz com que fiquemos de
mau humor. No entanto, você não pode imaginar que
eu jamais perderia a calma, assim espero. Estou me
tornando dama demais para fazer algo tão indelicado a
ponto de usar uma linguagem imprópria com relação à
estação, especialmente não em francês! Isso seria
desagradável e muito pouco característico de La
Comtesse de Valrey. Você vê como eu me tornei uma
senhorita inglesa muito respeitável?
Por favor, veja incluído um pequeno desenho de
Bandit. Pensei que você gostaria de ver como a criatura
horrível cresceu. Estou adquirindo habilidades que a tia
Seymour considera necessárias para minha educação.
Infelizmente, o piano está muito além de minha
compreensão e as tias admitiram a derrota, para o
alívio de todos os nossos nervos. No entanto, tenho
alguma habilidade com o lápis e o pincel. Espero que
você goste.
Atenciosamente, sua amiga,
Célestine Lavelle
 
Tregothnan, Cornualha, 1º de agosto.
Prezada lady Lavelle,
Por favor, encontre junto com esta carta, doze
caixas de marzipã. Espero que isso evite que Bandit
coma meus presentes anteriores, mas não cause a ira
da Modiste da tia Seymour e seus alfinetes. Eu também
enviei seda em vários tons para ajudá-la na árdua
tarefa de combinar vestidos com sapatilhas.
De fato, aqui também tem sido um verão muito
quente, embora haja sempre uma brisa refrescante
perto da costa, o que é muito agradável. Eu também
tenho passado o máximo de tempo possível no mar,
por isso tenho me livrado muito do calor.
Por favor, queira transmitir ao meu estimado primo,
o senhor Russell, meus sinceros cumprimentos e
desejos de que possa visitá-lo em um futuro próximo.
Já se passaram muitos anos desde a última vez que
nos vimos e eu gostaria de ter a oportunidade de
aprofundar nosso conhecimento.
Parece que você pode acrescentar modéstia à sua
lista sempre crescente de realizações. O desenho do
Bandit é perfeitamente encantador. Eu posso ver cada
vislumbre de sua natureza recalcitrante na expressão
que você capturou. Sua interpretação de seu caráter
mostra um olhar aguçado e uma considerável
habilidade. Espero que fique satisfeita em saber que o
mandei emoldurar e colocar em meu escritório.
Com sincero respeito, seu amigo e guardião,
Falmouth.
***
Céleste olhou para cima e viu Aubrey observando-a com horror
indisfarçável.
— De jeito nenhum — retorquiu ele.
Ela piscou para ele, perplexa com os seus modos. — Mas por
quê? Alex pediu que você vá visitá-lo. Por que você não iria?
Ele sentou-se de costas para antiga macieira e mordeu um
pequeno fruto verde, com uma careta, pois ainda era muito cedo e
as maçãs estavam longe de estarem maduras. — Porque se houve
um homem que sempre foi capaz de me encher de terror, é
Falmouth — respondeu ele, jogando a maçã no jardim para que
Bandit a perseguisse.
— Alex? — respondeu Céleste, rindo dele e acenando com um
delicado leque pintado à mão para criar algo parecido a uma brisa
fresca. — Alex não é nem um pouco assustador.
Aubrey olhou abismado para ela, seus olhos se estreitando. —
Você tem certeza de que estamos falando do mesmo indivíduo? Um
grande brutamontes com um olhar de zombaria, uma atitude
superior e olhos que podem congelar sua alma com um só olhar...
— Aff! — exclamou Céleste, com um movimento de desdém
com seu leque. — É clarro que ele olha assim, ele é um conde, mas
você deve ignorrar isso. Não significa nada.
— É fácil dizer quando você é mulher, e supostamente se
parece com a Vênus de Botticelli — resmungou Aubrey. — Você
teria o próprio diabo de joelhos, então não é nenhuma surpresa que
você tenha Falmouth na palma da sua mão. — Ele lançou-lhe um
olhar severo. — E você não deve dizer, aff! Seu sotaque piora, e
muito, sempre quando fala comigo.
Ela olhou para ele, sem ter certeza qual comentário deveria
responder primeiro. — Aff! Eu direi, aff e pro e pra, e falarei como eu
quiser, pois só estou falando com você, Aubrey, e você não conta.
— Sabe, eu gosto disso! — respondeu Aubrey, com um olhar de
reprovação.
— E quem disse que eu me parreço com essa Vênus? Como se
atrrevem! A mulher está nua — sibilou ela, em ultraje.
— Blakeney fez a observação, embora Trenchard fosse rápido o
suficiente para concordar com ele — disse ele, carrancudo.
Céleste bufou e depois olhou para Aubrey com interesse
crescente. — É por isso que lorde Blakeney estava com um olho
roxo naquele dia?
Aubrey corou e pareceu desconfortável. — Bem, diabos, um
sujeito não pode permitir que seus camaradas gostem da convidada
de sua avó e... e... bem, não podem, isso é tudo.
Céleste se lançou sobre ele e debruçou-se, dando-lhe um beijo
na bochecha.
— Obrigado, Aubrey, você é très galant.
— De nada — respondeu Aubrey, assentindo.
— Mas por que você também não presenteou um olho roxo ao
visconde Trenchard? — perguntou ela, com um pouco de
desagrado.
Aubrey estalou a língua. — Porque doeu deveras — respondeu
ele, apresentando seus nós dos dedos machucados para sua
inspeção. Ela lançou-lhe um sorriso indulgente, do tipo que ela
poderia ter reservado para um amado irmão mais novo. Pois era
realmente assim que ela o via. Por todos os três anos no qual ele
era mais velho, sua vida tinha sido muito mais protegida do que a
dela, e ela muitas vezes sentia que precisava protegê-lo de
realidades da vida que parecia completamente alheio a ele. Ela deu-
lhe um tapinha nos nós dos dedos em agradecimento por sua
galanteria, mas depois lembrou-se de uma noite mais escura, e de
um homem mais sombrio. Céleste lembrou-se de levar a mão
grande e cicatrizada de Alex aos lábios e beijar cada nó,
alternadamente, até que ele arrancou a mão. A saudade ameaçava
esmagá-la. Fazia seis longos e solitários meses desde a última vez
que o havia visto, e todos os dias sentia que estava mais longe de
torná-lo seu.
— Você está muito errado em qualquer caso, Aubrey — disse
ela, olhando para o pomar e para as sombras rajadas que os
abrigavam do sol escaldante. — Alex está apenas sendo gentil. Ele
não quer saber de mim. — Ela não conseguiu afastar o som
lamentável de suas palavras, mas se arrependeu quando olhou para
cima e viu Aubrey com uma expressão muito estranha.
— Homens não dão às damas dezenas de pares de sapatos
quando não se importam com elas — disse ele, com um tom
reprovador que lhe era pouco característico. — Nem guloseimas,
muito menos quilômetros e quilômetros de seda! Você sabe que foi
totalmente inapropriado?
— Por quê? — indagou ela, irritada em nome de Alex, apesar de
seu coração ter se animado diante das palavras dele.
— Porque não se dá de presente objetos pessoais a senhoritas
solteiras, é por isso — disse ele, soando realmente bastante irritado;
ela não tinha certeza se com ela ou com Alex.
Céleste franziu a testa. — Mas a tia Seymour permitiu isso.
— Sim. — Aubrey fez cara feia e começou a puxar tufos de
grama seca, de forma distraída. — E isso também é muito estranho.
— Ele olhou para ela e ela viu a inteligência cintilar nos olhos
quentes cor de mel. Mesmo que Aubrey fingisse uma imagem
despreocupada e descontraída, ela sabia que no fundo ele era um
amigo sério e leal a ela. — Você está apaixonada por ele, não está?
— disse ele.
Ela sentiu um rubor espalhar-se por suas bochechas, para baixo
em seu pescoço e pegou seu leque, escondendo-se atrás dele e
agitando-o em movimentos rápidos e ansiosos com o pulso. —
Aubrey! O que quer dizer com isso? Não seja tão tolo... Eu... Eu... —
Ela bufou e fechou o leque. — Oh, querido, ainda é tão óbvio
assim?
Aubrey bufou. — Certamente.
— Oh, Aubrey — lamentou ela. — Estou tão trriste. Sinto
terrrivelmente a falta dele. Como você pode ver, ele não é de modo
algum o homem frrio que você pensa que ele é. Bem, pelo menos
não comigo.
Ela olhou para Aubrey, que a fitava com uma mistura de
curiosidade e piedade aterrorizada. — Quer dizer que ele te ama,
então?
Céleste suspirou e desejou que essa fosse uma pergunta que
ela pudesse responder com algum tipo de certeza. — Fui levada a
acrreditar, por alguém prróximo a ele, que... que, sim, mas... — Ela
levantou as mãos em frustração. — Mas ele me deixou sozinha por
seis meses, e eu acho que talvez ele irrá me esquecer.
Aubrey levantou uma sobrancelha inquisitiva. — Enviando-lhe
dezenas de caixas de frutas de marzipã, três dúzias de sapatos de
seda e emoldurando o desenho que você lhe enviou e colocando-o
em algum lugar onde ele possa vê-lo todos os dias... Sim, com
certeza — respondeu ele, com um brilho sagaz em seus olhos. —
Essas são as ações de um homem que é totalmente indiferente a
você.
Céleste piscou para ele e sentou-se de joelhos, sem ousar sentir
esperança. — Você... você acha que talvez ele... ele esteja
apaixonado por mim?
Aubrey riu e balançou a cabeça. — Não vejo por que não
deveria estar. Parece ser uma aflição sofrida por todo homem que
chega a um palmo de você.
Céleste bufou e balançou a cabeça. — Oh, sim, mas eles são
apenas jovens tolos, eles não são importantes.
— Ai! — disse ele, batendo a mão sobre seu coração. — Se eu
repetisse essas palavras, haveria corações partidos daqui até
Londres. Deus ajude o macho da espécie quando você debutar, isso
é tudo que direi, sua criatura sem coração.
— Oh, Aubrey, não me provoque assim, você está realmente
muito provocante hoje. — Ela pegou seu leque novamente e
começou a agitá-lo de forma irritável.
— Pois bem, então, você está atrás de um conde, não é? —
disse ele, claramente determinado a provocá-la um pouco mais. Ela
olhou para ele com os olhos estreitos.
— Se você está insinuando que eu o amo por causa de sua
fortuna ou título, eu o atingirei — repreendeu-o, empunhando o
leque com um ar de ameaça.
Aubrey estendeu suas mãos demonstrando claramente que
sabia bem que ela não estava brincando. — Eu não me atreveria!
Além disso, eu sei que você não é assim. — Ele deitou-se de novo
sobre a manta do piquenique com um suspiro, apertando os olhos
diante da luz do sol. — Mas o que você vai fazer a respeito disso?
Quero dizer, se ele fosse pedi-la em casamento, já o teria feito, não
é mesmo?
Ela lançou-lhe um olhar muito sombrio enquanto ele ecoava
seus próprios medos. — Non, porque ele pensa que sou muito
jovem e inocente.
Aubrey arquejou e foi obrigado a sentar-se novamente, tendo
dificuldades de respirar.
— Desculpe-me — disse ele, acenando uma mão enquanto ela
se movia para bater nas suas costas. — Desculpe-me, não era
minha intenção — respondeu ele, com um ar de pesar enquanto ela
olhava fixamente para ele. — Quero dizer, eu sei que você é, mas...
Ela sabia que ele estava lembrando as histórias que lhe contara
sobre sua vida, especialmente seu tempo trabalhando no Madame
Maxime. Aubrey tinha ficado indignado, entretido, completamente
escandalizado e sentia muita admiração por ela. Ele também havia
feito a promessa a ela, sob pena de morte, de nunca, jamais repetir
a história para outra alma viva, enquanto ela vivesse.
— Oui — disse ela, com um encolher de ombros. — Você tem
toda razão. Estou longe de ser doce e inocente como deveria e,
mesmo assim, ele insiste em acreditar que sou. — Ela deu outro
suspiro desesperançado, e assustou-se quando ele cobriu a mão
dela com a dele.
— Não, Céleste, Falmouth tem direito a isso. Apesar de tudo,
você é doce e notavelmente inocente em muitos aspectos — disse
ele, com a voz suave. — Qualquer tolo pode ver isso.
Ela sorriu para ele e apertou sua mão. — Oh, Aubrey, por que
não posso me apaixonar por você? Seria muito mais conveniente.
Aubrey arrancou sua mão de volta e fingiu um olhar de terror
absoluto. — Meu Deus, que ideia espantosa, você está proibida de
repeti-la.
Céleste riu, sabendo e agradecendo secretamente pelo fato de
que ele a olhou com nada mais do que afeto fraterno. Pois ela
estava descobrindo que ter cavalheiros declarando seu amor eterno
por ela e sonetos, a todo momento, era realmente muito cansativo.
Capítulo 22
“No qual a imprudência traz tristeza e esperança.”

— Mousy! — Lawrence observou com sincero prazer seu antigo


contramestre enquanto o grandalhão postava-se na porta de seu
escritório. — Bem, que baita de uma surpresa. Entre, entre.
Ele conduziu o homem no cômodo e franziu a testa quando
percebeu que o homem estava bastante desconfortável. — Bem,
não fique tão aterrorizado. Henri está dando um passeio pelos
jardins, e tenho certeza de que Annie está cuidando dela. Então
você está seguro, por enquanto.
Mousy bufou e balançou a cabeça. — Não, num é isso, capitão,
mas num vô negá que é meió num vê a Annie tão cedo, pra falá a
verdade. Ela num tá muito satisfeita cumigo, de momento.
Lawrence levantou uma sobrancelha e fez um gesto para Mousy
sentar-se enquanto ele fazia o mesmo. — Bem, se não foi a Annie
que te trouxe de volta à França com um ar tão evasivo, então o que
foi?
— É o conde, capitão — disse Mousy, nunca faltando com a
verdade.
— É mesmo?
— Sim, ele foi baleado.
— O quê? — Lawrence levantou-se de sua cadeira, medo
atravessando-o enquanto Mousy levantava suas mãos.
— Ele tá bem. Vai sobrevivê — disse Mousy, esfregando a parte
de trás de seu pescoço com um punho do tamanho de um presunto.
— Dessa vez — acrescentou ele, com uma expressão sombria.
Lawrence suspirou ao registrar as palavras de Mousy.
— Você tem certeza? Não é nada sério?
Mousy encolheu os ombros. — Pegô no braço, quebrô, mas o
médico acha que vai sará tudo, desde que ele deixe descansá.
Lawrence bufou, sabendo a probabilidade de Alex estar disposto
a fazer qualquer coisa do gênero. — O que você quis dizer? —
perguntou ele, olhando para Mousy com preocupação. — Dessa
vez?
Ele observou como a figura pesada de seu antigo contramestre
se acomodava mais confortavelmente na bela cadeira em que havia
conseguido se espremer. As elegantes pernas de jacarandá
pareciam estar prestes a quebrar diante de seu peso, a qualquer
momento.
— Bem — começou Mousy, seu rosto corado estava sério. —
Não me cabe a mim dizê, mas...
— Ah, desembuche, homem — disse Lawrence. — Você tem
claramente algo a dizer e confio em seu julgamento em todas as
coisas, você sabe disso. Então, vamos ouvi-lo.
Mousy suspirou e assentiu com a cabeça. — Na noite que foi
baleado. Eu falei pra ele num ir. As coisa tão ficano mais difícil,
sabe. A Receita tem mais homem, e eles tão ficano sagaz. É um
grande risco agora trazê as coisa contrabandeada. Cada vez mais.
Agora, pra eu e os rapaz, esse é o nosso modo de vivê de uma
forma ou doutra. Num temo outra opção pra fazê outra coisa. Mas
seu irmão...
— Está se arriscando sem motivo? — supôs Lawrence, com
uma sensação semelhante à de água gelada deslizando por suas
costas
— Sim, é mais ou meno isso aí.
Lawrence levantou-se e serviu a ambos uma bebida, colocando
o copo na mão de Mousy enquanto voltava ao seu lugar. — Henri
expressou o desejo de retornar à Inglaterra para o nascimento do
bebê — disse ele, olhando para o líquido marrom-amarelado com
uma expressão pensativa. — Se formos embora, devemos partir nos
próximos dias, então parece que serei capaz de falar com meu
irmão idiota antes que seja morto.
Ele olhou para cima e percebeu um peso sumir dos enormes
ombros de Mousy. — Graças a Deus — disse ele, com óbvio alívio.
— Fiz o que pude, capitão, mas num conheço ele como conheço
ocê, e ele sendo um conde e tudo mais... Tô sempre tentano me
comportá.
Lawrence bufou com diversão. — Muito bem, então, devo voltar
pelo simples fato de ver você se aventurar na diplomacia.
Mousy fez uma careta e deu um grande gole em sua bebida. —
Pode ri. Ele pode ser tratado com mais respeito do que de costume,
mas se pensa que num vô chamá ele de um idiota cabeçudo, tá
bem enganado. — Lawrence riu quando Mousy levantou-se e fez
uma reverência debochada. — Capitão — disse o grandalhão, com
um tom grave.
Estendendo a mão para Mousy, ele apertou-a e lançou ao
homem um sorriso caloroso. — Obrigado, Mousy, por ter vindo me
dizer.
Mousy encolheu os ombros e assentiu com a cabeça. — Num
queria que o maldito estúpido levasse um tiro sem motivo.
Lawrence viu Mousy sair de fininho pelo corredor e praticamente
correr pelos jardins antes que a criada doida para se casar o visse.
Com um longo suspiro, ele se perguntou que diabos deveria fazer
com seu irmão mais velho e sua crescente imprudência. Ele estava
bastante consciente do que qual era o cerne do problema, mas não
tinha certeza de que diabos deveria fazer a respeito.
***
Glebe House, Hertfordshire, 25 de agosto.
Caro lorde Falmouth,
Senhor, estou muito, muito incomodada. Acabei de
ouvir esta manhã que machucou e quebrou o braço!
Não apenas isso, mas que aconteceu há três semanas
e não mencionou nada disso. Eu esperava que você
me considerasse sua amiga de confiança. Como você
poderia me deixar tão inconsciente de sua dor? Estou
profundamente ferida que não tenha me confidenciado
tal coisa. Exijo que me escreva de volta e me
tranquilize quanto ao seu bem-estar.
 
Atenciosamente, sua amiga,
Célestine Lavelle.
***
Tregothnan, Cornualha, 28 de agosto.
Minha querida lady Lavelle,
Por favor, perdoe-me se lhe causei alguma
angústia. Asseguro-lhe que era o mais longe possível
de minha intenção. Estou de fato muito bem, exceto
pelo braço quebrado, felizmente não o direito, que
estou certo de que não terá problemas se for deixado
à sua própria sorte. Devo admitir que a esta altura o
ferimento tenha sido inteiramente resultado de minha
própria tolice e teimosia (da qual acredito que você
conheça bem) e talvez seja por isso que me esforcei
para manter o assunto para mim mesmo. Posso, com
toda a sinceridade, assegurar-lhe que nunca, por um
momento, duvidaria da sinceridade de sua amizade,
nem espero que você duvide do valor e da estima que
tenho de honrar uma amiga como você.
Seu amigo sincero e guardião,
Falmouth.
***
— Sai de cima de mim, seu idiota! — rugiu Alex para o infeliz
médico, que havia sido tolo o suficiente de tentar examinar seu
braço quebrado para ver como ele estava se recuperando.
O bom doutor empalideceu, mas manteve a compostura, depois
de um momento, já que conhecia tão bem tanto o conde como uma
variedade de seus ferimentos desde moleque, além de tê-lo
atendido quando voltou da Batalha de Trafalgar. Mesmo assim, Alex
fez cara feia, cansado de ser cutucado e espetado. Seu braço
estava doendo muito e, além disso, ele sentia um maldito incômodo.
Já era ruim o suficiente que tivesse que suportar dias de conversa e
palestras tanto de seu irmão mais novo quanto da esposa de seu
irmão nos últimos dez dias, agora ele tinha que aturar esse médico
intrometido.
Graças a Deus tinham ido visitar as tias antes do início do
período de confinamento de Henri, o que, se Deus o ajudasse, seria
em Tregothnan. Ele se perguntava com um arrepio se sua vasta
propriedade seria suficientemente grande para permitir que ele
perdesse completamente o evento.
— Talvez eu deva sangrá-lo, milorde — ofereceu o médico
voluntariamente, com admirável coragem, dadas as circunstâncias.
— Você está corado demais para o meu gosto.
— Fora! — gritou Alex, com fúria. — Saia, seu sanguessuga
maldita. Tudo o que preciso é de um pouco de paz e sossego.
Com notável paciência, e depois de não ter sido pouco solicitado
por seu médico, Alex pelo menos concordou em deixar o médico
enfaixar seu braço novamente e deixar-lhe uma garrafa de láudano
para ajudar com a dor. Uma vez que tinha conseguido se livrar do
velho tolo, Alex se retirou para seu quarto agarrando o láudano, uma
garrafa de conhaque e as duas últimas cartas da Céleste.
Batendo a porta com o pé, caminhou até a cama e demorou um
tempo para acender a lamparina antes de instalar-se com um copo
de conhaque e retirar cuidadosamente a última carta de Céleste de
seu envelope.
Fechando os olhos, ele a segurou no nariz e inalou. Ela havia
começado a usar perfume em algum momento do mês de maio, e o
cheiro arrebatador invadiu seus sonhos, atormentando seus
sentidos e acrescentando mais uma camada de tristeza ao mundo
escuro que ele parecia habitar. Ele olhou fixamente para a caligrafia
nítida e arredondada, desejando ter a coragem e o egoísmo de
enviar a carta sincera que havia escrito em resposta, em vez de
queimá-la como a honra exigia. Com um coração dolorido, voltou
sua atenção à carta.
Glebe House, Hertfordshire, 2 de setembro
Prezado Alex,
Por favor, perdoe-me. Sei que não devo me dirigir
a você assim, nem escrever nada de forma tão
chocantemente familiar, mas devo fazê-lo. Hoje vi a
querida Henri e meu coração ficou tão contente de ver
alguém que tenho a sorte de considerar tão próxima
como uma irmã. Embora estivesse bem contente com
seu óbvio bom estado de saúde e animada com sua
condição, senti-me profundamente agitada diante de
suas palavras. Pois ela me disse exatamente como
você foi ferido, e agora não consigo dormir por medo
de que se machuque mais. Por favor, milorde, se você
tem a menor consideração por mim, sua verdadeira
amiga, por favor, não se coloque em perigo dessa
maneira novamente. Não tem ideia de como fui
privada de minha paz de espírito e lhe imploro que
tenha cuidado.
Por favor, escreva-me e assegure-me de que irá
escutar minhas palavras e me poupará de mais
ansiedade, pois eu nunca me recuperaria da perda de
um amigo como você.
Atenciosamente,
Céleste.
***
Ele ficou olhando para as palavras por tanto tempo que
começaram a se distorcer e sentiu um aperto em torno de seu peito.
Levantando a conhaque até a boca, tomou um grande gole, mas
achou difícil de engolir com o caroço em sua garganta. Ela ainda se
importava com ele. Mesmo que suas investigações tivessem trazido
informações de que ela e seu jovem e bonito primo eram
inseparáveis. Mesmo que houvesse rumores de que todos os
homens que a olhavam estavam enfeitiçados por sua beleza, e a
alta sociedade estava alvoroçada com perguntas sobre a misteriosa
comtesse. Mesmo que quando ela finalmente debutasse no próximo
ano, seria saudada como um diamante da primeira linha e poderia
escolher qualquer homem solteiro com o estalar dos dedos. Ela
ainda se importava com ele. Ele pressionou a carta contra o coração
e fechou os olhos, imaginando como diabos conseguiria assistir
passivamente todos os homens a observando e tramando para
tomarem ela.
Ele rezou para que ela fizesse sua escolha rapidamente, assim,
a dor seria certeira e profunda, em vez de prolongada, apodrecendo
e corroendo-o por dentro. Pelo menos uma vez casada, não haveria
mais volta, não adiantava mais os infinitos arrependimentos, sonhos
e desejos infrutíferos. Ela já teria feito sua escolha, e ele teria que
viver com ela.
Tregothnan, Cornualha, 5 de setembro.
Minha querida lady Lavelle,
Dói-me muito mais do que qualquer desconforto
físico saber que tenho sido a causa de qualquer
angústia de sua parte. Por favor, asseguro-lhe que
minha vida tem sido conduzida da mesma maneira há
muitos anos, e eu sou bem capaz de cuidar de mim
mesmo. Na noite em questão, fui de fato tolo e
teimoso, mas prometo que me esforçarei para evitar
tal comportamento no futuro. Lamento informar-lhes,
no entanto, que tanto a tolice quanto a teimosia estão
há muito enraizadas em minha natureza, mas tenho
certeza de que está perfeitamente ciente disso.
Por favor, minha querida amiga, não perca o sono
por minha causa. Asseguro-lhe que não valho o
sacrifício.
Atenciosamente,
Alex.
Capítulo 23
“No qual nossa heroína faz seu début e deixa a alta sociedade em
estado de alvoroço.”

Londres, 2 de abril de 1816.


— Non, eu não vou! — chorou Céleste contra o travesseiro,
consciente de que estava se comportando como uma criança
ingrata, mas bem fora de si. Aquilo tudo era demais, depois de tanto
tempo, receber notícias tão devastadoras.
Tinha sido decretado, pela tia Seymour, que Céleste faria seu
grande début no baile do duque de Bedfordshire, na Bedford House,
em Bloomsbury. De fato, o Parlamento havia sido convocado em
fevereiro e a temporada estava a todo vapor há algum tempo, mas
tia Seymour havia retido sua aceitação até que um grande evento
estivesse disponível para que Céleste deixasse sua marca, e até
que a curiosidade entre aqueles da alta sociedade beirasse à
euforia. Dezenas e mais dezenas de convites elegantes se
amontoavam em uma pilha aparentemente interminável nas últimas
semanas, e Céleste sentia-se tonta diante da quantidade que tia
Seymour havia aceitado em seu nome.
Foram semanas intermináveis de compras e preparação, seu
guarda-roupa estava recheado de uma variedade aterrorizante de
roupas finas, cujo custo a fazia sentir-se culpada pelo dinheiro que
estava sendo desperdiçado por causa dela. Agora, o evento estava
quase chegando, ela se sentia doente de nervosismo e apreensão.
Acima de tudo, porém, ela sentia que havia passado o ano
prendendo a respiração, esperando para ver Alex novamente, só
que agora ela descobrira que tudo seria em vão, pois ele não estaria
lá para ver seu grande debut. Na véspera, quando ela completou
seu vigésimo aniversário, ele a tinha paparicado ridiculamente, com
presentes tão luxuosos de tirar o fôlego, mesmo assim, ele não se
dignara a vê-la.
Ela ouviu Henri sussurrar para a tia Seymour, que tinha ficado
realmente muito zangada com ela. Não que Céleste pudesse culpá-
la, depois de tantos meses de preparação e despesas, mas, na
verdade, ninguém via que seu coração estava partido. Henri passou
a bebê irrequieta, Elizabeth, que havia nascido em outubro passado,
para os braços de sua adorável tia-avó e fechou a porta atrás das
duas enquanto elas se retiravam do cenário de guerra. Céleste
olhou para cima e fungou, aceitando um lenço de renda de Henri
enquanto voltava para sentar-se na cama ao seu lado. Ela se sentou
e assoou o nariz quando ficou claro que Seymour tinha saído com a
filha de Henri, e jogou-se de volta nos travesseiros.
— Já me decidi — disse ela, olhando para Henri e cruzando os
braços.
Henri assentiu com a cabeça. — Sim, querida — disse ela, com
um sorriso suave enquanto estendia a mão para retirar o cabelo da
Céleste de seu rosto. — Eu sei. E eu compreendo perfeitamente. Se
eu fosse você, também estaria histérica. Ele é o homem mais
irritante que já conheci, e olha que eu me casei com Lawrence! —
Ela deu um longo suspiro e balançou a cabeça. — Realmente é
muito malvado da parte dele. Mas, honestamente, se eu fosse você,
estaria disposta a dar-lhe uma lição.
Céleste fungou e olhou para Henri com olhos semicerrados. —
Como assim? — perguntou ela, bem ciente de que tia Seymour
havia instruído Henri a levá-la ao baile de qualquer maneira.
— Isso mesmo, querida — respondeu Henri, com um sorriso
tranquilizante. — Quero dizer, sabemos que o tolo está apaixonado
por você, e se você ficar em casa, ele vai imaginar que está em
segurança e lamentando por ele, não é mesmo? Portanto, se eu
estivesse na sua posição, iria lá fora e me certificaria de que cada
homem daqui até a Cornualha estivesse loucamente apaixonado por
mim. Eu acho que... — Henri refletiu, batendo com um dedo
pensativo no queixo. — Que posso me sentir especialmente atraída
pelos libertinos e canalhas. Sabe, aqueles tipos infames que só
pensam em arruinar uma garota. Pois tenho certeza de que se ele
pensasse que você ia desperdiçar sua chance com alguém tão
infame quanto ele... Ah! — Henri se firmou enquanto Céleste jogava
seus braços ao redor dela e beijava sua bochecha.
— Ah, Henri, que gênio infame você é!
Henri bufou e deu tapinhas em seu cabelo com uma expressão
serena. — Sim, Lawrence comentou muito a mesma coisa — disse
ela com um sorriso, voltando-se para Céleste. — Então você irá?
Ah, por favor, diga que sim. Nunca estive evolvida em um assunto
tão grandioso e acompanhá-la junto as tias é provavelmente a
minha única oportunidade.
— Oh — disse Céleste, subitamente cheia de culpa. — Você
sabe que se tivesse me pedido eu terria ido.
Henri riu e deu palmadinhas em sua mão. — Eu sei disso, sua
criatura tola, mas eu tinha que lhe contar meu plano desonesto em
qualquer caso, então... — Ela encolheu os ombros e sorriu para ela.
— Vamos, não chore mais ou você estará toda vermelha e inchada
esta noite, e não podemos deixar que isso aconteça, não é mesmo?
— Non — respondeu Céleste, com um suspiro. — Suponho que
não podemos.
***
Alex olhou o repugnante jornaleco escandaloso em sua mão,
com um cenho de profundo desgosto gravado em seu rosto. Seu
mordomo praticamente fez uma careta de desdém ao entregar-lhe a
pilha de fofocas e, francamente, Alex não o culpou minimamente,
mas ele precisava saber o que estava sendo dito sobre Céleste.
C de V fez sua estrondosa estreia ontem à noite e
foi aclamada por todos como um diamante de primeira
linha. A misteriosa jovem, cuja história parece envolta
em segredos, estava vestida inteiramente em seda
branca e sua beleza foi universalmente reconhecida
como arrebatadora. D de S foi visto reivindicando mais
de uma valsa.
Alex jogou o papel para baixo de sua mesa com fúria. O duque
de Sindalton, também conhecido como Sin, era bonito,
obscenamente rico e um libertino notório. Ele também era um
duque! — Bastardo! — praguejou Alex, através de dentes cerrados.
Claro que se ele tivesse se dignado a ir ao maldito baile, teria
podido verificar todos os homens que se aproximassem de Céleste
e espantar qualquer um que ele considerasse indigno. Mas não,
egoisticamente ele havia escolhido evitar a dor, ficando o mais longe
possível. Embora ele nunca achasse que sua tia Seymour a deixaria
dançar com aquele...aquele... devasso!
Bem, ele colocaria um basta nisso, ele pensou com um sorriso
sombrio.
— Fredrick! — rugiu ele, abrindo a porta de seu escritório e
andando a passos largos em busca de seu valete. — Arrume
minhas coisas, eu vou para Londres.
***
O fato de Alex ter evitado sua própria residência em Londres e,
portanto, a companhia da Céleste e suas tias, preferindo passar
algumas noites em seu clube, não foi de forma alguma significativo.
Um fato de que ele se assegurou repetidamente. Ele só não queria
se envolver em toda a agitação delas, era só isso. Não era que ele
precisasse de tempo para se preparar para ver Céleste novamente
após um ano e meio sonhando com ela. Era irrelevante que a maior
parte desse tempo tenha sido gasto escolhendo entre vários
casacos novos, coletes e todos os aspectos possíveis de seu traje,
para seu reaparecimento na alta sociedade da qual ele havia fugido
por muitos anos. Tal preocupação com sua própria aparência era
algo que ele não se permitia desde os seus vinte anos.
Sua motivação por esse interesse renovado em seu guarda-
roupa e moda era algo que ele se recusava a debater, afastando
firmemente de sua mente. Bastava dizer que ele seria o centro de
muita especulação e que não estava disposto a ser negligente em
nenhum item de sua aparência. Ele não tinha nenhuma dúvida da
reação que receberia, após uma ausência tão longa, ou da fofoca
que inevitavelmente começaria quanto aos seus motivos. Não havia
dúvida de que ouviria rumores de que ele estava à procura de uma
esposa, e ele seria obrigado a resistir a uma série de mulheres tolas
lançando iscas em sua direção, ou pelo menos aquelas que tinham
a coragem. Todos também estariam, é claro, observando suas
interações com a Céleste com interesse raivoso. Sendo assim, seu
próprio comportamento também precisaria ser impecável.
Quando descobriu através de sua tia Seymour em que evento
Céleste estaria presente a seguir, viu-se ridícula e inexplicavelmente
irritado. Ao olhar para seu reflexo no vidro, sentiu-se satisfeito com
os resultados. Ele aproveitou um momento para dar mais uma
olhada em si mesmo e se perguntou o que foi que Céleste via
quando olhava para ele. Ele inclinou a cabeça, verificando que, de
fato, ainda não havia nenhuma dispersão de cabelos grisalhos em
seus cabelos grossos e pretos e, em seguida, repreendeu a si
mesmo com severidade por se incomodar. Não era para ele que ela
deveria estar olhando, mas para um futuro marido. Todo o exercício
era para vê-la casada em segurança com outro homem, e ele faria
bem em manter essa ideia firmemente em mente.
***
Céleste olhou surpresa ao ver Henri, gesticulando loucamente
para ela sobre a multidão do salão de baile. Lady Blakeney era uma
anfitriã muito popular e a nata da alta sociedade tinha vindo em
peso esta noite. Ela ficou na ponta dos pés, esticando o pescoço,
tentando descobrir o que Henri estava tentando dizer a ela.
Um zumbido elétrico parecia estremecer através das pessoas
reunidas, o volume das vozes foi baixando conforme todos
sussurravam de uma só vez. Céleste franziu a testa, perguntando-
se o que havia causado a súbita corrente que parecia animar a
multidão, foi então que as palavras de Henri se tornaram claras.
— Ele está aqui!
Céleste prendeu a respiração enquanto seu coração parecia
saltar em seu peito antes de bater contra sua caixa torácica como se
estivesse tentando escapar. Tenha calma, tenha calma, ela se
repreendeu. O último ano de solidão e saudade seria em vão se ele
descobrisse que ela ainda era a criança tola que ele sempre
acreditou. Agora era sua oportunidade de mostrar-lhe como havia
mudado, e que não havia nada que alguma inglesa sofisticada
pudesse lhe oferecer, que ela não pudesse.
No entanto, ela era incapaz de resistir à vontade de virar a
cabeça e perscrutar o salão de baile junto com todas as outras
pessoas ali presentes, enquanto lutavam para ter um vislumbre do
famigerado conde de Falmouth.
Oh. Mon Dieu. Grata por pelo menos ter conseguido manter a
exclamação em sua cabeça em vez de gritar em voz alta, Céleste
olhou fixamente e aceitou uma dor muito familiar em seu coração ao
encontrar mais uma vez seu rosto familiar e amado.
Alto e poderoso, a figura de Alex se destacava, mesmo em meio
à multidão de pessoas. Seu olhar frio e cinzento examinava a cena
como se fosse algo que não merecia sua atenção. Ela podia ver
agora por que todos pareciam ter tanto medo dele. Ele tinha o porte
de um rei, e a aura inconfundível do perigo o rodeava, fazendo com
que as mulheres quisessem atirar-se a seus pés e os homens o
desprezassem, por princípio.
Céleste engoliu em seco, sentindo a boca seca enquanto ele
inclinava sua cabeça para ouvir melhor o que lady Blakeney lhe
dizia. Ela observava a forma como o material preto e refinado de
sua jaqueta se movia, esticado sobre seus ombros largos e
mostrando a flexão da musculatura forte de seus braços. Ele estava
vestido com perfeição, com toda a simplicidade do casaco preto,
colete branco e gravata perfeita, que fazia com que todos os outros
homens no salão parecessem estar se esforçando demais, ou eram
realmente um pouco maltrapilhos em comparação. Ao contrário dos
dândis pálidos, sua pele era sobriamente bronzeada, atestando seu
amor pelo mar e muito tempo passado ao sol. Por um momento, ela
se atormentou com a pergunta se seu peito estava agora tão
bronzeado quanto seu rosto e suas mãos, e se lembrou de um dia,
há muito tempo, quando ela o havia despojado de suas roupas e se
permitiu olhar para a perfeição de sua forma nua.
Para desgosto dela, ele escolheu aquele exato momento para
virar sua cabeça em sua direção, e foi como se ele soubesse
exatamente no que ela estava pensando quando seus olhos se
encontraram. Ela sentiu um rubor colorir suas bochechas, mas
encarou o seu olhar, perguntando-se se imaginara a chama do calor
que aquecia o habitual cinza-claro enquanto ele a observava. Ele
assistiu enquanto ela falava uma palavra à anfitriã e se afastava,
atravessando a multidão de pessoas como um tubarão, enquanto as
pessoas abriam perplexas caminho para ele.
— Belisque suas bochechas. — Ela ouviu uma mãe instruir sua
filha aterrorizada em um sussurro urgente enquanto ele se movia na
direção delas. Mas seus olhos não se afastavam de Céleste e,
quando ele já estava diante dela, ela estava com muito medo de
dizer algo terrivelmente tolo ou simplesmente jogar seus braços ao
redor de seu pescoço, agarrando-se a ele. O desejo de fazer
exatamente isso era tão forte que ela agarrou um pulso com a mão,
no caso de seus próprios membros a traírem.
Ela fez uma reverência e estendeu sua mão para ele, achando
mais difícil do que nunca respirar enquanto ele a levava até os
lábios e pressionava um beijo no pulso dela.
— Milady — murmurou ele. — É maravilhoso vê-la novamente,
e permita-me dizer, está mais bonita que nunca. Embora eu me
pergunte como isso é possível.
— Obrigada, milorde — respondeu ela, desejando poder pensar
em algo espirituoso para dizer e descobrindo que seu cérebro havia
deixado de funcionar. Se ela não tivesse cuidado, ficaria
simplesmente olhando para ele como uma tola durante toda a noite.
— Falmouth.
Seu olhar parecia relutante em deixar o seu rosto, mas ele
moveu-se para saudar suas tias e Henri, que haviam lutado no meio
da multidão para chegarem até eles.
— Lawrence não está aqui? — comentou ele, com um sorriso
para sua cunhada.
Henri respondeu com um sorriso maroto. — Não.
Aparentemente, ele já encontrou lorde Avebury antes, no passado
— disse ela, transmitindo um significado muito mais profundo. —
Aparentemente, custou ao conde mais do que havia barganhado
colocar seus pés em terra firme, há alguns anos — acrescentou ela,
com o tom seco de diversão. — E ele duvida que o conde tenha
esquecido o incidente, então achamos melhor ele ficar em casa.
Alex riu, um som profundo e maravilhoso que se envolveu em
torno do coração da Céleste e apertou-o. — E como está minha
sobrinha? — perguntou ele, sobre a linda filhinha de Lawrence e
Henri.
O rosto de Henri suavizou e ela sorriu de orgulho. — A jovem
Elizabeth é bonita e saudável, e manda na casa, e sobretudo em
Lawrence. Ela o tem na palma de sua pequena mãozinha.
— Eu não duvido — respondeu ele, com um sorriso. — Estou
ansioso para vê-la novamente.
— Devo chamá-lo de mentiroso, milorde — disse Henri, rindo. —
Apesar de ter sido dito de forma muito bonita. — Ela se voltou para
a Céleste com um ar conspiratório. — Eu fiz Alex segurá-la quando
ela tinha apenas alguns dias de idade. O pobre homem parecia
terrivelmente aterrorizado.
Céleste olhou de volta para Alex, encontrando sua expressão
pesarosa; e seu coração derreteu-se com a ideia de suas mãos
grandes segurando uma bebezinha.
— Eu gostaria de ter visto isso — disse ela, com a voz suave, e
seus olhos não se desviando dos dele.
Um leve franzir apareceu sobre a sua testa, mas antes que ela
pudesse admirá-lo, desapareceu.
— Espero que você me dê a honra de dançar comigo esta noite.
A surpresa de seu convite deixou-a momentaneamente
desprovida de uma resposta adequada. Henri tinha dito que havia
ouvido que era de conhecimento geral que o conde raramente
dançava. Teimosamente, ela ainda tinha mantido uma dança livre
para ele, por precaução, mesmo tendo sido cercada por ofertas no
momento em que pôs os pés no salão de baile, pois todo homem
disponível reivindicava seu tempo.
Ela manteve a calma e lançou-lhe um sorriso tranquilizante, pelo
menos ela esperava que fosse assim que parecesse enquanto seus
nervos saltavam sob sua pele com a ideia de dançar com Alex. —
Eu lhe reservei uma valsa, milorde — respondeu ela, segurando seu
cartão de dança completo para sua inspeção, depois de ter escrito
em seu nome. Com satisfação, ela viu seu rosto ficar sombrio
enquanto ele digeria a longa lista de nomes, especialmente quando
notou o nome antes da pequena lacuna onde ela havia guardado
um espaço para ele. O duque de Sindalton.
— Sinto-me honrado por ter conseguido encontrar um espaço
para mim — respondeu ele, embora ela não tenha deixado de
perceber a leve acidez de suas palavras. Ela foi salva de ter que
respondê-lo, no entanto, quando o filho de suas anfitriãs, lorde
Blakeney, chegou para reivindicar a primeira dança.
Contendo um sorriso, ela viu os dois homens se examinarem com
óbvio desagrado, embora que ela soubesse, eles nunca tinham se
encontrado. Blakeney era um jovem bem bonito em seus vinte e
poucos anos de idade, com olhos azul-claros e cabelos loiro-claros.
Ele era quase meio metro mais baixo do que o conde, embora
abençoado com uma construção agradável e um ar de bom humor
energético, ele olhou para o homem mais velho com uma expressão
cautelosa enquanto eram apresentados, e não perdeu tempo em
reclamar a mão de Céleste e arrastá-la para a pista, bem longe dele.
Capítulo 24
“No qual um amante dança perto da verdade e as damas conspiram
contra ele.”

— Bem, Falmouth, o que você acha de nosso prodígio? —


indagou-lhe tia Seymour, enquanto observavam o jovem tolo,
Blakeney, conduzi-la ao redor da pista.
Alex levou um momento para destravar sua mandíbula que
parecia estar bem cerrada, antes que pudesse formular uma
resposta apropriada. Ironicamente, ele se perguntava o que deveria
dizer. Que Céleste tinha roubado sua perspicácia e sua língua, e
que não ousava desviar-se da conversa mais monótona que fosse,
caso devesse dizer algo muito revelador? Que quando seu olhar
inquisidor finalmente se fixou nela, foi como se tivesse encontrado a
parte que lhe havia sido tirada no dia em que ela saiu de sua casa e
de sua vida. Aquilo já fazia um ano? Qualquer um desses
comentários seria verdadeiro. Em vez disso, ele simplesmente
respondeu: — Ela é um orgulho para você.
Ele sentiu o ciúme florescer em seu peito enquanto observava o
bastardo dançando com Céleste inclinar sua cabeça para baixo e
dizer algo que a fez sorrir e corar. Ele engoliu, querendo derrubar
todos os homens do salão até mesmo por olhar para ela, e
certamente por pensar nas coisas perversas que estavam em suas
mentes. E ele não tinha dúvidas de que todos os homens no salão
haviam pensado de forma muito semelhante. Seu cabelo loiro-
dourado, mesclado às mechas platinadas com tons mais claros e
nuances mais escuras e quentes brilhavam de uma maneira tão
intensa à luz de velas que ele precisou se conter para não enroscar
seus dedos entre os fios.
Seu vestido de cambraia marfim era elegantemente bordado
com fios de ouro. O material flutuante se moldava a suas curvas
enquanto ela se movia, e com um gosto amargo em sua boca
observava enquanto Blakeney olhava para baixo e desfrutava da
vista que sua altura lhe proporcionava de uma grande extensão de
pele branca pálida em seu decote. Querido Deus, como ele iria
suportar uma noite inteira sem arrastá-la para algum canto escuro e
fazer algo indescritível, ou matar todos os homens que ousassem
olhar para ela. E essa era apenas a primeira dança!
Ele ainda teria que suportar o espetáculo de sua dança com o
duque de Sindalton. Ele bebeu a taça de champanhe que haviam-
lhe oferecido alguns momentos antes e arrancou outra de uma
bandeja que passava, atravessando a pista de dança em fúria. Por
um breve momento, seus olhos encontraram os de Céleste antes da
dança arrastá-la na direção oposta, mas ele tinha certeza de que
havia o brilho do desafio nos olhos dela.
Com esforço, ele se lembrou de onde estava enquanto a voz de
sua tia perfurava seus pensamentos emaranhados.
— Você se lembra do meu neto, Aubrey, não se lembra,
Falmouth?
Alex virou-se e fez cara feia para o jovem que estava ao seu
lado. Quase tão alto quanto ele, Alex ficou consternado ao descobrir
que seu primo era um jovem extremamente bonito, com cabelos
castanho-escuros que reluziam um castanho-avermelhado, e olhos
cor de mel divertidos.
— Lorde Falmouth — respondeu o jovem, curvando-se
respeitosamente. — Um prazer vê-lo novamente.
Alex não conseguiu remover a carranca de seu rosto e acenou,
rudemente, em resposta. Seu primo pareceu bastante
desconcertado, mas manteve-se firme, endireitando os ombros
ligeiramente sob o peso da expressão sombria do conde de
Falmouth.
— Pelo visto tenho que lhe agradecer por manter lady Lavelle
entretida nestes últimos meses... — disse Alex, perfeitamente ciente
de que não soava nem um pouco grato, pelo contrário, que gostaria
de desmembrar um de seus consanguíneos mais próximos – com
os dentes.
Aubrey tossiu e corou levemente. — E-eu tive mesmo a honra
de passar algum tempo com ela, milorde.
— Hmmm.
Aubrey foi poupado de olhar inquisidor por um momento quando
Céleste voltou até eles. Suas bochechas estavam lindamente
ruborizadas, e seus olhos brilhavam de alegria, pois ela tinha
claramente gostado de dançar com Blakeney. Lorde Blakeney, Alex
observou com satisfação, deixou-a abruptamente no momento em
que foi devolvida ao grupo.
— Sua vez, Aubrey — disse ela, puxando a manga de seu primo
de uma maneira muito familiar. Ele se mostrou carrancudo e ficou
contente de ver sua tia lançando-lhe também um olhar de
reprovação. Instantaneamente, Céleste corou e lembrou-se de agir
de uma maneira um pouco mais reservada.
Alex franziu a testa. Ele não queria que a entusiasmo dela fosse
oprimido, muito menos o seu divertimento, embora odiasse que ela
olhasse Aubrey com tanto carinho, fazendo-o sentir algo sombrio e
feio torcer em seu peito.
— Tudo bem, Jackson, estou indo — respondeu Aubrey, rindo
dela.
— Jackson? — perguntou Alex, reparando que Céleste corava
profundamente enquanto Aubrey manifestava uma expressão
horrorizada ao perceber que precisaria se explicar.
— Em homenagem ao Gentleman Jackson — gaguejou ele,
parecendo cada vez mais constrangido à medida que a carranca de
Alex se intensificava.
— Você está comparando a comtesse a um boxeador? —
indagou ele, levantando uma sobrancelha, desdenhosamente.
Aubrey pigarreou. — B-bem, é que... ela tem o gancho de direita
incrível.
Furiosa, Céleste arregalou os olhos para Aubrey, claramente
evidenciando ao jovem que pagaria caro por aquele comentário
mais tarde.
Alex sentiu seus punhos cerrarem. Se ele descobrisse que o
pequeno bastardo tinha dado a Céleste um motivo justo para bater
nele, arrancaria os membros do canalha um a um.
— Por que — perguntou ele. — ela precisaria bater em você?
Aubrey abriu a boca e fechou-a novamente. — Acredito que a
dança está começando — disse ele, soando bastante desesperado.
— Isso mesmo! — exclamou Céleste, e os dois fugiram dele
como crianças travessas da escola.
Alex virou seu olhar furioso para sua tia que os observava com
afeição nos olhos.
— Qual é o significado disso? — indagou ele, lançando mão de
todas as reservas de paciência para ouvir a explicação, assumindo
que algo razoável pudesse ser encontrado, antes de ir atrás do
jovem cachorrinho na pista e removê-lo do salão de baile pelo
pescoço.
— Por quê, Falmouth? — Sua tia riu. — Não seja tão
enfadonho, eles estão apenas se divertindo.
Alex arregalou os olhos para a sua tia, espantado. Essa era a
mesma mulher que não se dignava a usar seu primeiro nome, mas
sim o seu título, e ela o estava chamava de enfadonho?
— Eu não vejo que tipo de diversão apropriada poderia ser
realizada que fez com que a Céleste sentisse a necessidade de
bater nele — vociferou ele.
— Mantenha sua voz baixa — disse tia Seymour, fazendo cara
feia para ele. — Meu Deus, os dois são inseparáveis e melhores
amigos num momento e no outro estão se atacando. Como posso
saber qual argumento em particular a levou a atacá-lo? Pelo que
entendi da primeira vez que se encontraram, ela o atacou com a
sombrinha! — Seymour respirou fundo e balançou a cabeça com
uma expressão que demonstrava um profundo carinho. —
Felizmente, Aubrey parece ser a única pessoa a qual ela reserva
seu comportamento terrível, e somente na privacidade de nossa
própria casa. Em público, ela é uma dama e tanto — disse ela, com
um orgulho inconfundível. — Ela agora tem um grande séquito de
admiradores.
Alex cerrou os dentes com tanta força que uma dor invadiu sua
mandíbula e irradiou através de seu cérebro, mas ele não parecia
ser capaz de relaxá-la. Ele se esforçou ainda mais enquanto sua tia
o examinava atentamente.
— Eu achava que você ficaria satisfeito, Falmouth. Isso é o que
você queria, certo? — indagou ela, mas Alex não parecia ser capaz
de formular uma resposta. Ele observava Céleste rindo de algo que
Aubrey havia dito, os dois circulavam pelo salão com tanta sintonia
entre eles que ele sentiu a sensação sombria e feia em seu peito se
espalhar através de seu sangue como uma doença.
— Ela é um grande sucesso — continuou sua tia. — Haverá
ofertas para ela na próxima semana ou na outra, lembre-se bem do
que estou dizendo.
Um zumbido começou em sua cabeça e as palavras de sua tia
pareciam assumir forma e dançar dentro de seu cérebro, cortando-
lhe como um bisturi, rasgando os últimos pedaços de sua sanidade.
— O que você está olhando, Falmouth? — indagou sua tia. —
Qualquer um pensaria que você está com ciúmes.
Ele sacudiu e virou-se para olhar Seymour que encarava-o,
aqueles olhos cinzentos tão frios como os seus, observando-o com
uma expressão astuta.
— Se me der licença — disse ele, com o tom de voz curto e
grosso. Ele se afastou do salão de baile, precisando pegar um
pouco de ar, necessitando escapar. Antes que ele perdesse a
cabeça de vez.
***
Céleste colocou sua mão na manga de Aubrey e permitiu que
ele a levasse de volta para as tias, e Alex.
— Como você pôde me envergonhar dessa forrma? —
repreendeu-o. — Estou extrremamente aborrecida com você —
acrescentou ela, com uma pequena bufada.
— Oh, estamos de volta ao extrremamente, é isso mesmo? —
replicou ele, com uma bufada. — Não ouço seu sotaque há
semanas. Você deve estar com um péssimo humor.
— Oui — disse ela, balançando a cabeça e fazendo seus
cachos dançarem. — Eu estou. Como posso fazer com que ele se
apaixone por mim, se você fala parra ele que me deu o nome em
homenagem a um... um boxeador!
— Eu não me preocuparia com esse ponto — murmurou Aubrey,
com um tom sombrio.
— Por quê? — indagou ela, parando no meio do caminho, com
os olhos arregalados.
Aubrey fez cara feia e abaixou a cabeça para sibilar em seu
ouvido. — Porque o demônio estava me encarando com sangue nos
olhos. Ele claramente quer me dar uma sova, e se você não se
importa, eu gostaria de manter cada parte do meu corpo exatamente
onde está atualmente!
— Bah! — respondeu Céleste, com um estalido irritável de seu
leque. — Eu lhe disse que poderria prrecisar de sua ajuda parra
fazê-lo ficar com ciúmes. Não me diga que você já está desistindo?
O que você é, um homem ou um rato? — Ela olhou para ele, furiosa
por ele ter falhado diante do primeiro obstáculo, mas Aubrey acabou
lhe retribuindo seu olhar furioso com uma expressão plácida.
— Chii chii — respondeu ele sucintamente, antes de virar-lhe as
costas e deixá-la ao lado da tia Seymour.
— Oh! — enfureceu-se ela, mordendo a bochecha para impedir
que batesse o pé com frustração. Bem, então, se Aubrey não a
ajudasse, ela teria que usar a perspectiva um pouco mais
assustadora... de flertar com o duque de Sindalton.
Ela lançou seu olhar ao redor do salão de baile e não demorou
muito para encontrá-lo. Tão alto e musculoso quanto Alex, ele era o
outro homem no salão cuja presença exigia sua atenção. Enquanto
a força e o comportamento arrogante de Alex não a assustavam
nem um pouco e, de fato, a faziam sentir-se segura, o duque fazia
com que ela sentisse calafrios de inquietação ao longo de sua pele.
Sua reputação era tão ruim quanto a do conde e ela podia
facilmente acreditar que ele tinha merecido cada conotação.
Ele estava apoiado, com uma postura entediada e indolente, em
uma das colunas de marfim que corria pelo comprimento do salão
de baile, e olhou para cima – talvez sentindo o interesse dela – e
seus olhos se encontraram. Os seus eram sombrios e recheados de
um convite silencioso. Um leve sorriso repuxava as bordas de sua
boca pecadora e ela não precisava se perguntar como ele havia
ganhado seu apelido, e isso não tinha nada a ver com seu título. Sin
– pecado – a palavra parecia envolvê-lo, zombando, desafiando...
Céleste respirou e desviou o olhar, dando uma olhada em seu
cartão de dança. Mais três danças e estaria nos braços do duque.
Ela se perguntava se Alex iria mesmo notar.
— Onde está o conde? — perguntou ela à tia Seymour, que
desviou a atenção de sua irmã e de Henri.
— Acredito que ele precisou ir esfriar a cabeça —respondeu ela,
com algo que parecia quase como um sorriso no rosto.
— Oh — respondeu Céleste, desapontada. — Está muito calor
aqui — disse ela, fazendo Seymour sorrir e dar tapinhas no seu
braço de uma maneira encorajadora.
— Você está se saindo muito bem, criança — disse ela com um
sorriso caloroso. — Estou muito orgulhosa de você.
Céleste olhou para ela com surpresa. Seymour nunca havia dito
nada que sequer beirasse à aprovação em todos os meses em que
viveu com ela. Tia Dotty era muito carinhosa e cheia de sorrisos e
palavras encorajadoras, mas o máximo que ela recebeu de
Seymour foi um hmmm, de mais ou menos aprovação, dependendo
de como ela tinha se saído.
— Está? — perguntou ela, totalmente incapaz de manter o
ceticismo afastado de suas palavras.
Seymour, Dotty e Henri riram de sua evidente surpresa.
Seymour ficou de braços dados com Dorothea, e as duas irmãs
uniram as cabeças.
— Nós duas estamos — respondeu ela, com verdadeiro carinho
em suas palavras que fizeram a garganta da Céleste ficar apertada.
— E, de uma forma ou de outra, receberemos a oferta que você
tanto merece daqui a um ou dois dias. Ou eu comerei meu chapéu!
— Qual deles? — perguntou Dotty, rindo. — Pois se você falhar,
ficarei tão terrivelmente infeliz que exigirei aquele repulsivo verde
com as penas. Fica horrível em você e tenho certeza de que seria
revoltante comê-lo.
Seymour fungou e olhou para sua irmã com repugnância. — Eu
gosto desse chapéu, e nunca falho — respondeu ela, com
dignidade.
— Faz dezessete anos que você vem falhando — murmurou
Dorothea, fazendo Henri e Seymour sorrirem inesperadamente,
embora Céleste tivesse perdido o rumo de sua conversa.
— Bem, algumas coisas só demoram um pouco mais que outras
— disse Seymour, e então estendeu a mão e pegou a de Céleste. —
E a mulher certa — acrescentou ela.
— Concordo — disse Henri, assentindo com a cabeça para ela.
— Eu não compreendo. — respondeu Céleste, sabendo que
elas estavam depositando sua confiança nela, mas não entendendo
realmente o porquê.
— Você vai — disse Seymour, apertando bem os dedos dela. —
Você vai. Se ao menos pudermos fazer meu sobrinho idiota estar à
altura. — Ela piscou o olho, e Céleste sentiu seu coração pular.
— V-você quer dizer, Alex? — gaguejou ela, incerta de que não
estava mais tropeçando no escuro.
Ela olhou fixamente para Henri, perguntando-se se havia traído
sua confiança.
— Eu nunca disse uma palavra — respondeu Henri, colocando a
mão sobre o coração, como se tivesse lido sua mente.
— Você realmente ainda o ama, não é? — perguntou-lhe
Dorothea, com tamanha ansiedade em seus olhos que Céleste não
pôde responder por um momento.
— Eu... eu — disse ela, com suas bochechas queimando de
vergonha.
Seymour riu de seu evidente desconforto. — Eu soube no dia
em que nos conhecemos, querida. Nós duas soubemos. Era
perfeitamente óbvio. O que eu tinha um pouco menos de certeza era
dos sentimentos dele por você.
— Oh — respondeu Céleste, baixando os olhos. Embora ela
estivesse mais do que feliz que suas tias não desaprovassem o
casamento, não queria que Alex se sentisse forçado a pedir sua
mão devido a algum senso de dever inapropriado. Ela o queria, com
um desespero que começava a beirar à obsessão, mas queria que
ele a amasse. Se ele não a amasse, não suportaria a ideia de estar
com ele, sabendo que ele estava apenas cumprindo seu dever.
Ela sentiu um dedo esguio tocar seu queixo e olhou para cima,
vendo a tia Seymour observando-a com diversão.
— Acho que eliminei qualquer dúvida que possa ter tido sobre
esse ponto — disse ela, gentilmente. — O pobre homem já não
sabe mais o que fazer e nós mal estamos na metade da noite. Não
deve ser preciso muito para derrubá-lo. Além disso — acrescentou
ela, piscando na Céleste da maneira mais escandalosa. —, você
ainda tem que dançar com Sindalton.
Céleste arquejou de surpresa e as três mulheres começaram a
rir.
— Vamos, mexa-se — disse ela, gesticulando para o rosto
sorridente do visconde Trenchard que tinha vindo reclamar sua
dança, e inclinando-se para baixo para sussurrar ao seu ouvido. —
Você tem um marido para apanhar.
Capítulo 25
“No qual as angústias são toleradas e as apostas elevadas.”

Céleste observou enquanto o duque se aproximava dela. Ela


esperava que aparentasse calma por fora porque seus nervos
estavam fazendo uma dança complexa e única. Formigamentos de
inquietação subiam e desciam pela sua coluna enquanto todas as
mulheres do salão lançavam olhares invejosos em sua direção. Ela
não as culpava nem um pouco.
De pé ao lado de Alex – sobriamente belo e exalando uma
atração perigosa – sua pele doía de desejo. E com o desonroso e
deliciosamente infame Sin atravessando o salão de baile em sua
direção como se não existisse mais ninguém na sala, ela se sentiu
como um pedaço de veado atiçando dois tigres famintos. Ela podia
sentir a tensão exalar de Alex em ondas. Havia um músculo
tensionado ao lado de sua mandíbula que perturbava o que restava
de sua paz de espírito, e a violência controlada em seus olhos e os
seus ombros rígidos haviam impedido qualquer possível
pretendente masculino de passar um minuto a mais em sua
companhia do que absolutamente necessário para reivindicar sua
dança. Ela tinha a nítida sensação de que mais de um de seus
admiradores amorosos acabaram com seu ardor rapidamente
esfriado sob o olhar frio do conde, e teriam felizmente evitado
dançar com ela caso a honra não os obrigasse a reivindicá-la.
O duque, entretanto, parecia não ter tal receio e encarou os
olhos do conde com um levantar arrogante de seus lábios. Alex
curvou-se de uma maneira tão insolente que cochichos de choque
rodearam o grande salão, quando o mais próximo a eles percebeu.
Francamente, Céleste estava um pouco aliviada por ter conseguido,
pois ela tinha a sensação de estar em pé num precipício enquanto
os dois homens poderosos se aproximavam dela. Qualquer
movimento repentino de qualquer uma das partes podia resultar em
desastre.
— Falmouth. — Sindalton cumprimentou o conde com um brilho
zombeteiro no olhar e, por um momento alarmante, ela teve a
terrível sensação de que Alex iria bater nele.
— Vossa Graça — respondeu Alex, embora de alguma forma as
palavras destilassem ameaça.
— Minha dança, eu acho... — disse o duque, seu tom mudou
para algo baixo e íntimo enquanto seus olhos semicerrados
deslizavam até os de Céleste.
Ela fez uma pequena reverência, consciente do olhar caloroso
do homem que se fixava com apreço no decote revelador de seu
vestido enquanto abaixava-se na frente dele. Ele ofereceu-lhe a
mão para levantá-la, e ela olhou para ele por baixo de suas
pestanas, perguntando-se como ousou lançar-lhe um olhar tão
sedutor, mas nem um pouco corajosa para atestar se Alex estava
acreditando naquilo.
O duque colocou seus dedos em seu braço e a levou para a
pista de dança.
— Será que há marcas de queimaduras nas minhas costas? —
murmurou ele, enquanto a virava para ele para dançarem. — Eu
certamente sinto que deve haver.
Céleste reprimiu uma risada, mas não pôde deixar de sorrir para
ele. — Oh? — respondeu ela, fingindo um ar de inocência. — Por
que teria, Vossa Graça?
O duque bufou e encarou seu olhar, dando-lhe ampla
oportunidade de admirar seus olhos castanho-escuros, tão escuros
que o marrom quase se fundia com o preto. Ela ficou intrigada ao
notar pequenas manchas douradas em suas profundezas, como
estrelas em um céu noturno.
— Tenho a crescente suspeita de que o conde não se importa
comigo — respondeu ele, mantendo seu tom e rosto graves, embora
seus olhos escuros estivessem radiantes de humor.
— O conde não se importa com a maioria das pessoas —
respondeu ela, com igual gravidade, embora estivesse lutando para
reprimir um sorriso de lábios. — Portanto, não devo deixar que isso
o incomode desnecessariamente.
— Oh, eu não estou nem um pouco perturbado — disse ele,
suas palavras agora muito mais suaves enquanto a puxava para
mais perto dele e a dança trazia seus corpos um pouco, mas não
completamente nivelados. Ele baixou sua cabeça para que ela ainda
pudesse ouvir suas palavras sussurradas. — Não por Falmouth,
pelo menos. — Sua respiração quente fez cócegas no lado do
pescoço dela e o momento pareceu muito íntimo, apesar de saber
quantas pessoas os observavam.
Céleste corou. Ela realmente não queria flertar com esse
homem. Ele era muito bonito, claramente muito charmoso, e sua
riqueza e título eram obviamente iscas suficientes para qualquer
jovem solteira, mas ele não era Alex. Alex, entretanto, era um idiota,
e se ela tivesse alguma chance de fazer com que ele se desse
conta de que medidas desesperadas eram necessárias...
— Então o que o perturba, Vossa Graça? — perguntou ela,
olhando para ele mais uma vez por baixo de suas grossas pestanas,
e com o que haviam lhe ensinado uma inclinação sedutora de sua
cabeça. Pareceu ter o efeito desejado, pois seus olhos escureceram
ainda mais.
— Você — respondeu ele. A palavra estremeceu sobre sua pele,
emocionante e sucinta enquanto ele se afastava dela, a dança
forçando-os em direções opostas por um momento. Quando eles se
aproximaram novamente, sua mão deslizou por sua cintura,
puxando-a para mais perto dele por um momento, e houve uma
intensidade em seu olhar que fez com que ela perdesse o fôlego e
suas bochechas aquecessem. — Eu quero pedir a sua mão — disse
ele. Não houve preâmbulo, nem palavras bonitas ou posso ter a
honra. Era uma reivindicação, tingida de urgência.
A dança chegou ao fim, mas ele permaneceu ao seu lado, com
a mão ainda em sua cintura e com os olhos fixos nos dela. De
alguma forma, ela encontrou a coragem de levantar uma
sobrancelha para ele.
— Imagino que um duque possa fazer quase tudo o que quiser
— respondeu ela, piscando para ele de uma forma inocente.
Ele riu, um sorriso lento trazendo calor para os traços fortes de
seu rosto.
— Vou presumir que isso seja um sim — respondeu ele,
colocando a mão dela novamente sob seu braço, cobrindo seus
dedos com uma carícia persistente. — E, agora, é melhor
enfrentarmos o leão em sua cova e devolvê-la para onde estava...
pelo menos por ora.
Havia uma promessa em suas palavras que não lhe escapou e
olhou para ele com surpresa, arquejando quando ele piscou o olho
para ela. Foi um gesto deliberado, reconhecendo seu interesse por
ela e com certeza foi visto por todos que a observavam. Isso
implicava que havia um nível de intimidade em seu relacionamento
que seria aproveitado e sussurrado antes mesmo de ela voltar para
o lado de Alex. Ela quase podia ouvir as palavras flutuando no ar e
as apostas sendo feitas sobre quanto tempo levaria até que ele
pedisse a mão dela.
Deveria se sentir vitoriosa, ela pensou com pesar. Esse era o
tipo de casamento que sua mãe teria considerado em seus sonhos
mais mirabolantes de um futuro para sua filha. Mas isso só a enchia
de pânico. E se Alex o permitisse? E se ele não mudasse de ideia e
não chegasse a pedir a sua mão? Ela poderia aceitar um homem
assim, sabendo que sempre amaria outro? Com pensamentos tão
perturbadores zumbindo em sua mente, ela estava distraída demais
para até mesmo notar se Alex estava de alguma forma afetado por
sua dança com o único homem no salão que poderia rivalizar com
ele pela aparência ou elegibilidade.
Sua distração durou pouco, no entanto, quando Alex pegou sua
mão, seu aperto quase doloroso ao colocar seus dedos em seu
braço e quase arrastou-a, em vez de acompanhá-la até a pista de
dança. Seu coração martelou uma série instável de solavancos em
seu peito ao perceber que essa era a dança dele.
Havia um ar pairando sobre ele que a fazia ter medo de olhar
para cima e encontrar seus olhos, mas, francamente, qual era a
razão de ignorá-lo? Por que ele deveria estar com raiva dela? Ele
queria que ela tivesse um casamento perfeito. Afinal, tinha sido ele
que brincara que teria jovens se atirando a seus pés. Certamente se
essa fosse realmente sua ambição para o futuro dela, um duque
seria o auge da realização, e tudo o que ele poderia desejar que ela
tivesse. Ela engoliu em seco, sentindo a boca seca e muito
consciente do calor de sua grande mão segurando a dela enquanto
ele a posicionava para a valsa. Foi então que ela olhou para cima.
Ela ficou sem fôlego diante da intensidade de seu olhar e ela
viu-se incapaz para desviar o olhar. Havia tensão em cada vinco de
seu corpo, ela podia sentir o músculo retesado debaixo de sua mão
que repousava em seu forte ombro, e ela desejava que ele dissesse
algo. O silêncio os cercava, como se tivessem sido separados de
todo o restante do salão, e eles estivessem em um outro lugar
completamente diferente. Havia apenas Alex, e seus olhos nela,
olhos que pareciam recheados com emoções demais para ela
decifrar, não importava o quanto tentasse enquanto olhava para
aquele cinza. Era como olhar para um mar de inverno, sempre
mudando, perigoso, caótico ameaçando afogá-la e nunca deixá-la ir
se ela se atrevesse a se aproximar demais da correnteza.
Ela olhou de volta para ele, desafiando o aviso que observou e
esperando que ele pudesse ler os pensamentos em sua mente...
afogar-me, segurar-me, nunca me soltar.
***
Alex se sentou na carruagem no caminho de volta do baile com
seus pensamentos embolados em um emaranhado de emoções. A
noite inteira havia sido uma tortura do tipo mais intolerável que se
podia imaginar. Embora a pior parte tivesse sido, sem dúvida, vê-la
dançar com aquele bastardo do Sindalton. O olhar sombrio do
duque havia deixado claro onde estavam os pensamentos do
canalha quando ele havia tomado Céleste em seus braços para a
valsa. O fato de que todos ao seu redor insistiam em comentar
sobre como formavam um casal notável não tinha ajudado em nada.
Mas quando ele viu o bastardo piscar o olho para ela, praticamente
anunciando seu interesse a todos na sala, sua reação tinha sido um
choque para ele.
Por um momento ele havia se sentido inseguro quando uma
onda de ciúmes e raiva o arrebatou, mas não haviam sido essas
emoções que mais o machucaram. Medo. Esse sentimento frio e
repugnante envolveu-se ao redor de seu coração como a mão de
um deus cruel, pronto para arrancá-lo de seu peito diante da menor
provocação. Porque embora ele tivesse dito a si mesmo que poderia
viver com o sacrifício de vê-la casar-se com outro – um homem
bom, que a amasse, respeitasse e nunca a envergonhasse pelas
ações de seu passado – entregá-la a alguém tão infame quanto ele,
o mataria. Ele nunca se recuperaria. Mas o belo rubor no rosto de
Céleste e os olhares carinhosos direcionados ao belo duque não
deixavam dúvidas de que ela não era imune aos encantos do
homem.
Assim que a valsa terminou, suas emoções chegaram a tal
ponto que ele praticamente arrancou a mão de Céleste e a arrastou
de volta à pista para dançarem. Ele estava desesperado demais
para apagar a memória daquele homem de seus pensamentos e
fazê-la pensar nele apenas mais uma vez enquanto tomava posse
de sua mão.
Ele se perguntou se ela tinha a menor ideia do que tinha feito
com ele. Ele fechou os olhos e lembrou-se da sensação dela em
seus braços, do cheiro agora familiar de seu perfume favorito, e de
fragrância mais sutil inerente, que era única e somente dela. O
simples cheiro de madressilva e sol que trouxe de volta lembranças
de acordar e encontrá-la em seus braços, seus cabelos dourados
espalhados sobre seu peito. Oh, Deus, por que não a tinha tomado
naquela época, quando ainda podia? Quando ela era só dele, e de
mais ninguém, antes que o mundo a tivesse visto e descoberto o
tesouro que quase haviam perdido. Antes que todo homem no
maldito mundo a tivesse visto e cobiçado o que era dele.
Desistir dela para permitir-lhe uma vida melhor, uma chance
com um homem melhor e mais honrado era uma coisa. Mas nem
pensar que a perderia para Sindalton ou para um de seus familiares.
Ele tinha ouvido os rumores dos últimos dias na cidade. O homem
estava à procura de uma esposa, e o bastardo era suficientemente
rico para ignorar a falta de dote de Céleste. Ele não estava apenas
brincando com ela, ele queria desposá-la, tornando-a uma duquesa.
Sua garganta lidava com emoções indesejadas enquanto
tentava formular um plano. Ele teria que falar com ela, adverti-la
sobre que tipo de homem exatamente ela estava lidando antes que
as coisas fossem longe demais. Talvez ele pudesse acabar com
essa insensatez.
A carruagem chegou em frente à sua residência londrina em
Mayfair e ele desceu, ajudou suas tias a descerem e o bocejo de
Henri indicou que ela parecia mais do que aliviada por estar de
volta.
Céleste, entretanto, parecia tão animada e ativa quanto a viu
pela primeira vez esta noite. Quando ajudou-a a descer, perdeu o
fôlego quando ela colocou a mão enluvada sobre a dele. Controle-
se, homem, recriminou-se.
O mordomo os deixou entrar e eles entregaram seus casacos e
luvas ao lacaio. Em seguida, todos disseram boa-noite, com
exaustão, e começaram a subir as escadas.
— Céleste — disse ele, detendo-a com um toque da ponta de
seu dedo em seu braço. Ela olhou para ele, com seus olhos azuis
arregalados em questionamento, e ele precisou se esforçar muito
para não permitir que a ponta do dedo se arrastasse pelo
comprimento de seu braço, sobre sua pele acetinada. — Posso ter
uma palavra antes que se recolha?
— É claro, milorde — respondeu ela, sorrindo para ele. Ela
olhou de relance para tia Seymour que lançou um pequeno sorriso e
acenou concordando antes de seguir a caminho da cama.
Céleste afastou-se das escadas, seguindo-o até seu escritório.
— Posso lhe oferecer uma bebida? Um copo de ratafia, talvez?
— perguntou ele.
— Não, obrigada, milorde.
— Acho que talvez possa me chamar de Alex agora — disse
ele, sorrindo para ela. Ela parecia demasiado composta, pensou ele,
lembrando o quão despreocupada ela costumava ser em sua
presença. No entanto, é claro que ele esperava que ela parasse
com isso. Como suas tias a haviam ensinado bem. Agora, ela
parecia perfeitamente indiferente à sua proximidade.
Perversamente, ele sentiu a necessidade de fazer algo a respeito
disso. Ele queria ver a chama de desejo nos olhos dela, como era
habitual quando estava perto dela.
— Como quiser, Alex — respondeu ela, com um sorriso
educado, observando-o enquanto ele pegava uma bebida para si.
Ele viu seu olhar fixo no copo e lembrou-se que ela tinha um gosto
por conhaque, o que, é claro, era bastante inadequado para uma
jovem dama. Ele tomou um gole do copo, permitindo que o delicioso
destilado deslizasse sobre sua língua, apreciando o calor e os
sabores sutis da noz-moscada e da baunilha. Alex sentiu um desejo
repentino e desesperado de prová-lo em sua língua, e antes que
pudesse frear-se, ofereceu-lhe seu copo.
— Gostaria de provar?
Ela olhou para ele, com aqueles olhos azuis arregalados e
atentos. Dando um passo à frente, ela não pegou o copo como ele
esperava, mas simplesmente levantou um pouco o queixo. Sua
pulsação se acelerou, um suave retumbar sob sua pele enquanto
movia o copo até a boca dela e o pressionava suavemente contra
seus lábios. Ela abriu um pouco a boca enquanto ele inclinava o
copo e fechou os olhos ao tomar um gole.
Alex engoliu em seco, tentando acalmar a onda de desejo
enquanto afastava o copo e observava-a usar a língua para provar
os resquícios marcantes de aguardente em seus lábios. Ele estava
paralisado pelo desejo de descer e reivindicar sua boca para si, de
procurar o sabor da aguardente em seus lábios, de derramar o resto
do copo sobre sua pele e perseguir cada gota restante de sua carne
com sua língua.
— Mmmm — disse ela, o som abafado e decadente na reclusão
escura de seu escritório. — Isso é muito bom.
Ele respirou fundo e obrigou-se a se distanciar dela, embora
seus olhos não conseguissem se afastar de sua boca.
— Seu sotaque — disse ele, com a voz um tanto rouca. — Você
perdeu seu sotaque.
— Sim — disse ela, sorrindo para ele. — Eu perdi.
Ele franziu a testa, inexplicavelmente desolado.
— Você não está satisfeito? — perguntou-lhe ela, levantando
suavemente a sobrancelha. — Era isso que você queria, não era?
— Não — respondeu ele, ciente de que soava conciso e não
apreciava todo o trabalho duro que ela deveria ter feito para se livrar
dele. — Eu disse a Seymour para deixá-la em paz.
Ela inclinou sua cabeça, olhando para ele com uma expressão
curiosa. — Por quê? Tia Seymour disse que era feio.
— Não era — esbravejou ele, irritado, passando uma mão pelo
cabelo.
— Você não achava feio? — repetiu ela, com a voz suave.
— Não — respondeu ele, balançando a cabeça e olhando para
ela, perguntando-se se ela podia ver o desespero em seus olhos,
perguntando-se se ela tinha alguma ideia do esforço que estava
fazendo para simplesmente permanecer no mesmo cômodo que ela
quando tudo o que queria era tomá-la em seus braços. — Achava
perfeitamente encantador.
— Oh. — Ela deu um suspiro e depois sorriu para ele,
lembrando exatamente aquela mistura tentadora de inocência e
tormento que ele achava tão sedutora, assim como ela tinha sido
todos aqueles meses atrás. — Bem, é um verdadeirro alívio. É
extrremamente difícil manter o ritmo, sabe? — Ela piscou o olho
para ele, que retribuiu com uma gargalhada.
— Graças a Deus — murmurou ele.
Ela aproximou-se dele e todos os seus sentidos ficaram em
alerta, sua carne formigando com a necessidade de que ela o
tocasse. — Você não quer que eu mude, Alex? — perguntou ela,
examinando-o furtivamente. — Pensei que tinha sido por isso que
me mandou embora. Para que eu pudesse ser uma inglesa
exemplar e não incomodar mais você.
— E-eu — começou ele, sem saber mais o que queria além do
desejo de reivindicá-la, de derrubá-la no chão ali e agora, e perder-
se no delicioso calor do seu corpo.
— Mas você queria falar comigo — disse ela, antes que ele
conseguisse encontrar uma resposta que não o fizesse soar como
um louco desvairado. Ela afastou-se dele, aparentemente alheia à
sua angústia e foi encostar-se em sua mesa.
Com as mãos apoiadas para atrás e o traseiro equilibrado
ligeiramente na beirada, ela se inclinava um pouco para trás,
destacando o volume generoso de seus seios enquanto o belo
material bordado em ouro se esticava apertado. Seu cérebro
estacou ao notar a leve elevação de seus mamilos sob o tecido fino
de cambraia, sendo atingido pelo desejo desesperado de fechar sua
boca sobre o material e traçar o formato de cada pedaço de
protuberância sedutora com a língua.
— Alex?
Ele despregou os olhos de seus seios e afastou-se, bebendo o
restante de sua bebida em um só gole e alisando o cabelo com a
mão enquanto lutava para controlar seus pensamentos indecentes.
Ele queria falar com ela? Queria. Sobre o duque. Felizmente, a
memória do bastardo espertinho que tomou Céleste em seus braços
despertou um pouco sua consciência.
— Sim, eu queria falar com você. Para alertá-la.
— Oh, é mesmo? — disse ela, e ele pôde ouvir o divertimento
em sua voz. — Isso soa um pouco agourento. Estou em grande
perigo?
Sim, ele queria gritar de fúria. Você está em perigo por minha
causa, sua tolinha, se ao menos soubesse disso. O fato de ela ter
vindo com ele até o escritório, sozinha, à noite, e de sua tia não ter
se importado... Será que esqueceram o tipo de homem que ele era?
— O duque de Sindalton é um libertino — disse ele, tentando
atribuir o máximo de significado que pudesse às palavras. Ele
precisava que ela entendesse com o que ela estava lidando. — Ele
pode estar apenas brincando com seus sentimentos para se divertir
– o que não seria novidade – e, mesmo que ele pedisse sua mão,
nunca será fiel a você. Ele vai fazer de você uma duquesa e depois
terá casos com quem quiser, e duvido que ele se dê ao trabalho de
ser discreto também. Ele é famoso por ser um devasso, apostar e
beber em excesso... — Ele fez uma pausa, bem consciente de que
estava repetindo palavras que tinham sido atribuídas a ele muitas
vezes, e precisou de um tempo para olhar para ela, para ver se suas
palavras duras tinham surtido efeito. Para seu espanto, ela parecia
apenas entretida pelo seu alerta.
— Ele parece ser extremamente chocante, Alex — disse ela, e
ele tinha total consciência de que estava rindo dele.
— Você acha que isso é uma piada? — rosnou ele, não
encontrando nenhuma graça na situação.
O divertimento desapareceu de seus olhos e ela ficou de pé,
caminhando em sua direção. — Non, Alex — disse ela, com a voz
baixa. — Eu não acho que seja uma piada. — Ela moveu-se
lentamente, diminuindo a distância entre eles e ficando na ponta dos
pés para plantar um beijo suave em sua bochecha. Ele fechou os
olhos, maravilhado, desesperado para que ela movesse sua boca
mais um pouquinho através de sua pele até chegar a seus lábios. —
Boa noite, mon contrebandier. — Ela se afastou dele e caminhou
até a porta, virando um pouco antes de abri-la. — Acho que talvez
você devesse saber que... eu aceitei que o duque me visite.
Alex ficou sozinho no escuro enquanto ela fechava a porta, e ele
sabia que tinha que fazer uma escolha.
Capítulo 26
“No qual os planos são arquitetados em todos os lados, o passado
gera lágrimas e os eventos se desdobram.”

Céleste olhou-se no espelho e, depois, olhou por cima do ombro


para Henri. Sentada na cama, amamentando a pequena Elizabeth,
ela era o exemplo perfeito de contentamento, e Céleste reprimiu a
onda de inveja. Ela realmente amava Henri como uma irmã e, por
um momento que fosse, invejava sua felicidade. Mas, oh, como a
invejava. O casamento dela e de Lawrence parecia ser tudo o que
ela sonhava.
Talvez sentindo sua linha de pensamento Henri olhou para ela e
sorriu.
— Oh, Céleste, você tem ideia do quanto é adorável? — disse
ela, suspirando.
Céleste bufou, de uma maneira que teria feito com que a tia
Seymour a repreendesse severamente.
— E como isso tem me ajudado... — respondeu ela, com uma
careta.
— Deixe disso — disse Henri, com um tom reprovador. — Você
mesma disse que ele estava claramente louco de ciúmes ontem à
noite, e até a tia Seymour acha que você o deixou balançado.
Henri levou um tempo para soltar sua filha de um peito e
transferi-la habilmente para o outro. Apesar de ser comum ter uma
ama de leite, Henri tinha sido inflexível ao dizer que nenhum de
seus filhos seria alimentado por outra pessoa. Mais uma vez,
Céleste reprimiu uma onda de desalento, ao imaginar qual seria a
aparência de um filho de Alex. Ela afugentou a imagem antes de
ficar sentimental e arruinar todos os preparativos para a noite,
fazendo algo tão tolo quanto chorar.
— Como está Aubrey? — perguntou ela. — Ele não apareceu
hoje, pelo visto.
— Não — disse Céleste, carrancuda. — Ainda não aparreceu, o
covarde. Mas ele vai me pagar carro pela falta de culhões.
Henri deu uma risadinha e balançou a cabeça. — Oh, pobre
Aubrey. Realmente você está pedindo muito de um homem que não
está desesperadamente apaixonado por você para fazer frente a
Alex.
— Bah! — Ela acenou uma mão, descartando isso como um
argumento razoável. — Aubrey é supostamente meu amigo, quase
um irmão, se ele não irrá me ajudar a quem devo recorrer? Eu o
ajudarria se a situação fosse invertida.
— Sim — respondeu Henri, assentindo para ela. — Acredito que
sim, sem se importar com consequências.
— Voilà — respondeu ela, alisando o pano macio de seu
vestido. — E isso é o que um verdadeirro amigo faz.
— Deslumbrante como está esta noite, minha querida. Eu
realmente acho que você não precisa da ajuda de ninguém. Na
verdade, estou quase com pena de Alex. O pobre diabo não tem
chance com você parecendo um anjo pronto para cair do céu a
qualquer momento.
Céleste se alegrou com suas palavras, virando-se de um lado e
de outro na frente do espelho mais uma vez. Era um vestido
enganosamente inocente. O tecido era de musseline branco bengali
preenchido com bordado inglês floral e um corpete de algodão. À
primeira vista, parecia quase modesto, mas o tecido era muito fino e
o caimento era tal que valorizava muito a sua figura, especialmente
o volume generoso de seus seios. Seu cabelo tinha sido
primorosamente arrumado e decorado com pérolas que reluziam
nos cachos dourados.
— Oh, esperro que esteja certa, porque não sei mais o que
fazer. Às vezes, acho que serria melhor se fosse mais atrrevida com
ele...
Henri deu um risinho sombrio e assentiu com a cabeça. — Oh,
eu sei exatamente como se sente, eu prometo. Na verdade... —
disse ela, com uma expressão astuta nos olhos. — Falando nisso,
tenho um presente para você.
— É mesmo?
Ao levantar-se, Henri colocou sua filha cuidadosamente no
centro da cama de Céleste e a envolveu com travesseiros para que
não pudesse rolar durante o sono. — Espere aqui — ordenou ela,
correndo do cômodo. Ela reapareceu momentos depois com uma
caixa grande e fina. Deitando-a na beirada da cama, gesticulou para
que Céleste a abrisse.
Céleste levantou a tampa e arquejou, ao retirar da caixa o
material praticamente transparente, olhou silenciosamente para
Henri, chocada.
— É uma camisola... — disse Henri, solicitamente, sorrindo para
ela. — Ou quase isso.
Céleste, que havia passado boa parte de sua vida em um
prostíbulo, ficou totalmente escandalizada e um tanto animada. —
Mas isso é... é...
— Totalmente indecente, sim, eu sei disso — disse Henri,
sufocando uma risada. — Mas pensei que se você não fosse pedida
em casamento até o final da noite... bem... isso poderia fazer a
balança pender na sua direção.
— Pender? — murmurou Céleste, com algo próximo ao espanto.
— Acho que ia quebrrar a balança. — Ela olhou para o Henri com
uma expressão pensativa. — Isso é seu?
Henri assentiu. — Sim. Não o usei na noite em que seduzi
Lawrence, mas para falar a verdade, o vestido que usei não era
muito menos revelador que isso. No entanto, se Alex esbarrar com
você usando isso... — Ela deu de ombros. — Você não tem como
falhar.
Céleste abraçou a roupa praticamente transparente antes de
atirar seus braços em torno de Henri. — Você é a amiga mais
maravilhosa do mundo.
— Irmã — emendou Henri. — Se você usar isso hoje à noite,
tenho certeza disso. Espero que sim, de qualquer forma — disse
ela, com um pouco de preocupação visível entre as sobrancelhas.
— Quero dizer, sei que realmente não deveria encorajá-la, e se
fosse qualquer um além de Alex... — Ela sorriu e estendeu a mão,
segurando a de Céleste. — Oh, boa sorte, minha doce menina.
Espero que tudo aconteça como deve ser.
Céleste assentiu e apertou sua mão. — Moi aussi — concordou
ela.
***
Alex estava parado ao pé da escada e esperava que as damas
aparecessem. Tia Dotty seria acompanhante de Céleste esta noite,
já que Seymour havia alegado uma dor de cabeça e reclamado que
o teatro era quente e barulhento demais para que ela pudesse
aguentar. Da mesma forma, Henri estava cansada do baile da noite
anterior e Lawrence havia expressado o desejo de que sua esposa
ficasse em casa com uma expressão que Alex entendia muito bem.
Alex não podia culpar Seymour por sua ausência, entretanto. O
Teatro Royal em Drury Lane estava exibindo uma produção de
Betram, ou, O Castelo de St. Aldobrand com seu famoso ator
shakespeariano Edmund Kean, no papel principal. O lugar sem
dúvida estaria completamente lotado e, como estava muito quente
para a primavera, também estaria insuportavelmente abafado.
Alex não era um adepto particular do teatro na melhor das
hipóteses, mas a ideia de estar em um espaço isolado e escuro com
Céleste por horas, e somente a tia Dorothea como acompanhante,
estava deixando-o inquieto. A pobre Dotty era conhecida por
cochilar na primeira meia hora de qualquer performance e não se
mexer até que alguém lhe sacudisse com força. Como
acompanhante, ela era a menos indicada, e ele se admirava por
Seymour não ter cancelado a noite por completo. Se ele fosse um
cavalheiro, teria cancelado ele mesmo. Mas ele não era, esse era o
grande problema, ele refletiu enquanto pensamentos de estar
sozinho com Céleste no escuro, e ainda cercado por centenas de
pessoas, fez seu sangue tamborilar com ideias indecentes.
Essas ideias pareciam se formar diante de seus olhos no
momento em que o objeto de seu tormento apareceu no topo das
escadas. Alex olhou para ela, totalmente incapaz de desviar seus
olhos, sabendo que estava perdido. Como ele poderia permitir que
ela se casasse com um maldito duque? Ou com o belo e encantador
primo, ou qualquer outro homem? Ele parecia não se importar mais
que ela merecesse algo melhor, ou pelo menos não o suficiente
para permitir que isso acontecesse. Alex estava cansado de fingir
que poderia viver com aquilo. Ele não conseguia. Se ela se casasse
com outro homem, ele mataria quem quer que fosse, era algo
inevitável. Ela se casaria com ele e permitiria que esse tormento
intolerável terminasse ou ele enlouqueceria. A ideia de que ela
talvez não o quisesse mais – talvez preferindo ser a duquesa de um
jovem e bonito duque – passou por sua mente, mas a esmagou com
fúria. Ele não poderia aceitar isso, não mesmo. Ele faria com que
ela o quisesse novamente. Alex encontraria uma maneira.
Ele encarou o olhar dela enquanto ela descia as escadas,
notando o balanço provocante de seus quadris.
— Boa noite, Alex — disse ela, quando chegou ao pé da escada
e olhou para ele, com os olhos azuis brilhando e cheios de tanta
malícia que ficou sem fôlego. — Você está extrremamente bonito
esta noite.
Ele estendeu e pegou sua mão, levantando-a até os lábios e
beijando o interior de seu pulso, com um roçar suave e delicado de
sua boca que só podia ser interpretado como sedutor. Ele olhou
para cima e observou um leve susto em seus olhos e suas
bochechas ruborizadas. Sorrindo de satisfação, ele colocou sua
mão em seu braço enquanto tia Dorothea começava a descer as
escadas para encontrá-los.
— E você... parece que prefere muito mais ir para a cama do
que para o teatro, mignonne — disse ele, mantendo sua voz baixa
para que apenas ela escutasse.
Ela olhou para ele, com a boca aberta de choque e o rubor de
suas bochechas foi descendo pelo pescoço até os peitos.
— O que foi, ma mie? — perguntou ele, com a voz carregada de
diversão. — Eu só quis dizer que talvez ainda esteja cansada depois
de ficar acordada até tarde da noite. — Ele fez uma pausa e
concentrou sua atenção somente nela, seus lábios se curvaram um
pouco. — O que você achou que eu estava querendo dizer? —
perguntou ele, levantando uma sobrancelha.
Ela se recuperou, embora com algum esforço, e lançou-lhe um
olhar malicioso. — Acrredito ter pensado exatamente o que você
prretendia que eu pensasse — disse ela, fungando, com desdém.
Céleste retirou a mão de seu braço, permitindo que o lacaio a
ajudasse com sua peliça.
O teatro, como era de se esperar, estava lotado e rostos
familiares se cumprimentaram antes que todos tomassem seus
lugares para a apresentação. Para consternação de Alex, havia um
rosto que ele não queria ver nem um pouco. Mas quando seus olhos
encontraram os olhos sedutores e castanhos de uma de suas
últimas amantes, viu-se em meio a um dilema. A infame viúva, a
senhora Lydia Morris, estava claramente determinada a vir falar com
ele e, conhecendo a mulher como conhecia, tentaria criar um
escândalo antes de ser impedida. Ele se perguntava que diabos o
havia possuído para se envolver com ela, em primeiro lugar, e,
depois, lembrou-se com um largo sorriso irônico exatamente qual
havia sido a razão.
Contudo, tais tentações indecentes lhe pareciam grosseiras
agora, e ele percebeu que estava bastante tranquilo em saber que
tais diversões seriam uma coisa de seu passado. A última coisa que
queria agora, no entanto, era fazer Céleste recordar do tipo de
homem que ela estaria aceitando. Tanto ela quanto Dorothea
estavam em segurança falando com amigos de suas tias e do
pequeno grupo de mulheres mais velhas que estavam com elas e,
por isso, decidiu enfrentar os problemas antes que pudessem
alcançá-lo. Com um murmurado pedido de desculpas, desculpou-se
e deixou as senhoras sozinhas por um momento para evitar um
desastre iminente.
***
Céleste suspirou, abanando-se com o leque que segurava para
tentar gerar um pouco de ar na atmosfera sufocante. Olhando em
volta, procurou por Alex, perguntando-se por que ele desaparecera
tão de repente. Desde o momento em que o havia visto esta noite,
suas esperanças haviam aumentado exponencialmente. Algo havia
mudado. Ele tinha chegado a algum tipo de decisão, ela estava
certa disso, e isso a envolvia. A forma que flertava com ela tão
abertamente, o fato de ter voltado a usar os nomes afetuosos que
ela tanto amava, tudo isso sugeria uma mudança em seu
comportamento. Ela lembrou-se da atmosfera carregada no
escritório ontem à noite, no momento em que ele havia segurado o
copo em seus lábios. Quando ela havia lambido deliberadamente os
lábios para apreciar o sabor marcante do conhaque, a expressão
nos olhos dele continha uma intensidade abrasadora. Então, o que
isso significava? Será que ele finalmente tinha superado suas
objeções de torná-la sua?
Ela virou um pouco mais sua cabeça e viu a cabeça escura de
Alex acima da multidão. Esticando o pescoço, ela tentou dar uma
olhada na pessoa com que ele estava falando tão intensamente.
Havia uma expressão feroz em seu rosto, e quando a multidão se
deslocou um pouco e ela conseguiu ver mais claramente, e não
ficou surpresa. A mulher que estava diante dele era belíssima. Sua
figura era voluptuosa, seus cabelos escuros e cheios, e seus olhos
tão escuros quanto jabuticabas prometiam todo tipo de prazeres
selvagens. Ela era sem dúvida a mulher mais bonita da sala.
Céleste respirou fundo, descobrindo que seus pulmões não
estavam dispostos a obedecer, pois seu peito estava muito
apertado.
— Essa é sua amante — disse uma voz presunçosa ao lado
dela. Ela virou-se horrorizada e viu os olhos de lady Bradford, que
pareciam os de um pássaro, olhando para a beleza morena, com
um sorriso malicioso. Ela tinha conhecido a velha fofoqueira odiosa
no Jardins de Vauxhall algumas semanas antes e tia Seymour a
tinha avisado para manter distância dela. Céleste não precisava
ouvir duas vezes, ela era obviamente uma mulher maliciosa e faria
de tudo para ir atrás de uma boa fofoca, sem se importar com a
verdade. Mas, de alguma forma, ela não duvidava da verdade de
suas palavras agora.
Ela não era tão tola ou ingênua de pensar que um homem como
Alex seria celibatário por algum tempo. — Ele tem várias, é claro,
mas a senhora Morris é sua favorita. Aparentemente, ele brigou com
a marquês de Rockingham para tê-la. — Céleste encarou a mulher,
mas confundindo o silêncio horrorizado de Céleste com um
interesse tão lascivo quanto o seu próprio, ela continuou: — Sim,
isso foi há dois anos. Acho que ele nunca manteve uma amante por
tanto tempo quanto ela. Mas acho que consegue entender o porquê.
E até parece que ele vai se casar agora, não é mesmo? Ele é
aparentemente mais viril que os homens com metade de sua idade,
dizem que sua energia é lendária, mas, mesmo assim. Ele já passou
dos trinta e cinco para tentar se desviar do mau caminho agora.
Não, imagino que o condado irá para os herdeiros de seu irmão.
— Pode me dar licença, por favor? — Céleste afastou-se da
velhota, enojada com tudo o que ouvira. Às cegas, abriu caminho no
meio da multidão, sem saber para onde ia, apenas ciente que não
podia ficar ao lado daquela megera maliciosa nem por um minuto a
mais.
— Ora, ora, para onde vai com tanta pressa, milady?
Ela olhou para cima e deu um suspiro de alívio quando seus
olhos encontraram a figura imponente do duque de Sindalton.
— E-eu — gaguejou ela, tentando se recompor. — Fiquei um
pouco desorrientada, Vossa Graça, e está tão terrrivelmente quente
aqui dentrro. — Ela não se importava que naquele momento seu
sotaque tivesse carregado, mas pelo olhar nos olhos do duque, ele
não parecia se importar nem um pouco.
— Como você é perfeitamente encantadora — disse ele, com a
voz suave. — Venha, vamos subir as escadas, está mais calmo e
talvez você possa achar seus acompanhantes.
— Vossa Graça é muito gentil — murmurou ela, mais do que
aliviada por se afastar de toda aquela gente. Seu coração doía
enquanto repassava mentalmente as palavras de lady Bradford. Não
a machucaria tanto se não fosse verdade. Ela tinha sido tola por não
ter visto isso antes. Mas ela não estava enganada com relação à
mudança de Alex. Ele a queria, ela sabia que sim, mas... talvez
tivesse lutado contra seus próprios desejos por tanto tempo porque
não tinha mais desejo de se casar. Talvez a razão pela qual ele
nunca tivesse tentado seduzi-la tenha sido porque tudo o que ele
ofereceria a ela seria a posição de sua amante.
Ela tentou respirar profunda e controladamente, até que lhe
ocorreu exatamente o que isso significaria. Mesmo que ela fosse
atraente o suficiente para prender sua atenção de modo que ele
mantivesse apenas ela e mais ninguém, ela não seria mais bem-
vinda na alta sociedade. Ela descobriu que isso era de pouca
importância. As belas roupas, festas e danças, tudo era lindo, mas
ela viraria as costas para tudo isso num piscar de olhos para uma
vida com Alex. A ideia de que ela nunca teria uma família, porém,
que nunca iria segurar seu filho em seus braços, isso fazia seu
coração doer de tristeza.
— Diga-me, o que a está angustiando tanto? — Piscando, ela
tentou frear as lágrimas e olhou para o duque. Ele estendeu-lhe a
mão e acariciou sua bochecha com a ponta do dedo. — Diga-me
que Falmouth é a causa de sua angústia, milady, e eu juro que o
desafiarei.
Ela arfou, espantada com a violência de suas palavras e
balançou a cabeça. Sim, era Alex que a fazia infeliz, mas não era
sua culpa, apenas de sua própria ingenuidade tola que a trouxera
até o presente momento.
— Non. — Ela balançou a cabeça e tentou sorrir para ele. — O
conde não tem culpa, garanto-lhe.
Ele olhou para ela, com os olhos escuros indecifráveis. — Vou
visitá-la amanhã à tarde — disse ele, mas antes que pudesse dizer
algo mais, ou que ela pudesse responder, ela sentiu a pressão de
mão grande contra o inferior de suas costas, em um gesto
possessivo e íntimo. Olhando em volta, encontrou Alex atrás dela,
olhando para o duque com total repulsa. Instintivamente, ela
estendeu uma mão, agarrando seu braço.
— Ah, Alex. Sinto muito, me perdi na multidão e Sua Graça teve
a gentileza de me trazer aqui e ver se conseguia achar você. — Ela
virou-se para o duque e esperava ter conseguido dar-lhe um sorriso
de gratidão. — Muito obrigado, Vossa Graça.
O duque afastou sua expressão sombria de Alex e levou a mão
de Céleste até seus lábios, dando-lhe um beijo prolongado no pulso.
— Até amanhã, milady — disse ele, antes de virar-se para ir
embora.
Alex fez cara feia para sua figura em retirada. — O que ele quis
dizer com até amanhã? — indagou ele.
— Ele quer me visitar — respondeu ela, observando seu rosto
enquanto as palavras atingiam-no.
Houve um segundo de silêncio no qual sua expressão ficou
ainda mais sombria. — Pensei ter dito para você ficar longe dele...
— disse ele, e ela quase deu um passo atrás ao reparar a fúria em
seus olhos. Por um momento, ela encarou-o. Será que ela se
entregaria a esse homem como sua amante, contente de nunca
pertencer verdadeiramente à sua vida, de não ser nada além de um
de seus prazeres, como um bom vinho ou um cavalo de corrida –
uma distração do tédio? Ou será que deveria se casar, talvez com o
duque? Ela seria rica, poderosa e respeitada. Uma meia-vida com o
único homem que ela amaria, ou mais do que ela jamais havia
sonhado – com um homem que não a conhecia, e o qual não
sentiria nada além de afeto. Com tristeza, ela sabia que a resposta
tinha sido decidida há muitos meses. Melhor metade de um coração,
do que nenhum.
— Você acha que ele vai pedi-la em casamento — disse ele, e
não era uma pergunta. Ela olhou para ele, imaginando se ele estava
com ciúmes dela como uma posse, como uma coisa que ele
desejava para si mesmo, ou se poderia haver mais do que isso.
Ela deu de ombros, feliz que tia Seymour não estivesse lá para
vê-la e a repreendesse. — Sim, eu acho que talvez ele vá.
— Você se casaria com um homem que não ama? — perguntou
ele, e ela não poderia ter ficado mais surpresa se tivesse levado
uma bofetada. Sua expressão estava cuidadosamente vazia, mas
ela podia sentir a tensão circundando seu corpo como se estivesse
chamando por ela, implorando-lhe que colocasse suas mãos sobre
sua pele e solucionasse todos os problemas.
— Não — sussurrou ela. — Eu não me casaria com um homem
que não amo.
Ele pareceu soltar o fôlego, aliviado, e ela ficou de repente
furiosa com ele. Ela estava esgotada, com ciúmes de sua amante
de olhos escuros, furiosa com os meses passados sozinha,
desapontada com um futuro pelo qual ela havia começado a ansiar
e de repente havia sido arrancado dela.
— Esqueci de mencionar que Aubrey também pediu minha mão
— disse ela, afugentando sua culpa diante da mentira descarada e
ganhando uma pequena medida de satisfação com o choque em
seus olhos. — E eu o tenho na mais alta estima. Acho que talvez
pudéssemos ser extrremamente felizes juntos.
Ele ficou paralisado, encarando-a, e ela sentiu sua satisfação
murchar e morrer, substituída por remorso ao ver algo que se
parecia muito com medo em seus olhos.
— Você aceitou? — perguntou ele, com a voz rouca e pouco
audível por causa do barulho do teatro quando todos começaram a
tomar seus assentos.
— Non — sussurrou ela.
— Você vai?
Céleste obrigou-se a encarar seu olhar, para fazê-lo ver o que
ela precisava dele. — Eu não sei. Suponho que... depende das
outras ofertas que eu receber, mas... preciso tomar uma decisão,
muito em breve.
Ela observou-o engolir em seco, além da necessidade em seus
olhos de dizer algo, e a constatação de que esse não era o
momento nem o lugar. Ele virou-se e a guiou até seu camarote
privado. Tia Dorothea estava conversando com um velho amigo a
alguma distância nos fundos, totalmente alheia à atmosfera
carregada entre eles. Enquanto caminhavam, passaram pelo duque,
e Céleste tremia enquanto seus olhos escuros permaneciam sobre
ela, apesar do olhar frio de Alex enquanto passavam por ele.
— Não quero vê-la sozinha com aquele homem novamente,
Céleste — repetiu ele, deslizando um braço possessivo ao redor de
sua cintura enquanto entravam na escuridão de seu camarote
privado. Ela fez uma pausa e olhou para ele, ousando dar um passo
mais perto para que por um momento seu corpo roçasse contra o
dele.
— Se você não tivesse me abandonado, não terria estado em
sua companhia — respondeu ela, incapaz de evitar o fio de
amargura de suas palavras.
Sua expressão suavizou-se e ele abraçou-a por um momento
enquanto a encarava atentamente. — Você tem toda razão,
mignonne — sussurrou ele. — Perdoe-me. Juro que... isso nunca
mais acontecerá.
Capítulo 27
“No qual tormentos de vários tipos são sofridos.”

O teatro estava finalmente silencioso e quieto quando a primeira


cena foi revelada. O público apreciou o aspecto sombrio de um
mosteiro à noite com uma grande janela gótica e a atmosfera era de
expectativa quando dois monges, aparentemente correndo
aterrorizados, apareceram no palco. Ao mesmo tempo, o público
pulou de susto quando o estalo de um trovão rasgou a sala
cavernosa e o misterioso uivo do vento os envolveu.
Céleste estava extasiada. Agarrando-se ao assento de veludo
vermelho-escuro embaixo dela, deleitava-se com a opulência
dramática de seus arredores. Ela nunca tinha visto uma produção
teatral, e o fato de sua primeira experiência ser um melodrama era
mais do que ela poderia esperar. Por um momento, ela tentou deixar
de lado suas próprias preocupações e aflições, e concentrar sua
atenção na peça. Mas não importava o quão cativante fosse o palco
e seus atores, ela estava muito ciente da proximidade de Alex.
Ele se sentou perto dela, com sua coxa forte pressionada contra
a dela. Era íntimo e perturbador, e ela se perguntou se ele sabia que
estava fazendo isso. Ele estava agindo de forma tão estranha esta
noite, flertando com ela, furioso por se dirigir a Sindalton, e sua
reação à oferta de Aubrey foi uma surpresa. Talvez tenham sido
simplesmente suas ideias tolas sobre a juventude e inocência dela
que o detiveram antes, como ela havia acreditado, e ele finalmente
colocou de lado quaisquer objeções que tinha.
Ainda assim, ela disse a si mesma que não era tão tola a ponto
de acreditar que ele pediria sua mão agora. Sim, ela esperava e
sonhava que fosse verdade, mas não era ingênua ou tola o
suficiente para acreditar que os sonhos se tornassem realidade. Ela
já tinha visto a vida suficientemente para ser pragmática em suas
escolhas, e ela devia aproveitar o que lhe era oferecido e ser grata
por isso. Afinal, sem Alex ela seria uma prostituta agora, de uma
forma ou de outra. Ser amante de um homem que ela amava
realmente não era uma dificuldade quando comparada a essa
perspectiva, mas não impedia que seu coração doesse menos.
Ela sorriu ao ouvir os roncos suaves de tia Dorothea enquanto a
ação dramática no palco continuava e não tinha nenhum impacto
em seu sono.
— Pelo amor dos céus, que noite é essa? — exclamou o
primeiro monge.
— Oh! Você ouviu aquele repique? — acrescentou o segundo,
enquanto Céleste quase gritava de susto quando o próprio teatro
parecia estremecer com a violência do trovão, tão realista era o
efeito.
— Os mortos devem ouvi-lo — lamentou o primeiro monge,
enquanto mais trovões sacudiam a audiência. Voltando-se para o
segundo monge, ele agarrou seu braço. — Fale! Fale, e deixe-me
ouvir uma voz humana!
Céleste pôs a mão no coração sentindo o drama da cena
envolvê-la e, então, pulou de susto mais uma vez quando dedos
suaves deslizaram sobre sua outra mão que descansava
recatadamente em seu colo. Na escuridão do camarote, ela podia
apenas ver a mão grande e áspera de Alex sobre seus dedos
menores vestindo luvas brancas. Ele havia removido suas próprias
luvas e o calor de sua pele queimava através da fina seda. Ela
engoliu em seco enquanto as pontas dos dedos dele subiam, sobre
seu pulso, até chegar à pele nua na parte superior de seu braço. Ele
a acariciou com o dorso dos dedos, uma carícia delicada e suave
que fez o seu coração bater de forma selvagem, fazendo seu
sangue correr em suas veias.
Como se estivesse em um sonho, ela manteve os olhos no
palco, embora não visse nada dos eventos dramáticos que se
desenrolavam enquanto ele cuidadosamente tirava a sua luva, com
movimentos lentos e deliberados, soltando cada dedo por vez e
levando sua mão até ele. Ele aproximou-se, na escuridão do teatro,
segurando a mão dela entre as suas. O calor dele, apenas por meio
daquele contato, parecia queimar através dela, de modo que sua
pele pegou fogo, formigou, com a percepção aumentando à medida
que seu polegar se movia em círculos lentos e sedutores sobre a
palma de sua mão. Ela ficou sem fôlego ao vê-lo aproximando sua
cabeça na direção dela como se quisesse sussurrar-lhe algo, porém
nenhuma palavra foi ouvida. Em vez disso, ela sentiu o calor de sua
boca na junção entre seu pescoço e ombro enquanto ele
pressionava os lábios contra a sua pele. Foi o beijo mais suave que
ela tinha recebido na vida; e ele continuou, repetidamente o
movimento, acendendo um rastro de fogo em seu pescoço.
Céleste estava em ebulição, sua respiração ao mesmo tempo
rápida e curta, desesperada por não chamar atenção, horrorizada e
intrigada por agir de tal forma em um lugar público. Certamente
alguém iria ver... E, no entanto, estava escuro e o resto do público
bastante concentrado no palco enquanto o drama avançava, e ela
não tinha certeza se se importava, de qualquer maneira. Alex
continuou com aquele delicioso tormento, acariciando a pele
delicada logo abaixo de sua orelha e mordiscando o lóbulo de sua
orelha. Ela reprimiu um gemido de desejo e inclinou um pouco a
cabeça para permitir que ele continuasse.
Uma risadinha baixa masculina de diversão ondulou sobre sua
pele, evidenciando que Alex parecia mais do que feliz em agradá-la.
O movimento constante de seu polegar sobre a palma de sua mão
tornava difícil para ela manter a compostura. Ela fez o possível para
parecer que estava assistindo à peça, mas a única coisa que queria
em sua mente era rastejar para o colo de Alex e exigir que ele
satisfizesse a dor latejante que havia criado entre suas pernas e que
a estava deixando desorientada. Ele colocou a mão que estava
segurando em sua coxa e inclinou-se ainda mais perto. Ele agarrou
com uma das mãos sua nuca, o peso quente e pesado fazendo-a
tremer. Ele continuou a beijar seu pescoço enquanto sua outra mão
deslizava sobre seu estômago e subia, até cobrir o volume generoso
de seu seio. Com um esfregar lento e provocador do polegar, ele
acariciou o mamilo através do vestido e Céleste foi forçada a morder
o lábio para não gritar. Ela foi dominada por um sentimento de
desespero, uma necessidade de liberação que oscilava à beira da
loucura enquanto seus lábios acariciavam e seus dedos beliscavam
sua carne sensível.
— Alex — sussurrou ela, sem saber se estava com raiva ou
agradecida, se estava implorando para que ele tivesse misericórdia
ou continuasse seu tormento. Tudo o que ela podia ouvir era a
qualidade sensual em sua própria voz, um tom que ecoou quando
Alex respondeu-lhe.
— Não é isso que você queria, mignonne? — disse ele, suas
palavras levemente zombeteiras e ríspidas de desejo. — Você me
provocou e atormentou, invadiu meus sonhos, privou-me de sono,
insinuou-se em todos os meus pensamentos. Não era para que eu
te tocasse assim? — Ele beliscou a carne delicada com a qual
brincava através do tecido fino de seu vestido, fazendo-a ofegar, um
som suave e assustado, dividida entre o prazer e a dor, e ela teve
que se segurar, de repente com medo de que alguém tivesse
ouvido. — Admita — exigiu ele. — Diga-me que você quer isso.
— Sim — respondeu ela, a palavra exalada em uma respiração
trêmula. Ela estava tremendo agora, cada respiração, cada nervo,
cada centímetro tenso de sua carne consciente de seu toque,
desesperada por mais. — Eu quero isso, eu quero você.
Ela ouviu a exalação feroz, sentiu a mão dele agarrar seu
pescoço com mais força.
— Bem, agora você vai pagar por esses meses intermináveis de
tortura; agora, você vai entender como me senti todo esse tempo.
Ansiando estar em sua presença e incapaz de tocá-la quando
estava. Desejando ir até você quando estava tão longe de mim e
flertando com outros homens, sorrindo para eles, fazendo-os querer
você. — Ela ouviu o fio de raiva em sua voz, mas, por trás disso, a
lascívia e o desejo fizeram seu coração se animar. Ela virou sua
cabeça, procurando o lampejo brilhante em seus olhos, visível
mesmo na escuridão isolada que os cercava. O barulho do teatro,
as reações da multidão, as vozes dos atores e o tremendo estrondo
da tempestade que se formara dentro das paredes do local parecia
distante e insignificante. Não havia nada nem ninguém além deles
dois.
— Você acha que eu não senti o mesmo, Alex? — disse ela,
admirada. — Você tem alguma ideia de como foi difícil dorrmir na
mesma cama que você, sabendo que não me querria?
— Não queria você? — repetiu ele, com a voz rouca. Ele
pressionou o rosto em seu cabelo e inalou o seu cheiro. — Oh, meu
Deus, Céleste, se fosse possível morrer de desejo, eu teria.
Ela sentiu sua respiração falhar quando ele se afastou para
olhá-la, o calor em seus olhos era suficiente para queimá-la. Ele
parecia tão desesperado quanto as suas palavras, e seus olhos
geralmente frios, estavam cheios de fogo e escuros de desejo.
— Eu também sofri, Alex, e muito mais porque foi você quem
me impôs isso. A escolha foi sua, não minha.
— Eu queria mais para você, Céleste, queria que tivesse um
homem melhor e que pudesse oferecer mais do que posso. — Ele
fez uma pausa, balançando a cabeça. — Falaremos de tudo isso
mais tarde. Há muito que quero falar, mas não aqui, muito menos
agora.
Ela sentiu a dor em seu coração quando ele confirmou tudo o
que ela havia percebido nas últimas horas, mas se forçou a rir dele,
indignada e divertida. — Então você pode me seduzir aqui, mas não
falar comigo, hein?
— Sim, ma mie — rosnou ele, voltando a acariciar seu pescoço.
— Ninguém pode nos ver, e Dorothea dorme como uma pedra. Além
disso, não me diga que isso não atrai seu senso de aventura, sua
pequena atrevida.
Ela sorriu, um sorriso lento e torto enquanto fechava os olhos e
inclinava a cabeça para trás.
— Então você acha que sabe do que gosto? — sussurrou ela.
— Sim — disse ele, e então mordeu seu pescoço, apenas o
suficiente para fazê-la suspirar. — Acho que sim. — Ela ficou sem
fôlego quando ele puxou um lado da gola de seu vestido, apenas o
suficiente para revelar a carne enrugada de seu mamilo
atormentado. Estendendo a mão, ele espalmou seu seio,
acariciando com sua mão áspera e calejada.
Quase tonta de desejo, Céleste estava no limite da sanidade. Se
ele sugerisse tomá-la no chão, naquele exato momento, ela temia
estar o suficiente perdida para obedecer. Ela apertou as coxas,
tentando apaziguar a dor frustrante que era impossível ignorar, e
sentiu sua paciência esgotar-se diante da risada masculina de
diversão que vibrou sobre sua pele. Furiosa, pensou em todas as
palavras obscenas que podia dizer a ele. De todos os lugares para
começar sua sedução! Se ele tivesse ido a seu quarto ou esperado
até que estivessem em casa, ela poderia tê-lo forçado a acalmar
seus nervos em frangalhos, para livrá-la da necessidade que a
consumia e que era tão deliciosa quanto enlouquecedora. Ela cerrou
os dentes. Bem, ela pensou, olho por olho, dente por dente.
— Acho que talvez... — disse ela, lutando para respirar
enquanto ele continuava a afagar e acariciar seu seio. — Eu deveria
lhe dar algumas... dicas. Caso você não saiba o que está fazendo.
Uma vez eu vi no Madame Maxime... uma das garotas... Ela foi
colocada sobre uma mesa, como se fosse a sobremesa. — A mão
dele deteve-se em seu seio, e a tensão ressoou ao longo da forte
extensão de sua coxa enquanto Céleste corria os dedos por sua
perna. — E havia um cavalheiro, sentado à mesa e com a cabeça
inclinada, entre as coxas dela... — Ela fez uma pausa, lutando para
respirar enquanto o ar parecia crepitar entre eles. A respiração dele
havia mudado, tão difícil e penosa quanto a dela. — Ele estava se
deleitando dela, e ela se contorcia e gemia de prazer...
— Céleste — disse ele, com a voz desesperada.
— Eu semprre imaginei como serria — continuou ela, com a voz
suave e ofegante no escuro.
— Céleste, por favor... não...
— Muitas vezes pensei em sua boca sobre mim desse jeito...
— Oh, bom Deus.
— Pensei em olhar parra baixo e ver seus pelos escurros entre
minhas pernas enquanto você me prrovava assim.
— Pare! — implorou ele, afundando os dedos nos cachos de
cabelo na parte de trás de seu pescoço, puxando-os com certa
força. — Pelo amor de Deus, pare, senão vou te agarrar aqui e
agora, e vai ser o escândalo do século.
Os dois ficaram sentados na escuridão, com a respiração
descontrolada, os olhos fixos um no outro. — Jure que vai me
mostrar o que eu tenho sonhado quando chegarmos em casa e eu
ficarei quieta — sussurrou ela.
— Tente me impedir — rosnou ele.
Céleste mordeu o lábio, tentando conter o riso ao perceber o
ridículo da situação.
— Não ria, sua diabinha — murmurou Alex, puxando seu vestido
para cima com movimentos eficientes e precisos. Mas quanto mais
irritado ele parecia, mais engraçado ficava. Ela cobriu a boca para
tentar suprimir o riso, mas quanto mais ele fazia cara feia, mais
difícil era de suprimir.
— Oh... e pobre tia Dotty — suspirou ela. — Ela nunca se
recuperaria.
A boca de Alex se contorceu quando ele se recostou, o mais
longe dela que conseguiu. — Acho que já mencionei a você... sua
conversa é inadequada para uma jovem dama. Eu mandei você
embora para lidar com isso — resmungou ele, cruzando os braços,
embora ela pudesse ver a diversão rondando em seus olhos. — E
pare de me olhar assim, ma mie — acrescentou ele, mantendo os
olhos resolutamente no palco. — Estou usando todo o meu
autocontrole para continuar sentado aqui, e não a jogar por cima do
meu ombro e fugir com você.
Céleste suspirou, sentindo-se ao mesmo tempo excitada e
tensa, feliz e no limite devido ao desejo reprimido.
— Vou ser boazinha, Alex — disse ela, com bastante
solenidade.
— Hmph. — Ele manteve os olhos para a frente, os braços
cruzados e o material justo esticado sobre a largura de seus bíceps.
— Ah, e falando nisso. Você vai se sentir mal durante o intervalo e
será necessário irmos para casa. Imediatamente.
Ele lançou um rápido olhar para ela antes de retornar seu
semblante feroz para a performance. — Oui, Alex — disse ela,
sorrindo na escuridão.
Capítulo 28
“No qual os pombinhos chegam tão perto...”

Alex suportou o resto da maldita performance, colocou Dorothea


e Céleste na carruagem, e então teve que aguentar ser sacudido
pelas ruas escuras com o divertido olhar azul de Céleste sobre ele.
Ele estava agoniado. Sua pele parecia muito tensa para seu corpo,
os nervos à flor da pele, a ponto de estourar e cada roçar de pano
contra sua carne, era uma dor aguda que o levava à loucura. O fato
de que a fonte daquele tormento estivesse a apenas alguns
centímetros de distância dele era insuportável. Ele também não se
atrevia a considerar a retribuição que iria infligir a ela, por mais
satisfatória que fosse, por medo de ser incapaz de deixar a maldita
carruagem. Então, ele se sentou e suportou.
Finalmente a carruagem parou. Com toda a paciência que lhe
restava, ajudou as damas a descerem da carruagem e guiou tia
Dotty até a casa, conseguindo colocar um sorriso no rosto e fazer
barulhos apropriados enquanto ela tagarelava alegremente sobre
um velho amigo que havia encontrado no dia anterior e não via há
anos. Quando ela finalmente lhe deu boa-noite, ele estava quase
chorando de frustração.
Ele virou-se para Céleste e ergueu uma sobrancelha indignada
para ela quando viu que estava prestes a subir as escadas.
— Onde diabos você pensa que está indo? — disse ele,
segurando o seu pulso, e ciente de que sua voz soava muito ríspida
e desesperada.
Ela apenas sorriu para ele, com seus olhos azuis arregalados e
inocentes. — Só vou me refrescar, Alex, não fique tão preocupado
— disse ela, claramente rindo dele. — Estarei de volta antes que
você perceba.
— Bem, se você não estiver, saiba que irei buscá-la —
resmungou ele. Maldição, ele esperou por mais de um ano, por que
o destino estava conspirando contra ele agora? Ele dispensou o
restante dos criados, mandando-os para a cama, caminhou até seu
escritório e pegou o decantador de conhaque.
Derramando uma dose, bebeu de uma só vez, parando um
momento para saborear a queimação antes de derramar outra
quantidade maior e se acomodar para aguardar. Um momento mais
tarde, levantou-se e andou de um lado para o outro. Meu Deus,
onde ela estava? Ela não sabia o que estava fazendo com ele? Com
um bufo de diversão, ele percebeu que ela provavelmente estava
bem ciente e fazendo isso de propósito.
Ele respirou fundo e tentou organizar seus pensamentos
emaranhados além do fato básico de sua necessidade física por ela.
De alguma forma, desde o dia em que Bessie Ousada foi dilacerado
naquela terrível tempestade, Céleste tornou-se necessária para ele.
Não era só o fato de que a queria, que queria prová-la e tocá-la, e
perder-se nela. Alex queria conhecê-la, saber tudo sobre ela. Ele
queria saber o que ela pensava, o que ela queria, o que ela
esperava. A princípio, ele havia pensado que não era mais do que
simples desejo, pois ela era simplesmente a mulher mais bela que
ele já havia conhecido. Mas ele não podia negar, agora, que era
muito mais do que isso.
Ela era tão importante para seu bem-estar quanto o ar que
respirava. Ele precisava dela da mesma forma que precisava de
água, para simplesmente existir, o sentimento muito mais intenso do
que qualquer desejo que ele já experimentou. A palavra ficou presa
em sua garganta e apertou-lhe o peito, mas ele não se intimidou.
Amor, ele a amava. Meu Deus, ele provavelmente seria mandado
para o inferno se é que já não houvesse uma cadeira com seu
nome, mas ele iria tê-la. Ele se casaria com ela e a levaria para
casa de Tregothnan, e passaria o resto de seus dias certificando-se
de que ela nunca tivesse motivos para lamentar a decisão.
Entretanto, talvez ela se arrependesse em vinte anos ou mais,
quando tivesse apenas quarenta e ele quase sessenta. Ele fez uma
careta e balançou a cabeça. Isso era um problema para o futuro e
ele havia se tornado egoísta o suficiente para ignorá-lo. Talvez,
então, ela já tivesse se cansado dele e arrumado um amante... Sua
mente se afastou o pensamento. Ela o queria neste momento, e
agora era tudo o que ele podia considerar.
O som suave da porta se abrindo chamou sua atenção, mas
manteve as costas viradas, tentando acalmar a confusão de suas
emoções. Ele não queria que ela visse que sentia uma necessidade
desesperada por ela. Ela merecia um amante sofisticado e talentoso
que acreditava que ele fosse, não um tolo perdido de amor que
queria cair de joelhos e fazê-la prometer sempre amá-lo, mesmo
quando ele ficasse velho e grisalho. Mas quando ele finalmente se
sentiu composto o suficiente para se virar para ela, qualquer indício
de calma foi arrancado dele na hora entre um batimento cardíaco e
outro.
Ela havia tirado os grampos que prendiam o cabelo no lugar, e
ele caía em cascata pelos ombros. O cabelo possuía um brilho
dourado profundo e louro-claro brilhante que o lembrava um milho
maduro, e caía em cachos pesados, quase que, mas não cobrindo
totalmente os seios; e mal conseguia manter seu olhar excitado
longe deles. Ela estava usando uma camisola translúcida, cujo
material era praticamente transparente e bastante revelador. Um
delicado triângulo de ouro mais escuro era claramente discernível
na junção de suas coxas, assim como o leve rubor de seus mamilos,
espreitando tentadoramente por baixo de seu cabelo. Ele prendeu a
respiração, incapaz de dizer uma palavra.
Ela sorriu para ele, parecendo repentinamente insegura de si
mesma, um rubor em suas bochechas que o lembrou fortemente do
fato de que ela realmente era inocente. Independentemente do que
ela tenha visto ou o conhecimento explícito que ela acreditava ter,
em termos de suas próprias experiências, ela era pura e imaculada,
e ele sentiu o peso dessa responsabilidade. Apesar de querê-la e de
seu corpo gritar para tomá-la, ele iria garantir que esse momento
fosse tudo o que ela queria que fosse. Houve um momento em que
ele reconheceu que, se fosse realmente um cavalheiro, se casaria
com ela primeiro. Mas ele simplesmente não era um homem bom o
suficiente para isso e não tinha forças para mandá-la embora.
— Diga alguma coisa — disse ela, cobrindo o peito com os
braços e parecendo cada vez mais incerta enquanto seu silêncio
atordoado continuava.
— Palavras me faltam, ma mie — disse ele, com um sorriso
triste. — Você as roubou. — Ele moveu-se em sua direção,
diminuindo a distância entre eles, lentamente. Ao ficar na frente
dela, percebeu que ela estava tremendo e o fato fez com que uma
intensa explosão de dor brotasse em seu peito. Ele respirou fundo e
estendeu a mão, acariciando sua bochecha. — Gostaria de ter as
palavras certas para você, Céleste. Se eu tivesse, falaria lindamente
dos oceanos e do azul dos seus olhos, compararia você a alguma
divindade antiga que roubou o coração dos mortais com um único
olhar, mas nunca tive esse tipo de dom. Eu não sou poeta, mas...
nunca senti um desejo como esse.
Ela olhou para ele, e a confiança e o amor em seus olhos quase
o dominaram. — Eu não prreciso de palavrras bonitas, Alex. Eu
nunca prrecisei. Eu só querro você.
Ela estendeu a mão e passou os braços em volta de seu
pescoço enquanto ele a aproximava dele com uma mão ainda
embalando sua cabeça e baixava a boca em direção à sua.
Infinitamente terno, ele a beijou com adoração e toques lentos e
sedutores, aprofundando o beijo aos poucos, roçando a língua em
seus lábios, procurando entrar. Ela respondeu com entusiasmo,
imitando seus movimentos lentos enquanto seu beijo queimava com
intensidade, esmagando seu corpo macio contra o dele. Ela gemeu
em sua boca e ele devorou o som, agarrando seus próprios desejos
com desespero enquanto ela se movia inquieta em seus braços.
— Calma — murmurou ele, afastando-se e roçando seus lábios
contra sua bochecha, dando beijos suaves ao longo de sua
mandíbula e sua testa. — Não tenha pressa, mignonne, eu vou
cuidar de você.
— Oh, mas, Alex — disse ela, com a voz ofegante enquanto
agarrava seu pescoço. — E-eu preciso... Eu quero...
— Eu sei — disse ele, tentando, desesperadamente, se
controlar. — Eu sei o que você precisa. Confie em mim, amor. — Ele
buscou seu seio, acariciando-o através do material transparente
enquanto sua outra mão descia para segurar a deliciosa curva de
seu traseiro, puxando-a contra ele e insinuando uma perna entre as
suas. Ela ofegou quando a pressão de sua coxa dura lhe trouxe o
alívio que ela procurava e agarrou-se a ele, movendo-se e buscando
seu próprio prazer. — Oh, meu Deus, Céleste — murmurou ele,
perguntando-se como diabos ele iria manter o controle da situação
quando ela era a tentação encarnada.
Ela estava destruindo seu autocontrole e seu corpo estava
oprimido, como uma mola enrolada. A qualquer momento a tensão
se tornaria muito grande e ele iria explodir. Ele procurou os laços
que prendiam a roupa frágil, vagamente consciente de que não era
sua intenção que isso acontecesse em seu escritório; ele tinha
planejado levá-la para cima, mas agora... mas agora... Ele nunca
havia sido tão consumido por uma mulher, a ponto de não existir
mais nada além deles. A maldita casa poderia queimar ao redor
deles, e eles seriam consumidos pelas chamas sem que
percebesse. A camisola caiu com um sussurro abafado do material
e ele olhou para ela, seu prêmio, seu amor, a fonte de tantas noites
sem dormir.
— Tão linda — murmurou ele, esperando que ela pudesse ouvir
a reverência em sua voz. — Perfeita — acrescentou ele, abaixando
a cabeça para acariciar um mamilo doce e rosado com a língua. Ela
afundou os dedos em seu cabelo, proferindo sons suaves e
ofegantes enquanto puxava sua cabeça para mais perto. Ele
provocava e torturava o pico com os lábios e a língua, e o ocasional
roçar delicado dos dentes, deleitando-se com os pequenos suspiros
e exclamações que ela fazia enquanto ele se movia de um seio para
o outro, saboreando ambos com igual cuidado.
Ele voltou para sua boca, mergulhando na umidade sedosa com
beijos mais profundos, ferozes e penetrantes. Ela respondeu com
abandono, entregando-se inteiramente a essa nova experiência,
confiando nele completa e obviamente à mercê de seu próprio
corpo. Ele sabia que ela ainda não tinha ideia do que fazer com uma
cacofonia tão avassaladora de sensações e procurou tranquilizá-la,
acalmá-la, mas ela era como mercúrio em seus braços,
desesperada e quente de necessidade. Alex deslizou uma mão
sobre a curva exuberante de sua cintura e quadril, atravessando seu
estômago e descendo mais embaixo enquanto procurava o pequeno
tufo de cachos, separando sua carne tenra com cuidado e
segurando-a com força enquanto ela estremecia em seus braços.
Ele se afastou do beijo e ficou observando, a boca dela se
abrindo em um pequeno 'O' de surpresa quando ele descobriu o
bico sedoso e acariciou apenas uma fração mais alto. Acariciando
com toques leves como plumas, ela soltou um gritinho ofegante e
seus olhos se fecharam enquanto se submetia ao toque dele, com a
cabeça inclinada para trás.
Oh, Deus, ele não iria aguentar. Seu corpo estava mais duro do
que nunca, pulsando com uma necessidade que beirava à dor mais
intensa. Ele permitiu que sua cabeça caísse, enchendo sua
garganta de beijos quentes, procurando sua boca e beijando-a
novamente enquanto ela suspirava e se movia com impaciência por
mais, mais rápido. Ela estava correndo em direção ao pico sem
ainda entender que ele precisava conduzi-la em uma viagem lenta
para um destino mais alto. Seu desejo era evidente e ele respirou
fundo quando seus dedos mergulharam um pouco mais,
encontrando-a encharcada e dilatada. Com mais ternura e paciência
do que sabia que possuía, ele brincou com a abertura escorregadia,
deslizando cuidadosamente um dedo para dentro e acariciando. Sua
respiração tornou-se cada vez mais rápida e ela agarrou suas
roupas, sua pele ruborizada enquanto ele dava-lhe prazer com
carícias lentas e seguras.
— É isso mesmo, mignonne — sussurrou ele em seu ouvido. —
É isso mesmo. — Ele murmurou para ela palavras carinhosas e
doces que ele nunca teria acreditado que poderiam passar por seus
lábios enquanto ela tremia e gemia.
— E-eu não consigo mais ficar de pé... — gritou ela, estendendo
a mão para pendurar os braços em volta de seu pescoço.
Com uma risada baixa de diversão, ele a pegou em seus
braços, carregando-a até uma poltrona perto da lareira. Ajeitando-a,
ela desabou, respirando com dificuldade e olhando para ele com
olhos azuis ansiosos.
— Oh, mas não pare — reclamou ela, estendendo a mão e
puxando a camisa dele. — Eu não querro que você parre.
— Eu nem sonharia com isso — disse ele, sorrindo para ela e
ficando de joelhos. — Mas talvez você devesse recuperar seu
fôlego.
Ela fez uma careta para ele, seu doce rosto cheio de
consternação. — Você está rindo de mim? — indagou ela, com
suspeita.
— Não — assegurou-a, pegando sua mão e beijando a palma.
— Eu nunca faria uma coisa tão tola.
— M-mas...
— Calma, mignonne — disse ele, acalmando-a antes que ela
pudesse começar. — Vou te dar o que você quer, mas não precisa
ter tanta pressa. Prometo que você não vai perder nada.
Ele levou um tempo para tirar o paletó e o colete, deixando-os
em uma pilha amassada no chão. Com cuidado, ele a ajeitou na
poltrona, puxando seus quadris para mais perto da beirada e sua
boca em um beijo profundo e penetrante. Ela entrelaçou os braços
ao redor de seu pescoço, os dedos em seu cabelo, acariciando e
puxando levemente enquanto as mãos dele seguravam e
acariciavam a generosa curva de seus seios. Sua boca desceu mais
uma vez, querendo cobrir cada centímetro de pele. Cada parte dela
merecia igual devoção e ele estava mais do que feliz em venerá-la
com fidelidade servil.
Ela contorceu-se debaixo dele quando ele mergulhou a língua
na concavidade de seu umbigo, rindo e ofegando, fazendo-o sorrir
contra sua pele. O som de sua risada, a proximidade e a confiança
exigidas por um momento tão suave e íntimo entre eles fizeram algo
florescer em seu peito, um sentimento de que aquilo era tão certo
que indagou-se como poderia ter pensado em vê-la se casando com
outro. Era insanidade, uma ideia tão completamente estranha para
ele agora que não acreditava ter sequer pensado nisso por um
momento, muito menos ter ido tão longe a ponto de torná-la
realidade. Que maldito tolo ele tinha sido. Ela ficou imóvel, no
entanto, quando ele desceu mais devagar, separando suas coxas, a
respiração dela falhou, tomando cuidado para não arranhar sua pele
delicada com o leve pinicar de sua barba por fazer.
Ele pressionou um beijo na carne sedosa que corria ao lado do
pequeno e denso ninho de cachos dourados.
— É isso que você quer, ma mie? — perguntou ele, sussurrando
as palavras contra sua carne inchada, sorrindo enquanto um arrepio
a percorria e a fazia tremer por ele.
— Oui, Alex, por favor, s'il te plaît — suplicou-lhe,
completamente sem fôlego.
Muito feliz em obedecer, ele procurou o lugar onde ela precisava
dele com uma carícia gentil de sua língua, recompensado quando
seus quadris se levantaram da cadeira e ele foi forçado a mantê-la
quieta. Ele agarrou seus quadris firmemente com ambas as mãos,
usando os cotovelos para manter suas pernas abertas enquanto ela
se mexia e contorcia, dominada pela sensação.
— Alex, Alex — murmurou ela seu nome, meio que implorando,
meio que exigindo, inquieta e insegura do que estava procurando
quando ele a trouxe para mais perto.
— Calma — disse ele, gentilmente, parando para deixar uma
trilha de beijos ao longo de sua coxa. — Você sabe para onde ir,
amor, eu sei que você sabe. Você encontrou seu prazer sozinha
quando dormiu ao meu lado em Allaire.
Ela arquejou e cobriu o rosto quando percebeu que ele sabia o
tempo todo. — Mon Dieu! — gritou ela. — Você estava acordado!
— Sim, ma mie, eu estava acordado, e em tamanha agonia que
você não pode compreender.
— Oh, estou tão envergonhada — murmurou ela, por trás de
suas mãos.
— Amor, não tem motivo para ficar, considerando a minha
posição atual — respondeu ele, reprimindo a vontade de rir por
medo de ofendê-la. — Mas, apesar disso, a questão é que você
sabe para onde estou levando-a, então pare de pensar. Vamos
chegar lá juntos, você e eu. — Ele beijou seus cachos, sorrindo-lhe
enquanto ela ousava olhá-lo por entre os dedos.
Com um sorriso diabólico, ele encarou-a e abaixou a boca mais
uma vez, lambendo-a. Ela se arqueou sob ele emitindo um som que
fez seu corpo se contrair em resposta e temer que não passaria
pelos momentos seguintes sem perder o controle. Com cada grama
de determinação, ele lutou para manter seu foco nela, colocando
seus próprios desejos de lado enquanto se entregava à sua
completa satisfação. Concentrando-se na fonte de seu prazer,
lambeu, suave e firmemente, aumentando a tensão em seu corpo
até que ela estivesse contraída, suspensa na beirada de um
precipício que ela apenas vislumbrara anteriormente. E, então, ela
caiu, em um prazer tão profundo que o som dela o fez gemer contra
sua carne escaldante. Ele permaneceu com ela, aliviando-a em seu
auge e transmitindo um sutil e suave contentamento, já que o prazer
continuava a ondular através dela, fazendo-a tremer sob sua boca.
Ele recostou-se e verificou os resultados de seu esforço com
satisfação. Deitada na poltrona de veludo verde-escura, ela estava
corada, sua pele de porcelana rosada com os excessos de prazer, e
seus olhos escuros e nebulosos. Ela suspirou, seus lindos membros
dispostos em uma postura de total abandono. Uma criatura de
prazer e sensualidade, ela o lembrou de contos de súcubo. Aquelas
criaturas femininas que se alimentavam da luxúria e do sexo com
homens, pois ela parecia completamente saciada e satisfeita,
alongando-se de um jeito suntuoso como um gato mimado.
Ele deslocou-se para frente, inclinando-se sobre a poltrona e
chupando seu seio, saboreando seu profundo gemido de
contentamento.
— Acredito que satisfiz suas expectativas, meu bem —
murmurou ele, enquanto suas mãos se moviam inquietas sobre sua
pele quente, ansioso por seu próprio prazer agora, tendo há muito
perdido a paciência.
Ele foi respondido com um longo e sincero suspiro. — E-eu. —
Ela começou e depois simplesmente desistiu e sorriu para ele. —
Oui — disse ela, e então puxou sua cabeça para baixo, beijando sua
boca, nariz e olhos, cobrindo seu rosto com pequenos beijos
quentes e pontuando cada um com um ofegante: — Oui, oui, oui.
Ele a puxou contra ele, segurando-a ferozmente. — Oh, ma mie,
nunca na minha vida desejei tanto alguém como desejo você.
Preciso estar dentro de você ou tenho medo de enlouquecer.
— Sou sua, Alex, sempre fui. Você só precisava me guiar. — Ela
olhou para ele e algo em seus olhos o incomodou.
— O que foi? — perguntou ele. — Por que você está com essa
cara?
Ela piscou e sorriu, e seus olhos expressavam muita animação.
— Com cara de quê, Alex? Só estou extrremamente feliz por estar
com você assim. Nada mais importa, apenas... — Ela hesitou e ele
franziu a testa, segurando seu rosto com as mãos. Ele não queria
ver aquela ansiedade e preocupação ali. Com o que ela estava
preocupada?
— Mas? — pressionou ele, precisando tranquilizá-la de que,
fosse o que fosse, ele consertaria.
— Mas... — repetiu ela. Respirou fundo, como se estivesse
tentando reunir coragem para continuar, e disse: — Mas será que eu
preciso mesmo ser uma entre tantas? E-eu sei que você tem muitas
amantes, mas... mas eu poderia ser a única. S'il te plaît? —
sussurrou ela, olhando-o como se estivesse fazendo uma exigência
pouco razoável. — Eu não acho que poderia suportar se tivesse que
compartilhar você.
Capítulo 29
“No qual os sonhos e a realidade entram em confronto e nossa
heroína escolhe um dos dois.”

Ele a encarou em absoluto choque, desnorteado e sem


compreender. Ela acreditava que ele queria tê-la como sua amante?
E não só isso, mas que ela seria uma entre muitas? Seu coração
martelava em seu peito enquanto lutava para organizar seus
pensamentos. Depois de tudo que fez para mantê-la segura, para
lhe dar uma chance de uma vida melhor, ela jogaria tudo fora para
ser... sua amante? Ele se recostou, longe dela e passou uma mão
trêmula pelo cabelo, dividido entre a fúria e o choque. Alex mal
podia acreditar que ela se valorizasse tão pouco, depois de ter
lutado para manter sua honra intacta por tanto tempo e em
circunstâncias tão terríveis. O conhecimento de que ela o amava o
suficiente para lhe dar tudo, exigindo tão pouco em troca, fez seu
coração doer. Ele transbordava com tanto amor e gratidão que
sentiu que iria explodir e, ainda assim, maldição! Por que ela não via
que era ele quem deveria estar rastejando a seus pés? Que era ele
quem deveria estar implorando por migalhas de sua mesa.
— Alex — disse ela, com a voz trêmula. — Por favor... não fique
bravo comigo.
— Bravo — repetiu ele, atordoado. — Bravo? — Ele balançou a
cabeça. Controle-se, homem. Mas antes que pudesse formular uma
resposta, uma batida desesperada soou na porta da frente.
Ambos arquejaram, chocados com o som, tão tarde da noite, e
com a fúria das batidas, como se alguém quisesse arrombar a porta.
Alex levantou-se rapidamente. Toda a maldita casa seria
acordada e estranharia se isso continuasse, e com Céleste nua em
seu escritório...
— Fique aí — ordenou ele, com a voz um pouco mais ríspida do
que pretendia, mas, maldição, o mundo estava determinado a levá-
lo à loucura esta noite.
Ele saiu correndo do cômodo, fechando a porta com firmeza
atrás de si e foi descobrir que tipo de insanidade o esperava atrás
da porta da frente. Embora esse tipo de visita, em uma hora tão
tardia, nunca fosse um bom presságio.
Ele escancarou a porta com fúria e parou, surpreso, ao ver a
figura trêmula de sua amante no degrau da porta.
— Alex — disse ela, seus grandes olhos castanhos cheios de
lágrimas. — Perdoe-me, eu precisava vê-lo.
— Lydia! — respondeu ele, em choque. — Que diabos? — Ele
agarrou seu braço e puxou-a para dentro de casa. Por mais que ele
não quisesse tê-la aqui, pior seria descobrirem-na em sua porta a
esta hora, causando uma cena. Com um olhar ansioso para se
certificar de que a porta do escritório ainda estava fechada, ele a
conduziu rapidamente para a sala de estar, fechando também essa
porta. — De que se trata isso? Aconteceu alguma coisa?
Para sua surpresa, ela se jogou sobre ele, chorando
copiosamente. Como a maioria dos homens, Alex não gostava de
mulheres chorando por ele, elas deveriam ser evitadas a todo custo
e, ainda assim, ele não era um monstro. Se a mulher estivesse com
problemas, ele a ajudaria se pudesse.
— O que foi? — perguntou ele, tendo dificuldade de manter seu
tom de voz gentil e paciente, já que, nas últimas horas, suas
emoções estavam à flor da pele.
— Eu não posso ficar sem você, Alex. — Ela chorou, enterrando
o rosto em seu peito. — Eu não vou, não vou conseguir aguentar.
Alex franziu a testa. Isso não era nada típico de Lydia. Ela
nunca, em todo o tempo que passaram juntos, professou nada além
de apreço por sua riqueza e suas habilidades no quarto. Foi por isso
que o relacionamento durou tanto tempo. Ela nunca foi inclinada ao
ciúme, a menos que suspeitasse que uma de suas outras amantes
tinha um controle mais forte sobre seu dinheiro. Seu coração nunca
foi algo que ela buscou. Ele a segurou pelos pulsos e empurrou-a
para longe dele. Algo li não soava verdadeiro.
— Você pareceu pouco comovida quando expliquei-lhe a
situação, anteriormente — disse ele, mantendo seu tom neutro. —
Na verdade, ouvi rumores de que minha posição já estava
preenchida.
Ela fez beicinho e puxou os pulsos, forçando-o a soltá-la ou
deixar hematomas em sua pele.
— Oh — disse ela, colocando as mãos no peito de uma forma
excessivamente dramática. — Uma mulher tem que encontrar seu
lugar no mundo, milorde. Quem mais pagará minhas contas? —
lamentou-se ela, alto o suficiente para ser ouvida lá em cima. —
Mas só você está em meu coração. Por favor, querido, diga que
você não vai desistir de mim. Volte para mim e deixe ser como
antes.
— Fale baixo, maldição — disse ele, afastando-se dela. Nada
sobre isso fazia o menor sentido para ele. — Deixei-a com dinheiro
suficiente para mantê-la financeiramente estável por um tempo
considerável, com ou sem quaisquer outras contribuições.
Ela deu de ombros, e o olhar suave em seus olhos não era nada
convincente. — Eu te disse, Alex, não é o dinheiro. Eu te amo.
Ele olhou para ela, encarando aqueles olhos escuros, e soube
que ela estava mentindo. Antes que pudesse acusá-la ou tentar
compreender sua motivação, ela passou por ele e abriu a porta, indo
para o corredor.
— Oh, Alex, sim, estou tão aliviada que nada mudará se você
arranjar outra amante! — gabou-se ela, com seus olhos brilhando
com malícia e as palavras altas e muito claras. — Eu estava
preocupada que uma de nós iria embora com a chegada de sua
nova belezinha. Mas agora eu sei que você vai ficar com todas nós,
para recompensá-lo, vou providenciar para que suas outras damas
venham quando você vier me visitar amanhã à noite. — Alex sentiu
seu peito apertar de horror enquanto ela se afastava, com diversão
em seus olhos. — Como antes, lembra? Você gostava disso, não é?
Todas nós juntas em busca de seu prazer? — Com horror, ele
correu até ela e agarrou seu braço, enojado ao perceber o que ela
estava fazendo.
— Cale a boca, sua vadia! — xingou ele, arrastando-a para a
porta da frente. — Eu sei quem fez isso, e por quê, caramba.
Sindalton mandou você fazer isso, não foi? Ele é seu novo amante,
e pagou para você vir e causar problemas para mim.
— Coloque-me do lado de fora daquela porta e você saberá o
que é problema — disse ela, com a voz baixa e rancorosa. — E,
sim, foi o duque, e eu fico muito feliz em obedecer. Como ousa me
trocar por aquela qualquer! Dizem que você a encontrou na sarjeta.
Alex levantou a mão, nunca em sua vida quis bater em uma
mulher, mas neste momento foi preciso muita força de vontade para
se afastar dela. Ele tentou ordenar seus pensamentos. Não havia
como ela saber as circunstâncias em que havia encontrado Céleste.
Ela estava apenas jogando verde, para ver o que colhia. Ele olhou
para cima e, para seu horror, viu Lawrence, Henri e suas tias
parados no patamar do andar de cima, com os rostos em choque.
— O que você quer? — exigiu ele, virando as costas para eles.
— Dê o seu preço e depois saia da minha casa.
Ela olhou para ele, seu lindo rosto insuportavelmente plácido. —
Mais cinco mil libras — disse ela, olhando para os rostos no patamar
enquanto Lawrence tentava conduzir as mulheres de volta para
seus quartos.
Ele cerrou os dentes. — E, se não fizer isso, suponho que irá
espalhar seu veneno aos sete ventos sobre uma garota inocente
que não fez nada para você.
— Ah, mas ela fez algo para mim — disse ela, com um beicinho.
— Ela levou você embora, mas sim, é claro que você está certo.
Alex a xingou e cerrou os dentes, a cadela faminta por dinheiro.
— Muito bem. Você o terá amanhã cedo, mas ouça bem, assim que
estiver em suas mãos imundas, será o fim. Tente isso de novo e eu
vou destrui-la de uma forma que não pode imaginar, e não pense
que pode me vencer nisso, madame. A palavra de um conde
sempre pesará mais do que a de uma prostituta, não importa sua
reputação.
Ela riu, soando despreocupada e entretida, mas ele podia ver
que suas palavras a atingiram, pela fúria em seus olhos.
— Como quiser, meu amor, mas haverá dois outros pequenos
serviços antes que esse assunto seja... enterrado. — Ela se
aproximou dele, e ele deu um passo para trás. Ela riu novamente. —
Ah, mas, Alex, tudo que eu quero é um beijo de despedida.
Ele olhou-a com repugnância, a ideia de tocá-la agora fazia seu
estômago revirar.
— Eu não tocaria em você nem que estivesse pintada de ouro,
madame — respondeu ele, investindo em suas palavras cada grama
de veneno que pôde coletar, o que pelo olhar em seu rosto foi
suficiente. Ele não precisava realmente agredi-la.
— Faça isso, e eu vou arruiná-la — retrucou ela — Eu não vou
parar até que todos saibam que ela é uma prostituta. Ela nunca
mais poderá mostrar o rosto.
Ele a agarrou pelo braço, segurando com força suficiente para
deixar uma marca. — Por quê? — indagou ele. — Sindalton pediu
isso também?
— Oh, não — disse ela, com a voz baixa e sedutora, mais uma
vez. — Será um trabalho inteiramente meu. Ele apenas queria
demonstrar para a garotinha que tipo de homem você realmente era
para abrir caminho para ele, todo o resto é obra minha, minha
vingança pela maneira como você abandonou, como se estivesse
farto de mim.
— Abandonei — rosnou ele, furioso além de sua compreensão,
e querendo nada mais do que estrangular a maldita mulher. — Você
nunca teve nenhum desejo além de reivindicar meu dinheiro e eu
lhe dei mais do que o suficiente para mostrar minha gratidão. Você
não receberá mais nada.
Ela deu de ombros e sorriu para ele. — Muito bem, então, vou
despedaçar a reputação dela como um gato brincando com um rato,
só um pouco de cada vez, até que ela seja destruída, mesmo que
você me destrua de volta.
— Muito bem — disse ele, guiando-a de volta para a sala de
estar. — Faça do seu jeito.
— Ah, não — sibilou ela, teimosamente. — Bem aqui e agora,
ou nada de acordo.
Com a fúria fervilhando em suas veias, ele a agarrou e
pressionou sua boca contra a dela, estremecendo quando os braços
dela o envolveram e ela pressionou seu corpo contra o dele. Ele se
rendeu quando ela forçou a língua em sua boca e, então, empurrou-
a para longe dele com desgosto, cuspindo seu gosto podre no chão.
— Agora, saia — ele disse, com a voz perigosamente baixa.
— Não, acho que não —disse ela, suavemente, como se nada
tivesse acontecido entre eles. — A última coisa que você fará por
mim é mandar buscar sua carruagem e me escoltar para casa.
Mandei que a minha me deixasse na esquina para evitar o
escândalo de vê-lo fora de sua porta a esta hora, presumindo que
você gostaria de jogar limpo. Eu sabia que você o faria. Se fizer
isso, nunca mais ouvirá falar de mim e deixarei sua linda comtesse
em paz para sempre.
— Sua palavra, madame — disse ele, perguntando-se quando
esse maldito pesadelo terminaria.
Ela assentiu e estendeu a mão. — Você tem minha palavra,
Alex.
— Não me chame assim — disse ele, recusando-se até mesmo
a tocar em sua mão. — Você irá se dirigir a mim como milorde.
Ela fez uma profunda reverência, com os olhos cheios de
zombaria. — Muito bem, milorde.
Ele se virou e viu que os criados haviam saído para ver o que
era a comoção. — Vão para a cama, todos vocês — sibilou ele,
fazendo todos correrem, mas apontou para um dos homens. —
Você não. Traga a carruagem, imediatamente. — Ele voltou-se para
Lydia. — Você vai esperar na sala de estar — instruiu ele, antes de
vociferar para um dos lacaios buscar seu casaco.
Ele olhou para a porta do escritório com angústia em seu
coração. Ele precisava desesperadamente ver Céleste, explicar o
que havia acontecido e que nunca mais iria querer ou precisar de
uma amante uma vez que ela fosse sua esposa. Mas ele não
ousava. Havia muitas pessoas acordadas e ele não queria arriscar
chamar a atenção para ela enquanto aquela vadia ainda estava na
casa.
Conformando-se com o inevitável, escoltou a senhora Morris até
a carruagem e acompanhou-a até sua casa.
***
Céleste estremeceu e apertou a jaqueta de Alex mais em torno
de si. Ela ainda podia sentir o cheiro dele, remanescente no fino
tecido de lã. Era uma mistura sutil de colônia cara, e algo indefinível,
mas inquestionavelmente masculino, e puramente ele. Ela respirou
fundo, permitindo que a tristeza tomasse conta dela. Em toda a sua
vida, nunca havia se sentido tão infeliz quanto este momento. Até
mesmo quando o bastardo Pelletier a sequestrou, estava tão
consumida pelo medo e raiva de sua situação para sentir uma
sensação tão profunda de perda. Será que ela realmente esperava
demais? Ela tinha aceitado que nunca seria esposa dele. Afinal de
contas, uma condessa estrangeira sem um tostão dificilmente seria
um excelente casamento para o rico conde de Falmouth. Mas ela
esperava que ele tivesse consideração suficiente por ela para ser
sua única amante, pelo menos por um tempo. Mas a senhora Morris
havia acabado com esse sonho.
Tinha sido difícil entender muito do que foi dito. A porta do
escritório era grossa e pesada, e o som mal entrava. Mas ela ouviu
a mulher rindo, aliviada porque a adição de outra amante não
significava que ela estava desempregada, e prometendo convidar as
outras mulheres para se juntarem a ela para entreter Alex na noite
seguinte. O estômago de Céleste revirou. É isso que ele esperava?
Além de ela ter que compartilhá-lo com suas outras amantes, elas o
compartilhariam na mesma cama?
Ela piscou, tentando conter as lágrimas quentes de humilhação.
Ela ouvira palavras murmuradas depois daquela frase alegre e tinha
sido consumida pelo ciúme. Totalmente incapaz de resistir, havia
aberto a porta, apenas uma fração, e visto Alex e a beleza de
cabelos escuros entrelaçados em um beijo apaixonado. Não
conseguindo suportar mais, fechou a porta rapidamente e apoiou-se
nela até que seus joelhos cederam, colapsando ao chão, onde
permaneceu.
Era demais para suportar, o conhecimento de que não era nada
mais para ele do que um caso agradável. Ela precisaria unir forças
com outras mulheres para manter até mesmo aquela pequena
quantidade de atenção dele. Bem, ela teria desistido de sua honra
por ele, e apenas por ele, porque amava-o, desesperadamente. Mas
ela não era tão carente de orgulho que pudesse suportar isso. Mas,
e agora? Sindalton a visitaria amanhã e ela estava quase certa de
que ele a pediria em casamento, mais cedo ou mais tarde. Havia
rumores que sua família estava pressionando-o para que se
casasse antes do fim do ano. Mas se ela se casasse com o duque,
estaria fadada a habitar o mesmo mundo que Alex. Eles
inevitavelmente se encontrariam nos mesmos eventos, e ela teria
que aguentar fofocas sobre qualquer amante que ele tivesse ficado
em seguida, e ela não achava que poderia suportar isso pelo preço
que fosse.
Ouvindo sons na frente da casa, esgueirou-se até as janelas e
espiou por uma pequena fresta nas cortinas. Com o coração partido,
observou Alex descer os degraus e entrar na carruagem atrás de
sua bela amante, e agora sabia qual era sua posição na ordem de
suas afeições. O fato de ele tê-la deixado assim, nua e sozinha em
seu escritório, para escoltar outra mulher para casa...
Com um sentimento frio e entorpecido tomando conta dela,
descobriu que nunca poderia aceitar tão pouco dele. Ela não
poderia se casar com outro, mas não seria uma prostituta, nem
mesmo por ele. Ela precisava ir embora. Para algum lugar onde
ninguém a encontraria. Pelo menos por um tempo, até que seu
coração partido aguentasse voltar para as pessoas que se tornaram
tão queridas para ela. Ela se perguntou se as tias algum dia a
perdoariam? Elas, Henri, Lawrence, a doce bebê Elizabeth e seu
querido Aubrey haviam se tornado sua família, e a perda deles era
um duro golpe. Mas todos foram enganados, pois até Henri
acreditava que ele a amava com todo o seu coração. Ele realmente
estava tentando ser gentil com ela todo esse tempo, tentando fazê-
la entender que ela nunca poderia ser nada além de uma breve
diversão para ele, e ela tinha sido tola demais para considerar seu
alerta.
Mas ir embora e nunca mais vê-lo... A dor disso era tão grande
que mal conseguia respirar. Uma facada em seu coração
certamente doeria menos do que isso e, ainda assim, pelo menos
seria rápida e, portanto, gentil. Essa dor duraria o resto de seus
dias.
Mas ela já havia sofrido perdas antes, ela raciocinou. Quando
papa morreu, ela achou sua perda insuportável, e então mama tirou
a própria vida, e Marie finalmente a deixou sozinha. A cada perda,
ela pensou que morreria de tristeza e, ainda assim, ela sobreviveu.
Agarrando-se à vida com uma firme determinação de resistir, apesar
da tristeza de suas circunstâncias. Bem, desta vez, ela sairia
preparada. Ela não passaria fome novamente, nem se colocaria nas
mãos dos homens. Os homens não eram confiáveis. Se alguém em
quem ela depositou sua fé tão inteiramente pudesse decepcioná-la
dessa maneira, então não havia esperança para eles. Ela nunca
confiaria em outro homem enquanto vivesse.
Enxugando os olhos, Céleste forçou-se a ficar de pé,
raciocinando que a casa voltaria a ficar silenciosa em breve. Ela
correu para a mesa de Alex e pegou a caixa trancada onde sabia
que ele guardava uma quantia em dinheiro, tendo visto-o
entregando dinheiro ao mordomo no início do dia. Ela também sabia
que a chave estava em seu colete. Céleste correu para procurar no
artigo descartado no minúsculo bolso interno e roubou a chave.
Abrindo a caixa, ela pegou todas as notas, contando a grande soma
de quinhentas libras. Isso teria que ser suficiente, certamente era
mais dinheiro do que ela jamais poderia ter sonhado antes de
conhecer Alex. Fechando a caixa e devolvendo a chave ao pesado
colete de seda, ela levou um tempo para dobrá-lo com cuidado e
tirar a jaqueta de seus ombros. Tremendo com a perda, segurou-o
contra o nariz e inalou, imprimindo o cheiro em suas memórias,
sabendo que seria tudo o que lhe restaria.
Não demorou muito para arrumar suas coisas. Não havia
sentido em tentar carregar seus lindos vestidos com ela, e não teria
mais utilidade para tal refinamento. Em vez disso, embalou alguns
de seus vestidos mais práticos, incluindo um vestido simples de
algodão que ela usava quando estava brincando com Bandit no
jardim, e coisas que a manteriam aquecida quando o tempo
mudasse. A ideia de sentir frio de novo não era algo que ela
pudesse tolerar.
Ela engoliu em seco diante da ideia de deixar Bandit para trás,
mas não achava que poderia tirar o cachorrinho de sua casa e da
vida a que ele estava acostumado, e tinha certeza de que a bebê
Elizabeth o amaria como se fosse seu, à medida que crescesse. Por
mais que tentasse conter as lágrimas, elas pareciam escorrer por
seu rosto. Ela levou consigo o medalhão que Alex lhe dera em seu
aniversário e uma série de pequenas lembranças, mas deixou as
escovas de prata que tia Seymour lhe dera e que haviam pertencido
à mãe de Alex. Escrever um bilhete para se despedir de todos foi
mais difícil. Ela não queria que eles culpassem Alex por sua partida,
mas também não queria que eles a odiassem e pensassem que ela
era ingrata por todas as gentilezas que tinham mostrado a ela.
No final, escreveu dois bilhetes curtos que esperava que
servissem. Ela os colocou sobre o travesseiro e arrumou algumas
almofadas sob as cobertas para dar a impressão de que estava
dormindo na cama, antes de dar uma última olhada ao redor do
lindo quarto que era seu desde que chegaram a Londres. Com
lágrimas agora escorrendo pelo rosto, sem controle, fechou a porta,
silenciosamente, e desceu as escadas.
Sozinha, no escuro, do lado de fora da grande residência
londrina em Mayfair, Céleste foi forçosamente lembrada de quão
pequena e insignificante ela era. Era um sentimento com o qual ela
estava familiarizada, mas pelo menos no anonimato não saberia o
que diziam sobre ela e sua partida escandalosa.
Respirando fundo, puxou o capuz de sua capa sobre a cabeça,
pegou sua bolsa e começou a caminhar em direção à cidade, onde
esperava encontrar uma carruagem para alugar. De lá ela iria pegar
uma carruagem do correio. Ela só esperava não ter perdido, já que
estava ficando tarde. Ela fez uma pausa antes de virar a esquina e
deu uma última olhada na elegante fachada da casa de Alex e,
então, foi embora.
Capítulo 30
“No qual os corações são partidos.”

Quando Alex voltou para casa, estava exausto. A fúria por lidar
com uma mulher que sempre admirou o deixou esgotado e com os
nervos em frangalhos. A criatura vil provou ser vingativa e rancorosa
e, além do tumulto de emoções que haviam golpeado seu coração e
seu corpo no início da noite, estava abalado e cansado. Ele entrou
em casa com uma inquietação silenciosa e foi direto para o
escritório, esperando tolamente que Céleste o estivesse esperando.
Claro que ela não teria feito isso. Se alguém a tivesse descoberto,
ela teria ficado mortificada. Mas agora ele encontrava-se em um
dilema.
Ele estava desesperado para vê-la, para explicar por que Lydia
tinha vindo até sua casa e dizer-lhe que ela estava completamente
errada. Ele não faria e nunca teve a menor intenção de mantê-la
como sua amante. Longe disso. Ele queria cair de joelhos e implorar
que ela se casasse com ele. Suplicar-lhe que ignorasse todo o
escândalo, que resistisse aos boatos que sempre a perseguiriam,
que corresse o risco de se casar com um homem que um dia
poderia ser velho e monótono demais para interessá-la, e fazê-lo o
homem mais feliz do mundo. Pois ele sabia agora que sem ela
nunca mais saberia o que aquela emoção significava.
Ele hesitou fora de sua porta e deu uma batida suave.
— Céleste? — Ele esperou com o coração batendo forte no
peito e, então, bateu mais uma vez. Para sua frustração, não houve
resposta. Provavelmente ela estava dormindo agora, ele imaginou,
pelo menos esperava que fosse isso e não que ela estivesse
zangada com ele. A maldita Morris tinha feito uma cena infernal e
ele precisava explicar tudo para ela. Mas teria que esperar até de
manhã. Ele suspirou e depois sorriu quando uma ideia lhe ocorreu.
Alex escreveu uma breve missiva para seu mordomo, instruindo-
o que, ao se levantar, deveria ir imediatamente ao proprietário do
Rundell and Bridge, o joalheiro em Thirty-Two Ludgate Hill e instruí-
lo que o conde de Falmouth faria uma visita às sete da manhã em
ponto. O mordomo também deveria deixar claro que o senhor
Rundell seria bem compensado pela hora inconveniente de sua
visita. Satisfeito por ter algo para aplacar Céleste, foi para a cama.
Ansiedade e mal-estar ainda permaneciam em seu coração, e rezou
para que sua oferta não encontrasse objeções, uma vez que ela
entendesse que suas intenções eram tão honrosas quanto ele
poderia controlar.
***
A elegante fachada em estilo palladiano de Rundell e Bridge,
joalheiros da coroa, era acentuada por uma grande entrada, ladeada
por colunas jônicas. O interior, no entanto, era esparso, embora
elegante, e servia como pano de fundo simples para exibir algumas
das joias mais suntuosas e impressionantes já feitas.
O senhor Rundell cumprimentou Alex com prazer e não perdeu
tempo em apresentar-lhe o melhor de seus produtos.
— Eu quero algo com safiras — disse Alex, lançando um olhar
atento sobre as caixas forradas de seda e sua coleção de tesouros
deslumbrantes.
— Ah! — exclamou o Sr. Rundell, com ar de aprovação,
desaparecendo nos fundos da loja com um passo apressado. — Eu
tenho algo perfeito. — Ele voltou um momento depois trazendo uma
ampla caixa de couro azul-escura. — Uma peça muito elegante —
disse o homem, com entusiasmo, abrindo-a para revelar um colar
requintado, aninhado em uma caixa cor de marfim. — Você vê o
design flexível em forma de guirlanda? Ela é cravejada com onze
safiras com lapidação cushion pesando aproximadamente vinte e
oito quilates, espaçadas por elos em espiral, cravejadas com
diamantes antigos e lapidação rosa, também pesando
aproximadamente vinte e oito quilates, e emoldurada em prata e
ouro.
Alex assentiu. — Sim, senhor Rundell, concordo, é uma peça
realmente muito bela. Vou levá-la imediatamente. Você também
teria três pentes para cabelo e uma pulseira com o mesmo modelo,
por favor. Eu gostaria que fossem entregues a mim o mais cedo
possível.
— É claro, milorde! Felicito-lhe pelo bom gosto. Tenho certeza
de que a destinatária de seu presente ficará bastante emocionada.
Alex sorriu e tocou com o dedo na pedra brilhante que o
lembrava fortemente de um par de grandes olhos azuis. — Assim
espero — disse ele, suavemente.
***
Voltando para casa por volta das dez e meia, Alex ficou
desapontado ao descobrir que Céleste aparentemente ainda estava
na cama, tendo deixado um bilhete para sua criada dizendo que não
deveria ser incomodada antes das onze. As onze passou. Embora
não fosse incomum ela dormir até tarde depois de uma noite fora,
Alex mandou que a criada fosse perguntar se ela talvez não
estivesse se sentindo bem.
Uma sensação inquietante de mal-estar começou a deslizar sob
sua pele e formigar sua nuca. Esperava que ela não tivesse ido para
a cama num acesso de raiva pelo que acontecera na noite anterior,
embora tivesse de admitir que ela estaria no direito de ficar furiosa
com ele e com a senhora Morris. Sentado na luminosa sala de estar,
passou a mão sobre a elegante caixa azul e suspirou. Ele rezou
para pudesse convencê-la da natureza profunda e sincera de seu
pedido de desculpas e de seus sentimentos ardentes por ela.
Um grito vindo do andar de cima fez o terror correr por suas
veias e pulou da cadeira, subindo três degraus de cada vez até
parar na porta do quarto de Céleste.
— O que foi? — perguntou ele, olhando para a criada, pálida e
trêmula, e Henri segurando uma carta na mão com um olhar de
devastação.
— Ela se foi — sussurrou Henri, como se mal ousasse acreditar
em suas próprias palavras.
— O quê? — Alex sentiu uma onda de frio derramando sobre
ele como água fria quando o medo tomou conta dele. Ele
atravessou o quarto e pegou uma segunda carta endereçada a ele
que Henri estendeu-lhe com dedos trêmulos.
 
Prezado Alex,
Por favor, perdoe minha maneira de deixá-lo, mas sei que se eu
ficasse, ambos terminaríamos nossos dias infelizes. É melhor que
eu vá. Lamento ter fugido, mas parece que talvez eu seja tão jovem
e infantil quanto pensa, mas não posso ser uma entre muitas, Alex.
Eu não posso e não vou. Achei que talvez pudesse suportar se não
soubesse quem eram ou visse seus rostos. Mas ouvi a senhora
Morris falando com você ontem à noite e lamento que o
entretenimento de que ela falou sejam sofisticados demais para uma
rata do campo como eu. Não posso dividir você, e nunca de maneira
tão íntima.
Você tem e sempre terá meu coração por inteiro e, por isso,
nunca poderia pensar em me casar com outra pessoa. Por favor,
não fique com raiva de mim e dê meus cumprimentos a todos.
Sentirei falta de todos e nunca esquecerei tudo o que fizeram por
mim. Mas é claro que sentirei sua falta acima de tudo, mon
contrebandier.
Atenciosamente,
Mignonne.
PS: Receio ter tirado quinhentas libras de você, mas prometo
que pagarei assim que puder.
 
Alex soltou um grito, um som cru semelhante ao de uma criatura
ferida, e de fato ele se sentiu ferido, tão gravemente ferido e com
dor que meio que esperava ver sangue saindo de algum ferimento
fatal.
— Oh, Alex, pobre criança! Para onde ela iria?
Ele balançou a cabeça, tentando pensar além do choque. —
Não há nenhuma pista em sua carta?
— Não, nada — disse ela, limpando os olhos. — Ela apenas diz
para perdoá-la e, por favor, para não a considerar ingrata. — Ela
cobriu sua boca e soluçou. — Oh, Alex, temos que encontrá-la!
— Onde está Lawrence? — questionou ele.
— E-ele... — gaguejou ela. — Ele levou as tias para visitar
Aubrey.
— Encontre-o — disse ele, tentando desesperadamente
controlar o pânico e pensar com clareza. Só havia uma saída viável
de Londres, através da estrada Great North. Era mais provável que
ela tivesse pegado uma carruagem de correio. — Precisamos
verificar todas as estalagens, ver se ela reservou uma passagem e
para onde, e descobrir se Aubrey sabe de alguma coisa.
Henri assentiu, fungando. — Eu irei imediatamente e instruirei
todos os criados a segurarem suas línguas. Não que eles fossem
falar. Todos a amam, todos a amam tanto — disse ela, com a voz
embargada. — Será que ela não sabia disso? Ah, e haverá um
grande escândalo se isso for divulgado.
— Não haverá — disse Alex, com certeza em sua voz. — Ela
estará de volta aqui antes que alguém saiba que se foi.
— Sim. — Henri estendeu a mão e agarrou seu braço. — Sim,
você vai trazê-la para casa, eu sei que vai, mas... mas por que ela
foi embora, Alex?
Essa pergunta atingiu seu coração e a dor foi tão intensa que
não sabia se poderia formular uma resposta. — Eu descobri ontem
à noite que ela acreditava que eu só pretendia tomá-la como minha
amante — disse ele, as palavras amargas em sua boca. — Antes
que eu pudesse dizer-lhe que não pretendia tal coisa, que a amo e
queria me casar com ela... a senhora Morris... — Ele não pôde dizer
mais nada e realmente precisava sair dali. Não podia perder mais
tempo enquanto sua tola e doce Céleste estava sabe-se Deus onde.
E na companhia de quem? Ele se virou e saiu do quarto enquanto
as palavras de Henri o seguiam porta afora.
— Oh, Alex, sinto muito.
Ele desceu as escadas correndo, vociferando ordens para seu
mordomo e gritando para que seu cavalo fosse preparado
imediatamente. Ele a encontraria, jurou a si mesmo. Alex a
encontraria segura e bem, antes do cair da noite, pois se não o
fizesse, nunca se perdoaria.
***
Céleste fechou os olhos e suportou os solavancos intermináveis
da carruagem do correio. Ela permitiu que sua mente a levasse de
volta para outra viagem de carruagem, com Alex sentado ao lado
dela na diligência apertada quando eles deixaram Madame Maxime,
indo para a casa de seu irmão em Bordeaux. Tanta coisa aconteceu
desde então, ela refletiu. Sua vida havia mudado de maneiras que
ela nunca poderia ter concebido e, no entanto, o tempo todo ela se
apegava aos sonhos. Um sonho que foi adorável e terrivelmente
belo, mas tão insubstancial quanto uma teia de aranha, pois quando
ela tentou segurá-lo, descobriu que era frágil e fraco, delicado
demais para sobreviver em um mundo que sabia muito bem ser
impiedoso e cruel.
E, assim, ela voltaria para o lugar de onde veio. Lá, pelo menos,
ela conhecia o lugar e as pessoas, mas ninguém sabia de suas
aspirações fracassadas. Ela sabia o que esperar de uma vida muito
mais despretensiosa e simples, e esperava que com o dinheiro que
havia pegado emprestado, pudesse encontrar uma maneira de
arranjar um lugar para si. Tinha o suficiente para comprar uma casa
e viver prudentemente por um tempo considerável se ela fosse
cuidadosa, mas depois precisaria pensar em como ganhar a vida.
Ela decidiu encontrar Mimi e oferecer-lhe um lugar para morar, caso
ele aceitasse. Pelo menos, assim, ela teria um rosto amigo e alguém
para desencorajar os inevitáveis visitantes do sexo masculino que
apareceriam se soubessem que havia uma mulher solteira morando
sozinha e sem proteção.
Ela não se permitiria chorar. Ela já havia atraído a atenção
escandalizada do casal de meia-idade no assento oposto. A mulher
apenas fungou para ela com desgosto e virou a cabeça quando
percebeu que estava viajando desacompanhada, mas o olhar do
homem tinha sido bem mais consistente e desagradavelmente
previsível.
Quando a carruagem parou na pousada O Leão Vermelho, em
Dorset, ela estava dolorida, cansada e com o coração doendo. Ela
se perguntava o que estava acontecendo em casa. Alex sabia que
ela tinha ido embora? Ela se perguntou se ele viria atrás dela, e
sabia que sim. Ele era muito honrado para deixá-la fugir dessa
maneira e não fazer nada a respeito. A ideia fez seu peito se apertar
de ansiedade. Ela não podia deixar que ele a encontrasse. Se a
encontrasse, sem dúvida a persuadiria a voltar para casa.
Se ela não fosse sua amante, ele encontraria um marido
adequado para ela, como havia prometido primeiramente. Mas ela
não iria tolerar isso. Ela não deixaria um homem que não amava
opinar em sua vida, e ela não poderia viver na Inglaterra com a
possibilidade sempre existente, mesmo que pequena, de um dia
tropeçar no caminho de Alex novamente e fazer um papel de tola.
Era melhor uma separação por completo. Ela não se entregaria a
ninguém e seguiria seu próprio caminho da melhor maneira
possível.
A bela cidade de Shaftesbury tinha uma vista para o Vale
Blackmore e, em outras circunstâncias, Céleste teria se encantado
com a bela paisagem. Hoje, porém, ela não via nada e não falou
com ninguém, evitando os olhares das pessoas enquanto descia da
carruagem e se dirigia para O Leão Vermelho. Era um prédio
elegante e, obviamente, aproveitava-se muito bem do fato de estar
em uma movimentada rota. Dessa forma, estava previsivelmente
apinhada com funcionários apressados correndo de um lado para o
outro com bandejas carregadas, os aromas sedutores fazendo o
estômago da Céleste revirar. Embora ela estivesse realmente fraca
de fome, não tendo comido desde a noite anterior, achou improvável
que fosse capaz de engolir qualquer coisa. Haveria uma curta
parada de quarenta minutos para uma leve refeição, embora antes
da próxima etapa da viagem começar sabia que tinha que fazer um
esforço ou enfrentaria a vergonha de desmaiar em público.
Ao vasculhar o restaurante lotado, no entanto, descobriu, para
sua consternação, que não havia mesas livres. Ela estremeceu,
assustada por um toque suave de uma mão sobre a dela, e olhou
para baixo para ver uma senhora de rosto doce olhando para ela.
Com brilhantes olhos cor de mel e bochechas que lembravam
maçãs maduras, a mulher tinha o tipo de rosto que deveria
pertencer a uma fada madrinha.
— Venha sentar-se conosco, querida. O senhor Harrison não se
importa, não é, senhor Harrison? — A senhora dirigiu-se a seu
marido, um sujeito calvo e corpulento com um bigode inacreditável.
O senhor Harrison ergueu os olhos de sua torta de bife,
murmurou algo que soou que estava de acordo através das cerdas
grossas de seu lábio superior e, então, concentrou-se novamente
em sua refeição.
A senhora mais velha abriu espaço no banco, levando seu
próprio prato junto e, praticamente, puxou Céleste para sentar-se ao
seu lado.
— Que criança linda — suspirou ela, olhando maravilhada para
Céleste. — Eu disse isso assim que entrou pela porta, não disse,
senhor Harrison? Eu disse, que bela jovem. — Ela assentiu com a
cabeça para si mesma, aparentemente não precisando de mais
comentários de seu marido, o que era bom. — Oh, à propósito, eu
sou a senhora Harrison e esse é meu marido, o senhor Harrison. E
que multidão terrível aqui, não é mesmo? Pobre de mim. Bem,
agora temos de lhe arranjar alguma coisa para comer, parece que
está acabada, coitadinha.
Meio aturdida e sob o domínio da força da natureza que era a
senhora Harrison, Céleste recebeu comida e um copo de cerveja, e
ouviu sua nova companheira tagarelando enquanto comia.
Felizmente a senhora Harrison não parecia necessitar que ela
participasse da conversa nesse ponto, fazendo sua parte e a de
Céleste admiravelmente também. Ela tagarelava bem-humorada
sobre seu filho mais velho e suas três filhas, todas casadas, querida,
e sua recente viagem para ficar com sua filha mais nova em
Wiltshire.
Só depois de terminar de comer é que aqueles brilhantes olhos
castanhos se fixaram em Céleste de uma maneira que a fez
acreditar que a senhora não era tão estúpida como aparentava. Ela
estendeu a mão e segurou a de Céleste com ar maternal.
— Pois bem, criança, para onde você vai?
— Para Plymouth, madame — respondeu Céleste, sentindo-se
um pouco constrangida sob o olhar conhecedor da mulher.
— Você vai voltar para a França?
Céleste assentiu e evitou seu olhar.
— Você tem família lá, eu suponho?
— Oui, madame — disse ela, olhando para seu prato caso a
mulher detectasse a mentira.
A senhora Harrison resmungou, balançando a cabeça
consternada. — Ora essa, realmente não é seguro para você viajar
sozinha, sabe disso, não é, minha querida? — disse ela, seu tom
grave e cheio de preocupação.
Céleste engoliu em seco e olhou para cima, mas não encontrou
nada além de compaixão nos olhos da mulher. Ela sorriu e encolheu
os ombros. — Eu sei, mas... mas... — Sua voz tremeu e ela ficou
em silêncio.
— Oh, minha querida — disse a mulher, com tanta compreensão
na voz que Céleste teve muito medo de que começasse a chorar no
meio de um local público. — Calma, calma, criança. Então, para
onde você está viajando exatamente?
— Roscoff — murmurou Céleste, fungando.
— Muito bem, então! — exclamou a senhora Harrison, sorrindo
para ela com satisfação. — Você pode chegar a Roscoff com a
mesma facilidade por Weymouth, e é exatamente para onde
estamos indo. Nós moramos lá, sabe. Dessa forma, você deve vir
conosco em nossa carruagem. O senhor Harrison não vai se
importar, não é mesmo, senhor Harrison? — Sem esperar por uma
resposta de seu marido, que parecia pouco inclinado a dar uma, de
qualquer maneira, talvez sentindo que não havia sentido, a mulher
sorriu para ela. — Muito bem, agora está tudo resolvido. Muito
melhor do que chacoalhar naquela carruagem do correio nojenta
cheia de gente estranha. Venha conosco e a levaremos em
segurança até o porto de Weymouth.
— Oh, madame, quanta bondade sua — respondeu Céleste,
com lágrimas nos olhos, comovida além da conta.
A senhora Harrison começou a fungar e piscar rapidamente
diante de tais palavras, e acenou com a mão. — Ora essa! Querida
criança, pare ou você fará com que nós dois ajamos como dois
regadores.
E, assim, com tudo muito bem arranjado entre eles, Céleste foi
acompanhada pelo senhor e senhora Harrison, com destino a
Weymouth.
Capítulo 31
“No qual nosso herói destrói o mundo.”

Alex passou o resto do dia em uma confusão de atividades. Ele


começou a vasculhar as estalagens que eram o principal ponto de
partida da carruagem do correio e a interrogar qualquer pessoa que
encontrasse. Começando no mais próximo de Mayfair, foi até O
Cavalo Branco, em Fetter Lane, sem sucesso. Em seguida, dirigiu-
se a pousada A Cabeça Sarracena e depois de La Belle Sauvage,
depois voltou para Ludgate Hill, onde havia começado a manhã com
tantas esperanças. Quando chegou a um lugar muito desleixado
com o nome de Pousada das Flores, em Cheapside, estava com
tanta raiva e frustração que quase assassinou o gerente do belo
estabelecimento, quando ele sugeriu que a garota estava fazendo
bem em tentar escapar dele. Refletindo, percebeu que reagiu assim
porque sentiu que não havia pouca verdade nas palavras do
homem.
Exausto e imundo de cavalgar o mais rápido possível entre uma
estalagem e outra, foi com alívio que percebeu que seu próximo
destino também era em Cheapside. Estava escurecendo quando
chegou ao Cisne Bicéfalo, em Lad Lane. Entre a Wood Street e Milk
Street, era um lugar enorme e movimentado em todas as horas do
dia e da noite.
Carruagens do correio pretas e marrons lustrosas, com o brasão
real em ouro nas portas, alinhavam-se dentro do pátio central de
paralelepípedos. O pátio era cercado por prédios altos com galerias
por todos os lados, oferecendo quartos para os passageiros
passarem a noite. Cavalos eram levados de um lado para o outro,
trazidos dos estábulos situados no subsolo. O lugar estava cheio de
cavalariços limpando os pelos brilhantes de cavalos suados e
trêmulos enquanto uma carruagem recém-chegada era
descarregada e conduziam outros enquanto esperavam para serem
atrelados às carruagens. Alex abriu caminho através da multidão
espalhada por todos os lados que corria para ficar fora do caminho
do imponente nobre de rosto sombrio. Parando um cocheiro
cansado e coberto de sujeira que segurava um chicote, ele
perguntou como chegar à bilheteria. Ele foi direcionado para o lado
esquerdo do pátio, antes que ambos fossem obrigados a recuar
apressadamente quando uma parelha emergiu e uma carruagem
totalmente carregada avançou, indo em direção à passagem
abobadada atrás deles que levava à rua. Virando conforme
instruído, Alex descobriu um grande quadro do lado de fora das
portas com todos os destinos oferecidos, examinando-os,
imaginando se isso despertaria alguma memória de algum lugar
para onde Céleste poderia ir, mas sem sucesso.
Ele procurou quem estava de serviço na noite anterior, e foi
levado ao senhor Preston. Um homem limpo e meticuloso em seus
cinquenta e poucos anos, o senhor Preston informou-o imediata e
decididamente que, sim, havia uma jovem, envolta em uma capa
escura de veludo viajando sozinha, que embarcou na carruagem do
correio à meia-noite. Ela pagou toda a viagem até Plymouth. Alex foi
ainda informado de que a carruagem faria paradas a cada três horas
por apenas alguns minutos, mas que chegaria à pousada O Leão
Vermelho, na cidadezinha de Shaftsbury, em Dorset, por volta das
quatro da tarde, onde os passageiros teriam uma breve parada para
uma refeição antes de continuar para Plymouth.
Plymouth! Meu Deus, ela estava voltando para a França. Se ela
deixasse o país, poderia desaparecer sem deixar vestígios. Seu
coração ficou frio com o pensamento, mas ele agarrou a mão do
homem. Agradecendo-lhe por sua ajuda, ofereceu-lhe uma
generosa recompensa por seu tempo e pediu que tratasse do
assunto com discrição.
— Sem problema, milorde — disse o homem, com um sorriso
gentil. — É um prazer ajudá-lo. Acredite em mim, também tenho
uma filha e sei como elas são uma preocupação e tanto. Espero que
você a alcance com segurança.
Adequadamente humilhado e sentindo-se cada vez mais o vilão,
Alex partiu em busca da carruagem do correio da meia-noite.
***
Eram quase onze horas da noite quando o senhor e a senhora
Harrison a acompanharam até o lado de fora de uma pensão de
aparência limpa, perto do porto de Weymouth. Aparentemente
mantida por uma amiga muito querida da senhora Harrison, ela
garantiu a Céleste que estaria bem segura e a senhora Travers a
acordaria cedo para pegar o paquete.
Céleste despediu-se cansada e chorosamente da doce senhora
que insistiu em lhe dar seu endereço e implorar que Céleste
escrevesse e informasse que realmente havia alcançado sua família
com segurança. A senhora Harrison a informou que não pregaria o
olho de novo até que tivesse certeza de tal fato.
A senhora Travers era ser uma mulher alta e magra com um
olhar avaliador, e Céleste imaginou a possibilidade de ela ser a
querida amiga da senhora Harrison. Ela parecia menos otimista com
a chegada de Céleste à sua porta sem sequer uma criada para
acompanhá-la, mas foi gentil o suficiente, embora de maneira
brusca. Céleste foi conduzida a um pequeno quarto com paredes
caiadas, uma cama estreita e de aparência resistente, e foi
seguramente informada, que possuía uma linda vista do porto.
Fornecida com água quente e um breve boa-noite, ela foi
deixada para atender às suas necessidades e virou-se no pequeno
espaço sentindo-se repentinamente mais sozinha do que nunca. Ela
censurou-se, profundamente, e começou a falar sozinha. Afinal de
contas, quando Marie morreu, ela estava em condições muito
piores. Completamente sozinha e sem um centavo em seu bolso.
Agora, pelo menos, ela tinha fundos, e quando voltasse para
Roscoff encontraria Mimi e eles começariam algum tipo de negócio.
Talvez uma pequena pensão como esta?
Ela se encolheu na cama estreita, tentando dizer a si mesma
que era uma aventura emocionante. Que ela não teria ninguém para
lhe dizer o que fazer, como viver sua vida... Mas logo seus
pensamentos voltaram-se para Alex. Ela se lembrou da sensação
de suas mãos e boca sobre ela, a maneira reverente com que ele a
beijou e mostrou o caminho para o prazer. Mas é claro que era
apenas sua habilidade como amante. Estava claro porque que ele
tinha ganhado tal reputação entre as damas, fofocas desse tipo
sempre foram abundantes, e ela não tinha ilusões sobre o tipo de
homem que ele era. Mas ela não estava preparada para o
sentimento tão especial, tão íntimo. Houve uma conexão tão
profunda e estreita, pelo menos de sua parte. A ideia de que ele
provavelmente fez muitas mulheres sentirem a mesma coisa era
demais para que o seu pobre e cansado coração pudesse suportar,
e depois de um dia tentando ser corajosa, finalmente sucumbiu às
lágrimas e chorou até cair de exaustão.
***
A manhã seguinte amanheceu clara e iluminada, e Céleste
estava ao lado do porto, observando a atividade movimentada de
pescadores e marinheiros, o descarregamento de navios mercantes
e o vaivém de pequenos barcos durante o dia. Lá em cima, gaivotas
grasnavam estridentemente, sobrevoando no alto e atormentando
os pescadores enquanto eles traziam suas capturas para a costa,
perfurando seu cérebro dolorido. Ela havia dormido profundamente,
mas não muito bem, e agora estava tomada pelo tipo de fadiga
profunda que acompanhava aqueles afligidos pela mais severa
tristeza.
Instruída a esperar pelo paquete que começaria a embarcar às
nove horas em ponto, percebeu que ainda tinha um tempo
disponível. Com mais de uma hora livre, procurou e encontrou um
local protegido, fora do caminho da via movimentada, onde
provavelmente seria arremessada por um barril rolando ou uma
carroça carregada. Ali, também, ela estaria protegida do vento que
batia em suas saias e puxava seu bonnet. Ela estava sinceramente
feliz por sua intuição de usar um simples vestido de tafetá, com
listras azuis, gola alta e mangas compridas e justas, em vez de seus
belos vestidos de musseline habituais, e também pelo acréscimo de
sua capa de inverno e luvas. Pois além do fato de ser um glorioso
dia de primavera, a brisa da manhã ali era realmente forte e ela
estremecia, encolhendo-se nas grossas dobras de seu manto com
alívio.
Dali, ela podia observar as idas e vindas do porto e tentava ao
máximo manter a mente ocupada e longe de Alex, mas com pouco
sucesso. Sua atenção, porém, foi atraída por uma pequena flotilha
de barquinhos que voltava do canal.
Um grande navio das Índias Orientais estava parado no
horizonte, enquanto os barcos menores corriam ao seu redor como
servos aos pés de um rei. Céleste tinha visto muitas vezes tais
espetáculos em Roscoff. Os grandes navios atraíam os pescadores
locais, ávidos por negociar com os marinheiros que ofereciam
pequenas quantidades de contrabando, isentos de impostos, para
acrescentar aos seus parcos salários. É claro que isso,
inevitavelmente, fez com que seus pensamentos voltassem para
seu próprio contrebandier. Embora ela soubesse muito bem que os
interesses comerciais dele eram de uma escala muito maior do que
aqueles pequenos pescadores, que simplesmente esperavam
sobreviver. Ela observou com ar empático dois homens, talvez pai e
filho, retornarem à praia, puxando seu barco para as areias
douradas e descarregando dois barris pequenos, do que ela
suspeitava ser conhaque francês. Sorrindo, ela virou a cabeça e
sentiu o coração pular quando o brilho de uma jaqueta vermelha ao
longe atraiu seus olhos para a lenta, mas implacável aproximação
de três fiscais da Receita.
— Merde! — exclamou ela, voltando sua atenção para os
homens, cada um carregando um barril enquanto voltavam para a
praia. De repente, frenética por causa deles, levantou-se e começou
a correr em sua direção. Eles tinham acabado de chegar à beira da
praia e estavam pisando no píer quando ela os alcançou, sem
fôlego e corada de ansiedade para salvá-los. Eles olharam para ela
com certa surpresa, claramente desacostumados a serem
abordados por jovens desacompanhadas na praia.
— A Receita! — gritou ela. Seu dilema rapidamente se tornou
aparente para eles e os dois homens empalideceram. — Oh,
coloque-os no chão! Abaixe-os — disparou ela, acenando para os
barris. Talvez surpresos demais para desobedecer, eles fizeram o
que ela pediu, colocando os barris lado a lado, nisso, ela sentou-se
neles e jogou as volumosas dobras de sua capa para cobrir os
pequenos barris. Neste ponto, ela inclinou-se para trás e
resmungou, abanando-se. — Oh! — gritou ela, da maneira mais
convincente que pôde, acrescentando uma insinuação aos homens
assustados. — Eu desmaiei, seus tolos, aidez moi!
Para seu alívio, eles a pegaram em seus braços e o homem
mais velho lhe deu uma palmadinha na mão enquanto o outro lhe
oferecia um gole de um cantil de bolso que ela aceitou com gratidão,
embora estivesse fingindo.
Ela abriu um olho e viu os homens da Receita lançando um
olhar curioso em sua direção antes de continuarem seu caminho
sem olhar para trás.
— Oh, mon Dieu — disse ela, soltando um suspiro. — Essa foi
por pouco.
Ela olhou para cima e observou os dois homens olhando para
ela, claramente divididos entre perplexidade e gratidão.
— Bem, madame, não sei bem como devemos agradecê-la —
disse o homem mais velho, coçando a cabeça e fitando-a
maravilhado. — O fato de ter se encarregado de salvar duas
pessoas como nós, bem... bem, estou sem palavras, pode apostar.
Baixo e atarracado com uma barba grisalha, olhos azuis e
sobrancelhas extraordinariamente espessas em um rosto
profundamente bronzeado, ele parecia genuinamente confuso, e
Céleste não pôde deixar de rir.
— O prazer foi meu — disse ela. — Eu tenho um... um amigo
querido que está envolvido em um negócio semelhante, sabe, e... —
Ela encolheu os ombros, mas foi o necessário para o homem sorrir
para ela.
— Oh! — disse ele, com seu largo sorriso mostrando uma fileira
de dentes irregulares. — Bem, nesse caso, somos quase parentes.
Veja bem, esse é meu genro, Davy, e eu sou Jack Webster. Mas
todos me chamam de Jacky. — Ele estendeu a mão deformada que
Céleste apertou com ar divertido. — Bem, não que seja da minha
conta, mas o que uma garotinha como você está fazendo aqui
sozinha? É inapropriado, sabe? Sem dúvida alguma.
— Tem umas pessoas suspeitas no porto — entonou o genro,
Davy, com uma voz de profundo presságio. Ela teve que olhar um
pouco mais para cima em busca de Davy, esticando o pescoço, pois
ele era comprido e magro como uma vara de pescar, e quase tão
grande quanto.
— Oh, bem... — disse ela, encolhendo os ombros e
relembrando sua própria situação miserável com um começo infeliz.
Na empolgação de resgatá-los, ela esqueceu momentaneamente
sua fuga e sentiu-se ansiosa para contar toda a história a Alex, pois
ele ficaria muito entretido!
Como ela era estúpida.
Vendo as emoções e a óbvia tristeza que se instalaram em seu
rosto, o rosto de Jacky escureceu com compreensão.
— Ah, é isso mesmo — disse ele, seu rosto grisalho cheio de
compaixão. — Para onde você vai, moça? — Sua voz tornou-se
suave e seu tom amável, e Céleste engoliu em seco.
— Roscoff — disse ela, olhando para os próprios sapatos. —
Estou indo parra casa.
Jacky encarou-a para ela por um momento. — Esperando pelo
paquete, suponho? — Seus olhos se estreitaram com preocupação
enquanto Céleste assentia com a cabeça e fungava.
Ela observou enquanto os dois homens trocavam olhares e
Jacky parecia tomar uma decisão. — Ouça bem — disse ele, sua
voz assumindo um tom paternal que foi suficiente para apertar sua
garganta. — Por que você não volta conosco? A mulher de Davy,
minha Meg, mora comigo e minha esposa. Eles cuidarão de você e,
na próxima maré, seguiremos para Roscoff. Temos que passar a
noite em Jersey, não será tão rápido quanto o paquete, mas você
estará segura e economizará um dinheirinho.
— Oh — ela disse, piscando para afastar as lágrimas. — Você é
realmente muito gentil, mas... mas eu não poderia impor...
— Impor! — vociferou Jacky, atônito, antes de franzir a testa,
seus olhos azuis momentaneamente desaparecendo sob suas
grossas sobrancelhas grisalhas. — Você acabou de nos salvar da
Receita e, no mínimo, de uma multa pesada. É o mínimo que
podemos fazer.
Seu rosto assumiu uma expressão de compreensão e ele
enxotou o genro por um momento, agachando-se para colocar seu
rosto no nível do dela. — Veja bem, senhorita...
— Lavelle — disse Céleste, sentindo-se constrangida e sem
saber mais o que fazer. — Célestine Lavelle.
— Bem, senhorita Lavelle, não sei em que encrenca você está e
não preciso que me diga. Mas eu conheço os problemas quando os
vejo. — Ele hesitou antes de falar novamente, mas ela percebeu
que suas palavras eram sinceras. — A esposa de Davy, minha Meg,
conheceu um cavalheiro que realmente não era bom para ela. Ele
era um libertino, sem dúvida. Tentou enganá-la e... — Ele balançou
a cabeça e deu um leve tapinha na mão dela. — Tive sorte que tudo
acabou como deveria e que Davy é um sujeito bom e de bom
coração, só isso, mas eu gostaria de retribuir ao destino por essa
gentileza e a você pela sua, se você me permitir...
— Oui, monsieur Jacky — disse Céleste, sua voz tremendo de
emoção e gratidão. — Eu vou, e agradeço de todo o meu coração.
***
Alex soltou um grito de total frustração. Ignorando os olhares
assustados das pessoas que cuidavam de seus afazeres diários,
recostou-se na parede do escritório do capitão do porto, sentindo-se
completamente miserável. Incapaz de dormir ou comer, estava
muito cansado e louco de tanta preocupação. Ele tinha chegado ao
Leão Vermelho perto das dez na manhã seguinte e depois de um
passeio noturno arrepiante. Alex agradeceu a Deus que pelo menos
houvesse uma lua brilhante e uma noite clara, ou ele não sabia o
que teria feito. Na chegada, foi confirmado que uma mulher solteira
havia de fato chegado na carruagem do correio com destino a
Plymouth. Além disso, nenhuma outra informação poderia ser
obtida, pois havia uma aglomeração de pessoas, ninguém tinha
tempo ou interesse em averiguar as atividades de um único cliente.
Mas agora, ao chegar a Plymouth no final da mesma tarde, foi
informado de que Céleste não havia retornado à carruagem do
correio. Então, agora ele tinha um dilema. Sua intenção era bastante
clara, ela estava voltando para a França. Mas, por que, então, ela
não continuou sua jornada? Esse foi um passo deliberado para
esconder seus rastros ou algo aconteceu com ela? Seu coração se
apertou com a ideia. Por favor, meu Deus, por favor, que ela fique
bem, por favor, deixe-me encontrá-la. Ele repetiu a oração sincera
várias vezes desde o momento em que leu pela primeira vez
aquelas palavras de partir o coração que ela deixou para ele. Meu
Deus, por que ele não havia dito a ela que a amava? Por que ele
não deixou claro seus sentimentos?
Esfregando as mãos em seu rosto, tentou manter o foco. Ele
estava cansado demais, seus olhos ardendo de sono, seu corpo
dolorido e machucado por ter passado tantas horas na sela, mas ele
simplesmente não conseguia parar. Ele tinha que encontrá-la. A
cada etapa da viagem, mandava um recado à família para informá-
los de seu progresso, além de deixar informações na estalagem em
Shaftesbury e com o capitão do porto, caso Lawrence estivesse
seguindo seu rastro. Ele esperava que, mesmo agora, Lawrence e
todos os homens que conseguiu reunir estivessem seguindo atrás
dele, pois, claramente, precisavam ampliar sua busca. E, assim, foi
com o coração pesado que Alex montou novamente em seu cavalo
e refez seus passos, de volta ao Leão Vermelho.
Capítulo 32
“No qual uma luz é encontrada em meio à mais profunda escuridão.”

Tregothnan, agosto de 1816.


— Ele está de volta!
Henri ergueu os olhos assustado quando Lawrence entrou
voando na sala.
— Oh, graças a Deus! — exclamou Henri, colocando a pequena
Elizabeth no chão para cambalear pelo quarto até sua babá
enquanto ela corria para o marido e agarrava seu braço. — Ela
está...
Lawrence balançou a cabeça, e sua expressão era sombria. —
Não, parece que não. Um dos cavalariços acabou de correr para me
dizer que está voltando para a casa, mas... que está sozinho.
— Oh, Lawrence! — Henri levou a mão à boca e piscou para
conter as lágrimas. Seu coração doía por seu cunhado, que vivia
nas profundezas do inferno desde que Céleste havia desaparecido
de sua vida. Consumido pela dor e culpa, não falava com ninguém e
se recusava a se ocupar com qualquer outra coisa além de sua
determinação de trazer Céleste de volta.
Na sua ausência, Lawrence havia assumido o controle tanto de
seus interesses de contrabando quanto do negócio legítimo de
administrar um vasto patrimônio de Tregothnan. Em suas breves
visitas à casa, tudo o que podiam fazer era forçá-lo a comer e dormir
um pouco antes de partir novamente. Pobre, pobre Alex. — Mas já
se passaram mais de cinco meses — disse ela, com a voz trêmula.
— Eu sei — disse Lawrence, com as palavras carregadas de
pesar enquanto a puxava para um abraço. — Eu sei. Mas nós dois
sabemos que Céleste é uma garota engenhosa que cresceu em
circunstâncias tão difíceis. Ela não é nem um pouco tola e, se tiver
algum dinheiro, vai ficar bem. Tenho certeza disso.
Henri olhou para ele, e sabia que seus olhos estavam cheios
dos pesadelos que todos sofriam. De todos os destinos terríveis que
poderiam ter acontecido a uma jovem tão bonita e sozinha no
mundo. As tias estavam fora de si e voltaram para Hertfordshire
para aguardar notícias enquanto a família lutava para esconder o
escândalo, dizendo que Céleste havia retornado à França para
procurar sua família perdida.
Não houve clima quente com o passar dos meses, somente
geadas tão tardias e severas que as pessoas diziam ser o Ano sem
Verão. Parecia que Céleste, ao deixá-los, havia tirado todo a
vitalidade e alegria de suas vidas.
Os dois correram para o saguão de entrada ao ouvirem o som
da porta da frente se abrindo, e Alex entrou.
Henri arquejou quando o viu. Seu rosto estava tenso de
preocupação e uma espessa barba preta provava que fazia muitos
dias que não via uma navalha. Coberto de lama da cabeça aos pés
e trazendo consigo o sabor salgado do mar, ele parecia realmente
ter viajado para os cafundós do inferno.
Ele tirou o sobretudo enquanto Henri gritava pedindo uma
refeição quente imediatamente, e o conduziam até a lareira mais
próxima e o sentavam. Henri caiu de joelhos e o ajudou a tirar as
botas imundas, sem se importar com a lama em suas mãos
enquanto Lawrence enchia um copo de conhaque e o colocava
firmemente nas mãos de seu irmão.
Assim que aproveitou para beber e recuperar o fôlego,
sentaram-se, esperando com uma expectativa horrorizada, mas sem
ousar forçá-lo a falar. No final, foi Lawrence quem quebrou o
silêncio.
— Você encontrou alguma coisa, Alex? Algum sinal?
Alex balançou a cabeça e Henri sentiu uma pontada de dor no
coração tão forte que foi obrigada a buscar a mão de Lawrence para
se consolar.
— Nada — disse Alex, com a voz casada e ríspida, como se ele
tivesse esquecido como usá-la. — Nenhum sinal. Nada. — Ele
passou a mão suja pelo cabelo que estava muito longo e
completamente desgrenhado. — Fui a Roscoff. Vasculhei toda a
maldita cidade. O prostíbulo se foi, estava fechado com tábuas e
todos desapareceram, embora eu tenha encontrado Mimi. Ele não a
tinha visto, mas quase me matou por tê-la deixado fugir. — Ele
balançou a cabeça, e seu rosto estava totalmente desolado. — Eu
quase o deixei cumprir com a ameaça. Se acreditasse que nunca
mais a veria... — Ele parou, sua garganta trabalhando enquanto
desviava o olhar e observava o fogo.
Lawrence apertou a mão de Henri quando ela começou a
soluçar.
— E, então? — perguntou Lawrence, com a voz suave.
Alex respirou fundo e sua mandíbula apertou-se. — Então voltei
para Allaire, verificando os lugares ao longo da rota que fizemos
antes. Eu tinha alguma ideia de que talvez ela fosse para a antiga
casa de sua família, mas não havia nada. Ninguém a tinha visto.
Então voltei a Roscoff novamente com tanta sorte como da primeira
vez. Mimi não quis falar comigo de jeito nenhum — disse ele, com
raiva e frustração. — Voltei para Portsmouth, refiz meus passos até
O Leão Vermelho, e parei em todas as pousadas e pensões no
caminho. De lá, fui para Weymouth, mas não há registro de sua
travessia no paquete. — As palavras foram ditas de maneira factual,
monótonas e sem inflexão, mas a angústia em seus olhos era
impossível de perder de vista. Voltei a Londres, segui novamente a
rota do correio e parei em todos os lugares possíveis onde ela
poderia ter desembarcado. Perguntei a todos em quem pude
pensar, estive em todos os lugares onde eles poderiam tê-la visto
e... nada. — Ele esfregou os olhos e gesticulou para que Lawrence
voltasse a encher o copo. — E, então, voltei para cá — disse ele,
com um leve brilho em seus olhos. — Esperando que... talvez...
Ele encontrou os olhos de Henri e ela balançou a cabeça,
sentindo-se como o próprio diabo por extinguir sua última
esperança. — Nada, Alex. Lamento imensamente. Nem uma
palavra.
Alex assentiu e se levantou. — Eu preciso dormir. Eu começo
cedo pela manhã.
— Oh, mas, Alex, não! — objetou Henri, levantando-se e
caminhando atrás dele, puxando-o pelo braço. — Você deve comer
alguma coisa primeiro, e eu insisto que você fique aqui, pelo menos
por um ou dois dias. Meu Deus, você está exausto.
Lawrence assentiu, colocando o braço em volta da esposa. —
Henri está certa, Alex. Você não ganhará nada se ficar doente.
Fique pelo menos algumas noites para recuperar o fôlego.
Mas Alex apenas balançou a cabeça. — Instrua os estábulos a
prepararem meu cavalo. Boa noite.
Na manhã seguinte, Alex levantou-se cedo, como havia dito, e
tudo o que puderam fazer foi forçá-lo a sentar-se para comer
alguma coisa antes de sair de novo. Um pouco mais limpo, mas
ainda com a barba por fazer, Lawrence refletiu que Alex parecia
mais do que nunca um pirata. Ele observou enquanto seu irmão
cortou o belo bife o mais rápido que pôde, com o ar de alguém
fazendo uma tarefa indesejada.
Eles ergueram os olhos quando o mordomo, Pawly, entrou na
sala com uma bandeja de prata com a correspondência do conde.
— Isto acabou de chegar para você, milorde — disse o velho,
enquanto Alex a pegava da bandeja com uma careta, quebrando a
cera.
Ele examinou o conteúdo da carta e se levantou.
— O quê? — perguntou Henri, alarmada. — O que foi?
— É do advogado em Truro. Ele diz que recebeu dinheiro no
valor de quinhentas libras de uma pessoa que deseja permanecer
anônima para pagar uma dívida.
— Céleste! — gritou Henri, levantando-se em um salto e
correndo para o lado de Alex para esticar o pescoço e olhar a carta.
— Oh! — disse ela, agarrando o braço dele. — Ela está bem, deve
estar devolvendo o dinheiro para você. Oh, graças a Deus.
Os dois homens ficaram quietos e Henri franziu a testa, olhando
consternada para o marido.
— Mas como ela pôs as mãos em tanto dinheiro? — perguntou
Lawrence, com a voz grave.
Henri empalideceu e sentou-se novamente enquanto Alex
olhava furioso para seu irmão e saía da sala. Lawrence ficou de pé
e correu atrás dele enquanto Henri se levantava mais uma vez e o
seguia.
— Onde você está indo? — perguntou ele, enquanto Alex
pegava seu casaco e se dirigia para a porta.
— Ver o advogado e descobrir sobre meu benfeitor anônimo —
rosnou Alex, e bateu a porta atrás dele.
***
Todos os trabalhadores nos pequenos, mas bem equipados
escritórios de Egerton e Witham assustaram-se com a chegada de
Alex de manhã cedo. O infeliz senhor Witham, cujo sócio
infelizmente estava em outro lugar, olhou para cima, aparentemente
acreditando à primeira vista que havia um louco à sua frente, com a
intenção de assassiná-lo enquanto cuidava de seus negócios legais.
Foi nesse ponto que o digno Witham finalmente reconheceu o conde
de Falmouth.
— Você perdeu a cabeça, lorde Falmouth? — perguntou o pobre
homem.
Alex não fez nada para dissipar o terror do homem em seu
estado de espírito e, de fato, esforçou-se para encorajá-lo enquanto
levantava uma pistola e apontava para o senhor Witham, o
signatário da correspondência daquela manhã. Em seguida, exigiu
em voz baixa que o senhor Witham fornecesse todas as
informações que tinha sobre a pessoa que teve a gentileza de
encaminhar tal quantia para ele.
O senhor Witham era um homem de rosto magro e com as
costas curvadas, e chorou como um bebezinho ao enfiar a carta na
mão de Alex enquanto implorava por misericórdia. Nesse ponto,
Alex deixou o prédio, informando-o enquanto caminhava que
pagaria generosamente ao senhor Witham por sua inconveniência,
mas que se uma palavra disso se espalhasse, voltaria e traria sua
pistola com ele.
Alex parou na rua e encarou a carta mais uma vez, apoiando-se
em seu cavalo, percebeu que suas mãos não estavam tão firmes
quanto deveriam. Ele absorveu a visão da escrita familiar que fazia
seu coração se contrair e as lágrimas se acumularem em seus
olhos. Finalmente. Oh, graças a Deus, finalmente.
Ele pressionou a carta contra os lábios e se convenceu de que
podia sentir o cheiro dela na página. Voltando seu olhar mais uma
vez para a caligrafia de sua amada, olhou para o endereço na
correspondência, Pleumeur Bodou, Roscoff. Como ela havia
escapado dele, não conseguia entender, mas finalmente ele teve um
vislumbre de esperança de que talvez seu pesadelo estivesse
terminando. Ele iria ao endereço e se entregaria à sua mercê, e
oraria a Deus para que ela encontrasse em seu coração forças para
perdoá-lo.
***
No final da manhã seguinte, ele estava em Roscoff, tendo
esperado furiosamente pela maré e cedendo de má vontade aos
apelos de Henri e de seu valete para fazer a barba e ficar
apresentável. No final, ele se submeteu, pelo menos por duvidar de
sua capacidade de persuadir Céleste a voltar para seus braços
depois de tudo por que ela havia passado. Podia pelo menos
parecer menos destruído, por isso barbeou-se e vestiu-se com
cuidado, e tomou a precaução de trazer tudo o que pudesse pensar
para o conforto de Céleste e qualquer eventualidade. As
preocupações de Lawrence sobre como ela havia ganhado aquele
dinheiro fizeram seu coração esfriar de terror e culpa. No entanto,
ela havia lutado contra tal destino por tanto tempo que não
acreditava que iria se entregar agora. Não, a menos que ela não
tivesse escolha, uma voz amarga rosnou em sua mente.
A jornada foi interminável, embora os ventos fossem bons e o
tempo estivesse excelente, mas sua paciência estava no limite, e
sua cabeça estava cheia de pesadelos que o atormentavam desde
aquela noite desastrosa. Ele havia se atormentado pensando em
todos e quaisquer males que poderiam ter acontecido com ela e,
agora, quando estava tão perto, quase tremia com uma mistura de
alegria, antecipação e terror do que poderia encontrar. Pois se
alguém tivesse machucado sua doce garota, quando ele acabasse
com eles, iriam implorar pelo destino que levou monsieur Pelletier e
se considerariam afortunados por obtê-lo.
Alugando uma carruagem perto do porto, ele foi levado para
Pleumeur Bodou, e as informações adicionais encaminharam-no
para uma bonita casa de pedra com uma vista extensa sobre o mar.
Ele aproximou-se a pé, com o coração batendo tão forte no peito
que se sentiu enjoado de ansiedade. Ao se aproximar, Alex viu a
figura de uma mulher brincando com uma criança no jardim ao lado
da casa. Embora soubesse que não era Céleste, apressou o passo,
ansioso por saber notícias dela.
— Bonjour, madame — disse ele, tentando conter sua
impaciência enquanto a cumprimentava e usava seu melhor francês.
— Por favor, perdoe-me a intrusão, mas eu queria saber se poderia
me ajudar. Estou à procura de alguém.
A mulher, que tinha cabelos escuros e uma expressão feroz,
olhou para ele. Seus olhos castanhos pareciam muito mais velhos
do que aparentava sua idade e ela parecia cautelosa, mas
resignada.
— Oui, eu sei quem você é — respondeu ela, zombando dele,
seu sotaque francês muito mais grosseiro que o tom mais refinado
de Céleste. — Ela não está aqui. Portanto, se você veio aborrecê-la,
pode se virar e ir embora novamente. Não precisamos de homens
aqui. Nós não queremos nenhum de vocês. Todos vocês são
demônios! — Ela cuspiu no chão a centímetros seus pés com um
olhar de desdém que ele se sentiu mal para contestar.
— Madame — disse ele, rezando para que ela pudesse ver o
remorso em seus olhos. — Não posso dizer que sua opinião sobre
mim é totalmente equivocada, mas, por favor, acredite em mim
quando digo que nunca, jamais, machucaria Céleste
intencionalmente. — Ele engoliu em seco, sabendo que imploraria a
essa mulher de joelhos, se fosse necessário. — Eu sei que a
machuquei, e muito gravemente, mas imploro que acredite em mim
quando lhe digo não foi intencional, e muito menos inteiramente
minha culpa. Por favor — disse ele, ouvindo o desespero em suas
palavras. — Eu lhe imploro. Apenas me diga onde posso encontrá-
la, ou quando ela estará de volta. Se ela não quiser nada comigo,
juro por Deus que vou embora e nunca mais me verá. Mas preciso
vê-la, pelo menos por um momento.
A mulher pareceu impressionada com a natureza apaixonada de
seu discurso e se abaixou para pegar uma garotinha não muito mais
velha que sua sobrinha puxando suas saias. Ela beijou a menina,
acomodando-a na curva generosa de seu quadril e olhou para ele
longa e duramente.
— D'accord — disse ela, com a voz relutante. — Mas se você a
chatear, vou mandar Mimi atrás de você e vai fazer você pagar por
cada lágrima. — Suas palavras eram duras e ele não tinha a menor
dúvida de que falava sério.
— Mimi está aqui? — disse ele, sorrindo enquanto seu coração
se iluminava. Ele a tinha encontrado. Ela estava realmente ali.
— Oui — disse a mulher, com um sorriso, desdenhoso. — Os
únicos homens bem-vindos aqui são aqueles que perderam a
cabeça.
Alex deu uma risada suave e assentiu. — Bem, madame,
garanto-lhe que, depois dos últimos meses, essa descrição se
encaixa muito bem a mim.
Ela sorriu com aquilo e bufou, a aura de desespero sobre ele
fazendo-a acreditar em suas palavras, talvez. — Alors, milorde, você
vai encontrá-la na praia. Diga a ela que Belle te enviou, e que Mimi
está pronto para arrancar membro a membro, se necessário.
Alex curvou-se para ela, reconhecendo suas palavras como uma
ameaça muito real, antes de se virar e correr para a praia.
Capítulo 33
“No qual nossos dois amantes fazem muitas confissões.”

Céleste sentou-se e olhou para o mar como costumava fazer.


Ela enterrou os dedos na areia sentindo a superfície quente do sol,
e a areia úmida abaixo muito, muito mais fria ao toque. Da mesma
forma que ela se sentia, ela pensou. Sua pele estava quente e ela
parecia viva, mas tudo dentro dela estava frio e murcho,
encolhendo-se protetoramente em torno da dor em seu coração.
Ela suspirou e apertou os olhos para o mar brilhante. Embora
setembro estivesse chegando e o clima não estivesse tão quente
como anteriormente, em um belo dia fantasiou que poderia ver a
costa da Cornualha e isso a fazia se sentir um pouco mais próxima
de Alex. Ela puxou a capa ao redor de si, fechou os olhos e se
permitiu lembrar dele. Lembrar daqueles olhos cinzentos e frios que
se enchiam de calor quando a observava, o som de sua risada
quando ela dizia algo que ele achava divertido, a sensação de seus
lábios nos dela naquela noite em que acreditou que seus sonhos
haviam se tornado realidade. Ela piscou os olhos e repreendeu-se.
Ela já tinha chorado o suficiente. Chorar e sonhar não mudava
nada, não importava o quanto almejasse. Ela teve sorte, ela sabia
disso, pelo menos em seu encontro casual com Jacky e Davy. Eles
se tornaram grandes amigos e sua família a acolheu como um dos
seus. Foi apenas o azar que os apanhou em uma chuva torrencial
na viagem para Jersey. Ela passou mais de cinco semanas
miseráveis na ilha, febril e mais doente do que nunca, e tão fraca
depois disso que levou algum tempo para se recuperar. Mas Jacky a
deixou aos cuidados de um primo distante que não poderia ter sido
mais gentil. Quando ela finalmente se estabeleceu em Roscoff,
Jacky e Davy se tornaram visitantes regulares, para grande
desgosto de Belle, verificando se todos estavam bem e bem
providos.
Sim, ela realmente teve sorte, pois embora o destino tenha
acertado alguns golpes cruéis em sua breve existência, também a
colocou no caminho de pessoas que provaram ser boas, gentis e
honestas, e, por isso, ela era grata. No entanto, o rosto querido de
Alex veio à sua mente, e ela colocou a cabeça entre as mãos. Ela
rezou para que a dor passasse e que um dia pudesse se lembrar
dele simplesmente com carinho e um sentimento de
arrependimento, ao invés de uma facada em seu coração quando
pensasse em tudo o que havia perdido.
***
Quando Alex subiu a elevação que levava à praia e olhou para a
areia, seu coração se apertou no peito e foi atingido por uma
enxurrada de emoções que quase o forçou a ficar de joelhos. Ela
estava ali, realmente ali! Ele teve que parar por um momento para
se recompor, e simplesmente absorver a visão dela. Com a capa
apertada ao redor do corpo e os cabelos soltos esvoaçando ao
redor de seu rosto na brisa do mar, ela parecia muito jovem e
terrivelmente frágil. Alex engoliu em seco, e prometeu mais uma vez
a Deus que o que quer que ela quisesse – mesmo que não fosse
mais ele – faria tudo ao seu alcance, e um pouco mais, para garantir
que ela estivesse segura, feliz e bem pelo resto de seus dias. E se,
por algum milagre ela ainda o desejasse, passaria o resto de sua
vida garantindo que ela não encontrasse motivos para se
arrepender.
Ele cobriu o espaço entre eles, seus passos suavizados na areia
úmida, o som de sua aproximação açoitado pela brisa, abafado pela
batida suave das ondas na praia e as gaivotas grasnando ao alto. E
foi assim que, quando ele disse o nome dela, ela se assustou e
olhou em volta, surpresa.
Ela fitou-o, com aqueles grandes olhos azuis sem piscar e
perplexos.
— A-Alex?
Ele havia prometido a si mesmo que não iria assustá-la. Ele se
comportaria com calma e lhe daria tempo para reagir à sua
presença, para gritar ou se enfurecer como ela quisesse, mas no
final não conseguiu cumprir nenhuma dessas promessas. Alex caiu
de joelhos na areia e a agarrou, puxando-a contra si e segurando-a
o mais forte que ousava sem machucá-la por medo de que ela fosse
apenas um sonho como tantos outros e ele acordasse a qualquer
momento para vê-la roubada dele, novamente.
— Céleste, Céleste — murmurou ele, de maneira incoerente,
enquanto acariciava o seu doce rosto com as mãos, enxugando as
lágrimas que ainda não sabia serem de alegria ou de desespero. —
Oh, mignonne, o que você fez comigo? Você partiu meu coração e
me transformou em alguma criatura feroz que não consegue comer,
dormir, nem pensar em nada além de você. Por que você fugiu
assim antes que eu pudesse lhe contar tudo, antes que eu pudesse
explicar? — Ele cobriu seu rosto com beijos, puxando-a para ele
mais uma vez e tentando não chorar enquanto o horror dos últimos
meses o alcançava e despedaçava suas emoções. Silencioso por
um momento, abraçou-a com força, ouvindo sua respiração tão
desigual e irregular quanto a dele, e tranquilizou-se ao perceber que
ela não estava lutando para escapar de seu abraço, mas sim,
segurando-o tão intensamente quanto ele.
Ele respirou fundo quando ela o olhou, sua expressão um pouco
tímida e insegura quando ela estendeu a mão para tocar seu rosto.
— É realmente você, Alex? Vraiment?
— Oui, mignonne, sou eu, de verdade, embora ache que eu
preciso ser tranquilizado — disse ele, inclinando-se em direção ao
seu toque e sorrindo, embalando seu querido rosto em suas mãos.
— Jure para mim que não estou sonhando — implorou-lhe. — Diga-
me que realmente encontrei você, pois se isso for um sonho, eu
imploro, não me deixe acordar. Não aguento, Céleste, não aguento
mais um dia sem você. Eu sei que sou muito velho e muito infame, e
que há muitos motivos... — Mas ele não terminou as palavras, já
que ela puxou sua cabeça para baixo e o beijou, e ele afundou em
seu abraço. Ele a beijou com todo o amor e ternura que tinha dentro
de si, precisando mostrar a ela o quanto significava para ele e o
quanto ele lamentava desesperadamente por tudo o que havia
acontecido.
Quando ele finalmente a soltou, ela soluçou e se enterrou em
seus braços.
— Ah, Alex. Sonhei que você viria.
— Mas você sabia, não é mesmo? — perguntou ele, com o
coração doendo. — Mimi está aqui, certamente ele disse que eu
estava procurando por você, não disse?
Ela assentiu, desviando o olhar dele. — Ele me disse.
— Então, por quê? — gritou ele. — Mignonne, por que você não
voltou para mim, ou me disse onde estava? Você me odeia tanto
assim? — perguntou ele, mal ousando ouvir a resposta, apesar de
ela tê-lo beijado tão docemente.
Ela engoliu em seco e balançou a cabeça. — Eu nunca poderia
odiá-lo, Alex — disse ela, sorrindo enquanto as lágrimas escorriam
por seu rosto. — Você não vê que esse é o problema. Eu estava
com medo de que se você me encontrasse, você me convenceria
a... — Ela corou e desviou, e a culpa e a raiva queimaram em seu
coração.
— A ser minha amante? — concluiu ele, por ela. Ela assentiu e
ele baixou a cabeça, envergonhado.
— Meu Deus, Céleste, Mimi não te contou o que eu disse a ele?
Ele não te deu a carta que deixei para você?
Ela franziu a testa e balançou a cabeça, perplexa enquanto ele
xingava o idiota. Ele tinha certeza de ter deixado suas intenções
bem claras. — Ele não me disse nada, Alex, apenas que você veio
me procurar e depois foi embora novo.
— Eu vim duas vezes — disse ele, implorando para que ela
visse o quanto tinha se esforçado. — Vim aqui e procurei em todos
os lugares, mas ele disse que não tinha visto você. Depois voltei
para Allaire, para o caso de você ter voltado para a casa de sua
família, depois voltei para cá e ele me disse novamente que não
tinha notícias suas.
— Duas vezes? — repetiu ela, estendendo a mão e agarrando
seu braço. — Eu não sabia, Alex, de verdade. Mas... mas o que
dizia na carta?
Ele respirou fundo e olhou em seus olhos. — Dizia que nunca
tive a menor intenção de fazer de você minha amante, sua menina
tola. Se você tivesse apenas esperado, eu pediria que se casasse
comigo.
Ela ficou com a boca aberta de espanto, mas não disse nada,
então ele continuou:
— Ma mie, não consegue ver que estou apaixonado por você?
Eu te amei desde o início, e todos os dia desde então tem sido um
tormento. Eu te amo além da razão e com uma ferocidade que me
mata de susto. Perdi minha sanidade e meu coração nesses últimos
meses sem você, meu amor, e embora seja a coisa mais egoísta
que já fiz, estou implorando para que acabe com essa tristeza e
case-se comigo. Por favor, mignonne, diga que sim.
O coração dele ficou suspenso no ar enquanto ela o encarava
em estado de choque, até que ela deixou escapar uma risadinha e
jogou os braços em volta do seu pescoço.
— Oui, Alex! Oui! Ah, sim, sim, sim. Eu me casarei com você!
Rindo de alegria e alívio, ele não perdeu tempo, derrubando-a
de costas e beijando-a até que ficasse sem fôlego.
***
Era como uma espécie de sonho encantado, pensou Céleste,
exceto que seus sonhos nunca tinham tido tão repletos de felicidade
como ela agora sentia. Sentaram-se amontoados na praia, sem
vontade de se mexer, apesar do fato de a areia estar úmida e estar
ficando frio. Alex apenas continuou olhando para ela, tocando seu
rosto e puxando-a para mais perto, embora ela estivesse sentada
em seu colo. Era como se ela não estivesse perto o suficiente dele,
ou que ele temesse que ela pudesse desaparecer novamente.
Conversavam em voz baixa sobre os últimos meses e, conforme
Céleste contava sua história, ele pontuava suas palavras beijando-a
novamente.
— Mas eu disse a ela no dia em que vim para Londres que
estava acabado — disse Alex, olhando-a com seus olhos cinzentos
cheios de culpa. — Eu disse a todas elas. Eu não tinha interesse em
nenhuma delas. Não há ninguém além de você, ma mie, você deve
acreditar em mim. Nunca mais haverá.
Ela assentiu e tocou em seu lábio com a ponta do dedo. — Eu
acredito nisso agora. De verdade — disse ela.
Ele suspirou e balançou a cabeça. — Foi aquele bastardo do
Sindalton que a fez fazer isso. Meu Deus, eu quero a cabeça dele
também, ele não vai...
— Non.
Ele olhou para ela com surpresa. — Certamente você não vai
protegê-lo, não é mesmo? — O tom em sua voz soava muito como
ciúme.
Ela balançou a cabeça. — Não exatamente, apenas... acho que
ele acreditava que... que você estava me deixando infeliz. Naquele
dia, no teatro, quando você nos encontrou, eu o vi com a senhora
Morris e... bem, eu estava chorando. — Ela sorriu diante da angústia
em seus olhos e pegou sua mão, pressionando-a contra sua
bochecha e virando a cabeça para beijar a palma de sua mão. —
Não se sinta culpado, sei agora que estava tentando evitar uma
cena, mas acho que ele adivinhou porque estava chateada. Acho
que ele acreditava que eu ficaria melhor com ele, pois ele se
ofereceria para se casar comigo.
Alex bufou. — De mal a pior... — murmurou ele, e Céleste riu.
— Ele é um homem muito mau? — perguntou ela. — Eu sei que
ele é considerrado o homem mais cobiçado da Inglaterra.
Alex olhou para ela com raiva, seu ciúme era bastante evidente
agora. Rindo, Céleste deu beijinhos em seu rosto. — Ora essa, mon
brave, acabei de perdoá-lo por ser um conde, certamente você não
acha que quero um duque?
Seu rosto ainda estava sério quando ele falou novamente. — Eu
sei que você está brincando, Céleste, mas... sério, você tem
certeza? Tem certeza de que pode ser feliz comigo? Eu sou muito
mais velho que você. Fico pensando que quando mal tiver quarenta
anos, eu estarei com quase sessenta e...
Ela o beijou, puxando sua cabeça até ficar deitada novamente e
ter seu corpo coberto pelo dele.
— Tenho certeza — sussurrou ela. — Você é tudo o que eu
querro, Alex. Nunca poderria haver outra pessoa além de você. Eu
preferriria ficar sozinha. — Ela olhou para a incredulidade em seus
olhos e sorriu. — Agora você vai acrreditar em mim?
Ele suspirou e ela sentiu um pouco da tensão se dissipar
enquanto ela se enterrava no calor de seu corpo.
— Você está com frio — observou ele, esfregando suas mãos
sobre seus braços e costas para aquecê-la.
— Um pouco — admitiu ela. — Mas eu não querro voltar parra
casa ainda.
Ele ficou quieto por um tempo e, quando falou, seu tom era
cauteloso. — A moça na casa, Belle, ela era...
— Uma das prostitutas de Maxime? — perguntou ela, sorrindo
para a hesitação de sua pergunta. — Oui, Alex, ela era. — Céleste
olhou para ele, imaginando o que diabos ele estaria pensando. —
Annise e Clara também estão lá. Não consegui encontrar nenhuma
dos outras. Ela sorriu diante a confusão em seus olhos e cobriu a
boca quando o riso começou a crescer em seu peito. — Oh, Alex,
seu rosto. Oh, mon contrebandier, eu não me tornei uma cafetina,
garranto-lhe.
Ele teve a audácia de parecer chocado com a sugestão. —
Nunca pensei nisso — jurou ele, enquanto ela ria dele. — Céleste!
Juro que nunca me passou pela cabeça, apenas... estou curioso
para saber como tudo isso foi pago. Como você juntou o suficiente
para comprar essa casa e pagar o dinheiro emprestado?
Ela franziu os lábios e olhou para ele, afastando uma mecha de
cabelo preto da testa dele. — Prromete que não vai se zangar
comigo?
Ele respirou fundo e depois soltou uma gargalhada. —
Mignonne, tenho a sensação sinistra de que você está prestes a me
chocar de verdade, mas, neste momento, posso prometer que não
vou ficar zangado com você. Você está aqui e quer ficar comigo
apesar de tudo. Você poderia ter assassinado o Prinny em sua
cama e eu não me importaria. Embora eu admita que espero que
não seja nada tão terrível quanto matar o Príncipe Regente, pois
gostaria de ir para casa e me casar com você.
— Então é melhor eu me explicar logo — disse ela, com o tom
sério trazendo verdadeira ansiedade aos olhos dele agora. — Por
favor, deixe-me sentar — acrescentou ela. — Não consigo me
concentrar com você tão perto de mim.
Muito satisfeito com o comentário para deixá-la levantar
imediatamente, ela suspirou assim que sentiu os lábios dele
deixarem um rastro quente de beijos em sua garganta. — Depressa,
então — disse ele, com a voz rouca. — Pois tenho negócios
inacabados com você, meu bem.
Ela corou um pouco e sentiu seu coração acelerar, mas ele se
afastou e se sentou, puxando-a mais uma vez para seu colo.
Enlaçando os braços em volta do pescoço dele, ela encostou a
cabeça na sua e começou a lhe contar sobre sua viagem a Roscoff.
Do senhor e senhora Harrison, e seu encontro com dois
contrabandistas no porto de Weymouth.
Ela estava prestes a explicar sua viagem para Jersey quando
Alex a interrompeu.
— Espere, ma mie, você está me dizendo que interveio e salvou
dois contrabandistas da Receita escondendo o contrabando deles
debaixo da roupa?
Ela assentiu e ele gemeu, enterrando o rosto em seu pescoço.
— Você está certa, é melhor você me contar o resto rapidamente. É
muito pior do que isso? — Ele olhou para cima e ela pôde ver
verdadeira ansiedade em seus olhos.
— Fi donc! Eu não fui pega e eles também não, e estou aqui,
não estou? — Ela bufou para ele. — Eu pensei que você fosse se
orgulhar de mim.
— Sempre me orgulho de você, mignonne, mas me prometa que
nunca mais vai esconder nenhum contrabandista da Receita, por
favor. Bem, exceto por mim — acrescentou ele, com um sorriso
triste. Sua expressão mudou quando ela mordeu o lábio e olhou
para ele, sentindo-se um pouco mais nervosa quanto à sua reação
agora.
— Oh, meu Deus — disse ele, com emoção e pânico em sua
expressão enquanto seu rosto ficava mais pálido. — É melhor você
acabar logo com isso. Desembuche!
Céleste engoliu em seco e começou a puxar um dos botões de
seu casaco. — Bem... — começou ela, evitando os seus olhos. —
Eles me levaram para Jersey, já que geralmente compram seus
produtos lá, em vez de viajar até Roscoff todas as vezes, pois só
negociam uma pequena quantidade de contrabando. Mas no
caminho choveu muito forte, e fiquei muito molhada e com frio, e
acabei pegando um resfriado. Por isso, fiquei doente durante
algumas semanas.
— Espere. — Ele ergueu a mão para interrompê-la. — Um
resfriado não te manteria na cama por semanas — disse ele, sua
expressão cheia de preocupação.
Céleste deu de ombros, sabendo que ele faria estardalhaço e
tentando passar por cima dessa informação. — Não, é verdade,
foi... foi um pouco pior do que eu acho, mas já estou bem
recuperada.
Alex emitiu um som de angústia e puxou-a para perto dele,
enterrando o rosto em seus cabelos. — Nunca mais vou perdê-la de
vista. Está me escutando?
— Por favor, não perca — suspirou ela, acariciando sua nuca.
— Continue — murmurou ele, com um tom resignado, embora
sua voz estivesse abafada pelo cabelo dela.
— Bem, eu estive na ilha por cinco semanas, e é por isso que
você não me encontrou quando veio aqui antes — disse ela. — E,
depois disso, vim para cá e comprei este lugar com parte do
dinheiro que tirei de você. Então, convidei as meninas para virem
morar comigo, onde estariam seguras e não precisariam...
Ele olhou para cima e sorriu para ela, seus olhos calorosos. —
Sim, eu entendo, amor, continue.
— Então, Mimi veio também, nós limpamos o lugar e... — Ela
fez uma pausa, sentindo-se muito orgulhosa de tudo o que havia
conquistado. — Oh, Alex, é realmente encantadora — disse ela,
agarrando sua mão. — Eu gostaria de mostrá-la a você.
— E estou ansioso por isso — disse ele, embora houvesse
ansiedade rondando em seus olhos. — Só quero saber de onde veio
o dinheiro, Céleste. Se você comprou este lugar e tem se
sustentado também, como repôs o que pegou?
— Oh, oui — disse ela, sentindo suas bochechas esquentarem
um pouco e se perguntando o quão zangado ele provavelmente
ficaria. Ela levantou o queixo, um pouco desafiadora, respirou fundo
e decidiu acabar com aquilo o mais rápido possível. — Bem, Jacky e
Davy vêm quando estão em Roscoff e verificam se estamos todos
bem, então eu disse a eles que deveriam gastar mais dinheiro aqui,
onde as coisas são mais baratas, então valia mais a pena, sabe. —
Céleste engoliu em seco e começou a enrolar uma mecha do cabelo
no dedo enquanto sua ansiedade aumentava. — Mas eles não têm
dinheiro, sabe, e, então... e então... — Ela disse a próxima parte em
uma enxurrada de palavras para tentar amenizar o golpe. — E então
eu disse que iria investir no negócio deles, e comprei conhaque,
seda, rendas e um pouco de chá, e eles venderam e... eles me
deram uma parte dos lucros, e funcionou tão bem que continuamos
e... e eles encontraram alguns outros homens para trabalhar
conosco também, e, então... — Céleste ignorou o olhar horrorizado
em seus olhos e terminou sua história o mais rápido que pôde. —
Então, ganhei dinheiro suficiente para pagar você e sustentar as
meninas... e guardei um pouco também. — Ela respirou fundo,
depois de ter falado sua confissão com tanta velocidade e deu uma
olhada nervosa para Alex, que a observava aparentemente sem
palavras.
Ele limpou a garganta e esfregou a mão no rosto, antes de
respirar fundo.
— Alex, você está bem? — perguntou ela, e então mordeu o
lábio com ansiedade, pois ele não parecia nada bem, na verdade,
ele parecia terrivelmente pálido.
— Sim, ma mie, muito bem — disse ele, com a voz fraca,
embora ela percebesse agora que havia um músculo tensionado em
sua mandíbula.
Ela franziu o cenho e colocou suas mãos no rosto dele,
forçando-o a olhar para ela. — Você não parece bem, parece...
parece... que está tentando não gritar comigo. — Ela franziu os
lábios e cruzou os braços. — Você está zangado, não está? Alex,
você prometeu!
Ela bufou e desviou o olhar dele, apenas para virar-se de volta
quando sentiu que ele tremia embaixo dela. Olhando para trás,
descobriu que ele estava rindo silenciosamente, e seus grandes
ombros tremendo, tamanha era o esforço. Um momento depois, ele
não aguentou mais e começou a rir, arquejando enquanto as
lágrimas rolavam por seu rosto.
— Oh, meu Deus. — disse ele, aparentemente incapaz de parar.
— Você é uma contrabandista!
Ela o encarou, sem saber se estava aliviada ou zangada por ele
ter achado engraçado, mas, então, ele a puxou para si e a beijou
profundamente. — Ma mie, você nunca para de me surpreender e
eu rezo para que continue assim. Você é simplesmente a mulher
mais extraordinária que eu já conheci. — Ele suspirou e balançou a
cabeça. — Meu Deus, eu te amo tanto.
— Então você não está zangado? — perguntou ela, sorrindo
para ele.
— Não, zangado, não — respondeu ele, com a voz suave e
cheia de admiração agora. — Embora eu espere que não se importe
se eu pedir para você voltar para a Cornualha e se casar comigo?
Eu sei que provavelmente será um pouco chato para você depois de
todas as suas aventuras, mas... eu preferiria que você abandonasse
essa vida. Você acha que pode suportar isso?
Céleste se perguntou se seu coração poderia realmente conter
tanta felicidade, mas ela deu um longo suspiro e fingiu pensar muito
no assunto. — Bem, é verdade, eu descobrri que sou uma boa
contrebandière — disse ela, com certa gravidade. — Mas... acho
que gostaria muito de me casar com você e viver com você... acho
que a vida não vai ser nada monótona. — Ela abriu um largo sorriso
para ele, então, e ele soltou uma risadinha.
— Mas, Alex — disse ela, colocando a mão em seu braço. —,
gostaria de te pedir a mesma coisa. Por favor, pare de
contrabandear — implorou-lhe, sabendo que seu coração voltaria a
partir-se se ele fosse tirado dela agora. — Eu não suportarria se
fosse ferrido ou... — Ela parou quando sua voz ficou rouca, e ele se
inclinou para beijá-la.
— Como você quiser, Céleste. Acho que talvez, com você em
minha vida, não tenha necessidade de buscar aventuras para aliviar
o tédio dos meus dias. — Seu sorriso se curvou e seus olhos
brilharam com diversão quando ele acrescentou: — Viver com você
será aventura o suficiente.
Ela bufou e deu um tapa no braço dele de brincadeira. —
Homem odioso, você está me comparrando aos seus
contrrabandistas?
— Não — disse ele, agora sua voz estava séria. — Estou
dizendo que nada no mundo faz meu coração bater tão forte quanto
você, ma mie. — O beijo que se seguiu a essa declaração os
manteve ocupados por algum tempo considerável, até que Céleste
estremeceu e Alex ficou de pé, levantando-a em seguida.
— Venha, você está congelando aqui fora. Vamos voltar para
casa e pegar suas coisas. Se nos apressarmos, podemos pegar a
maré.
— Oh, mas, Alex... — Ela hesitou e ele olhou-a com uma
expressão interrogativa, pegando sua mão. — Bem, é só que... e
Mimi e as meninas? Prometi a eles que estariam seguros aqui.
Ele sorriu e assentiu, entendendo a preocupação dela. — E
assim será, mignonne. Eu não desfaria nada do seu bom trabalho.
Estou orgulhoso de você.
Ele passou o braço em volta de sua cintura e eles começaram a
caminhar de volta para a casa. — Alex? — disse ela, com a voz
silenciosa.
— Sim, meu amor?
— Será que... temos que voltar mesmo parra casa agorra?
Ele fez uma pausa e olhou para ela, com preocupação em seus
olhos. — Você não quer? — perguntou ele, parecendo ansioso de
novo, com dúvida cintilando em seus olhos.
— Oh, oui! — exclamou ela, balançando a cabeça para ele e
perguntando-se como ele poderia duvidar disso. — É claro, só que...
só que... — Ela corou e ele olhou para ela com curiosidade em seus
olhos.
— Só que... — provocou ele.
— Só que... — Ela desviou o olhar dele e estudou seus pés. —
Bem, eu estava muito mal no barco e... e meu quarto aqui é
realmente très confortável. Comprei uma cama nova, sabe, e... —
Ela parou, corando furiosamente e sentiu a mão dele deslizar sob
seu queixo, levantando a cabeça para ele e encontrando seus olhos
escuros de desejo.
— Que ideia maravilhosa — murmurou ele, inclinando a cabeça
para roçar os lábios nos dela. — Se você tem certeza de que não
vamos chocar os outros residentes.
— Bem, bem provável — disse ela, com absoluta seriedade,
franzindo os lábios e dando de ombros. — Mas eles simplesmente
terão que aguentar.
Alex deu uma gargalhada e a balançou em seus braços. —
Bem, vamos ver o que podemos fazer sobre isso.
Capítulo 34
“No qual nossos pombinhos, finalmente, ficam sozinhos e de braços
dados com a felicidade.”

Para a frustração de Céleste, Belle e as outras estavam tão


entusiasmadas e felizes por ela que insistiram em fazer um brinde, e
então, chegou a hora do jantar e seria muito embaraçoso recusar.
Embora, pelos sorrisos maliciosos nos rostos das mulheres,
soubessem muito bem que ela estava ansiosa para deixar sua
companhia. Apenas Mimi estava quieto e ela tirou um momento para
ir falar com ele a sós, para tranquilizá-lo de que a casa era deles e
que sempre haveria um lugar para ele.
Ela entendeu, ao falar com ele, que ele teve medo de que se o
conde a encontrasse, seu pequeno idílio chegaria ao fim e, por isso,
ele guardou a informação para si mesmo. Apesar de ele ter lhe
causado semanas extras de sofrimento, descobriu que não podia
ficar zangada com ele; sua felicidade estava completa demais para
que qualquer arrependimento pudesse ser sentido. Assim que ela
lhe assegurou que nada mudaria para ele, ele deu um enorme
sorriso e a puxou para um abraço de quebrar as costelas antes de
se afastar para deixá-los aproveitar a noite.
Ela se virou para a mesa e sorriu quando observou que Belle
conversava educadamente com Alex, e que de alguma forma ele
conseguiu encantar a lâmina de sua língua afiada. Annise e Clara,
embora emocionadas por ela, pareciam desconfortáveis em ficar em
sua companhia, mas Belle continuava a surpreendê-la. Quando ela
conheceu a mulher, ela lutava para sustentar a si e ao bebê, estava
cheia de raiva e rancor e não foi a pessoa mais fácil de ajudar. Mas
assim que viu que Céleste era genuína em seu desejo de ajudar a
dar uma vida melhor a ela e à filha, mudou de ideia, tornando-se sua
mais fiel aliada e até aceitou sua oferta de ensiná-la a ler.
— Belle disse-me que você tem ensinado tudo mundo a ler e
escrever — disse Alex, ecoando a direção que seus pensamentos
tinham tomado. Ela sentiu um brilho de calor encher seu peito diante
do orgulho em seus olhos.
— Oui — disse ela, devolvendo o sorriso de Belle. — Mas receio
não poder continuar se voltar parra a Inglaterra.
— Alors, não se preocupe com isso — disse Belle, com a voz
mais suave que Céleste já tinha ouvido. — Você já fez o suficiente.
Dando a todos nós um lar, em um local seguro para eu criar minha
filha, um lugar onde podemos viver em paz. Nunca poderemos
retribuir isso.
Alex cobriu a mão de Céleste e a apertou. — Acho que talvez
possamos encontrar um professor para continuar dando essas
aulas.
Ela olhou para ele e percebeu a sinceridade em seu rosto
bonito, com um nó na garganta. — Você faria isso?
— É claro, mignonne. O que você fez aqui é... bastante
extraordinário, e acho que seria bom oferecer um lugar seguro para
mulheres que se encontram em dificuldades. Um abrigo contra a
tempestade — disse ele, com um sorriso. — Onde possam ser
protegidas de danos até que possam encontrar um lugar para si no
mundo.
Ela piscou para ele, sem palavras, dominada demais por
sentimentos por esse homem maravilhoso para conseguir agradecê-
lo como ele merecia. Ele acariciou seu rosto, com olhos cheios dos
mesmos sentimentos. — Às vezes me pergunto o que teria
acontecido a nós dois se meu navio não tivesse se perdido naquela
noite e... — Ele parou quando sua voz se tornou rouca. — Eu ficaria
orgulhoso de ajudá-la a criar um lugar para que jovens possam
recorrer quando estiverem com medo e sozinhas, Céleste. Um lugar
onde você poderia estar segura se eu nunca a tivesse encontrado.
— Oh, Alex! — Ela jogou os braços em volta de seu pescoço, e
se agarrou a ele, chorando baixinho enquanto Belle discretamente
deixava a mesa para ir dormir.
Ele a segurou até que ela conseguiu se controlar e conter as
lágrimas. Ele olhou para ela, segurando seu rosto entre as mãos e
secando suas bochechas molhadas com os polegares.
— Você vai me mostrar essa cama confortável agora mesmo,
mignonne — exigiu ele, com a voz tão cheia de amor e ternura que
ela temeu chorar de novo. Ela simplesmente assentiu, não
confiando em sua voz e pegou sua mão, guiando-o escada acima
até seu quarto.
Ele teve que se abaixar para atravessar a verga da porta, mas
sorriu ao olhar em volta e observar o piso de madeira polida e limpo,
as paredes de pedra de granito e as duas pequenas janelas que
davam para o mar. Céleste deu um sorriso discreto ao perceber que
uma das meninas tinha subido ali para acender a lareira e uma
lamparina, e arrumado a cama.
A lareira projetava chamas azuis, lançando um brilho cintilante
sobre ambos. Quando ela se virou, de repente, sentiu-se um pouco
insegura de si mesma, achou o quarto muito menor do que de
costume, com a enorme presença de Alex preenchendo o espaço.
— É encantador — disse ele, estendendo a mão para ela com
um sorriso. Ela a pegou e permitiu que ele a aproximasse. Ele
descansou as mãos em seus quadris e fitou-a. — Você não está
com medo de mim, está, amor? — perguntou ele, franzindo
levemente seus olhos enquanto a observava. Ela balançou a
cabeça, sem encontrar seus olhos.
— Non, claro que não, mas... estou um pouco nervosa, eu acho.
— Ela se aproximou, enterrando o rosto em seu peito e inalando seu
cheiro familiar enquanto ele acariciava seu cabelo.
— Não há motivo para ficar nervosa — murmurou ele, e ela o
sentiu dar um beijo no topo de sua cabeça.
— M-mas a prrimeira vez... dói, não é mesmo?
Ela olhou para ele e viu arrependimento em seus olhos. — Um
pouco, amor, sim, mas farei de tudo para não te machucar. Eu não
te machucaria por nada neste mundo, Céleste. Você acredita em
mim, não é?
Sorrindo para ele, ela assentiu. — Claro, eu confio em você.
Lentamente, ele abaixou a cabeça e roçou a boca na dela,
primeiro com ternura e, depois, com uma necessidade crescente
enquanto separava seus lábios e possuía sua boca em um beijo
terno e arrebatador. Ela deslizou a mão sobre o seu peito,
inclinando-se sobre ele. Ah, sim, isso era o que ela desejava e
precisava por tanto tempo, mas não era o suficiente, longe disso.
Ela estendeu os braços e puxou seu pescoço, encorajando-o,
querendo que ele tomasse mais, mais rápido, mas ele continuou,
lenta e sensualmente, com o assalto em sua boca e em seus
sentidos enquanto suas mãos se moviam sobre ela, descendo para
segurar seu traseiro e puxá-la firmemente contra ele. Ela suspirou
em sua boca quando percebeu que ele estava duro e pronto para
ela, movendo seus quadris incansavelmente contra ele. Seu corpo
estava em chamas e dominado pela sensação, ansioso para correr
em direção àquele ponto inebriante que ele a fez atingir uma vez.
Ele riu, interrompendo o beijo para correr a boca e a língua sobre
seu pescoço, fazendo-a tremer.
— Sempre com tanta pressa, mignonne. Sério, não há
necessidade. Tenho toda a intenção de amá-la a noite toda.
Ela olhou para ele com algo parecido com reprovação em seus
olhos. — Mas eu quero você — disse ela, tentando não soar como
se estivesse reclamando, e suspeitando que havia falhado. — Eu te
quero tanto, você não me quer?
Seu rosto ficou sério e ele colocou a mão em sua nuca, e seu
olhar era intenso. — Céleste, é preciso ter todo o autocontrole para
fazer isso direito, e não chegar e jogar você na cama para tomá-la.
Já não sei quanto tempo posso me conter, então, pelo amor de
Deus, não torne isso mais difícil de fazer. Embora ela pudesse dizer
que ele estava falando sério, havia um brilho de diversão em seus
olhos.
Ela bufou para ele, fazendo beicinho. — E se quisesse que me
jogasse na cama? — indagou ela.
Ele riu e virou-a de costas, dedicando-se a desfazer os laços na
parte de trás do vestido e deslizá-los sobre seu ombro. — Eu
prometo a você, fielmente, da próxima vez vou jogá-la na cama e
tomá-la com total abandono. Isso te satisfaz, minha pequena
atrevida?
— Alors, certifique-se de cumprir a promessa — respondeu ela,
com uma fungada arrogante que o fez rir, seu hálito quente fazendo
cócegas na pele sensível na parte de trás de seu pescoço e
fazendo-a estremecer. Sua mão procurou seu cabelo, removendo os
grampos e permitindo que caíssem em cascata sobre seus ombros.
— Tão adorável — murmurou ele, beijando suavemente seu
ombro nu enquanto suas mãos habilidosas encarregavam-se
rapidamente de suas roupas íntimas. Ele a virou, e ela ouviu sua
respiração falhar, e soube que ele tinha sido sincero no que disse.
Ele a queria muito. O pensamento, combinado com o desejo
sombrio em seus olhos, deu-lhe confiança, e ela não corou quando
seu olhar acalorado a percorreu. Ele gemeu e segurou seus seios,
sussurrando palavras doces contra sua pele enquanto baixava a
cabeça e deixava uma trilha de beijos ao longo de seus volumosos
seios. Enquanto ele abocanhava um mamilo em sua boca, sugando-
o gentilmente e molhando-o com sua língua, ela prendeu o fôlego e
puxou sua cabeça para mais perto. A respiração dela tornou-se
ríspida e irregular enquanto ele continuava com seus cuidados
delicados, esbanjando igual atenção ao outro seio. De repente, ele
ficou de pé e pegou-a nos braços, fazendo-a gritar de surpresa.
— Afinal, você vai me jogar na cama? — perguntou ela, sem
fôlego.
— Não até que eu saiba que a cama pode suportar o castigo —
disse ele, rindo e colocando-a no chão com muito mais cuidado. —
Eu não quero ter que procurar outro lugar para fazer amor com você
neste momento porque quebrou a maldita coisa.
Ela conteve uma risadinha e, em vez disso, observou com ávido
interesse quando ele começou a se despir. Infelizmente, ele tinha
permanecido vestido na única outra vez que tiveram intimidade e,
embora ela o tivesse visto nu antes, ele estava inconsciente na hora
e isso, ela suspeitava, era uma coisa bem diferente. Seus
pensamentos sobre esse assunto foram confirmados enquanto ele
ficou diante dela, total e lindamente nu. Ela prendeu a respiração e
ficou de joelhos na cama, estendendo a mão para tocá-lo.
Ele se aproximou e esperou, pacientemente, enquanto ela
explorava seu corpo com admiração. Passando as mãos sobre o
pelo crespo em seu peito largo e parando para passar a língua
sobre seus mamilos. Ela sorriu, satisfeita quando a pele enrugou
sob sua língua e brincou por um momento, mordendo a carne
macia, suavemente. Um gemido baixo retumbou em seu peito, e ela
olhou-o com surpresa. Ela foi dar atenção ao outro mamilo
negligenciado, mas foi interrompida quando as mãos de Alex
agarraram seus ombros para afastá-la.
— Non — exclamou ela. — Fique quieto, ainda não terminei.
Ele emitiu um ruído suave de angústia, mas ela o ignorou,
afastando suas mãos e continuando. Uma vez satisfeita de que
ambos os mamilos haviam sido bem cuidados, deslizou as mãos
pelo corpo dele, sobre a barriga tensa e ondulada, pousando na
saliência entre seus quadris. Ela olhou para baixo, respirando com
admiração e sorrindo enquanto os arrepios percorriam sua pele em
resposta.
Correndo os dedos sobre seu comprimento rígido, descobriu
que a pele era surpreendentemente macia. — Você tem certeza de
que só vai doer um pouco? — indagou ela, olhando para seu
tamanho, em dúvida. Ele exalou um ruído estrangulado, mas não
respondeu quando ela colocou a palma da mão em volta de seu
membro, movendo-o para baixo.
— Não mais — disse ele, através de seus dentes, empurrando-a
em direção aos travesseiros, montando-a. Ele puxou-a para os seus
braços, beijando-a e ela moveu-se para chegar mais perto dele,
fascinada pelo contraste de sua pele quente e lisa. Os pelos mais
ásperos em seu peito e pernas roçaram sua carne sensível e
rasparam contra seus seios da maneira mais tentadora possível.
Suas mãos se moveram sobre ela, e ela arquejou quando sua
palma grande e quente deslizou sobre seu estômago e desceu,
separando delicadamente seus cachos sedosos em busca de sua
carne macia. Instintivamente, ela elevou os quadris da cama e sua
respiração falhou.
Ele continuou a acariciá-la, com toques gentis e provocantes até
que ela estivesse quente e se contorcendo e, então, começou uma
trilha por seu corpo com lábios e língua que a fez estremecer e
ofegar até que ele alcançou a fonte de seu prazer. Ela gritou quando
sua boca se juntou ao delicioso ataque à sua sanidade, e acreditou
que realmente iria perder completamente seus sentidos quando
seus dedos hábeis deslizaram dentro dela. Uma vez adicionados à
equação erótica, eles fizeram-na tremer e chorar e, finalmente, a
alcançar um delicioso clímax.
Céleste ainda ofegava e se contorcia com deliciosos tremores
secundários rolando por ela, enquanto ele abria mais suas pernas e
acomodava-se entre elas. Ela se arqueou novamente quando a pele
lustrosa de seu membro duro deslizou contra sua carne mais
delicada, ainda pulsando devido às suas atenções. Lentamente, ele
começou a forçar seu caminho dentro dela, provocando-a com
pequenas e superficiais estocadas, mal penetrando-a enquanto ela
procurava aceitar a estranha e inusitada sensação de plenitude. Os
braços dela envolveram suas poderosas costas largas e seus dedos
estavam cravados em seus ombros enquanto ele a amava. Ele
murmurou palavras suaves de conforto, e ela enterrou o rosto na
pele quente de seu pescoço, beijando-o e sentindo o gosto de sal
em seus lábios. Ele cutucou um pouco mais fundo e ela suspirou,
arqueando-se sob ele.
— Isso mesmo, amor, só um pouco mais — disse ele, beijando o
contorno de seu queixo e a pequena concavidade na base de sua
garganta enquanto ela inclinava a cabeça para trás. — Oh, meu
Deus, Céleste, você é tão doce, tão perfeita, meu amor. — No
momento seguinte, ele empurrou com força e ela prendeu a
respiração, surpresa com a forte fisgada e, sobretudo, com a
rapidez com que desapareceu. Pouco a pouco, sentiu seu corpo
aceitá-lo, familiarizando-se com a sensação de seu tamanho maior e
mais forte entrelaçado tão intimamente com a dela. Agarrando-se a
ele com braços e pernas, encontrou seu ritmo com o impulso
impotente de seus próprios quadris enquanto os instintos de seu
corpo a guiavam.
Alex gemeu e se apoiou em seus braços, seu corpo pesado
movendo-se cuidadosamente contra seu âmago, insinuando-se com
mais força e rapidez dentro dela. Ela deslizou as mãos pelas suas
costas, sentindo a pele quente e úmida sob seus dedos. Agarrando-
o enquanto começou a sentir aquela fisgada poderosa de novo,
arrebatando seus sentidos enquanto sentia a musculatura forte e
tendões deslizando sob a ponta dos dedos. Sua respiração era
curta, pontuada por um gemido estrangulado de desejo,
surpreendendo-se ao descobrir que era o seu. Mas agora ela não se
importava porque a luz brilhante de seu ápice estava tão próxima.
Céleste olhou para cima e viu os olhos de Alex fechados com o
rosto totalmente concentrado. Ela prendeu a respiração quando a
sensação crescente ficou mais forte e insistente; ele abriu os olhos,
focando nela por um momento e, então, arregalaram-se quando o
prazer o dominou e seu corpo penetrou mais profundamente dentro
dela enquanto ele tremia impotente com sua própria liberação. Ele a
segurou com mais força, de forma desesperada e primitiva enquanto
tomava sua boca, e ela gemia, despedaçando-se em seus braços e
agarrando-se a ele ao procurar avidamente por cada tremor de
êxtase.
Ainda ofegante, ele moveu-se para seu lado, mas a manteve em
seus braços, puxando-a para si até que ela estivesse esparramada
sobre ele, com a cabeça em seu peito. Seu coração ainda estava
disparado, e parte dela mal podia acreditar que finalmente
conseguiu o que tanto desejava, depois do que pareceu uma
eternidade.
Sua grande mão se estendeu e acariciou seu cabelo, e ele se
mexeu ligeiramente, acomodando sua cabeça no músculo grosso de
seu braço para que pudesse olhar para ela.
— Você está bem, mignonne?
— Mmmm. — Foi o único som coerente que ela conseguiu
emitir, sem forças para formar palavras. Ela sentia os membros
pesados, flexíveis e sonolentamente saciados.
Ele riu e beijou seu nariz. — Vou tomar isso como um sim.
— Mmmm — repetiu ela, aconchegando-se contra ele e
suspirando de contentamento.
— Vá dormir, amor — disse ele, com a voz murmurando
suavemente em seu ouvido. — Não se preocupe, vou acordá-la
novamente em instantes, pois não tenho intenção de desperdiçar
uma noite inteira. — Ele acariciou sua orelha com o nariz e beliscou
o lóbulo macio, fazendo-a rir e se contorcer contra ele. — Afinal, é
melhor aproveitar ao máximo esta cama. E, a propósito, você estava
certa — acrescentou ele, e ela pôde ouvir o riso em sua voz. — É
muito confortável.
Capítulo 35
“No qual todos estão bem satisfeitos consigo mesmos e o futuro é
cheio de promessas.”

Eles se casaram na capela privada em Tregothnan.


Céleste ficou impressionada com a recepção calorosa e
amorosa ao voltar para a família, e também com a maneira como foi
duramente repreendida por todos, principalmente tia Seymour, por
partir seus corações. Todos que conheciam Seymour foram
obrigados a comentar que nunca tinham visto a velha tão
emocionada ao abraçar Céleste. De fato, Seymour agradeceu
profusamente por ela ter voltado para casa e por perdoar seu
sobrinho idiota, antes de castigá-la duramente por dar-lhes um susto
tão desagradável.
O dia do casamento amanheceu quente e claro, com o último
brilho reluzente do verão se rendendo ao toque amoroso do ouro
mais suave e deleitável do outono. Em todos os lugares, as árvores
adquiriram um tom suave de vermelho e âmbar, e as folhas caíam
em grandes redemoinhos, dançando com alegres pinceladas de
cores enquanto esvoaçavam ao redor de Alex e sua noiva quando
saíram da igreja.
Vestida toda em seda dourada-clara com o mesmo tecido
estendendo um delicado padrão de flores no corpete e nas saias, e
bordado com pérolas e lamê dourado, ela caminhou até o altar. Ao
vê-la entrar na igreja, Alex comentou que, com seus cabelos
dourados e as cores maduras do campo emoldurando sua pequena
figura na porta gótica, ela parecia o sol vindo à terra, com vontade
de caminhar por um momento entre meros mortais.
Céleste olhou para o homem ao seu lado e sentiu o coração
pular em seu peito. Ele fitou-a e sorriu para ela, levando sua mão
aos lábios e beijando seus dedos com tanta reverência que ela
prendeu a respiração.
— Não me acorde — sussurrou ela, lembrando-se de suas
palavras no dia em que a reencontrou na praia de Roscoff. Que
estranho, ela pensou, tê-lo encontrado na praia tantos meses atrás,
e ele tê-la encontrado novamente naquela mesma costa.
O conde abaixou a cabeça, sussurrando palavras suaves contra
sua pele: — Vamos sonhar juntos e deixar o mundo real para trás, e
nunca mais voltar — disse ele, e ela suspirou, imaginando quanto
tempo levaria até que pudessem sair com segurança do café da
manhã do casamento sem parecerem rudes.
A cerimônia em si foi misericordiosamente breve, com a
presença apenas das tias, Aubrey, Henri e Lawrence. E, naquele
momento, Aubrey estava caminhando até ela, e ela percebeu que
estava um pouco nervosa ao encontrar mais uma vez seu amigo
mais próximo, a quem ela não via desde antes de sua partida
apressada, todos aqueles meses atrás.
— M-meu querido, Aubrey — gaguejou ela, sentindo-se
repentinamente chocada com a forma como havia usado o nome
dele para deixar Alex com ciúmes. — É tão bom ver você, e com a
aparência tão boa. — Ela olhou para seu marido, e ele arqueou uma
sobrancelha para ela, mas para seu alívio seus olhos dançaram com
diversão. Ela suspirou e sabia que deveria enfrentar o inevitável. —
Receio que lhe devo desculpas — disse ela, voltando-se para
Aubrey, com as bochechas vermelhas.
— Concordo — disse ele, com certa indignação. — Você não
poderia ter feito uma cerimônia mais curta? Meu Deus, passei esse
tempo todo preso entre minha avó e a querida e velha Dotty
chorando, copiosamente. Não trouxe lenços, é tudo o que direi,
então, não comece a agir como uma manteiga derretida, pois não
posso ajudá-la.
— Non, eu não estava me referindo a isso, garoto bobo... mas
sim... por dizer a Alex que você tinha pedido a minha mão.
Aubrey empalideceu e piscou para ela, olhando para Alex, que
respondeu com uma expressão branda, e, então, respondeu com
certa força: — Você fez o quê? Maldita seja! Podia ter morrido por
sua causa!
Céleste mordeu o lábio, dividida entre a diversão diante do
alarme em seus olhos e o verdadeiro arrependimento por ter sido
tão enganosa. — Sinto muito, Aubrey, sincerramente. Mas ele não
matou você, afinal, então não há do que se prreocupar.
— Nossa, de todos as... — bufou Aubrey e balançou a cabeça.
— Nunca conheci uma garota tão propícia a se meter em
encrencas. — Ele lançou um olhar sério a seu primo e apontou o
dedo para ele. — Não deixe que ela tenha em mãos uma
sombrinha, isso é tudo que eu digo — disse ele, sombriamente. —
O melhor conselho que posso lhe dar — acrescentou ele.
— Estou em dívida com você, tenho certeza — disse Alex, com
certa gravidade enquanto Céleste bufava ao lado dele.
***
A família voltou para casa, e o luxuoso café da manhã de
casamento os aguardava. Alex suportou estoicamente o brinde de
todos, e a festa ficava ainda mais alegre enquanto o champanhe
corria. Na verdade, ele estava tão atordoado quanto sua noiva e se
perguntava que diabos tinha feito para merecer uma felicidade tão
completa e pura. Era um pensamento que não ousava refletir por
muito tempo, pois estava convencido de que não era nada nesta
vida. Mas se a retribuição viesse a seguir, aceitaria alegremente,
pois uma eternidade no inferno não poderia dissuadi-lo de extrair
cada grama de prazer e alegria das horas desde que encontrou sua
mignonne e a trouxe segura para casa, onde ela pertencia.
Ele se inclinou e interrompeu a conversa dela com Aubrey – os
dois discutiam bastante contentes, como pareciam estar
acostumados a fazer.
— Posso ter um momento com minha esposa? — perguntou ele
a seu primo, educadamente.
— Meu Deus, pois não — disse Aubrey, acenando com a mão
em um gesto impaciente. — Leve-a embora e dê um descanso ao
meu cérebro.
— Bah! — respondeu Céleste, e, então, olhou para se certificar
de que tia Seymour não havia notado, aliviada por encontrá-la muito
ocupada repreendendo tia Dotty por alimentar Bandit da mesa. —
Criatura odiosa! — disse ela, voltando sua atenção para Aubrey. —
Se tivesse algo parecido com um cérebro, estaria realmente
cansado pelo exercício.
— Que diabos? De modo algum.
— Crianças... — disse Alex, com um suspiro, recebendo um
olhar furioso de ambas as partes como resposta. — Milady, por
gentileza?
Com um olhar arrogante para Aubrey, ela aceitou a mão do
conde e levantou-se graciosamente, mas estragou o efeito ao virar-
se para mostrar a língua para Aubrey, e caindo na gargalhada
quando ele revirou os olhos para ela.
Ela olhou para Alex com um sorriso triste. — Oh, querido, acho
que vou ser uma esposa extrremamente terrível, não vou?
Ele riu e se inclinou para beijar seu nariz. — Perfeitamente —
respondeu ele.
— Para onde estamos indo, Alex? Ainda não podemos ir, a
refeição ainda não acabou.
Alex deu um longo suspiro. — Sim, eu sei disso, vamos voltar
logo, como suponho que devamos, mas... há algo que quero lhe dar.
Os olhos de Céleste se arregalaram de surpresa enquanto ele a
conduziu pela porta de seu escritório. — Mais presentes? Nem
pensar, Alex, realmente você não precisa fazê-lo. O belo conjunto
de safiras, os diamantes, as pérrolas de sua mãe e todos os
vestidos e sapatos e... ah, tudo o que você fez. Eu não prreciso de
mais nada. Na verdade, não poderria estar mais apaixonada. Se
fosse possível eu explodirria!
— Bem, acho que terei que correr o risco, mesmo assim —
disse ele, os cantos de sua boca se contorcendo levemente. —
Embora, na verdade, ma mie, isso não seja meu para dar, pois já
pertence a você.
Ele observou como sua fronte lisa franziu um pouco em
confusão. — Não entendo.
Fechando a porta silenciosamente atrás deles, ele pegou uma
quantidade de papelada de sua mesa e entregou-a a ela.
— Leia, meu amor — disse ele, com a voz gentil. Ela obedeceu,
e ele esperou, passando o braço ao redor de sua cintura e puxando-
a contra ele enquanto ela lia as palavras bastante formais nas
pesadas páginas de pergaminho.
— M-mas o que isso significa? — sussurrou ela, olhando para
ele com seus lindos olhos azuis brilhando.
— Exatamente o que está escrito, ma mie, você foi confirmada
como condessa de Valrey e todas as propriedades e itens que já
pertenceram à sua família agora são, com razão, seus e somente
seus.
Ela piscou e, quando falou, sua voz tremeu com a força da
emoção. — Você fez isso por mim?
— Algo muito pequeno, eu sei, mas que fiquei feliz em fazer.
— Oh, Alex!
Ela passou os braços ao redor dele e segurou-o com tanta força
que ele foi obrigado a resgatar os papéis antes que ficassem
amassados e arruinados.
— Há algo mais — acrescentou ele, quase se desculpando
enquanto ela balançava a cabeça e fungava.
— Oh, não, Alex, não aguento mais nada, é demais para mim —
disse ela, soando como se estivesse entre o riso e uma verdadeira
crise de choro.
— Mas eu queria tanto te mostrar isso, mignonne, e guardei
para hoje, certamente você não vai negar, vai?
Ela riu da seriedade de seu tom e balançou a cabeça
novamente. — Como quiser, milorde, você sabe que eu nunca
poderia negar nada a você.
Ele acariciou sua bochecha e se inclinou, roçando um beijo
contra seus lábios. — Você é muito boazinha — murmurou ele,
virando-a para que seus olhos caíssem sobre um grande item
encostado na parede e coberto com um lençol. Parecia mais uma
pintura. — Foi possível localizar alguns dos itens que pertenceram à
sua família. Temo que muito disso esteja perdido, mas há algumas
coisas, pinturas e móveis que foram recuperados. Esse em
particular imaginei que gostaria de ter por perto. — Ele se
aproximou e cuidadosamente tirou o lençol para revelar uma pesada
moldura dourada com o retrato de um casal muito bonito. O jovem
tinha um semblante bastante sério, embora houvesse um vestígio
de riso em seus olhos, e a mulher era perfeitamente encantadora,
com seus cachos dourados e grandes olhos azuis. A linguagem
corporal e o ar de tranquila felicidade entre eles deixavam, até
mesmo o observador mais descuidado, certo de que tinha sido um
casamento por amor e muito bem-sucedido.
Alex sentiu a garganta apertar quando Céleste cobriu a boca
com a mão e as lágrimas que ameaçavam antes finalmente
transbordarem de seus olhos tão parecidos com os da mulher do
retrato.
— Achei que nunca mais os verria — sussurrou ela, olhando
para a pintura e ignorando as lágrimas que escorriam por seu rosto.
— Bem, agora pode olhar para seus pais sempre que quiser e
saber que houve um tempo em que suas vidas eram felizes e
despreocupadas.
Ela assentiu, com o rosto tão cheio de emoção que ele achou
difícil manter a compostura. — Oui, gostarria muito de pensar neles
em tempos melhorres.
Ele aproximou-se e ficou atrás dela enquanto ela olhava para a
pintura, colocando os braços à sua volta para segurá-la mais perto.
— Você não tem noção da honra que me deu, mignonne, ao se
tornar minha esposa. Mas veja, estou levando sua felicidade muito a
sério. Você deve saber que eu faria qualquer coisa para que nunca
tenha motivos para se arrepender deste dia.
Ela virou-se em seus braços, com uma expressão de grande
indignação. — Oh, Alex, por que diz isso? Você sabe muito bem que
eu te amei desde o dia em que te encontrrei naquela praia, e terria
me casado com você e sido a esposa de um contrrabandista, e me
considerrarria realmente abençoada. Eu não parrecia uma
condessa, e agora sou duas vezes — disse ela, parecendo confusa
com o rumo dos acontecimentos. — Mas você não poderria me
deixar mais feliz. Apenas me ame, mon contrebandier, e nunca,
jamais me arrependerrei de um único momento.
— Não tenha dúvidas de que o farei, amor. Pretendo fazer
exatamente isso pelo resto dos meus dias. Mas estou feliz por ter
devolvido a você o que era seu por direito e... talvez um dia
tenhamos uma filha, e ela herdará seu título assim como um filho
herdará o meu.
Ela sorriu e levantou um dedo para traçar a linha de seu lábio
inferior, um toque terno que fez o desejo brilhar sob sua pele.
— Um filho e uma filha — murmurou ela. — Gostarria muito
disso. Quantos filhos você acha que deverríamos ter?
Ele aninhou seu rosto na mão dela, beijando a palma, com a voz
baixa e cheia de desejo. — Quantos você quiser, o suficiente para
encher esta casa velha e empoeirada de caos nos próximos anos.
Ela assentiu com o rosto sério. — Muito bem, então — disse ela,
com um suspiro. — Acho que talvez não devêssemos perder mais
tempo, afinal, há aquele grande berçário vazio para prreencher.
Ele riu baixinho quando a puxou para mais perto e beijou seu
rosto, seu nariz e o contorno de seu queixo. — Muito bem, milady.
Afinal de contas, não podemos ser vistos negligenciando nosso
solene dever. E, com isso, tomou sua boca e beijou sua esposa de
tal maneira que não poderia haver dúvida em sua mente sobre o
quão seriamente ele levava suas responsabilidades; e afinal, seus
convidados poderiam muito bem cuidar de si mesmos.
 
Fin
A seguir, na série Patifes & Cavalheiros... Vire a página para
uma prévia de...
A Filha do Escândalo
Patifes & Cavalheiros – Livro 3

 
Sebastian Grenville, o duque de Sindalton, conhecido como Sin
na alta sociedade, teve sua boa dose de escândalo. O envolvimento
de seu pai no que ficou conhecido como “o escândalo do século”
colocou-o no centro das atenções na tenra idade de doze anos, e,
assim, permanece, desde então. Encorajado por seu melhor amigo,
Beau – o marquês de Beaumont – sua vida é de desperdício e
comodidade. Mas todo duque precisa de um herdeiro, e todos
sabem que Sindalton está à procura de uma esposa.
Os dois homens, cansados de frequentarem bailes e de mães
casamenteiras, hospedam-se na casa de caça de um amigo na
Cornualha, onde Sindalton é apanhado por uma tempestade e
procura abrigo. Buscando refúgio em uma caverna, o duque fica
encantado quando se depara com a senhorita Georgiana Bomford,
sobrinha do médico local. Mas a beldade e vigorosa ruiva não se
impressiona com sua tentativa de seduzi-la. Sindalton, por outro
lado, sente-se cativado e decide conquistá-la, torna-a alvo de seu
charme irresistível. Mas Georgiana não é quem ele pensa que é, e
quando se reencontram em Londres, o passado escandaloso corre
o risco de se repetir.
A Filha do Escândalo
 
Onde o verdadeiro Amor queima,
o Desejo é a chama pura do Amor;
É o reflexo de nossa moldura terrestre,
Que retira seu significado da parte mais nobre,
E, nos traduz a linguagem do coração.
Desejo, por Samuel Coleridge
Prólogo

Eton, Windsor, Inglaterra, setembro de 1798.


Para Sebastian Grenville, o novo duque de Sindalton, aquele
ano tinha sido o mais miserável e doloroso de sua breve existência.
Uma vida que agora estava sujeita a mais reviravoltas ao ser
mandado embora de sua casa para estudar na Eton College. Aos
doze anos, perdeu seu pai carismático em um escândalo que abalou
as bases da alta sociedade e, agora, tudo o que conhecia e lhe era
querido e familiar, se fora.
Isso já era ruim o suficiente, mas vir de uma casa onde ele era
querido e festejado como o herdeiro do ducado e chegar em um
lugar frio e hostil era demais para que ele pudesse suportar; já que
todos o observavam com uma mistura de espanto e desgosto, em
vista das ações de seu pai.
Um menino anteriormente loquaz e confiante, em questão de
meses tornou-se introspectivo, perdeu uma grande quantidade de
peso – deixando-o desengonçado e desajeitado – e o mais
mortificante de tudo, desenvolveu uma gagueira.
O bullying tinha sido tão inevitável quanto aterrorizante, e foi
com um ar resignado e fatídico que observou o punho gordo de
lorde Robert 'Boko' Bexley mover-se para trás, para chegar às vias
de fato, com um fatídico soco.
A mão tremeu no ar por um breve momento antes que perdesse
o ímpeto, mas isso era mais curioso do que um alívio para quem
havia perdido o interesse e entusiasmo pela vida. Também foi
estranho ver a expressão crescente de ansiedade no rosto de Boko
Bexley, quando uma voz cristalina e arrastada falou, lentamente,
atrás dele: — Eu realmente não faria isso se fosse você.
Boko era um menino de rosto rosado e queixo quadrado que se
destacava naturalmente nos esportes, mas mal conseguia somar
dois mais dois sem a ajuda de seus dedos curtos e gordos. Sendo
esse o caso, ficar cara a cara com a língua mais mortal de toda a
escola não era algo que o pequeno lorde se aventurava
levianamente. O marquês de Beaumont também estava em seu
primeiro ano, mas sua fama já havia sido estabelecida muito antes
de pisar nos terrenos sagrados de Eton. Sua reputação era de ter
um par de punhos rápidos e um jeito com as palavras que poderia
destruir um menino muitos anos mais velho com um efeito
devastador.
Sebastian virou a cabeça, o que não era tão fácil quanto
parecia, já que tinha a mão esquerda carnuda de Boko em volta de
sua garganta e seu rosto estava à espera das atenções de sua mão
direita. Embora tivesse ouvido falar do marquês, assim como toda a
maldita escola, aquela era a primeira vez que Sebastian o via. Seus
olhos castanho-escuros encontraram os olhos azuis incrivelmente
azuis de um tom tão claro quanto gelo; e uma mecha de cabelo loiro
espesso emoldurava o rosto mais angelical que já adornou o
semblante de um menino de doze anos.
— Isso não é da sua conta, Beau — disse Boko, com a voz
cheia de justificada indignação e emitindo um leve gemido.
— Nem por isso — respondeu Beau, seu comportamento era o
de alguém trazendo más notícias. — Veja bem, eu decidi que é, sim,
pois, então... aí está. — O semblante angelical confrontou a
expressão carrancuda e obstinada de Boko enquanto Beau dava de
ombros, desculpando-se porque a única maneira de Boko agora
salvar a pele era lutando contra Beau.
Dez minutos depois, Boko estava sendo apoiado por seus
comparsas enquanto estancava a enxurrada de sangue do nariz.
— A-agradeço-lhe muito — gaguejou Sebastian, olhando para
seu estranho salvador com cara de anjo com algo próximo ao temor.
— Embora eu não entenda p-por que você deva me ajudar.
Uma leve carranca vincou o semblante santo, e o marquês deu
de ombros. — Nem eu — respondeu ele. — Costumo agir por
impulso de vez em quando, sabe-se lá por quê. — Ele sorriu, de
repente, e Sebastian viu muito mais do diabo em seus olhos
risonhos do que o anjo que aquele rosto inocente sugeria. — Além
disso — acrescentou ele. —, eu estava interessado em conhecer
alguém cujo pai era tão canalha e sem coração quanto o meu ainda
é.
Sebastian fitou-o, boquiaberto, sem saber se deveria ficar
furioso com o insulto a seu falecido pai ou chocado e impressionado
por ele falar de seu pai de maneira tão ofensiva. Ele foi salvo da
tarefa de compreender tudo isso quando Beau falou novamente,
divertido com sua expressão estupefata. — Ah! Fala sério. Não vai
me dizer que se seu pai aparecesse para você do além, não o
xingaria?
— B-bem... não — respondeu Sebastian, um tanto duvidoso. A
discussão foi interrompida, no entanto, quando o sino ruidoso tocou
no pátio.
— Essa não! — exclamou Beau. — Vamos perder o café da
manhã. Anda! Estou morrendo de fome. — E, agarrando Sebastian
firmemente pela mão, guiou seu novo amigo atrás de si, de volta
para a escola.
Capítulo 1
“No qual amigos de longa data discutem a idiotice do passado e
planejam o futuro.”

Londres, agosto de 1816.


Sebastian lembrou-se daquele dia fatídico, cerca de dezessete
anos antes, com um sorriso irônico. Ele não via seu amigo mais
próximo há quase seis meses e ficou desapontado ao descobrir que
havia sentido saudade do tolo insolente. Beau conseguia leva-lo ao
limite como ninguém, nunca medindo suas palavras ou controlando
a língua afiada. Mas, para Sebastian, que recebia bajulações e
elogios constantes em quase todos os cantos, era tão revigorante
quanto brutal.
Um leve roçar da porta fez com que percebesse a presença de
seu mordomo, o temível Biddle, que anunciou o marquês enquanto
o próprio homem entrava no cômodo.
— Ora, ora — disse Sebastian, lentamente, recostando-se em
sua cadeira e olhando para Beau com diversão. — A volta do filho
pródigo.
Beau ergueu uma sobrancelha, e seus frios olhos azuis
demonstravam divertimento. Ele se virou para Sebastian, erguendo
as mãos de maneira beatífica. — Pai, eu pequei contra o céu e
contra Ti. Não sou mais digno de ser chamado Teu filho.
— Bem, isso eu acredito — respondeu Sebastian, bufando de
diversão. — Estou apenas surpreso que você tenha se lembrado da
citação, seu pagão.
— Não me fale de pagãos — disse Beau, com desgosto,
sentando-se e acenando com a mão para indicar que Sebastian
deveria pegar uma bebida para ele. — Seis meses! Seis meses
inteiros naquele lugar abandonado por Deus. Eu estava quase
pronto para me jogar no rio, posso garantir. E eu me certificaria de
encontrar um que fosse bem profundo.
— Ah, sim — disse Sebastian, sorrindo enquanto levantava-se
para servir a ambos uma bebida. — E como está a estimável lady
Worth?
Beau fez uma careta para ele e tomou a bebida oferecida com
um bufo de aborrecimento. — Tendo em mente que estive na
Escócia pelo único motivo de não saber como está Lady Worth, não
posso deixar de sentir que você está tentando me irritar.
— Como se eu fosse conseguir — murmurou Sebastian,
retornando ao seu assento. — Ainda assim, ela está viva, pelo
menos, isso eu sei. Podia ter sido pior o mergulho dela no rio Cam
— acrescentou ele, rindo.
Beau lançou-lhe um olhar sombrio. — Pode parecer divertido
para você, mas sofri nas mãos daquela criatura idiota. Quase
lamento que o tola não tenha percebido que o Cam raramente tem
mais de um metro de profundidade e, em vez disso, tentando o
Tâmisa. Mas se ela realmente tivesse a pretensão de colocar um
ponto final em sua vida, é incrível que não tenha pensado em fazer
a tentativa sem uma dúzia de seus admiradores lá para socorrê-la.
— Bem, talvez isso o ensine a brincar com damas casadas —
disse Sebastian, em tom de censura, embora seus olhos ainda
dançassem de tanto rir. — Então me diga — continuou ele,
ignorando o olhar de desgosto no rosto de seu amigo. —, você está
sendo ignorado ou as pessoas ainda o cumprimentam na rua?
Beau bufou e esticou as longas pernas na frente dele. — Então,
parece que me saí muito bem, embora ainda não tenha visto meu
pai — acrescentou ele, com um tom casual que não enganou
Sebastian por um segundo sequer. O pai de Beau era um homem
cruel e malicioso que adorava atormentar seu único filho e herdeiro.
— E você vai vê-lo? — Sebastian observou a sombra sobre o
rosto de Beau antes de olhar para cima, percebendo Sebastian
observando-o.
— Não se puder evitar — respondeu ele, o vislumbre de um
sorriso aparecendo. — Na verdade, eu estava indo para a
Cornualha. Gower me convidou, disse que você também poderia vir.
— Para Carn Brea?
Beau assentiu. — Ele prometeu entretenimento — acrescentou
ele, sorrindo e engolindo o resto de sua bebida em um grande gole.
Sebastian franziu os lábios. Ele tinha uma boa noção das
diversões de seu amigo, lorde Gower, e ficou desanimado ao
descobrir que a ideia o entediava. Na verdade, há algum tempo
estava ciente de uma crescente sensação de inquietação e
insatisfação. Desde as façanhas escandalosas de seu pai, tornara-
se imune a fofocas, mas, além de uma reputação chocante e bem-
merecida com as mulheres, raramente fazia qualquer coisa que
provocasse muitos falatórios. Ele jogava moderadamente e
raramente bebia em excesso. Infelizmente, sua amizade com Beau
era tamanha que não precisava. Beau era um escândalo à espera
de um lugar para acontecer, e Sebastian tinha sido manchado por
associação.
— Oh, vamos, Sin — persuadiu Beau. — Não diga que não vai.
Tenho estado terrivelmente entediado, e não será a mesma coisa se
não vier.
Deixando escapar um suspiro, Sebastian franziu a testa e olhou
para Beau. — Oh, pode ser, bem que gostaria de sair de Londres,
verdade seja dita. Não que o tempo esteja muito promissor.
— Não mesmo, está congelando, parece mais março do que
agosto, mas no Norte está muito pior, acredite em mim —
resmungou Beau. — Fiquei surpreso de encontrá-lo aqui, na
verdade. Achei que teria que ir até aquele lugar caindo aos pedaços
para desenterrar você.
— Não está caindo aos pedaços — retorquiu Sebastian, embora
soubesse que Beau estava provocando-o. Seu interesse e a
quantidade de tempo que dedicava à sua propriedade eram algo
que sempre confundia Beau, que começou a se referir a ele como
“Fazendeiro Grenville”. — E eu estou me escondendo de mamãe —
admitiu ele.
— Ah — assentiu Beau, compreendendo. — Ela quer saber
quando você vai se casar, obviamente.
Sebastian reconheceu isso com uma careta. Ele estava bem
ciente do que era, devido à sua posição e obrigação de fornecer um
herdeiro. Ele havia concordado, há mais de dezoito meses, que iria
se casar, e logo. Concordar em fazer a coisa certa e realmente ir até
o fim, no entanto, eram coisas totalmente diferentes. Agora, porém,
todo mundo sabia que estava procurando uma esposa e estava farto
de ter todas as jovens elegíveis empurradas goela abaixo a cada
passo que dava.
A visão de outra senhorita afetada piscando para ele na
esperança de se tornar sua duquesa era o suficiente para revirar
seu estômago e fazê-lo querer sumir do mapa. Ele chegou ao ponto
de compilar uma lista de todos os atributos necessários em sua
futura esposa, na esperança de tomar uma decisão sensata – algo
que Beau achou extremamente hilário. Na ausência de Beau,
entretanto, ele conheceu a comtesse de Lavelle e jogou a lista fora.
Como ela era bela, e não da maneira comum. Havia uma
inteligência e um peso de experiência em seus olhos que
desmentiam sua juventude. Mas Céleste Lavelle estava
desaparecida. Ele não acreditara nem um pouco na história que lady
Seymour havia espalhado de que ela tinha ido ficar com a família na
França, e a culpa revirou seu estômago. Havia algo entre ela e
Falmouth, ele tinha certeza. A tola criança estava apaixonada por
ele, mas um libertino como o conde nunca se casaria com ela.
Sebastian foi atingido pelo desejo cavalheiresco de salvá-la, de
protegê-la de sua própria loucura, e todos os seus planos e listas
foram jogados pela janela.
Ele estremeceu ao lembrar-se que havia enviado a senhora
Morris, a glamourosa amante de Falmouth, à casa do homem em
Londres para fazer uma cena. Uma cena que Céleste seria incapaz
de ignorar. Ela veria o tipo de homem que Falmouth era, e quando
Sebastian chegasse no dia seguinte para fazer sua proposta de
casamento, e ela seria impelida a aceitar.
Mas a senhora Morris havia ido longe demais. Ela tinha suas
próprias contas a acertar com Falmouth, e as acertou. Quando
Sebastian chegou no dia seguinte, foi recebido com fria polidez pela
cunhada de Falmouth e recebeu a notícia de que Celeste não
estava em casa. Quando ela continuou fora de casa por mais dez
dias e rumores começaram a circular, forçou a senhora Morris a lhe
contar tudo. Sua raiva tinha sido algo digno de se ver.
— No que está pensando? — indagou Beau, forçando-o a sair
de seu devaneio.
Ele balançou a cabeça.
— Ainda sem notícias de sua fada francesa? — perguntou ele,
com uma sobrancelha levantada.
Sebastian fez uma careta. Beau tinha o estranho hábito de
saber o que ele estava pensando. Ele nunca deveria ter-lhe contado
sobre Celeste, mas a culpa de suas ações o corroía e ele precisava
desabafar. Beau, contudo, era alguém confiável.
— E a senhora Morris? — perguntou seu amigo, com
curiosidade brilhando naqueles olhos azuis frios. — Você ainda é o
protetor dela?
— Depois do que ela fez? — Sebastian respondeu com repulsa.
Ele balançou a cabeça e traçou contornos no copo de cristal que
segurava com um dedo longo. — Acho que não. Por quê? —
perguntou ele, olhando para cima. — Você está interessado?
— Nem pensar. — Beau fez uma careta e tirou um pedaço de
fiapo da manga de sua jaqueta feita sob medida. — Mulher rodada
nunca foi do meu agrado — murmurou ele, com um brilho de malícia
em seus olhos.
— Que comentário vulgar, Beau — disse Sebastian, com o tom
de reprovação. — Que vulgar!
Beau riu, perfeitamente impiedoso.
— Então, enquanto falamos, exatamente quantas damas
escocesas solitárias estão definhando com o coração partido ou se
jogando de pontes agora que você as deixou sozinhas, por favor,
diga-me? — perguntou Sebastian, redirecionando a conversa para
Beau.
Seu amigo levantou uma sobrancelha arrogante. — Um número
bastante respeitável, tenho certeza — respondeu ele, com absoluta
seriedade.
Por um momento, Sebastian ficou chocado com a aparente falta
de consideração de Beau pelas mulheres com quem flertava. Era
algo com o qual ele sempre teve problema. Como Beau, que era um
amigo tão leal e capaz de atos de bondade bem humildes, embora
caprichosos, pudesse ser um bruto sem coração quando se tratava
de mulheres. — Ela está arruinada, você sabia? — disse ele,
observando no rosto de Beau qualquer traço de arrependimento ou
culpa. Mas ele não encontrou nenhum.
— Bem, isso é o que você ganha por se jogar de uma ponte na
frente de cerca de uma dúzia de espectadores — disse ele, com
desgosto. — Quando penso no esforço que fiz para ser discreto... e
não adianta nada olhar para mim com tanta reprovação. Não é
como se eu tivesse seduzido uma inocente. Mulher idiota, ela sabia
muito bem que não havia nada de sério entre nós.
— Nem sempre você escolhe por quem se apaixona, Beau.
— Apaixona? — respondeu Beau, com o rosto incrédulo. — Ela
não me amava. Você sabe tão bem quanto eu que uma mulher
assim não ama nada mais do que seu título e dinheiro.
Sebastian ficou chocado com o veneno de suas palavras, não
que pudesse contradizê-las. Ele aprendeu muito jovem a verdade e
trancou seus verdadeiros sentimentos bem longe, embora talvez
não tanto quanto Beau. Céleste o havia lembrado de que era
possível para ele sentir, embora não tivesse ilusões de estar
apaixonado pela garota. Eles só se encontraram algumas vezes,
mas isso o fez perceber que era de carne e osso, e que seus
sentimentos ainda estavam lá, adormecidos, mas não mortos.
— Bem, então, está combinado — disse Beau, voltando ao
ponto anterior de sua conversa. — Vamos até a casa de Gower pela
manhã, certo?
Sebastian assentiu em concordância. — Pego você às oito. Não
me deixe esperando — advertiu ele, lançando-lhe um olhar feroz
sob as grossas sobrancelhas escuras.
Beau revirou os olhos. — Por que temos que sair em uma hora
tão desagradável da manhã?
— Porque eu quero.
— Sim, Vossa Graça — respondeu Beau, fazendo uma imitação
bastante impressionante de Biddle.
Sebastian deu um largo sorriso. — Está bem. Mas cuidado para
não entrarmos na propriedade de Falmouth. Faz fronteira com a de
Gower, se bem me lembro; e duvido que ele fique feliz em me ver.
— Sério? — disse Beau, com a expressão pensativa. — Será
que eu conseguiria fazer isso acontecer? Bem, isso, sim, seria
divertido.
 
A Filha do Escandalo
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Comecei essa incrível jornada em 2010 com A Chave Para


Erebus, mas não tive coragem de publicá-lo até outubro de 2012.
Para quem já passou por isso sabe que publicar seu primeiro
trabalho é uma coisa terrivelmente assustadora. Eu ainda fico
nervosa quando um novo título é lançado, mas agora esse terror
diminuiu, finalmente. Agora o meu pavor é quando minhas filhas
tiverem idade suficiente para lê-los.
Que terror! (para ambas as partes, suponho)
No ano de 2017, fiz minha primeira incursão no Romance
Histórico e no mundo do Romance Regencial. Meu Deus, que ano!
Fiquei encantada com a resposta a esta série e mal posso esperar
para adicionar mais títulos. Os leitores de Romance Paranormal não
precisam se desesperar, pois há muito mais por vir também.
Escrever tornou-se um vício e, assim que um livro termina, fico
extremamente animada para começar o próximo. Por isso, vocês
podem contar com muito mais no futuro.
Como muitas das minhas obras refletem, sou muito influenciada
pela bela paisagem francesa em que vivo. Estive aqui no Sudoeste
desde 1998, embora tenha nascido e crescido na Inglaterra. Minhas
três lindas filhas são todas bilíngues, e eu, meu marido – Pat – e
nossos quatro gatos nos consideramos extremamente afortunados
por termos feito deste lugar tão lindo o nosso lar.
CONTINUE LENDO PARA DESCOBRIR MEUS OUTROS
LIVROS!
Outras obras de Emma V. Leech
(Para aqueles que leram a série A Lenda Francesa Fae, lembre-
se de que cronologicamente O Coração de Arima precede O
Príncipe das Trevas)
 
Patifes & Cavalheiros

 
A Série - Patifes e Cavalheiros
 
Damas Ousadas (disponível no Kindle Unlimited)

 
A Série - Damas Ousadas
 
 
Filhas Ousadas (em breve)
 
 
Os Romance Regenciais de Mistério (em breve)

 
 
A Lenda Francesa dos Vampiros (em breve)

 
 
A Lenda Francesa Fae (em breve)
 
Livros Independentes (em breve)
 
Um Amante de Livros (uma novela paranormal)
A Menina Não Está para o Natal (Romance Regencial)
Audiobooks
(títulos disponíveis apenas em inglês)
Não tem tempo para ler, mas ainda precisa de uma dose de
romance? A espera acabou...
Depois de muitos pedidos, garanta alguns de seus livros
favoritos de Romance Regencial de Emma V. Leech em áudio,
interpretados pelos incomparáveis Philip Battley e Gerard Marzilli.
Vários títulos disponíveis e mais adicionados a cada mês!
Encontre-os na sua loja de audiobook favorito!
 
Damas Ousadas — A nova série emocionante de Emma V. Leech, a
multipremiada escritora de romances top 10 da Amazon, por trás da série
Patifes e Cavalheiros.
Dentro de cada jovem tímida e isolada pulsa o coração de uma leoa, uma
pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu sonho, se puder
encontrar a coragem para começar. Quando essas jovens ignoradas fazem
um pacto para mudar suas vidas, tudo pode acontecer.
Dez Mulheres - Dez Desafios Inesperados. Quem Se Atreverá A
Arriscar Tudo? 
Desafiando um Duque
Damas Ousadas - Livro 1

Sonhos de amor verdadeiro e felizes para sempre.


Sonhos de amor são todos muito bons, mas tudo o que Prunella
Chuffington-Smythe quer é publicar seu romance. O casamento a custo de
sua independência é algo que ela não considerará. Experimentou o sucesso
escrevendo sob um nome falso na revista semanal The Ladies, onde seu álter
ego está alcançando notoriedade e fama, à qual Prue gosta bastante.
Um dever que tem que ser suportado.
Robert Adolphus, o duque de Bedwin, não tinha pressa em se casar, ele
já fez isso uma vez e repetir esse desastre é a última coisa que deseja. No
entanto, um herdeiro é um mal necessário para um duque e não pode se
esquivar disso. Uma reputação sombria o precede, visto que sua primeira
esposa pode ter morrido jovem, mas os escândalos que a bela, vivaz e
rancorosa criatura forneceu à sociedade não a acompanharam. Devia
encontrar uma esposa. Uma esposa que não seria nem bonita nem vivaz,
mas doce e sem graça, e que com certeza ficasse longe de problemas.
Desafiado a fazer algo drástico.
O súbito interesse de um certo duque desprezível é tão desconcertante
quanto indesejável. Ela não vai jogar suas ambições de lado para se casar
com um canalha agora que seus planos de autossuficiência e liberdade estão
se concretizando. Mostrar-se claramente ao homem que ela não é a florzinha
que ele procura, será suficiente para dar fim às suas intenções? Quando Prue
é desafiada por suas amigas a fazer algo drástico, isso parece ser a
oportunidade perfeita para matar dois pássaros.
No entanto, Prue não pode deixar de ficar intrigada com o ladino que
inspirou muitos de seus romances. Normalmente, ele desempenhava o papel
de bonito libertino, destinado a destruir sua corajosa heroína. Mas será
realmente o vilão da trama desta vez, ou poderia ser o herói?
Descobrir será perigoso, mas poderá inspirar sua melhor história até hoje.
Desafiando um Duque
 
Da autora da série best-seller Damas Ousadas – Uma nova série
empolgante com as filhas das Damas Ousadas...
As histórias do Clube do Livro de Damas Peculiares e seus desafios se
tornaram lendas entre seus filhos. Quando o chapéu é redescoberto,
empoeirado e abandonado, as demais ousam desencadear uma série de
eventos que ecoarão por todas as famílias... e suas...
Filhas Ousadas
Ousando Seduzir (em breve)
Filhas Ousadas - Livro Um

 
Duas filhas ousadas...
Lady Elizabeth e lady Charlotte são filhas do duque e da duquesa de
Bedwin. Criadas por uma mãe nada convencional e um pai indulgente, um
tanto superprotetor, ambas se esforçam contra a rígida moralidade da época.
A imagem elegante de uma jovem mansa e fraca, propensa a desmaiar
na menor provocação, é aquela que as faz fervilhar com frustração.
Seu belo amigo de infância...
Cassius Cadogen, visconde Oakley, é o único filho do conde e condessa
St. Clair. Amado e indulgente, ele é popular, gloriosamente bonito, e um artista
talentoso.
Retornando de dois anos de estudo na França, sua amizade com as duas
irmãs fica tensa quando o ciúme aumenta. Uma situação não ajudada pelos
dois franceses misteriosos que o acompanharam até em casa.
E a rivalidade entre irmãs...
Paixão, arte e segredos provam ser uma combinação inflamável, e
alguém sem dúvida se queimará.
 
Interessado em um Romance Regencial com reviravoltas?
Morrendo por um Duque (em breve)
O Romance Regencial de Mistério - Livro 1

Apropriado, imperioso e moralmente rígido, Benedict Rutland – o


belo e sombrio conde de Rothay – ganhou seu título muito jovem.
Responsável por uma grande família de irmãos mais novos que os
seus pais frívolos levaram à falência, a sua juventude foi gasta
tentando recuperar a fortuna da família.
Agora, já um homem em seu auge e financeiramente seguro,
torna-se noivo de uma mulher estrita, sensata e de cabeça fria que
nunca perturbará o equilíbrio de sua vida ou perturbará suas
emoções… 
Mas, então, surge a senhorita Skeffington-Fox.
Criada apenas por seu padrasto libertino, Benedict vê-se
escandalizado com tudo relacionado à senhorita arrojada.
Mas como os membros da família na fila para o ducado
começam a morrer a um ritmo alarmante, todos os dedos apontam
para Benedict, e Miss Skeffington-Fox pode ser a única que pode
salvá-lo.
Perca-se no mundo paranormal de Emma com a série A Lenda
Francesa do Vampiro.
A Chave para Erebus
A Lenda Francesa do Vampiro - Livro 1

A verdade pode matar você.


Quando criança, é levada para longe para uma vida em que os
vampiros, faes e outras criaturas míticas são reais e traiçoeiras. Ao
regressar à França rural, Jéhenne Corbeaux, a bela jovem bruxa,
está totalmente despreparada para viver com a sua excêntrica avó.
Lançada de cabeça em um mundo sobre o qual ela nada sabe,
procura descobrir a verdade sobre si mesma. Nessa jornada,
descobre segredos mais chocantes do que qualquer coisa que
jamais poderia ter imaginado e conclui que não é, de forma alguma,
impotente para proteger aqueles que ama.
No entanto, apesar das terríveis advertências de sua avó, é
inexoravelmente atraída pela figura sombria e aterrorizante de
Corvus, um antigo vampiro e mestre da vasta família Albinus.
Jéhenne está prestes a encontrar as respostas que buscava e a
descobrir que Corvus não só é muito mais perigoso do que ela
jamais poderia imaginar, mas também que ele detém muito mais do
que a chave do seu coração…
Disponível no Kindle Unlimited
A Chave para Erebus
 
Confira a emocionante série de fantasia de Emma, aclamada
pelo Kirkus Reviews como “uma fantasia encantadora com uma
heroína simpática, intriga romântica, e floreios narrativos
inteligentes.”
O Príncipe das Trevas (em breve)
A Lenda Francesa Fae - Livro 1

Dois Príncipes Fae


Uma Mulher Humana
E um mundo pronto para separá-los.
Laen Braed é o príncipe das trevas fae, com um temperamento
e reputação que combinam com seus olhos negros, e um coração
que despreza a raça humana. Quando ele é enviado de volta
através dos portões proibidos entre reinos para recuperar um antigo
artefato fae, volta para casa com muito mais do que esperava.
Corin Albrecht, o príncipe élfico mais poderoso que já existiu.
Dizem que seus olhos dourados são um presente dos deuses.
Agora, o destino está batendo a sua porta. Com um profundo amor
pelo mundo humano, a sua amizade com Laen está a ponto de ser
dilacerada pelos seus preconceitos.
Océane DeBeauvoir é uma artista e encadernadora de livros
que sempre confiou na sua imaginação viva para sobreviver a uma
vida infeliz e tranquila. Uma adaga enfeitada com joias e expostas
num museu próximo aparece nas manchetes levantando
especulações de uma outra raça, a fae. Mas a descoberta também
inspira Océane a criar uma obra de arte extraordinária que não pode
ser confinada às páginas de um livro.
Com dois homens poderosos disputando sua atenção, e a
amizade entre eles prestes a ponto de romper, a única questão que
permanece é… quem é realmente o Príncipe das Trevas?
O homem dos seus sonhos está chegando… ou são os seus
pesadelos que ele visita? Descubra no Livro Um da lenda Francesa
Fae.
Agradecimentos
Obrigada, como sempre, à minha maravilhosa editora por ser
paciente e amar meus personagens tanto quanto eu. Gemma, você
é a melhor!
Para Victoria Cooper, por todo o seu trabalho duro, sua obra de
arte é incrível e, acima de tudo, sua paciência sem fim!!! Muito
obrigada. Você é incrível!
À minha melhor amiga, assistente pessoal, torcedora de
carteirinha e provedora de chocolate, Varsi Appel, pelo apoio moral,
por aumentar minha confiança e por ler o meu trabalho, mais vezes
do que eu. Eu te amo muito!
Um enorme obrigada a todos os membros do Clube do Livro da
Emma! Vocês são os melhores!
Eu fico sempre tão feliz em ouvi-los. Por isso, sintam-se à vontade
para enviar um e-mail ou uma mensagem ��
emmavleech@orange.fr
Ao meu marido Pat e à minha família… por sempre se orgulharem
de mim.
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