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De acordo com Roudinesco (2011, p. 18), Lacan se distinguia dos outros herdeiros de
Freud, como Melanie Klein e Winnicott dentre outros, por se distanciar desde muito cedo de
uma ideia da psicanálise reduzida a um corpus clínico.
Lacan chegara a um momento crucial de sua existência, entre 1950 e 1970, ao criticar
o que chamava de um recalcamento da essência da revolução psicanalítica, que seria a noção
do sujeito cindido devido à existência do inconsciente. Com isso, Lacan retorna a Freud para
resgatar o único método suscetível de explicar as estruturas inconscientes, que estão inscritas
nos mitos e na linguagem, de acordo com ele (ROUDINESCO, 2011, p. 21).
A partir de Freud, então, e influenciado pelos trabalhos de Claude Lévi-Strauss,
dentre outros pensadores contemporâneos a ele, Lacan inscreveu-se numa tradição que lhe
permitiu arrancar o ser humano do universo oculto e da falácia do ego enquanto instância
consciente e adaptativa às leis sociais (ROUDINESCO, 2011, p. 22).
A obra de Lacan se desdobra como um sistema de pensamento, de acordo com
Roudinesco, pois tem uma coerência interna instituída na criação de conceitos originais e
também através do empréstimo de outras disciplinas, como a linguística, a matemática, a
filosofia, a antropologia etc (ROUDINESCO, 2011, p. 23).
Com esse movimento, Lacan dá à sua psicanálise um arcabouço filosófico, tirando-a
de seu enraizamento biológico e reintroduzindo o pensamento filosófico alemão na
psicanálise (ROUDINESCO, 2011, p. 24). Lacan, com Freud, retoma então os conceitos
fundamentais, para ele, da obra freudiana, como o inconsciente, a pulsão, a repetição, a
transferência e a identificação, e com isso nos convoca a pensar o humano como Freud
pensava, a partir de uma conceituação própria sua, de sujeito do inconsciente.
Ao perpassar por diversas áreas do saber que o influenciaram em seu tempo, como os
saberes da linguística, através de Sausurre, Jakobson e Benveniste; da antropologia estrutural
com Claude Lévi-Strauss; da dialética de Hegel; além da referência à Espinosa, dentre outros
pensadores contemporâneos a ele, e a partir da cartografia do inconsciente realizada por
Freud, principalmente na “Interpretação dos Sonhos”, Lacan cria um pensamento muito
único, formulando proposições inéditas a respeito da teoria psicanalítica e sua prática clínica
(NOVAES, 2021).
Com esses pensadores e se servindo das bases da psicanálise freudiana, portanto,
Lacan formula, por exemplo, a proposição do inconsciente estruturado como linguagem, em
que o sujeito do inconsciente é formado pela linguagem. Ou seja, o inconsciente é formado
devido ao ser humano ser atravessado pela linguagem, campo esse exclusivamente humano.
Para ele, seria através dos significantes da linguagem que se articula no humano o
inconsciente. Inconsciente esse que não tem significação fixa (NOVAES, 2021).
Portanto, a questão da linguagem para Lacan é muito importante no desenvolvimento
de seu pensamento sobre a estruturação do inconsciente humano, chegando à sua construção
teórica de sujeito do inconsciente e do inconsciente estruturado como linguagem, a partir
desses referenciais (NOVAES, 2021).
Com isso Lacan queria dizer que o que existe é uma lógica de significantes, uma
cadeia de significantes, e o significante em si não representa nada, não tem significação. As
significações se formam da relação entre significantes. Dessa forma, é a partir do encontro
das articulações dinâmicas entre significantes que significações são produzidas.
Assim, é nesse frutífero retorno às bases epistemológicas da psicanálise freudiana que
Lacan estrutura seu pensamento, isto é, a partir da noção do inconsciente freudiano. Mas,
também, aprofundando-se em pontos que Freud não desenvolveu, como por exemplo a
questão do objeto a como constituinte do inconsciente.
Deste modo, Lacan faz uma leitura de Freud numa linguagem e conceituação própria,
buscando extrair da obra freudiana uma radicalidade. Radicalidade essa de uma mensagem
freudiana que é, em última instância, a do sujeito dividido, cindido, e de que não há
psicanálise operando sobre o eu (NOVAES, 2021).
Referências
LACAN, J. O Seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud, 1953-1954. 2 ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2009.
ROUDINESCO, E. Lacan, a despeito de tudo e de todos. 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1998.
NOVAES, L. H. M. Lacan e o retorno a Freud. 2021. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=7P9rJFTXYmQ. Acesso em: 4 fev. 2023.