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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES

ANA LUÍSA DE SOUZA RIBEIRO (13837922)

ANA VITÓRIA TERRIN CARVALHO (13780346)

KAORI LETICIA KIMURA (13646082)

LARISSA DOS SANTOS PAULO (13646206)

O ATO FALHO DE BOLSONARO DIANTE DA TEORIA DO


INCONSCIENTE

PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E TEMAS CONTEMPORÂNEOS - UMA VISÃO


PSICANALÍTICA - TURMA NOTURNO

PROF. IVAN RAMOS ESTEVÃO

SÃO PAULO

2022
1. INTRODUÇÃO

Como se sabe, Sigmund Freud despendeu muito tempo de sua vida para desenvolver
uma teoria investigativa sobre a psique humana. Durante suas investigações, ele sempre
buscou analisar as expressões, as lembranças e os atos de seus pacientes.
Diante dos atos falhos cometidos por ele e por seus pacientes, a ideia de que eram
apenas simples erros não fazia sentido. Por essa razão, o médico austríaco passou a investigar
melhor o processo que desencadeava a troca e o esquecimento de palavras (lapso), para
entender a sua relação com inconsciente. Por meio do registro de diversos atos falhos, Freud
conseguiu entender que aquele equívoco de palavras que, para alguns, era uma simples
confusão para o inconsciente era uma forma de manifestação de um desejo negado
(recalcado).
Com base no papel da linguagem para a psicanálise, uma vez que para Lacan, “o
inconsciente está estruturado como uma linguagem”, o objetivo do presente trabalho é a
compreensão dos conceitos mais importantes para a teoria do inconsciente, dando destaque
especial ao ato falho.
Para tanto, por meio de referenciais teóricos, os elementos e os conceitos mais
importantes para a psicanálise freudiana foram abordados nos tópicos abaixo. Ademais, para
mobilizá-los, buscou-se desenvolver uma análise de um ato falho cometido pelo atual chefe
do Executivo durante o último debate no primeiro turno.

2. A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM PARA PSICANÁLISE

A linguagem e a psicanálise são domínios tão contíguos que não é tarefa simples
estabelecer um limite entre dois campos, separados. A linguagem humana é o termo entre o
“eu” e o “outro”, ou seja, entre o sujeito ouvinte e o que fala, não há nada no mundo que não
participe da linguagem, ela é dinâmica e está sempre num processo de transformação.
Para Freud os fenômenos simbólicos, como os da linguagem, são fundamentais à vida
e estão ligados ao inconsciente. É pouco provável que as coisas tenham passado a significar
algo progressivamente; o mais provável é que após transformações tenham existido uma
passagem em que nada tinha sentido para tudo ter um sentido.
Freud compreende que fala é como uma ato de associação entre a imagem sonora e a
cinética da representação-palavra.
No processo de aprendizagem da linguagem, uma criança esforça-se para adequar a
imagem sonora que ela produz com aquela que ela escuta das pessoas à sua volta. De acordo
com essa perspectiva, um aparelho da linguagem só pode constituir-se através de outro
aparelho de linguagem que irá servir como um modelo de reprodução.
A fala do outro é a matriz para a repercussão de uma fala própria, Freud afirma que
“aprendemos a linguagem dos outros na medida em que nos esforçamos para tornar a imagem
de som produzida por nós o mais semelhante possível ao que deu ensejo à inervação da
linguagem. Aprendemos assim a repetir.”
Sendo assim, percebemos que Freud, ao elaborar a proposta de um aparelho de
linguagem fundamentado na associação de representações, começa a formular uma nova
compreensão de sujeito que é baseada no jeito como se conhece o mundo. Em outras
palavras, a forma como se estrutura o aparelho da linguagem se apresenta através da
conquista de seu significado por meio da conexão com representação objeto.
Assim, a representação-palavra só adquire significação mediante a associação de
diferentes elementos, conforme as impressões táteis, cinestésicas, visuais e auditivas. O
conhecimento do mundo tem como fundamento a linguagem.
Segundo o psicanalista, as composições das representações das palavras, ou seja as
associações entre diferentes elementos, pode-se compreender qualquer atividade do aparelho
de linguagem. Ele propõe que as representações se ligam entre si através de associações
constitutivas das próprias representações, nenhuma representação pode ser inscrita no
aparelho de linguagem isoladamente.
O período simbólico, infantil ou da cultura, é definido como um período de
indiferenciação entre o consciente e o inconsciente, em que a censura não foi completamente
erigida. Mas depois que é estabelecida a censura, há uma separação entre a consciência e o
inconsciente, pode-se observar que ainda há uma suspensão dessa barreira, é um verdadeiro
mergulho da consciência a resgatar tanto forma quanto conteúdo do inconsciente. Elas seriam
o chiste, a própria clínica analítica.
Esse período simbólico se encerraria assim que as palavras deixassem de ser tratadas
como coisas e as representações se tornassem alegóricas, ou seja, se ganhassem um outro
sentido do que si mesmos.
O que Freud chama de simbólico, seria algo com outro significado além de si mesmo,
como um mecanismo de desfiguração, seja aplicada a um sonho ou ao sintoma. Sendo assim
o símbolo seria substituto de algo outro que não pode ser mostrado explicitamente.
O homem desde sempre foi obrigado a alojar sua fala e seus pensamentos na
linguagem; porém pensamento e linguagem são matérias diferentes.
A capacidade humana de criar a linguagem se realiza em comunidade com uma
linguística específica, dada sua origem comunitária. A fala do sujeito é obrigatoriamente
vascularizada pelas vozes de sua cultura entrando em uma sincronia de constante mutação.
O logro estrutural da linguagem humana consiste em sua estrutura de rombo análogo
ao sujeito que a criou, por isso as chamadas línguas naturais (português, inglês, francês…) há
sempre elementos “eu”, “tu”, “ele”.
A ordem ternária é justamente a possibilidade da existência de 3 pessoas no discurso
(eu, tu, ele), representando a comunicação social mínima, pois sem o ternário não há
socialização. A ordem unitária descrita por Freud seria o inconsciente, em que tudo é
possível, não existe contradição, não há diferença entre o verdadeiro e o falso. Já a ordem
binária evita o excesso, a desordem e o movimento é a dinâmica da própria existência.
No consciente a inteligência é uma instância que nunca descansa: ela forma juízos,
organiza o caos, faz conexões, e se a inteligência não encontrar as conexões que exige ela não
hesita em fabricar uma falsa.
O pensamento ao contrário da inteligência, não vive de plantão, ele acontece somente
quando é provocado, quando há um estranhamento em relação ao mundo.
O pensamento e a linguagem são diferentes, porém é na linguagem que o homem
encontra significações, que o protegem contra o excesso de realidade de um mundo que
existe antes da linguagem, pois o mundo e a natureza são absurdos para nós, até que pela
mediação simbólica da linguagem é moldado um sentido para a realidade.

3. TEORIA DO INCONSCIENTE

Diante dessa compreensão da utilização da linguagem como forma de não somente


expressar os próprios pensamentos, mas essencialmente para comunicá-los a outros, assim
como proposto por Freud em sua obra “Sobre o sentido Antitético das Palavras Primitivas''
(2010), surge a discussão de pensamento idealizada por Freud, que está diretamente
relacionada com outro conceito elaborado pelo psicanalista que diz a respeito da construção
do aparelho psíquico, que constitui em um aparelho de linguagem e de memória, que toma a
questão tanto da capacidade racional, atribuída ao ser humano, como o domínio científico de
um pensamento como efeitos do inconsciente. Sob essa perspectiva, analisa-se que o aparelho
de linguagem não coincide com a ideia de ser um aparelho feito para a linguagem, mas sim
um aparelho construído pela linguagem, ou seja, que não existe sem a linguagem e sem
aquele que o fala.
A grosso modo, é válido ressaltar primordialmente, que a psicanálise retrata o
pensamento como algo entrinsicamente inconsciente. Isto pois, o sujeito está constantemente
assujeitado ao inconsciente, subvertido pela linguagem e dividido pela parcialidade da pulsão
(Burgarelli e Pereira, 2018), ou seja, a existência do sujeito pelo pensamento, introduz no
campo do saber e da experiência humana o inconsciente (Ic’s). A concepção Freudiana sobre
o inconsciente é incansavelmente trabalhada na obra “Interpretação de Sonhos”, sendo
explicada de uma forma dinâmica, fundamentada pelas hipóteses metapsicológicas operantes
na explicação dos sonhos e dos sintomas, assim, apresentando dois pilares da psicanálise:

“[1] O domínio sobre o curso de representação, com o cancelamento das


representações de meta [Zielvorstellungen] conscientes, passa para as
representações de meta escondidas; e [2] as associações superficiais são
apenas um substituto de deslocamento para associações suprimidas mais
profundas” (FREUD, 1900/1961, p.537)

No entanto, para Freud, os processos inconscientes do aparato psíquico são


subordinados pelo princípio do prazer, pois se orienta pela repetição pulsional da experiência
da satisfação e pela negação do sofrimento e/ou da tensão por parte do sujeito. Dessa forma,
Freud denomina esse jogo como “experiência da satisfação”, que é constituída por diversas
percepções simultâneas, que causam sentimentos de tensão e que, consequentemente, abrem
caminhos para a memória. Freud, também nomeia esta repetição pulsional, como estado de
desejo, onde nas palavras dele “resulta numa atração positiva pelo objeto desejado, ou mais
precisamente, por sua imagem mnêmica” (1895/2006, p. 374).
O processo de circulação de energia movida pelas representações tendem a escoar de
forma livre no aparelho psíquico, de forma que a energia passa de uma representação a outra,
buscando realizar a descarga desta tensão de forma rápida e direta, caracterizando dessa
forma como o princípio do prazer. Diante dessa lógica dos processos psíquicos,
compreende-se que de acordo com a Concepção Freudiana, o processo de produção do
pensamento, se distanciam de qualidades e podem se tornar conscientes se forem “investidos
por representações de palavras” que estejam afastadas das percepções originais, assim como
escreve Freud:
A representação (Vorstellung) consciente abrange a representação da coisa
mais a representação da palavra que pertence a ela, ao passo que a
representação inconsciente é a representação da coisa apenas. O sistema Ics
contém as catexias da coisa dos objetos, as primeiras e verdadeiras catexias
objetais; o sistema Pcs ocorre quando essa representação da coisa é
hipercatexizada através da ligação com as representações da palavra que
lhe correspondem. (Freud, v. XIV, p. 230)

Através deste trecho, Freud identifica as distinções de sistemas utilizadas por ele, que
posteriormente, também são identificadas como processos primários e processos secundários,
que compõem o núcleo de impulsos carregados de desejos. Ambos os sistemas são distintos,
em que o IC’s se relaciona ao processo primário, em que apresenta um circuito de energia
livre e designa o princípio do prazer, e o Pc’s se relaciona com o processo secundário, de
energia ligada, que designa o princípio da realidade. Além disso, outra característica
fundamental que as diferenciam é a ausência de temporalidade nas IC’s, e exclusivas nos
Pc’s/Cs. Diante dessa análise de mecanismos, Lacan identifica que “o inconsciente é
estruturado como uma linguagem”.

4. O CONCEITO DE ATO FALHO

Ato falho é um processo psíquico que se dá através de um equívoco inconsciente, que


pode revelar um desejo que quer ser realizado. Diferentemente de um erro comum, que se
baseia em ignorância ou conveniência, ou seja, é consciente, o ato falho, para Freud, é como
um sintoma de um desejo ou de uma fantasia reprimida.
Freud enumera diferentes tipos de atos falhos: lapso verbal, de leitura, de audição, de
memória, extravio de objeto, perda do objeto e alguns equívocos. O lapso verbal é
considerado o mais apropriado para investigação, visto que, ao enunciar algo do que
intencionava, o indivíduo encontra perplexidade ou irritação, o que leva a uma breve resposta
afetiva, levando ao questionamento sobre o significado do fenômeno.
Na obra “Prefácios e Textos Breves”, Freud escreve um texto intitulado “A Sutileza
de um Ato Falho” exemplificando um ato falho. No texto, o eu lírico, ao escrever um cartão
para um presente de aniversário, acabou escrevendo a palavra, em alemão, “bis”, que não
possuía contexto no bilhete. Ao tentar entender o equívoco, lembrou-se de uma conversa com
a filha, que o criticou pela repetição do presente. Em outros idiomas, “bis” possui o
significado de repetição, explicando o ato falho percebido.
São nesses pequenos atos que uma vontade reprimida, apesar de ter sido repelida pela
consciência, tem capacidade de se expressar. Dessa forma, foram reprimidas
incompletamente. Assim, Freud entende a importância de explicitar o sentido do ato falho,
visto que há sentido, significado e intenção na cadeia psíquica.
A reação inicial do indivíduo de perplexidade e irritação deve dar lugar a uma
aceitação do sentido do fenômeno, de forma a entender o motivo que levou ao ato falho. A
interpretação, proposta por Freud, se dá no sentido de findar a perplexidade, indicando uma
intenção realizada ou a aceitação em relação às razões que levaram ao ato falho. Caso
contrário, a inquietação permanecerá, pois o desejo continua reprimido no inconsciente, o
recalque permanecerá.
Ao primeiro grupo pertencem aqueles casos em que a
tendência perturbadora é conhecida de quem fala e, além disso,
foi sentida por ele anteriormente ao lapso verbal. [...] O segundo
grupo se constitui dos casos em que o falante reconhece
igualmente como sua a tendência perturbadora, mas não sabe
que, pouco antes do lapso, ela se encontrava ativa nele. [...]
No terceiro grupo, a interpretação dada à intenção perturbadora
é rechaçada com veemência pelo falante. (Freud, 1916/2014, p.
85)

A técnica freudiana de investigação e de interpretação do ato falho é como um


procedimento de linguagem, envolvendo o sentido e a operação do recalque. A tentativa de se
produzir uma significação e a possibilidade de uma tradução ou transcrição entre instâncias
psíquicas vem a partir de uma análise linguística explorada pela psicanálise. Nas
Conferências Introdutórias (1916-1917), Freud explora o procedimento em três fases:
reconhecer o ato falho, questionar e investigar os motivos que o fizeram vir à tona; investigar
o sentido e associá-lo com palavras, linguagens e esquecimento, além do analista considerar
as possibilidades de intenções contrárias e relações de prazer e desprazer entre instâncias
psíquicas; efetivar a interpretação do fenômeno, reconhecendo o sentido, com a tentativa de
produção de afeto.
Se, como vimos em tantos exemplos, as pessoas chegam tão
próximas da compreensão dos atos falhos, se com frequência se
comportam como se pudessem desvendar seu sentido, como é
possível que, de modo geral, elas os caracterizem como casuais,
desprovidos de sentido e importância e, ademais, resistam com
tanta veemência ao esclarecimento psicanalítico desses mesmos
fenômenos?
Os senhores têm razão. Isso, de fato, salta aos olhos e demanda
explicação. Contudo, em vez de lhes dar essa explicação, vou
conduzi-los pouco a pouco às relações a partir das quais ela haverá
de se impor aos senhores sem o meu auxílio. (Freud, 1916-1917/
2014, p. 108)

5. O ATO FALHO DE BOLSONARO E A TEORIA DO INCONSCIENTE

São diversos atos falhos e lapsos que marcam o mandato de Bolsonaro como
presidente. Alguns deles até podem ficar no campo da ignorância. No entanto, diante da
polarização e da tensão presente no processo eleitoral de 2022, o ocupante do cargo mais
importante do Executivo manifestou nos debates eleitorais um pouco do seu inconsciente.
Este, de acordo com as lições freudianas, é produzido pelo recalcamento diante da exigência
do simbólico. É certo que não se busca por meio deste trabalho a compreensão do
inconsciente do atual chefe do Executivo.
Desse modo, neste tópico, o objetivo é mobilizar os ensinamentos sobre ato falho por
meio da análise de uma fala de Bolsonaro durante o processo eleitoral. No último debate
antes da votação em primeiro turno, no momento das considerações finais, o candidato à
reeleição para presidente Jair Messias Bolsonaro, ao invés de manifestar seu interesse para a
reeleição como presidente, disse que estava pronto para cumprir mais um mandato como
deputado federal. Nesse sentido, é o trecho de sua fala nas considerações finais, a saber:

Eu quero agradecer a Deus pela minha segunda vida que ele me deu em Juiz de
Fora [MG], não permitindo que minha filha Laura fosse órfã. Também agradeço a
ele pela missão de comandar esse país nos momentos mais difíceis da humanidade.
Muito obrigado, meu Deus. E se essa for a sua vontade, estarei pronto para
cumprir com mais um mandato de Deputado Federal. Presidente da República.
Deixar bem claro. (grifos nossos)

Antes de compreender esse ato falho, é interessante relembrar alguns pontos que
marcam o discurso de Bolsonaro, uma vez que a linguagem é fundamental para a psicanálise.
Muitas vezes, por meio de um tom autoritário e grosseiro, o atual ocupante da cadeira de
presidente adota em seus discursos palavras e expressões que dialogam com o machismo
(“Eu tenho 5 filhos. Foram 4 homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”),
com o moralismo (“Deus, Pátria, Família”), com o falocentrismo (“Imbrochável”) entre
outros. É importante notar como essas frases ditas por Bolsonaro traduzem, ao mesmo tempo,
diversos valores vinculados ao machismo, à homofobia, ao falocentrismo e ao patriarcado.
Por meio dessas falas, ele traduz e manifesta a percepção que ele tem de si mesmo. Ou seja,
ele constrói a sua imagem como alguém forte, másculo, viril e potente. No entanto, durante a
pandemia, ele relativizou a gravidade da covid- 19 e eximiu-se de qualquer responsabilidade
em relação às mortes provocadas pelo vírus (“Eu não sou coveiro”).
A partir da fala de Bolsonaro nas considerações finais, é possível inferir que ele busca
transmitir a imagem de Messias, reforçando a sua ligação com Deus. Contudo, em questão de
segundos, essa figura é questionada quando ele diz que está pronto para assumir o mandato
como deputado federal. Assim que percebe o ato falho que cometeu, ele diz “Presidente da
República. Deixar bem claro”. É evidente que houve um desconforto, o qual ganha mais
relevância com a expressão “Deixar bem claro”. Esta reforça a necessidade de reforçar para
os eleitores e para si a imagem dele como candidato para o cargo de presidente.
Segundo Freud, é “nas lacunas das manifestações conscientes que temos de procurar o
caminho do inconsciente” (GARCIA- ROZA, 2009). Nesse sentido, são formações do
inconsciente: o sonho, o lapso, o ato falho, o chiste e os sintomas.
Desse modo, o desconforto provocado pelo ato falho e outros fenômenos lacunares
tem ligação com a tomada de conhecimento de um eu oculto. Nessa linha, é o seguinte
excerto da obra “Freud e o Inconsciente” de Luiz Alfredo Garcia-Roza:

Neles, o sujeito sente-se como que atropelado por um outro sujeito que ele
desconhece, mas que se impõe a sua fala produzindo trocas de nomes e
esquecimentos cujo sentido lhe escapa. É essa perplexidade e esse sentimento de
ultrapassagem que funcionarão como indicadores para o sujeito (sujeito do
enunciado ou sujeito do significado), de um outro sujeito oculto e em oposição a ele
(sujeito da enunciação ou sujeito do significante) (GARCIA- ROZA, 2009)

Como visto no tópico anterior, o ato falho está vinculado a algum desejo do
inconsciente que está reprimido. Freud investigou diversos atos falhos para comprovar a
existência do inconsciente.
Em relação ao ato falho de Bolsonaro no último debate do primeiro turno, a
perplexidade e a irritação foram traduzidas pela frase “Deixar bem claro”, com o objetivo de
enfatizar que ele desejava ser reeleito Presidente da República. Assim, logo que percebeu o
ato falho, ele buscou apresentar uma correção enfática. Dado o desconforto criado pelo
conhecimento do eu oculto, Bolsonaro não cometeu, portanto, no debate mais importante da
eleição, um simples erro ao dizer que deseja o mandato de deputado federal ao invés da
reeleição à presidência. Desse modo, o que é possível interpretar diante desse ato falho?
Ao analisar o contexto e as condutas do atual presidente, é possível identificar que há
uma distorção entre a imagem que ele busca transmitir para os seus apoiadores e as suas
atitudes durante o mandato de presidente. Durante os 27 anos como deputado federal,
Bolsonaro não ganhou visibilidade por meio da sua atuação legislativa. Foram suas falas
polêmicas, marcadas pelo machismo, racismo e homofobia, que lhe deram espaço na mídia.
No entanto, durante o processo eleitoral de 2018, ele buscou se apresentar como o Messias,
defendendo pautas anticorrupção e moralistas. Ele se intitulou como um “pai” para a pátria.
Ao assumir o cargo para presidente, diante das mortes provocadas pela pandemia, ele agiu
como o deputado que passou 27 anos no Congresso Nacional sem assumir nenhuma
responsabilidade. É certo que a vida dele como deputado federal era bem mais simples, sem a
pressão e as exigências do cargo de presidente. No entanto, o cargo no Legislativo não
dialoga com a imagem que ele busca transmitir e tampouco com a sua percepção sobre si
mesmo. Assim, o seu ato falho consegue manifestar, quem sabe, o seu desejo de retornar ao
cargo de deputado federal. Esta pode ser uma das hipóteses.
Outra hipótese, ante o exposto até aqui, envolve outro fator: a possibilidade de vitória
do adversário no primeiro turno. Certamente o medo e a tensão em torno da derrota, tendo em
vista a imagem de homem viril repassada nos últimos anos, provocaram o recalcamento de
muitos pensamentos, desejos e afetos vinculados à impossibilidade de reconhecer essa
imagem de fracasso. Nesse sentido, a negação desses pensamentos foi tirada do consciente.
Contudo, o pensamento e o afeto recalcados podem retornar de forma simbólica, mas isso não
significa que eles voltem de forma clara e pelo mesmo caminho simbólico. É o que se extrai
do excerto abaixo da obra “Freud e o Inconsciente” de Luiz Alfredo Garcia-Roza:

Seja qual for, porém, a condição que possibilita o retorno do recalcado, este nunca
se dá na sua forma original e sem conflito. O material recalcado é invariavelmente
submetido à deformação por exigência da censura pré-consciente que, mesmo nos
casos em que sua função não é tão exigida — como durante o sono, por exemplo
—, ele não deixa de impor suas condições para que o recalcado tenha acesso à
consciência. O deslocamento e a condensação são os meios mais frequentes
utilizados para que esse acesso seja possível (GARCIA- ROZA, 2009,pág.166)
Nesse sentido, “os representantes recalcados não somente mantêm sua
indestrutibilidade como também lutam permanentemente pelo acesso ao sistema
pré-consciente-consciente” (pág.167).
Com base nesses conceitos, pode-se entender que o ato falho de Bolsonaro revela essa
divisão que permeia a psique humana. Por meio de seus atos falhos e expressões, ele
apresenta um outro eu, que busca se manter oculto por conta do conflito que provoca com o
eu idealizado por ele.

6. CONCLUSÃO

Mediante a análise realizada neste trabalho, baseada na visão de psicanalítica


Freudiana e seus conceitos a respeito do Ato Falho e da Teoria do Inconsciente, conclui-se
que as algumas das falas que mancham o discurso político de Jair Bolsonaro durante seus 4
anos de mandato, e o 1° turno presidencial, podem sim ter sido motivadas pelo seu ato falho,
denunciando assim, desejos do seu inconsciente, exaltados pela alternância de seu outro eu,
que não se apresenta com tanta evidência. haja vista da existência de um conflito desta
representação com a outro “eu” idealizado por ele.
Diante da compreensão da complexidade dos conceitos idealizados pelo psicanalista,
tornou-se possível inferir não somente acerca do exemplo estudado, como também,
estabelecer a relação entre linguagem e inconsciente, buscando enfatizar as razões pelas quais
uma determina a outra e como elas diretamente afetam na construção do pensamento.
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