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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CLARISSA VICTÓRIA COSTA BARROS


KATRINE TORRES DOS SANTOS
LOHANE MARTINS FERREIRA

AVALIAÇÃO PROGRESSIVA DE TEORIAS DA SUBJETIVIDADE II:


LINGUAGEM E PSICANÁLISE

FORTALEZA
2022
1. INTRODUÇÃO
Linguagem e Psicanálise são dois campos de estudo entrelaçados de modo íntimo. A
linguagem sofre atravessamentos da cultura na qual está inserida, implicando em
constantes mutações, que, por sua vez, tornam-a desequilibrada e imperfeita. O ser
humano, de mesmo modo, lida inevitavelmente com a falta, a linguagem criada por este
sujeito possui o "logro estrutural", segundo Lacan.
Natureza e mundo não necessitam de sentido, entretanto o indivíduo o exige. Mas,
nesse viés, não podemos afirmar que o sentido dado pelos seres humanos é inteiramente
verdadeiro e racional. A linguagem tem como fito, mesmo que de modo precário, "tapar
o buraco" do nonsense por meio da significação. Detendo de linguagem, o ser significa,
simboliza e dá início ao processo de construção do conhecimento.
A linguagem é resultante do processo (e necessidade) de simbolização feita pelo
homem. O símbolo representa o ausente, portanto, a linguagem tenta dar sentido à falta.
O simbolismo é uma faculdade exclusiva dos seres humanos; os outros animais, apesar
de serem inteligentes, afetivos, fortes e etc. não detém a capacidade de simbolizar, de
criar, de mudar.
O sistema de comunicação utilizado pelos animais irracionais é fechado, binário,
completo e isento da falha. No campo humano, o sistema é aberto, múltiplo, incompleto e
falho. A falta, porém, não deve ser entendida como de todo mal; já que somos faltosos,
seremos também inventores e, alicerçada sob essa lógica, originam-se a ciência, a arte, a
tecnologia, o desejo e etc.

2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Freud e a Estrutura da Linguagem Inconsciente
O emblemático caso Emmy von N. confere à psicanálise as bases para elaboração do
método de associação livre, deixando a hipnose em segundo plano. A paciente de Freud
indaga-o acerca do modo com o qual ele estava lidando com seu caso de histeria,
sugerindo que ele a deixasse falar livremente, ao invés de tentar hipnotizá-la. Conferindo,
portanto, a linguagem uma importância tamanha para a psicanálise. Tempos depois, surge
a chamada “talking cure” ou “cura pela fala”, nome dado por Anna O.
Esse episódio deu abertura para Freud perceber a “magia da palavra”. (LONGO,
2006). Mesmo sem ter elaborado uma tese propriamente dita sobre linguagem, esse
fenômeno atravessa toda a sua obra. No caso da histeria, Freud constatou que os sintomas
se ausentavam a partir da evocação de lembranças diretamente relacionadas ao que teria
provocado tais sinais histéricos. Ou seja, “quando o paciente o descrevia com detalhes e
traduzia a emoção em palavras.” (LONGO, 2006, p. 19). Além disso, segundo expõe
Fontenele (2008, p. 12) Freud também "constatou, a partir de suas experiências clínicas
para com os neuróticos, o fato de que, quando falamos, dizemos mais do que pensamos
dizer.". Com isso, Freud abandonou a hipnose e passou a se utilizar do método de
“associação livre'', que propõe ao analisado falar tudo que lhe vem à mente, sem
obstáculos e sem julgamentos.
A estrutura da Linguagem se assemelha com os mecanismos presentes nos sonhos.
Nesse caso, o deslocamento e a condensação, em termos linguísticos, equivalem às
figuras de linguagem metonímia e a metáfora, respectivamente. É através dos sonhos
que o inconsciente se expressa, entretanto, na sua própria linguagem e cabe ao sonhador
decifrá-la (LONGO, 2006).
É importante frisar que a linguagem é simbólica. Portanto, “[...] tanto o deslizamento
metonímico quanto a condensação metafórica acontecem a todo momento na língua, pois
são a base para que seu mecanismo (a máquina da linguagem) funcione”. (LONGO,
2006, p. 22). Nesse contexto percebe-se a razão pela qual os sonhos muitas vezes se
apresentam, aparentemente, sem nenhum sentido, tal como é retratado no curta-metragem
"Um Cão Andaluz" de Buñuel e Dalí, que se utiliza da lógica dos sonhos e do
inconsciente, sem um sequenciamento temporal linear e com várias cenas oníricas.
Assim, partindo do pressuposto de que linguagem e sonhos têm mecanismos semelhantes
e que na linguagem a metonímia (deslocamento) e a metáfora (condensação) ocorrem ao
mesmo tempo, no sonho não aconteceria diferente. A linguagem do inconsciente tem
sentido em si mesma.

2.2. Saussure e a Linguística Estrutural


Ferdinand de Saussure, um linguista natural de Genebra, tratava as questões da
linguística com um rigor teórico em um método totalmente diferente. A sincronia ganhou
seu lugar de destaque em sua teoria, quando ele considerou que “a língua é um sistema
no qual todas as partes devem ser consideradas em sua solidariedade síncrona”. Suas
ideias foram muito utilizadas por Lacan. Embora Saussure fosse contemporâneo de
Freud, não se tem certeza se o pai da psicanálise chegou a conhecer a sua obra. (LONGO,
2006). Algumas de suas principais ideias dizem respeito a língua, a linguagem e a fala.
“Para Saussure, a língua é uma estrutura que comporta um sistema de elementos
diferentes, relacionados entre si, cuja forma homogênea, abstrata, mental e psíquica o
falante registra passivamente.” (LONGO, 2006, p. 31). Com isso, é por meio da língua
que o pensamento é forçado a se “organizar”, se decompor. Ela é um produto social da
faculdade da linguagem, faculdade essa que seria inata, natural a todo ser humano. Nesse
sentido, “a linguagem é multiforme e heteróclita” (LONGO, 2006, p. 31) e tem caráter
tanto individual como social.
A definição de signo linguístico para Saussure é de uma entidade psíquica, já que é
abstrato, e de duas faces: o significado e o significante, que são consideradas inseparáveis
uma da outra. O significado trata do conceito do signo, enquanto o significante é a
imagem acústica ou “memória do som'' na mente do falante ou do ouvinte. (LONGO,
2006, p. 32)
Os princípios que regem o signo linguístico são a linearidade e a arbitrariedade. A
linearidade afirma que o significante, e também o discurso, se desenvolvem em uma
linha, pois não se pronunciam dois sons ao mesmo tempo. Essa linearidade causa certas
situações para o pensamento, já que para torná-los conhecidos dependemos da
linguagem, e o problema se localiza no fato dos dois serem de ordens diferentes. O
pensamento tem suas características caóticas e criativas, através de associações livres,
sem linearidade, nem causalidade, mas a língua exige causalidade e linearidade que não
existe nesse pensamento, muito menos no inconsciente, para o tornar conhecido para o
outro, para que faça sentido. É necessário forçar o pensamento a se encaixar em uma
forma totalmente diferente da sua, o que explica nossos tropeços na fala e escrita. Esse é
um dos impasses da linguagem: ele inaugura um campo de sentido heterogêneo que
impossibilita qualquer causalidade linear. (LONGO, 2006)
O linguista postula que a formação do significante + significado foi constituída de
forma arbitrária, onde essas duas categorias se constituíram como blocos
complementares, e uniram-se de modo eventual. Esses elementos (significante e
significado) se encaixam arbitrariamente para “fechar” o signo linguístico, que por essa
arbitrariedade de encaixe estão sujeitos a uma instabilidade, já que não há encaixe ideal e
definitivo, causando uma flutuação de sentido do signo. (LONGO, 2006). Ele concluiu
que a vinculação entre a ideia e o som é radicalmente arbitrária, compreendendo que o
social é necessário para estabelecer valores, onde a razão do valor está no uso e no
consenso geral. O valor linguístico é nada mais do que o fato de que “não existe signo
fora de um sistema de signos, pois um signo só significa algo em relação aos outros”
(LONGO, 2006, p.35), enquanto o sistema linguístico é uma “série de diferenças de sons
combinadas com uma série de ideias". (LONGO, 2006, p. 35).
O último conceito do postulado básico de Saussure são as relações sintagmáticas e
relações associativas. As relações sintagmáticas acontecem na presença do falante e do
ouvinte, onde o que é levado em consideração é a capacidade do falante unir sintagmas,
do mais curto aos mais extensos, produzindo frases. Saussure expõe graficamente essas
relações em um eixo horizontal, o eixo sintagmático. As relações associativas são
associações que aparecem ao acaso no momento da produção da frase que escapam do
controle consciente. Essas associações podem gerar um ato falho, ou alguma outra
associação de ordem inconsciente que se interpõe no sintagma, produzindo um
embaraçamento e mal estar. Saussure coloca essas relações em uma linha vertical, e a
nomeia de eixo associativo.
Anos mais tarde, o russo Roman Jakobson, com o objetivo de tentar esclarecer o
problema da afasia de Freud, se encontra com as relações sintagmáticas e associativas
descritas por Saussure. Com base nisso, afirma que todo signo linguístico implica dois
modos de arranjo: a combinação, que é a união de unidades linguísticas ligadas a uma
unidade superior, e a seleção, que implica a possibilidade de substituir um signo pelo
outro, similar ao primeiro em um aspecto e diferente em outro. (LONGO, 2006). Ao
falar, tanto combinamos quanto selecionamos as palavras, e durante essa seleção várias
palavras concorrem para formar a frase, onde podemos errar ou acertar nessa escolha.
Isso acontece porque as relações associativas não funcionam com causalidade linear, e
sim por meio de ligações sequenciais (x lembra y que lembra z), e dessa mesma forma
acontecem nos sonhos e nos chistes. Por isso, a organização consciente de causalidade
não é suficiente para interpretar essas produções inconscientes que giram em torno de
ideias, e não de fluxos narrativos únicos, necessitando-se de ferramentas de associação
para compreender e pensar como se tivéssemos o inconsciente como guia. (LONGO,
2006). É perceptível a fundamentação da associação livre nas ideias de Saussure.

2.3. O Estruturalismo
O Estruturalismo é um método epistemológico que observa o conhecimento dentro
de um sistema interligado, "os fatos são parte de um todo e só em relação a ele podem ser
apreciados." (LONGO, 2006, p. 39).
Saussure questiona o modelo linguístico que estava sendo proposto na época, o qual
se detinha a estudar apenas a fala. Então, a partir do episteme estruturalista propõe não
somente o estudo da fala, mas também do sujeito que a constrói, fazendo assim um
estudo da "subjetividade do discurso". (LONGO, 2006, p. 39).
Freud já havia postulado que o sujeito não está centrado na consciência, mas sim que
ele é submetido a algo muito mais complexo do que sua própria existência, o
inconsciente. Lacan retoma aos estudos da teoria freudiana após certo descontentamento
com a psicanálise que estava sendo posta em prática na época, cada vez mais distante de
Freud. Isto posto, Lacan é também influenciado pelos estudos da antropologia estrutural e
da linguística, visando fornecer novamente a importância dada à linguagem por Freud.
Durante os anos 60, Jacques Lacan influenciado pelos linguistas estruturalistas
afirma que o sujeito é dependente da linguagem e postula a principal tópica da
psicanálise lacaniana "O inconsciente é estruturado como uma linguagem”. A partir
disso, "Lacan dará ênfase à importância da linguagem enquanto responsável pelo acesso
do homem ao simbólico, possibilidade pela qual poderá conferir ao mundo um universo
de significações". (FONTENELE, 2008, p. 14).

3. CONCLUSÃO
Nascer implica inevitavelmente na inserção no mundo da linguagem, sendo
inexorável apropriar-se da língua e mergulhar no universo simbólico. A psicanálise
concebe uma prática na qual a linguagem possui íntima relação com o inconsciente,
sendo os atos falhos e os chistes exemplos disso.
Sigmund Freud consegue observar a partir de seus casos clínicos que a "cura" era
mais facilmente alcançada quando as histéricas falavam e significavam os impasses que
lhes ocorriam. Anos depois, Lacan retorna aos estudos freudianos e articula-os com os
estudos saussurianos e de Claude Lévi-Strauss.

REFERÊNCIAS
LONGO, Leila. Linguagem e psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
COUTINHO JORGE, M. A. & FERREIRA, N. Lacan, o grande freudiano. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2006.
FONTENELE, L. Inconsciente e linguagem. Revista Língua Portuguesa - Especial
Psicanálise e linguagem. São Paulo, nov. 2008. p. 12-17.
UM CÃO andaluz. Direção: Luis Buñuel. [S. l.: s. n.], 1929. Disponível em:
https://youtu.be/9xBRqmtkens. Acesso em: 2 fev. 2022.

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