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DESVENDANDO OS

SEGREDOS DO TEXTO

Professor Mestre Ludovico Omar Bernardi


ludo@udc.edu.br
CONCEPÇÃO DE
LÍNGUA E DE SUJEITO
A concepção de sujeito da linguagem
varia de acordo com a concepção de
língua que se adote.
Sujeito psicológico, individual,
dono de sua vontade e de suas
ações. Trata-se de um sujeito
A LÍNGUA COMO visto como um ego que constrói
REPRESENTAÇÃO uma representação mental e
DO PENSAMENTO deseja que esta seja “captada”
pelo interlocutor da maneira
como foi mentalizada.
Este ego não se acha isolado em seu
mundo, mas é, sim, um sujeito
essencialmente histórico e social na
medida em que se constrói em
sociedade e com isto adquire a
habilidade de interagir. Daí decorre a
noção de um sujeito social,
interativo, mas que detém o domínio
de suas ações.
Sujeito determinado, assujeitado
pelo sistema, caracterizado por
uma espécie de “não consciência”.
O princípio explicativo de todo e
A LÍNGUA COMO
qualquer fenômeno e de todo e
ESTRUTURA
qualquer comportamento
individual repousa sobre a
consideração do sistema, quer
lingüístico, quer social.
“Enquanto você lê estas palavras, está tomando
parte numa das maravilhas do mundo natural.
Você e eu pertencemos a uma espécie dotada de
uma admirável capacidade, a de formar idéias no
cérebro dos demais com esquisita precisão. Eu
não me refiro com isso à telepatia, o controle
mental ou as demais obsessões das ciências
ocultas. Aliás, até para os crentes mais convictos,
estes instrumentos de comunicação são pífios em
comparação com uma capacidade que todos
possuímos. Esta capacidade é a linguagem.”

Steven Pinker, O Instinto da Linguagem


POSIÇÕES CLÁSSICAS COM
RELAÇÃO AO SUJEITO:

1 – Predomínio, senão exclusividade, da


consciência individual no uso da
linguagem – o sujeito da enunciação é
responsável pelo sentido. Acentua-se,
por ela, o predomínio da consciência
individual no uso da linguagem.
2 – Assujeitamento – o indivíduo não é
dono de seu discurso e de sua vontade: sua
consciência, quando existe, é produzida de
fora e ele pode não saber o que faz e o que
diz. Quem fala, na verdade, é um sujeito
anônimo, social, em relação ao qual o
indivíduo que, em dado momento, ocupa o
papel de locutor é dependente, repetidor.
Como afirma Lacan: “o sujeito não sabe o
que diz, visto que ele não sabe o que é.”
“(...) é necessário interrogar-se se a descoberta do
inconsciente exclui radicalmente qualquer
manobra consciente dos sujeitos, se o sujeito
precisa saber o que é para saber o que diz, se a
experiência de condições anula qualquer opção ou
ação consciente de sujeitos (...)”
Possenti
3 – Lugar de interação – sujeito como
entidade psicossocial, sublinhando-se o
caráter ativo dos sujeitos na produção
mesma do social e da interação e
defendendo a posição de que os sujeitos
(re)produzem o social na medida em que
participam ativamente da definição da
situação na qual se acham engajados, e que
são atores na atualização das imagens e
das representações sem as quais a
comunicação não poderia existir.
“... é um sujeito social, histórica e ideologicamente
situado, que se constitui na interação com o outro.
Eu sou na medida em que interajo com o outro. É
o outro que dá a medida do que sou. A identidade
se constrói nessa relação dinâmica com a
alteridade.
O texto encena, dramatiza essa relação. Nele, o
sujeito divide seu espaço com o outro porque
nenhum discurso provém de um sujeito adâmico
que, num gesto inaugural, emerge a cada vez que
fala/escreve como fonte única do seu dizer.”
Bakhtin
CONCEPÇÃO DE
TEXTO E DE SENTIDO
A LÍNGUA COMO O texto é visto como um
REPRESENTAÇÃO produto – lógico – do
DO PENSAMENTO pensamento (representação
mental) do autor, nada mais
cabendo ao leitor/ouvinte senão
SUJEITO COMO “captar” essa representação
SENHOR mental, juntamente com as
ABSOLUTO DE intenções (psicológicas) do
SUAS AÇÕES E DE produtor, exercendo, pois, um
SEU DIZER papel essencialmente passivo
O texto é visto como simples
A LÍNGUA COMO produto da codificação de um
CÓDIGO, emissor a ser decodificado pelo
INSTRUMENTO DE leitor/ouvinte, bastando a este,
COMUNICAÇÃO para tanto, o conhecimento do
código, já que o texto, uma vez
codificado, é totalmente
SUJEITO explícito.
explícito Também nesta
(PRE)DETERMINADO concepção o papel do
PELO SISTEMA “decodificador” é
essencialmente passivo.
O texto passa a ser considerado
o próprio lugar da interação e
A LÍNGUA NA os interlocutores, como sujeitos
CONCEPÇÃO ativos que – dialogicamente –
INTERACIONAL nele se constroem e são
construídos. Desta forma, há
lugar, no texto, para toda uma
gama de implícitos,
implícitos dos mais
SUJEITOS COMO variados tipos, somente
ATORES/CONSTRU- detectáveis quando se tem,
TORES SOCIAIS como pano de fundo, o contexto
sociocognitivo dos participantes
da interação.
O sentido de um texto é, portanto,
construído na interação texto-sujeitos e
não algo que preexista a essa interação.
interação
Também a coerência deixa de ser vista
como mera propriedade ou qualidade do
texto, passando a dizer respeito ao modo
como os elementos presentes na superfície
textual, aliados a todos os elementos do
contexto sóciocognitivos mobilizados na
interlocução, vêm a constituir, em virtude de
uma construção dos interlocutores, uma
configuração veiculadora de sentidos.
CONCEITO DE COERÊNCIA
Está diretamente ligada à possibilidade de
estabelecer um sentido para o texto, ou seja,
ela é o que faz com que o texto faça sentido
para os usuários, devendo, portanto, ser
entendida como um princípio de
interpretabilidade,
interpretabilidade ligada à inteligibilidade do
texto numa situação de comunicação e à
capacidade que o receptor tem para calcular o
sentido deste texto.
(1) Maria tinha lavado a roupa quando
chegamos, mas ainda estava lavando
a roupa.
(2) João não foi à aula, entretanto estava
doente.
(3) A galinha estava grávida.

O juízo de incoerência não depende apenas do modo como


se combinam elementos lingüísticos no texto,
texto mas também de
conhecimentos prévios sobre o mundo e do tipo de mundo em
que o texto se insere, bem como do tipo de texto.
(4) O Show
O cartaz A Música
O desejo A vibração
A participação
O pai
O dinheiro O fim
O ingresso A volta
O vazio
O dia
A preparação
A ida
(5) O Show
Sexta-feira Raul viu um cartaz anunciando um show
de Milton Nascimento para a próxima terça-feira, dia
04/04/89, às 21h, no ginásio do Uberlândia Tênis Clube na
Getúlio Vargas. Por ser fã do cantor, ficou com muita
vontade de assistir à apresentação. Chegando em casa,
falou com o pai que lhe deu dinheiro para comprar o
ingresso. Na terça-feira, dia do show, Raul preparou-se,
escolhendo uma roupa com que ficasse mais à vontade
durante o evento. Foi para o UTC com um grupo de
amigos. Lá havia uma multidão em grande expectativa
aguardando o início do espetáculo, que começou com
meia hora de atraso. Mas valeu a pena: a música era da
melhor qualidade, fazendo todos vibrarem e participarem
do show. Após o final, Raul voltou para casa com um
vazio no peito pela ausência de todo aquele som, de toda
aquela alegria contagiante.
Tudo isso ratifica a conceituação da
coerência como um princípio de
interpretabilidade e nos leva à posição
de que não existe o texto incoerente
em si, mas que o texto pode ser
incoerente em/para determinada
situação comunicativa. Assim, ao dizer
que um texto é incoerente, temos que
especificar as condições de incoerência.
(6) João vai à padaria. A padaria é feita
de tijolos. Os tijolos são caríssimos.
Também os mísseis são caríssimos.
Os mísseis são lançados no espaço.
Segundo a teoria da Relatividade o
espaço é curvo. A geometria
rimaniana dá conta desse fenômeno.
Beaugrande & Dressler e Maruschi afirmam
que, se há uma unidade de sentido no todo do
texto quando este é coerente, então a base da
coerência é a continuidade de sentidos entre
os conhecimentos ativados pelas
expressões do texto. A continuidade
estabelece uma coesão conceitual cognitiva
entre os elementos do texto através de
processos cognitivos que operam entre os
usuários (produtor e receptor) do texto e são
não só de tipo lógico, mas também de fatores
socioculturais diversos e de fatores
interpessoais.
Fatores socioculturais e
interpessoais:
Intenções comunicativas dos participantes da
ocorrência comunicativa de que o texto é
instrumento;
As formas de influência do falante na situação da
fala;
Regras sociais que regem o relacionamento entre
pessoas ocupando determinados “lugares sociais”
– pais/filhos, patrão/empregado, marido/mulher,
vendedor/comprador, etc.
Não tem jeito mesmo...
Bruno Gideon
Ficção
“Trinta palavras no máximo; não há espaço para mais”,
disse o chefe da redação ao jornalista. Por isso, a notícia que
apareceu no jornal foi:
Uma mulher escorregou numa casca de banana, numa
faixa de pedestres da Bahnhofstrasse. Foi imediatamente
transportada para a clínica da universidade, onde lhe foi
diagnosticada uma perna quebrada.
A primeira reação surgiu imediatamente, numa carta
registrada em que um importador de bananas escrevia:
“Protestamos veementemente contra o descrédito dado ao
nosso produto. Considerando que, nos últimos meses, vocês
publicaram pelo menos 14 comentários negativos sobre os
países produtores de banana, não podemos deixar de inferir
uma intenção de difamação deliberada de sua parte”.
Por sua vez, o diretor da clínica da universidade também
se pronunciou, alegando que a expressão “foi transportada”
poderia significar “o transporte de seres humanos como se se
tratasse de carga”, o que contrariava totalmente os hábitos de
seu hospital. “Além disso”, salientou, “posso provar que a
fratura da perna resultou da queda e não, como foi sugerido
com intenção malévola, do transporte para o hospital”.
Para finalizar, um membro do Departamento Municipal de
Engenharia Civil telefonou, informando ao jornal que a causa
do tombo não deveria ser atribuída ao estado da faixa de
pedestres. Além disso, como o Comitê de Defesa das Faixas
para Pedestres estava prestes a concluir seu relatório, após
seis anos de trabalho, perguntava se seria possível – para
evitar possíveis conseqüências políticas – não fazer qualquer
alusão a tais passagens nos próximos meses.
A notícia foi revista e, na manhã seguinte, apareceu com
o seguinte texto. Uma mulher caiu na rua e quebrou a pena.
No dia seguinte, os editores receberam apenas duas
cartas a respeito. Uma, indignada, era da Associação Não-
Lucrativa dos Direitos das Mulheres, cuja porta-voz repudiava
“vivamente e em definitivo” o texto discriminatório uma mulher
caiu, o qual evocava uma associação infeliz com “mulheres
caídas” e constituía uma prova de que “mais uma vez, neste
mundo dominado pelo homem, a imagem da mulher estava
sendo manipulada da maneira mais pérfida e chauvinista!” A
carta ameaçava com um processo judicial, boicote e outras
medidas.
A outra reação veio de um leitor que cancelava sua
assinatura, alegando o número cada vez maior de notícias
triviais e sem interesse.

(Extraído de Seleções do Reader´s Digest. Tomo XXXVI, nº 217)


GOL. UM CARRO TESTADO E APROVADO EM
TODOS OS CAMINHOS DO BRASIL
De norte a sul, andando por aí, você vai encontrar
caminhos de terra, ruas e estradas perfeitamente
asfaltadas e outras não tão boas assim.
Mas existe um carro que conhece como nenhum essas
diferenças e se adapta perfeitamente a qualquer situação,
porque foi projetado e construído especialmente para as
condições brasileiras: o Gol.

VOLKSWAGEN
VOCÊ CONHECE, VOCÊ CONFIA

OBS.: Este texto aparece abaixo de uma fotografia de duas páginas de um carro do
modelo Gol de cor vermelha sobre um fundo constituído pelo mapa rodoviário de
uma pequena região do Brasil.
Inventário de conhecimentos ativados
através das expressões lingüísticas:
A existência de diferentes caminhos no Brasil,
freqüentemente sem boas condições de trânsito;
A totalidade dos caminhos foi consideradas:
todos;
A existência de um carro (o Gol) capaz de
enfrentar essa diversidade de caminhos, muitas
vezes ruins;
Outras vantagens que o Gol oferece: agilidade,
elegância, conforto, beleza e refinamento,
confiança e qualidade superior à concorrência.
Van Dijk e Kintsch mencionam diversos
tipos de coerência:
Coerência Semântica – se refere à relação entre
significados dos elementos das frases em
seqüência em um texto ou entre os elementos do
texto como um todo.
(1) João corre risco de vida.
(2) A frente da casa de vovó é voltada para o leste e
tem uma enorme varanda. Todas as tardes ela
fica na varanda em sua cadeira de balanço
apreciando o pôr-do-sol.
(3) Roberto tem um belo veículo. É um cavalo árabe
puro sangue.
As videolocadoras de São Carlos estão
escondendo suas fitas de sexo explícito. A
decisão atende a uma portaria de dezembro de
91, do Juizado de Menores, que proíbe que as
casas de vídeo aluguem, exponham e vendam
fitas pornográficas a menores de 18 anos. A
portaria proíbe ainda os menores de 18 anos
de irem a motéis e rodeios sem a companhia
ou autorização dos pais.
Coerência Sintática – se refere aos meios
sintáticos para expressar a coerência semântica
como, por exemplo, os conectivos, o uso de
pronomes, de sintagmas nominais definidos e
indefinidos.
(1) João não foi à festa, todavia ele não fora
convidado.
(2) João não foi à festa, todavia ela não fora
convidada.
(3) João foi à festa, porque fora convidado.
(4) João foi à festa, todavia porque não fora
convidado.
(5) João não foi à festa, todavia, porque não fora
convidado, pediram-lhe que se retirasse.
Coerência Estilística – pela qual um usuário
deveria usar em seu texto elementos lingüísticos
(léxico, tipos de estruturas, frases, etc.)
pertencentes ou constitutivos do mesmo estilo ou
registro lingüístico.

(1) Prezado Antônio,


Neste momento quero expressar meus profundos
sentimentos por sua mãe ter batidos as botas.
Coerência Pragmática – tem a ver com o texto
visto como uma seqüência de atos de fala. Estes
são relacionados de modo que, para a seqüência
de atos ser percebida como apropriada, os atos de
fala que a constituem devem satisfazer as
mesmas condições presentes em uma dada
situação comunicativa.

Pedido / atendimento
Pedido / promessa
Pedido / jura
Pedido / solicitação de esclarecimento / esclarecimento

A: Você me empresta seu livro do Guimarães Rosa?


B: Hoje eu comi um chocolate que é uma delícia!
A coerência não é nem característica do
texto, nem dos usuários do mesmo, mas
está no processo que coloca texto e
usuários em relação numa situação
comunicativa.
Era meia-noite. O sol brilhava. Pássaros cantavam pulando de galho
em galho. O homem cego, sentado à mesa de roupão, esperava que
lhe servissem o desjejum. Enquanto esperava, passava a mão na
faca sobre a mesa como se a acariciasse tendo idéias, enquanto
olhava fixamente a esposa sentada à sua frente. Esta, que lia o
jornal, absorta em seus pensamentos, de repente começou a chorar,
pois o telegrama lhe trazia a notícia de que o irmão se enforcara
num pé de alface. O cego, pelado com a mão no bolso, buscava
consolá-la e calado dizia: a Terra é uma bola quadrada que gira em
torno do Sol. Ela se queixa de que ele ficou impassível, porque não
é o irmão dele que vai receber as honrarias. Ele se agasta, olha-a
com desdém, agarra a faca, passa manteiga na torrada e lhe oferece,
num gesto de amor.
Aula de redação
A escola era feita de tijolinhos e cada sala possuía janelas
muito grandes por onde avistávamos o céu. Lembro-me de que cada
um de nós, alunos, tinha seu nome escrito na carteira, para evitar que
algum espertinho mudasse de lugar. Isso deveria, na época, constituir
o supra-sumo das teorias pedagógicas de aprendizagem. Cada um
deve saber seu lugar na sociedade a começar por saber o seu lugar na
sala de aula.
O que mais me chamava atenção naquela sala eram uns olhos.
Olhos azuis, emoldurados por cabelos curtinhos e muito bem
penteados. Os olhos chamavam-se Fernanda. Ela sentava na segunda
carteira à minha esquerda, o que dificultava a minha visão do quadro,
pois eu não parava de olhar para o lado e isso comprometeu um
pouco o meu rendimento escolar, na opinião da professora.
Redação era a matéria de que eu mais gostava. O tema era
fácil, pois era sempre o mesmo e, além disso, eu adorava falar de
férias, especialmente de férias que eu nunca tive, mas que, quem
sabe, teria. O mar azul, o ar azul, olhos azuis. A Fernanda de novo.
Ela vivia passando na frente da minha carteira. Talvez ela soubesse
que eu adorava azul.
Às vezes, a professora pedia para eu escrever sobre flores,
paisagens, um amiguinho imaginário, objeto interplanetário... Ela
colocava uma linda figura na frente do quadro e pedia para a gente
escrever uma história bem bonita sobre o que víamos. A história
tinha que começar com letra maiúscula, parágrafo e tinha que ter
letra bonita e bastante sentimento. Eu iniciava a minha escrita azul.
Aquele ano acabou com uma redação sobre o Natal. Eu
gostava de Natal. Era interessante olhar o rosto das pessoas no Natal.
A redação tinha que ter parágrafo, letra azul e bastante sentimento.
Eu estava na quarta série.
Quando as aulas terminaram, todos nós, alunos, nos
separamos... Mudamos de lugar, sem que houvesse carteiras
marcadas para nos impedir. Uns foram para outra escola, outra
cidade... Outros não foram a lugar nenhum.
Nunca mais via Fernanda. Sempre tive vontade de mandar
um bilhete para ela e perguntar qual era a sensação de se ter o céu no
lugar dos olhos, mas eu não sabia escrever bilhetes e, além disso,
passar bilhetes era coisa de aluno desobediente.
Agora eu percebo que a escola era realmente feita de
tijolinhos e que as janelas não eram, assim, tão grandes. Ainda não
sei o meu lugar e hoje são essas lembranças que me trazem bastante
sentimento.

Ludovico Omar Bernardi


A Construção do Discurso
“A escola era feita de tijolinhos...”

A palavra texto origina-se do latim


textum que significa tecido. Um tecido é
formado por vários fios que se entrelaçam
e formam um todo. Essa noção de tessitura
é muito importante para se construir uma
sólida compreensão do que seja o
construto textual.
Texto é o entrelaçamento de
unidades significativas que
compõem um todo significativo. No
caso do texto verbal escrito, o
entrelaçamento de letras, palavras,
frases, períodos e parágrafos
constituem um todo discursivo: o texto.
O que diferencia um texto do outro é a sua
função discursiva e é ela que vai
estabelecer o teor semântico e a
estrutura do texto. Para cada fim um meio.
As intenções comunicativas do produtor é
que vão definir a função discursiva do texto.
Não há texto sem intenção. Toda
produção textual nasce de uma intenção,
intenção
por isso a primeira coisa que o produtor
deve pensar é na sua intenção ao produzir
determinado texto. Não há texto neutro.
Análise do Discurso
“Cada um deve saber seu lugar na
sociedade a começar por saber o
seu lugar na sala de aula”.

Entende-se por discurso a prática social de


produção de textos. O discurso, assim, não é
individual, mas um produto social, coletivo e só
pode ser analisado se forem considerados alguns
aspectos, como contexto histórico-social de
produção, ideologias presentes no texto,
escolha do gênero textual pelo qual as ideologias
são veiculadas, suporte onde o texto se
encontra.
O texto é o produto da atividade
discursiva. É nele que se podem encontrar
marcas que permitam uma análise
científica dos discursos que circulam
socialmente.
Produção de texto: A reprodução do discurso
“O tema era fácil, pois era sempre o
mesmo e, além disso, eu adorava falar de
férias, especialmente de férias que eu
nunca tive, mas que, quem sabe, teria”.

Todo discurso é formado por diversos outros


discursos que se entrelaçam e ganham novas
leituras no contexto social: “todo signo resulta de
um consenso entre indivíduos socialmente
organizados no decorrer de um processo de
interação (...) que “não deve ser dissociado da
sua realidade material, das formas concretas da
comunicação social”.
Mikhail Bakhtin
Portanto, não se pode separar a produção
de texto da produção de sentidos. Bakhtin
sugere que não há discurso original,
mas novas leituras e composições de
antigos discursos que ganham novas
dimensões sociais ao serem relidos.
Assim, a proposição de uma composição
textual opinativa sobre o aborto,
aborto
tradicionalmente admitiria apenas duas
possibilidades: favorável ao aborto e
contrário ao aborto.
aborto
Uma nova leitura poderia partir de um
questionamento a respeito da validade de
se escrever sobre o tema aborto: “não sou
a favor nem contra, apenas não gosto de
falar sobre esse assunto”.
Gêneros textuais: a genética do texto
“Às vezes, a professora pedia para eu escrever
sobre flores, paisagens, um amiguinho
imaginário, objeto interplanetário...”

Para Miller, os gêneros seriam “ações


tipificadas”,
tipificadas” produzidas em resposta a situações
sociais recorrentes. Os gêneros, sendo, nas
palavras de Marcuschi, “artefatos culturais”,
desenvolvem ações sociais em determinadas
situações que se definem por objetivos
comunicativos, audiência, regularidades
formais e conteúdos. Esses artefatos culturais,
numa perspectiva bakhtiniana, estão inseridos em
esferas discursivas.
O gênero textual nasce de uma
necessidade social. Por exemplo, da
necessidade de uma comunicação
escrita pessoal, breve e imediata, surge o
bilhete, que não é uma carta, nem
configura um telegrama.
Para Marcuschi, convergem para a
produção do texto o gênero e a
tipologia textual. Tipologia é a
natureza lingüística que compõe o
texto e pode ser narração,
argumentação, exposição, descrição,
injunção, etc.
Gramatextualidade
“A história tinha que começar com letra
maiúscula, parágrafo e tinha que ter letra
bonita e bastante sentimento.”

Num texto não há gramática sem sentido,


já que a sintaxe subordina-se à
semântica. Qualquer tipo de texto é
passível de estudo e análise gramático-
significativa.
O VELHO DO ESPELHO

Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse


Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho...
Meu Deus, Meu Deus... Parece
Meu velho pai - que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar - duro - interroga:
"O que fizeste de mim?!"
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa? Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra! -
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...

Mário Quintana

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