Você está na página 1de 160

PSICOSE

COORDENAÇÃO
Tereza Dubeux
“Se não somos capazes de perceber que há um certo
grau, não arcaico devendo ser posto em algum lugar
no nível do nascimento, mas estrutural, no nível do
qual os desejos são, propriamente falando, loucos, se
para nós o sujeito não inclui em sua definição, em
sua articulação primeira, a possibilidade da estrutura
psicótica, então não passaremos nunca de alienistas.”

Jacques Lacan, Seminário: A Identificação,

2 de maio de 1962
“Não é louco quem quer”. Lacan
escreveu este enunciado na sala
de plantão e, ele pode ser lido
como “Só é louco quem pode”.
Introdução
•Estas frases lacanianas prenunciam a postura
psicanalítica diante da loucura: abordar a psicose
como algo específico e determinado, que tem sua
lógica e seu rigor.

▪ Trata-se de considerar a psicose como uma


estrutura clínica diferente da neurose e da
perversão, sendo a referência ao Édipo e à
castração o divisor de águas entre esses campos
clínicos.

▪ Não há uma definição propriamente psicanalítica


da psicose. Coube à psicanálise o esforço de
esclarecer os mecanismos psíquicos que levam à
psicose, através de suas elaborações teóricas.
Para a psicanálise, em especial na abordagem lacaniana, a psicose é
uma estrutura clínica na qual não há inscrição do significante
primordial, o Nome-do-Pai, responsável por interditar a relação
dual mãe-bebê, e operar um corte cujas conseqüências são:

● O reconhecimento da incompletude, da falta, tanto do bebê


quanto da mãe, e o direcionamento do seu caminhar guiado
pelo desejo.

● O sujeito psicótico é aquele fora-dos-discursos, do laço social.


O psicótico não faz laço, Ele vive em uma realidade própria,
narcísica.
A psicose não é um fenômeno novo, pelo contrário, foi
constatado há anos, sendo tratado de diversas formas ao longo
dos tempos. Apesar de se tratar de um fenômeno antigo, nem a
sociedade, nem a comunidade científica, nem a rede de saúde
mental do território e nem a família, no particular, estão
preparadas totalmente para dar conta dessa problemática.

A clínica das psicoses é um campo que demanda acentuado


investimento dos profissionais, inclusive pelo estreitamento do
limiar normal x patológico, o que pode mobilizar naqueles que
não estejam bem trabalhados para este tipo de serviço. Esta
questão do normal e do patológico remete à escolha por uma
concepção de diagnóstico.
O sujeito dito louco não se reconhece como louco
e entende o seu comportamento como perfeitamente
normal e explicável em função de seus delírios que
se apresentam, para ele, com um caráter de
veracidade irredutível. Em virtude de sua estrutura,
ele cria uma nova realidade para dar conta do que
lhe ocorre intrapsiquicamente.

Freud propõe ser a psicose fruto de um distúrbio


na relação do ego com o mundo externo, cujo
resultado surge na dinâmica de o sujeito ser
invadido por uma série de fenômenos que ele
concebe como verídico, mas que os outros não
conseguem perceber. São construções delirantes
que visam dar um sentido subjetivo às idéias, aos
sentimentos e às percepções que o invadem.
O QUE É A PSICOSE?
Em resumo, a psicose é um processo de defesa que se
desenvolve no lugar, e em vez de, uma simbolização não
realizada.

Trata-se de uma organização da subjetividade na qual


Freud vê uma forma específica de perda da realidade com
regressão da libido para o eu e, eventualmente, a
construção de um delírio como tentativa de cura, de
reconstrução da relação com a realidade.

Esse novo lugar em que vai se constituindo o saber da


psicose, coloca gradativamente o sujeito à margem da
realidade, bem como do grupo social. Por conta disto, o
psicótico é banido da sociedade e pode ser levado a
instituições psiquiátricas cujo objetivo versa,
predominantemente, sobre a reinserção social do
psicótico.
Para a psicanálise, a identificação das estruturas clínicas tem
um papel central, em função da influência que elas exercem na
direção do tratamento. Desde o início, o profissional deve
chegar a algum diagnóstico, uma vez que isso o ajuda em
termos do lugar que ele deve ocupar frente ao seu cliente e da
melhor forma de conduzir o tratamento.

▪ Essa questão do diagnóstico não é simples, visto que a


psicanálise não adota uma visão determinista,
classificatória como a que resulta de diagnósticos feitos em
outros campos do saber, a exemplo da medicina e mais
especificamente, da psiquiatria.

▪ A psicanálise compreende que o diagnóstico tem apenas


uma dimensão potencial, hipotética, que só pode ser
confirmada no a posteriori.
As estruturas clínicas são formas de
organização defensiva do psiquismo para
atuar no mundo frente à falta e à
castração. São o modo singular
encontrado pelo sujeito para lidar com
esses fatos essenciais da vida humana na
especificidade de sua dinâmica familiar.

É importante ressaltar uma diferença


fundamental entre a psicanálise e a
psiquiatria, no que se refere ao
diagnóstico e às estruturas clínicas:

▪ A psiquiatria leva em consideração o


quadro sintomatológico apresentado
pelo paciente para definir o seu
diagnóstico. Por exemplo, se há ou não
presença de delírios, alucinações,
alterações do curso do pensamento, a
expressão afetiva, etc., sem, contudo,
singularizar ou se utilizar de
elementos interpretativos que
subjetivem os fenômenos naquele
sujeito específico
A psicanálise preocupa-se com o fator topológico: uma
espécie de organização e lugar que o sujeito ocupa
perante seu desejo e perante à falta, uma vez que se
configura a partir da relação que o sujeito trava com a
função fálica, enfatizando sempre a vivência singular e
subjetiva.

▪ O critério de distinção no que se refere à hipótese


diagnóstica é que para a psiquiatria é a presença de
sintomatologias agrupadas que, por si só, direcionam
sua hipótese diagnóstica. A única possibilidade de obter
algo que se assemelhe ao que pode ser chamado de cura
neste campo do saber, implica a remissão dos sintomas.

▪ É significativo o fato de predominar, neste saber, o


olhar para a patologia, deixando de lado o sujeito em
questão e a sua singularidade.
A psicanálise traz justamente a questão do sujeito como fator
central, defendendo que a sintomatologia não é suficiente para a
determinação da estrutura clínica, tendo em vista que o mesmo
sintoma pode surgir em diversas estruturas. Existem outros
fatores que influenciam, os quais se organizam a partir da
especificidade da configuração de seus elementos.

▪ A psicose é vista como a expressão mórbida da tentativa


desesperada que o eu faz para se preservar, para se livrar de uma
representação inassimilável que, à maneira de um corpo
estranho, ameaça sua integridade.

▪ O eu fica impotente e, às cegas, amputa uma parte de si mesmo.


Isto significa que uma representação psíquica, já
demasiadamente investida pelo eu, fica privada de qualquer
significação.
Na perspectiva freudiana, a psicose é,
inicialmente, pensada a partir de
reflexões sobre o conflito defensivo em
ação sobre a sexualidade.

. Freud considera necessário investigar


os mecanismos atuantes na dinâmica
relacional do sujeito com o mundo
externo. Para ele, ocorreria uma
rejeição violenta da representação
inconciliável para fora do eu.

O eu expulsaria uma idéia que se


tornou intolerável para ele, por ser
dolorosamente investida e, com isso,
separava-se também da realidade
externa da qual essa idéia é a imagem
psíquica.

Que mecanismos são estes que isolam


o sujeito da realidade, levando-o à
psicose? Qual a relação dos elementos
edipianos nas psicoses?
A partir de sua primeira teoria das
pulsões e de sua primeira tópica, Freud
retoma a questão sob o ângulo da relação
entre os investimentos libidinais
(sexuais) e os investimentos das pulsões
do ego (interesse) no objeto.

Seu primeiro estudo sobre a psicose, o


caso Schreber, se dá sob esta ótica. Nesse
momento inicial, ele denomina a psicose
de neurose narcísica em função de um
mecanismo parecido, o narcisismo,
descrito por ele anteriormente, em que
predomina a retirada da libido do
mundo externo e seu direcionamento
para o ego. 14
▪Com a elaboração da segunda tópica, Freud formula as três
instâncias, o Id, o Ego e o Superego, visando demonstrar o
funcionamento do psiquismo.

▪ Sustenta que o Id seria a instância formada desde o nascimento,


consistindo em uma instância exigente, cheia de desejos e pulsões e
pouco afeita a influências decorrentes do mundo externo.

▪ O ego estaria localizado na superfície do Id e seria direcionado


para a realidade, buscando a satisfação das necessidades e das
pulsões mediante estratégias admitidas pelo meio social. O ego
teria suas raízes fincadas no Id, recebendo dele sua energia.

▪ A função do ego seria, portanto, viabilizar a realização dos desejos,


mediando-os com o mundo externo.
Já o superego surgiria da censura, em função
das leis e padrões culturais do contexto no qual
está inserido o sujeito. Embora derive do ego, é
independente deste e finca suas raízes no Id,
passando posteriormente, a atuar a partir do
interior.
O superego é moldado a exemplo do superego
dos pais e carrega interdições introjetadas a
partir do processo civilizatório.
As instâncias ideais são o destino da libido
narcisista e desempenham um importante
papel nas psicoses, tendo em vista a
predominância do narcisismo nesta patologia.
É importante diferenciar o ego ideal, o ideal de
ego e o superego para melhor entender a
dinâmica de forças prevalentes no conflito
psicótico. 16
PSICOSE

● Em geral, a psicose implica uma severa deterioração das funções


egóicas de forma a causar prejuízo no contato do sujeito com o
mundo externo, com a realidade. Nesta estrutura, o Princípio do
Prazer se sobressai, predominando sobre o Princípio de Realidade.
● Com as funções do ego lesadas , o sujeito psicótico mantém um
contato restrito com o mundo exterior, como se este fosse limitado
ao seu universo intrapsíquico de forma que se estabelece uma
dinâmica na qual parece que o mundo é só seu.
● Até então, Freud propunha que, na psicose, mediante o processo de
retirada da libido de objetos e pessoas do mundo e o seu
direcionamento para o eu, sem nenhuma substituição por outros na
fantasia, que tal conteúdo, sendo abolido do interior do sujeito,
retornaria do exterior.
● Quando o sujeito consegue substituir algo, o processo parece
ser secundário e se daria através de construções delirantes,
uma espécie de tentativa de recuperação, de cura.
● O processo psicótico caracteriza-se por dois momentos: o
super-investimento pelo eu de uma representação psíquica,
tornando-a, assim, incompatível com as outras normalmente
investidas, e a rejeição violenta e maciça dessa representação
e a abolição da realidade da qual a representação era a cópia
psíquica.
● A esses dois momentos cabe acrescentar um terceiro que é
a percepção, pelo eu, do pedaço rejeitado, sob a forma de
delírio, ou de alucinação.
● Para Freud, o eu da psicose divide-se em duas partes: uma
rejeitada e perdida, como um pedaço arrancado, e outra que
alucina este pedaço como uma nova realidade.
● Quando um psicótico sofre de alucinações auditivas, a
voz que o insulta é um pedaço errante de seu eu.
● O processo psicótico começa, então, pela expulsão
brutal de um pedaço do eu e culmina com a percepção
alucinada do pedaço rejeitado, transformado numa
nova realidade, numa realidade alucinada.
● No lugar de uma realidade simbólica abolida, aparece
uma nova realidade compacta, alucinada, que coexiste
no mesmo sujeito com outras realidades psíquicas não
afetadas pelo mecanismo denominado por Lacan, de
foraclusão e por Freud, de recusa.
● O psicótico não é globalmente afetado por
suas crises, pois, fora dos acessos
delirantes, preserva uma relação sadia com
o seu meio. Inversamente, o sujeito dito
normal pode viver um episódio delirante,
sem que por isso se deva qualificá-lo de
psicótico.
● . A marca da psicose é o distanciamento do
eu - que estaria a serviço do Id - e a
realidade, cuja dinâmica do sujeito seria
caracterizada pelo predomínio do Id e não
do princípio de realidade sobre o eu.
● Para o psicótico e para o neurótico, o
movimento retroativo é o mesmo.
Exatamente como o sujeito alucinado, o
analisando neurótico ouve a voz de seu
inconsciente, mas a vivência é radicalmente
diferente. 20
● Enquanto o neurótico fica surpreso diante do seu
inconsciente que fala através dele e é involuntário, o
psicótico, por sua vez, repleto de certeza, tem a convicção
dolorosa e inabalável de ser vítima de uma voz tirânica que
o aliena. Lacan condensou a aproximação entre a psicose
e o inconsciente na seguinte frase: ”o psicótico é o mártir
do inconsciente, no sentido de ser sua testemunha.” De
fato, quem pode atestar melhor a força irredutível e
devastadora do inconsciente?
● Freud afirma que na totalidade dos casos , das neuroses e
psicoses, o sujeito encontra-se diante da incapacidade do
eu de se defender de uma representação psíquica
intolerável; diferencia no entanto, seus mecanismos e
efeitos sobre a estrutura clínica.
NEUROSE E PSICOSE

▪Freud afirma que na totalidade dos casos , das neuroses e psicoses, o


sujeito encontra-se diante da incapacidade do eu de se defender de
uma representação psíquica intolerável; diferencia no entanto, seus
mecanismos e efeitos sobre a estrutura clínica.

▪ No que se refere à perda da realidade, na neurose, o afrouxamento da


relação com a realidade deve ser visto como uma reação contra o
recalcamento, ou como um fracasso desta defesa.

▪ A perda da realidade é secundária ao estabelecimento da neurose,


quer provenha do combate do eu contra o sintoma, quer seja
constituída pela predominância da fantasia sobre a realidade, como
uma espécie de compensação à parte lesada do Id.
NEUROSE E PSICOSE - LACAN

▪A aproximação com a linguagem, vão se constituir a partir de


três campos de influência sobre o sujeito: de um lado, o
simbólico, que se organiza como estrutura para dar lugar aos
elementos que se ordenam na dimensão do inconsciente,
representado pelo significante.
▪ Do outro, como função, o imaginário, que tem prevalência no
nível do pré-consciente, representado pela significação;
▪ E, do outro, o real, que é exatamente o discurso feito
realmente na dimensão diacrônica, histórica, mas inacessível,
impossível de ser apreendido. Trata-se daquilo que existe,
que produz efeitos, mas que não é nomeável.
NEUROSE E PSICOSE

● Os mecanismos da neurose, o recalcado e o retorno do


recalcado (o sintoma), são ambos de natureza simbólica.
● Na neurose, o recalcado e o retorno do recalcado são
homogêneos, não há perda da relação simbólica. Todo
sintoma é uma palavra que se articula e que é endereçada a
alguém; a relação com a realidade
● O retorno de uma representação ainda é uma representação
que continua a fazer parte do eu. Um sintoma neurótico é um
retorno da mesma natureza simbólica e está tão integrado ao
eu quanto a representação recalcada.
● Não é obturada por uma foraclusão, como na psicose.
● Quanto à psicose, o que ocorre é efetivamente
uma perda. Esta perda, segundo Lacan, não se
trata da realidade externa, ou dos elementos do
imaginário, mas da própria ordem simbólica.
● Diz ele: “Aquilo que é foracluído no plano
simbólico, retorna de fora sob a forma de real”.
● Verifica-se que há uma alteração de
consistência: o que é foracluído e o que retorna
não são constituídos da mesma argila, o que sai
é simbólico , o que retorna é real. No que se
refere aos mecanismos da psicose, o repúdio ou a
abolição da representação intolerável, aquilo que
é repudiado e o que retorna são de naturezas
profundamente heterogêneas.
25
NEUROSE E PSICOSE

▪A imagem repentina e alucinada não tem nenhuma das


propriedades simbólicas de uma representação: - é captada pelo
eu sem nenhum afeto e percebida com a nitidez de uma realidade
inegável, mas que lhe é estranha.
▪Na psicose, a perda da realidade é primária, constituindo a
própria doença. O desligamento parcial da realidade é o mais
freqüente, servindo de preâmbulo ao desligamento total.
▪ O segundo tempo da psicose tem um caráter de reparação: - o
delírio aparece como uma peça que é posta no lugar em que,
inicialmente, produziu-se uma rachadura na relação do eu com o
mundo externo.
PERSPECTIVA LACANIANA DAS PSICOSES

● O conceito lacaniano de inconsciente foi forjado a partir


da compreensão psicanalítica do fenômeno psicótico.
● Fortemente influenciado pela idéia de automatismo
mental defendida por seu mestre, Clérambault, Lacan
articulou o inconsciente com os fenômenos de
automatismo mental do delirante que leva o sujeito a
produzir uma sucessão de pensamentos, palavras e atos
que lhe escapam.
● O ser falante, psicótico ou não, é um ser falado: falado
por um Outro presente em nós, que nos transcende para
além do nosso querer e do nosso saber consciente.
● É assim que fala o inconsciente: escapa ao sujeito, para
voltar a seu ouvido e surpreendê-lo.
▪O psicótico alucinado, às voltas com vozes
acusadoras, as ouve com a dupla certeza de
que elas vêm de fora e só se dirigem a ele.
▪ A partir de 1953, Lacan explica as psicoses
segundo duas leis: a primeira explicita a
primazia do simbólico sobre o imaginário
ao dizer que é o significante que explica,
como causa, as significações.
•Este significante fundamental é o
Nome-do-Pai. Só este significante introduz
a exclusão recíproca que é a diferença entre
as gerações e o interdito do incesto.
▪ A segunda lei sustenta que na falta desse
significante, há proliferação de significações
que visam suprir esta falta. 28
PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE

● Essas significações funcionam como muletas imaginárias que,


por um tempo, possibilita ao sujeito compensar a ausência deste
significante.
● Lacan retoma os pontos de vista freudianos sobre o narcisismo,
que alicerça a sua concepção da psicose, e o mecanismo da
foraclusão para construir a sua teoria do fracasso da instalação
da metáfora paterna como fundamento de todo o processo
psicótico.
● O narcisismo não é apenas a libido investida sobre o próprio
corpo, mas uma relação imaginária, central nas relações
inter-humanas: ama-se no outro o que existe nele de
identificação erótica, ao mesmo tempo em que, como todo
processo de diferenciação, de desligamento, implica uma tensão
agressiva.
A PERSPECTIVA LACANIANA DAS PSICOSES
Para que seja possível compreender nos psicóticos a formação,
ou não, da imagem do eu, efeito do estádio do espelho, é preciso
situar o ponto de partida num tempo anterior ao nascimento do
sujeito.

▪ A sua história não começa com ele, ela o precede, e esse


período prévio é fortemente responsável por aquilo que será seu
futuro.

▪ Todo sujeito vem ocupar um lugar no mito familiar: esse mito,


cuja importância é demonstrada pelo lugar que ocupará na
fantasia fundamental:

Designa-lhe um papel na sua vida, que determina os discursos


que começam a ser dirigido não a ele, mas ao personagem que
ele encarna na cena familiar, e que tenderão a constituí-lo como
sujeito.
Esta é a primeira ambigüidade fundamental que o
discurso impõe ao homem: ele traz um nome
escolhido em função desse lugar no qual sua
subjetividade se encadeia (nome pelo qual é
chamado e não seu nome legal).

▪ Ao mesmo tempo, é o discurso, que é o lugar da


fala, nesse início, alienante por definição, que
testemunha a inserção daquele sujeito, numa cadeia
significante, única condição de sua inserção
simbólica.

▪ A análise de psicóticos obriga o analista a


interrogar sobre a essência desse Outro, desse lugar
da fala, a fim de decifrar porque o sujeito só pôde
responder a esse discurso pela alienação. O ego do
psicótico está engolfado numa falha real no Outro,
a mãe.

▪ Momento intitulado por Lacan de Alienação.


Lacan formula a constituição do Édipo em três
tempos lógicos:

No primeiro tempo lógico, a mãe seria o Outro


absoluto, que a tudo detém, domina e governa, e o
bebê estaria identificado ao falo, cuja equivalência
simbólica (bebê-falo) já havia sido indicada por
Freud.
Neste âmbito, a mãe seria a personagem principal
da maternagem do bebê, é quem acalenta, quem
sacia todas as suas necessidades e atribui
significações a elas. O bebê torna-se a
concretização do desejo da mãe. Tanto a mãe
atribui a ele este estatuto, quanto ele próprio se
coloca nesse lugar, respondendo a este chamado.
32
No segundo tempo lógico do Édipo, ocorreria a instituição da
simbolização por parte do bebê. Isto é confirmado tanto pela
capacidade da criança de representar a mãe no jogo do carretel – o
famoso fort – da freudiano, como também pela utilização de
fonemas e balbucios, ensaio de palavras num momento ainda
remoto do desenvolvimento. Tais aspectos marcam a entrada da
criança no mundo da linguagem, do simbólico.

Com a possibilidade da criança simbolizar a mãe, esta atinge o


estatuto de signo, em detrimento do de objeto primordial de onde
até então respondia. A linguagem atua, assim, enquanto mediação
simbólica que vem cortar a imediatez da dualidade da relação
mãe-bebê.

A entrada do pai imaginário possibilita a entrar neste segundo


tempo lógico do Édipo.
A PERSPECTIVA LACANIANA DAS PSICOSES
Esta mediação, no entanto, não se dá por si só. É necessário
que haja intervenção de um terceiro que venha barrar o
desejo da mãe, bem como o do filho, e que introduza a lei
da interdição, operando um corte na reintegração da
criança por parte da mãe, e impedindo que o bebê continue
a responder do lugar de objeto de desejo materno.

▪ É então que a instância paterna atua como metáfora, cuja


incidência deve advir no próprio discurso da mãe, ou seja,
o significante Nome-do-Pai, evocado no discurso materno,
implica que o desejo da mãe se encontra dirigido também
para outro lugar, além do bebe, e que ela própria é
submetida a uma lei.
O significante Nome-do-Pai não apenas demarca
uma lei para a mãe, mas perpassa o discurso
materno e atinge a criança que se apercebe que
também ela está submetida a uma lei. O
Nome-do-Pai é o significante que viabiliza a
simbolização da mãe.

Em suma, num primeiro tempo lógico, a mãe ocupa o


lugar de Outro absoluto (a alienação) e, em seguida,
o Nome-do-Pai vem interditar esse Outro
onipotente, instalando a lei em seu lugar, mediante
uma nova configuração, permitindo a entrada da
criança no simbólico.

O falo, que ocupava o lugar de objeto imaginário do


desejo da mãe, atinge o estatuto de significante do
desejo do Outro e, a partir de então, inscreve-se a
castração no Outro e o inconsciente se constitui
barrado.
Neste contexto, a metáfora paterna convoca a
significação do falo no imaginário do sujeito. O fato do
falo assumir o caráter de significante se dá ao preço do
seu desaparecimento. Sendo assim, a castração
simbólica tem como conseqüência surgimento do falo
como falta no imaginário.

O significante do falo permite ao sujeito conferir


significações aos seus significantes, bem como se situar
no universo simbólico e na partilha dos sexos como
homem e como mulher.

O sujeito sai, assim, de um lugar, no qual ele estava


identificado ao falo, para uma posição de falta-a-ser, na
qual será confrontado pela dialética não mais do ser ou
não ser o falo, mas do ter ou não tê-lo.
36
O terceiro tempo lógico proposto por Lacan remonta ao declínio
do Complexo de Édipo, no qual o sujeito, o menino, por
exemplo, assumiria a posição de ter o falo, podendo se apropriar
de várias significações de seu pênis, provisoriamente
confundido com o falo.

A inscrição do significante Nome-do-Pai propicia o advento do


significante do desejo, baliza a entrada do sujeito no simbólico e
o desenrolar de sua cadeia significante no inconsciente, que
remete a questões referentes à existência, ao sexo e à diferença
das gerações.

Na psicose, a inscrição do Nome-do-Pai não se instala e o sujeito


fica colado à mãe que continua a ocupar o lugar de Outro
absoluto.
A operação do Nome-do-Pai é o fenômeno que propicia a
significação fálica que, por sua vez, permite a significação do
desejo da mãe: o falo é o significante do desejo materno e uma
referência do gozo fálico.

Como no sujeito psicótico não se inscreve este fenômeno, é


possível pensar que ele não deseja, pois não se reconhece em
falta, permanecendo eternamente submetido à fantasia de uma
completude e aos caprichos e desejos de sua mãe, como um
apêndice da mesma.

Não se trata apenas de não reconhecer o Nome-do-Pai, e sim de


sua exclusão. Não é algo que o psicótico nega, pois até para
negar é preciso que haja um reconhecimento, como se dá com o
perverso. Trata-se de uma abolição simbólica.
Esse processo de exclusão do Nome-do-Pai recebe o
nome de foraclusão, tornando-se o mecanismo por
excelência da psicose.

A foraclusão equivale à abolição da lei simbólica,


favorecendo, no psicótico, distúrbios no mundo dos
discursos. O que ele fala, é.

Não faz metáfora, o significante vem colado à palavra e


assume um estatuto de verdade absoluta em
contraponto à dúvida inerente ao neurótico.

O psicótico assume uma posição estrutural de objeto de


uso e de gozo do Outro não barrado em função da não
inscrição do significante do Nome-do-Pai.
Para adquirir o estatuto de sujeito, sujeito da
linguagem, do inconsciente e do desejo é
preciso pagar um preço ao valor do Édipo e, a
partir de então, estar fadado a cumprir a
sentença da falta, da castração simbólica.

Não pagar este preço de comprometimento


simbólico leva ao campo das psicoses.

Em função da falha no advento da metáfora


paterna, em decorrência da foraclusão do
Nome-do-Pai, uma série de problemas
acontecem na vida do psicótico. Dentre eles, as
alterações psíquicas que, em grande parte,
decorrem de alterações da percepção ou do
pensamento. Seriam as alucinações e os
delírios comuns aos transtornos psicóticos.
A relação mãe-filho não espera o parto para acontecer:
o ponto de partida dessa relação remonta ao momento
em que começa sua história biológica, na fecundação.

Esse momento é definidor do lugar que a criança


ocupará, enquanto objeto de desejo, no inconsciente
materno.

O início da gravidez coincide com, ou acentua, a


instalação de uma relação imaginária na qual a criança
não é representada pelo que é na realidade, um embrião
em vias de desenvolvimento, mas por um corpo
imaginado, um corpo completo e unificado, dotado de
todos os atributos necessários para isso.

É sobre essa imagem, suporte imaginário do embrião


que se despeja a libido materna. Durante a gestação, há,
portanto, de um lado, no nível biológico, esse lento
devir que transforma a célula em ser humano.
41
Por outro lado, no plano relacional, essa célula, desde o
começo, é representada pelo corpo imaginado que
acompanha e precede a criança.

A possibilidade dessa primeira inserção da criança no


imaginário materno enquanto “corpo imaginado”,
testemunha o fato de que a mãe pode simbolizar seu discurso
em torno de um significante correspondente à ordem
humana na qual ela própria se insere, mas que reconhece
como lhe sendo pré-existente e independente de sua própria
existência.

Essa dimensão histórica materna é indispensável para que o


sujeito seja reconhecido como um elo que vem se inserir
numa cadeia significante da qual ele é o fim e cujo
prosseguimento ele tem que garantir.
A mãe do psicótico não é alguém que faz a lei, ela é a lei.
Esse tipo de mães poderiam ser chamadas de fora de lei
e não de mães fálicas.

Mulher fálica é um sujeito para quem o falo e fazer a lei


são duas entidades indissolúveis: é porque se identifica
com o homem que a possui, que ela entra em conflito de
rivalidade com ele, tentando impor-lhe sua lei.

No entanto, no plano social, essas mulheres são hiper-


rígidas: reconhecem a lei fálica e procuram
apropriar-se dos emblemas reconhecidos por essa lei.

Com as mães de psicóticos, as coisas são de uma ordem


completamente diferente: jamais aceitaram as regras do
jogo e nem os compromissos correspondentes. Elas
estipulam suas próprias regras.
Se elas não são psicóticas, se suas defesas lhes
permitem um tipo de aparente adaptação ao real,
por outro lado, a própria a historicidade delas,
sua má inserção social, suas exclusão na ordem
da lei é algo sempre presente.

É provável que o filho seja o fator desencadeante


de uma brusca descompensação ao nível das
suas defesas; isto explicaria porque é justamente
na relação com seus filhos que se concretiza
aquilo que nelas é da ordem de uma perversão ao
nível da lei.

Por outro lado, o filho lhes permite tamponar essa


mesma brecha fazendo do corpo da criança o
escudo que acolhe e fixa qualquer emergência do
recalcado mal contido. Esse tipo de mulher é a
única que tem uma relação com a criança real,
enquanto embrião.
O embrião é a testemunha de que a mãe é a lei, de
que não tem nenhuma simbolização possível, fálica
ou não, nem nenhum emblema através do qual seja
possível reconhecê-la e nomeá-la.

Não tem outro ponto de referência a não ser a de


uma onipotência, que pretende manter através da
prova de sua eficácia, a manutenção da exclusão e do
não reconhecimento de tudo quanto for da ordem da
lei simbólica.

O que é narcisicamente investido ao nível do


embrião é o significante da onipotência materna,
que marca a mãe enquanto ser humano em sua
relação com a lei.

A presença dessa única relação implica para o filho


uma primeira castração maciça; tudo o que, em seu
corpo lembrar a contribuição paterna, é negado e
anulado. 45
Em primeiro lugar, tudo aquilo que poderia fazer lembrar
que ele é fruto de uma união sexual e que, enquanto ser
sexuado, ele é também filho do pai.

A foraclusão do Nome-do-Pai tem aqui sua origem.

A gravidez pode, nesse sentido, ser causa de um retorno


maciço do recalcado, retorno que, se não acaba numa
psicose, torna psicogênica sua relação com a criança.

Parece existir para essas mães um tipo de impossibilidade


para representar imaginariamente à criança que virá: a
relação parece dar-se entre a mãe e uma massa no interior
de si mesma, uma espécie de enchimento corporal, de
órgão acrescentado que, nela, e graças a ela, se desenvolve.
A gravidez pode, nesse sentido, ser causa de um retorno maciço
do recalcado, retorno que, se não acaba numa psicose, torna
todavia, psicogênica sua relação com a criança.

Se normalmente a presença do corpo imaginário é o que


permite, desde o início, um investimento libidinal da criança
enquanto corpo separado, nesse caso, assistimos não a um
desinvestimento do narcisismo em favor da futura criança, mas
a um excesso de investimento narcisista daquilo que é sentido
como uma produção endógena, como algo que se acrescenta ao
próprio corpo.

Parece existir, para essas mães, um tipo de impossibilidade para


representar imaginariamente a criança que virá. Todo
investimento é feito em si mesma, sendo a criança apenas um
pedaço de seu próprio corpo.
No plano da dinâmica libidinal esse “corpo real”
aparece, então, como um simples prolongamento do
narcisismo materno.

• Razão porque o parto corre o risco de ser vivido


como uma experiência de luto, a perda insuportável
de um objeto investido narcisicamente, podendo
causar uma psicose puerperal.

O “corpo real” da criança não terá outro


reconhecimento, ou outra razão de ser, se não
permanecer testemunha da onipotência da função
materna.

Por essa razão, esse investimento só pode recair


sobre aquilo que na criança é suporte e meio da
demanda e jamais do desejo.
O cuidado com o estado dos órgãos, o bom
andamento das funções que ela controla, lhe
asseguram a onipotência.

▪ Antes de ser um corpo despedaçado, a criança


é um corpo feito de pedaços, pois só assim
pode continuar como testemunha da lei
materna: separada da mãe espacialmente,
permanece indissoluvelmente ligada a ela ao
nível daquilo que é da ordem biológica, da
funcionalidade.

▪ Neste contexto, só a metáfora paterna


convocaria a significação do falo no
imaginário do sujeito, permitindo o corte com
esta relação dual com a mãe.
A constituição do sujeito humano é inerente à
relação com a sua imagem. Essa imagem é a base da
formação do seu eu.

▪ Assim, por um lado, a imagem lhe permite


diferenciar sua própria imagem da imagem do
outro; por outro lado, evita a luta erótica, ou
agressiva, provocada pelo conflito não intermediado
de um com o outro, no qual a única escolha possível
é “ele, ou eu”. Nessa ambigüidade essencial, em que
pode estar o sujeito, a função do terceiro é a de
regular essa instabilidade fundamental do equilíbrio
imaginário com o outro.

O encontro com o ego especular é descrito por seu


caráter jubilatório: aquilo que surge no espelho é
essa imagem na qual me vejo com o corpo inteiro,
independente, corpo que domino até poder fazê-lo
desaparecer e aparecer para mim e para o Outro.
50
Ao assumir o corpo imaginário como minha imagem, investindo
sobre ele a minha libido, ele se torna meu ego ideal, suporte de meu
narcisismo. A partir daí, será ele que terá que me assegurar que
meu corpo existe como outra coisa independente e não apenas um
continente de necessidades vindas de outro lugar.

▪ O que permite esse reconhecimento é o movimento através do qual


a criança se volta para aquele que a sustenta para pedir o seu
consentimento. Através do viés do reconhecimento do Outro, a
criança se reconhece.

▪ Desde o início, a criança foi reconhecida como corpo imaginário,


por esta razão ela pode reconhecer no ego especular seu ego ideal.
O ego especular já é um objeto cobiçado por ser investido pela
libido materna.

▪ Transforma-se, então, em ego ideal (objeto do narcisismo


primário).
É preciso considerar que essa imagem do ego ideal é ilusória
pois, nesta época, a criança ainda é imatura em sua motricidade
e depende do Outro para poder perceber-se como inteira.

▪ Com o psicótico passa-se outra coisa: o que ele vê no espelho


o deixará para sempre siderado de terror, pois o que lhe
aparece é seu corpo tal como é em sua realidade é visto pelo
Outro: Um conjunto muscular mantido unido, pelos braços
que o sustentam: o que se desenha no espelho é ela mais o
Outro, porém o Outro enquanto agente da castração e ele
como lugar dessa castração.

▪ O que o espelho lhe remete, indefinidamente, é ele enquanto


lugar da castração. É preciso acrescentar que aquilo que se
reflete no espelho enquanto ego especular, fecha, para
sempre, para o psicótico, toda possibilidade e toda via de
identificação.
A ESTRUTURA PSICÓTICA E O EGO ESPECULAR

▪ A foraclusão desse mecanismo essencial é o


que estruturalmente caracteriza o fenômeno
psicótico enquanto tal.

▪Qualquer relação imaginária com o Outro,


por se apoiar sobre o ego especular, se torna
impossível e como toda assunção do desejo
pressupõe a identificação do eu com seu ego
especular, será o desejo que estará para
sempre interditado para o psicótico: é essa
dialética insolúvel que está na base dessa
relação com o seu real.
A partir desse momento, o sujeito terá duas
percepções possíveis:

▪ a nível da demanda percebe uma dimensão


de realidade bruta, que nega ao objeto
qualquer significação libidinal, chocando-se
com ele e reconhecendo-o ao modo de um
cego ou percebe exclusivamente seu valor
significante, mas esse valor é tal que não
pode ordenar a realidade que o cerca, de
qualquer modo que seja.

▪ A psicose ensina que, na falta do


significante, o real emerge plenamente em
sua condição de estar fora do processo de
significação. O mundo aparece como
estranho e o sujeito fica colocado numa
relação contígua à própria cadeia
significante.
Conseqüências:

1. Não se realiza a metáfora paterna, e ao não


se constituir a condição básica para o
recalque primário, o psicótico se vê
radicalmente impossibilitado de usar a
linguagem em sua dimensão simbólica
(sofre o rebote real da linguagem),
tornando-se impossibilitado de negar algo
no plano de um discurso onde tudo se
afirma para ele.

2. Outra conseqüência: o mundo deixa de ser


um mundo de aparências, perde-se a
representação das coisas e a imagem
fornecida pelo fantasma desaparece.
Estabelecem-se as condições para os
fenômenos alucinatórios. 56
3. Após o mergulho na loucura, começam a aparecer
manifestações produtivas, que mostram a
importância com que esses doentes investem nas
palavras numa tentativa vã de cura e de
reconstrução do mundo. Esta reconstrução, que
pode se ocupar dos mais variados temas, busca dar
uma significação a esse novo mundo.

4. O sujeito recebe as mensagens de forma


imperativa, favorecendo os fenômenos de passagem
ao ato. Cada significante se transforma isoladamente
num enigma para o psicótico, podendo ter uma
quantidade inumerável de significações e reproduzir
os graves distúrbios de linguagem da psicose.
A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-PAI

▪ Diferentemente do neurótico que resolveu confiar na


função paterna e está referido a um saber organizado
ao redor de um pólo central ao qual se devem e se
medem todas as significações, falta ao sujeito
psicótico uma amarragem, uma organização
centralizada do seu saber que lhe dê as significações
do mundo.

▪ O certo é que não haverá uma significação que seja a


mesma para todos os psicóticos, como a fálica é para
os neuróticos.
▪ O desencadeamento de uma crise é
relativo a uma injunção, alguma
coisa chega ao sujeito fazendo um
apelo a uma referência à função
paterna.

▪ Referir-se a uma função paterna


significa organizar-se como sujeito
e obter sua significação de sujeito
em relação a uma amarragem fixa,
central, que organizaria seu saber
59
No momento em que a injunção chega, o que era um
saber para o psicótico entra em estado crepuscular, não
vale mais. O sujeito, mesmo quando entra nesse estado
crepuscular, fica sem nenhum tipo de significação. Para
entendermos melhor:

1. O saber do sujeito psicótico fora de crise está


organizado de uma forma específica, segundo
referências imaginárias, sem uma amarragem
central homóloga à função paterna na neurose.

2. Uma injunção não negociável bate no sujeito,


exigindo que ele se refira a uma função paterna.
3. De repente o seu saber se
crepusculariza e a forma
específica desse saber aparece
como falta no simbólico da
instância evocada pela injunção:
foraclusão, ou abolição da função
paterna.

4. Os significantes evocados pela


injunção falam no real porque a
função mesma que eles são
chamados a ocupar não está
simbolizada pelo sujeito. O
psicótico constrói a metáfora
delirante, como uma tentativa de
substituir a metáfora paterna.
5. Essa metáfora é considerada delirante, não
pelo fato de ser inverossível, mas por uma
razão estrutural, pois o lugar central dessa
amarragem não está simbolizado por ser
algo que não estava no saber do sujeito e
que vai ficar no real.

É importante considerar que o que é foracluído


é a função organizadora do Nome-do-Pai, é a
amarragem enquanto tal, não é que o paciente
psicótico não disponha de significantes para
falar de seu pai, de sua família, que não existam
significantes relativos ao quadro edípico.

O problema é que esses significantes não têm a


função de amarragem central como na
metáfora neurótica. 62
▪Trata-se da foraclusão de uma função: o que vai falar
no Real e não está simbolizada é a função paterna.
Por exemplo, o que vai produzir-se no Real, sob a
forma de alucinação auditiva, é a função paterna.

▪ Essa função paterna vai surgir com significantes que


já estavam no saber do sujeito. O pai com o qual o
psicótico vai lidar no Real para poder constituir uma
metáfora delirante, não é um pai abstrato, surge a
partir da constelação significante paterna inerente à
sua dinâmica familiar.
A INJUNÇÃO, APELO AO NOME-DO-PAI

O fato de haver foraclusão do Nome-do-Pai para um


sujeito psicótico não implica que não haja uma
história de uma certa forma edípica, o problema é
que essa história edípiana não produziu uma
metáfora do tipo neurótico. Os significantes
paternos dessa história fazem parte do saber do
sujeito como qualquer outro significante. O que não
é simbolizável é a função central desse significante.

▪ É porque essa função central vai ser imposta pela


injunção que esses significantes vão voltar para o
sujeito no Real.

▪ A metáfora delirante é uma metáfora para-paterna,


pseudopaterna, que responde à necessidade para o
sujeito psicótico de estruturar-se como o neurótico.
É uma a resposta à injunção.
64
Esquizofrenia

65
§ Segundo Freud, a esquizofrenia é uma entidade
clínica que se distingue, no interior do grupo das
psicoses, por uma fixação numa fase muito precoce
do desenvolvimento da libido; por caracterizar-se por
uma desarticulação das diversas funções psíquicas e
por um mecanismo particular de formação dos
sintomas:

● O investimento excessivo das representações da


palavra, ocasionando transtornos da linguagem e
das representações de objeto, causando as
alucinações.

66
§A esquizofrenia não é um
conjunto de sintomas. Ser
esquizofrênico é mais do que ter
esquizofrenia. A esquizofrenia
se mantém um passo adiante do
esquizofrênico, que se sente
vítima passiva do que lhe
acontece, os seus sofrimentos
lhe parecem vir do exterior.
Alguns tipos de Psicose - Esquizofrenia
§ A esquizofrenia não é um estado de coisas, é a irrupção de um dizer que
se mantém sempre um passo adiante de tudo o que o esquizofrênico
exprime, e sempre marca um passo adiante de tudo que dele pode ser
dito. Esse passo adiante é, nesse caso, a própria estrutura: a
esquizofrenia é um distúrbio da emergência, um excesso incontrolável
de um dizer anárquico, que não pode se apoiar num dito.
•É também um “não foraclusivo” que furta a superfície de inscrição sob
cada inscrição a vir. Esse não antecipado é a recusa de Freud ou a
foraclusão de Lacan. Trata-se de uma incapacidade de impor um não
pensamento no lugar do pensamento.
Alguns de Psicose - Esquizofrenia

Tanto Freud quanto Lacan dedicaram poucos trabalhos teóricos relativos à


esquizofrenia:
● Foi apenas por motivos de estrutura que Freud foi levado a conservar a
unidade clínica da esquizofrenia no campo das psicoses, e também para
distingui-la da paranóia. Ele questionava a pertinência deste termo para
designar esta patologia.
● O mecanismo do recalcamento era visto como o mesmo nos dois casos. A
diferença entre os dois campos consistia na principal característica da
psicose, o desapego da libido do mundo exterior e sua regressão para o eu
(não como um mero objeto fantasmático como nas neuroses).
Esquizofrenia - Freud e Lacan
Freud distingue a esquizofrenia da paranóia por suas características: por
um lado, a localização diferente da fixação predisponente e, por outro, a
um mecanismo diverso do retorno do recalcado ( a formação dos
sintomas).

O que ele entende por isso?


▪ Inicialmente, sempre há um investimento, pelo sujeito de um objeto
sexual, apego da libido ao objeto. É, em uma perspectiva fálica imaginária
que o sujeito aborda a realidade; a satisfação que obtém dela, mesmo que
seja sempre limitada, depende, em compensação, de determinações
simbólicas inconscientes.
Esquizofrenia - Freud e Lacan

Quando essas determinações correspondem a uma situação de


inacabamento do complexo de Édipo, de não assunção da castração
pelo sujeito, desencadeia-se um conflito.
▪ Freud põe em oposição o investimento do objeto sexual, pelo sujeito, a
uma terceira instância, edipiana, uma referência paterna, ou seja, à
própria realidade, pois são esta instância e essa referência que a
sustentam, que são seus elementos organizadores.
▪ Esse conflito provoca um fracasso, uma frustração na realidade,
obrigando o sujeito a desligar sua libido do mundo externo. O recalque
permitiria esse desligamento.
Esquizofrenia - Lacan
Nesta etapa, Freud faz intervir a fixação predisponente, que constitui a
dimensão passiva do recalque, que reside no fato de que um componente
da libido não cumpre a evolução normal prevista, permanecendo
imobilizado em uma fase infantil.

▪ É dessa localização da fixação, variável, que irá depender a importância da


regressão da libido.
▪ A libido, desligada do objeto pelo processo de recalcamento, fica livre e é
levada a reforçar o componente da libido que ficou para trás e a romper“
os diques no ponto mais fraco do edifício”.
▪ Freud vê nessa ruptura a manifestação do fracasso do recalque e o
surgimento dos sintomas (retorno do recalcado).
Esquizofrenia - Freud, Lacan e a análise

Essas manifestações sintomáticas, que se toma, em geral, pela doença,


são, para Freud, “tentativas de cura”.
▪ Na esquizofrenia, levando em conta a evolução menos favorável do que
na paranóia, Freud deduz que a regressão não se limita a atingir a fase
do narcisismo (que se manifesta no delírio de grandeza), mas que ela vai
até o completo
abandono do amor objetal e o retorno ao auto-erotismo infantil.
▪ O segundo critério que distingue a esquizofrenia da paranóia, para
Freud, refere-se à natureza do mecanismo posto em ação na formação
dos sintomas.
Esquizofrenia - Freud, Lacan e a análise

● Na esquizofrenia, a tentativa de cura não utiliza o mecanismo da


projeção nem do delírio, como na paranóia, para tentar reinvestir os
objetos, mas o da alucinação. Além disso, Freud acrescenta o
investimento excessivo nas palavras que corresponde aos transtornos
de linguagem observados na esquizofrenia.
● Alguma dessas alterações da linguagem tais como:- confusão entre
significante e significado em que se inscreve o não acesso do sujeito à
ordem simbólica, como no discurso decorado e no uso inadequado de
palavras que o sujeito não entende. É comum também o uso de
neologismos, a desorganização sintática, o caráter rebuscado e
maneirista da expressão verbal e outras extravagâncias.
Esquizofrenia - Lacan
● Lacan fez alguns progressos no estudo desta psicose, ao poder
contar com os instrumentos da lingüística moderna. O progresso
feito por ele, leva em conta a referência à cadeia significante e sua
tese de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem.

● Assim, a perda do poder metafórico das palavras poderia estar


relacionado com uma carência fundamental , que constitui a
definição da psicose: a falta da metáfora paterna. De fato, só esta
metáfora permite transpor as coisas da ordem real para a ordem
simbólica, tornando o sujeito humano capaz de lidar com sua
ausência, ou seja, com a sua presença simbólica. A esquizofrenia
ilustra esse poder de irrealização.
● Perturbações no triângulo edipiano – a foraclusão do Nome-do-Pai
promove a substituição do triângulo edípico por uma relação bi-polar
que tende a auto-anular-se: o sujeito ocupa o lugar do pai que é excluído,
tendendo a fundir-se e a confundir-se, com a mãe. É como se houvesse o
desejo de ser pai de si mesmo com a própria mãe. Por essa razão, trata-se
de um pseudo triângulo edipiano.
● Tende a fundir-se e ,a confundir-se, com a mãe. É como se houvesse o
desejo de ser pai de si mesmo com a própria mãe. Por essa razão,
trata-se de um pseudo triângulo edipiano.
● A esquizofrenia ilustra esse poder de irrealização pela importância da
irrupção do símbolo no Real, sob a forma de cadeia alucinatória. Lacan
chega a afirmar que, para o esquizofrênico, todo símbolo é real.
A Paranoia
77
PARANOIA - DEFINIÇÃO E HISTÓRICO

▪A paranóia é uma psicose que ▪A grande contribuição da


se caracteriza por um delírio psicanálise ao estudo da
sistematizado em que paranóia foi pôr em
predomina a interpretação, e
pela ausência de evidência os mecanismos
enfraquecimento intelectual. psíquicos que estão em jogo
nessa psicose e a parte
▪ Freud inclui na paranóia os
irrefutável da psicogênese
delírios de perseguição, a na sua etiologia.
erotomania, o delírio de ciúme
e o delírio de grandeza.
Paranoia - Hipótese Freudiana
● A hipótese inicial de Freud era de que ele podia abordar as
manifestações psíquicas da paranóia à luz dos conhecimentos que a
psicanálise tinha adquirido sobre as neuroses, pois ele acreditava que
elas decorriam dos mesmos processos gerais da vida psíquica.

● Já em 1894, Freud escrevia que as idéias delirantes deviam ser


classificadas ao lado das idéias obsessivas, sendo ambas distúrbios
puramente intelectuais; a paranóia situa-se ao lado do distúrbio
obsessivo na qualidade de psicose intelectual.

● Continuando, ele diz que se as obsessões são atribuídas a algum


distúrbio afetivo e demonstram que devem sua força a um conflito,
portanto, a mesma explicação deve ser válida para as idéias delirantes.
Hipótese Freudiana
● Freud afirma que: “essas pessoas se tornam paranóicas porque não
podem tolerar certas coisas, mas é necessário ainda que seu
psiquismo tenha uma disposição particular para isso”.
● Em 1896, ele descreve o desenvolvimento do processo paranóico na
seguinte ordem: incidente, lembrança, desprazer, retirada da crença
(desconexão) e recalque. Em conseqüência desse processo, o
paranóico presume que o outro imputa a ele o traço ou o desejo que
ele renega.
● No ano seguinte, surge o primado da organização edipiana e a
paranóia contribuiu para a descoberta desta organização na mesma
medida em que a elucidação do Édipo exerceu influência sobre a
análise da paranoia.
Paranoia - Hipótese Freudiana
● O Édipo sela essa investigação na medida em que confere a essa
experiência suas dimensões normativas.
● Em 1897, data em que ocorre a virada decisiva no desenvolvimento
da psicanálise, os seguintes temas pareciam estabelecidos:
1.O elemento que mobiliza a projeção paranóica provém da intolerância do
paranóico do fato de que os outros conheçam deles o que eles mesmos
ignoram.

2.As características gerais dessa doença: a importância atribuída à voz, ao


gesto e ao tom, traduzem a cisão entre o alter ego e a lembrança recalcada.

3. A paranóia é a estrutura que menos depende das determinações infantis.


Paranoia - Hipótese Freudiana

● Em 1899, Freud se preocupa com os determinantes da escolha das


neuroses’. Ele começa afirmando que entre as camadas sexuais, a
mais profunda é a do auto erotismo, que não tem nenhum fim
psicossexual em si, e exige somente uma sensação capaz de satisfação
localizada. Mais tarde, o aloerotismo (homo e hetero) toma lugar, mas
o auto erotismo persiste sob a forma de uma corrente independente.
● As neuroses são aloeróticas e se manifestam por uma identificação
com a pessoa amada. A paranóia desfaz a identificação e restabelece
todas as pessoas amadas na infância, cindindo o eu em várias pessoas
estranhas.
Paranoia - Hipótese Freudiana

● Por esta razão, Freud considera a paranóia como uma irrupção de


uma corrente auto erótica, como um retorno a uma situação infantil,
modificando a sua tese anterior.
● No caso Schreber, ele evidencia três vias: a função da projeção, a
homossexualidade e o papel da fixação no eu.
● Quanto à homossexualidade, constata que o perseguidor do delírio
paranóico é sempre uma pessoa amada.
● Na projeção, uma percepção interna é recalcada e seu conteúdo,
após sofrer uma deformação, retorna ao consciente sob a forma de
uma percepção vinda do exterior.
● No delírio de perseguição, a deformação consiste na transformação
do afeto: o que deveria ser sentido como amor é percebido
externamente como ódio.
Paranoia - Hipótese Freudiana

● Essa projeção possibilita ao sujeito evitar assim o perigo no qual o


colocaria a irrupção, em sua consciência, de seus desejos
homossexuais.
● Perigo considerável, devido à fixação desses doentes na fase do
narcisismo, o que faria da ameaça de castração uma ameaça vital de
destruição do eu.
● O delírio surge, portanto, como um meio para o paranóico
assegurar a coesão do seu eu, ao mesmo tempo em que tenta
reconstruir o seu universo.
● Ressalta, ainda, que a projeção não desempenha o mesmo papel em
todas as formas de paranóia, nem se manifesta exclusivamente no
curso da paranóia.
Paranoia - Hipótese Freudiana
● Sustenta que quatro tipos de funcionamento da projeção permitem
distinguir os grandes tipos clínicos da paranóia:
● a persecutória, a de ciúmes, a erotomaníaca e a megalomaníaca,
que correspondem respectivamente aos deslocamentos do verbo,
do sujeito e do objeto do enunciado e à totalização da enunciação
implicitamente formada pelo paciente.
● Como exemplo, ele cita o enunciado de base homossexual: “eu, um
homem, amo um homem”; primeiro sua negação: “eu não o amo,
eu o odeio”, depois a inversão das pessoas: “ele me odeia”.
● No entanto, a projeção não fornece o fundamento da doença. Para
chegar a ele, é preciso referir-se à interrupção do desenvolvimento
libidinal que é a fixação do sujeito no eu.
Paranoia - Hipótese Freudiana

● A problemática da identificação foi reconhecida, por Freud, como


móbil do processo paranóico. Essa questão remete à própria gênese
da identidade, a essa matriz de identificação que é a integração num
mesmo corpo, das zonas erógenas anteriormente dispersas.
● Na tentativa de entender o papel dos desejos homossexuais na gênese
da paranóia, Freud propõe um estádio em que a libido atravessa no
curso de sua evolução do auto erotismo até o amor objetal, chamado
de narcisismo. Esse estádio consiste na reunião, pelo indivíduo, das
pulsões sexuais numa unidade que toma, em seguida, a si mesmo, ao
seu próprio corpo, como objeto de amor antes de passar à escolha de
uma outra pessoa como escolha objetal.
Paranoia - Hipótese Freudiana
● É essencialmente em torno da relação erótica homossexual e de um ponto
de fragilidade que se encontraria em algum lugar das fases do auto
erotismo e do narcisismo que Freud fundamenta sua explicação da
paranóia.
● Essa referência ao narcisismo será melhor esclarecida a partir de 1914,
quando ele distinguirá mais claramente a libido de objeto da libido
narcisista. Colocará a psicose, em seu conjunto, ao lado do narcisismo.
Tanto nos esquizofrênicos quanto nos paranóicos, ele pressupõe um
desaparecimento da libido de objeto, em favor do investimento do eu e o
delírio teria como função reconduzir a libido ao objeto.

● Ao tomar a si mesmo como objeto de amor, os órgãos genitais


desempenham uma atração importante. A etapa seguinte conduz à escolha
de um objeto dotado de órgãos genitais semelhantes aos próprios: à escolha
homossexual de objeto. Só mais tarde, é possível fazer uma escolha
heterossexual.
Paranoia - Hipótese Freudiana

● Freud vai chamar a atenção para o papel desempenhado pelo pai na


paranóia. Analisando o caso Schreber, diz que o pai aí intervém
como um objeto de fixação homossexual. Diz, ainda, que se essa
relação se enraíza numa fixação narcísica, que ocorre na medida em
que esse pai foi, para ele, um objeto de amor, um objeto libidinal.
● Com a introdução dos conceitos de superego e da pulsão de morte, a
clínica e a teoria da paranóia consolidam a importância do pai e a
sua articulação com a gênese do social. Se o grande homem é um
substituto do pai, como Freud coloca em “Moisés e o Monoteísmo”, é
possível admitir o papel que o superego desempenha na psicologia
coletiva. Neste texto, Freud evoca o nome do pai, mas é Lacan que
define a sua função.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● Retomando os textos freudianos, Lacan introduz um dado essencial


para compreender o que Freud chama de “complexo paterno” no
neurótico, e o que o distingue daquilo que é encontrado no
psicótico, esclarecendo, ao mesmo tempo, o que significa a pretensa
homossexualidade do paranóico.
● Esse novo dado é a metáfora paterna, ou a função simbólica,
designada sob o termo de Nome-do-Pai, que convém distinguir do
pai real, pelo fato de que ela resulta do reconhecimento, por uma
mãe, não apenas da pessoa do pai, mas, sobretudo, de sua palavra,
de sua autoridade, do lugar que ela reserva à função paterna
simbólica, na promoção da lei.
Paranoia - Perspectiva
Lacaniana

● Com a formulação da metáfora paterna, Lacan confere ao


pai uma certa transcendência. No paranóico, a metáfora
paterna não funciona. Nele, entra em ação o mecanismo
próprio às psicoses, a foraclusão. No lugar do
Nome-do-Pai há um furo, que produz, no sujeito, um furo
correspondente no lugar da significação fálica. Quando ele
é confrontado com essa significação fálica, entra na mais
completa confusão.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● Baseando-se na leitura freudiana do caso Schreber,


Lacan diz que o Freud chama de homossexualidade,
trata-se, mais exatamente, de uma posição
transexual, isto é, de uma feminilização do sujeito,
subordinado não ao desejo de um outro homem,
mas à relação que sua mãe mantém com a metáfora
paterna e com o falo.
● Nesse caso, que é de foraclusão da metáfora
paterna, a criança é tida como sendo esse falo
materno. Este fato permite concluir que “à falta de
poder ser o falo que falta à mãe, resta-lhe a solução
de ser a mulher que falta aos homens, ou ainda, ser
a mulher de Deus”.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● A foraclusão da metáfora paterna interdita assimilar este ser a


mulher a uma posição feminina na homossexualidade, ou
àquela mais geral do Édipo invertido. A ameaça de castração,
neste caso, faz falta completamente ao paranóico.
● O pai de Schreber ilustra bem como foi possível ser uma figura
imponente e respeitada na realidade e, ao mesmo tempo, pelo
fato de se prevalecer de uma posição de legislador ou de servir
a uma obra, estar em posição de fraude em relação a esses
ideais, isto é, de excluir o Nome-do-Pai de sua posição no
significante. Enfim, de exercer sua função paterna simbólica.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana
● A vertente paranóica das psicoses se caracteriza pelo desnudamento
da relação imaginária apaixonada do sujeito com o seu eu, tal como
se constituiu para cada ser humano na fase do espelho.
● A imagem especular de eu é o objeto de uma paixão erótica e
agressiva, ao mesmo tempo em que ela tende a se tornar autônoma,
sob a forma de perseguidores. Essa imagem pode ver seus próprios
elementos se dissociarem.
● O narcisismo não é apenas a libido investida no próprio corpo, mas
uma relação imaginária central nas relações humanas: ama-se no
outro o que existe nele de identificação erótica, representando toda
a tensão agressiva. É a manutenção de uma relação imaginária com
o semelhante que separa a paranóia da esquizofrenia.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana
O que quer dizer significante fálico?

● O Nome-do-Pai é o significante ao qual é


atribuída a introdução do falo como
significação última do desejo do Outro. O
falo inclui a dimensão de falta no simbólico e
um lugar possível para o sujeito.
● O sujeito paranóico se vê privado do gozo
desse lugar, quando se acha engajado em
uma situação real que implique o pai.
● Trata-se, para Lacan, de formalizar a
incidência dessa carência do Nome-do-Pai
sobre a estrutura do inconsciente.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● Visando a elaboração do processo paranóico, Lacan formulou a


confrontação de dois diagramas , dos quais o primeiro, o diagrama
da normalidade, insere o campo da realidade entre os domínios
respectivos do imaginário e do simbólico e o segundo, permite
assistir à deriva das posições anteriormente fixadas em torno das
faltas em que se consomem o falo imaginário e o pai simbólico.
● Ao apresentar seus “Escritos”, em 1966, Lacan escreveu que foi com
sua tese de 1932, sobre Aimée, que ele introduziu a noção de
conhecimento paranóico
Paranoia na Perspectiva Lacaniana

● Para ele, o conhecimento é


essencialmente da ordem
da visão e a bipolaridade
ver-ser visto é de ordem
paranóica. O ego humano
se constitui por
identificação graças à
visão do objeto e conforme
a mesma bipolaridade. O
ego tem, portanto, uma
estrutura paranóica.

● Para definir este


conhecimento, é preciso
distinguir cinco traços
fundamentais: 96
1. Visibilidade: De acordo com a fase do espelho,
é pelo olhar da criança que a imagem do
corpo do outro funda a imagem unificada do
corpo próprio para além do despedaçamento.
A partir da fase do espelho, Lacan inventa a
noção de complexo de intrusão, situado entre
dois complexos freudianos: o de desmame e o
de Édipo.
2. Unidade e Fixidez
A intrusão do semelhante funda a unidade do
eu em seu narcisismo de objeto unificado. Há
confusão entre identificação e amor de si.
Confusão que deve ser mantida para a
estabilidade da personalidade. O
conhecimento humano está sob o signo da
estagnação das formas corporais: estrutura
que constitui o ego e os objetos sob os
atributos de permanência, de identidade e de
substancialidade.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana
● Por um lado, a erotômona se deu ao trabalho de produzir um saber,
saber promovido à dignidade de verdade, mesmo quando o parceiro
se recusa a confessar este amor; por outro lado, este saber visa se
impor ao parceiro, ponto essencial, comum com a estrutura
delirante do presidente Schreber, na qual é a ordem do universo que
é suposta reger as relações de Deus com as criaturas.

● Clérambault dizia que mais do que o amor, era a confissão de amor


que a erotômana solicitava.
● Essa lógica da ocasião perdida aparece de modo enganador, como
uma segunda chance, enquanto que, para ela não houve nenhuma
primeira vez.
3.O esquecimento de si
A estrutura do ego é paranóica: o sujeito nega a si mesmo e
responsabiliza o outro. Ele se desconhece, como é fácil
observar no transitivismo da criança; “Não sou eu, é ela”.
4.O objeto do desejo
O conhecimento paranóico institui uma tríade imaginária do
outro, do eu e do objeto. O interesse por um determinado
objeto nasce a partir do desejo do outro por este objeto.
Assim, uma alteridade primitiva está inclusa no objeto, uma
vez que ele é primitivamente o objeto de rivalidade e de
concorrência. A competição, a rivalidade, o ciúme são a
gênese e o arquétipo dos sentimentos sociais.
5.Um duplo movimento
O traço decisivo mas problemático da paranóia é a manutenção de uma
bipolaridade irredutível. Há, ao mesmo tempo: - inclusão, com fascinação
e alienação na imagem do outro por identificação; e – exclusão recíproca:
“É você ou sou eu”. Cada pólo remete sem fim ao seu contrário.

Esses cinco traços definem o que Lacan vai chamar de relação imaginária,
nem simbólica, nem real. No entanto, acontece que o último traço é
deficiente: há inclusão com captura da imagem do outro, mas a exclusão
recíproca está ausente. Psicose sem delírio ou pré-psicose?
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● A Erotomania, uma das formas de delírio da paranóia, é uma posição


delirante que consiste na convicção de ser para o outro um objeto de
amor sensual.
● Psicose de prevalência feminina, a erotomania apresenta um aspecto
clínico que corresponde a um quadro rigoroso que se organiza em
torno de um postulado fundamental: é o objeto que começou, é ele
quem mais ama, que ama sozinho (em geral, o objeto é alguém que
ocupa um posto elevado); a esse postulado se associam temas
diversos dele derivados: o objeto não pode ser feliz sem o amado, o
objeto é livre, seu casamento não é válido, etc. que indicam uma
conduta paradoxal do objeto.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● Longe de ser provocada pela benevolência do objeto, a especulação


erotomaníaca começa e se alimenta das marcas de sua rejeição. Ela vê
nesta rejeição o testemunho incontestável do amor, mas também razão
para esperar e produzir novos argumentos.
● A rejeição de seu parceiro imaginário são imputadas à sua própria
insuficiência, por sua falta, por não ter, a tempo, compreendido o que ele
esperava dela. Apesar da conduta paradoxal do seu parceiro, ela deve
manter a sua fé, pois é a esta prova à qual ela está submetida.
Psicose
Maníaco-depressiva

103
● Para Lacan, a mania é um pecado mortal, uma
covardia, no sentido de significar ceder em seu
desejo de saber, de saber sobre o inconsciente
que determina o sujeito.
● É um pecado contra “o dever de bem dizer, ou
de referenciar o inconsciente, na estrutura”; é
pecado contra o dever freudiano que convida o
sujeito à coragem da verdade, segundo este seu
enunciado: “Ali onde isso era, o eu deve advir”.
● A mania é mortal no sentido estrito da palavra já
que pode levar à morte.

104
Psicose Maníaco-Depressiva

● O debate sobre a doença mental entre a psiquiatria e a psicanálise não é


de hoje. Evidentemente, nem uma, nem outra são a mesma. Ambas
evoluíram e assimilaram novos recursos para o tratamento específico
defendido por seus campos de trabalho.
● A psiquiatria deu um salto à frente com a invasão dos conhecimentos
biológicos, e os medicamentos passaram a funcionar, pelo menos em
parte, como instrumentos de discriminação. Por outro lado, foi
perdendo os pontos de contato que antes mantinha com as
“humanidades”.
● Essa evolução mostra que o avanço desta ciência significou a foraclusão
do sujeito e a redução da doença mental a uma doença do organismo.
Psicose Maníaco-Depressiva

● A psicanálise, contrapondo-se à esta perspectiva, insiste em


demonstrar a presença do sujeito nas realidades das psicoses. Ao
tratar da mania em seu artigo “Televisão,”Lacan a define como
pecado-mortal, lembrando, assim, que ela não está fora do campo da
ética.
● A psicose maníaco-depressiva é um tipo de psicose que se expressa
por acessos de mania, de melancolia, ou de ambos, com ou sem
intervalo de uma aparente normalidade.
● Conhecida como um transtorno biológico da regulação do humor,
como transtorno bipolar, um tipo de doença endógena, ou mesmo
hereditária, essa psicose corresponde a uma dissociação entre a
economia do desejo e a do gozo
Histórico

● Embora Freud tenha abordado a psicose maníaco-depressiva, suas


teses sobre a melancolia foram mais elaboradas do que sobre a
mania.
● Os textos dedicados por ele a esta problemática são pouco
numerosos:”Luto e Melancolia”, “Psicologia de Massas e Análise do
Eu” e “O ego e o Id”. Além disso, são textos inacabados.
● Em “Luto e Melancolia, por exemplo, Freud enuncia o problema da
mania, porém não o resolve, e renuncia à explicação do mecanismo
implicado neste processo.
● Em “O ego e o id”, repensa o problema da melancolia em função da
pulsão de morte e do superego, sem reformular as suas teses sobre
a mania.
● Freud propõe situar a psicose
maníaco-depressiva numa moldura específica, a
das neuroses narcísicas, na qual o conflito
patogênico surge entre o ego e o superego, ao
passo que na neurose está situado entre o ego e o
id, e na psicose, entre o mundo externo e ego.
● A interrogação que o melancólico, ou o maníaco,
coloca parece desenrolar-se no interior do
mundo comum a todos nós.
● A falha radical presente nas estruturas
psicóticas já discutidas: o fracasso do
recalcamento primário, a falta de acesso ao
simbólico, a foraclusão do nome do pai, a
exclusão do terceiro-testemunha não estão
presentes no maníaco-depressivo.

108
● É, com frequência, questionado se a melancolia seria
uma psicose autônoma ou uma fixação na fase
depressiva de uma PMD.
● • Na mania, o sujeito lida com a exigência paterna no
Real. O encontro com esta exigência vale para produzir
significação para o sujeito tanto mais quanto mais a
exigência se manifesta como implacável. Este encontro
pode ser pensado como a busca de um referencial que
lhe dê sustentação.
● Na melancolia, o sujeito se identifica ao objeto da
demanda do Outro, mas sua entrega ao gozo do Outro
é identificatória e não alucinatória.
● A mania foi abordada pela psicanálise em suas relações com a
melancolia: uma e outra dependeriam de “ um mesmo processo ao
qual o eu sucumbiu às pressões do superego na melancolia, ao passo
que, na mania, o dominou ou o afastou.” (Freud, “Luto e
Melancolia”).
● Ele considerava a mania como uma defesa contra a melancolia, em
que confluíram o eu e o ideal do eu, ocasionando uma imagem de
triunfo do ego sobre o superego.
● Freud descreve o estado de humor maníaco, no plano do afeto, como
uma alegria e um júbilo aparentemente não motivados e, no plano
da conduta, como uma suspensão de qualquer inibição.
● A tese freudiana faz da mania o simétrico da
melancolia: o luto, referindo-se à tristeza
melancólica e a festa, à euforia maníaca. Assim, o
júbilo da transgressão torna-se a chave da
mania, tal como a dor da perda, a da melancolia.
● A festividade maníaca é concebida pela a
exclusão da censura, em prol da afirmação
narcísica e triunfante das exigências pulsionais.
● O toque jubilatório da alegria maníaca não pode
ser explicado apenas pela satisfação pulsional.
Por exemplo, a transgressão metódica de Sade
não é alegre, é sombria,
● Para Freud, o júbilo maníaco seria efeito da
eliminação do gasto psíquico exigido pelo
recalque, convertendo-se em afeto a energia
liberada.
111
Histórico

● Só em 1924, Freud pode completar sua formulação e dizer sobre o


que triunfava o sujeito maníaco, reconhecendo no ideal do eu, ligado
à figura do pai, aquilo que o sujeito da mania teria suplantado.
● No entanto, essas elaborações freudianas sobre a mania não
conseguiram integrar a sua noção de que o superego é menos um
princípio de limitação do que um princípio de excesso, a serviço da
exigência de gozo.
● Com sua idéia de que a mania é uma festa, Freud não explicou o
risco mortal que é inerente a ela.
● O maníaco não é o cínico nem o amante da boa vida,
tampouco é o homem das paixões. É preciso distinguir
a estranha vitalidade que lhe é própria, e que ameaça
sua vida, da afirmação assumida, e sem entraves, das
pulsões.
● Alguns autores seguiram Freud e não conseguiram
estabelecer a distinção correta que seria imposta pela
incidência da foraclusão.
● Foi o caso de Abraham, que fez do maníaco um ser
dominado pelas pulsões orais, entregue a uma
embriaguez de liberdade, de força e de grandeza em
razão das fraquezas do recalcamento.
● Melanie Klein foi talvez a única a ressaltar que as manifestações da
mania deviam ser referidas a algo na postura do sujeito. Sua idéia de
defesa maníaca e, mais ainda, sua formulação de que a mania se
apoiaria numa “negação da realidade psíquica” vão nesta direção.
● Apesar de alguns dos seus conceitos não terem o rigor necessário, a
sua idéia de negação da realidade psíquica veicula a intuição de uma
causa subjetiva, quase uma escolha, que agiria na base da mania.
● Além disso, ela articula explicitamente a realidade psíquica com o
efeito depressivo da perda e a mania com uma negação da
depressão.
Psicose Maníaco-Depressiva

● O rechaço do inconsciente, ou o rechaço da linguagem, não passa


de outro nome da foraclusão, um nome que tem a vantagem de
implicar a causalidade subjetiva.
● O sintoma característico da crise maníaca é a fuga das idéias. O
maníaco não consegue mais se concentrar em nada de preciso e, não
sendo capaz de controlar sua atenção, se deixa invadir por uma
sucessão incessante de idéias, o que o faz passar de uma para outra
rapidamente e sem distinção.
● Mas como este sintoma implica um retorno no real daquilo que foi
foracluído?
● Partilhando com o melancólico a impressão de
nivelamento que engloba pessoas e coisas, o
sujeito manifesta a impressão de falta de relevo,
desvitalização do mundo, nesta fuga de ideias.
● De que modo essa famosa fuga das ideias, a
anarquia e a desorientação da intencionalidade,
e também a desregulação dos ritmos vitais, são
suficientemente fundamentadas por essa ideia
única de retorno no real?
● Para entender essa questão é necessário
distinguir a estrutura e sua tradução
fenomenológica. No que se refere à estrutura, a
definição é bastante precisa: o retorno no real é
uma ruptura da cadeia significante. 116
▪Apresenta-se toda vez que um elemento da
linguagem se emancipa da estrutura
binariamente ordenada de toda mensagem,
impondo-se em sua presença de “um”.

▪ A fuga de idéias, por exemplo, essa logorréia em


que se perde a intenção de significação, em prol
de uma justaposição de ditos desorientados, não é
um impedimento ao sentido do discurso?

117
● Essa fala só parece festiva e despreocupada,
assim como desorientada, por estar livre das
restrições da semântica, emancipada do real
que entra em jogo na gramática.
● No seu seminário sobre a angústia, Lacan
falou na não função do objeto a que está
implícito na constituição de qualquer
mensagem. Ele é o real que está em jogo na
gramática. Se a língua é a condição do sentido,
o objeto é a sua causa.

118
● A linguagem humana implica um movimento de retroação para o
encontro da significação. A linguagem maníaca baseia-se na
antecipação sem voltar para uma formulação do sentido.
● Há uma diferença entre esse tipo de retorno no real e o que se
passa no modelo usado na alucinação.

● Na mania, não é possível dizer que, o nome do seu ser de gozo lhe
retorna no real do xingamento ouvido, nem tampouco, por outro
lado, que ele dispersa no delírio. Esse nome se dispersa no infinito
da linguagem que o perpassa, no automatismo dos signos do qual
ele é marionete. Falta-lhe o significante mestre, como referência, e
a metonímia, como lugar da deriva do mais-de-gozar.
● O ataque no nível do discurso também é um ataque da regulação do
gozo. A excitação maníaca é um exemplo disso, pois ela não é apenas
um desenfrear da fala e uma desordem da historicidade, mas
também o abalo da homeostase do ser vivo, que reduz as
necessidades vitais do corpo, que o torna infatigável, insone, movido
por uma vida paradoxal que o leva à morte, com tanta certeza
quanto o suicídio melancólico.
● A linguagem certamente perturba o corpo vivo, afetando o seu gozo,
negativizando-o, mas o discurso também o regula, sobretudo
quando o Nome-do-Pai está no seu lugar.
● A excitação maníaca é o gozo que não é regulado pela função fálica
e, no qual, o um do corpo é obsedado pelos múltiplos uns da
linguagem no real, até que, depois da morte do sujeito, siga-se a
morte do ser vivo.
● É possível reconhecer no maníaco o afeto fronteiriço que surge
para um sujeito reduzido a seu vazio pelo destacamento das
identificações na articulação de afastamento com um objeto, que é
reduzido pelo processo de idealização, e em processo de ser
evacuado.
● Diferentemente das condições normais do humor, o maníaco vive
um triunfo completo sobre a castração, ignorando os
constrangimentos do imaginário (o sentido), e do real (o
impossível).
● Cumpriria, assim, na ordem simbólica, uma relação
bem sucedida com o Outro, por meio de uma
consumação desenfreada, tornada possível pela
riqueza inesgotável de sua nova realidade. No entanto,
esta relação surge mais como uma devoração pela
ordem simbólica do que uma apropriação das
satisfações de um festim.

● Essa devoração não significa fixação ou regressão à


fase oral. Trata-se de um levantamento geral do
mecanismo de inércia que alimenta o funcionamento
normal das pulsões, a castração. Os orifícios do corpo
perdem, então, sua especificidade para tornar
presente, indiferentemente, a grande goela do Outro, a
falha estrutural do simbólico, desmascarada pelo
desenodamento do real e do imaginário.
A melancolia

123
Histórico

● Lacan distingue o conceito de perda do conceito de falta. Se a falta é


constitutiva do desejo subjetivo (só se deseja porque há falta), a
perda faz vacilar o desejo, pois ela dá ao sujeito o sentimento de que
o objeto perdido é aquele que ele desejava verdadeiramente, isto é
que ele torna presente o objeto da falta, o objeto a, que preenche,
assim, a falta e obtura o desejo.
● É possível dizer que o objeto perdido do melancólico é aquele que
nunca lhe fez falta na medida em que é aquele que ele possui em
nome de sua própria perda e cuja posse sufoca todo desejo.
● O termo melancolia evoca, na psicanálise, duas noções distintas: a
de uma entidade clínica diferenciada e a de um estado psíquico
bastante particular para esclarecer, por caminhos diversos, certas
características da própria subjetividade.
● Enquanto entidade clínica é situada no grupo das neuroses
narcísicas e se define como uma depressão profunda e estrutural,
marcada pela extinção do desejo e um desinvestimento narcisista
extremo. Trata-se de uma doença do desejo, constituída em torno
de uma perda narcisista grave. Enquanto estado psíquico, a
melancolia remete à instalação dos conceitos de libido, de
narcisismo, de eu, de objeto, de perda, etc.
● A melancolia era incluída por ele, nesta época, nas neuroses
de angústia, uma vertente das neuroses atuais. A melancolia
corresponderia a uma “hemorragia libidinal”.

● Vinte anos depois, tendo introduzido o conceito de


narcisismo, Freud faz um remanejamento geral da teoria
das pulsões. O eu torna-se o primeiro objeto de amor,
possibilitando uma compreensão melhor das psicoses.

● As psicoses passam a ser entendidas como produto da


retirada da libido para o eu o que provocaria: uma quebra
da libido na esquizofrenia, e o seu inchamento exagerado na
paranoia. Na melancolia, haveria uma devoração libidinal,
seguido por um esgotamento da libido, e uma perda do eu.
O objetivo de um trabalho psíquico, neste caso, seria
permitir ao sujeito renunciar ao objeto perdido.
126
● Se, num primeiro momento, parece que o luto
corresponderia à melancolia, logo se torna evidente
que sua diferença não é apenas de ordem quantitativa,
que a melancolia não é apenas um luto patológico que
não pôde ser elaborado, mas também qualitativa. A
melancolia incide sobre a natureza do objeto perdido
que Freud aponta como sendo o próprio eu.

● Lacan também situa a melancolia como uma psicose


e se refere à posição que nela ocupa o sujeito: a de dor
em estado puro, da dor de existir, o que faz da
melancolia uma paixão de ser.

● Um outro conceito introduzido por Lacan foi o


desenvolvimento que ele dá ao amor, em sua vertente
oposta ao desejo, e colocado em perspectiva com a
morte.
127
● Neste sentido, a melancolia nada mais é do que o extremo do
enamoramento, desse estado em que o sujeito não é nada, em
comparação ao tudo do objeto amado idealizado, um extremo que
perdura impulsionando o sujeito para à órbita da pulsão de morte.
● O terceiro conceito é aquele do ato de deixar cair no qual Lacan vê
a marca da falência do discurso e do qual o suicídio melancólico é o
principal exemplo.
● O suicídio indica o ponto em que não há mais fala possível, não há
mais endereçamento ao Outro, não há mais do que esse instante em
que o sujeito, chegando ao extremo de não ser, cai e se encontra,
enfim, em sua própria queda, em seu casamento melancólico
consigo mesmo, na morte. É a passagem ao ato.
● A vertente delirante do melancólico decorre de uma apropriação de
culpa que se traduz em fenômenos de auto-recriminações, de
auto-difamação, enfim no delírio de inferioridade. Neste quadro,
também é prioritário uma inibição vital: anorexia, insônia, abulia,
indiferença e uma convicção potente e dolorosa de perda.
● Essa perda é essencial e irremediável, sempre passível de se
atualizar nas múltiplas perdas que a vida impõe a todos. Qual a
natureza desta perda tão penosa?
● Freud, ao longo de seus trabalhos, atribuiu vários nomes a estes
fenômenos: perda da libido, perda do objeto, perda da auto-estima,
perda da pulsão vital, etc. Estes fenômenos se distinguem das
elaborações delirantes que eles motivam.
● Trata-se de fenômenos de retorno no real. Não de um retorno no
real do automatismo mental, nem de vozes alucinadas, tampouco de
algo que retorne por meio do Outro. É algo que se passa no próprio
local do sujeito.
● Se a tristeza neurótica tem por motivo o não querer saber nada do
inconsciente, é possível conceber que a rejeição do inconsciente na
psicose, que é totalmente diverso, surta os chamados efeitos de
humor.
● A postulação da culpa pelo melancólico que chega até o delírio de
indignidade já é uma elaboração desses fenômenos primários da
doença. Essa atribuição de culpa tem diversas manifestações entre
elas convém distinguir o delírio de pequenez do delírio de infâmia.
● O delírio de pequenez exibe toda a gama da falta
a ter e da falta a valer, e pressupõe sempre a
medida dos significantes ideais do Outro.
● O delírio de infâmia traz uma censura mais
radical, não sujeita aos valores do Outro, e que
visa algo diferente: o próprio cerne invisível da
“Coisa”, das Ding. O melancólico é aquele que se
reconhece como infame. Ele se considera uma
exceção nesta indignidade.
● O paradoxo é que esta hiperculpa livra, por
princípio, o melancólico de todos os seus
deveres. Como é possível definir um dever que
não se confunda com as normas do Outro? 131
A melancolia

● Em geral os deveres se definem em relação aos três “is” do Outro: a


interdição, o ideal, e o imperativo. A interdição que limita; o ideal
que prescreve as formas corretas de gozo; e o imperativo que impõe
a obrigação.
● No entanto, a psicanálise define um dever sem o Outro, porque
onde o Outro não responde, no gozo, somente o sujeito pode
responder, e é a ele que compete a responsabilidade pelo gozo.
● Se a foraclusão implica a rejeição da regulação fálica e da castração
do gozo que ela supõe, surge a questão de saber o que o sujeito
psicótico faz com o gozo assim liberado, sobre o qual o Outro não
exerce uma barra, uma interdição.
● Na psicose melancólica, o delírio de indignidade em si, que é tudo o
que resta de elaboração simbólica na melancolia, coloca-se na
fixidez cristalizada da consciência culpada, cuja inércia contrasta
com o dinamismo interpretativo do delírio paranóico.
● Se o estupor petrificado e a inibição silenciosa identificam o
melancólico com o inanimado, se a passagem ao ato suicida o
realiza como restos inúteis da linguagem, a culpa de existir que o
oprime confere-lhe a imagem ambígua do supliciado em que a dor
se junta ao gozo.
● Daí o paradoxo de uma culpa tão absoluta que é ao atingir seu
estado mórbido que ela se confunde com a própria falta que aponta:
a do gozo.
O caso
Schreber
O CASO SCHREBER
▪ Em 1903, foi publicado um livro significativo para o entendimento da
psicose: Memórias de um doente dos nervos, pelo Doutor P.D. Schreber.
Em 1909, Freud, estudando este texto, encontrou os fundamentos de sua
teoria das psicoses (1911), ao perceber que o psicótico retirava, dos
objetos libidinais e do mundo em geral, uma grande parte de seus
investimentos, passando a viver em seu espaço interno.

▪ Através desse estudo, Freud visava embasar mais solidamente a teoria


das pulsões; elaborar sua teoria do narcisismo e construir sua teoria
sobre a psicose.
▪Daniel Paul Schreber nasceu em 1842, numa família
protestante burguesa.
▪ Sobre sua vida, sabe-se que seu pai, um médico
ilustre e também educador, exercia um verdadeiro
terrorismo pedagógico através de sua invenção de
uma“ginástica terapêutica,” que consistia em um
treinamento cuja finalidade era erradicar tudo o que
estivesse errado na postura e reprimir o que
pertencesse à ordem do desejo.
▪ Ao mesmo tempo, ele foi promotor do movimento,
de inspiração social-democrata, em prol dos
loteamentos ajardinados para operários que
continua até hoje, conseguindo notoriedade por suas
criações. 136
▪Um irmão mais velho de Schreber, que sofria de uma
psicose, suicidou-se aos 38 anos com um tiro. Sua
irmã mais nova morreu de doença mental

▪ Sua vida conjugal, aparentemente feliz, foi abalada


pela ausência de filhos. Pessoalmente, Schreber era
um intelectual brilhante, doutor em direito e
juiz-presidente da Corte de Apelação da Saxônia.
Era, evidentemente um homem incomum, por sua
grande cultura, sua curiosidade viva e sua
capacidade de observação e de análise.

▪ Esses elementos apresentam interesse para a lógica


do seu processo mórbido

137
▪ A psicose de Schreber desencadeou-se em 1893
quando ele foi nomeado presidente da Corte de
Apelação, apesar de sua doença ter começado nove
anos antes, quando foi hospitalizado pela primeira
vez. Esta crise foi diagnosticada como hipocondria
grave. Recuperado, demonstrou imensa gratidão
pelo Doutor Flechsig, que o havia tratado.

▪ Antes de assumir as funções para as quais tinha sido


nomeado, sonhou diversas vezes que estava
novamente doente. Certa manhã, em estado de
semi-vigília, a idéia de que deveria ser uma coisa
realmente bela ser uma mulher submetendo-se ao
coito, se impôs a ele. Essa idéia foi prontamente
rechaçada com extrema indignação.
138
▪Meses depois da nomeação, um segundo
desmoronamento anunciou-se, acompanhado por
insônias que foram-se agravando e sensações de
amolecimento cerebral.

▪ Schreber chegou a desejar a morte e, em várias


ocasiões, tentou suicidar-se. Com o tempo, as idéias
delirantes coloriram-se de misticismo: relações
diretas com Deus e aparições milagrosas.

▪ Esses mal-estares psíquicos foram interpretados


como perseguições exercidas pelo doutor Flechsig, o
mesmo que o havia tratado e curado anteriormente,
a quem agora acusava de assassinato da alma.
139
▪Em seguida, apareceram idéias de perseguição e de
morte iminente, assim como uma extrema
sensibilidade ao barulho e à luz.

▪ Mais tarde surgiram alucinações visuais e


auditivas:”ele se via morto, decomposto, atingido pela
peste e pela lepra, com o corpo submetido a
manipulações repugnantes e sofrendo os mais
assustadores tratamentos.” Essas manifestações o
faziam mergulhar por horas a fio num estado de
sideração e de estupor alucinatório.

140
▪Schreber ficou internado numa casa de saúde até
1902, quando entrou na justiça para não ser
interditado a escrever seu livro. O julgamento que
lhe deu liberdade contém o resumo de seu sistema
delirante: “Ele se considerava como chamado a
salvar o mundo, devolvendo-lhe a felicidade perdida,
mas só poderia fazê-lo, depois de se transformar em
mulher.”

▪ Schreber julgava ter um papel redentor a


desempenhar, ao preço de sua emasculação, para se
tornar mulher de Deus, procriando uma nova
humanidade, um mundo schreberiano, pois esse
Deus, substituto de Flechsig, estava cercado apenas
por cadáveres.

141
▪Observando que o perseguidor apontado, o doutor
Flechsig, tinha sido antes objeto de amor de
Schreber e de sua esposa, Freud situa, na origem da
doença, a hipótese de uma crise de
homossexualidade. Apóia-se no fato de que o doutor
Flechsig fôra, para o paciente, um substituto de seus
objetos de amor infantis: o pai e o irmão, ambos
falecidos.
▪ Na explosão do delírio, o fantasma dos desejos por
esses objetos infantis, transformaram-se em
conteúdo de perseguição.

142
▪Os desenvolvimentos teóricos de Freud definem o
ponto fraco dos paranóicos na fixação na fase do
auto-erotismo, do narcisismo e da
homossexualidade.

▪ Esta etapa é obrigatória de toda construção libidinal


da criança que toma por objeto de amor alguém
semelhante a si mesmo, detentor de órgãos genitais
iguais aos seus, pois ama primeiro a si mesmo.

143
▪Para Freud, os psicóticos possuem uma libido
voltada essencialmente para o próprio corpo. De
modo geral, a libido é sublimada nas relações
sociais, mas é algo perigoso para o psicótico que,
sempre fora de si, não tem de lidar senão com uma
duplicação de si mesmo, que ele desconhece.

▪ A genialidade freudiana consistiu em enfatizar que


nos diferentes delírios que se constituem, tudo iria
contradizer uma única proposição: “ eu, um homem,
amo ele, um homem”, esgotando as diferentes
formas clínicas dos delírios, todos os modos
possíveis de formular essa contradição.

144
▪A análise lingüística que Freud fez sobre o caso,
mostra três formas de contradizer a proposição: a
contradição do sujeito, do verbo, e do objeto.
▪ Por exemplo, o delírio de perseguição opera uma
inversão do verbo: “eu não o amo, ele me odeia, eu o
odeio porque ele me persegue”;
▪ Na erotomania, o objeto é recusado :” não é ele que
eu amo , eu amo ela”, que se transforma em “ é ela
que eu amo porque ela me ama”;
▪No ciúme delirante, o sujeito não é reconhecido,
transformando a proposta em “não sou eu que amo
o homem, é ela que o ama”.

145
▪Freud acrescenta ainda que a proposição pode ser
rejeitada em bloco: “eu não amo ninguém, eu amo
apenas a mim”, tratando-se, então, de um delírio de
grandeza, típicos tanto da paranóia quanto da mania.
▪Foi neste contexto que Freud fez uma observação
extremamente importante de que aquilo que havia
sido abolido do dentro, retorna de fora.

▪ Depois de elaborar sua segunda tópica, Freud iria


delimitar o campo da psicose, como sendo um
conflito entre o eu e o mundo exterior e o da
neurose, como sendo um conflito entre o eu e o id.

146
▪A perda da realidade, observada em ambos os
quadros, seria um dado de partida da psicose, sendo
melhor dizer que um substituto da realidade ocupou
o lugar de alguma coisa foracluída, ao passo que na
neurose, a realidade é reorganizada em um registro
simbólico.
▪É possível pensar um fio condutor que impulsionava
Schreber e que define a função da doença:
tratava-se, para ele, de atingir 3 objetivos correlatos:
1. dar sentido a uma experiência de
desmoronamento que, a princípio, deixou-o
aniquilado;
147
2. descobrir um vínculo possível com o outro, alí
onde este parecia ter desaparecido; e
▪3. restabelecer uma forma de temporalidade, ali onde
o abismo extra temporal o deixara como morto.

● Todo o delírio de Schreber é uma tentativa de


compreender e de restaurar uma forma de
temporalidade e de realidade, através da busca
contínua do sentido a ser dado à experiência que
o ultrapassa.

148
▪O problema teórico a ser resolvido por Freud é
esclarecer os vínculos entre os mecanismos de
projeção e recalcamento, pois, para Freud, na
economia da paranóia, é recalcada uma percepção
interna, chegando em seu lugar uma percepção
vinda do exterior.
▪ A questão do mecanismo específico da psicose fica
ainda em aberto.
▪ Apoiando-se na convicção delirante de Schreber da
iminência do fim do mundo, convicção freqüente na
paranóia, Freud julga que o recalque consistiria
numa retirada dos investimentos libidinais feitos
sobre objetos antes amados e que a produção
mórbida delirante seria uma tentativa de
reconstrução desses mesmos investimentos, espécie
de tentativa de cura.
149
▪Esses foram os principais mecanismos identificados por
Freud na paranóia: a projeção, em que uma percepção
interna vem de fora como percepção externa, mas
também deturpada, o recalcamento e o narcisismo.
▪ Embora, num primeiro momento, Freud considerasse a
projeção como o mecanismo formador da paranóia, este
mecanismo não tem como ser suficiente para
especificar o campo das psicoses.
▪ Na verdade, os mecanismos projetivos encontram-se
em todas as configurações, patológicas ou não, ainda
que seja possível perceber na paranóia um caráter
particularmente cego na imputação ao outro do que é
próprio.

150
▪Freud pôs à prova o mecanismo central das neuroses, o
recalcamento. No entanto, sua teoria do recalcamento
não se aplicava do mesmo modo à paranóia. Ele
construiu uma teoria que misturava recalcamento e
narcisismo.
▪ Na paranóia, o recalcamento consistiria num
desligamento da libido e no retorno dessa libido para o
eu. Freud insistiu na fixação narcísica, que
desempenharia o papel de um movimento que atrairia a
libido que ficou livre para o eu. É esta fixação narcisista,
aliada ao seu retorno da libido para o eu, que daria
lugar à ampliação ilimitada do eu. O delírio
megalomaníaco seria uma se suas expressões clínicas.
▪ Trata-se, nesse caso, de um eu que não leva em conta a
realidade, o outro, de uma espécie de eu auto-gerado.

151
▪ A catástrofe que rompe o vínculo com o outro, que
obriga a responder, a encontrar um sentido, é a
retirada da libido. Freud esclarece que essa retirada
não elimina o mundo externo, mas o despoja de
interesse libidinal. Schreber continua a ver os
outros, mas eles já não passam de sombras de
homens “feitos às pressas”.

▪ Todo trabalho consiste em restabelecer as ligações


libidinais. É isso que os raios do delírio exprimem. O
delírio dispõe e combina: ele organiza.

152
O tratamento das Psicoses
O TRATAMENTO DAS PSICOSES

▪A questão que convém fazer no que diz respeito ao tratamento das


psicoses é: qual o lugar possível ao analista no fora do discurso da
psicose?
▪ Lacan indica que a direção do tratamento do neurótico opera a
distinção entre alienação e separação. Ao propor essas duas operações
como alternando-se numa pulsação, ele descreve uma temporalidade do
tratamento.
▪ O sujeito busca a análise por um contratempo, porque alguma coisa
vem abalar sua instalação num discurso: quando a verdade do sujeito se
manifesta, irrompe, seja porque uma identificação é questionada, seja
porque uma irrupção do gozo vem abalá-lo.
O TRATAMENTO DAS PSICOSES

▪Um dos eixos da psicanálise é o eixo da alienação: o da associação livre.


Quando um sujeito se dirige ao psicanalista, ele recorre ao sujeito
suposto saber. O apelo ao sujeito suposto saber é o apelo de encontrar
sentido no que se afigurou, a princípio, como não senso: logo é uma
demanda de restabelecimento da homeostase das significações
estabelecidas para tamponar o real do sintoma.
▪ No entanto, há uma outra vertente: o analisando, tal como o infans,
depara-se com o desejo do Outro. Este desejo do Outro aparece
justamente pelo silêncio, pelos buracos do sentido, pela ausência. Na
metáfora paterna, o desejo da mãe é simbolizado por sua ausência.
O TRATAMENTO DAS PSICOSES

▪No tratamento, o desejo do analista aparece, não na continuidade do


sentido, mas no rompimento com o sentido, transversal a ele.
▪ No Seminário 11, Lacan insiste na necessidade de que o desejo do
analista funcione como um enigma graças ao qual o analisando possa
efetuar sua separação e, elaborando sua fantasia, descobrir sua
equivalência ao que ele é como objeto.
▪ Uma coisa é manter o sujeito do sentido no eixo da alienação na cadeia,
e outra é conseguir manter a dimensão de enigma, de fora de sentido,
em relação ao qual o analisando elaborará suas fantasias.
▪O tratamento do psicótico constitui um problema na medida em que
falta o eixo da separação.
● É preciso saber que vínculo o analista estabelece com esses sujeitos
psicóticos e que lugares o analista pode vir a ocupar na estrutura do
significante e das relações com o objeto.
● No que concerne ao discurso do analista no caso da neurose, o
analista fica no lugar de objeto, uma vez que sustenta a
transferência de saber.
● Quanto à psicose, é difícil estabelecer uma resposta universal: é
possível que seja necessário estabelecer diferenças entre as
diversas formas de psicose.
● No caso do paciente psicótico em crise, é possível identificar duas
posições transferênciais que não são, em si, exclusivas:
● Uma primeira posição é o lugar paterno que, para este paciente,
voltou no Real. O que está foracluído para o psicótico é a função
paterna, mas o tecido que volta no Real é um tecido simbólico e
imaginário. Neste sentido, há uma possibilidade de trabalhar
analiticamente sobre esse lugar.
O TRATAMENTO DAS PSICOSES

▪A segunda posição é a encarnação do Outro imaginário, enquanto sendo


o Outro ao qual o paciente vai ser entregue na medida em que a
metáfora delirante não conseguir ser estabelecida.
▪Como estas duas posições não são exclusivas, o analista pode,
continuamente, encontrar-se oscilando de uma posição à outra.
▪ A exigência de constituição da metáfora, mesmo que esta seja delirante,
é uma exigência de defesa contra a demanda do Outro, à qual o
crepúsculo do saber expôs o sujeito.
▪ Deste ponto de vista, não há diferença entre neurose e psicose, na
medida em que se trata em ambos os casos de uma operação de defesa.
▪ No caso da psicose em crise, trata-se de uma operação secundária de
defesa porque a primeira defesa se crepuscularizou.
O TRATAMENTO DAS PSICOSES

● De qualquer modo, trata-se de uma defesa impossível,


considerando que o gozo do Outro, a satisfação de sua demanda
imaginária, seja impossível é uma conseqüência deste Outro não ter
estatuto real nenhum, ser apenas um efeito imaginário da estrutura
da linguagem.
● Deste ponto de vista, se o analista tem uma tarefa, ela é a mesma na
psicose e na neurose: ele tem que destituir esta demanda
imaginária do Outro e, então garantir que o paciente faça a
experiência de que a defesa que o sustenta é uma defesa contra o
impossível.
● O caminho de um fim da análise para um psicótico parece ter que
passar por uma experiência “Real” da contingência da exigência
paterna ou diretamente talvez do esvaziamento da demanda
imaginária do Outro.
O TRATAMENTO DAS PSICOSES

● Seria uma experiência Real no quadro da transferência,


como se fosse necessário um encontro no qual o analista
tenha a possibilidade acidental de destituir a exigência
paterna ou o Outro imaginário, que ele encarnaria.
● Devido a este caráter efetivamente contingente da
experiência, é difícil, e mesmo prematuro, tentar formalizar
o que seria realmente o fim da análise numa psicose.

Você também pode gostar