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AULA 4
Foi a partir desse lugar, nesse contexto e sob esse ponto de vista que
Freud desenvolve sua teoria, inicialmente muito voltada ao estudo individual e
não social das manifestações inconscientes, cujos processos mentais teriam
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como resultado sintomas físicos, motores e outras alterações observáveis,
porém sem causa orgânica e sim psíquica, emocional.
O contexto macrossocial era marcado por guerras, perseguições aos
judeus, imposições de poder autoritário sobre minorias e outras normas. A
relação entre o mundo externo (contexto) e o mundo interno (psiquismo) é muito
particular, cada um experimenta à sua maneira no processo de civilização, no
entanto é possível perceber algo de coletivo, por exemplo, o processo de
internalização do que é tabu em uma sociedade. Do estudo de temas tais como
o processo de civilização, o mal-estar na sociedade, formulação de leis,
internalização de normas, controle, política e contratos sociais, emergem a
evidência de conflitos psíquicos decorrentes da coexistência de forças
antagônicas. Os conflitos psíquicos são percebidos pelo ego e as sensações são
nomeadas como por exemplo: culpa, angústia e necessidade de restauração.
Nesta aula, vamos abordar alguns temas relacionados aos conflitos
vividos pelo ego, pela experiência do sujeito de mediar forças antagônicas e os
efeitos decorrentes desta tensão. O objetivo é compreender de maneira
introdutória, a psicodinâmica do aparelho psíquico na experiência de um conflito.
• consciência;
• atenção;
• memória;
• linguagem;
• afetividade;
• pensamento;
• sensopercepção;
• orientação;
• psicomotricidade; e
• juízo crítico da realidade.
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Sabemos se uma pessoa está consciente (ou atenta) se ela responde aos
estímulos, e essa capacidade (função mental) pode ser examinada por meio da
observação às respostas que uma pessoa dá aos estímulos. A psicologia tem
sua formação acadêmica em grande parte voltada para a avaliação das funções
mentais e suas alterações.
O Ministério da Saúde no Brasil orienta o uso de um miniexame do estado
mental (MEEM) a ser aplicado por médicos da atenção primária como um
instrumento de rastreio para identificar precocemente alterações ou distúrbios
nas funções mentais.
Saiba mais
Acesse o link a seguir para verificar como é orientado o rastreio por meio
do Miniexame do Estado Mental (MEEM):
MINIEXAME do estado mental (MEEM). BVS Atenção Primária em
Saúde, S.d. Disponível em: <https://aps.bvs.br/apps/calculadoras/?page=11>.
Acesso em: 19 jan. 2022.
As alterações podem ter diversas origens ou motivos e podem ser
consideradas leves, moderadas, graves ou severas e persistentes, ocasionando
sofrimento ou transtornos mentais descritos no Manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais – DSM5 (APA, 2014).
O Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, instituiu por meio da Portaria
n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011, a Rede de Atenção Psicossocial, que são
serviços públicos, de acesso universal e gratuito para tratamento
multiprofissional dos sofrimentos e transtornos mentais (Brasil, 2011).
Assim fica delimitado o campo de atuação das ciências médicas em
relação à saúde mental e às suas funções psíquicas.
É possível perceber que as funções mentais descritas não incluem o
inconsciente, mas apenas a consciência e seus estados de alteração em que se
encontra reduzida, por exemplo, no torpor e nos estados de coma, sem, contudo,
teorizar sobre a atividade mental dos conteúdos inconscientes como nos sonhos.
De forma que fica clara a delimitação e interface entre a Psicanálise e as demais
psicologias do ego.
A consciência como função da necessidade de adaptação se organiza
desde o nascimento, mas como estrutura perceptiva, nos primeiros meses de
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vida ainda está voltada às sensações do próprio corpo para só depois ampliar a
percepção do mundo externo.
Não deixe passar a oportunidade de observar um bebê no primeiro mês
de vida, especialmente naqueles momentos em que está na hora de alimentá-
lo, mas ele ainda não acordou. Você vai perceber que ele parece sonhar que
está mamando e se satisfaz ao ponto de continuar dormindo mais um pouquinho.
Teria um recém-nascido a necessidade de se adaptar ao meio ambiente?
E se ele tem essa necessidade, será que ele (bebê) sabe disso, tem
consciência? Em que momento da vida o mundo externo é percebido e como é
a estrutura primitiva do aparelho psíquico?
Hoje, pode parecer mais coerente estudar a formação do psiquismo do
ser humano a partir do nascimento, mas não foi o que aconteceu com a
psicanálise. Freud começou a investigar o psiquismo com base no atendimento
clínico de adultos, especificamente no atendimento clínico de mulheres com
sintomas psicossomáticos, e o que ele percebeu foi que o aparelho psíquico das
pessoas era um campo de batalhas e que, para dar conta de se adaptar ao
contexto em que viviam, especialmente as mulheres experimentavam
importantes conflitos.
Nas suas primeiras concepções, ainda em um período pré-psicanalítico
(Freud, 1986a, p. 48-49), Breuer e Freud consideram a hipótese do que era
chamado no meio médico da época como divisão da consciência:
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A partir de 1900, o inconsciente foi reconhecido como sendo outra
instância e não um estado alterado da consciência nem uma dupla consciência.
Freud concluiu que a consciência faz parte do psíquico, mas não o totaliza.
A seguir compreendeu que a consciência estava subordinada ao
inconsciente e as primeiras técnicas terapêuticas eram pela via da recordação
para só mais tarde ser pela via da interpretação da repetição e da transferência.
Esse percurso é muito importante para compreender o desenrolar da
teoria psicanalítica!
Atualmente é muito mais aceito que a elaboração dos conflitos se dê mais
pela compreensão das manifestações do inconsciente do que pela memória do
fenômeno que causou o trauma emocional. Se é um trauma, as emoções
relacionadas a ele voltam, se repetem, doem novamente e a pessoa chega à
consulta com queixa de estar em um círculo vicioso do qual não consegue se
livrar. E é pela análise dessa psicodinâmica que se percebe a repetição.
Quando Lacan disse que o inconsciente se comunica como uma
linguagem, é disso que estava falando. A linguagem da repetição, da atuação,
do que parece não ter sentido, mas a pessoa repete mesmo assim.
TEMA 2 – CISÃO DO EU
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Figura 1 – Jogo de forças
Fonte: EamesBot/Shutterstock.
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Figura 2 – Deitada em posição fetal (1)
Fonte: Fizkes/Shutterstock.
O que acontece na vida mental de um bebê enquanto ele ainda não sabe
falar e não entende o que dizem a ele? Os primórdios da constituição do
psiquismo, na teoria psicanalítica, têm relação com o mito de Narciso.
Segundo o mito grego, Narciso era um belo jovem tespiano por quem
a ninfa Eco se apaixonou. Eco fora privada de fala por Hera, a esposa
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de Zeus, e só podia repetir as últimas sílabas das palavras que ouvia.
Incapaz de expressar seu amor por Narciso, foi por este rejeitada e
morreu de desgosto, com o coração dilacerado. Os deuses puniram
então Narciso por seu tratamento desalmado para com Eco, fazendo-
o apaixonar-se pela própria imagem. O vidente Tirésias profetizara que
Narciso viveria até ver-se a si mesmo. Um dia, quando se debruçava
sobre as águas cristalinas de uma fonte, Narciso viu a própria imagem
refletida na água. Ficou perdidamente enamorado dela e recusou-se a
abandonar o local. Morreu de debilidade e metamorfoseou-se numa
flor – o narciso que cresce à beira de fontes e mananciais. (Lowen,
2017, p. 31)
Figura 4 – Narciso
Fonte: Delcarmat/Shutterstock.
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perceber o outro, o mundo externo e, portanto, não dirige sua energia mental
para nada além dele próprio.
O bebê recém-nascido ao ser observado aparenta ser alguém pleno,
capaz de viver ao seu modo, autossuficiente e magicamente soberano, mas não
demora muito para perceber que não está sozinho no mundo, que o mundo
inteiro não é apenas ele e que não consegue sobreviver sozinho. Identifica que
as suas necessidades só podem ser satisfeitas quando a mãe (ou quem estiver
exercendo a função materna) prover. Muitas vezes a mãe demora e a sensação
de desamparo desencadeia uma emoção que mais tarde o bebê aprenderá a dar
o nome de raiva, tristeza ou medo. Só que quando a mãe chega, mesmo com
raiva o bebê acaba por aceitá-la. Nos relatos de mães de bebês nessa fase é
comum dizerem que precisam acalmar o bebê que está chorando para que então
ele consiga mamar.
Esse exemplo é muito bonito e pode ser a primeira experiência de amar
que o ser humano tem. O bebê percebe que a sua mãe não o satisfaz
plenamente e continua gostando dela mesmo assim, sem nunca deixar de ficar
triste por ela não ser tão ideal quanto ele gostaria que ela fosse.
Na relação com o mito de Narciso, o bebê foi capaz de fazer o que Narciso
não fez, ou seja, foi capaz de amar, de manter seu vínculo, o apego com o outro,
mesmo que esse outro não seja ideal nem perfeito, que o frustre.
A observação de bebês é algo fundamental para a compreensão do
conceito de narcisismo primário, assim como para a compreensão dos estados
narcísicos considerados patológicos.
No texto Sobre o narcisismo: uma introdução (Freud, 1986e, p. 101),
Freud vai dizer que: “Um egoísmo forte constitui uma proteção contra o adoecer,
mas, num último recurso, devemos começar a amar a fim de não adoecermos,
e estamos destinados a cair doentes se, em consequência da frustração, formos
incapazes de amar”.
Ao perder a sensação de ser completo o bebê experimentará o
desamparo da insegurança, de ser um pequeno na mão do outro, e essa ferida
narcísica ficará para sempre doendo, por outro lado nos colocará em movimento,
sempre buscando algo que nos complete, que nos satisfaça e restitua aquela
sensação plena e mágica dos primeiros e poucos meses de vida.
Um personagem que exemplifica muito bem essa busca pelo objeto de
desejo que lhe trará a completude é o esquilo Scrat no filme A Era do Gelo. O
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esquilo passa o filme desejando e fazendo de tudo para obter a desejada noz
que, quando alcançada, logo é novamente perdida e o mantém em incansável
movimento.
Essa capacidade de amar também é o que coloca os seres humanos em
conflito, pois o afeto e o amor, quando saudáveis, não garantem domínio nem
controle, nem posse, nem certezas e, sendo assim, aquele estado primário onde
o bebê experimentou a vida plena jamais será restituído.
Agora podemos diferenciar a psicanálise dos conselhos de amigos! Os
bons amigos podem nos dizer: da próxima vez vai dar tudo certo! Um bom
psicanalista, por sua vez, nos ajuda a conviver com a incompletude.
CONSCIENTE
PRÉ CONSCIENTE
INCONSCIENTE
Fonte: Arcady/Shutterstock.
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4.1 Perspectiva tópica
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possam, sob outros aspectos, diferir uns dos outros, parecendo assim
condenado a provar todo o amargor da ingratidão [...]. Ficamos muito
mais muito mais impressionados nos casos em que o sujeito parece ter
uma experiência passiva, sobre a qual não possui influência, mas nos
quais se defronta com uma repetição da mesma fatalidade. (Freud,
1986f, p. 35-36).
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TEMA 5 – CONFLITO PSÍQUICO
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Figura 6 – Experiência de ser amparado
NA PRÁTICA
FINALIZANDO
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• Segunda Tópica (1920): Id, Ego, Superego.
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REFERÊNCIAS
_____. Totem e tabu e outros trabalhos (1913). In: _____. Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio
de Janeiro: Imago, 1986, v. XIII.
_____. Sobre o narcisismo: uma introdução (1914). In: _____. Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio
de Janeiro: Imago, 1986, v. XIV.
_____. O ego e o id (1923). In: _____. Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago,
1986, v. XIX.
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LOWEN, A. Narcisismo: a negação do verdadeiro self. São Paulo: Summus
Editorial, 2017.
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