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IMED

Escola de Saúde

Curso de Psicologia

Gisele Morceli Berni

Psicoterapia: uma Análise Sobre a Terapia Sistêmica com Ênfase na Terapia de Casal

Porto Alegre

2021
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Gisele Morceli Berni

Psicoterapia: uma Análise Sobre a Terapia Sistêmica com Ênfase na Terapia de Casal

Trabalho apresentado à Escola de Saúde da Faculdade


IMED como requisito parcial para aprovação na
disciplina de Fundamentos de Psicopatologia
ministrada pela Profª Mariana Ungaretti do Curso de
Psicologia.

Porto Alegre

2021
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Sumário

Introdução........................................................................................................................ 03

Psicologia como ciência no alicerce das psicoterapias.................................................... 03

Modelos de psicoterapias no século XX ........................................................................ 04

Compreendendo melhor o modelo sistêmico.................................................................. 06

Terapia de Casal: subsistema, alicerce da família e da sociedade................................... 07

Críticas ao DSM-5: o domínio da medicalização do problema ...................................... 11

Conclusão........................................................................................................................ 11

Referências...................................................................................................................... 12
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Introdução

Este estudo apresenta uma revisão de alguns aspectos fundamentais no

desenvolvimento da psicologia e suas principais linhas de psicoterapias, para então focar sua

atenção nas bases da terapia sistêmica voltada a casais. Esta análise contou com a

participação decisiva da psicóloga clínica Larissa Montardo Machado, especialista em terapia

familiar e individual. Finalmente, propõe-se uma reflexão crítica sobre a psicopatologia

descritiva do DSM 5 em sua aplicação prática e seus fundamentos.

Psicologia como ciência no alicerce das psicoterapias

Para compreendermos o panorama das diferentes abordagens psicoterapêuticas, é

importante retomarmos, ainda que sumariamente, algumas bases do surgimento da psicologia

enquanto ciência. Este foi um longo processo caracterizado pelo diálogo entre diversos

campos de conhecimentos, como a filosofia, medicina, psiquiatria, teologia, que se voltavam

ao estudo da psique humana com diferentes propósitos, sobretudo considerando-a sob o viés

dualista mente-corpo. Foi no final do século XIX que a psicologia começou a se configurar

como uma área científica com o aparecimento de estudiosos, instituições e profissionais que

buscavam sua autonomia em relação a outras áreas, ao mesmo tempo em que permanecia

multifacetada entre as dimensões sociais, filosóficas ou biológicas. No entanto, ainda é

bastante controverso esse enquadramento que a ciência, determinada por métodos e

categorizações, impõe ao campo da mente humana.

Situando as psicoterapias nesse universo, podemos entender seu propósito original

como sendo o “tratamento da alma”, que pode ser primordialmente representado pela figura

do xamã enquanto precursor do papel do terapeuta, alguém imbuído de empatia e capaz de

cuidado do outro. Porém, definitivamente, o marco inicial da psicoterapia estruturada tal qual

a compreendemos hoje foi o surgimento da psicanálise, que coloca claramente a relação

analista-paciente no centro do tratamento; após um período de cerca de 3000 mil anos de


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influências que começaram com os filósofos da Grécia Antiga com a transposição dos

debates de uma visão mítica para a racionalidade. Há um vasto repertório de ideias neste

longo percurso, no entanto, citaremos apenas alguns exemplos marcantes na etiologia das

psicoterapias, tais como:

• A maiêutica: método socrático permeado por perguntas e repostas e celebrado

na divisa “Conhece-te a ti mesmo”.

• Visão dualista de Platão: o ser humano precisa passar por uma catarse

(purificação) para acessar a verdade que se encontra em sua alma, ofuscada

pelos desejos do corpo.

• Potências da alma, em Aristóteles: estas potencialidades da mente não estão

separadas do corpo e só existem por meio deste.

• Estoicos: para Epitecto o que nos perturba não são as coisas em si, mas o que

pensamos delas (o que a TCC chamou de crenças disfuncionais).

• O dualismo cartesiano de Descartes: desencadeou o estudo científico das

interações entre mente e corpo, sendo a razão o principal instrumento de

acesso ao conhecimento “verdadeiro” por meio da introspecção (ideia que

influencia mais tarde a terapia cognitiva racional-emotiva).

Modelos de psicoterapias no século XX

Para visualizarmos um panorama geral, apresentamos abaixo 6 modelos gerais de

linhas psicoterapêuticas:

Psicanalítico: desenvolvido por Freud, neurologista de formação. Comprometido com a

verdade e a ética em sua vida pessoal e profissional, não hesitou em afirmar que o homem

não tem domínio de si e que todas as suas criações partem de uma energia sexual, sublimada

em diferentes representações. Iniciou este percurso ao conhecer as pacientes histéricas do Dr.

Charcot, em Paris. E, após utilizar a hipnose em sua clínica, substitui este método terapêutico
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pela livre associação como uma forma de auxiliar suas pacientes a revelar conteúdos

inconscientes recalcados. Essa escuta “livre” requer um verdadeiro respeito pelo “outro” e

uma ruptura com as teorias usuais, pois há agora um “novo” conhecimento a ser

contemplado. Descobre que o sintoma neurótico é a manifestação (física ou psíquica) de algo

que foi negado pela consciência, ligado ao amor e à sexualidade, um “afeto”, que precisa ser

reintegrado à consciência pela fala. E assim, compreendendo a etiologia sexual das neuroses,

até 1895, estabelece as bases da psicanálise.

Comportamental: focado nas formas de comportamento aprendido e condicionado por

processo de aprendizagem (Pavlov, Watson Skinner, etc). Atualmente, a tendência é a

abordagem mais cognitiva, a terapia cognitivo-comportamental (TCC).

Cognitivo: desenvolvido na década de 60 por Aaron Beck para o tratamento da depressão,

que poderia ser mais efetivo se paciente e terapeuta trabalhassem sobre cognições

disfuncionais com bases em uma “tríade cognitiva” (representações negativas de si mesmo,

do mundo pessoal e do futuro).

Existencial/Humanista/Centrado na Pessoa: A psicologia Humanista se desenvolveu dentro

do ambiente acadêmico dos Estados Unidos, tentando se adaptar ao modelo científico vigente

no meio, já a psicologia Existencial foi criada na Europa, por iniciativa de médicos

psiquiatras e filósofos, buscando fundar suas bases teóricas do Existencialismo e na

Fenomenologia. Através de várias linhas unindo essas vertentes, reconhece a liberdade e

responsabilidade do homem frente à sua existência, bem como a angústia que essa condição

lhe impõe face a temas cruciais como a morte, solidão e o tempo.

Modelo dos fatores comuns ou não específicos: autores como Rosenzweig e Jerome Frank

apontaram que a maioria dos resultados clínicos da psicoterapia podem ser explicados por

elementos transversais a qualquer abordagem terapêutica, em especial, a criação e


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manutenção de uma aliança terapêutica sólida entre paciente-terapeuta, baseada em empatia,

calor humano e uma boa relação.

Modelo dos fatores biopsicossociais: proposto por George Engel, considera que fatores

biológicos, psicológicos e sociais estão envolvidos nos transtornos mentais e que direcionam

diferentes intervenções para o tratamento, como a terapia interpessoal, familiar e de grupo.

Compreendendo melhor o modelo sistêmico

Muitas vezes, quando o sujeito vai em busca do processo terapêutico, nota-se que, na

verdade, é a família que precisa de auxílio. Freud foi um dos principais estudiosos que se

preocupou com a influência da família sobre a saúde mental do indivíduo. Em 1905, lança o

olhar sobre o tema com a publicação de “Fragmentos da análise de um caso de histeria”, onde

traz a história de uma jovem de 18 anos (o caso Dora) que desenvolveu sintomas histéricos

em decorrência de um sofrimento psíquico vivenciado na relação com o seu pai. No entanto,

uma abordagem terapêutica familiar só foi sendo construída em decorrência dos impactos da

Segunda Guerra e para auxiliar as famílias durante o tratamento das doenças mentais,

começando pela esquizofrenia e depois passando a outros problemas e a famílias sem

transtornos mentais presentes. Assim, a Terapia Familiar Sistêmica foi se desenvolvendo em

torno do princípio de que são os relacionamentos que mantêm o equilíbrio do todo, e que este

é maior do que a soma das partes. Em termos práticos, ela enfatiza mudanças neste sistema a

partir da compreensão dos padrões de comunicação entre seus membros, que revisitam

acordos, crenças e dinâmicas vigentes.

O referencial do pensamento sistêmico substitui todo um conjunto de atributos

definitivos associados ao verbo “ser” pela impermanência e transitoriedade do verbo “estar”,

o que facilita a ressignificação e reorganização dos desequilíbrios e conflitos. Este modelo

terapêutico pode ser utilizado na terapia individual, com famílias e de casais. Para este

trabalho, foi escolhido como foco a Terapia de Casal.


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Terapia de Casal: subsistema, alicerce da família e da sociedade

Os primeiros centros de profissionais de aconselhamento de casal foram estabelecidos

por volta de 1930. Embora, conceitualmente, a terapia para casais seja simplesmente uma

terapia familiar aplicada a um subsistema específico, sua compreensão ainda é bastante

limitada. Sendo, muitas vezes, utilizada com último recurso para “salvar” um casamento.

Ressaltamos, neste trabalho, que a dinâmica entre o casal é de fundamental importância na

formação de uma família e da sociedade, como extensão natural. Não significa que estamos

anulando outros fatores do contexto sociocultural, mas que estamos justificadamente

reconhecendo o núcleo familiar como o berço primeiro no processo de subjetivação. É

notória a grande influência de relações desequilibradas entre o casal sobre o psiquismo dos

filhos. E, mais tarde, sucessivamente destes adultos para os seus filhos. Não se trata de

culpabilizar, e sim de transformar!

O casal pode constituir um sistema curativo para os indivíduos, de modo a

ressignificar sua história passada e permitir maior bem-estar no momento presente. Nesse

sentido, destacamos a seguir alguns elementos centrais dessa terapia que nos permitem

vislumbrar caminhos possíveis para um encontro mais consciente entre o casal. Elencamos as

contribuições da psicóloga clínica, Larissa Montardo Machado, a partir de algumas questões

propostas:

1) Quais as principais estratégias usadas na Terapia de Casal?

Os relacionamentos são entendidos como complementares quando se baseiam nas

diferenças que se encaixam, ou simétricos, baseados na igualdade: o comportamento de um

espelha o do outro. Relacionamentos simétricos entre marido e mulher são vistos quando

ambos têm uma carreira e dividem as tarefas domésticas e a criação dos filhos.

Durante as sessões do tratamento se busca entender os seguintes fatores:


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- Quanto amor e consideração se distribuem: fatores que ativam amor, preocupação, ternura e

interesse.

- Até que ponto lhes interessa seguirem juntos: uso de momento individual, no início do

tratamento, nem que sejam poucos minutos.

- As modalidades de interação, comunicação e conhecimento: o que dizem, como dizem e a

linguagem corporal.

- Os valores, o respeito mútuo e as tensões que a realidade provoca no dia a dia: fatores que

ativam conflitos, discórdia, indiferença, sofrimento.

- Os efeitos causados por outros membros da família.

- Comunicação: São capazes de dialogar, de escutar se mutuamente? Tem franqueza e clareza

na troca de informações? Tem diferenças intelectuais?

- Níveis de energia: intensidade e entusiasmo.

- Interesses e hábitos na área do trabalho e de diversão.

- Discutem sobre as famílias de origem?

- Método de criação dos filhos causa conflito?

- Relação com os filhos: alianças, proximidades, coalisões.

- Presença de mitos familiares que gostariam de preservar.

- As conexões entre queixas, interações e cláusulas do contrato.

2) Esta terapia voltada a casais pode contemplar a utilização do DSM-5?


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O DSM-5 pode aparecer para confirmar uma questão patológica de um dos casais,

fazendo com que o terapeuta tenha que entrar numa sessão que chamamos de psicoeducação.

Neste momento, iremos introduzir aspectos relacionados à patologia em questão, explicando

como ela pode interferir na relação entre o casal. Além de contribuir para os comportamentos

e queixas que não são intencionais. A partir disso, é comum que o casal se sinta acolhido, em

função de suas questões terem uma causa e um tratamento, que pode ser em conjunto com um

psiquiatra.

3) Qual a principal tarefa do terapeuta de casal?

Todos os casais têm um contrato. Nossa tarefa é torná-lo consciente e dar-lhe um uso

construtivo. Mostrar ao casal a necessidade de elaborar um contrato único, mutualmente

aceitável, e trabalhar nesta direção, promovendo a remoção de obstáculos que impedem a

obtenção de um contrato único realizável, estabelecendo mecanismos que permitam a revisão

do contrato quando necessário e proporcionando as mudanças necessárias para que o casal

possa funcionar como sistema e como individuo, ao mesmo tempo.

4) Quais os pontos fracos e de atenção na Terapia de Casal?

- O casal vem com o foco específico e não tem o desejo de ampliar.

- A presença de um segredo pode dificultar a sequência da terapia se não compartilhado.

- A presença de uma doença mental que pode impedir de acompanhar ou aproveitar o

material que surge, tipo paranoia ou destrutivo.

- A resistência é muito forte, com incapacidade de examinar a si mesmo.

- A Terapia de Casal mexe mais, dói mais. A família não separa, mas o casal separa.
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- A incapacidade de diálogo e interpretação hostil à informação que surge.

5) Quais os pontos fortes?

- Ajuda na autopercepção: Os casais fazem encaixes que eles repetem tantas vezes que não se

dão mais conta. Exemplo: Sempre está reclamando, resolver o problema focando na direção

da pessoa que está reclamando.

- Agora chegou minha vez, todos meus buracos da minha infância, agora eu vou receber

através do meu parceiro (Sentimento inconsciente sobre isso).

- Melhora a comunicação entre eles e com o sistema como um todo.

Observação: Um casamento tem 3 recasamentos: casamento pela paixão, pelo

companheirismo e criação dos filhos, depois quando ele retorna para ser só casal (fase do

ninho vazio – onde os filhos saem de casa). O casal precisa fazer novos ajustes, ter

flexibilidade, fazer um novo contrato, reorganizando a relação para um novo momento de

vida. Os conflitos estão acontecendo. Técnicas propostas:

- Refazer os contratos.

- Lista recordatória: Retoma-se a história do casal, o que cada um lembra.

- Eu vou fazer 3 perguntas para vocês: Responder 1 de cada vez e vamos conversar sobre

elas.

1. O que eu gosto? O que tem de bom na relação?

2. O que eu gostaria de mudar?

3. O que eu posso mudar que favoreceria a relação?


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Críticas ao DSM-5: o domínio da medicalização do problema

A discussão sobre normalidade é muito importante porque implica o modo como

milhares de pessoas são situadas em suas vidas na sociedade. E neste processo de

categorização dos transtornos mentais, o DSM 5 pode estimular mais ainda essa cisão.

Problemas não médicos passam a ser definidos e tratados como problemas médicos – TDAH,

menopausa, fobia social... comportamentos desviantes viram transtornos a serem cuidados

por um médico, rotulados ao ponto de desqualificar pessoas com comportamentos

transgressivos, mal-adaptados. Isso se agravou pela apropriação e uso que as pessoas fazem

de forma banal, muitas vezes imbuídas para encontrar alento em uma definição e tratamento

ao seu sofrimento, posto como individual, mas que é também social. E o DSM 5 não

considera o segundo na etiologia dos quadros, apenas no seu efeito.

Trata-se o desvio como uma doença que requer um controle do médico. O problema

são os julgamentos morais, políticos e ideológicos que rotulam quem transgride ou não se

adapta, impondo necessidade de controle e desqualificando. E por trás dessa dinâmica, há

uma série de implicações econômicas, política, judicial e no cotidiano.

Enfim, o DSM 5 é reconhecido como a bula regulatória da psicopatologia descritiva,

sob o cunho de ser constituído com um caráter científico. Mas será que a psicopatologia seria

de fato uma ciência? Segundo alguns estudiosos, como o brasileiro Benilton Bezerra, não.

Conclusão

“Como galhos de uma árvore, todos crescemos em direções diferentes, mas a nossa

raiz continua sendo a mesma”

Autor desconhecido
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Referências

Cordioli, A. V., & Grevet, E. H. (2019). Psicoterapias: Abordagens Atuais. Porto Alegre:

Artmed.

Passarinho, J. G. N. (2012). O DSM como ideologia: uma crítica do manual diagnóstico e a

luta paradigmática em saúde mental. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual

Paulista (UNESP). Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/194214

Dalgalarrondo, P. (2019). Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. 3ª ed. Porto

Alegre: Artmed.

Associação Psiquiátrica Americana. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de doenças

mentais – DSM-5. Porto Alegre: Artes Médicas. Introdução e Utilização do Manual (p.5-24,

após classificações diagnósticas)

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