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Competência 6

Habilidade 18

Linguagens NÃO é interpretação


Linguagens, códigos e
suas tecnologias

AUTORES:
Felipe Pereira Cunha | Gabriel Torres

IMAGENS:
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© Autores

CAPA:
Humberto Nunes

PROJETO GRÁFICO E
DIAGRAMAÇÃO:
Vânia Möller | Cristiano Marques

DIREITOS RESERVADOS:
© Felipe Pereira
HABILIDADE 18
Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a
organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.

dO que é um texto?
Para que se estude com profundidade a estrutura portanto do texto), e nunca a sua totalidade (até
textual, a escritura textual, a análise textual e porque a humanidade ainda não teve tempo para
etc. é necessário, antes de tudo, ir em busca de apresentar uma visão simples, óbvia e facilmente
uma definição para isso que se chama texto. Em aplicável a tudo o que vem da língua). Por isso,
primeiro lugar, não há dúvidas de que um texto é nos limitaremos a compreender a seguinte lógica:
uma congregação de palavras faladas ou escritas. sendo o texto um produto da língua e sendo a língua
Todo texto só nasce na língua, e por isso é (como uma sistema simbólico, concluímos, sem esforço,
tudo o que é na língua) simbólico. Mas em que que todo texto é simbólico, ou melhor: todo texto
momento essa aglomeração de palavras torna- é um símbolo. Isto é, todo texto representa algo
se um texto? O que promove, entre as palavras, que não é o texto em si. Todo texto apresenta
a unidade textual? O que me faz entender que uma estrutura externa, física, visível (que são as
uma palavra se conecta a outra palavra específica próprias palavras interconectadas), e todo texto
(e nunca a qualquer outra)? Em que momento também apresenta uma estrutura submersa,
o milagre da estrutura do sentido se torna parcialmente visível, turva, obscura, (que são
percptível? Como o significado transita entre os os significados, as mensagens, as sensações, as
sujeitos por entre os corpos textuais? interpretações: o próprio ser reagindo a tudo o
que é textual).
A palavra “texto” vem do latim textilis¸ que É possível supor que a verdadeira unidade
estava ligada à ideia de “tecer”, “tecido”. Não
à toa, “têxtil” também é com ‘x’, revelando a mínima da língua seria o texto (e não a palavra,
origem comum. Ou seja, texto – no sentido mais como supõe a maioria). A expressão verdadeira do
puro da palavra – é uma costura de palavra com uso da língua é o texto. Afinal, a palavra, isolada,
palavra, como se houvesse um fio condutor que
conectasse um vócabulo a outro, de modo a não tem muita efetividade semântica; a palavra,
formar um contínuo estruturado, dando origem por si só, é um pacote de sentidos que não se
a algo transcende seu material inicial.
realiza sem estar concatenada a outras palavras.
Sem ancorar-se umas nas outras, as palavras são
Essas são perguntas que podem ser respondidas ilhas utópicas de sentido e não nos dizem nada,
das mais variadas formas, por várias vertentes não se realizam. É no texto que o sentido existe
linguísticas diferentes – todas elas conseguindo e somente em função do texto que a transmissão
compreender sempre um aspecto da língua (e de sentidos acontece por meio da língua.

“Todos os escritos (religiosos, políticos, literários, históricos e etc.) formam um gesto coletivo: é o próprio território do Texto
traçado, colorido. Sigamos um momento, de artigo em artigo, a mão comum que, longe ajudar a escrever a definição do Texto
(que não exsite: o Texto não é conceito), descreve (des-screve) a prática de escrita.

Visto que só se concretiza no significante, o Texto debate-se, frequentemente, com o significado, que tende a fazer ricochete
sobre ele: se o significado triunfa, o texto deixa de ser Texto, e passar a ser um objeto lúdico daquilo que representa.”

O Rumor da Língua, Roland Barthes

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dO Texto e a legitimação dos pensamentos
Quando a palavra vira texto, ela ganha vida, for- de que não leem? Absolutamente, não. Todo ser
ma, ação, sentido, causa e efeito; ganha também humano (mesmo não sabendo ler e escrever, mes-
temporalidade, pois é enunciada, se organiza, se mo escrevendo e lendo com pouca frequência e
estrutura: existe. Não se sabe exatamente desde eficiência) tem uma língua, pois apresenta comu-
quando a língua existe. Há poucas evidências his- nicação articulada, sabe se expressar por meio da
tóricas que permitam exatificar quando e onde fala, sabe reconhecer sentimentos e intenções por
surgiu a comunicação por meio de um sistema meio da observação da fala dos outros. Ou seja,
sonoro simbólico; porém, não saber desde quan- todo ser humano, desde que nasce, está em con-
do a língua existe, não nos impede de afirmar, ca- tato com textos, que se apresentam por meio de
tegoricamente, que ela existe e que nos inflencia históricas contadas pelos pais, por meio de men-
individual e coletivamente. As manifestações lin- tiras contadas pelos pais, por meio das histórias
guísticas revelam nossas relações de poder, nossas imaginadas pela criança, que conversa muito so-
formas de compreender o mundo, nossos medos, zinha e só o faz pela língua. Enfim, somos sufoca-
dos por textos de toda ordem que se camuflam e
nossas visões acerca da vida e da morte: enfim,
nos escondem o fato de que são manifestações de
tanto os textos que escrevemos e falamos como o
um sistema simbólico, sistema esse que não tem
que lemos e ouvimos nos fazem ser quem somos:
como compromisso a verdade, mas sim, e ape-
a língua nos ajuda a moldar o caráter e a individua-
nas, uma representação da verdade.
lidade. Estaria eu afirmando que analfabetos não
apresentam existência linguística pelo simples fato Vejamos alguns exemplos de textos...

Esses são textos que tentam formar


uma maneira de compreender a
morte e a vida fora da carne, fora dos
corpos, fora da materialidade. São
textos que lidam com o que estaria
do “lado de lá”. Por isso, ancoram-
se em evidências santas, sagradas,
transcendentais, extracorpóreas.
O que todos têm em comum é,
de alguma forma, pregar o bem,
a paz consigo mesmo e com sua
comunidade, a conservação da vida.
O que importa, para nosso estudo,
é que todos eles se subordinam à
língua e, portanto, à estrutura textual.

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Esses são exemplos de textos que regem (ou buscam reger) o bom funcionamento da sociedade (o bom
comportamento das pessoas). Aquilo que, orgulhosamente, chamamos de nossos direitos e deveres nada mais são
do que registros textuais que, no momento em que deixam de ser Texto, ou no momento em que são trocados por
outros textos, evaporam. Isto é, todos os nossos direitos estão registrados em um texto, e no momento em que esses
registros textuais somem, nossos direitos de fato também somem. Para exemplificar, basta pensar na ditadura militar
vivida no Brasil, em que todas as prisões abusivas e todas as torturas estavam dentro da lei. Isto é, estavam dentro do
texto da lei, que previa total liberdade de ação ao governo, que era, naquele momento, o exército.

Esses são exemplos de textos que se propõem a uma tarefa muito perigosa: definir, descrever, observar a língua.
O perigo dessa atitude é evidente visto que todos aqueles que querem falar sobre língua precisam usá-la para
explicá-la, de modo que a língua nunca será um mero objeto de análise, mas sim um processo por meio do qual
nos revelamos e temos acesso a alguém que se revela pelas frases que escolhe. A língua nunca é simplesmente
aquilo que se analisa, mas também é aquilo por meio do qual se analisa. Isto é, falar e escrever sobre a língua é
voltar a língua sobre ela própria e assim conseguir arrancar dela somente o que ela é capaz de descrever. Por isso,
é preciso cautela para escolher as palavras que compõem os textos que analisam a língua.

Mas o que todos os textos têm em comum?


Haveria uma natureza textual? Uma carac- textos procurando naquilo que há de concreto
terística que apareça em todo e qualquer texto? nos texto, na sua estrutura, no funcionamento do
O que uma bíblia e uma receita de bolo têm em sistema linguístico, na capacidade das palavras de se
comum? Por que posso chamar de texto tanto a referirem umas às outras. A progressão temática e
Constituição Federal, quanto a pixação que vejo a estruturação textual só são explicadas se forem
na parte de uma universidade? observados os mecanismos da língua, o código da
língua, suas regras.
Considerando que os textos têm os mais diferentes
significados e se referem aos mais variados Isto é, só conseguiremos perceber, enquanto
campos da realidade, é preciso deixar claro que lemos, o modo como um texto progride
só conseguiremos achar a essência de todos os tematicamente (avançando no assunto que

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aborda) no momento em que notarmos como é ao próprio texto. A progressão temática também
decisivo conseguir ler o que se está lendo e vincular representa a repetição temática. Isto é, o tema
o que é lido agora ao que já foi lido anteriormente. se repete, reaparece, ressurge envolto às mais
A memória é a grande competência necessária diferentes formas frasais, e nessa reaparição,
à prática textual. Um texto só avança porque se
progride, continua, se espraia, avança: existe.
constrói em uma estrutura autorreferencial. O
que está em um texto sempre está em relação E assim o texto se organiza e se estrutura.

PRONOMES e CONJUNÇÕES
Os maiores exemplos de engranagens linguísticas duas (ou mais) orações que vincula em relação
que funcionam especificamente na pregressão de oposição. Isto é, a conjunção tem certa
temática e na estrutura textual são os pronomes autonomia significativa; no entanto, ela só se
e as conjunções. Afinal, são palavras de um tipo realiza e se mostra relevante para a escritura
muito especial, visto que só têm valor dentro dos textual a partir do momento em que entra no
textos; só existem na sua tecitura, só ganham fluxo textual, fazendo com que haja sentido não
sentido na medida em que estão entre outras só nas frases de um texto, mas também entre
palavras. elas. Nessa conexão frase a frase, também reside
a organização textual. Vejamos um exemplo com
Para exemplificar, observemos o pronome isso. a seguinte frase: “O advogado de defesa tinha
Qual seu significado? Qual sua mensagem? uma teoria genial, mas inédita”. A uma primeira
Quando uso a palavra isso, me refiro a quê? vista, não compreendemos o que levou o autor
Ora, não é difícil notar que a mensagem de isso do texto a escolher a palavra mas. No entanto, no
só se constrói no momento em que essa palavra meio jurídico, as teorias ganham valor à medida
está envolvida entre outras palavras nas quais que se aproximam de outros casos já ocorridos.
se ancora para constituir significado. Isso nunca Isto é, uma defesa tem mais chance de obter
pode ser a primeira palavra de um texto. Isso sucesso ao passo que ancora seus argumentos
sempre sucede outras palavras, das quais precisa, (sempre organizados textualmente) com base em
para ter algo a que se referir. Se escrevo: “A bolsa outras teorias já defendidas. Por isso, defender
está em alta; isso faz diferença para que parcela uma teoria inédita é algo prejudicial a qualquer
da sociedade?”, observe que isso, nessa frase, advogado. E só compreendendo isso é que
significa “a bolsa estar em alta”. Agora se escrevo: conseguiríamos compreender aquele mas, que
“Encontrei cocô de cachorro frente à porta da não carrega só o seu significado, mas também o
minha casa; isso é um absurdo”, o significado de significado das duas frases que conecta, fazendo
isso, agora, é “cocô de cachorro frente à porta com que tenhamos uma leitura complexa, que
da minha casa”, sem nem mencionar os issos englobe a compreensão da frase 1, a compreensão
que usei nesse texto, que são todos issos que se da frase 2 e a compreensão do vínculo entre elas,
referem aos próprios issos. estabelecido pelo mas.

Para trazer um exemplo de uma conjunção, E assim se forma o tecido textual, por meio de
pensemos na palavra mas. Sabe-se que mas mecanismos de autoreferência, por meio de
funciona na língua como um nexo entre frases, palavras que organizam o texto e permitem a
como um funsível entre orações, e que coloca as progressão do tema em questão.

Competência 6 |5

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