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Linguagem e Cotidiano

Conteudista: Prof.ª M.ª Elizabeth Maria Ziliotto


Revisão Textual: Prof.ª Esp. Márcia Ota

Objetivo da Unidade:

Abordar os fundamentos e os conceitos que estruturam as bases teóricas do


conteúdo da disciplina de modo a identificá-la no âmbito da leitura e produção
dos sentidos textuais de acordo com as possibilidades de expressão na
linguagem verbal escrita.

ʪ Material Teórico

ʪ Referências
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ʪ Material Teórico

Introdução
A disciplina se insere no campo da Comunicação, cujo caráter interdisciplinar e até mesmo
multidisciplinar permite uma abrangência bastante ampla, não só nas áreas do saber, mas
também nos mais variados campos de atuação, seja no âmbito da vida pessoal, seja na interação
social e cultural dos processos de comunicação entre as pessoas.

Nesse sentido, faremos, primeiramente, uma abordagem dos fundamentos e dos conceitos que
estruturam as bases teóricas do conteúdo da disciplina de modo a localizá-la no âmbito da
leitura e produção dos sentidos textuais de acordo com as possibilidades da expressão na
linguagem verbal escrita no cotidiano da vida profissional. Antes de iniciar a leitura da primeira
unidade, indicamos a leitura do discurso de Bryan Dyson, ex-presidente da Coca-Cola, pelo link a
seguir para uma experiência de leitura reflexiva do texto motivacional:

Leitura
O Menor Discurso do Ex-presidente da Coca-Cola

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE
Após ler o texto, indique três ideias-chave que chamaram a sua atenção, durante a leitura do
discurso do ex-presidente da Coca-Cola, explique a razão disso.

Linguagem e Cotidiano
São objetivos de estudo desta Unidade: compreender que a consciência humana é verbalmente
constituída, bem como o papel dos veículos de comunicação para o entendimento da vida
cotidiana e inter-relacioná-la à globalidade da qual emerge, a partir da qual se configura e para
qual converge, de forma a intervir cientificamente nos processos de comunicação que se
estabelecem, adequando a práxis do cotidiano a uma prática profissional, a partir do
instrumental teórico específico dos processos comunicacionais.

Ao compreender a importância da palavra como matéria-prima do processo do pensamento que


se constitui na prática social humana do cotidiano, produzindo e reproduzindo os sentidos nos
discursos da história humana, inter-relacionando-os na construção da vida (passado, presente,
futuro), podemos afirmar que a palavra é a própria vida, é pela linguagem que nos constituímos
como pessoas.

A palavra é o princípio, o meio e o fim desse universo que envolve cada um em relação com a
realidade. É através da palavra que o sujeito conhece a si e a realidade que o rodeia, podendo
através desse processo de conhecimento produzir novos outros processos de conhecimento.

Cada sujeito é um indivíduo concreto que se constitui na interação social. É a partir daí que ele
interage com o objeto do conhecimento, que, por sua vez, também possui uma existência
concreta, exterior e autônoma, através da linguagem, sobretudo da verbal, carregando consigo o
processo social da educação, do sistema de valores marcado pela classe social a que pertence.

A linguagem está em tudo que existe no mundo. O diálogo entre nós e o mundo acontece por
meio de vários tipos de linguagem, entre os quais se destaca o verbal, que se chama de língua, e
a não verbal, que pode ser identificada a partir dos sentidos empregados na percepção do
mundo: o visual, o auditivo, o tato, o olfativo, o gustativo.

A expressão pela linguagem não é vista como uma representação da realidade, mas resultado das
intenções de quem a produziu e do impacto que terá no interlocutor. Os sentidos só se produzem
nas relações entre pessoas, seja no diálogo face a face, seja nas produções verbais dos diversos
gêneros e tipos de textos verbais ou não verbais nas diversas situações da vida cotidiana.

Quem é Esse Sujeito? Como Ele se Constitui?


Este sujeito é resultado da influência das muitas vozes que recebe e tem a condição de reproduzir
ou de reelaborar. Como lembra Bakhtin, “o ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete,
mas também se refrata” (1988, p. 46). Portanto, é da natureza da palavra reproduzir-se, ao
mesmo tempo, em que reflete, desviando pouco ou muito o sentido da realidade.

Glossário
Signo: toda unidade portadora de sentido. Possui uma face sonora ou
gráfica ligada a outra face de significado ou conteúdo. Signos são
instrumentos de comunicação e representação, na medida em que, com
eles, construímos, linguisticamente, a realidade e distinguimos os
objetos entre si.
Enquanto manifesta alguma expressão, reproduz ou reelabora os diversos discursos sociais,
cada indivíduo atua comunicativamente nas relações sociais; quando inova os discursos da
sociedade, produzindo outros, ele é um ser ativo. É dessa condição que ele pode ser designado
indivíduo-sujeito. A articulação de estruturas sociais e processos de comunicação se dão nesse
eu plural. Nesse dialogismo, estão presentes tanto os resultados do percurso histórico do grupo
ou classe social, que condicionam as ações e os comportamentos, quanto os processos das
ações e a efetivação dos comportamentos dos indivíduos-sujeitos. Nessa inter-relação,
estabelece-se a subjetividade, o eu plural, isto é, o indivíduo-sujeito é capaz de escolher e decidir
entre as várias possibilidades da realidade cotidiana de acordo com interesses e necessidades do
grupo ou classe social a que pertence.

De acordo com esse processo de concepção de linguagem, a nossa língua é o nosso melhor
retrato. Pela língua, revelamos quem somos, como pensamos, quais são nossos valores, nossas
crenças, como agimos, nos vários espaços das cenas da vida. A língua nos constitui como seres
de linguagem, capazes de construir a nossa história de vida. Para ilustrar a reflexão temática,
apresentamos, no poema seguinte, sem título/autoria, o fantástico poder de expressão e
representação que a palavra-língua nos confere.

Quem se identifica em alguma ou várias dessas situações do cotidiano da vida? Quais são as
principais influências desse eu leitor/escritor que você se reconhece hoje? 

Nesta altura da vida, já não sei mais quem sou


Na ficha do médico, apareço como cliente.
No restaurante, sou freguês.
Quando alugo uma casa, sou inquilino.
Na condução, sou passageiro.
Nos correios, sou remetente.
No supermercado, sou consumidor.
Para a Receita Federal, sou contribuinte.
Com prazo vencido, sou inadimplente, e se não pago, sou sonegador.
Para votar, sou eleitor; mas no comício, sou massa.
Em viagem, sou turista.
Na rua, caminhando, sou pedestre, e se me atropelam, viro acidentado.
No hospital, transformo-me em paciente. Para os jornais, sou vítima.
Se compro um livro, viro leitor.
Se ligo o rádio, sou ouvinte.
Para o Ibope, sou espectador.
No futebol, eu, que já fui torcedor, virei galera.
E, quando morrer, ninguém vai-se lembrar do meu nome.
Vão-me chamar de finado, extinto, defunto e, em certos círculos, até desencarnado.
E pensar que, no meu apogeu, já fui mais eu... (VERÍSSIMO, L. F.)

Desde a década de 80, no Brasil, o ensino das práticas de leitura e produção de texto vem sendo
modificado pela concepção de linguagem apresentada por uma importante referência no campo
da filosofia da linguagem: o filósofo da linguagem de origem russa, Mikhail Bakhtin (1895-
1975). Um dos aspectos inovadores dessa reflexão foi conceber a linguagem como um
constante processo de interação mediado pelo diálogo entre os sujeitos, ou seja, por alguma
forma de expressão de conteúdo que pode ser a língua em que falamos/escrevemos, os gestos
visuais, os sinais, os símbolos, os códigos e todas as formas de expressão e comunicação que
nos unem ao mundo pelos sentidos.

A linguagem como uma forma de atividade humana, mais especificamente uma atividade verbal,
envolve todo o conjunto organizado de sinais usado para expressar ideias e sentimentos cuja
finalidade é fazer com que os indivíduos se comuniquem entre si.

Comunicar é transmitir o que está em nossa cabeça para a cabeça de nosso interlocutor por meio
de um veículo de transmissão do código/linguagem. Dentre todos os tipos de linguagem usados
pelos seres humanos: corporal, visual, sonora, gestual, etc., a fala é a mais utilizada. A essa
linguagem falada, também conhecida como articulada, se dá o nome de língua, conjunto de
signos e de formas de combiná-los que pertence a um determinado grupo de indivíduos.
“A linguagem é inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos. A

linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus


sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade, seus atos, o instrumento
graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade
humana.”

- HJELMSLEV, L., 1975

Saiba Mais
Para Bakhtin, o filósofo da linguagem, não é a atividade mental que
organiza a expressão, ao contrário, é a expressão que organiza a
atividade mental, que a modela e determina sua orientação. A língua
materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não conhecemos
por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças aos
enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na comunicação
efetiva com as pessoas que nos rodeiam.

O dialogismo de Bakhtin é a relação em que a palavra, o signo, o


enunciado ou discurso, carregados de significação, levam consigo os
sentidos que perpassam as relações e interações entre os sujeitos,
agentes das práticas sociais.
O enunciado/texto/discurso (termos usados aqui como sinônimos) é
produzido por um enunciador para um enunciatário no contexto
social, histórico, cultural e ideológico em que vive, para compreensão e
construção de sentido.

A linguagem ou a língua como forma de interação social deixa de ser


apenas a expressão do pensamento para ser um instrumento de
comunicação e de significação entre interlocutores que trocam
mensagem a qual precisa ser compreendida.

Que Objeto é a Palavra-Língua?


A palavra é: o objeto do conhecimento, a realidade, o signo polivalente que carrega a prática
social solidificada e o recorte com o qual nos posicionamos no mundo. A palavra materializa
uma representação e possibilita que uma ideia, ou conteúdo, surja como a coisa representada e
sua representação (forma). É a articulação entre a coisa e os atributos dela; é a mediação como
força que impele o indivíduo-sujeito a perceber a realidade (objeto) de certo modo; a palavra traz
consigo o sistema de valores da ideologia constituída e em constituição.

De acordo com Bakhtin, “a palavra é a arena privilegiada onde se desenvolve a luta de classes”. A
palavra enquanto “língua”, supõe, portanto, indivíduos socialmente organizados que fazem um
“contrato” entre si e instituem os significados. É a base comum dos processos discursivos, das
manifestações ideológicas.

A palavra dirige-se a um interlocutor presente ou ausente (outro). Há, pois, um auditório


estabelecido: procede de alguém (alguém fala); dirige-se a alguém (o outro); procura persuadir,
convencer em maior ou menor grau. Enquanto “fala” é a concretização individual, material e
concreta do sistema linguístico, é a apropriação de um processo coletivo, o indivíduo-sujeito
apropria-se da cultura já dada e nesse processo poderá reproduzir ou inovar.

A enunciação refere-se à escolha do indivíduo-sujeito no universo de palavras à disposição. Ao


combiná-las, compõe seu enunciado/texto, manifesta suas concepções, suas ideias, as quais
foram formadas a partir desse conjunto de interações. Assim, nasce o discurso. Nesse sentido,
Guimarães propõe considerar texto como processo organizacional do pensamento e discurso,
processo interacional de produção de sentido.

O indivíduo-sujeito está cercado de formações discursivas de toda a sociedade, formações que


regem seus comportamentos no cotidiano, suas atividades, procurando moldá-las. E a
reelaboração desses discursos vai encaminhá-lo no sentido da reprodução/conservação e/ou no
sentido da transformação/mudança desses sentidos.

Ao enunciar ou discursar, selecionam-se e combinam-se palavras, frases ou orações,


apropriadas para formular uma mensagem que provoque uma resposta no destinatário, isto é,
aquele que ouve ou lê. Por outro lado, o interlocutor compreende, interpreta e responde com
postura ativa àquele enunciado, internamente por meio de seus pensamentos, ou,
externamente, por meio de um novo enunciado oral ou escrito. Todo esse processo se dá pela
interação social, na relação dialógica entre os sujeitos e por meio da linguagem constituída pelo
verbal ou não verbal.

A criação das mensagens de comunicação requer um formato, um modo de configurar o


produto textual. Ao conjunto de propriedades formais que delineiam o texto quanto ao tipo de
construção, conteúdo temático e estilo é que se chama de gênero. Os gêneros textuais são
importantes instrumentos de transmissão de mensagens, são gerados a partir das necessidades
da vivência dos sujeitos.

A opção pelo gênero, ou seja, a escolha de um formato de texto e do tipo de conteúdo, é uma
atividade em processo que considera os sujeitos nas práticas sociais: em casa, na escola, no
trabalho, na igreja, no clube, entre amigos, na política, etc., para gerar o produto que reflita as
condições específicas e as finalidades da interação entre os interlocutores envolvidos no ato de
comunicação.
Reflita
Era uma vez um escritor que morava numa praia tranquila, junto a uma
colônia de pescadores. Todas as manhãs ele passeava beira-mar, para
se inspirar, e de tarde ficava escrevendo.

Um dia, caminhando na praia, ele viu um vulto que parecia dançar.


Quando chegou perto, era um jovem pegando na areia as estrelas-do-
mar, uma por uma, e jogando novamente de volta ao oceano.

— Por que você está fazendo isso? - perguntou o escritor.

— Você não vê? – disse o jovem.  A maré está baixa e o sol está
brilhando. Elas vão secar no sol e morrer, se ficarem aqui na areia.

— Meu jovem, existem milhares de quilômetros de praia por esse


mundo afora, e centenas de milhares de estrelas-do-mar espalhadas
pelas praias. Que diferença faz? Você joga umas poucas de volta ao
oceano, a maioria vai perecer de qualquer forma.

O jovem pegou mais uma estrela na areia, jogou de volta ao oceano,


olhou para o escritor e disse:

— Pra essa, eu fiz diferença.


Naquela noite o escritor não conseguiu dormir nem sequer escrever. De
manhãzinha foi para a praia.

Reuniu-se ao jovem e, juntos, começaram a jogar estrelas-do-mar de


volta ao oceano.

Esperamos que você seja um dos que querem fazer deste Universo um lugar melhor devido a sua
presença. Vamos juntos jogar estrelas-do-mar de volta ao oceano?

E o Cotidiano, que Importância tem?


O cotidiano é o cenário onde tudo acontece, é a vida, é onde o homem inteiro/ indivíduo-sujeito
participa com todos os aspectos de sua individualidade, de sua pessoa, de seu singular e
genérico, ao menos no sentido teórico deveria ser assim.  Entretanto, é também no cotidiano
que estão todos os problemas, as questões que não permitem que o homem se realize como
pessoa inteira e se manifeste, muitas vezes, como espécie genérica, sobrevivendo, apenas.

É nesse ponto que o cotidiano pode interessar para uma análise mais atenta, contribuindo para a
busca de algumas saídas para a compreensão dos problemas comunicacionais. A vida cotidiana é
heterogênea e hierárquica, isto é, caracteriza-se por um conjunto de ações e relações de
diferentes naturezas que contêm em seu bojo certa hierarquia. Altera-se em razão dos valores de
uma dada época histórica, das particularidades e interesses de cada um e nas diferentes etapas
de vida.

A rotina, sucessão linear e repetitiva de gestos, atos e atividades, demonstra uma


heterogeneidade hierarquizada. Hoje, o imediatismo e a funcionalidade fazem do útil o
verdadeiro valor. O verdadeiro valor e tudo aquilo que favorece o desenvolvimento da essência
humana pode permanecer abafado no cotidiano: o sensível, o vivido, a subjetividade fugitiva, as
emoções, os afetos, os hábitos e os comportamentos, as imagens e o imaginário.

É justamente nessas inúmeras e diferentes possibilidades da vida cotidiana que se encontra a


força motora das transformações da sociedade, com foco a partir do cotidiano vivido pelas
pessoas. A vida cotidiana se insere na história, modifica-se e modifica as relações sociais. Mas a
direção dessas modificações depende basicamente do grau de consciência que os homens
portam de sua “essência” e dos valores presentes ou não ao seu desenvolvimento.

Essa consciência individual pode ser ainda fruto, em maior ou menor grau, de opiniões
(conhecimento não verificado) ou de estereótipos (pensamento preconcebido acerca de
atributos do mundo exterior, apenas como reflexo generalizado da realidade com intervenção
do subjetivo – emoções, valores, desejos) ou até falsos juízos provisórios, ou ultra
generalizações (deformidade da realidade) que se realizam pela economia do pensamento e
organização da experiência e expectativa do homem.

Além de tudo isso, as novas condições da existência social (modernização, progresso,


desenvolvimento tecnológico, globalização), o ritmo acelerado impresso à vida cotidiana cria
uma complexidade e confusão que afetam o comportamento dos indivíduos e sua relação social.
Dessa forma, o comportamento do homem está condicionado por seu autoconhecimento e
conhecimento do mundo, manifestado em seu pensamento e, consequentemente, na sua
atividade consciente, pela atividade da linguagem verbal interativa, sofrendo forte influência da
relação emocional com as coisas do mundo por se sustentar mais nos estereótipos do
conhecimento e menos no conceito real.

As falas emitem um produto mascarado pela sociedade. São as máscaras ditadas pela ideologia.
Ao falar, o indivíduo-sujeito leva em conta o que pode dizer ou não dizer.  Esse poder é ditado
pelas conveniências, desempenhando seu papel social de acordo com os comportamentos que a
sociedade espera dele (conformismo, acomodação). Não deve transgredir; convém não criticar.
Assim, praticam mais sua condição de indivíduos e menos a de sujeitos, vivendo nessa
incompletude num grande vazio que se forma e permanece.

O processo do conhecimento supõe um indivíduo que escolhe sua posição ideológica e assume a
palavra. Quanto maior for a consciência de que sua elaboração é a apropriação individual de um
processo coletivo do qual ele é o ator e resultado e de que o produto de sua construção discursiva
voltará a essa coletividade, melhor será sua decisão para escolher entre a reprodução e/ou
mudança.

A Formação da Consciência Sociocultural


Somos seres culturais, não só sociais. Tudo o que é cultural, carregado de sentido, tem um valor.
As coisas inertes, prosaicas ganham sentido social, cultural pela maneira como são utilizadas, o
ser humano é sempre ser social, envolvendo cultura e comunicação (códigos, linguagens) na
interação social, verbal, cultural.

Somos atores de uma realidade, inseridos numa relação política, econômica, cultural e religiosa,
pela comunicação. Organizamo-nos a partir da observação da existência dessas várias
dimensões mescladas entre si, sendo a cultural sempre subjacente em todas. A cultura,
portanto, é elemento decisivo na formação da consciência pessoal e coletiva.

Na sociedade contemporânea, a formação da consciência individual ou coletiva se faz sob fortes


influências dos meios de comunicação de massa, da tecnologia da informação. A razão
comunicativa é substituída pela razão instrumental, prática, produzindo na sociedade a busca de
referenciais que justifiquem as mudanças por que passa a humanidade. É o predomínio da
tecnologia (o real se converte no virtual) e da informação. O desenvolvimento tecnológico
permitiu que a informação represente, hoje, a chave dos processos de produção de bens e de
serviços, não só de natureza física como também de natureza simbólica.

As tecnologias da informação constituem verdadeiramente um dos elementos mais dinâmicos


da moderna economia mundial. Expandem-se, penetram e inundam tudo: o entretenimento, a
informação monopolizada, a educação; interferem no cotidiano de milhares de pessoas; têm um
grande impacto na organização do trabalho e uma nova manipulação do poder mundial.

Com a era da informação tudo muda muito rapidamente, desde as visões de mundo que
alimentam o imaginário social e cultural das pessoas até a forma como os seres humanos se
relacionam entre si. Apesar de tudo, da rapidez, do pluralismo e diversidade de imagens do
mundo, da aproximação de tantas realidades, há um crescente aumento das dúvidas, das
incertezas, da fragmentação e da alienação das pessoas.

Sob a ampla e a irrestrita influência da dinâmica poderosa das linguagens dos meios de
comunicação de massa, da indústria cultural, que age fortalecendo a razão instrumental,
difundindo tecnologias, que visam o mercado capitalista, o consumismo e a alienação das
mentes e corações humanos, encontra-se a cultura e a educação.

A escola, o livro e a crença na razão iluminista perdem seu lugar para a razão instrumental, para
a realidade virtual, para a comunidade virtual em que tudo é fugaz, transitório, superficial,
efêmero, nada fica, nada permanece. Há um vazio muito grande entre o que pensamos e o que
sentimos. Nossa linguagem/expressão do mundo está sendo ameaçada por forças estranhas à
nossa natureza. O mundo da vida sofre sob as pressões do mundo da razão instrumental. O
homem não pode perder aquilo que é mais precioso em sua natureza: sua razão e sua
sensibilidade.

Só conseguiremos resultados saudáveis de transformação da ação sociocultural do homem e da


sociedade como um todo, se houver uma verdadeira integração entre as partes que compõem
esse todo de interesses tão plural e tão diversificado. Será uma utopia?

O que é Ideologia ou Visão de Mundo?


A atribuição de sentidos que damos às coisas do mundo nas várias linguagens que representam
as coisas depende do conhecimento, das nossas vivências e da elaboração intelectual sobre a
realidade, feita pelos pensadores, filósofos, cientistas, professores, escritores, jornalistas,
artistas e sacerdotes, que descrevem e explicam o mundo, a partir do ponto de vista da classe a
que pertencem. Essa elaboração incorporada pelo senso comum social que forma nossa
memória discursiva é a ideologia.

A ideologia ou visão de mundo é responsável por nossa forma de atuar em relação aos nossos
direitos e deveres de cidadãos. Pode, dessa forma, nos conduzir a atitudes de reprodutibilidade,
de alienação ou à mera ilusão ou fantasia.
“As palavras criam conceitos e esses conceitos ordenam a realidade, categorizam o

mundo. Ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações


(ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e preservam aos
membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem
valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que
devem fazer e como devem fazer.”

- CHAUÍ, 1984

Cabe ainda ressaltar o importante papel da mídia na produção de sentido do mundo


contemporâneo. A mídia não é apenas um meio poderoso de criar e fazer circular conteúdos
simbólicos, mas possui um poder transformador de reestruturação dos espaços de interação,
propiciando novas configurações aos esforços de produção de sentido.

A capacidade de traduzir em palavras, pensamentos, gestos e atitudes é o que nos distingue


como ser. A competência linguística de falar, escrever, ler e ouvir proporciona a possibilidade de
organização em sociedade, e a convivência com o outro em certo período de tempo, e em
determinado lugar, nas mais diversas situações e circunstâncias, para construir, por meio da
língua natural, uma história de vida, a história de cada um e a do mundo.

Investigar os sistemas e as formas de linguagem, especialmente da nossa língua, é desvendar os


pensamentos, as emoções, as razões, e chegar aos conteúdos que organizam a mente movida
pela inteligência comunicativa e pela capacidade de perceber o mundo em que vivemos.
Aperfeiçoar cada vez mais as possibilidades de usar o poder de representação e significação da
língua é o que nos impele a buscar o desenvolvimento da habilidade comunicativa da linguagem.

Em síntese, estudar a produção de sentido através das práticas discursivas é fazê-lo em torno de
três dimensões: da linguagem verbal, da história e da pessoa. Essas três dimensões se inter-
relacionam dialogicamente e se processam como fenômenos sociais através das tensões entre a
universalidade e a particularidade, entre o consenso e a diversidade, produzindo as
transformações da ordem social.

Figura 1

Leia o seguinte texto.

Decifrando a escrita da vida

Todas as pessoas tendem a atribuir um poder mágico à palavra escrita. A tradição judaico-cristã
repousa sobre um livro, a Bíblia, que vem sendo lido com unção e respeito há milhares de anos. A
expressão árabe Maktub, “estava escrito”, diz que o Destino, para ser verdadeiramente Destino,
deve estar escrito. Adivinhos, por sua vez, leem o futuro nas linhas das mãos, nas folhas do chá,
nos búzios, que passam então a adquirir o significado de mensagens.
São crenças de natureza religiosa ou mágica, mas às quais a ciência acabou recorrendo, ainda
que em caráter de metáfora, para responder à pergunta que sempre intrigou a humanidade:
como se transmitem os caracteres hereditários? De que maneira o ser que vai nascer é
“informado” – no sentido de receber uma forma?

Difícil questão. Muito mais difícil que decifrar os hieróglifos, por exemplo. Neste caso, o achado
da pedra de Rosetta, com os misteriosos caracteres egípcios ao lado da familiar escrita grega,
resolveu o problema. No caso da hereditariedade, era preciso, em primeiro lugar, achar onde
estava a mensagem, o que só ocorreu no século vinte, com a descoberta dos cromossomas e dos
gens. E aí se constatou que a escritura da vida é dada pela disposição de substâncias químicas
dentro da grande molécula do ácido desoxirribonucleico, o DNA. Cada gene é, portanto, um
texto. Um texto que, decifrado, permite responder por que uma pessoa tem tal ou qual defeito
congênito. E permitirá também corrigir defeitos, mediante a engenharia genética.

“No começo era o verbo.” Exatamente: no começo, era a palavra, o texto. O que está escrito –
não no Livro do Destino, mas em nossas células – condiciona nossa existência. Estamos
aprendendo a nos comunicar com a natureza, mas na linguagem desta. Mil histórias poderão ser
agora contadas. Histórias para as quais o final feliz não é só um exercício ficcional, mas é uma
gloriosa possibilidade (SCLIAR, 2000).

Agora, vamos interpretar o texto lido?

Exercício 1
Moacyr Scliar é médico e escritor. Talvez isso justifique a forma como
ele aborda a questão da hereditariedade genética.
a) Que frase(s) contém(êm) a ideia central do texto? Ou seja: de que
exatamente ele trata?

b) Que aspectos do texto nos mostram o ponto de vista do escritor a


respeito do assunto?

C O NT I NU E

Expectativa de Resposta
a) A ideia central do texto, ou seja, de que exatamente ele trata está na frase: “... como se
transmitem os caracteres hereditários? De que maneira o ser que vai nascer é informado? O
assunto está claro também no título.

b) O ponto de vista do escritor a respeito do assunto é a comparação da leitura da escrita com a


leitura do DNA: linguagem verbal e não verbal. 

Exercício 2
Podemos compreender com esse texto que a linguagem faz parte do
universo humano: o homem cria linguagens para representar dados do
seu mundo; ele interpreta dados desse mundo como linguagens.
a) Identifique passagens que mostram esses dois procedimentos.

b) Esses dois procedimentos mostram também a variedade de


linguagens presente no universo humano. Indique algumas delas.

c) Dê outros exemplos de linguagens utilizadas pelo homem para


explicar a vida.

C O NT I NU E

Expectativa de Resposta
a) As passagens que mostram esses dois procedimentos: A tradição judaico-cristã sobre a
Bíblia, expressão “Maktub”, estava escrito.

b) A variedade de linguagens presente no universo humano, entre algumas delas: linguagem


verbal escrita da tradição judaico-cristã, o grego, os caracteres egípcios; a linguagem não verbal:
a leitura das linhas das mãos, das folhas de chá, dos búzios, das células.

c) Outros exemplos de linguagens utilizadas pelo homem para explicar a vida: astrônomo lendo
o mapa de estrelas; arquiteto lendo a planta da casa; lendo a partitura da música.
Exercício 3
Podemos deduzir, ainda, que a descoberta científica muitas vezes está
associada à identificação de uma linguagem. Enquanto essa linguagem
não é identificada, o problema permanece indecifrável.

a) Que passagem comprova essa afirmação?

b) Qual foi a “pedra de Rosetta” da ciência, nesse caso?

C O NT I NU E

Expectativa de Resposta
a) A passagem que comprova: Qual é o código para ser decifrada a mensagem: onde estava a
mensagem?

b) A “pedra de Rosetta” da ciência foi: o DNA, a descoberta dos cromossomas e dos genes.

Exercício 4
Pensando nas características de um código, explique como a escrita
grega pôde auxiliar na decifração dos hieróglifos.

C O NT I NU E

Expectativa de Resposta
A escrita grega pôde auxiliar na decifração dos hieróglifos ao representar com palavras legíveis
os desenhos dos hieróglifos.

Exercício 5
Destaque do último parágrafo um exemplo de dialogismo (diálogo
entre textos), ou seja, de expressão reveladora de outra voz, que
provém de outro texto, outra autoria. Justifique sua resposta.

C O NT I NU E

Expectativa de Resposta
Um exemplo de dialogia, ou seja, de expressão reveladora de outra voz, que provém de outro
texto, outra autoria é: “No começo era o verbo.” referente usado na Gênesis bíblica, está entre
aspas por ser uma citação.

Exercício 6
Comente as afirmações: “cada gene é um texto”; “quando nascemos,
temos um livro escrito dentro de nós, um livro que fala sobre o (nosso)
futuro”.

C O NT I NU E

Expectativa de Resposta
Resposta pessoal.

Tabela 1 – Ideias-Chave da Unidade: Linguagem & Cotidiano

Coluna A Coluna B

Cada unidade de Processo de seleção e combinação


enunciação para enunciar – dizer ou escrever.
Coluna A Coluna B

Cada Um produto do dizer – é o falado ou


enunciado/discurso/texto escrito.

Princípio constitutivo da linguagem,


da língua e do texto. Diálogo entre
Dialogismo
dois seres sociais em interação que
constrói os sentidos.

Unidade de sentido e de comunicação,


constituído por um conjunto de
Enunciado/Texto/Discurso
elementos em linguagem verbal para
expressar conteúdo e forma.

Formatos variados de textos para


Gêneros expressar determinados conteúdos e
situações.

Conjunto de ideias, valores e normas


Ideologia/Visão de mundo
que orientam a conduta humana. 

Reproduzir o conteúdo de um texto de


forma resumida, mantendo as ideias
Interpretar
originais. Explicar ou esclarecer o
sentido de uma palavra, texto, lei, etc.

Atribuir sentidos a partir do


Ler conhecimento de texto, da língua e da
visão de mundo.
Coluna A Coluna B

Instrumento de comunicação e
Língua geração de sentidos pela interação
entre os sujeitos.

Forma de interação social, expressão


do pensamento, instrumento de
Linguagem comunicação e de significação entre
interlocutores que trocam mensagem
a qual precisa ser compreendida.
2/2

ʪ Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

GUIMARÃES, E. Texto e Discurso: confluências. São Paulo: editora Mackenzie, 2008.

ZILIOTTO, E. M. Diálogos Inovadores. Trabalho de Conclusão de Curso. (Gestão da


Comunicação) – ECA/USP, São Paulo, 2001.
Tecnologias, Mídias e Linguagens na Educação

Conteudista: Prof.ª M.ª Tatianne Gomes de Sousa


Revisão Textual: Prof.ª M.ª Sandra Regina Fonseca Moreira

Objetivos da Unidade:

Conceituar letramentos, multiletramentos e práticas de letramento;

Identificar e relacionar mudanças que as novas mídias trazem para as práticas


discursivas e modos de socialização na cultura digital;

Conhecer, em nível introdutório, como a BNCC (2018) concebe o ensino de


Língua Portuguesa na Educação Básica.

ʪ Material Teórico

ʪ Material Complementar

ʪ Referências
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ʪ Material Teórico

Introdução
Pensar em como as tecnologias e culturas digitais estão modificando as relações
educação/aprendizagem e a própria construção do conhecimento é um processo de grande
relevância para o professor em formação, que em breve estará diante dos desafios que a
educação do século XXI apresenta.

O homem sempre buscou construir conhecimentos desde o princípio de sua própria existência.
Por sua vez, o conhecimento vem consoante com a possibilidade de expressão e comunicação
entre os seres humanos – fato que tornou possível, inclusive, o desenvolvimento cognitivo da
espécie.  

Por um lado, portanto, podemos dizer que o conhecimento é construído nas relações entre os
sujeitos, na coletividade, em que a subjetividade de entendimento de mundo entra em jogo.  Por
outro, as mudanças de paradigmas e construção de realidade são frutos das mudanças dos
saberes. Nesse sentido, as tecnologias possibilitam uma produção de conhecimento a partir do
triângulo homem/conhecimento/mundo. Sem dúvidas, as tecnologias estão a serviço do
pensamento humano (COSCARELLI; RIBEIRO, 2014).

Imagine como teria sido sua vida sem uma tecnologia simples, como uma caneta esferográfica.
Difícil pensar, não é mesmo? No entanto, as canetas esferográficas tornaram-se populares,
primeiramente nos Estados Unidos e Europa, há menos de 80 anos. De lá pra cá, após as guerras
mundiais, o mundo vem passando por rápidas e grandes transformações em diversas áreas:
sociais, econômicas, educacionais, tecnológicas... 
Para fazer um recorte, vamos pensar sobre a popularização do uso dos computadores
domésticos. Coscarelli e Ribeiro (2014) registram que, a partir dos anos 1990, diversas famílias
(ainda que de camadas sociais mais altas) passaram a utilizar a máquina – para lazer, trabalho,
ou organização pessoal. Cada vez mais, os computadores foram se tornando compactos e mais
acessíveis. Hoje, eles estão em todos os lugares: nos lares, no comércio, nas empresas, bancos,
escolas, e até mesmo na palma da sua mão. 

Paralelamente à popularização dos computadores, a internet deixou de ser um item caro e


luxuoso, e se tornou essencial para a vida em sociedade. Grande parte da população está
conectada 24 horas por dia pelo celular ou computador, pelas mais diversas finalidades. As
gerações mais jovens já não fazem muita distinção entre mundo virtual e mundo real: todas as
realidades são verdadeiras e se fundem em uma só.

Figura 1
Fonte: Getty Images
Leitura
Entenda um pouco mais sobre as diferenças geracionais, considerando
os sujeitos e suas relações com tecnologias digitais, acessando o artigo
“Geração Internet: quem são e como agem os nativos digitais”

Clique no botão para conferir conteúdo

ACESSE

E as escolas? Como elas refletem um trabalho educacional que leve em conta as múltiplas
possibilidades que as tecnologias digitais permitem? Podemos analisar essa questão partindo de
dois eixos: 

A infraestrutura/recursos materiais da realidade escolar, como a existência de


laboratórios de informática, equipamentos, acesso à internet e recursos digitais
aplicáveis à sala de aula;

Professores/equipe pedagógica que faça uso desses recursos de forma a inserir seus
alunos em práticas de leitura e escrita significativas.
Reflita
A partir desses eixos, pense na sua trajetória na educação básica e nas
escolas onde estudou. Como esses espaços escolares trabalhavam a
cultura de ler e escrever? A internet foi um espaço privilegiado para
esse desenvolvimento? Você acha que de lá para cá a realidade mudou?
Em que medida? Em quais aspectos? Construa um breve memorial de
seu próprio percurso antes de prosseguir.

Letramento em Ambientes Educacionais


Pensando nos processos de aquisição de língua materna e nas habilidades linguísticas básicas,
temos uma ordem primordial: primeiro, as habilidades de compreensão e produção oral;
posteriormente, por meio da escolarização, desenvolvemos as habilidades de compreensão e
produção escrita.

A criança, primeiramente, tem contato com os sons da língua em casa, com seus familiares e, a
partir daí, inicia a produção da fala, o que leva alguns anos. Já em seu estágio final de aquisição
de língua materna, a criança vai para a escola, e inicia seu processo de alfabetização.

Soares (2017) esclarece que a alfabetização é o processo de aprendizagem do sistema de


representação dos sons da fala, ou seja, como transformamos os sons da fala – os fonemas –
em letras (ou grafemas). No entanto, será a aprendizagem em termos de (de)codificação de um
sistema linguístico suficiente para o domínio da língua escrita?

A língua escrita envolve propósitos/funções sociais como, por exemplo, interação, registro da
memória etc. A aprendizagem das funções sociais que envolvem a escrita é o que chamamos de
letramento. Em outras palavras, o letramento envolve não só dominar o sistema alfabético, a
gramática e a ortografia de uma determinada língua, mas vai além: envolve o desenvolvimento
de habilidades de uso da leitura e da escrita, no contexto social e cultural em que as pessoas
vivem (SOARES, 2017). O processo de letramento, portanto, se dá e nos acompanha ao longo da
vida, dentro e fora da escola ou de ambientes acadêmicos, nos espaços que ocupamos e nas
funções que exercemos, socialmente. 

Para Soares (2003) letrar é mais que alfabetizar: é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto
onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno. Portanto, a
alfabetização, com seus próprios processos, se propõe ao domínio das relações entre letras e
sons e ao domínio do uso do lápis (como segurá-lo, quanta pressão sobre o papel deve-se
imprimir, a direção em que se deve escrever – de cima para baixo, da esquerda para a direita). No
entanto, o domínio da escrita perpassa por algo maior, também com processos próprios, que é o
letramento: a aprendizagem de ler e escrever textos – compreender o que se lê, ajustar o texto
que se escreve ao destinatário, aos objetivos do autor, identificar e saber lidar com diferentes
gêneros textuais e discursivos. Os dois processos são distintos, com bases cognitivas e
linguísticas particulares, ainda assim, caminham juntos.

Vídeo
Confira a fala da professora Dra. Silvia Gasparian Colello sobre a
origem do termo letramento:

A origem do conceito "letramento" - Oxford University Press entrev…


Nesse sentido, é papel dos professores tornar o aluno alfabetizado em uma pessoa letrada,
processo que consiste no trabalho e função da Educação Básica. Como isso acontece? Primeiro,
partimos do princípio de que a aprendizagem e desenvolvimento das competências da leitura e
escrita fluentes não devem ser desconectados da realidade em que o aluno se insere. O estudo da
linguagem precisa considerar as normas e costumes praticados em sociedade – as chamadas
práticas sociais. Portanto, ao longo do seu processo de escolarização, o aluno deve se tornar um
usuário consciente da língua, pelos espaços sociais em que transita, incluindo a internet.

O Conceito de Multiletramentos para a


Educação Contemporânea
Agora que entendemos o conceito de letramento, vamos pensar um pouco a respeito do conceito
de multiletramentos. Ao contrário do que um pensamento imediato pode apontar, as práticas de
letramento acontecem não só na escola, mas na sociedade como um todo. Logo, as necessidades
contemporâneas de ensino-aprendizagem devem contemplar práticas que possam ir além do
contexto escolar. Por exemplo, deve-se levar em conta o âmbito da cidadania, do trabalho, da
vida social, da cultura. Aliado a esses contextos, considera-se a multiplicidade semiótica da
constituição dos textos.

Os multiletramentos, portanto, extrapolam a visão de letramento(s). Uma pedagogia que


incorpore os multiletramentos irá considerar e debater a multiplicidade de culturas e canais de
comunicação na formação discente. E é inegável o papel das tecnologias na vida social,
científica, acadêmica e profissional. Em relação ao ensino de Língua Portuguesa, as novas
tecnologias influenciam nos processos de leitura e produção textual, bem como nas formas de
interação entre as pessoas. A prática do professor deve, então, incorporar as diversas linguagens
que estão em circulação e que estão presentes em vídeos, podcasts, documentos, diferentes
redes sociais, plataformas de divulgação, sites, dentre outros.

Para nos aprofundarmos a respeito das práticas pedagógicas que levam em conta os
multiletramentos, consideremos o que Cope e Kalantzis (2008) discutem:

A aprendizagem cotidiana é diferente da aprendizagem escolar;

É necessário que os contextos de aprendizagem despertem interesse nos


aprendizes para um mundo global e digital;

Culturas e identidades dos aprendizes devem ser consideradas na produção do


conhecimento;

O aprendiz deve ser protagonista na dinâmica de transformação/produção do


conhecimento;

A aprendizagem de leitura e escrita deve incorporar textos multimodais, com


múltiplas linguagens.

Para esses autores, portanto, a aprendizagem é um processo, um movimento que está em toda
parte. Pode ocorrer de forma inconsciente, casual, sem instrução. Pode, contrariamente, ocorrer
também por meio de instrução, de sistematização, de forma consciente e estruturada. Estamos
falando, neste último caso, da aprendizagem escolar, que requer um currículo e uma pedagogia
previamente delineada.

Ligados à forma como a aprendizagem ocorre estão também os fatores socioculturais, de ordem
coletiva, e a constituição das identidades, que são de ordem individual e que possuem maior
carga de subjetividade.
Trocando Ideias...
Antes de prosseguir com seus estudos, reflita e estabeleça uma
interrelação entre um currículo que priorize os multiletramentos, as
culturas e as identidades dos aprendizes. 

A pedagogia dos multiletramentos entende as diferenças (culturais e identitárias: etnia/raça,


gênero, orientação sexual, grupos socioeconômicos, comunidades locais/regionais/globais,
diferenças físicas ou em espectros cognitivos) como enriquecedoras do processo de
aprendizagem, uma vez que o(a) aluno(a) é conduzido(a) para a compreensão de múltiplos
olhares a respeito de um conteúdo ou objeto do conhecimento e, assim, atua de forma
colaborativa com as diferenças.

Acrescente-se a essa relação a atuação do(a) professor(a), que deve sair da posição de
consumidor e reprodutor do conhecimento para também ser produtor de conhecimento,
juntamente com seus alunos. Para a abordagem e sistematização dos multiletramentos, deve-se
partir do protagonismo estudantil e do uso de ferramentas digitais, a fim de motivar e
desenvolver a construção colaborativa de conhecimentos e de novas possibilidades de ensinar e
aprender, considerando as diversas formas de expressão das linguagens verbal e não-verbal.

Numa proposta pedagógica como essa, como ainda apontam Cope e Kalantzis (2008), o
desenvolvimento de uma plena competência em leitura e escrita perpassa o uso de textos
multimodais: textos que incorporam dois ou mais códigos semióticos, duas ou mais
modalidades de formas linguísticas. Textos multimodais geralmente combinam fala, gestos,
texto, imagens, dentre outras mídias e elementos comunicativos.
Uma análise multimodal de um texto envolve considerar esses elementos semióticos para a
produção dos sentidos de um texto.

Saiba Mais
Verifique a definição do termo multimodalidade no Glossário CEALE -
termos de Alfabetização, Leitura e Escrita para educadores:  

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ACESSE

Façamos juntos uma análise textual segundo a pedagogia dos multiletramentos:


Figura 2 – Modelos Vivos e Artísticos
Fonte: Reprodução

Os textos multimodais, como o texto acima, um meme, gênero que circula fortemente, sendo
replicado constantemente, tornam difícil a identificação quanto às fontes. Além disso, esses
textos podem servir a propósitos humorísticos, podem fazer alguma crítica social ou política,
evocar sentimentos e emoções boas ou ruins. O nível de letramento do leitor estará diretamente
ligado à sua capacidade de selecionar, mobilizar, sistematizar e mostrar recursos para a
atribuição de sentidos a esse gênero digital. No entanto, esses recursos pressupõem não só
conhecimentos prévios ou disponíveis, mas também que esse leitor saiba como eles funcionam
para a produção e atribuições de sentidos (RIBEIRO, 2021).

O texto acima é de autoria desconhecida e possui ampla circulação nas redes e meios digitais.
Vemos, nele, uma representação sobre escolas artísticas canonizadas, bastante reconhecíveis,
com ênfase no século XX. O meme dispõe de recortes de personagens de pinturas famosas
(umas mais, outras menos) numa sala com poucas cores.  Vale observar também a perspectiva
da sala que, a partir de certo ângulo, dá a impressão de estarmos olhando de fora. E ao fundo,
encontram-se a maioria das personagens, ao lado da sala de direção. A linguagem verbal é
essencial para a compreensão do meme: trata-se de uma agência de modelos para pintores.

A peça existe e circula socialmente na web e pode-se concluir que foi feita com o uso de um
computador, para a fiel reprodução das personagens – provavelmente um “recorta e cola” no
cenário da sala de espera. Além disso, em sala de aula, o meme pode se tornar uma forma de
identificar o repertório cultural letrado dos estudantes, bem como uma oportunidade de ampliar
tal repertório e sensibilizar os estudantes para apreciação estética de artes consagradas.

Leitura
Que tal um tour virtual por grandes museus do mundo? Muito desse
acervo está disponível gratuitamente e promete uma sensação de estar
dentro do museu. Confira o Mapa Múndi Blog, escrito por Carolina
Caio, no post 12 Museus para visitar em casa: 

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ACESSE
Reflita
Como professor de Língua Portuguesa, que possibilidades de uso desse
texto se apresentam para planejar uma atividade que envolva
multimodalidade e multiletramentos para os seus estudantes? 

Novos Letramentos: Múltiplos, Multimodais e


Multifacetados
Nesse momento, você provavelmente terá chegado à conclusão de que o cerne dos estudos
sobre multiletramentos está nas novas práticas de comunicação. É exatamente a partir dessas
práticas, que só podem ser exploradas sob uma base sociocultural, que surgem os chamados
novos letramentos. 
Figura 3
Fonte: Getty Images

Esses letramentos, nos quais estão inseridos os caráter multicultural, multissemiótico e


multi(hiper)midiático, já fazem parte das práticas sociais dos estudantes e, nesse sentido, cabe à
escola inserir em sua pedagogia essas novas formas de participar, estar e ser no mundo. São
necessárias novas ferramentas e habilidades que capacitem os sujeitos envolvidos no processo
educacional a compreenderem o funcionamento desses textos, bem como a construírem,
criticamente, sentidos acerca deles.

Pensar em multiletramentos é pensar em uma educação mais alinhada às demandas sociais que
envolvem as TDIC em um mundo intercultural e conectado em rede. Há algumas décadas,
conforme afirmam Cope e Kalantziz (2008), a escola era um lugar de reprodução do
conhecimento e atendia a uma mentalidade capitalista e industrial. O currículo era fornecido
pelo Estado, os livros didáticos atendiam ao currículo, os professores seguiam os livros
didáticos, bem como os alunos, que depois faziam testes para serem aprovados.
Nesse período, privilegiavam-se os modos conteudistas do saber, a memorização de regras,
datas, fatos, equações, o que estimulava a “decoreba”. Numa perspectiva contemporânea,
privilegia-se a resolução de problemas, considerando situações e necessidades específicas. E
como isso se aplica ao ensino de Língua Portuguesa?

Em primeiro lugar, superando o mito de que, na língua, tudo o que não pertence a uma norma
deve ser considerado “errado” ou “inválido” para propósitos escolares. Logo, ao invés do
ensino restringir-se ao estudo das regras gramaticais, ao desenvolvimento de uma
metalinguagem, deve-se privilegiar os fenômenos linguísticos multimodais, multissemióticos e
multiculturais. A escola, ao privilegiar um trabalho linguístico com essa perspectiva, estará
preparando seus estudantes para compreender, interpretar e produzir sentidos a partir de
diversas linguagens que estão disponíveis para comunicação humana e que vão além da
linguagem verbal. Já está colocado, pois, que novas práticas sociais fazem emergir novas
práticas de comunicação e interação, que, consequentemente, exigem novos letramentos.

A perspectiva dos novos letramentos pressupõe, então, o meio digital também como espaço
sociocultural. Ser letrado digitalmente significa e possibilita, portanto, participar e compartilhar
ativamente de certas práticas de letramentos que surgiram com a expansão da internet e das
Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), para a “construção” de uma “vida
online”.

Trocando Ideias...
Você já parou para pensar no quanto as TDIC e o uso massivo de
internet móvel/sem fio e smartphones geraram mudanças profundas na
maneira como interagimos uns com os outros? Ou como nos
informamos? Como expressamos nossos pensamentos? 
Como aprendemos?
As pessoas estão mais conectadas do que nunca. As máquinas estão mais inteligentes, pois a
tecnologia digital e, em especial, a Inteligência Artificial e os algoritmos, tornam o
relacionamento entre máquinas/tecnologias digitais e pessoas cada vez mais estreito. As
máquinas e equipamentos estão mais inteligentes e eficientes. Pode-se dizer que, atualmente,
vivemos uma grande revolução na história da humanidade – e todo esse desenvolvimento não
para por aí.

Enquanto sujeitos, nossas relações interpessoais também são pautadas pelos papeis que as TDIC
exercem em nosso cotidiano: 

A decisão de como desejar feliz aniversário para um amigo ou pessoa querida: ligar,
enviar uma mensagem pelo WhatsApp ou deixar uma mensagem nas redes sociais?
Escrever ou enviar áudio? Aliás: quando é realmente necessário fazer uso de uma
ligação telefônica para comunicação do cotidiano? 

Quais informações e mídias você deseja postar em suas redes sociais pessoais? Você
se preocupa em influenciar pessoas? Em passar determinada imagem? Explorar
conteúdos com um propósito específico? 

A forma como você consome produtos também mudou com as novas tecnologias?
As compras online vêm ganhando cada vez mais adeptos. Até mesmo provadores de
roupas virtuais são disponibilizados. Tudo a poucos cliques;

Também a poucos cliques estão todos os tipos de informação que se deseja ter.
Livros, jornais, artigos, vídeos, podcasts, que veiculam saberes científicos,
artísticos, enfim;

Certamente, a relação com a aprendizagem também ganha dimensões


inimagináveis, em comparação com a realidade de 25 anos atrás. Naquela época, a
maioria das pessoas jamais imaginaria ser possível fazer uma graduação ou
aprender uma nova língua, por exemplo, em suas casas ou em qualquer lugar do
mundo, com um aparelho que cabe na palma da mão ou por um computador portátil.
Os multiletramentos e os novos letramentos buscam, então, cumprir demandas educacionais
que surgem das novas formas de práticas sociais, situadas socioculturalmente, e que são
influenciadas ou modificadas por mudanças tecnológicas. Quando pensamos no uso das TDIC e
em letramento digital, é importante destacar que saber manusear um computador ou
smartphone para fazer pesquisas ou recuperar informações na mídia digital não é o suficiente.
Buckingham (2010) explica que o letrado digital consegue localizar e selecionar os materiais a
partir de diversos navegadores, hyperlinks, buscadores e outros meios, analisa e usa as
informações obtidas de forma crítica para transformá-la em conhecimento, se assim o quiser. 

Reflita
Analisar de forma crítica uma informação inclui verificar a
autenticidade das fontes de informação, questionar sobre os interesses
de quem as publicou e a sua relação com questões políticas, sociais e
econômicas.

Outras considerações interessantes a respeito desses novos letramentos são feitas por Knobel e
Lankshear (2002). Para eles, essas novas práticas letradas exigem de cada um de nós uma nova
postura: outros valores, prioridades e sensibilidades. Uma vez que o mundo digital traz uma
nova forma de difundir textos, cria-se uma nova relação entre texto e leitor, que é muito mais
colaborativa e participativa. É possível ao leitor, por exemplo, questionar o autor e testar sua
credibilidade, por exemplo, se ele puder acessar as mesmas fontes do autor. O leitor pode
intervir no texto pela possibilidade e facilidade que tem de também publicar seus próprios textos
e conteúdos, além de deixar comentários e avaliações sobre o texto lido. Vemos, então, uma
mudança nas construções dos discursos do saber.

Reconhecer que esses fenômenos sociais e históricos marcados pela presença das TDIC, da
existência de ambientes virtuais e das plataformas que coexistem com a realidade física, os quais
trazem novas convenções e configurações para uso da linguagem, diferentes dos letramentos
convencionais, é fundamental para se pensar nessa nova postura sobre a qual Knobel e
Lankshear (2002) discorrem. 

O espaço virtual exige, então, novas práticas de ser/estar/agir, diferentes daquelas já existentes
no espaço físico. Esses dois espaços, entretanto, coexistem, se pensarmos nas gerações dos
nativos digitais, aqueles que nasceram e estão crescendo em um mundo altamente tecnológico.
Vale pensar, no entanto, que suas experiências no espaço virtual em rede, conectadas,
interativas e colaborativas com seus pares são muito mais frequentes e costumazes.

Figura 4
Fonte: Getty Images
Nesse sentido, a escola necessita não só adquirir recursos tecnológicos, mas também estar
preparada para lidar com essa nova mentalidade e promover a lógica do cyberespaço, que é
aberto, fluido e descentrado. Espera-se que os sujeitos envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem atuem de forma colaborativa na construção e ressignificação dos saberes. Vale
criar, inovar, contribuir, compartilhar.

Vídeo
Assista ao vídeo “Tecnologia ou Metodologia”. A inserção e uso de
novas tecnologias na sala de aula e na escola são capazes de dar conta
dos novos (multi)letramentos? Por quê?

TECNOLOGIA OU METODOLOGIA?
Os novos letramentos, aliados às peculiaridades da cultura digital, configuram um tipo de
educação mais adequada às demandas sociais e profissionais do século XXI. Uma proposta que
considere a inteligência colaborativa e os vários meios e mídias afluem para a transformação
dos significados (JENKINS, 2008). A escola, então, não precisa ter, na figura do professor, um
único sujeito especialista e detentor do conhecimento. Na cultura digital, todos devem colaborar,
pois “nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as
peças, se unirmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades” (JENKINS, 2008, p. 5).

A BNCC e a Área de Linguagens


A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) é um documento normativo que estabelece
competências (gerais e específicas), habilidades e conteúdos primordiais a todos os alunos da
Educação Básica, em cada uma de suas etapas, em todo território nacional. Não é um documento
comparado a um currículo, mas um guia norteador para elaboração de currículos. O documento
foi homologado e publicado pelo Ministério da Educação (MEC), em sua terceira versão, em
2017, considerando as etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental e, em 2018, foi
atualizado com a inclusão da etapa do Ensino Médio.

O documento está legalmente fundamentado nos seguintes marcos (BRASIL, 2018, p. 10-12):

A Constituição da República Federativa do Brasil (1988);

A Lei nº 9.394 (1996) – Lei de Diretrizes e Bases (LDB);

O Parecer nº 7/2010 – Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação


Básica;

A Lei nº 13.005/2014 – Plano Nacional de Educação (PNE).


A BNCC tem como objetivos não só reduzir as desigualdades educacionais no país, ao mesmo
tempo que eleva a qualidade do ensino, mas também formar estudantes mais preparados para os
desafios do século XXI. Ela incentiva a modernização de recursos, a formação continuada de
professores e a inovação em práticas pedagógicas.

Conforme a BNCC (2018), a aprendizagem está atrelada ao desenvolvimento de competências.

Saiba Mais
Competências, no âmbito da BNCC (2018) é a mobilização de
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para o exercício da
cidadania, e para resolver questões do cotidiano e do mundo
profissional.

Com relação ao ensino de Língua Portuguesa, a BNCC (2018) deixa bem claro a sua finalidade:

“Ao componente Língua Portuguesa cabe, então, proporcionar aos estudantes

experiências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma a


possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais
permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens.”
- BNCC, 2018, p. 67-68

A partir dessa citação, quais decorrências teórico-metodológicas podemos explicitar?

Podemos, primeiramente, notar o registro no plural da palavra ‘letramentos’, o que pressupõe a


existência de múltiplas e multivariadas formas de ser letrado. O ensino, então, ultrapassa uma
visão de práticas de letramento restritas àquelas constituídas apenas pela escrita, ou aos
tradicionalmente valorizados pela escola numa perspectiva adaptativa, mas incluem, também,
uma visão de letramentos enquanto prática social e crítica, constituídos por diversas linguagens
e mídias, sobretudo aquelas presentes nas culturas digitais e juvenis.

Em segundo lugar, vale perceber que a finalidade do ensino de Língua Portuguesa, conforme a
BNCC (2018), corrobora a pedagogia dos novos (multi)letramentos, ao citar que o ensino deve
“proporcionar experiências” e “possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas
práticas sociais”. Isso implica em uma ação pedagógica pautada na criação de contextos em que
as práticas da linguagem façam sentido e sejam relevantes para a vida do aluno, ao mesmo
tempo em que promovem o engajamento coletivo dos estudantes, contemplando relações
dialógicas na construção do conhecimento e no desenvolvimento de competências.

Cabe também destacar mais um trecho da BNCC (2018) sobre o componente de Língua
Portuguesa:

“As práticas de linguagem contemporâneas não só envolvem novos gêneros e

textos cada vez mais multissemióticos e multimidiáticos, como também novas


formas de produzir, de configurar, de disponibilizar, de replicar e de interagir.”
- BNCC, 2018, p. 68

A BNCC (2018) vai, então, ser um pouco mais específica em relação aos letramentos: devem
incluir práticas de linguagens contemporâneas, novos gêneros, textos multissemióticos e
multimidiáticos. Conforme esse documento orientador para a Educação Básica, ferramentas
digitais para produção e edição de textos, vídeos, áudios e imagens não só proporcionam a
criação e publicação desses novos gêneros textuais, como também promovem um trabalho que
perpassa a curadoria dessas linguagens em torno de um conteúdo ou do desenvolvimento de
determinadas competências. A BNCC (2018) preconiza, ainda, que não basta consumir, mas
também “produzir, configurar, disponibilizar, replicar e interagir” a partir dessas práticas de
linguagens contemporâneas.

São sugestões explícitas na BNCC (2018): produzir fotos, vídeos, podcasts, enciclopédias
colaborativas, fanfics, revistas e livros digitais, dentre outras possibilidades.
O trabalho não deve parar por aí:

Reflita
O que uma playlist de músicas com temática de crítica às desigualdades
sociais tem a ver com uma determinada seleção de obras de arte que
denunciam a miséria humana e uma revista digital que agrega diversas
mídias sobre movimentos sociais?
Bem, são muitas as respostas possíveis para essa pergunta. Contudo, vale destacar que há uma
integração de linguagens verbal e não-verbal diversas: áudio, imagens artísticas, fotos, vídeos...
Essas seleções podem ser editadas e/ou combinadas em um terceiro material inédito, produzido
pelos estudantes, a partir de suas reflexões pessoais e coletivas sobre a proposta lançada e
mediada pelo professor, a partir de critérios definidos,  propiciando a construção de novos
sentidos e a materialização de novos produtos que agreguem práticas de linguagem
multissemióticas e multimidiáticas, como a criação coletiva de um perfil em rede social, de um
blog, de um canal do YouTube, uma exposição (virtual ou física), dentre outras tantas
possibilidades. 

Figura 5
Por fim, vale ressaltar que a noção de texto, nesse novo cenário das TDIC, vincula-se a uma
expressão inacabada e aberta. O texto, então, está sujeito à hibridização, participação coletiva,
experimentação. No cyberespaço, há mais fluidez, flexibilidade e diversidade. 

O intuído dessa unidade, portanto, foi discutir sobre os novos letramentos e novos modos de
vivenciar e fazer a escola, refletir sobre o papel do professor em fornecer espaços e
oportunidades para o protagonismo dos estudantes, dentro e fora do ambiente escolar.
2/3

ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Vídeos  

Letramentos Digitais (minicurso – aula 1) 

Letramentos Digitais (minicurso - aula 1)


Letramentos Digitais (minicurso – aula 2) 

Letramentos Digitais (minicurso - aula 2)

Letramentos Digitais (minicurso – aula 3) 

Letramentos Digitais (minicurso - aula 3)


Letramentos Digitais (minicurso – aula 4) 

Letramentos Digitais (minicurso - aula 4)

Letramentos Digitais (minicurso – aula 5) 

Letramentos Digitais (minicurso - aula 5)


Pedagogia dos Multiletramentos
Entrevista em dois vídeos com Roxane Rojo, professora do
Departamento de Linguística Aplicada da Unicamp. 

Clique no botão para conferir o vídeo indicado.

ASSISTA

Conferência: Multiletramentos e TDICs em tempos de


pandemia
Ministrada pela profa. Dra. Roxane Rojo, para a Universidade Federal de
Alagoas.

Multiletramentos e TDICs em tempos de pandemia - Profa. Dra. R…


  Leitura  

Letrar é mais do que Alfabetizar

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

Um passo para fora da sala de aula: novos letramentos,


mídias e tecnologias

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ACESSE
3/3

ʪ Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível
em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base>. Acesso em: 15/09/2021.

BUCKINGHAM, D. Cultura digital, educação midiática e o lugar da escolarização. Educação &


Realidade, v. 35, n. 3, p. 37-58, 2010.

COPE, B.; KALANTZIS, M. Language Education and Multiliteracies. In: MAY, S.; HORNBERGER, N.
H. (Org.) Encyclopedia of Language and Education, Springer, v. 1, p. 195 – 211, 2008. Disponível
em: <https://newlearningonline.com/_uploads/springerhandbook.pdf>. Acesso em:
08/08/2021.

JENKINS, H. “Worship at the altar of convergence”: a new paradigm for understanding media
change. In: JENKINS, H. (Ed.). Convergence culture: where old and new media collide. New York:
New York University Press, 2008. Disponível em:
<http://newmedia2016.blogs.wm.edu/files/2016/04/Henry-Jenkins-_Intro-Worship-at-the-
Altar-of-Convergence_-from-Convergence-Culture.pdf>. Acesso em: 09/08/2021.

KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Critical cyberliteracies: what young people can teach us about reading
and writing the world. National Council of English Teachers – Assembly for Research mid-winter
Conference. New York, February, 2002. Disponível em:
<https://www.oocities.org/c.lankshear/cyberliteracies.html>. Acesso em: 10/08/2021.

 RIBEIRO, A. E. Multimodalidade, textos e tecnologias. 1.  ed., São Paulo: Parábola, 2021.

 SOARES, M. Alfabetização e Letramento. 7. ed., São Paulo: Contexto, 2017.


 ________. O que é letramento. Diário na Escola, Diário Grande ABC, Santo André, 2003.
Disponível em: <https://www.academia.edu/18320299/Letramento>. Acesso em: 09/08/2021.
"Escreler": Faces da Leitura e da Escrita no
Século XXI

Conteudista: Prof.ª Me. Claudio Brites


Revisão Textual: Maria Cecilia Andreo

Objetivos da Unidade:

Adquirir conhecimentos práticos sobre as diferentes tecnologias no ensino de


língua portuguesa;

Definir e reconhecer textos como pluralidade de linguagens; 

Perceber o uso de diferentes tecnologias como instrumentos de melhoria do


ensino;

Refletir sobre os impactos da multimodalidade não só na leitura, mas também


na prática de escrita.

ʪ Material Teórico

ʪ Material Complementar

ʪ Referências
TEMA 1 de 3

ʪ Material Teórico

"Escreler": Faces da Leitura e Escrita no Século XXI


Refletimos anteriormente sobre conceitos essenciais para trabalharmos com multiletramento,
partindo de uma reflexão sucinta sobre a linguagem e sua função social, passando pela diferença
entre alfabetização e letramento e, por fim, abordando a importância das tecnologias em todas
essas frentes. 

Retomaremos e aprofundaremos aqui pontos essenciais sobre a linguagem e nossa relação com
ela, abordaremos o conceito de texto, textos multimodais, hipertextos e a relação desses tópicos
com a leitura e a escrita, seu aprendizado e aplicação na multimodalidade. 
Figura 1 – As palavras saem dos livros para as telas, mas
ainda assim provêm do mundo
Fonte: Getty Images

Conceito de Texto
Everett (2019) nos traz que o domínio apurado da linguagem é a linha que separa homens e
animais, embora não seja possível compreender sua origem e evolução de forma exata,
resultando em diversas hipóteses durante os séculos, questionando qual seria, das muitas
espécies do gênero Homo, aquela a fazer uso da linguagem primeiro, e qual seria, na aurora dos
tempos, a primeira língua. Talvez a resposta seja muito simples: “a linguagem surgiu
gradualmente de uma cultura, formada por pessoas que se comunicavam umas com as outras,
através dos cérebros humanos. "A linguagem está a serviço da cultura” (EVERETT, 2019, p. 13);
e, como dito antes, das práticas sociais.

Nesse aspecto, como toda prática social, alguns autores rotulam a linguagem como invenção.
Para além de uma metáfora, podemos considerar a validade dessa observação tendo em vista
que, para operacionalizar a linguagem, as sociedades humanas inventaram símbolos,
gramáticas e outras linguagens. Assim, a linguagem em si é uma tecnologia humana, enquanto
criação da cultura, enquanto técnica, construída ao longo do tempo, elemento por elemento,
resultando da convergência entre invenção humana, história e evolução cognitiva e psicológica.

Vídeo 
Lucia Santaella 
A tecnologia é uma extensão nossa, uma extensão da nossa
inteligência, é isso que nos traz Lucia Santaella, livre-docente em
Ciências da Comunicação. Assista ao vídeo em que ela evidencia a
linguagem, falada e escrita, como uma tecnologia humana e que os
ciclos de desenvolvimento tecnológico sempre existiram,
acompanhando nossa espécie, sendo a educação o centro da discussão
quando pensamos no impacto desses ciclos para nosso aprendizado e,
derivado daí, nossa relação como mundo.

Lucia Santaella
Perceba, então, que, segundo as acepções de Everett (2019), a linguagem é, em resumo,
multimodal, envolvendo a gramática de uma língua e o sujeito por completo – física e
emocionalmente –, atrelando a isso as informações culturais, o conhecimento não falado,
diversos suportes, mídias, “à medida que nós produzimos sons gestos entonação padrões de
altura expressão faciais movimentos corporais e posturas todas em conjunto como diferentes
aspectos da linguagem” (EVERETT, 2019, p. 306). 

Esse movimento orientado e suas normas criam os agrupamentos de sentido que conhecemos
como discursos, os quais se manifestam materialmente por meio dos textos. Compreender o
conceito de texto, então, é essencial para nosso caminho no estudo do multiletramento, tendo
em vista serem esses a base de todo o processo. 

“A palavra texto, apesar da definição corrente – “todo discurso fixado pela

escritura” (RICOEUR, 1986, p. 137) – não se remete prioritariamente à escrita.


Opor texto escrito a discurso oral reduz a distinção ao suporte ou meio e dissimula
ao fato de que um texto é, na maioria das vezes, plurissemiótico. Uma receita de
cozinha, um outdoor ou um artigo de jornal, um discurso político um curso
universitário ou uma conversação não comportam apenas signos verbais, eles são
igualmente feitos de gestos, de informações e de imagens (fotografias e
fotogramas, desenhos e infografia). Por outro lugar, é preferível distinguir texto e
discurso como duas faces complementares de um objeto comum [...].”
- CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 466

Charaudeau e Maingueneau (2008) afirmam que alguns autores usam os termos discurso e
texto como sinônimos, dizendo que não há diferença entre eles. Para outros, contudo, no que
concordamos, o texto é mais ou menos um produto físico do discurso, o qual é analisado
enquanto um processo, marcado por práticas e normas sociais. O texto tem um propósito,
identificável, o que nos permite caracterizá-lo em gêneros, os quais materializam a abstração
simbólica que representa. Nesse sentido, o texto é uma porção de sentido reconhecível, no geral,
com começo, meio e fim, embora possa dialogar com outros textos em uma composição de
significados constante, para a qual as tecnologias são potencializadoras.

O texto é uma porção de sentido reconhecível, no geral, com começo, meio e fim, embora possa
dialogar com outros textos em uma composição de significados constante, para a qual as
tecnologias são potencializadoras.

No texto, frases e palavras tramam e tecem sentido, o que evoca o campo semântico e
enunciativo da materialidade textual. Em todo o discurso, seja ele religioso, jornalístico ou
literário, a palavra em si marca um campo de conflitos e ideologias, que se impõem para além do
que está realmente escrito. Todo texto, assim, evoca seu contexto. Imagine, então, nesse mundo
híbrido, o movimento significante dos conteúdos textuais aos quais temos acesso. Imagine o rio
significante e os aportes significativos que podemos empreender com uma simples amostra
textual. Já pensou nisso? Assim, a tecnologia e a cibercultura expandem nossa já grandiosa
relação com o conhecimento advindo dos textos, reduzindo limites e fronteiras, mas deixando
ainda mais evidente o campo de atrito que a palavra enquanto unidade simbólica nos traz; como
afirma Bakhtin (1988), um texto nunca é neutro, a palavra sempre evoca os conflitos e as
ideologias que o compõem, compondo também nossa consciência e subjetividade. Ou seja, os
textos que lemos contribuem para nossa formação enquanto sujeitos, somos feitos mental e
emocionalmente desses símbolos que carregamos conosco, o que amplifica ainda mais a
importância de uma relação crítica e consciente com os textos lidos.

“A consciência não pode derivar diretamente da natureza, como tentaram e ainda

tentam mostrar o materialismo mecanicista e ingênuo e a psicologia


contemporânea (sob suas diferentes formas: biológica, behaviorista etc.). A
ideologia não pode se derivar da consciência, como pretendem o idealismo e o
positivismo psicologista. A consciência adquire forma e existência nos signos
criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o
alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete
sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica,
da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu
conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada.”

- BAKHTIN-VOLOCHINOV, 1988, p. 35-36

A linguagem, assim, pode ser entendida como uma tecnologia primordial, manifesta por
intermédio de textos plurissemióticos, ou seja, multimeios e multimodais. Nessa concepção, a
relação com a linguagem vai se estabelecendo por diversos caminhos e possibilidades, em uma
inter-relação entre mídias e suportes, contextos, ideológica e culturalmente, balizados, o que
não se restringe à materialidade deles. Algo que é ampliado pelo uso da internet e dos espaços
digitais. Novas formas de aprender, comunicar, interagir foram desenvolvidas, passamos da
passividade da recepção de conteúdos para a busca ativa por eles. Tais gêneros discursivos
adentram ao espaço das relações e, claro, da escola, que tenta intermediá-las, pois é só na
interação que o processo de aquisição da competência de ler ou escrever tem real significado. 
Glossário 
Gêneros do Discurso ou Gêneros Textuais: De acordo com o Dicionário
de análise do discurso, há uma diversidade de pontos de vista para
definir gêneros do discurso ou gêneros textuais, levando-se em conta
a ancoragem social deles, sua natureza comunicacional, regularidades
composicionais e características formais. Nisso, quando as teorias e
práticas estão mais voltadas aos textos, temos o uso corrente de
“gêneros textuais”; quando voltadas às condições de produção do
discurso, a denominação “gêneros do discurso” (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2008, p. 251).

Com isso em vista, o texto é a base para uma concepção tridimensional do discurso e aquisição
do conhecimento possível a partir dele, mas também da interação entre os sujeitos que ele
media. Como nos mostra Fairclough (2001, p. 101 apud PAIVA; LIMA, 2020, p. 45):
Figura 2 – Concepção tridimensional do discurso

Textos Multimodais no Ensino de Língua Portuguesa:


Ferramentas Digitais na Sala de Aula

Vídeo 
Como a Tecnologia Está Mudando a Forma de Dar Aulas 
Antes de começar esta parte, acesse este vídeo que reflete como a
tecnologia está mudando a forma de dar aulas. A professora Mônica
Gardelli fala de forma precisa no programa Saia Justa sobre essa nova
relação nas salas de aula e como os professores estão fazendo para se
atualizar na era digital.

Como a tecnologia está mudando a forma de dar aulas | Série Edu…

O uso de diversos gêneros discursivos não é algo recente na escola. Desde o século XX,
principalmente ao tratarmos do ensino de língua, a escola renunciou à hipercentralização nas
estruturas gramaticais e se voltou para um ensino da linguagem em processo por meio da
investigação apurada dos gêneros. Mesmo assim, a alfabetização ainda sofre e o letramento
falha em uma estrutura educacional que criou analfabetos funcionais, os quais, mesmo
decodificando frases e textos, não conseguem apreender seu sentido e, quando o conseguem,
não o fazem de forma crítica, reflexiva. De certa forma, em pleno século XXI, ainda temos a
presença dos copistas medievais, os quais reproduziam Aristóteles, Platão, mas nem sempre
sabendo do que tratavam os livros que copiavam.
Glossário 
Analfabeto Funcional: Segundo a Unesco, é toda pessoa que:

“[...] sabe escrever seu próprio nome, assim como lê e escreve frases simples e

efetua cálculos básicos, porém é incapaz de interpretar o que lê ou de usar a leitura


e a escrita em atividades cotidianas, impossibilitando seu desenvolvimento
pessoal e profissional.”

- INAF BRASIL, 2022 

Contudo, as ferramentas digitais complexificaram o processo e a relação de alunos e


professores. Não basta trazer recortes de jornal ou confeccionar cartas, compreender a
estrutura de contos e crônicas, é preciso pensar o quanto esse conteúdo pode ser influenciado
em sua estrutura quando temos em vista os suportes digitais. Não basta alfabetizar em relação a
textos, é preciso que se alfabetize digitalmente em uma cultura híbrida. E isso não envolve
somente manejar um smartphone ou saber digitar algumas palavras no Google, mas como
estabelecer com isso uma presença cidadã no mundo, ciente das especificidades políticas e
ideológicas já ditas aqui e presentes em todas as relações humanas.

Os suportes digitais, então, fazem surgir outros gêneros, como as mensagens de comunicação
direta, por WhatsApp, Telegram etc.; as postagens, que podem estar nos limites de poucos
caracteres do Twitter ou, ainda, nos chamados textões, possíveis em plataformas como
Instagram ou, principalmente, Facebook. Esses gêneros, claro, ecoam outros para além deles,
temos os bilhetes, as cartas, ensaios ou mesmo os e-mails, o que mostra uma certa linha de
sucessão e transformação textual, demonstrando a combinação desses gêneros com as
atribuições culturais que lhes são dadas. Contudo, esses gêneros digitais, com já dissemos,
ganham atributos que os configuram como multimodais, mesclando palavras, imagens, sons
etc. no mesmo espaço.

Figura 3 – Multimeios estão tão presentes em nossa


prática de aprendizado que nem notamos mais o contraste
e a colaboração entre eles 
Fonte: Getty Images

Pensando nessa realidade, amálgama constante entre mídias e suportes, qual o papel do
professor de língua? Qual o caminho possível e em que elementos ele pode se centrar, tendo em
vista a velocidade da mudança dessa composição multimodal? Em suma, podemos evidenciar
dois elementos a se atentar a esse hibridismo: interação e colaboração. O espaço de estudo se
torna uma relação permanente entre os envolvidos, no qual professores saem do lugar dos que
fornecem informações e conhecimentos para aquele dos que mediam esse processo. 
Assim como dito em momentos anteriores, diante disso, a escola necessita não só adquirir
recursos tecnológicos, mas, também, estar preparada para lidar com essa nova mentalidade e
promover a lógica do ciberespaço – aberto, fluido e descentrado –; processo ensino-
aprendizagem colaborativo na construção e ressignificação dos saberes, valendo criar, inovar,
contribuir e compartilhar diversos gêneros discursivos.

Vídeo 
Como Educar em Tempos de Pandemia 
Vídeo produzido por Leandro Karnal, professor e historiador, sobre a
imposição do avanço do ensino tecnológico durante a necessidade das
interrupções das aulas presenciais durante a pandemia de Covid-19 em
2020. Nele, o professor faz um convite à reflexão do que ganhamos com
a necessidade desse movimento, o quanto tal processo acabou fazendo
com que acelerássemos a reticente entrada do ensino no mundo da
tecnologia do século XXI. Mais do que isso, fala o quanto, embora
tenhamos péssimos exemplos, ótimos exemplos e resultados partiram
desse movimento.

Como educar em tempos de pandemia | Leandro Karnal


Precisa-se, então, de professor como mediador do processo ensino-aprendizagem, atento à
chamada sociedade do conhecimento e às competências que necessita desenvolver em si e nos
alunos a partir de todas essas transformações, na busca por desenvolvimento de
comportamentos inovadores na promoção das competências digitais e saberes para as
especificidades dos ambientes digitais. Isso nem sempre envolve inventar modos de ensinar ou
de se relacionar com textos, mas, muitas vezes, de desenvolver novas maneiras de fazer algo
antigo. 

Entretanto, até para que se possa apreender que o conhecimento em si é colaborativo nessa
compreensão, o educador precisa estar ciente de que, nesse cenário, em que internet e
tecnologia estão muito presentes, mesmo que sua formação seja continuada, o que é mais que
necessário, tendo em vista a velocidade das transformações, haverá uma realidade, em alguns
pontos, na qual o aluno dominará muito mais os meios de adquirir conhecimento e informação
que o docente. Isso implica conhecer que a abordagem dos multimeios exige a consciência de
seu lugar nesse movimento, nesse espaço de fluxo, em que ler criticamente e saber participar de
forma ética e responsável desse ciberespaço é muito mais importante que memorizar conteúdos
e informações que podem facilmente ser acessadas em pesquisas nos buscadores. O aluno
domina as ferramentas, mas sabe quando e como usá-las, os limites em torno de seu uso?
Nunca “aprender a aprender”, termo já até gasto na área da didática, fez tanto sentido.
Leitura
Aprender a Aprender 
Acesse o artigo de João Paulo Iunes com uma excelente revisão do
conceito de aprender a aprender, termo que significa desenvolver
autonomia para aprender; construir o conhecimento, aprender de
forma mais significativa e ativa, quando comparado com o que ocorre
via mera transmissão do conteúdo. 

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

Assim, como nos traz Santaella (2007), no avanço das tecnologias que possibilitou o
surgimento da cultura de mídias, temos a escolha e o consumo individualizados, em oposição a
um consumo massificado anterior – como da televisão, por exemplo –, valendo o mesmo para a
construção do desejo em torno do que aprender – cada histórico de busca no Google é único, não
é? Assim, o que aprender dá lugar significativo para o como aprender, a leitura se coloca como
mediadora não mais implícita desse aprendizado, estando todo o hibridismo pautado em textos,
colocando a fala e a escrita como as técnicas principais a serem dominadas também no
ambiente digital. 

O aluno se torna um aliado na descoberta dos meios de acesso, e o professor, um colaborador


fundamental para a decodificação desse universo, suas regras, caminhos, sua ética e as
possibilidades de criação que ele convoca. O educando, assim, aprende a alcançar os objetivos de
aprendizagem de forma mais ativa, interativa e cooperativa, tendo na figura do professor, agora
mais flexível e aberto a essa cooperação, um carreador e mediador desse processo. O aluno pode
entender das ferramentas, mas o professor compreende o planejamento em torno do processo,
tem um arcabouço de métodos, experiência e visão macro de todo o cenário, muitas vezes
hiperindividualizado.

“O professor de Português não deve viver na dicotomia do que realmente ensinar

para os alunos tal como amparar-se na Gramática Normativa pelo simples esmero
de ditar o que fazer e o que não fazer, como falar e como não falar, ditando formas
de comportamentos linguísticos etc.; essa metodologia faz com que os alunos se
desencontrem do verdadeiro sentido da aula de Português. Este educador deve ter
como ponto norteador as situações reais do dia a dia, e essas devem vir abarcadas
com observações de que vivemos em uma sociedade, na qual o consumismo, o
capitalismo, o individualismo, entre tantos outros contravalores estão fortemente
marcantes; por isso é relevante que se valorize o diálogo dentro das práticas
pedagógicas e, que esse deva ser tratado como essência nas aulas de Português.”

- ALMEIDA; NOGUEIRA, 2020, p. 188 

Planejar, então, é essencial para ter algum sucesso nesse processo, tamanha flexibilidade ele
convoca. Entre as questões possíveis do planejamento, temos: 

Quais são os objetivos de aprendizagem?

Qual é o perfil do público-alvo?

Quais são as características das atividades em que você vai atuar (disciplina, curso,
projeto, aula etc.)?
Qual é a duração do curso/aula?

Quais são as práticas pedagógicas necessárias para o objetivo da aula?

Esse planejamento está diretamente relacionado com a intencionalidade, não só do professor,


do sistema curricular, mas do aluno. Assim como trata Mônica Gardelli no vídeo que indicamos
no começo desta parte, os recursos de informática ou outros não devem ser só mais uma
parafernália dentro da sala de aula, sua presença sem sentido não indica “modernidade”, ao
contrário, pode mais atrapalhar que facilitar o processo ensino-aprendizagem. Ou seja,
compreender a intenção do aluno de querer aprender é essencial para convocá-lo ao
engajamento basilar ao processo. Planejar, decidir e avaliar: sem esses, aprender a aprender, ou
seja, o conhecimento em torno de todo o processo, não tem nem seu começo, já que o
aprendizado é iniciado pelo desejo de aprender e movimentado em torno desse. Como nos traz
Vasconcellos (2001, p. 58 apud ALMEIDA; NOGUEIRA 2020, p. 195):

“O professor, além de ter um importantíssimo papel de dispor os objetos de

conhecimento considerados socialmente relevantes, participa deste processo


assim como o catalisador na reação química: não entra propriamente na reação,
mas, por sua presença e atuação, ajuda a desencadeá-la; é um elemento
dinamizador, que acelera o processo.”
Leitura  
Descubra o Que É Storytelling e Como Usar para Captar Alunos 
Você sabe o que é storytelling? Conhece essa ferramenta poderosa de
engajamento, que pode ser usada na escola para o ensino de diversos
conteúdos? Acesse o link indicado acima para mais informações. 

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ACESSE

Se estamos falando de um ensino voltado para multimeios, obviamente nesse planejamento


precisamos estar atentos às ferramentas possíveis de serem utilizadas, conforme sua função, de
acordo com os objetivos, buscando diferentes linguagens e caminhos. Para Ribeiro (2018),
existem seis elementos que podem ser utilizados para pensar e agir nas aulas, propondo as
seguintes ações: 

Ter vontade de aprender sobre os usos das tecnologias; 

Saber como as tecnologias funcionam na prática, e não apenas na teoria;

Relacionar os objetivos de cada aula com algum novo modo de ensinar, utilizando
tecnologias digitais;

Experimentar, fazendo uma dinâmica de testes que possibilite perceber quais


tecnologias funcionam ou não em cada atividade;

Avaliar o que já foi feito para manter, readequar ou mudar o modo de fazer;
Haver boa gestão do tempo de trabalho; para que não haja sobrecarga; é preciso
estabelecer prazos.

Nesse sentido, como nos trazem Almeida e Nogueira (2020, p. 185), “é necessário criar espaços,
nos quais os alunos possam colocar suas percepções, opiniões e conhecimentos prévios, de
forma a estabelecer o diálogo, a troca de informações e a construção de saberes coletivamente”.
Sendo, nesse momento, o diagnóstico em torno de conhecimentos, habilidades e atitudes
essencial. Para tal, o processo pode ser então pautado em:

Definir o objetivo de aprendizagem com base no conhecimento


prévio que se tem do perfil do público-alvo;

Realizar um diagnóstico para avaliar se objetivo e o perfil estão de acordo com a


realidade;

Confirmar os multimeios que podem auxiliar no processo necessário a alcançar os


objetivos;

Definir a metodologia e seus métodos, ordem das atividades, melhor maneira de os


conteúdos serem explicados;

No desenvolvimento do trabalho, refletir sempre sobre os elementos contextuais,


sociais, críticos e éticos em torno da articulação dos conteúdos, para além do
conteúdo sem si, tendo em vista também o processo enquanto foco de aprendizado;

Avaliar o processo.

Contudo, o que diferencia esse processo do que já é feito com livros didáticos, apostilas e
materiais didáticos impressos, ou mesmo aqueles que fazem uso de laboratórios de informática,
notebooks ou tablets, mas todos em uso individual, passivo e de recepção? Como aborda Lemke
(2010, p. 7), mesmo a tecnologia mais avançada pode estar a serviço de uma tradição escolar
logocêntrica, voltada para um ensino que tem como seu paradigma uma aprendizagem
curricular. Aqui, retomamos o conceito de colaboração e interação, que o autor afirma realmente
mudar o paradigma tradicional para aquele voltado a uma concepção crítica e ativa no processo
de multiletramento.

“[...] o paradigma de aprendizagem curricular é dominante em instituições tais

como escolas e universidades. O paradigma curricular assume que alguém decidirá


o que você precisa saber e planejará para que você aprenda tudo em uma ordem
fixa e em um cronograma fixo. Este é o paradigma do capitalismo industrial e da
produção de massa baseada na fábrica. 

O paradigma da aprendizagem interativa domina instituições como as bibliotecas e


os centros de pesquisa. Assume-se que as pessoas determinam o que elas precisam
saber baseando-se em suas participações em atividades em que essas necessidades
surgem e em consulta a especialistas conhecedores; que eles aprendem na ordem
que lhes cabe, em um ritmo confortável e em tempo para usarem o que
aprenderam. Este é o paradigma da aprendizagem das pessoas que criaram a
internet e o ciberespaço. É o paradigma mais do acesso à informação do que da
imposição à aprendizagem. É o paradigma de como pessoas com poder e recursos
escolhem aprender.”

- LEMKE, 2010, p. 9-10 apud ROJO, 2012, p. 9. Grifos nossos 

Veja como, pautado no que falamos até aqui, é dentro do paradigma da interatividade que
desejamos atuar, tendo em vista que é com ele que o ciberespaço dialoga constantemente. Nesse
movimento, temos a pedagogia do multiletramento, como nos traz Rojo (2012), em que o
estudante se apropria do design digital disponível, no qual, além dos conhecimentos técnicos
necessários para o uso desses recursos, conhecimentos práticos e competências, precisa ser
leitor, analista e crítico. Como nos afirma a autora, não parando por aí, após identificar as
características desse design, o aluno parte para um redesign, ou seja, a produção própria de
conteúdos e sentidos utilizando esses meios ou outros.

Figura 4 – Mapa dos multiletramentos


Fonte: Adaptada de ROJO, 2012, p. 2017

Chama nossa atenção, contudo, a afirmação de Lemke (2010) no trecho destacado


anteriormente sobre o fato de ser o paradigma interativo e da não imposição o preferido das
pessoas com poder e dinheiro. E isso não só porque elas têm acesso aos recursos tecnológicos
necessários, mas porque elas têm o poder da liberdade de impor seu ritmo, seu tempo, a seu
processo de aprendizagem. Refletir sobre isso é essencial para compreender as dificuldades na
hora de ter acesso aos recursos das ferramentas digitais, pois elas impõem um ritmo de ensino e
mediação do conhecimento que muitas vezes se choca diretamente com os objetivos da
estrutura curricular que as evoca – inclusive da BNCC.
Desejamos essas ferramentas em sala, mas estamos prontos para renunciar ao fluxo curricular
e adentrar no fluxo hipertextual e seus efeitos sobre o conhecimento? Fluxo este que escapa
mesmo diante da flexibilidade de qualquer currículo? Trataremos desse assunto mais para a
frente em outras unidades. Por ora, falaremos sobre as características dos hipertextos, pois elas
adentram completamente às características do paradigma de ensino interativo e do
multiletramento.

Leitura
Prática Pedagógica de Multiletramentos em Contexto de Escola Pública 
Acesse o estudo de Bruno Ciavolella sobre práticas pedagógicas de
multiletramento em contexto de escola pública, no qual ele faz
reflexões sobre algumas práticas identificadas nesse contexto. 

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ACESSE

Do Texto ao Hipertexto
Como abordamos anteriormente, o conhecimento é sempre mediado e textos são mediadores
privilegiados no processo. Além disso, o conhecimento ao qual temos acesso estrutura nossa
subjetividade, considerando que somos formados pelo que sabemos. E mais, o como sabemos,
ou seja, como temos acesso à mediação com o mundo também definirá nosso modo de
conhecê-lo. Por isso, trazer o hipertexto e suas características é essencial aqui, tendo em vista
ser ele base do modo como o ser humano pensa atualmente, seu modo de apreender o mundo,
mas também ser resultado do pensamento humano e do seu modo de pensar desde sempre –
descontínuo, deslizante e linkado por elementos nem sempre passíveis de compreensão direta. 

Para que isso fique mais evidente, trazemos Lévy (2011 apud MEYER, 2020), referência para o
estudo do ciberespaço e do hipertexto. O autor propõe caracterizar este último a partir de seis
princípios:

1. Princípio de metamorfose – a rede hipertextual está em constante construção


e renovação;

2. Princípio de heterogeneidade – os nós e as conexões de uma rede hipertextual


são heterogênicos;

3. Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas – o hipertexto se organiza


em um ovo “fractal”, ou seja, qualquer nó ou conexão, quando analisado, pode
revelar-se como sendo composto por toda uma rede, e assim por diante,
indefinitivamente;

4. Princípio de exterioridade – a real não possui unidade orgânica, nem motor


interno;

5. Princípio de topologia – no hipertexto tudo funciona por proximidade, por


vizinhança;

6. Princípio de mobilidade dos centros – a rede não tem centro, ou melhor,


possui permanentemente diversos centros, que são como pontos luminosos
perpetuamente móveis, saltando de um nó para outro.
Leitura 
Cibercultura e Literatura: Hipertexto e as Novas Arquiteturas Textuais 
Acesse o artigo de Luiz Antonio Garcia Diniz que trata sobre hipertexto,
cibercultura e literatura na era da tecnologia digital.

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

O hipertexto, assim, evoca metamorfose, heterogeneidade, multiplicidade, exterioridade,


topologia e mobilidade dos centros. Evoca movimento permanente, assim como o pensamento
humano. O hipertexto, assim, não é só um gênero, mas, como afirma Chartier (2002, p. 113): “A
revolução do texto eletrônico é, de fato, ao mesmo tempo, uma revolução da técnica de produção
dos textos, uma revolução do suporte do escrito e uma revolução das práticas de leitura”. Nas
palavras de Baladeli (2011), ele se caracteriza por esse “emaranhado de nós (hiperlinks) que
podem ser acionados aleatoriamente visto que são blocos de informações ou acesso a textos,
páginas, arquivos independentes entre si”. 

Aqui, então, temos o desafio que o hipertexto traz ao leitor: “produzir sentido a partir da
fragmentação e de informações disponíveis em diferentes formatos (áudio, vídeo e/ou verbal)”
(BALADELI, 2011, p. 5). Embora emule o pensamento humano, evoca um conhecimento
intertextual que exige certo arcabouço de conhecimento prévio. Esse arcabouço pode ser criado
no salto entre os hiperlinks, mas também pode ser exigido previamente. 
É nesse movimento fragmentário que o conhecimento, e a leitura em si, só pode se dar em uma
decifração, nas palavras do autor, também fragmentária. Não há a possibilidade, nem a intenção,
de apreendermos todo o sentido do conhecimento ao qual temos acesso no hipertexto, assim
como o ocorre, de forma menor, claro, em textos. Contudo, nestes, coerência e coesão são
previamente assinaladas materialmente pelo autor. No caso dos hipertextos, a composição do
texto lido se dá em colaboração direta do autor, nas palavras de Braga (2003, p. 80
apud BALADELI, 2011, p. 5): “cabe ao leitor, durante a leitura, determinar – com base em seu
interesse, curiosidade, conhecimento prévio, ou tarefa de leitura tanto a ordem de acesso às
diferentes secções textuais, quanto o eixo coesivo que confere sentido ao texto lido”. Assim,
segundo Koch (2003, p. 64), o hipertexto apresenta as seguintes características:

Não linearidade (geralmente considerada a característica


central);

Volatilidade, devido à própria natureza (virtual) do suporte;

Espacialidade topográfica, por se tratar de um espaço de escritura/leitura sem limite


definido, não hierárquico nem tópico;

Fragmentariedade, visto que não tem um centro regular imanente;

Multissemiose, por viabilizar a absorção de diferentes aportes sígnicos e sensoriais


em uma mesma superfície de leitura (palavras, ícones, efeitos sonoros, diagramas,
tabelas tridimensionais);

Interatividade, devido à relação contínua do leitor com múltiplos autores,


praticamente em superposição em tempo real;

Interatividade, em decorrência de sua natureza intrinsecamente polifônica e


intertextual;

Descentração, em virtude de um deslocamento indefinido de tópicos, embora não se


trate, é claro, de um agregado aleatório de fragmentos textuais.
Virtual e descentralizado, o leitor faz uso dos nós que atam os conteúdos, das aproximações de
sentido e do movimento promovido para criar esse eixo coesivo. Para além de uma leitura
fragmentada que poderia prejudicar a leitura de um texto, ou mesmo do conceito de coautoria
próprio de um leitor ativo no processo de leitura, o leitor aqui é o autor em si do “texto final”.
Isso porque muitas vezes os textos conectados são assinados por diversos autores ou mesmo
não têm assinatura alguma. A autoria em si fica a cargo da internet, da ferramenta de pesquisa,
nem sempre detectável, mas o sentido e a composição do texto se voltam mais e inteiramente ao
leitor-navegador.

Figura 5 – Uma leitura evoca tantas outras


Fonte: Getty Images

Veja, não ache você que estamos dizendo que o leitor deve, assim, atribuir a si a autoria dos
textos a que tem acesso na internet. O que queremos afirmar é que o caminho textual e de leitura
que faz permite o contato muito singular com os textos atados nesses nós, lega ao sujeito certa
autoria muito própria. Aliás, é na mediação entre esses limites, de leitor-autor, que estão os
preceitos éticos dessa aquisição, tão livre, de conhecimento, e mesmo sobre a reflexão em torno
da validade dos conteúdos, sua coerência enunciativa e contextual ou mesmo seu valor
estrutural e linguageiro em que o professor atuará como mediador. 

Assim, no hipertexto, o professor media o processo de composição do conhecimento, desde a


decodificação das palavras, do design do hipertexto, até o processo em que o estudante faz uso
de tudo isso para criar os próprios textos, os quais farão parte também do hipertexto se ele
desejar.

“Embora o letramento digital tenha sido um termo recorrente nas publicações

sobre o uso da linguagem mediada por tecnologia, destacamos a relevância do


multiletramento como condição para o leitor interpretar os novos modos de
enunciação disponíveis na prática social. O multiletramento possibilita ao
leitor/navegador a compreensão dos novos modos de representação da linguagem
verbal e não verbal que se materializam em diferentes gêneros textuais, digitais
veiculados na Internet, domínio discursivo em crescente evolução. Para ter acesso
aos bens culturais e sociais e para participar nas práticas sociais, é requerido dos
sujeitos letrados que façam o uso eficiente.”

- BALADELI, 2011, p. 9

Assim, ao pensarmos no hipertexto e no contato incontornável com ele no ensino de língua,


como nos traz Dionísio (2006 apud BALADELI, 2011), “o multiletramento incorpora outros tipos
de letramentos ao letramento convencional; científico, visual, midiático, crítico, digital entre
outros que surgem como demandas para interpretar novos arranjos textuais”.
A Multimodalidade e a Escrita
Ler em ambientes multimodais já é um desafio. Até o leitor mais experiente pode ter dificuldade
para dominar os recursos necessários para acompanhar a construção de sentido de certo
material. Mas, e quando falamos de escrita? Como trabalhar as habilidades necessárias? 

Ribeiro (2018) destaca um ponto já tratado aqui, a necessidade de adequarmos tecnologias aos
objetivos do ensino e da aprendizagem. Assim, ao pensarmos em escrita, agora consideramos
não só a articulação de palavras, mas também uma composição que utiliza imagens, sons e
demais recursos, fazendo com que passemos do simples dizer o mundo para o mostrar o mundo
de diversos modos. Assim, a autora evoca a multimodalidade, mas sem a ter como algo superior,
e sim em busca de nos convidar a pensar no resultado da interação para a construção de sentido
em escrita e em uma convocação para a mudança de paradigma que acaba por criar mudanças
significativas em sala de aula, para além das ferramentas utilizadas, mas em busca de
abordagens e fazeres. Escrever, hoje, para autora, é ter isso em vista o tempo todo, sendo o
significado construído coletivamente. 

Nesse cenário, para Ribeiro (2018), o aprender é desempenhado de forma concomitante entre
professor e aluno, em uma troca permanente de sentidos, intenções, conforme os contextos e a
relevância das possibilidades elencadas para a realidade de ambos. Isso porque um aluno pode
propor o uso de um material específico, de uma tecnologia ou aplicativo, e isso não fazer sentido
para o professor, que pode querer usá-lo sem compreender realmente qual o motivo de tal uso
para seu trabalho. A compreensão das propostas, assim, parte do professor, que aporta não só a
visão do todo do processo educativo, mas também de como isso pode se dar no campo da
interação e da colaboração.

Aliás, ao falarmos em escrita, a produção colaborativa ganha destaque. Existem hoje


ferramentas diversas, como o Google Docs, que permitem um grupo de pessoas produzir um
texto coletivamente. Essa produção não só envolve a reflexão sobre autoria, mas também pode
ser acompanhada com pesquisas constantes a recursos da rede, assim como o uso de outros
modos de comunicar inseridos na escrita como complemento. O processo pode se dar de forma
síncrona ou assíncrona, o que traz ainda mais complexidade para o processo como um todo e
sua avaliação.
Leitura 
Escrita Colaborativa: Estratégias Assíncronas de Produção de Textos
em EAD 
Conheça o artigo Escrita colaborativa: estratégias assíncronas de
produção de textos em EaD. Nele, Andressa Aparecida Lopes apresenta
quais são as estratégias empregadas pelos alunos da EaD em suas
atividades e trabalhos textuais em grupo, com o intuito de analisar os
modos de interação pelos quais os discentes se apropriam para a
construção de sua escrita colaborativa.

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

A escrita nunca esteve tão presente em nossas vidas. Escrevemos e lemos o tempo todo.
“Escreler” é uma prática diária no mundo das tecnologias de comunicação. Quando pensamos
na composição textual multimodal, ainda mais. Até certo tempo, uma pessoa poderia ter quase
nenhum contato com a produção ativa de textos. Hoje, contudo, ela é convocada a isso o tempo
todo na interação nas redes sociais. Essa técnica, dominada por poucos, mostra-se fundamental
para estar na vida cotidiana, para além de assinarmos nosso nome ou preenchermos
questionários. A fala está sempre mediada, seja por memes, fotos, vídeos, áudios, seja por outros
recursos já costumeiros àqueles que usam as redes. A escrita, sinônimo constante de poder, é
ainda mais poderosa, pois, ao mesmo tempo que sua produção é massiva, sua recepção também
é, em uma velocidade que muitas vezes impede a reflexão crítica de seu conteúdo. Nisso, a
sociedade é moldada por textos confusos ou enganosos. 

Vídeo
Infodemia: Como Funciona e Como se Proteger Dela? 
Um termo popular durante da pandemia de Covid-19 foi infodemia. O
ensino é um instrumento muito poderoso no combate a esse tipo de
pandemia, que se refere ao excesso de informações sobre determinado
assunto, gerando efeitos nocivos não só para o tecido social, mas
também para sujeitos que se veem saturados de determinado assunto,
estressados e confusos. Saiba mais no link disponível a seguir.

Infodemia: como funciona e como se proteger dela?


Entender essas características para além de conhecimentos superficiais e assim conseguir
analisar os textos e escolher as fontes, interrogá-las e saber verificá-las, rejeitando aceitar
qualquer conteúdo para além de sua popularidade, optando, ainda, pelo que reproduzir ou não, é
resultado direto de uma educação ciente de seu contexto contemporâneo e da maioria dos
elementos que listamos até aqui. Precisamos, como educadores, como nos traz Ribeiro (2018),
inserir a prática na teoria, o que, ao pensarmos o ensino da escrita hoje, “é ter a chance de
manejar mais ferramentas para ampliar formas de expressão” (RIBEIRO, 2018, p. 97) e utilizar a
multimodalidade e o “poder semiótico” é um importante potencializador para tal. E, nesse
cenário, transformamos o ato de educar em um processo mediador e de curadoria, temas os
quais abordaremos na próxima unidade.

Para finalizar, sintetizamos aqui as competências para atuar no ensino na era digital:

Habilidades de Comunicação: Além de ler, falar e escrever de


forma coerente e clara, precisamos incluir habilidades de
comunicação em mídias sociais;

Capacidade de aprender de formas diferentes: Significa assumir a responsabilidade


de planejar o que você precisa saber e onde encontrar esse conhecimento;

Ética e responsabilidade: São competências necessárias para construir a confiança


mútua, particularmente importante em redes sociais informais;

Trabalho em equipe e flexibilidade: Trata-se de uma atuação colaborativa,


virtualmente e à distância com colegas, clientes e parceiros, de forma a trabalharem
em conjunto para a solução de problemas;

Competências digitais: Capacidade de utilizar a tecnologia digital de forma


integrada aos conhecimentos dos diversos campos do saber e áreas de atuação do
mercado (BATES, 2017).
TEMA 2 de 3

ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta


Unidade:

  Vídeos  

Como Usar o Storytelling nas Aulas? 


Vídeo sobre storytelling nas aulas no canal Educanvas.

Como usar o Storytelling nas aulas?


Minicurso – Escrever Hoje – Aula 1 
Minicurso da professora Ana Elisa Ribeiro pautado em seu livro "Escrever Hoje", que tem em
vista o processo de aprendizado e de prática de escrita levando em conta a multimodalidade, a
realidade das tecnologias e os recursos reais disponíveis aos professores.

Minicurso - Escrever hoje - Aula 1

  Leitura  

A Escrita do Hipertexto: Produção Textual no Ciberespaço 


Dissertação de Maria Júlia Costa Arantes sobre a escrita do hipertexto.

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ACESSE
Ideologia e Dialogismo: Mikhail Bakhtin, História e
Conceitos que Cabem na Sala de Aula  
Artigo sobre Mikhail Bakhtin e seus conceitos que cabem na sala de aula. Texto escrito por
Ricardo Santos David com instrumental que nos auxilia a pensar a formação crítica dos leitores
como um caminho necessário ao aprendizado para ambientes multimodais.

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ACESSE

Práticas de Leitura Virtual: Análise de um Texto Fílmico 


Texto e roteiro, filme e hipertexto, o artigo de Maria Goreth de Sousa Varão pensa no uso de
filmes em sala de aula em um contexto multimodal e de multiletramento.

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ACESSE
TEMA 3 de 3

ʪ Referências

ALMEIDA, C. P. de; NOGUEIRA, V. B. O professor de língua portuguesa: o perfil do educador


diante das transformações no ensino da língua materna. In: PAIVA, F. J. O.; LIMA, A. M. P.
Pesquisas em análise do discurso, multimodalidade e ensino: debates teóricos e metodológicos.
São Carlos: Pedro & João Editores, 2020. v. 2. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/profile/Francisco-De-Oliveira-
Paiva/publication/344693219_Pesquisas_em_analise_do_discurso_multimodalidade_ensin
o_debates_teoricos_e_metodologicos/links/5f89cb33299bf1b53e2c2424/Pesquisas-em-
analise-do-discurso-multimodalidade-ensino-debates-teoricos-e-
metodologicos.pdf#page=44>. Acesso em: 19/01/2022.

BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem (problemas fundamentais do


método sociológico na ciência da linguagem). São Paulo: Hucitec, 1988.

BALADELI, A. P. D. Hipertexto e multiletramento: revisitando conceitos. In: E-scrita, Nilópolis, v.


2, n. 4, jan./abr. 2011.

BATES, T. Educar na era digital: design, ensino e aprendizagem. São Paulo: Artesanato
Educacional, 2017.

CHARAUDEAU, P; MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. Trad. Fabiana Komesu.


2. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

CHARTIER, R. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Trad. Patrícia Chittoni
Ramos. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
COSCARELLI, C. V.; RIBEIRO, A. E. (Org.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades
pedagógicas. 3. ed. Belo Horizonte: CEALE/Autêntica, 2014. (e-book)

EVERETT, D. Linguagem: a história da maior invenção da humanidade. São Paulo: Contexto,


2019.

INAF BRASIL. Indicador de alfabetismo Funcional. alfabetismofuncional.org.br. 2022.

KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas: Papirus, 2015. (e-
book) 

KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

LEMKE, J. L. Letramento metamidiático: transformando significados e mídias. Trab. Linguist.


Apl., Campinas, v. 49, n. 2, Dec. 2010. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/tla/a/pBy7nwSdz6nNy98ZMT9Ddfs/?lang=pt>. Acesso em:
19/01/2022.

LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de


Janeiro: Editora 34, 2011.

MEYER, A. I. S. Hipertextos e gêneros digitais: conceitos e características. In: Revista Científica


Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, ano 5, ed. 10, v. 15, p. 87-108, out. 2020. Disponível
em: <https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/generos-digitais>. Acesso em:
19/01/2022.

PAIVA, F. J. O.; LIMA, A. M. P. Pesquisas em análise do discurso, multimodalidade e ensino:


debates teóricos e metodológicos. São Carlos: Pedro & João Editores, 2020. v. 2. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/profile/Francisco-De-Oliveira-
Paiva/publication/344693219_Pesquisas_em_analise_do_discurso_multimodalidade_ensin
o_debates_teoricos_e_metodologicos/links/5f89cb33299bf1b53e2c2424/Pesquisas-em-
analise-do-discurso-multimodalidade-ensino-debates-teoricos-e-
metodologicos.pdf#page=44>. Acesso em: 19/01/2022.
PINHEIRO, P. A. Sobre o manifesto a pedagogy of multiliteracies: designing social futures – 20
anos depois. Trab. Linguist. Apl., Campinas, v. 55, n. 2, p. 525-530, ago. 2016. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
18132016000200525&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 04/03/2021.

RAMAL, A. S., E. Mídias e tecnologias na educação presencial e a distância. Rio de Janeiro: LTC,
2016. (e-book)

RIBEIRO, A. E. Escrever, hoje: palavra, imagem e tecnologias digitais na educação. São Paulo:
Parábola, 2018. 128 p.

ROCHA, D. G. R.; OTA, M. A.; HOFFMAN, G. (Org.). Aprendizagem digital: curadoria, metodologias
e ferramentas para o novo contexto educacional [recurso eletrônico]. Porto Alegre: Penso, 2021.
(e-book)

ROJO, R. Entre plataformas, ODAs e protótipos: novos multiletramentos em tempos de web2. In:
The Especialist: Descrição, Ensino e Aprendizagem, v. 38 n. 1 jan.-jul. 2017. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/esp/article/view/32219/23261>. Acesso em: 04/03/2021.

SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

SCHMITT, B.; RIBAS G. S.; FREITAS, E. C. O letramento multimodal na escola: estabelecendo uma
relação entre o eu e a sociedade. In: Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 7, n. 1, p. 96-112,
jan./abr. 2018. Disponível em:
<http://natal.uern.br/periodicos/index.php/DDL/article/view/569>. Acesso em: 04/03/2021.

TANZI NETO, A.; PRADO, C. V. Movimentos ready-made, pop art e de remidiação no ensino de
línguas. In: The Especialist, São Paulo, v. 38, n. 1, jul. 2017. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/esp/article/view/32225>. Acesso em: 05/03/2021
Professores na Era Digital: Entre a Mediação e
a Curadoria

Conteudista: Prof. Me. Claudio Brites


Revisão Textual: Esp. Laryssa Fazolo Couto

Objetivos da Unidade:

Compreender as distinções conceituais entre texto mídias, multimídias e


hipermídias;

Refletir sobre a inserção de (hiper/multi) mídias como forma de ampliar


aspectos de interatividade capazes de potencializar o processo de ensino e
aprendizagem;

Apresentar o conceito de professor-curador e mediador e sua importância no


ensino em contextos atravessados por recursos digitais.

ʪ Material Teórico

ʪ Material Complementar

ʪ Referências
1 /3

ʪ Material Teórico

Introdução
Anteriormente, retomamos e aprofundamos pontos essenciais sobre a linguagem e nossa
relação com ela, abordamos o conceito de texto, textos multimodais, hipertextos e a conexão
desses tópicos com a leitura e a escrita, seu aprendizado e aplicação na multimodalidade. 

Com essa base de conteúdo, temos o suficiente para refletir sobre a influência das mídias e do
contexto hipermidiático no qual vivemos no (multi)letramento e suas implicações pedagógicas.
Começaremos tratando do conceito de mídia, multimídias e hipermídias e então colocaremos
em cena a importância de os educadores nessa realidade aderirem a duas posturas: a de
mediadores e a de curadores. 

Bons estudos!

Implicações Pedagógicas no Contexto Hipermidiático


Rojo (2017) nos traz um mergulho na vida contemporânea envolta por diversos meios de
comunicação engendrados em nossa relação com o mundo de forma tão orgânica a ponto de
passar despercebido. Dispositivos tecnológicos intensificam o que antes ocorria somente
quando ligávamos o rádio ou a TV e as vozes do mundo entravam em nossas casas e
informavam, educavam e auxiliavam na formação de nossas opiniões. Hoje, contudo, parece não
haver um botão de ligar para autorizar a entrada dessas vozes, os celulares tornaram esse
vínculo permanente, a ponto de se confundirem conosco as mensagens, tornando a cada um de
nós um comunicador midiático em potencial.
A escola, espaço por onde essas relações passam com certeza, antes preocupava-se em filtrar o
conteúdo vindo de desenhos animados e novelas, e hoje lida com um tsunami de materiais
resultantes de diversos meios. Assim, uma disputa de poder pela atenção institui-se, mas não
só, há também uma competição em torno do discurso pedagógico: qual é o conhecimento mais
válido? O da escola – esquematizado e muitas vezes anacrônico? Ou das redes – caótico, mas
fluido? Não há uma reposta para essas questões, a busca em si envolve uma conexão entre essas
frentes, pois a escola, como nos traz Rojo (2017) no texto citado, precisa se fazer presente e
significativa e, para tanto, estar no mundo conectado de forma natural e em diálogo constante,
influenciando inclusive na formação dessa estrutura.

Figura 1 – Uma escola conectada não é simplesmente um


aluno com acesso a dispositivos eletrônicos
Fonte: Getty Images

Os corpos precisam ser recebidos pela escola em sua totalidade. E se a tecnologia, como
abordamos anteriormente, é uma extensão do nosso corpo e da nossa inteligência, cabe a ela
abarcar essa extensão, não querer amputá-la, como se no espaço escolar só coubesse o corpo
analógico. Acreditar nisso é, em suma, tornar a escola um espaço de mutilação e destruição da
criatividade e potência possíveis neste momento. Claro que a escola não precisa aceitar essa
presença de forma passiva e acrítica, ao contrário, talvez seja o único lugar no qual se espera e
onde seja possível uma reflexão aberta e ampla sobre a nossa relação com esse novo corpo
estendido, cogitando o impacto dessa hiperconexão para nossas relações e vidas.

Um ponto essencial para a pedagogia dos multiletramentos é: diversidade. Quando surge a ideia
do multiletramento, na década de 1990, é sobre isso, sobre lidar com a diferença na sala de aula,
os diversos modo de ver o mundo e de desejar a vida. E nesse campo diverso, as inúmeras
formas de estar no mundo, a religiosidade, amar, pensar cultura e arte, comunicar-se e
relacionar-se com ele. E nenhum desses fica fora da escola. Não há um modo de pensar, embora
haja um modo hegemônico e favorecido pela escola; não há um tipo de corpo, uma linguagem,
mas também há aqueles preferidos pelo espaço escolar. Com isso em vista, como abarcar a todas
as pessoas e fazer com que se sintam parte do próprio processo educativo?

Leitura
Uma Pedagogia dos Multiletramentos: Projetando Futuros Sociais?
Conhece o artigo "Uma pedagogia dos multiletramentos: projetando
futuros sociais?" É considerado o manifesto de idealização e
inauguração da pedagogia dos multiletramentos e tem a função de
contextualizar o que pensavam os autores que cunharam o termo e
delinearam essa pedagogia. O texto é de 1996 e sua tradução pode ser
lida a seguir.

Clique no botão para conferir o conteúdo.


ACESSE

Fora abarcar as mídias, tecnologias e o impacto dessas na constituição dos sujeitos, cabe à
pedagogia, nesse contexto, ponderar sobre o que de todo esse universo possível quer usar para a
construção de uma didática que faça sentido. Assim como o aluno pode se sentir extremamente
atraído por toda a parafernália que parece projetá-lo constantemente para além dos muros
escolares, ou mesmo do espaço e do tempo, os profissionais também podem se perder no
deslumbre, hiperlotando as atividades de ferramentas as quais, em vez de colaborarem com o
processo, podem atrapalhar ou mesmo anular seus efeitos positivos e capacidades. 

A questão em si é não ignorar a existência desses novos membros do corpo digital humano, mas
saber quando eles devem fazer parte das propostas ou não. Compreender que a multimodalidade
não é dependente das tecnologias, pois qualquer texto, em si, é multimodal, mas que as
tecnologias amplificam as possibilidades de mídia e as modalidades de comunicação. O que vale
também aos multiletramentos, os quais não dependem só das tecnologias da informação e da
comunicação para serem implementados, pois são essas um dos modos de caminhar entre
camadas de sentido – embora, claro, o trabalho amplifique-se e conecte-se com o mundo dos
estudantes quando é possível estar em contato com essas tecnologias. 

Assim como em uma partida de futebol, sabe-se que se deve usar o pé e não as mãos no jogo
com a bola, saber a hora certa de articular cada meio é também compreender a função desse
meio na vida do usuário. Como nos traz McLuhan (1968), o meio também é a mensagem, sua
escolha e articulação também dizem de quem faz uso dele. E esse pensamento crítico sobre a
presença e o uso dos meios de diversas mídias é elemento base para o papel pedagógico da
escola nessa “nova” relação. Mandar um áudio ou gravar um vídeo em um aplicativo de
mensagem contribui de forma diferente para a compreensão dessa mensagem pelo destinatário.
Assim como auxilia-se uma criança a aprender a linguagem, elemento por elemento na
construção de sentido, o mesmo ocorre com essa necessidade de, num mundo onde parece tão
natural haver tantos meios de comunicação, nos relacionarmos com eles de forma metonímica,
compreendendo seu papel e sua função em nossa relação discursiva com o mundo um de cada
vez.
Vídeos
Uma Escola entre Redes Sociais
A Universidade Federal Fluminense (UFF) produziu o documentário
“Uma Escola entre Redes Sociais”, apresentando o cotidiano de
utilização das redes sociais por professores e estudantes de Ensino
Médio do Colégio Estadual Brigadeiro Schoert, localizado na Região de
Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Embora gravado em 2013-2014, como
resultado de uma pesquisa realizada no ano anterior, pelo Observatório
Jovem da UFF, seu conteúdo se mostra extremamente atual a partir da
fala de professores e estudantes de todos os turnos, que revelaram
reflexões e pontos de vida dos relacionamentos gerados pelo uso das
redes no espaço escolar e comunitário.

Uma escola entre redes sociais


Apresentaremos a seguir o que estamos falando quando tratamos de conceitos como mídias,
multimídias e hipermídias, analisando suas especificidades quando citados no contexto
escolar. Logo após, no campo da Educação, trabalharemos a partir daí para integrar a escola ao
que Santos (2016) denomina a “escola paralela de mídias”, buscando nesse espaço o que há de
positivo e refletindo sobre o que há de negativo em seu apelo, publicidade, entretenimento,
estética e valores simbólicos, reconhecendo, como também aponta a autora, que essa tem
atuado como mediadora social tanto quanto outras instituições formalmente instituídas para
tal. 

“Elaborando, decorando e atualizando perfis online, crianças e jovens integram

comunidades e redes sociais, trocam mensagens instantâneas, escrevem com


abreviações e inserções multimodais, produzem textos e webnovelas (SANTIAGO,
2010), copiam e compartilham conteúdo das mais variadas fontes (muitas vezes
escapando da censura imposta por adultos), passam o tempo (frequentemente
considerado excessivo), pesquisam, ensinam e aprendem, fazem novas amizades e
cultivam as anteriores. Fazem da rede um espaço para sociabilidade, visibilidade,
autoria, entretenimento e informação (de toda sorte). Esse cenário pode implicar
também ânsia compulsiva por comunicação e fuga progressiva do silêncio.
Oportunidades (valiosas!) e riscos (assustadores!) vão se delineando.”

- SANTOS, 2016, p. 9
Conceito de Mídias, Multimídias e Hipermídias
Diversos são os meios de comunicação e as mídias possíveis para a articulação das mensagens.
Divididos entre primários, secundários e terciários por Charaudeau e Maingueneau (2008),
pensar sobre esses é abarcar desde a fala (mídia primária) até a escrita (mídia secundária), e
outros tantos suportes possíveis. Em linhas gerais, podemos exemplificar alguns tipos comuns:
textos; imagens; fotografias; animação; vídeo; áudio etc. Embora categorizados separadamente
e com atributos próprios, em tempos de relações mediadas o tempo todo por esses elementos,
adentramos rapidamente ao conceito de multimídias e hipermídias como algo comum à nossa
dinâmica com as mídias.

No caso das multimídias, temos a combinação entre esses tipos para a produção da mensagem.
Texto, imagem, vídeo etc. trabalham de forma orgânica e interativa para servirem de meio às
mensagens de quem as articula. Os sites, por exemplo, há muito são exemplos de espaços
multimídia. Mais dinâmicos do que uma revista ou jornal, estabelecem uma relação multimeios e
multimensagens na nossa interação com seus conteúdos. Mas não é só no contexto da
internet em que as expressões multimídias se dão, temos diversos museus multimídias, os quais
colocam em relação imagem, som e outros suportes, como é o caso do Museu da Língua
Portuguesa em São Paulo.

Para a composição, aliás, desses espaços multimídias, nasce com os sites e o espaço da internet
os hipertextos, dos quais falamos anteriormente. Nessa dinâmica aberta e fluida da combinação
entre multimídia e hipertexto, surge então o conceito de hipermídia. Portais da web
contemporânea, redes sociais como Facebook ou Instagram adentram a esse movimento em que
os enunciados são criados a partir de uma interação entre textos, gráficos, animações em uma
relação não linear de sentido. A composição, assim, forma-se em um processo aberto e errático,
muito próprio de cada um.

Mídia: Mídia primária (fala), e terciárias (texto, imagens, fotografias etc);

Multimídia: Combinação entre mídias para composição da mensagem;

Hipermídia: Elementos multimídias de composição somados ao hipertexto.


O exercício de reflexão em torno de como se compõe os meios possíveis às mensagens, ainda
mais em época de tecnologias digitais, é fundamental. Isso, porque, embora pareça livre e
caótico, há uma arquitetura de design pensando o hipertexto nesses meios, a qual, embora esteja
em grande parte sendo controlada por algoritmos que conduzem as pessoas aos seus
interesses, não está tão distante de tendências de discurso na rede – as quais, aliás, moldam a
indução feita pelos próprios algoritmos. Assim, quando temos a impressão de ter acesso a tudo
porque estamos na internet, só temos a uma camada destinada a nós, embora muito maior do
que teríamos se assinando um jornal ou assistindo a um canal de televisão.

A esse desenho de um “certo caminho” possível ao nosso desejo de conteúdo e ao nosso


movimento nas redes, como trilhas feitas com pedaços de pão por João e Maria, soma-se um
outo tipo de design: o visual. Fontes, cores, recortes, molduras, fotos, vídeos, sem que
percebamos, a leitura desses elementos amplifica a nossa leitura, modula, organiza, indica
caminhos. Não é algo novo, presente só na web, afinal, até na escola escolhe-se entre a letra
cursiva ou de forma para escrever uma redação, por exemplo, e sabemos o quanto uma letra
ilegível pode prejudicar nossa comunicação. Com o mundo digital, contudo, esse design ganha
ainda mais potência e é fundamental que sejamos letrados em algumas de suas características
para conseguimos realizar uma leitura mais ampla, aprofundada e, claro, crítica.

Vídeos
Algoritmos: Você está no Controle? 
Você sabe o que é algoritmo? Falamos tanto desse assunto, mas já
parou para pesquisar do que se trata? Elementos os quais parecem
conduzir nossa vida hoje em dia, influenciando desde ao nosso modo
de comprar até políticas de Estado. Assista ao vídeo a seguir.

Algoritmos: você está no controle? | Ricardo Cappra | TEDxBrasilia


Algoritmos: você está no controle? | Ricardo Cappra | TEDxBrasilia

Refletir sobre esses níveis de acesso e nossa condução dele, assim como de como vamos
conhecendo o mundo nesse movimento, é parte essencial do trabalho de multiletramentos, pois
o que temos hoje é um olhar acrítico da “navegação”, na qual parece que estamos onde
gostaríamos de estar, sem qualquer impressão de termos sido levados ou conduzidos por
algoritmos ou um design pensado a nós, classificados como certo tipo de usuário. Embora
pareça um desafio à educação considerar esses elementos ao compor currículos e produzir
conteúdos para as aulas, não está muito distante do papel crítico que se espera da escola já há
tempo, quando colocamos os alunos para questionar as informações que recebiam diariamente
das mídias e veículos de comunicação de massa. O enfoque crítico é o mesmo, a amplitude dos
elementos que compõem é que adentram espaços de linguagens e mídias para além do texto ou
da fala organizada dos teleprompters ou editorias; falar de linguagem no multiletramento é,
então, falar de inclusão social, relações humanas e emancipação do sujeito na construção de seu
conhecimento.
“[…] o uso de abordagens da pedagogia dos multiletramentos permitirá que os

alunos alcancem duplamente objetivos de aprendizagem do campo do letramento:


evoluindo no acesso à linguagem do trabalho, do poder e da comunidade, e
fomentando o engajamento crítico necessário para projetar seu futuro social,
alcançando sucesso por meio de trabalhos realizadores.”

- GRUPO NOVA LONDRES, 2021, p. 102

Infográficos, textos em imagens e ilustrações invadem o mundo e aos alunos agora cabe
reconhecer, inclusive, de forma crítica e atenta, reconhecer o que desse material é verídico ou o
que é fake news. Ou seja, no multiletramento, a busca pelo conhecimento, a leitura, se dá na
decodificação de elementos sutis, distorções e palavras escritas erradas, por exemplo, que
podem auxiliar na curadoria de informações nas quais se possa confiar ou não.

Leitura
Na Dúvida Experimenta
Você conhece os filmes “Mera Coincidência” e “O Quarto Poder”? Na
década de 1990, essas duas obras colocavam em questão o papel da
mídia nos caminhos políticos, sociais e de comportamento da
humanidade. Pense então como essa equação fica ao inserirmos o uso
da internet pelos canais de mídia. Leia um resumo sobre esses dois
filmes a seguir e, se possível, assista a eles.

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ACESSE

Imagine, então, nessa realidade volátil, no qual a experiência de aprendizagem e letramento se


dá em meio a diversas linguagens e a saltos diversos entre diversos conteúdos, no qual o sujeito
vai velozmente acessando dezenas de vídeos e materiais sem nem mesmo perceber, tirando de
tudo aquilo uma concepção de si e do mundo ao final, imagine quando ele chega à escola e dá de
cara com um espaço no qual o processo se dá de modo linear, organizado e marcado por um
outro tempo, muito vezes mais lento. Um choque, não é?
Figura 3 – A escola tem um papel decisivo na relação entre
os sujeitos, para além das tecnologias, mas também com
ela
Fonte: Adaptada de Getty Images

E não que o processo mais lento e organizado seja algo negativo, de modo algum, embora muitas
vezes existam, sim, conteúdos no currículo, já há muitos desatualizados e sem sentido para a
contemporaneidade. Tal processo é, em si, muito importante para ser um contraponto a essa
vertigem. Contudo ele não pode abrir mão dessa realidade hipermidiática e simplesmente fingir
que ela não existe, impondo lousa, conversas de 50 minutos e livros e apostilas que emulam sites
em sua diagramação, e só. O cerne dos multiletramentos é, em si, compreender essa natureza
híbrida, colaborativa, aberta e interativa da linguagem e dos textos hoje e trazer isso para o
trabalho em sala. Há um mundo de sentidos, os quais se estabelecem por todos os lados e
diversas formas. Tal processo de ensino, claro, vai além de uma mera navegação em site, pois ali
temos uma figura essencial e que muda completamente esse jogo da “navegação”: o professor.
Do qual falaremos mais no próximo tópico. 

Conceito de Professores-Curadores
Como citado anteriormente, tem se destacado a preocupação em torno do acesso básico às TICs
no ambiente escolar, pois elas são essenciais para que se possa privilegiar as diversas
experiências voltadas a ver, ler, interpretar, comunicar e sentir o mundo, as quais são ponto-
chaves ao multiletramento. Tal preocupação é, sim, importante, tendo em vista que muitos
lugares do Brasil até hoje não têm acesso de qualidade à internet. Mesmo depois da imersão
obrigatória dos estudantes no ensino remoto durante o distanciamento social de 2020 e 2021
por conta da pandemia de covid-19, não foi por toda as áreas do país que o acesso à rede se
tornou possível com qualidade. Fora isso, mesmo as escolas que têm esse acesso, em grandes
centros urbanos, carecem de equipamentos para os alunos e para os professores, o que
inviabiliza muitos projetos. Nesse cenário, professoras acabam usando de equipamentos
próprios ou do acesso de alunos a smartphones para viabilizar seus projetos e trazer para a sala
um pouco da realidade hipermidiática que eles encontram fora dela.
Figura 4 – O Multiletramento é uma pedagogia voltada
para pensar, sentir, ver, ouvir, ler, interpretar, comunicar e
mais todas as formas de apreender o mundo, no que isso é
privilegiado pelas tecnologias

Leitura
Multiletramentos na Escola: O Uso do Celular e do WhatsApp nas Aulas
de Produção Textual em Língua Portuguesa 
Leia o artigo a seguir, que se centra na discussão sobre a inserção das
TICs em sala de aula, aqui abordando incluindo celular e WhatsApp para
conduzir e refletir sobre práticas sociais de leitura e de escrita. 
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ACESSE

Contudo, como também falamos anteriormente, o multiletramento privilegia as diversas formas


de ler, ouvir, ver e sentir o mundo, e para tal, o educador, além de também dominar as
tecnologias que viabilizam hoje esse acesso ao mundo, precisa ele mesmo formar-se para além
de usuários comuns dessas diversas formas, mas usuários críticos e conscientes dos processos.
Assim, não mais pensando somente nas tecnologias e tecnologias digitais, o professor inicia um
processo ativo de compreensão da lógica hipermidiática e torna-se um curador dos conteúdos
que devem vir para sala por seu valor cultural ou reflexivo. 

“Apesar de a curadoria ser vista como algo que o professor já realizava para

elaborar a sua aula, tendo o aspecto digital como o principal traço distintivo dessa
inovação, ela não surge como um “mais do mesmo”, mas traz um deslocamento
para a práxis docente e o move da sua rotina profissional.”

- SOUZA, 2011

Não é diferente de quando uma professora de Literatura escolhia um poema em meio à obra
diversa de Drummond ou mesmo quando uma professora de Química escolhia uma experiência
entre tantas, mas obviamente envolve uma gama de elementos mais amplos e dos quais os
alunos, muitas vezes, têm maior domínio do que ela. Isso mesmo, no mundo digital, os alunos
são nativos e os professores, ainda em sua maioria, imigrantes. E mesmo quando nativos, até
por conta do tempo escasso em torno do trabalho, dificilmente conseguem acompanhar as
mudanças e os trending topics para sempre estarem atualizados a respeito dos memes do
momento em suas aulas.

Glossário
Trending Topics: são os temas que são tendência em determinado
recorte temporal em diversas redes sociais. Muitas vezes quantificados
a partir do uso de hashtags (#) pelos usuários, eles têm a importância
de mostrar temas de interesse aos usuários da internet. É como dizer
que algo está “na boca do povo”. Seu valor cultural e político
atualmente é inegável, foi graças a esse tipo de quantificação da
opinião pública que hashtags como #vidasnegrasimportam, contra o
racismo, ou #metoo, contra o assédio sexual, tiveram tanta
importância na história recente do mundo.

Leitura
Memes: Formações Discursivas que Ecoam no Ciberespaço
Muitas vezes no topo do ranking dos assuntos do momento está um
meme, outro termo muito usado atualmente, você sabe definir esse
conceito? Já parou para pensar nele? Leia o artigo a seguir.

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ACESSE

E não deve ser um problema que professores não consigam se atualizar na mesma velocidade
que seus alunos. Como dito, o(a) professor(a) deve fazer uma curadoria de conteúdo e estar
aberta à colaboração e interatividade propícia ao multiletramento por parte desses. Assim, o
trabalho da curadoria envolve um planejamento que considera algum tipo de acesso, centrada
no uso e estudo reflexivo daquela fonte de conhecimento, de forma objetiva e propositiva,
interativa e crítica, para que, por fim, possa o aluno também produzir seu próprio conteúdo e
atuar ele de forma crítica no mundo.

Figura 5
Segundo o documento Padrões de Competência em TIC: Módulos de Padrão e Competência da
Unesco (2008 apud SILVA; HESSEL, 2021), a curadoria para o professor envolve as seguintes
ações:

Gerir e adquirir conhecimento pedagógico e sobre a matéria;

Saber onde e quando usar (e não usar) a tecnologia nas atividades em sala de aula;

Usar diversas ferramentas abertas de tecnologia; 

Escolher e utilizar tutoriais, jogos, exercícios, prática e conteúdo da web em


laboratórios de informática;

Usar as TDIC para o autêntico desenvolvimento profissional do professor.

Nesse processo, os alunos são mediados a certa posição, a qual envolve as seguintes ações
segundo o mesmo documento da Unesco (2008 apud SILVA; HESSEL, 2021):

Deve-se buscar a resolução de problemas complexos (relacionados a diversos


temas, como: meio ambiente, segurança alimentar, saúde e soluções de conflitos);

Deve-se incentivar o aprendizado colaborativo, por intermédio de problemas e


projetos, para que o aluno entenda que esse conhecimento os leva a confrontar-se
com problemas no dia a dia e situações complexas;

O docente deve prover questões-problema, apoiar projetos colaborativos e orientá-


los;

Os projetos colaborativos devem utilizar a rede, para que os alunos cooperem entre
si;

O professor deve formar uma comunidade de aprendizagem com os alunos e na sala


de aula.
A posição questionadora do docente curador, segundo Silva e Hessel (2021), envolve não só um
olhar crítico aos conteúdos escolhidos, ao uso da tecnologia, mas a todo o processo de ensino e
aprendizagem abarcado. Como a quebra de uma quarta parede, no qual a escola é uma realidade
inquestionável por seus atores, aqui o curador não só traz do mundo digital e analógico o que
julga interessante ao grupo, mas ensina a esse mesmo grupo o seu próprio processo de
curadoria. Assim, pode o aluno, com as mesmas ferramentas e processos, tornar-se ele também
um curador.

Mediação e Curadoria
A mediação, assim, é uma posição inerente à prática diária da educação, ela se volta para a
interação. A curadoria, por sua vez, pauta-se no planejamento e nas diversas possibilidades de
organização do processo a ser mediado. 

Figura 6
Em ambas, deparamo-nos com um mundo de possibilidades de metodologias e métodos que
busca trazer diretrizes para mediação e à curadoria, envolvendo as etapas-chave a elas:
diagnóstico, desenvolvimento e avaliação. Falaremos um pouco sobre elas em um futuro
momento de conhecimento.

É importante destacar que na pedagogia do multiletramento, mediação e curadoria focam no


papel da diversidade na escolha dos textos, dos materiais de estudo e também nos resultados
das atividades propostas. A cultura, não mais em letra maiúscula, é fragmentada por culturas que
se complementam e chocam, cabendo aos educadores articularem esse movimento, sabendo
ser a escola um lugar privilegiado para trabalhar os conflitos e a benesses resultantes daí.

“Essa visão desessencializada de cultura(s) já não permite escrevê-la com

maiúscula – A cultura – pois não supõe simplesmente a divisão entre culto/inculto


ou civilização/barbárie, tão cara à escola da modernidade. Nem mesmo supõe o
pensamento com base em pares antitéticos de culturas, cujo segundo termo
pareado escapava a esse mecanicismo dicotômico – cultura erudita/popular,
central/marginal, canônica/de massa – também esses tão caros ao currículo
tradicional que se propõe a ensinar ou a apresentar o cânone ao consumidor
massivo, a erudição ao populacho, o central aos marginais.”

- ROJO, 2012, p. 14

É no campo da heterogeneidade, então, na qual a mediação acontece e para a qual a curadoria se


volta. Surge aqui novamente o conceito de design, mas um design de sentido. Muitas vezes na
contramão homogeneizadora do design da arquitetura delineada pelos algoritmos ou ainda não
se deixando hipnotizar pelo design gráfico dos conteúdos com os quais tem contato, o educador
é também ele o designer do processo de aprendizagem e precisa estar ciente disso para antever
sua responsabilidade mesmo diante de um mundo que parece dispensá-lo para dar acesso a um
baú de conteúdos prontos e fáceis de articular.

“Ao endereçar a questão “o quê” na pedagogia do letramento, propomos uma

metalinguagem dos multiletramentos baseada no conceito de “design”. Design se


tornou central nas inovações no ambiente de trabalho, assim como em reformas
escolares para o mundo contemporâneo. Professores e gestores são vistos como
designers dos processos e dos ambientes de ensino, não como chefes ditando o que
aqueles que estão sob seus comandos devem pensar e fazer. Adicionalmente,
alguns argumentaram que a pesquisa educacional deve se tornar uma ciência do
design, estudando como diferentes designs curriculares, pedagógicos e de sala de
aula motivam e alcançam diferentes tipos de aprendizagem.”

- GRUPO NOVA LONDRES, 2021, p. 102

Aqui, colocamos em evidência o quanto, embora o professor se coloque na posição de mediador


e curador, como dito, ele não faz esse processo sem deixá-lo em evidência, pois sua intenção é
que o aluno se torne ele mesmo também mediador de seu próprio processo e do coletivo que faz
parte e curador dos conteúdos os quais tem interesse, de forma crítica e reflexiva, trazendo para
o espaço da escola também suas contribuições, apropriando-se do espaço escolar como seu e
dos outros. Acesso se torna não só um espaço de coleta de conteúdo para trabalhos e reprodução
em sala, mas um movimento natural de produção do saber, de si e da própria escola. Ao fim, em
resumo, o aluno é, assim como o professor, pesquisador habilitador, mediador, curador e
designer de seu próprio conteúdo, ou seja, não só um consumidor passivo, mas também um
criador ativo.
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ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta


Unidade:

  Vídeos  

Curadoria - Mario Sergio Cortella

Curadoria - Mario Sergio Cortella


Multiletramentos – Entrevista com Roxane Rojo

Multiletramentos - Entrevista com Roxane Rojo

  Leitura  

Linguagem em Foco
Leia a revista Linguagem em Foco, v. 13, n. 2, 2021, em homenagem aos 25 anos da publicação do
Manifesto da Pedagogia dos Multiletramentos.

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ACESSE
Prática Pedagógica de Multiletramentos em Contexto de
Escola Pública

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ACESSE
3/3

ʪ Referências

ALMEIDA, C. P.  O perfil do professor de Língua Portuguesa para o ensino da Língua Materna. In:
PAIVA, F. J. de O.; LIMA, A. M. P. (org.). Pesquisas em análise do discurso, multimodalidade &
ensino: debates teóricos e metodológicos. São Carlos: Pedro & João Editores, 2020. v. 2.
Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Francisco-De-Oliveira-
Paiva/publication/344693219_Pesquisas_em_analise_do_discurso_multimodalidade_ensin
o_debates_teoricos_e_metodologicos/links/5f89cb33299bf1b53e2c2424/Pesquisas-em-
analise-do-discurso-multimodalidade-ensino-debates-teoricos-e-
metodologicos.pdf#page=44>. Acesso em: 19/01/2022.

BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método


sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988.

BALADELI, A. P. D. Hipertexto e multiletramento: revisitando conceitos. E-scrita, Nilópolis, v. 2,


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19/01/2022.

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. Trad. Fabiana Komesu.


2ª. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

CHARTIER, R. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Trad. Patrícia Chittoni
Ramos. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002.

COSCARELLI, C. V.; RIBEIRO, A. E. (org.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades


pedagógicas. 3ª. ed. Belo Horizonte, CEALE: Autêntica, 2014. (e-book)
EVERETT, D. Linguagem: a história da maior invenção da humanidade. São Paulo: Editora
Contexto, 2019.

GRUPO NOVA LONDRES. Uma pedagogia dos multiletramentos: projetando futuros sociais. Rev.
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<https://revistas.uece.br/index.php/linguagememfoco/article/view/5578/4503>. Acesso em:
19/01/ 2022.

INAF BRASIL. Indicador de alfabetismo Funcional. Disponível em:


<alfabetismofuncional.org.br>. Acesso em: 19/01/2022.

KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP: Papirus, 2015.
(e-book) 

KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. 2ª. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

LEMKE, J. L. Letramento metamidiático: transformando significados e mídias. Trab. Ling. Aplic.,


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<https://www.scielo.br/j/tla/a/pBy7nwSdz6nNy98ZMT9Ddfs/?format=pdf&lang=pt>. Acesso
em: 19/01/2022.

LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de


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PAIVA, F. J. O.; LIMA, A. M. P. (org.). Pesquisas em análise do discurso, multimodalidade &


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Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Francisco-De-Oliveira-
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o_debates_teoricos_e_metodologicos/links/5f89cb33299bf1b53e2c2424/Pesquisas-em-
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PINHEIRO, P. A. Sobre o manifesto "a pedagogy of multiliteracies: designing social futures" – 20


anos depois. Trab. Ling. Aplic., Campinas, SP, v. 55, n. 2, p. 525-530, 2016. Disponível em:
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RIBEIRO, A. E. Escrever, hoje: palavra, imagem e tecnologias digitais na educação. São Paulo:
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ROCHA, D. G. R.; OTA, M. A.; HOFFMAN, G. (org.). Aprendizagem digital: curadoria, metodologias
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Especialist: descrição, ensino e aprendizagem, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 1-20, 2017. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/esp/article/view/32219/23261>. Acesso em: 04/03/2021.

SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

SANTOS, E. (org.). Mídias e tecnologias na educação presencial e a distância. Rio de Janeiro:


LTC, 2016. (Série Educação). (e-book)

SCHMITT, B.; RIBAS, G. S.; FREITAS, E. C. O letramento multimodal na escola: estabelecendo uma
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Disponível em: <http://natal.uern.br/periodicos/index.php/DDL/article/view/569>. Acesso em:
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SILVA, C. S. G. HESSEL, A. M. D. G. A docência como curadoria: experiências pedagógicas no uso


de tecnologias educacionais. RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação,
Araraquara, v. 16, n. 1, p. 107-126, 2021. Disponível em:
<https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/13607/10309>. Acesso em:
19/01/2022.

TANZI NETO, A.; PRADO, C. V. Movimentos ready-made, pop art e de remidiação no ensino de
línguas. The Especialist: descrição, ensino e aprendizagem. São Paulo, v. 38, n. 1, 2017.
Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/esp/article/view/32225>. Acesso em: 05/03/2021.
Práticas de Linguagem Contemporâneas e
Ensino

Conteudista: Prof. Me. Claudio Brites


Revisão Textual: Mayara Lemos

Objetivos da Unidade:

Identificar e relacionar as mudanças que as novas mídias trazem para as práticas


discursivas e para os modos de socialização na cultura digital;

Mobilizar diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais para expandir as


formas de produzir sentidos;

Explorar diferentes tecnologias para produzir materiais destinados ao ensino.

ʪ Material Teórico

ʪ Material Complementar

ʪ Referências
TEMA 1 de 3

ʪ Material Teórico

Introdução
Em outro momento, refletimos sobre a influência das mídias e do contexto hipermidiático no
qual vivemos no (multi)letramento, suas implicações pedagógicas. Tratamos do conceito de
mídia, multimídia e hipermídia e, então, colocamos em cena a importância de os educadores
nessa realidade aderirem a duas posturas: a de mediadores e a de curadores.

Nesta Unidade, identificaremos e relacionaremos as mudanças que as novas mídias trazem para
as práticas discursivas e para os modos de socialização na cultura digital, com exemplos para
mobilizar diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais a fim de expandir as formas de
produzir sentidos, sendo assim, exploraremos diferentes tecnologias para produzir materiais
destinados ao ensino.

Bons estudos!

Interatividade e Tecnologia
O modelo de aula mais impactado pela mudança imposta pela era digital nas escolas foi a aula
expositiva tradicional, na qual professor fala e alunos ouvem. Com o poder dos motores de busca
e a qualidade excelente de vídeos e materiais, inclusive feitos por professores, nas redes, não
fica difícil um aluno pensar, “mas eu posso ver isso na internet” diante de uma aula à moda
antiga, e indagar: “Para que mesmo eu vim aqui?”. Sim, um professor consegue transformar
uma exposição em algo rico quando adiciona um elemento essencial: a interatividade. E, aqui,
interatividade não está relacionada, ainda, a recursos digitais, mas à busca constante pelo
diálogo, pela participação e pela construção conjunta com o grupo. O professor envolve o grupo,
constrói o saber nessa relação. Essa habilidade comunicativa é intensificada pelas tecnologias,
mas não garantida por essas. Ao contrário, uma sala cheia de tecnologias e sem esse olhar para a
interatividade, para a construção coletiva do saber, pode ser tudo menos interativa e produtiva.

Interação, em si, é movimento. E os multiletramentos se pautam em movimento, entre


enunciados, modalidades, papéis sociais, ou seja, a educação enquanto construção coletiva
(interativa), como mencionado, e que sintetizamos nas palavras de Eduardo Santos:

“Educar constitui um fato, por excelência, da vida cultural das sociedades e dos

povos, desde sempre e em todo o lugar – um fenômeno sociocultural, portanto. É


tanto processo de transmissão/aquisição de valores quanto de conhecimentos e
saberes; apresenta fundamentos e objetivos éticos, psicológicos, cognitivos,
pedagógicos e culturais; revela perspectivas epistemológicas do mesmo modo que
se nutre de ‘razões’ políticas; recebe injunções do sistema econômico e das
expectativas sociais; trabalha o/no presente para preparar/anunciar a construção
do futuro. A educação pode ser, então, qualificada como fenômeno total, permeada
que é pelas dinâmicas que se estabelecem em todos os meios nos quais os homens
se põem em relação: a casa, a escola, a ‘rua’, a empresa, o trabalho, o grupo
social.”

- SANTOS, 2020, p. 11

Assim, métodos e estratégias têm o seu papel nesse movimento e não podem ser descartados,
são ferramentas e organizadores do fazer. E existem caminhos propícios à interatividade,
tecnologias que potencializam esse fazer e que também trazem o mundo dos alunos para dentro
do espaço da sala de aula, o que facilita o engajamento que se busca.
As metodologias a partir do multiletramento ainda trazem outra questão central importante,
elas refletem sobre caminhos possíveis de didática ao aprendizado, sendo que as pessoas
apreendem e aprendem de forma diferente. Como traz Santos no trecho apresentado, as
perspectivas epistemológicas favorecem certas arquiteturas instrucionais, indicam elementos
possíveis e ainda evocam posturas à interatividade.

O intuito aqui é apresentar então esse ferramental, elementos que podem ser usados
separadamente ou em combinação com a pedagogia pautada nos multiletramentos. Pensando
em estratégias, podemos listar algumas metodologias de inovação que orientam o processo,
conforme o foco dado a elementos desse processo. Essas metodologias dividem-se em: ativas,
ágeis, imersivas e analíticas.

Metodologias Ativas
As metodologias ativas consideram o nível de autonomia que os estudantes possuem para
aprender. Segundo Filatro (2018), essas metodologias são compostas de ação e reflexão, o
aprendiz é visto como sujeito ativo, ciente de seu papel, que deve envolver-se de forma intensa
em seu processo de aprendizagem enquanto reflete realmente sobre aquilo que está fazendo.
Ferramentas tecnológicas podem facilitar e agilizar esse processo, embora as metodologias
ativas não sejam dependentes delas.

No campo das metodologias ativas temos:

Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP): faz uso de situações-problema como


ponto de partida para o grupo construir novos conhecimentos. Tem como foco um
trabalho individual e colaborativo;

Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP): estudantes em grupo são organizados


em torno de um projeto, que pode ser desenvolvido presencialmente, on-line ou de
forma híbrida. Os sujeitos são vistos de forma ainda mais autônoma, recebem
escopo, prazos e expectativas e devem gerenciar isso para entrega do resultado, no
geral, um produto;

Movimento Maker: focada em uma pedagogia experiencial, essa metodologia parte


da ideia de produzir algo com as próprias mãos. Esse movimento enfatiza o quão
relevante é aprender fazendo, desde a projeção até a construção de artefatos, os
quais podem ser digitais.

Vídeo
Problem-Based Learning at Maastricht University
Assista o vídeo a seguir e conheça o método das sete etapas da
Universidade de Maastricht, muito usado na aprendizagem baseada em
problemas:

Problem-Based Learning at Maastricht University


Metodologias Ágeis
Parte do manifesto para o desenvolvimento ágil de softwares, cuja proposta é reunir princípios
para mentalidade ágil. Segundo Filatro (2018), trata-se de mais indivíduos e interações que
processos e ferramentas; mais softwares em funcionamento que documentação abrangente;
mais colaboração com o cliente que negociação de contratos; mais resposta a mudanças que
seguir um plano.

Diretamente do mundo do desenvolvimento de softwares, essa ideia logo começou a ocupar os


campos da educação, resumindo os princípios das escolas ágeis em doze:

1. A maior prioridade é satisfazer às necessidades dos estudantes e de suas


famílias por meio da entrega precoce e contínua de aprendizagem
significativa;

2. Requisitos de mudança são bem recebidos, mesmo ao final de um ciclo de


aprendizagem, em benefício dos alunos e suas famílias;

3. As escolas ágeis oferecem frequentemente aprendizagem significativa, no


espaço de alguns dias e até algumas semanas, com preferência para o prazo
mais curto;

4. A escola e a família trabalham juntas cotidianamente para criar oportunidades


de aprendizagem para todos os participantes;

5. As escolas ágeis criam projetos em torno de indivíduos motivados, dão-lhes o


ambiente e apoio de que precisam, e confiam neles para fazer o trabalho;

6. As escolas ágeis reconhecem que o método mais efetivo de transmitir


informações para e dentro de uma equipe é a interação face a face;

7. A aprendizagem significativa é a principal medida de progresso;

8. Seus processos promovem a sustentabilidade. Educadores, estudantes e


famílias devem ser capazes de manter indefinidamente um ritmo constante;
9. As escolas ágeis acreditam que a atenção contínua à excelência técnica e ao
bom design aumenta a capacidade de adaptação;

10. Simplicidade: a arte de minimizar a quantidade de trabalho realizado é


essencial;

11. As melhores ideias e iniciativas emergem de equipes auto-organizadas;

12. Em intervalos regulares, as equipes refletem sobre como se tornar mais


eficazes, depois sintonizam e ajustam seu comportamento como necessário.

- FILATRO, 2018, p. 70

Leitura
Modelo de Desenvolvimento de Objetos de Aprendizagem Baseado em
Metodologias Ágeis
O artigo a seguir traz o uso de metodologias ágeis para o
desenvolvimento de objetos de aprendizagem e como isso pode
facilitar esse processo, permitindo a modelagem das funcionalidades
como base nos requisitos de comportamento do aluno.

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ACESSE
Metodologias Imersivas
Ao dialogar com conceitos como o do metaverso, apresentado anteriormente, essas
metodologias envolvem a criação de ambientes virtuais que fazem uso dos sentidos do corpo
humano para simular experiências. Essa simulação se dá no espaço digital e faz uso de
equipamentos que viabilizam a imersão.

Aqui, busca-se a sensação de presença tanto mental quanto física. Embora envolva tais aparatos,
nessa metodologia deixa-se claro que pode haver a imersão física sem a imersão psicológica e
também o inverso. Contudo, para que a imersão ocorra e propicie o aprendizado, ambas
precisam estar presentes.

As tecnologias, como dito, favorecem ao processo de aprendizagem, mas temos métodos que
usam de recursos como jogos de interpretação, storytelling e teatro para conseguir propiciar a
imersão necessária ao aprendizado.

Leitura
Situando a Realidade Aumentada no Manifesto de 1996
Um dos conceitos importantes de imersão é de Realidade Aumentada.
Já ouviu falar? Fazendo uso de dispositivos, há uma mistura entre a
realidade com o mundo digital. Um dos fenômenos desse tipo de
experiência é o jogo Pokémon Go. Leia sobre o manifesto de 1996, que
apresenta o conceito de Realidade Aumentada, cada vez mais presente
na educação.

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ACESSE

Metodologias Analíticas
Nesta metodologia, temos o uso de dados, análise estatística e modelos preditivos para obter
informações e agir em questões complexas a serviço da educação, enfatizando a explicação, a
previsão e a ação, e não meramente a coleta de dados e emissão de relatórios. O que há de mais
sofisticado em tecnologia de dados é usado a favor da construção de respostas em educação,
estratégias e caminhos de aprendizagem. O tempo necessário, as etapas, os conteúdos, tudo
pode ser esquadrinhado com o uso de recursos de ponta de tecnologia.

Assim, as metodologias analíticas buscam uma aprendizagem adaptada ao aluno e suas


necessidades, ou seja, personalizada. Altamente dependentes das tecnologias, essas
metodologias vão desde a estruturação de aulas até de processos complexos de ensino e
considerações a respeito de políticas públicas.

Vídeo
Big Data | Nerdologia
Você sabe o que é Big Data? Esse é um conceito importante para as
metodologias analíticas e para a relação que temos com o mundo
digital hoje. Assista o vídeo a seguir que explica o assunto e o que ele
envolve:
BIG DATA | Nerdologia

A seguir, uma excelente Tabela desenvolvida por Filatro (2018, p. 5), sintetizando as
metodologias.

Tabela 1 – Metodologias e suas Especificidades


Fonte: Adaptada de FILATRO, 2018

Ambientes Virtuais de Aprendizagem: Caminhos para


uma Aprendizagem Significativa
A virtualidade vem ganhando ares de ficção científica com o conceito de Metaverso,
desenvolvido por Mark Zuckerberg e sua empresa, a qual privilegia a imersão em ambientes
virtuais fazendo uso de equipamento como óculos de realidade virtual. Assim como a
videochamada era até pouco tempo, os óculos ainda parecem algo distante, embora já sejam
usados por alguns aficionados por videogames e em experiências aqui e ali em torno do cinema.
Mark e o Metaverso, contudo, pretendem que daqui alguns anos este texto possa estar sendo
falado pelo professor em um gigantesco auditório, por exemplo, sem que você precise sair de
casa. Se isso vai emplacar ou não, ainda não sabemos. Mas figuras como Elon Musk, dono da
Tesla Motors, duvidam, no entanto, chegam a concordar que estamos caminhando para uma
integração cérebro-máquina ainda mais potente.

Vídeo
O que é Metaverso? | A Tecnologia que vai Acabar com a Humanidade
(Como Conhecemos)
Quer conhecer o conceito de Metaverso? Acha que é algo novo criado
pelo inventor do Facebook, Mark Zuckerberg? Veja, no vídeo a seguir,
outras tentativas para mergulhar a humanidade no mundo virtual de
forma mais orgânica e porque a ideia de Zuckerberg parece
promissora:
O que é Metaverso? | A tecnologia que vai acabar com a humanid…

Mesmo que sem o mergulho propiciado pelos equipamentos de realidade virtual, o conceito de
Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) já é algo corrente. Agora, neste momento, aliás,
enquanto você tem acesso a este conteúdo, provavelmente está logado, ou esteve, em um desses
ambientes. Os AVA são sistemas ou softwares que integram conteúdos, exercícios, ferramentas e
tantos outros elementos necessários a cursos on-line para certa comunidade. Tanto alunos
quanto professores têm níveis de acesso a esses ambientes e utilizam de seus recursos para
aprender.

Um AVA é, em essência, multimodal e exige multiletramentos para seu uso. Isso porque, como
nos trazem Pimenta, Lopes e Anderson (2021), esse é um espaço fecundo de significação, em
que seres humanos e elementos tecnológicos interagem na construção de conhecimento e
aprendizagem. Essa mediação não se dá no tempo síncrono de uma sala de aula, institui-se em
outro tempo e espaço. A elaboração do caminho da aprendizagem e do material pode ter sido
realizado muito tempo antes de o aluno ter acesso, sendo o passo inicial muitas vezes para um
processo longo e criativo. Como nos trazem esses autores, um “AVA é fundamental para a
aplicabilidade da EaD e esta plataforma precisa ser pensada a partir do aluno e nas viabilidades de
interação e interatividade que podem ser desenvolvidas dentro deste espaço a fim de
oportunizar a aprendizagem” (2021, p. 4). Esse macroambiente não elimina as aulas síncronas
ou presenciais, mas pode fazer uso delas para compor uma realidade educacional ampla, cheia
de significado e recursos. Além disso, abarca alunos com diversas formas de aprender,
buscando se conectar com cada um deles conforme suas necessidades.

Figura 1 – A imersão virtual parece coisa de cinema, mas


está mais perto da realidade cotidiana do que imaginamos
Fonte: Getty Images

Para além da interação, os AVA buscam estimular o protagonismo dos alunos, os quais podem
fazer uso dos recursos de forma autônoma e autogerida. Tanto o trabalho de fixação de
conteúdos quanto de avaliação abrem mão do controle extenuante e da desconfiança muitas
vezes presentes em sala de aula e se organizam em torno da aposta de que o aprendente é
protagonista de seu processo e tem interesse nele, sendo honesto consigo nesse movimento. Ao
professor, os AVA são um convite à criação e à ampliação de suas possibilidades de ensino,
moldando-se às características e estilo desses ao apresentar seu conteúdo.
Milligan (1999 apud PEREIRA, 2007, p. 6) nos traz que um AVA deve apresentar algumas
ferramentas como:

Controle de Acesso: geralmente feito através de senha;

Administração: refere-se ao acompanhamento dos passos do estudante dentro


do ambiente, registrando seu progresso por meio das atividades e das páginas
consultadas;

Controle de tempo: feito através de algum meio explícito de disponibilizar


materiais e atividades em determinados momentos do curso, por exemplo, o
recurso calendário;

Avaliação: usualmente formativa (como por exemplo, a autoavaliação);

Comunicação: promovida de forma síncrona e assíncrona;

Espaço privativo: disponibilizado para os participantes trocarem e


armazenarem arquivos;

Gerenciamento de uma base de recursos: como forma de administrar recursos


menos formais que os materiais didáticos, tais como FAQ (Perguntas
Frequentes) e sistema de busca;

Apoio: como por exemplo, a ajuda on-line sobre o ambiente;

Manutenção: relativo à criação e atualização de matérias de aprendizagem.

Hoje, contudo, a esses elementos básicos se somam tantos outros que tornam os AVA ainda
mais complexos, embora ainda se deparem com desafios próprios à contemporaneidade,
tentando responder a esses tanto no oferecimento de recursos quanto na criação de
possibilidades de integração com escolas e universidades.
“Assim, os novos desafios pedagógicos da educação atual, de acordo com Dias

(2012, 2020), evidenciam uma série de características que ajudam a entender a


coinvestigação e a coaprendizagem. Designadamente:

A aprendizagem pode ocorrer de forma livre e informal, já que existem


diversas possibilidades e percursos para a formação;

A possibilidade de ter um pensamento cada vez mais organizado em rede,


moldando assim a forma de estar e aprender;

A presença nas redes com a intenção de interação e partilha, proporciona o


sentido de expansão do indivíduo, para o coletivo através da confiança no
grupo.

- BARROS et al., 2021, p. 97

A seguir, apresentamos os AVA mais conhecidos e usados atualmente.

Blackboard
Como nos trazem Pimental et al. (2021), o Blackboard é um software (LMS) proprietário,
desenvolvido e comercializado pela empresa de mesmo nome. É um dos mais conhecidos e
usados do mundo, inclusive no Brasil. Ele é totalmente configurável e hoje se conecta aos mais
diversos aplicativos e recursos comuns ao mundo virtual. Segundo estudo feito pela Equipe Elos,
a plataforma Blackboard conta hoje com alguns produtos centrais, em que se destacam três:
Learn, Open LMS e Ally.
“Learn

Ambiente virtual que compõe ferramentas digitais e a possibilidade de aprender de


forma colaborativa. Suas principais funcionalidades são: uma navegação fácil e
intuitiva, possibilidade para criação de conteúdo, ferramentas de mensagem,
integração com outros sistemas, geração de relatórios.

Open LMS
Baseado na plataforma Moodle, dispõem de recursos semelhantes, como a
disponibilização de conteúdos e aprendizado personalizado, sendo um dos
recursos o PLD (Personalized Learning Designer) que tem por função criar regras e
ações específicas de acordo com o engajamento e desempenho dos alunos. E, da
mesma forma que o Learn, acesso a qualquer hora e lugar e geração de relatórios.
Outro diferencial é a opção para acesso mobile através de aplicativo já disponível
nas plataformas IOS e Android.

Ally
Essa ferramenta se propõe a realizar formatação automática de documentos como:
PDF, HTML, áudio, ePub, Braille e outros. Além disso, conta com recursos para
feedback ao instrutor e relatórios de acessibilidade. É integrável com Blackboard
Learn e Blackboard Open. Seu diferencial está concentrado em seus algoritmos de
machine learning.”

- EQUIPE ELOS, 2021, n.p.


Site
Blackboard
Conheça o Blackboard, a seguir:

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

e-Proinfo
Também segundo Pimental et al. (2021), o e-Proinfo é um programa instituído pelo Governo
Federal, de licença General Public License (GPL/GPU). Disponibilizado às instituições de ensino
por meio de convênios, permite o acesso e a utilização apenas àqueles que estão vinculados com
as instituições parceiras. De acordo com o Ministério da Educação, em seu site, o e-Proinfo:

“[...] é um ambiente virtual colaborativo de aprendizagem que permite a

concepção, administração e desenvolvimento de diversos tipos de ações, como


cursos a distância, complemento a cursos presenciais, projetos de pesquisa,
projetos colaborativos e diversas outras formas de apoio a distância e ao processo
ensino-aprendizagem.”

- s/d, on-line
Site
e-Proinfo
Conheça o e-Proinfo, a seguir:

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

Moodle
Este é um dos mais utilizados no EaD, por trazer vasto conteúdo gratuito e aberto em sua
comunidade à criação de ambientes para cursos e estudos. Assim como traz em seu site, o
Moodle é “uma plataforma de aprendizagem projetada para fornecer a educadores,
administradores e alunos um único sistema robusto, seguro e integrado para criar ambientes de
aprendizagem personalizados”. Com comunidade ativa, a qual se organiza por fóruns e mantém
a plataforma com doações, o Moodle está em diversas instituições importantes do mundo,
servindo como estrutura tanto para cursos simples quanto para sistemas complexos de EaD.
Site
Moodle
Conheça o Moodle, a seguir:

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ACESSE

Canva
Com a ideia de propor uma navegação simplificada, focada no usuário, dialogando com a
metodologia ágil, Canva foi criado por um estudante de Utah e permite a integração com outros
sistemas como Khan Academy, YouTube, Dropbox, ferramentas de gamificação e assim por
diante. Segundo a pesquisa desenvolvida pela Equipe Elos (2021), esse AVA possui duas
modalidades para uso: 100% on-line, com todo serviço na nuvem e mantido pela empresa
Instructure, o que exige pagamento para utilização do serviço e suporte; e através da instalação
do sistema em um servidor próprio, o que garante uso gratuito por parte da instituição. Com
muitos recursos, assim como o Moodle, a ideia do Canva é simplificar rotinas complexas como
edição de vídeo, criação de material visual etc. O objetivo é que usuários tenham acesso facilitado
para composição de seu conteúdo e para o acesso da parte dos alunos.
Site
Canva
Conheça o Canva, a seguir:

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

Gamificação na Sala de Aula


Até pouco tempo atrás, videogames pareciam ser os grandes inimigos da escola, do esporte e do
desenvolvimento cognitivo como um todo. Aliás, jogos era separados entre educativos e não
educativos, e somente os primeiros tinham algum lugar no espaço escolar pontualmente.
Contudo, cada vez mais percebemos que os jogos fazem parte da rotina das pessoas, seja no
celular, para se distrair, seja em treinamentos de empresas, para diversas funções. Cada vez
mais, gamificar a vida, ou seja, adicionar a rotinas cotidianas a lógica dos jogos, é algo comum e
rotineiro. Jogos trazem engajamento, sensação de pertencimento à coletividade e de propósito.
Com isso, não seria surpresa que a gamificação também ocorra no espaço escolar e nos
ambientes virtuais de aprendizagem.

Assim, como nos trazem Freitas e Pimentel (2019), hoje, gamificar é um fenômeno
interdisciplinar e complexo. A gamificação já abarca áreas que vão desde a administração e o
desenvolvimento de recursos humanos à educação e à arte. Da mesma forma que são ricas e
diversas as concepções de jogos, o mesmo ocorre com a motivação e o envolvimento das
pessoas com as estratégias possibilitadas por esse processo.

Freitas e Pimentel (2019) destacam a fala de Busarello (2018, p. 116) sobre gamificação,
salientando que esses a retratam “como ‘[...] parte do princípio de se pensar e agir como em
jogo, mas em contexto fora do jogo’. Isso significa que as potencialidades dos games estendem-
se a outras situações e contextos de ambientes não digitais”. Não digitais, é importante destacar
essa afirmação, pois, assim como os multiletramentos, há um equívoco ao acreditar que a
gamificação só está atrelada a recursos digitais, enquanto o processo, na verdade, abarca
diretrizes e estratégias que estruturam a interação em si, com foco, como dito, em engajamento
e motivação dos indivíduos.

O engajamento e a motivação se dão de modo heterogêneo, pois cada sujeito tem causas
específicas para se engajar ou motivar. Assim, Freitas e Pimentel (2019) destacam que a
gamificação tem esse potencial pois atinge diversas áreas das relações humanas: cognitivas,
emocionais e sociais. Servindo, assim, para abarcar a maioria dos sujeitos envolvidos no
processo naquilo que têm de interesse. Claro, essa articulação exige do professor um
conhecimento sobre o que estrutura um ambiente gamificado e suas propostas , sabendo que
isso envolve elementos-base, necessários ao desenvolvimento de tais objetivos.

Vídeo
Educação, Inovação, Criatividade, Ciência e Tecnologia em Sala de Aula
No vídeo a seguir, um papo sobre educação, inovação, criatividade,
ciência e tecnologia em sala de aula com o Prof. Dr. Herbert Lima,
professor da Universidade Federal do Ceará e secretário de Educação de
Sobral-CE, e com o professor da Universidade de Columbia, em Nova
York, Prof. Dr. Paulo Blikstein, especialista no assunto das tecnologias
digitais em sala de aula.

Educação, inovação, criatividade, ciência e tecnologia em sala de …


Há uma tríade de elementos a se destacar quando falamos de games: dinâmica, mecânica e
componentes. Fardo (2013) discorre a respeito deles:

Dinâmicas: podem ser consideradas como os meios para desenvolver a


gamificação, colocando os participantes da atividade gamificada em ação – como
emoções (curiosidade, raiva, medo), narrativas (a história move), progressão (o
jogador avança e se desenvolve), relacionamentos (conquista, altruísmo);

Mecânicas: elementos-chave que envolvem e engajam os participantes da atividade.


Entre elas, temos mecânicas baseadas em sorte, competição, cooperatividade,
turnos, recompensas, transações;

Componentes: fazem a conexão com os jogos, digitais ou não. Esses componentes


são responsáveis pela identificação da gamificação por parte do jogador, como
sendo um game, apesar de não se tratar de um. Podemos ter aqui a formação de
times, o uso de avatares, insígnias, assim como o uso de tabelas de pontuação e
outros recursos visuais e organizadores que materializam o jogo.

Assim, nas palavras de Fardo, ao se planejar e construir atividades gamificadas, é importante


lembrar que “cada mecânica é ligada a uma ou mais dinâmicas e cada componente é ligado a
uma ou mais mecânicas” (FARDO, 2013, p. 59). Para Freitas e Pimentel (2019, p. 248), ao
implementar a gamificação, faz-se necessário compreender os elementos dos jogos, ou seja,
“extrair dos jogos as dinâmicas, mecânicas e seus componentes e os agregar nos distintos
espaços de aprendizagem: formal, não formal e informal é desenvolver uma estratégia didática
como método e objetivos de aprendizagem bem definidos”; isso voltado para o sistema como
um todo.

Em resumo, segundo Bussarello (2016), cinco variáveis definem o conceito de gamificação,


conforme a Figura 2.

Figura 2 – Cinco variáveis definem o conceito de


gamificação
Fonte: Adaptada de BUSSARELLO, 2016
Como o jogo em si se relaciona com narrativas e outras tantas dinâmicas e formas de comunicar
e simbolizar, os multiletramentos têm na gamificação uma aliada poderosa, pois o estímulo
criado ao jogo como um todo se pauta em diversos elementos a serem decodificados o tempo
todo por diversas interações multimodais. Além disso, essa decodificação tem papel social, o que
atribui ainda mais valor ao processo do jogo em si, pois esse institui um espaço de relação
importante para a sala de aula.

Redes Sociais como Ferramentas Pedagógicas


Citamos mais de uma vez as redes sociais neste conteúdo. Quando tratamos do mundo digital, é
fácil afirmar que elas são o tipo de acesso mais comum e conhecido por todos. Há quem acredite,
aliás, que as redes são a própria internet, como se não houvesse conteúdo para além delas. As
redes sociais servem como local de relação afetiva, de formação de opinião, política e para o
entretenimento. Por conta disso, costumam ser os primeiros recursos de professores quando da
inserção de meios digitais em sala.

Se fizermos uma pesquisa simples em plataformas indexadas de artigos acadêmicos,


encontraremos vários trabalhos para todas as disciplinas usando redes famosas e mecanismos
de mensagens como Facebook, Instagram, WhatsApp, entre outros. Pensando no conceito de
hipermídias, aliás, e conteúdo multimodal, elas são fonte importante de material e, assim,
elemento agregador aos multiletramentos.

No que tange às práticas leitoras hipermidiáticas, trazemos as contribuições de Ribeiro e Aragão


(2017, p. 54):

“Conforme Gaydeczka e Karwoski (2015, p. 153), as mudanças geradas podem ser

sintetizadas em, no mínimo, três características: a) a intensa circulação da


informação provocou mudanças significativas nas maneiras de ler, de produzir e

de fazer circular os textos na sociedade, contribuindo para a consolidação dos


suportes digitais; b) a diminuição das distâncias sociais por meio das tecnologias
digitais criou um efeito de aproximação das distâncias físicas; c) a multissemiose
que as possibilidades multimidiáticas trazem para o texto eletrônico coloca o signo
verbal (palavra) num continuum de signos de outras modalidades de linguagem
(imagens bidimensionais, tridimensionais fixas ou em movimento, signo verbal
escrito ou oral com tipografias diversas, músicas, sons etc.”

Embora a ideia desse continuum não seja abarcada por todos os teóricos, percebemos
constantemente essa interrelação de conteúdos, os quais se complementam de forma ativa nas
relações diárias, influenciando e sendo influenciadas por elas. Falar em mundo analógico e
digital chega a ser um anacronismo, e as redes sociais um organismo natural de relação
ampliada, tão natural aos contratos sociais quanto pode ser uma conversa na calçada – ou até
mais. De tal modo, as redes sociais são um ponto de partida importante, e quase inevitável, à
descentralização dos gêneros textuais em direção à diversificação do que é produzido em
diversos meios sociais. Adicionando, claro, na intermediação propiciada pelo espaço educativo,
os elementos críticos e reflexivos, muitas vezes ausentes dessa relação tão “natural” que os
alunos têm com as redes.

Leitura
Sites de Redes Sociais, Multiletramentos e o Ensino de Língua
Portuguesa
Leia o excelente artigo a seguir, de Ribeiro e Aragão sobre redes sociais
e multiletramentos.
Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE
TEMA 2 de 3

ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Livros  

Ludicidade, Jogos Digitais e Gamificação na Aprendizagem:


Estratégias para Transformar as Escolas no Brasil
MEIRA, L.; BLIKSTEIN, P. (org.). Ludicidade, Jogos Digitais e Gamificação na Aprendizagem.
Porto Alegre: Penso, 2020. (Série Tecnologia e Inovação na Educação Brasileira, 3).

Gamificação em Debate
SANTAELLA, L.; NESTERIUK, S.; FAVA, F. Gamificação em Debate. São Paulo: Blucher, 2018. 212
p.

  Vídeo  
O Dilema das Redes | #CineCiência – Ao Vivo!
O Dilema das Redes é um documentário presente na Netflix que apresenta a importância de
nossa leitura crítica a respeito do poder das redes nas relações humanas contemporâneas. Se
não tiver acesso ao serviço de streaming, acesse este papo a seguir, realizado pelo Museu da
Imagem e do Som sobre o documentário:

O dilema das redes | #CineCiência – Ao vivo!

  Leitura  

Redes Sociais na Educação: Entenda como Utilizar de


Maneira Assertiva
Assertividade para usar as redes? Acesse o artigo a seguir, que trata exatamente sobre isso.

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE
TEMA 3 de 3

ʪ Referências

ALMEIDA, C. P. O Perfil do Professor de Língua Portuguesa para o Ensino da Língua Materna. In:
PAIVA, F. J. O.; LIMA, A. M. P. (org.). Pesquisas em Análise do Discurso, Multimodalidade &
Ensino: Debates Teóricos e Metodológicos. São Carlos: Pedro & João Editores, 2020. v. 2.
Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Francisco-De-Oliveira-
Paiva/publication/344693219_Pesquisas_em_analise_do_discurso_multimodalidade_ensin
o_debates_teoricos_e_metodologicos/links/5f89cb33299bf1b53e2c2424/Pesquisas-em-
analise-do-discurso-multimodalidade-ensino-debates-teoricos-e-
metodologicos.pdf#page=44>. Acesso em: 19/01/2022.

BAKHTIN, M. M. Marxismo e Filosofia da Linguagem: Problemas Fundamentais do Método


Sociológico na Ciência da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988.

BALADELI, A. P. D. Hipertexto e Multiletramento: Revisitando Conceitos. E-scrita, Nilópolis, v. 2,


n. 4, 2011. Disponível em:
<https://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RE/article/view/52/pdf_44>. Acesso em:
19/01/2022.

BARROS, D. A. M. Gamificação de uma Disciplina na Área de Comunicação Social: Dos Conceitos


à Concepção. In: Encontro Internacional Virtual Educa Bahia, 19., 2018, Salvador, BA. Anais [...].
Salvador, BA: Virtual Educa, 2018. Disponível em:
<https://encuentros.virtualeduca.red/storage/ponencias/bahia2018/2TehXdOK4bzQJhMhTuKS
a7k8tKGvv8HgogKaUfeS.pdf>. Acesso em: 19/01/2022.

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CHARTIER, R. À Beira da Falésia: A História entre Incertezas e Inquietude. Trad. Patrícia Chittoni
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COSCARELLI, C. V.; RIBEIRO, A. E. (org.). Letramento Digital: Aspectos Sociais e Possibilidades


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EVERETT, D. Linguagem: A História da Maior Invenção da Humanidade. São Paulo: Editora


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<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553131334/>. Acesso em: 26/12/2021.

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KENSKI, V. M. Educação e Tecnologias: O Novo Ritmo da Informação. Campinas, SP: Papirus,


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LÉVY, P. As Tecnologias da Inteligência: O Futuro do Pensamento na Era da Informática. Rio de


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MEIRA, L.; BLIKSTEIN, P. (org.). Ludicidade, Jogos Digitais e Gamificação na Aprendizagem.


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PAIVA, F. J. O.; LIMA, A. M. P. (org.). Pesquisas em Análise do Discurso, Multimodalidade e


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Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Francisco-De-Oliveira-
Paiva/publication/344693219_Pesquisas_em_analise_do_discurso_multimodalidade_ensin
o_debates_teoricos_e_metodologicos/links/5f89cb33299bf1b53e2c2424/Pesquisas-em-
analise-do-discurso-multimodalidade-ensino-debates-teoricos-e-
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PINHEIRO, P. A. Sobre o Manifesto "A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures" –


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ROCHA, D. G. R.; OTA, M. A.; HOFFMAN, G. (org.). Aprendizagem Digital: Curadoria,


Metodologias e Ferramentas para o Novo Contexto Educacional. Porto Alegre: Penso, 2021. (e-
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SANTAELLA, L. Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

SANTOS, E. (org.). Mídias e Tecnologias na Educação Presencial e a Distância. Rio de Janeiro:


LTC, 2016. (Série Educação). (e-book)

SCHMITT, B.; RIBAS, G. S.; FREITAS, E. C. O Letramento Multimodal na Escola: Estabelecendo


uma Relação entre o Eu e a Sociedade. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 7, n. 1, p. 96-112,
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SILVA, C. S. G.; HESSEL, A. M. D. G. A Docência como Curadoria: Experiências Pedagógicas no Uso


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TANZI NETO, A.; PRADO, C. V. Movimentos Ready-made, Pop Art e de Remidiação no Ensino de
Línguas. The Especialist: Descrição, Ensino e Aprendizagem, São Paulo, v. 38, n. 1, 2017.
Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/esp/article/view/32225>. Acesso em: 05/03/2021.

Site Visitado
INAF BRASIL. Indicador de alfabetismo Funcional. Disponível em:
<alfabetismofuncional.org.br>. Acesso em: 19/01/2022.

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