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UNIVESP – PEDAGOGIA (TURMA 2/2018)

PRODUÇÃO DE TEXTO E COMUNICAÇÃO – REVISÃO OFICIAL DO BIMESTRE


INTRODUÇÃO
Muitas pessoas se perguntam por que, na formação profissional, vale a pena estudar a Língua Portuguesa
e os mecanismos que balizam a produção textual. Longe de ensinar só regras, princípios de escrita e
estratégias específicas para ler, escrever e interpretar, o que esteve em pauta no desenvolvimento dessa
disciplina foi a meta de promover a compreensão da língua e de suas formas de manifestação, assim como
os conceitos e as polêmicas relacionados à linguagem. Partimos do princípio de que a língua integra a
nossa constituição:

Em síntese, a linguagem e a língua viabilizam, indiscutivelmente, possibilidades de ser, estar e interagir


no mundo. A esse respeito, vale lembrar que a formação universitária, além da dimensão técnica e
profissionalizante, também diz respeito à formação humana. Em outras palavras, não vale a pena ser “só
um professor” ou “um professor de uma disciplina” (entendendo “professor” na acepção mais restrita do
termo, isto é, um mero transmissor de conteúdos), é preciso ser um Professor (com “letra maiúscula”)
comprometido com a realidade social, com a formação dos alunos; uma pessoa com visão o
suficientemente ampla para criar e contribuir com a (re)construção de nosso mundo.
A seguir, veremos os seguintes núcleos de abordagem:
1. Conceitos gerais;
2. Tipos e funções da gramática;
3. Problematização sobre a existência da Língua Brasileira;
4. Problematização sobre o acordo ortográfico da Língua Portuguesa;
5. Regras e princípios da textualidade;
6. Conceitos de gêneros e tipos textuais.
Vamos lá?

1. CONCEITOS GERAIS
1.1 Conceito de cultura
1.
Existem duas possibilidades de definir a cultura. Em primeiro lugar, podemos afirmar que a cultura
em um sentido amplo é tudo aquilo que foi criado pelo homem (o que não é inato) e que pode ser
transmitido às novas gerações.
Em segundo lugar, a cultura em um sentido restrito é o conjunto de atividades voltadas ao espírito
e lazer, ao enriquecimento intelectual do ser humano. São atividades movidas pela busca de prazer,
como nos casos da música, da dança e da arte.
Em qualquer uma das concepções, a língua é um elemento essencial do acesso às práticas culturais
e da participação nas construções do ser humano. Por qualquer via de interpretação, Língua e Cultura
são aspectos indissociáveis.

1.2 Concepções de linguagem, língua, escrita e leitura


O surgimento das linguagens representou uma considerável emancipação do ser humano porque,
além de permitir a comunicação entre as pessoas (e, por essa via, a organização do trabalho, dos
saberes e da educação), está ligada ao pensamento simbólico, isto é, à possibilidade de
representação. No caso da língua verbal, isso nos permite, por exemplo, compreender conceitos, lidar
mentalmente com objetos que não estão presentes ou com ideias abstratas (como as noções de
presente, passado e futuro), conceber a “ideia de zero” (representação da falta ou ausência), além de
considerar situações hipotéticas ou imaginárias.
A linguagem é, portanto, um conjunto relativamente estruturado e sistemático de recursos
expressivos, que foram coletivamente construídos através dos tempos, a partir de normas mais ou
menos estáveis. Trata-se de um sistema vivo e dinâmico porque se perpetua e se renova pelas
constantes manifestações dos homens, admitindo diferentes formas de expressão:
• Linguagem pictográfica ou icônica: desenhos e imagens;
• Linguagem kinéstica ou corporal: gestos e movimentos corporais, como expressões faciais,
mímicas e dança;
• Linguagem sonora: sequência de sons ou notas musicais;
• Língua verbal: escrita e oralidade.
No contexto da nossa vida, essas formas de linguagem costumam se associar sob a forma de
diferentes produções culturais e comunicativas (o cinema, o teatro etc.). Por isso, costuma-se dizer
que o usuário da linguagem será tão mais eficiente quanto mais ele puder transitar entre as diferentes
esferas linguísticas.
A língua verbal pode assumir diferentes funções:
• Função informativa: quando, em uma manifestação linguística, há a intenção de transmitir uma
informação, por exemplo, “Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil”.
• Função emotiva: quando, em uma manifestação linguística, há a intenção de expressar emoções
ou sentimentos, por exemplo, “Eu te amo”.
• Função conativa: quando, em uma manifestação linguística, há a intenção de convencer o outro
(como nas propagandas políticas e comerciais), por exemplo, “Para senador, vote no candidato João
da Silva”.
• Função metalinguística: quando, em uma manifestação linguística, usamos o próprio código
para explicar o sistema linguístico, por exemplo: “Frase é qualquer enunciado linguístico com o
sentido acabado”.
• Função lúdica: quando, em uma manifestação linguística, há a intenção de divertir, como é o
caso de piadas e trava-línguas, como exemplo, “Um tigre, dois tigres, três tigres”.
Embora as diferentes funções não sejam excludentes, o reconhecimento da função que prevalece ou
deve prevalecer em um texto favorece o processo interpretativo (no caso da leitura) ou o planejamento
da escrita (no caso da produção textual). Reconhecer a função da linguagem é o caminho para que
se possa compreender o propósito do texto.
Na medida em que aprendem a língua – suas formas e funções -, os homens são também
transformados por ela. Isso porque a oralidade e a escrita, como práticas sociais de interação e
comunicação, favorecem a constituição da consciência e posicionam o sujeito na sociedade,
funcionando como recursos mentais para a organização de tarefas, a classificação de dados, o
planejamento de projetos, a aprendizagem etc.
Da mesma forma, o advento da escrita nas civilizações teve um forte impacto na organização social,
nas formas de trabalho, de organização dos pensamentos, de produção científica, de educação e de
relacionamento humano. Por isso, muitas pessoas acreditam (erroneamente) que é preciso ter escrita
para ter cultura. O que desmente esse mito é a existência de grandes civilizações ágrafas que, ao
longo da história, chegaram a uma considerável construção social, política, científica e religiosa. Esse
mesmo argumento tem o seu correspondente no caso de homens ou mulheres em particular, pois
ainda que se possa dizer que as pessoas alfabetizadas têm inúmeras possibilidades de organização
mental, memória e recursos para a aprendizagem, seria um preconceito achar que o sujeito analfabeto
é incapaz de pensar, de aprender e de ter pensamentos abstratos.
A língua verbal é caracterizada como um sistema paradoxal porque tem duas dimensões convivendo
simultaneamente: um lado fechado (os significados compartilhados das palavras de uma língua, a
ortografia, a gramática e a estrutura sintática da língua), que não pode ser contrariado sob pena de
dificultar ou impedir a comunicação, e o lado aberto (a possibilidade dos falantes ou escritores de tudo
dizer, isto é, de poderem criar, usando metáforas ou trazendo diferentes sentidos ao dizer).
A compreensão da natureza viva e dinâmica da língua, construída como um sistema simultaneamente
aberto e fechado caracteriza a concepção dialógica de língua postulada pelo linguista russo Bakhtin
(1895 - 1975). Nessa concepção, as produções orais ou escritas são explicadas pela relação interativa
entre as pessoas (ainda que distantes entre si) e pelos propósitos comunicativos, construindo-se em
situações específicas e contextualizadas. Vivendo em sociedade, as pessoas participam dos discursos
circulantes no meio e respondem a eles a cada produção linguística.
Em oposição a essa postura, as concepções monológicas de língua, provenientes de outras
correntes da linguística, acreditam que a língua tem uma autonomia independente dos contextos e
dos interlocutores: como se a língua estivesse representada por um conjunto fechado de regras e
normas; como se a escrita e a leitura fossem apenas técnicas de codificação e decodificação das
letras e palavras (a língua como uma entidade em si, postura conhecida como objetivismo abstrato);
como se a língua existisse concreta e legitimamente apenas na competência dos bons falantes e
escritores (a língua fixada na figura de uma ou mais pessoas-modelo, postura conhecida como
subjetivismo idealista). Em ambas situações, os significados da língua ou os modos de expressão são
entendidos como estáveis, não podendo mudar conforme o tempo, as pessoas, as regiões e os
dialetos.
Sabendo que as concepções monológicas fortaleceram a ideia de um ideal de língua - a norma culta
-, dando origem às práticas de discriminação linguística e, ao mesmo tempo, justificando o ensino
centrado na gramática normativa, a concepção de Bakhtin contribuiu para o respeito às diversas
formas de manifestação e para uma renovação no ensino da língua na escola. Mais do que estudar
as normas da ortografia, gramática e sintaxe (como, de fato, insistiam muitos de nossos professores),
o ensino que hoje se apregoa é o de reflexão sobre a língua e sobre as suas formas de manifestação
para que o aluno possa se ajustar aos diferentes contextos. Em outras palavras, ao invés de
discriminar o aluno pela sua língua supostamente “errada”, “carente” ou “caipira”, o professor deve
mostrar a ele diferentes possibilidades de fala e de escrita.
Superando a mera codificação das letras e aplicação de regras, podemos dizer que a escrita se
constrói com base no conhecimento de mundo (como afirmava Paulo Freire), no entendimento sobre
o tema, na capacidade de relacionar informações e de organizar as ideias conforme os propósitos e
interlocutores previstos. Nas palavras de Geraldi (professor da Unicamp), a escrita depende de um “o
que dizer”, “para quem dizer”, “por que dizer” e “como dizer” (GERALDI. Portos de passagem. São
Paulo: Martins Fontes, 1993).
Da mesma forma, a leitura, para além da mera decodificação, depende de um processo ativo de
construção e reconstrução de sentidos. Para isso, várias estratégias fazem parte das competências
de leitura: reconhecer a língua e os gêneros, antecipar informações, buscar sentidos, relacionar as
informações internas do texto, relacionar as informações do texto com outros textos circulantes na
sociedade, relacionar o texto com saberes prévios e procurar informações específicas em um livro ou
em um texto.
A consideração a respeito da complexidade da leitura nos permite compreender os conceitos
de estrutura superficial (ou aparente) e profunda dos textos. A primeira diz respeito a todos os
sinais, letras, palavras que foram objetivamente impressos no texto. É aquilo que se pode ver. A
segunda – estrutura profunda – incorpora as operações que o leitor faz a partir do que vê para a
construção dos significados.
Com base nessas concepções sobre a escrita e a leitura, é possível afirmar que a produção da língua,
longe de ser um processo mecânico de codificação e decodificação, depende de processos ativos de
construção e interpretação de ideias.

1.3 Concepções de alfabetização e letramento, analfabetismo e analfabetismo funcional


Os conceitos de alfabetização, letramento, analfabetismo e analfabetismo funcional, muito usados no
nosso cotidiano, merecem ser melhor compreendidos para que se possa avaliar as relações entre
eles, além das implicações pedagógicas e políticas, permitindo-nos uma compreensão mais profunda
da realidade da nossa população. Passemos, então, aos conceitos e a algumas considerações sobre
eles.
1. Alfabetização: é o processo de ensino e aprendizagem da língua escrita, visando a compreensão da
natureza fonética do sistema e das regras ortográficas. A alfabetização diz respeito à aquisição do
sistema de escrita.
2. Analfabetismo: é a condição do sujeito que não sabe ler e escrever porque não compreende o
funcionamento do sistema de escrita. Essa condição, mais frequente entre aqueles que não tiveram
acesso à escola, pode ocorrer também como decorrência da falta de qualidade do ensino.
3. Analfabetismo funcional: é o caso de muitas pessoas que, com pouca escolaridade, aprenderam a
ler e escrever, mas não são capazes de fazer uso funcional desse conhecimento (não sabem, por
exemplo, executar uma receita culinária, conferir um contrato, fazer um relatório).
O analfabetismo funcional não é um problema só da escola porque ele reflete a realidade de
desigualdades em nosso país: injustiças sociais, difícil acesso da população à cultura,
heterogeneidades regionais, diferenças econômicas, precárias condições de vida etc. São pessoas
(muitas vezes discriminadas) que tendem a ficar à margem da sociedade. Dessa forma, o
analfabetismo funcional configura-se também como um problema social.
A UNESCO contabiliza o número de analfabetos funcionais pelo índice da população que não concluiu
a 1ª etapa da escolaridade. Porém, outros estudos, como o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF
- http://www.ipm.org.br/inaf (Links para um site externo)Links para um site externo) evidenciam que
muitas pessoas permanecem na condição de analfabetismo funcional, mesmo tendo garantido a
educação básica.
1. Letramento: é o estado ou condição de quem usa seus conhecimentos sobre a língua escrita para
participar e usufruir das manifestações letradas de seu mundo (ler jornal, escrever uma carta, fazer uma
lista de compras, compreender as instruções de um jogo, responder a um questionário etc.). Dessa forma,
o sujeito letrado, por meio do uso funcional da escrita, tem a possibilidade de se inserir na sociedade de
forma crítica e participativa.
O conceito de letramento, recentemente dicionarizado na Língua Portuguesa, é importante porque,
em primeiro lugar, os professores puderam compreender que tão importante quanto ensinar as letras
e o sistema alfabético, é criar oportunidades para que os alunos compreendam a língua em seus
contextos sociais, percebam suas diferentes funções e variações da produção escrita (gêneros
textuais), conforme os interlocutores e os propósitos da comunicação.
Em segundo lugar, porque, com base nesse conceito, os educadores puderam compreender melhor
os fatores relacionados aos problemas de aprendizagem e ao fracasso escolar.
Em terceiro lugar, a compreensão sobre o letramento cria uma condição de avaliar melhor o quadro
da sociedade leitora no país. Aquilo que, no passado, era compreendido pela divisão dicotômica entre
alfabetizados e analfabetos, agora pode ser compreendido como variações dos níveis de competência
(mais ou menos letrados). A respeito dos níveis de letramento, vale lembrar que, nas sociedades
letradas (diferentemente de sociedades ágrafas), não existe um “estágio zero” de letramento porque
as crianças, ao conviverem desde muito cedo com práticas de escrita, já entram na escola com algum
grau de letramento (por exemplo, compreendem, em algum grau, as funções da escrita: o livro de
história “serve para” se divertir, a carta que serve para trazer notícias de um parente distante).
Em quarto lugar, podemos avaliar a relação entre alfabetização e marginalidade social. Em uma
sociedade letrada como a nossa, as pessoas com baixo nível de letramento têm menores
possibilidades de trabalho, de participação e de integração no meio em que vivem, razão pela qual
tendem a ficar marginalizadas socialmente.
Finalmente, é possível dizer que o conceito de letramento (entendido como possibilidade de transferir
o conhecimento sobre o sistema para uma situação de prática social) acabou se ampliando para outras
esferas do conhecimento, permitindo a emergência de conceitos como “letramento digital”, “letramento
cartográfico”, “letramento matemático”, “letramento musical”, o que gerou o aparecimento de inúmeras
pesquisas e de políticas culturais.
Magda Soares (uma das principais pesquisadoras desse tema no Brasil), explica como alfabetização
e letramento podem coexistir (SOARES. Letramento – um tema em três gêneros. Belo Horizonte:
Autêntica, 1998):
• Alfabetizado letrado: é a condição de quem conhece o sistema e as regras ortográficas e
gramaticais e, ainda, coloca-se como um efetivo usuário da língua no contexto social.
• Alfabetizado pouco letrado: pessoa que sabe ler e escrever, mas não consegue compreender
bem as funções da língua e as práticas sociais de leitura e escrita, podendo se configurar como um
analfabeto funcional.
• Analfabeto pouco letrado: pessoa que, além de não saber ler e escrever, tem poucas
informações sobre os usos da língua escrita.
• Analfabeto letrado: pessoa que, mesmo não sabendo ler e escrever, tem uma boa ideia das
práticas e das funções da escrita.

2. Tipos e funções da gramática


Quando se fala em gramática, costumamos relacionar o termo com o conjunto de regras da língua,
como é o caso das gramáticas escolares, que, geralmente, buscam ensinar os padrões de correção
linguística conforme a norma culta. Essa concepção explica a gramática normativa. Existe uma
tensão entre o ensino dessa gramática (que pretende impor regras, definindo critérios de certo e errado
para a fala e a escrita) e a língua viva e dinâmica, que se apresenta com muito mais flexibilidade no
cotidiano das pessoas. Ao pretender ensinar (ou impor) a norma culta como a única forma correta de
manifestação, muitos professores acabaram discriminando os modos de manifestação de seus alunos,
julgando-os pela sua origem social e geográfica. Em oposição, quando os professores compreendem
a legitimidade dos falares, eles podem respeitar seus alunos e até ensinar a norma culta como uma
manifestação possível e desejável em certos contextos (mas não em detrimento de outras
possibilidades do falar). A luta contra a discriminação linguística (tão arraigada na nossa sociedade)
deveria ser um compromisso ético de todo professor, partindo da certeza de que não se pode ensinar
a língua pela imposição de “mecanismos de silenciamento” da população.
Como a gramática normativa não é o único tipo de gramática, vale a pena situar as outras
possibilidades de compreender o termo e suas respectivas funções:
• Gramática normativa: conjunto de normas e regras da língua com o objetivo de determinar o
certo e o errado, prescrevendo uma forma correta de escrever (de acordo com a língua culta).
• Gramática descritiva: descrição do modo como as pessoas (ou grupo de pessoas) falam sem a
pretensão de estabelecer um padrão de certo ou errado. Esse esforço descritivo subsidia estudos
sobre as diversas culturas e modos de funcionamento ou de produção cultural.
• Gramática internalizada: conjunto de normas e regras espontaneamente assimiladas pelas
pessoas que aprendem a falar, garantindo um certo padrão e regularidade no modo de expressão.
Uma criança de 4 anos, que nunca estudou gramática, mas é falante nativa do português, jamais
falaria “Eu chocolate quero”. Isso porque ela já assimilou a gramática que lhe permite evocar a
sequência convencional de palavras na Língua Portuguesa (“Eu quero chocolate”).

3. Problematização sobre a existência da Língua Brasileira


Considerando as diferenças entre as línguas faladas em Portugal e no Brasil (e, com frequência, o
difícil entendimento entre as pessoas desses países), questiona-se sobre a possibilidade de uma
língua propriamente brasileira. A esse respeito, é possível situar duas posições:
• Concepção cultural: entendendo que a língua de um povo incorpora valores, diferenças, histórias
e interferências específicas, assume que é possível falar em “Língua Brasileira”, que difere da Língua
Portuguesa;
• Concepção estrutural: pessoas para as quais não se justifica falar em “Língua Brasileira” porque
ambas têm a mesma estrutura linguística.
Para resolver esse impasse, o mais adequado seria falar em “Língua Portuguesa de expressão
brasileira”, admitindo que os modos de se falar no Brasil e em Portugal são estruturalmente os
mesmos, mas que, no Brasil, as manifestações linguísticas são afetadas por valores e interferências
próprias da história brasileira.

4. Problematização sobre o acordo ortográfico da Língua Portuguesa


Sobre o acordo ortográfico feito pela comunidade lusófona (países de Língua Portuguesa) no final
do século XX, é possível afirmar que a iniciativa foi uma tentativa de se criar regras comuns a todos
os usuários da Língua Portuguesa. No entanto, a medida, mesmo depois de aprovada, gerou (e vem
gerando) muitas polêmicas, tendo em vista as dificuldades econômicas dos países para mudar todos
os textos oficiais, a resistência de autores consagrados, as falhas nos sistemas educacionais
relacionados ao ensino de língua materna, o despreparo de muitos professores e a confusão dos
falantes na assimilação de novos hábitos linguísticos e de novas regras.
Independentemente das polêmicas, vale dizer que, como o acordo ortográfico rege oficialmente o
modo de escrever, nós – usuários da língua escrita - devemos conhecer as regras (disponibilizadas
em textos, artigos ou vídeos) para fins de trabalhos acadêmicos, textos oficiais, escritas profissionais,
publicações, correspondências e até mesmo de escritas informais. Em caso de dúvida, a
recomendação é consultar em dicionários atualizados. A esse respeito, é preciso reconhecer que não
existe um “dono da língua” (alguém que saiba tudo sobre a Língua Portuguesa e que nunca tenha
dúvidas no momento de produzir um texto). Os estudiosos mais experientes têm que, vez por outra,
fazer consultas, até porque a língua é um sistema vivo, que está sempre em processo de
transformação.
Em síntese, todos nós somos “eternos aprendizes da língua”, uma condição que nos remete à
valorização desse patrimônio histórico, ao mesmo tempo que invalida posturas de descaso com
relação à produção textual.

5. Conceitos relativos à textualidade


Como os textos não são apenas um agrupamento aleatório de frases ou ideias, o entendimento dos
princípios de construção da língua escrita (metarregras da coerência e princípios da textualidade) é
importante para que os autores possam planejar e organizar a sua produção textual, e para que os
leitores possam ter critérios de avaliação do que foi escrito. Como aspectos fundamentais para a
eficiência da comunicação, tais princípios estão relacionados entre si, o que se pode perceber
conforme os conceitos abaixo relacionados:
1. Metarregras da coerência textual:

o Repetição: para evitar a repetição de palavras em um texto, podemos lançar mão de elementos de
recorrência ou retomada da referência. Isso pode ocorrer com recursos de pronominalização (substituir
palavras por pronomes), com recursos de troca de palavras, uso de sinônimos etc.
o Progressão: na construção de um texto, temos que ter o cuidado de garantir um “fio condutor” para a
apresentação das ideias. Por isso, a progressão textual diz respeito à contribuição semântica (um passo
à frente na adição de ideias ou sentidos) que permite avançar no desenvolvimento da temática. Isso pode
ser conseguido com expressões como: “Em primeiro lugar... em segundo lugar”, “Além disso...”, “No dia
seguinte...”, “Não só X como Y”, “Mais do que isso, temos...”.
o Não contradição: na estrutura de um texto, não se pode colocar elementos semânticos (palavras ou
ideias) que contradigam o conteúdo já posto ou que está pressuposto.
o Relação: é a capacidade de representar o mundo exterior (as coisas, as instituições etc.) no texto
como, por exemplo, “O papel da escola é...”, “O sistema político brasileiro...” (entendendo-se “escola” e
“sistema político brasileiro” como conceitos ligados a uma realidade conhecida, que abarca uma ideia).
2. Princípios da textualidade:
• Coesão: princípio linguístico (que está no próprio texto) garantido quando os elementos da superfície
de um texto (aquilo que é visível, como as palavras e frases) aparecem conectados em uma sequência
linear regida pela gramática.
• Coerência: princípio linguístico garantido quando a sucessão de informações de um texto aparece
com uma intenção bem demarcada e com unidade de sentido. Para isso, os componentes textuais
(conceitos, relações subjacentes) devem estar em consonância, convergindo o entendimento. Embora a
coerência de um texto seja fundamental para o seu entendimento, ela pode, eventualmente, ser subvertida
por alguns autores com os propósitos de chocar ou surpreender os leitores ou de empreender um tom
lúdico ao texto.
• Intertextualidade: princípio linguístico dado pela interconexão entre os textos em uma mesma cultura.
Como não existe um texto isolado no universo linguístico, as diferentes produções textuais sobre um
mesmo tema aparecem relacionadas e “dialogam” entre si, mesmo que não estejam falando exatamente
a mesma coisa.
• Aceitabilidade: princípio extralinguístico (que não se encontra objetivamente no texto) que, pela
possibilidade de ser entendido, diz respeito ao leitor (possibilidade de entendimento e aceitação).
• Intencionalidade: princípio extralinguístico relacionado ao propósito do autor, isto é, à razão ou
intenção de dizer alguma coisa.
• Situacionalidade: princípio extralinguístico dado pela relação do texto com o contexto social, cultural
ou histórico.
• Informatividade: princípio extralinguístico que diz respeito ao grau de informação, ou seja, à
possibilidade de trazer dados novos, podendo até surpreender o leitor.

6. Gêneros e tipos textuais


Como mecanismos essenciais à Leitura e Produção Textual, é preciso compreender e discriminar
gêneros e tipos textuais para que se possa interpretar leituras, planejar escritas e ajustar qualquer
produção linguística aos seus propósitos sociais e interlocutores.
1. Gêneros textuais: definidos por critérios externos ao texto, já que estão necessariamente vinculados
a situações sociocomunicativas ou discursivas. Como são produzidos em situações contextualizadas e
com propósitos definidos, têm uma estrutura relativamente estável como cartas, histórias em quadrinho,
palestras, reportagens, entrevistas, editoriais, receitas culinárias, piadas etc.
2. Tipos textuais: definidos por critérios internos ao texto, conforme o predomínio das seguintes formas:
• Narração (marcada por sequências temporais);
• Descrição (marcada por sequências de localização);
• Exposição (marcadas por sequências de análise ou explicação);
• Argumentação (marcada por sequências contrastivas explícitas, organizadas em uma linha de
raciocínio a serviço de uma posição ou tese);
• Injunção (marcada por sequências imperativas ou de ordem).

Profª Dra. Silvia M. Gasparian Colello


(Coordenadora da disciplina Produção de Texto)

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