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Resumo
Introdução
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Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-
mail: chayenechriss@hotmail.com.
especificamente “[...] uma síndrome comportamental que engloba comprometimentos
nas áreas relacionadas à comunicação, quer seja verbal ou não-verbal, na
interpessoalidade, em ações simbólicas, no comportamento geral e nos distúrbios do
desenvolvimento neuropsicológico.” (ORRÚ, 2012, p.29). Portanto, é um desafio fazer
as devidas relações entre a linguagem e o autismo.
Considerando que a linguagem é essencial para que o homem atue em seu
modo de vida, é por meio dela que o homem consegue expor suas ideias e sentimentos,
seja através de sua fala ou da escrita. Assim, a linguagem pode ser verbal, não verbal e
de outros signos convencionais. Ela nos coloca em sintonia com o outro, com nós
mesmos e com o mundo. Para a pessoa com autismo, a linguagem pode se apresentar
como principal mediadora na formação e no desenvolvimento das suas funções
psicológicas superiores. Orrú (2012) diz que o autista, sendo um indivíduo único, é
exclusivo enquanto pessoa e assim, apresenta características que lhes são próprias da
síndrome, suas manifestações comportamentais diferenciam-se segundo seu histórico-
social, afetando diferentemente a linguagem.
No que diz respeito à linguagem escrita, especificamente, segundo Vygotski
(1991, p.125), ela “ocupa um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao
papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança.” Sendo
assim, a escrita não pode ser considerada e não é uma receita pronta para a apropriação
da língua materna. Mas, deve ser encarada como um instrumento linguístico social-
cultural-político, que norteia as relações com o outro e a sociedade.
Diante disso, o interesse em abordar a relação entre linguagem escrita e
autismo, surgiu em meio a experiências com crianças autistas no ensino regular, em
meio a uma escola que ainda possui muitas dificuldades em relação à síndrome e no
acompanhamento dessas crianças que estão chagando a escola. Visto que, quando se
trata de autismo, a primeira possibilidade de tratamento está voltada unicamente para o
comportamento do indivíduo.
Contudo, a questão da escolarização é algo que fica a se pensar mais para
frente, pois a vida acadêmica de um autista tem sido pouca pesquisada, estudada. De
acordo com o levantamento bibliográfico para esta pesquisa, a demanda do ensino e da
aprendizagem desse sujeito está mais relacionada com a área da Psicologia,
Fonoaudiologia, Neurologia, Terapia ocupacional, sendo que do ponto de vista
pedagógico, ainda encontra-se no início.
O que entendemos por linguagem?
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O primeiro a relatar sobre a síndrome foi o médico Hans Asperger, em 1944, considerando-a como um
distúrbio do desenvolvimento associado às alterações orgânicas. O relato original explicitava a existência
de crianças com sérios comprometimentos de interação social recíproca, além de peculiaridades
comportamentais diferentes, se comparadas ao conjunto de atitudes normais, inteligência em níveis
aceitáveis e sem atrasos no desenvolvimento de linguagem. (RODRIGUES; SPENCER, 2010, p.63).
Levando em consideração as três principais dificuldades para o sujeito com
autismo – a interação, a comunicação e o comportamento – é que podemos levantar
algumas questões sobre a construção de sua linguagem. Entretanto, é importante
destacar as singularidades de cada autista, uma vez que o Transtorno do Espectro
Autista possui muitas variações. Desta forma, é importante destacar o que seja
linguagem para o autista. Esta parte estará fundamentada a partir dos escritos da
pesquisadora Barros (2011) que relaciona o autismo com a visão da Teoria da
Enunciação, de Mikhail Bakhtin.
Barros (2011) aponta que o modo como os autistas interagem nos termos da
comunicação foram enquadrados na perspectiva de se considerar como linguagem ou
não linguagem. Mas, se tomarmos que a linguagem é exclusivamente para
comunicação, desta forma, no autista a linguagem inexiste. Para Kanner (1966, p.721)
apud Barros (2011, p.228) “a linguagem que adquirem não serve, em princípio, como
meio de comunicação”. Entretanto, conceber uma não linguagem ao autista é não
considerá-lo como sujeito. Outra problemática seria a posição assumida pelo
interlocutor diante das produções linguísticas do autista, que por vezes nega-lhe a
possibilidade de subjetivação do sujeito. (BARROS, 2011).
Contudo, segundo Barros (2011), apoiada na Linguística da Enunciação,
existe linguagem no autista, pois, é importante perceber o autismo como um modo
singular de estar na linguagem. E a partir disso, é interessante desmistificar a concepção
de linguagem somente como comunicação, visto que o autista tem dificuldade com o
código linguístico. O autismo, na perspectiva de que a linguagem possa ser um lugar de
constituição do sujeito e espaço para subjetividades, pode ser considerado um modo
particular de estar no mundo e de estar na linguagem. O autista pode se apropriar da
língua mantendo-se preso a ela por meio de um discurso ecolálico.
Bakhtin (2009), em sua concepção dialógica da linguagem, infere sobre a
questão da autoria, quando propõe que o enunciado não pertence unicamente ao falante.
Ele diz que “Aquilo de que nós falamos é apenas o conteúdo do discurso, o tema de
nossas palavras” (BAKHTIN, 2009, p.150). É que a essência da enunciação de outrem
tem sua expressão no discurso interior.
Visto dessa forma, no autismo, encontra-se um sujeito que com suas
características e peculiaridades de sua linguagem, marcada ora por ecolalia, ora por
estereotipia, coloca-se como sujeito. Bakhtin deixa claro:
Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da
palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua
atividade mental, o que se pode chamar o “fundo perceptivo”, é mediatizado
para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso
aprendido do exterior. A palavra vai à palavra. (BAHKTIN, 2009, p.153-154)
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Ainda que a rubrica “dialogismo” seja a que melhor “resuma” a teoria bakhtiniana, sua definição não se
configura com facilidade. Referir-se a dialogismo é pressupor um “princípio”, uma “propriedade
polivalente”, que constitui as noções desenvolvidas e se instaura como uma constante comunicação com o
outro, cujo processo não comporta observações estanques. (FANTI, 2003, p. 97).
e não se limita à língua ou à linguagem, pois considera o “discurso 4” como seu objeto
de estudo.
Mediante essas colocações, para a compreensão melhor da relação da
criança autista com a escrita, serão apresentados através de episódios, momentos
significativos de aprendizagem da escrita para criança, além de situações que revelam a
posição do sujeito em relação à linguagem como um todo. Visto que, a escrita nesse
estudo, não é um produto final, mas, um instrumento complexo que possibilitará ao
autista, a partir de sua aprendizagem, um melhor desenvolvimento cognitivo e social.
Sendo assim, para apresentação dos resultados, construíram-se episódios de observação
associando-os com as respostas dadas pela professora por meio de entrevista, e assim,
utilizando letras que identificam os sujeitos nos diálogos transcritos. Portanto,
adotaram-se as seguintes letras e seus significados: PM: Professora Maria
(pseudônimo), P: Pesquisadora, C: Caio (pseudônimo) e L: linha.
Estamos em uma atividade a qual Caio teve que escrever seus dois nomes
(os nomes reais do sujeito da pesquisa) de maneira livre em seu caderno de desenho.
Pergunto a ele:
(L1): P: Sabe escrever seu nome?
(L2): C: Meu nome.
(L3): Ele começa a escrever o nome.
(L4): P: Quais letras têm no seu nome?
(L5): C: C, A, I, O. (Ele vai apontando e dizendo)
(L6): P: Muito bem!
(L7): P: Tem mais outro nome?
(L8): C: Sim.
(L9): P: Escreva para mim.
(L10): Ele escreve o segundo nome.
(L11) PM: Tia, ele só não consegue escrever retinho, alinhado.
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Bakhtin o define como “a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto
específico da lingüística” (BAKHTIN, 1997 [1929], p. 181). Mostra, assim, que o interesse da sua teoria é
por análises efetuadas a partir de relações dialógicas, no plano do discurso, e não por análises lingüísticas,
no “sentido rigoroso do termo”, no plano da língua. (FANTI, 2003, p. 97).
letras em forma de lixa, são utilizados cotidianamente para que Caio e sua turma
possam memorizar as letras, os encontros vocálicos e os numerais. É dessa forma que os
alunos passam a escrever convencionalmente. Além, do uso diário de atividades que
pressupõe repetição, com a utilização de modelos de escrita, como atividades como as
letras pontilhadas.
Para maior aprofundamento sobre a escrita da criança investigada, pergunta-
se a professora Maria: A criança escreve?
Ele escreve tudo. (Professora Maria).
Continua-se: O que escreve?
Escreve vogais, numerais, o nome dele, permutações. Ele escreve tudo que eu
proponho a ele. Então, tudo que é proposto em sala de aula ele escreve.
(Professora Maria).
Para a professora, Caio escreve tudo que lhe é posto em sala de aula.
Contudo, mediante as observações feitas, o que se tem colocado para criança não se
trata de uma escrita com autonomia, mas uma escrita que segue constantemente
modelos pré-estabelecidos, suscitando a cópia. O que a criança escreve não se
caracteriza como enunciados completos, mas se caracteriza na reprodução de letras e
frases soltas.
No entanto, é importante colocar em evidência qual seria, então, a real
funcionalidade da escrita para Caio? A escrita, na perspectiva de uma abordagem
histórico-cultural, é responsável pelo surgimento de uma estrutura específica de
comportamento. Segundo Silva e Costa (2012, p.56), baseados na teoria de Vigotski,
consideram que “por meio da escrita surgem novas formas de o homem controlar suas
próprias ações e seu pensamento”. Dessa forma, a escrita tem papel importante, assim
como os demais sistemas de signos para o funcionamento simbólico da criança, não
podendo reduzir a escrita a códigos como mera transcrição da fala.
Outro importante processo para aquisição da escrita é a realização gráfica do
próprio nome. Referente a isto perguntou-se: A criança escreve e/ou identifica seu
próprio nome?
Sim. A gente trabalha por partes. Ele aprendeu o primeiro nome e quando vi
que ele aprendeu eu comecei a ensinar o segundo nome. E ele não teve
dificuldades em escrever o nome e identificá-lo. A dificuldade dele é de
escrever dentro da pauta. (Professora Maria).
Caio na semana corrente estava bem agitado. Ele passou um fim de semana
doente e não foi à aula na segunda. Não demonstrou nenhum interesse pelas atividades,
com isso Caio ficou bem perto da auxiliar durante a aula. Contudo, depois da hora do
lanche começou a balbuciar, falar palavras soltas e durante o relaxamento não parou de
mexer as mãos em nenhum momento. Até que a auxiliar o chamou e deu um papel em
branco, pediu que ele pegasse seu estojo e logo começou a desenhar. Foi assim que ele
se tranquilizou.
Figura 1 - Desenho de Caio
Fonte: A autora.
Vemos que surge uma contradição, uma vez que Caio nomeia o que
desenha, demonstrando que o seu desenho possui significado para ele. Nas observações
feitas durante a pesquisa, vê-se que quando a professora diz que Caio não tem muita
preferência em desenhar e que só rabisca, é porque não são dadas a ele oportunidades
diárias de se expressar por meio do desenho. Diante disso, Silva e Costa (2012, p.58)
ressaltam:
O interessante é observar que o desenho, paulatinamente, torna-se linguagem
escrita real, já que as crianças tendem a passar da escrita pictórica para uma
escrita ideográfica. Aquilo que se fala vai sendo registrado graficamente e a
criança, criativamente, precisa escrever, por meio do desenho, o que está
pensando/falando.
Assim, foi através do desenho de sua família que Caio escreveu o que estava
pensando e/ou sentindo. Podemos considerar, portanto, que de acordo com o seu
desenvolvimento, Caio, saindo do registro do desenho partirá para a escrita
convencional. Como nos mostra Mello (2009, p.25) que propõe:
[...] se quisermos que as crianças se apropriem efetivamente da escrita – não
de forma mecânica, mas como um linguagem de expressão e de
conhecimento do mundo – precisamos garantir que elas se utilizem
profundamente do faz-de-conta e do desenho livre, vividos ambos como
forma de expressão e de atribuição pessoal de significado àquilo que a
criança vai conhecendo no mundo da cultura e da natureza.
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
BRITTO, L. P. L. Educação Infantil e cultura escrita. In: FARIA, Ana Lúcia G.;
MELLO, Suely Amaral. (orgs). Linguagens infantis: outras formas de leitura.
Campinas, SP: Autores Associados, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000. Disponível em:
http://www.filosofia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/classicos_da_filosofia/convite.pdf.
FANTI, Maria da Glória Corrêa Di. A linguagem em Bakhtin: pontos e pespontos.
Veredas - Rev. Est. Ling, Juiz de Fora, v.7, n.1 e n.2, p.95-111, jan./dez. 2003.
FERREIRA, Isabel Maria Dias Marques. Uma criança com Perturbação do Espectro
do Autismo: um estudo de caso. Castelo Branco: IPCB. Escola Superior de Educação.
196f. Dissertação de Mestrado.
SILVA, Ana Beatriz B.; GAIATO, Mayra. B.; REVELES, Leandro T. Mundo
singular: entenda o autismo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.