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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

INSTITUTO DE CULTURA E ARTE


CURSO DE FILOSOFIA
DISCIPLINA HISTÓRIA DA FILOSOFIA IV (CONTEMPORANEA 2)
PROFESSOR FERNANDO
ALUNA LAURELIA CAVALCANTE MONTEIRO

FICHAMENTO CAPÍTULO VI ‘FENOMENOLOGIA DA


PERCEPÇÃO’ O CORPO COMO EXPRESSÃO E A FALA

Fortaleza, 2 dezembro de 2019


Antes de iniciar o fichamento do Capítulo VI da obra ‘Fenomenologia da
Percepção’ de Merleau-Ponty, necessário resgatar de maneira panorâmica
alguns pontos do pensamento do filósofo.

Segundo Merleau-Ponty a existência é ser-no-mundo, isto é, "certa maneira de


enfrentar o mundo", anterior à contraposição entre alma e corpo, entre psíquico
e físico. Não há relação causal entre os fenômenos da alma e do corpo, na
verdade a alma e o corpo indicariam níveis de comportamento do homem:
“Nem o psíquico em relação ao vital, nem o espiritual em relação ao psíquico
podem ser considerados como substâncias ou mundos novos". Na realidade,
escreve ele, "trata-se de 'oposição funcional' que não pode ser transformada
em 'oposição substancial'.

A experiência perceptiva é central na obra de Merleau-Ponty pois o mundo


completo e real examinado pelas ciências é constituído exatamente pela
experiência perceptiva.

Não há modelo espiritualista nem tampouco materialista, pois “o espírito não


utiliza o corpo, mas se faz por meio dele...”

O conceito de corpo é, portanto, primordial pois é por meio dele que


percebemos o mundo. E porque essa percepção é a inserção do corpo no
mundo ela é sempre aberta e ambígua.

O significado das coisas no mundo e do próprio mundo permanecem abertos


ou como se refere Merleau-Ponty, ambíguo.

Eis que Merleau Ponty inicia o capítulo VI da obra já citada (O Corpo como
expressão e a fala) anunciando que para descrever o fenômeno da fala e o ato
de significação devemos ultrapassar definitivamente a dicotomia clássica entre
sujeito e o objeto.
A posse da linguagem ao ser tratada como a existência de Imagens verbais é
uma concepção da linguagem que não comporta o sujeito falante. Tanto no
caso de considerar os traços da linguagem como corporais como no caso de
serem depositadas no psiquismo inconsciente chega-se à inexistência do
sujeito falante. A fala não é uma ação. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 237)

Ele cita o exemplo da amnésia dos nomes de cores. Os doentes são incapazes
de subsumir os dados sensíveis a uma categoria, o que os guia não é a
participação das amostras a uma ideia, é a experiência da semelhança
imediata. (quando se pede para agrupar determinadas cores fundamentais eles
cometem erros de agrupar diferentes cores mas na tonalidade pálida).
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 238)

Nomear um objeto é afastar-se do que ele tem de individual e único para ver
nele o representante de uma essência ou de uma categoria. Se o doente não
pode nomear não é porque perdeu a imagem verbal. É porque perdeu o poder
de geral de subsumir um dado sensível a uma categoria. (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 239-240)

As psicologias empiristas ou mecanicistas e as psicologias intelectualistas


coincidem pois para elas a palavra não tem significação, é vazio de significado.
A palavra para o mecanicista não é mediada por nenhum conceito, não traz
seu sentido, não tem potência interior e é apenas um fenômeno psíquico,
fisiológico ou mesmo físico justaposto aos outros e trazido à luz pelo jogo da
causalidade objetiva. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 240)

Para os intelectualistas a palavra ainda está desprovida de uma eficácia


própria, é apenas o signo exterior de um reconhecimento interior que poderia
fazer-se sem ela e para o qual ela não contribui. Palavra é um invólucro vazio.
Na primeira concepção estamos aquém da palavra enquanto significativa; na
segunda estamos além – na primeira não há ninguém que fale; na segunda há
um sujeito, mas ele não é o sujeito falante é o sujeito pensante.

Para Merleau-Ponty, a palavra tem um sentido que é produzido à medida que


falamos.

Um pensamento que se contentasse em existir para si, fora dos incômodos da


fala e da comunicação, logo que aparecesse cairia na inconsciência.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 241)

A denominação dos objetos não vem depois do reconhecimento, ela é o próprio


reconhecimento.

A fala não traduz, naquele que fala, um pensamento já feito, mas o consuma.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 242)

Aquele que escuta recebe o pensamento da própria fala. À primeira vista


parece que a fala ouvida nada pode trazer de novo. Parece verdade que a
consciência só pode encontrar em sua experiência aquilo que ela mesma
colocou.

Mas se o problema consiste em saber como a consciência aprende algo, a


solução não pode consistir em dizer que ela sabe tudo antecipadamente.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 243)

Existe uma retomada do pensamento do outro através da fala, uma reflexão no


outro, um poder de pensar segundo o outro que enriquece nossos
pensamentos próprios. Aqui é preciso que o sentido das palavras seja induzido
pelas próprias palavras, que sua significação conceitual se forme por
antecipação a partir da significação gestual imanente à fala... começo a
compreender o sentido das palavras por seu lugar em um contexto de ação e
participando à vida comum. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 243)
Toda linguagem se ensina por si mesma e introduz seu sentido no espírito do
ouvinte.

Há tanto naquele que escuta ou lê como naquele que fala e escreve um


pensamento na fala que o intelectualismo não suspeita.

O pensamento no sujeito falante não é uma representação. O orador não


pensa antes de falar, nem mesmo enquanto fala, sua fala é seu pensamento. O
ouvinte não concebe por ocasião de signos. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 244)

A alternativa bergsoniana (memória-hábito e recordação pura) não dá conta da


presença próxima das palavras que conheço: elas estão atrás de mim, assim
como os objetos estão atrás das minhas costas ou como o horizonte da minha
cidade está em torno de minha casa; eu as levo em conta ou conto com elas
mas não tenho nenhuma ‘imagem verbal’. . (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 245)

A palavra é um certo lugar de meu mundo linguístico, ela faz parte do meu
equipamento, só tenho um modo de representa-la para mim, que é pronunciá-
la.

A imagem verbal é uma das modalidades de minha gesticulação fonética.


Memória como esforço para reabrir o tempo a partir das implicações do
presente... . (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 246)

Fisionomia do ato de falar: não é o signo do pensamento. Estão envolvidos um


no outro, o sentido está enraizado na fala, e a fala é a existência exterior do
sentido. Não é um simples meio de fixação ou invólucro ou vestimenta do
pensamento.

A palavra e a fala deixem de ser uma maneira de designar o objeto ou o


pensamento para se tornarem a presença desse pensamento no mundo
sensível e, não a sua vestimenta, mas seu emblema ou seu corpo. .
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 247)

O pensamento não é nada de interior, ele não existe fora do mundo e fora das
palavras.

O pensamento ‘puro’ reduz-se a um certo vazio da consciência, a uma


promessa instantânea.

O pensamento e a expressão constituem-se simultaneamente quando nossa


aquisição cultural se mobiliza a serviço dessa lei desconhecida. A fala é um
verdadeiro gesto e contém seu sentido. É isso que torna possível a
significação.

Para que eu compreenda as falas do outro é preciso que seu vocabulário e


sintaxe sejam conhecidos por mim. Mas isso não quer dizer que as falas
suscitem em mim representações que lhe seriam associadas e cuja reunião
terminaria por produzir em mim a representação original daquela fala. Eu me
comunico com um sujeito falante e não com representações ou com um
pensamento. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 249)

Ponty fala que o mundo linguístico e intersubjetivo não nos espanta


mais...perdemos a consciência do que há de contingente na expressão e na
comunicação.

A fala é um gesto e sua significação um mundo.

O sentido dos gestos não é dado, mas compreendido, quer dizer, retomado por
um ato do espectador. . (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 250)

Obtém-se a comunicação ou a compreensão dos gestos pela reciprocidade


entre minhas intenções e os gestos do outro, entre meus gestos e as intenções
legíveis do outro. Tudo se passa como se a intenção do outro habitasse meu
corpo ou como se as minhas intenções habitassem o seu. (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 251)
Quando percebo uma coisa – seja por exemplo uma chaminé – não é a
concordância de seus diferentes aspectos que me faz concluir a existência da
chaminé enquanto geometral e significação comum de todas essas
perspectivas, mas inversamente percebo a coisa em sua evidência própria e é
isso que me dá a certeza de obter dela, pelo desenrolar da experiência
perceptiva, uma série indefinida de visões concordantes. A identidade da coisa
através da experiência perceptiva é apenas um outro aspecto da identidade do
corpo próprio no decorrer dos movimentos de exploração. (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 252)

É por meu corpo que compreendo o outro, assim como é por meu corpo que
percebo coisas.

O gesto linguístico, como todos os outros, desenha ele mesmo o seu sentido.

A gesticulação verbal visa a uma paisagem mental que em primeiro lugar não
está dada a todos e que ela tem por função justamente comunicar. Mas aqui o
que a natureza não dá a cultura fornece. As significações disponíveis, quer
dizer, os atos de expressão anteriores, estabelecem entre os sujeitos falantes
um mundo comum ao qual a fala atual e nova se refere. (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 253)

Gesto ou mímica emocional são signos naturais, a fala é um signo


convencional. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 254)

Não existem signos convencionais, simples notação de um pensamento puro e


claro para si mesmo, só existem falas nas quais se contrai a história de toda
uma língua e que realizam a comunicação sem nenhuma garantia, no meio de
incríveis acasos linguísticos. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 255)
A linguagem só diz a si mesma ou seu sentido não é separável dela.

O signo artificial não se reduz ao signo natural porque não há signo natural no
homem.

Não basta que dois sujeitos conscientes tenham os mesmos órgãos e o mesmo
sistema nervoso para que em ambos as mesmas expressões se representem
pelos mesmos signos.

O que importa é a maneira pela qual eles fazem uso de seu corpo. .
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 256-257)

A fala é a única operação expressiva capaz de se sedimentar e constituir um


saber subjetivo.

Pensamento como fenômeno de expressão. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 258)

Afasias. Teorias que faziam a fala repousar no pensamento. Falha na atividade


categorial.

Teoria que trata o pensamento e a linguagem objetiva como duas


manifestações da atividade fundamental pela qual o homem se projeta no
mundo.

Para Ponty a atividade categorial antes de ser um pensamento ou um


conhecimento é um a certa maneira de relacionar-se ao mundo. (MERLEAU-
PONTY, 1999, p. 259)

O ato categorial não é um fato último ele se constitui em certa atitude.

É nessa atitude que a fala também está fundada, de forma que não poderia se
tratar de fazer a linguagem repousar no pensamento puro. (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 261)
A linguagem tem um interior, mas esse interior não é um pensamento fechado
sobre si e consciente de si. O que então exprime a linguagem, se ela não
exprime pensamentos? Ela apresenta, ou antes ela é tomada de posição do
sujeito no mundo de suas significações. Mundo significando que a vida mental
ou cultural toma de empréstimo à vida natural as suas estruturas e que o
sujeito pensante deve ser fundado no sujeito encarnado.

O sentido da palavra não está contido na palavra enquanto som. Mas é a


definição do corpo humano apropriar-se de núcleos significativos que
ultrapassam e transfiguram seus poderes naturais. (MERLEAU-PONTY, 1999,
p. 262)

Para que o milagre se produza, é preciso que a gesticulação fonética utilize um


alfabeto de significações já adquiridas, que o gesto verbal se execute em um
certo panorama comum aos interlocutores, assim como a compreensão dos
outros gestos supõe um mundo percebido comum a todos, em que se
desenrola e desdobra seu sentido. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 263)

Potência aberta e indefinida de significar.

Toda operação linguística supõe a apreensão de um sentido, mas que o


sentido aqui e ali, é como que especializado; existem diferentes camadas de
significação, desde a significação visual da palavra até sua significação
conceitual, passando pelo conceito verbal. Nunca compreenderemos essas
duas ideias simultaneamente se continuarmos a oscilar entre a noção de
motricidade e a de inteligência, e se não descobrirmos uma terceira noção que
permita integrá-las, uma função, a mesma em todos os níveis, que opere tanto
nas preparações escondidas da fala como nos fenômenos articulares, que
sustente todo o edifício da linguagem. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 265)

A partir do momento em que o homem se serve da linguagem para estabelecer


uma relação viva consigo mesmo ou com seus semelhantes, a linguagem não
é mais um instrumento, não é mais um meio, ela é uma manifestação, uma
revelação do ser íntimo e do elo psíquico que nos une ao mundo e aos nossos
semelhantes. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 266)

...natureza enigmática do corpo próprio. Ele não é uma reunião de partículas


das quais cada uma permaneceria em si, ou ainda um entrelaçamento de
processos definidos de uma vez por todas – ele não está ali onde está, ele não
é aquilo que é – já que o vemos secretar em si mesmo um sentido que não lhe
vem de parte alguma, projetá-lo em sua circunvizinhança material e comunica-
lo aos outros sujeitos encarnados. Sempre observaram que o gesto ou a fala
transfiguravam o corpo, mas contentavam-se em dizer que eles desenvolviam
ou manifestavam uma outra potência, pensamento ou alma. Não se via que,
para poder exprimi-lo, em última análise o corpo precisa tornar-se o
pensamento ou a intenção que ele nos significa. É ele que mostra, ele que fala.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 267)

A experiência do corpo próprio, ao contrário da tradição cartesiana, revela-nos


um modo de existência ambíguo. Se tento pensá-lo como um conjunto de
processos em terceira pessoa – “visão”, “motricidade”, “sexualidade” – percebo
que essas funções não podem estar ligadas entre si e ao mundo exterior por
relações de causalidade, todas elas estão confusamente retomadas e
implicadas em um drama único. Portanto o corpo não é um objeto. Pela mesma
razão, a consciência que tenho dele não é um pensamento, quer dizer, não
posso decompô-lo e recompô-lo para formar dele uma ideia clara. Sua unidade
é sempre implícita e confusa. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 269)

Assim, a experiência do corpo próprio opõe-se ao movimento reflexivo que


destaca o objeto do sujeito e o sujeito do objeto, e que nos dá apenas o
pensamento do corpo ou o corpo em ideia, e não a experiência do corpo ou o
corpo em realidade. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 269)
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Tradução Carlos
Alberto Ribeiro de Moura. 2ª ed. São Paulo. Martins Fontes. 1999.

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