Você está na página 1de 7

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Instituto Multidisciplinar em Saúde


Campus Anísio Teixeira – Colegiado de Psicologia

Resumo: Princípios da Fenomenologia e suas aplicações no


desenvolvimento humano infantil.

Docente: Luanna Lua Sousa Felício


Discentes: Lara Lima Sales e Tiago Antônio Meira Conceição

Vitória da Conquista
2023
Introdução
A fenomenologia passou a ter conhecimento amplo a partir do final do século
XIX e começo do século XX; ela pode ser vista como uma espécie de meditação lógica
em busca da exclusão das incertezas. Essa filosofia pode ser designada como o "estudo
dos fenômenos", e este se identifica na asseguração do sentido que é dado ao mundo, o
fenômeno. O processo fenomenológico se dá pela busca ao fenômeno, para que seu
sentido possa ser desvelado, assim chegando naquilo que a coisa de fato é.
O conceito de maior importância desta corrente é a descrição. A descrição do fenômeno
se faz fundamental porque nosso olhar corriqueiro não evidencia o fenômeno em si
próprio.
Na abordagem fenomenológica, o pesquisador considera suas vivências pessoais como
experiências que lhe são próprias e que o concedem o direito de questionar determinado
fenômeno que ele deseja compreender; com isso, cabe destacar brevemente seus mais
ilustres pensadores.

Principais teóricos

Husserl
O filósofo conviveu numa época- primeira metade do século XX- de
valoroização extrema do objetivismo científico, principalmente no campo da psicologia.
Em contrapartida o pensador buscou focar na maneira pela qual os indivíduos
concebiam os objetos. Havia em seu pensamento fenomenológico um viés
transcendental, com o fito de encontrar as essências da estrutura da consciência; esta
última, para ele, é tida como uma atividade constituída por atos, os quais auxiliam a
visar algo em específico. Dentro da sua terminologia vemos que “Noesis” para o autor
constitui o que são os atos, enquanto “noema” o que é objetivado; assim, a
fenomenologia busca o que há de essencial nos atos (ou noema);
Além disso, para Husserl, a questão da intenção é primordial para os indivíduos, sendo
ela o principal traço da consciência. Entretanto, sua visão “pura” ( Experiência
predicativa, sem julgamento) lançou sobre sua teoria alguns maus olhados; para muitos
essa perspectiva era inconcebível, tendo esses como justificativa o fato dos seres não
conseguirem se desvincular de seu passado, viéses e história. Desse modo, veremos
dentro da fenomenologia pensadores críticos a filosofia de Husserl.
Heidegger
Filósofo alemão, viveu entre o final do século XIX e segunda metade do século
XX; teve influencias de Nietzsche, Husserl e filósofos clássicos. Influenciou os
pensamentos de Arendt, a qual foi sua aluna e Sartre.
Heidegger foi um dos primeiros críticos aos feitos de Husserl e decidiu deixar de lado
alguns conceitos deste último, como consciência e intencionalidade; além de se mostrar
insatisfeito com a metafísica husserliana. Sua mais marcante obra, “ Ser e Tempo”
(1989) trouxe alguns de seus mais importantes conceitos. Ele fala sobre a pergunta
sobre o ser, e que este está desvinculado do ente. Para o autor o ser humano é o único
capaz de se fazer tal pergunta e adquirir compreensão sobre sua existência no mundo,
por isso ele defendeu que nós somos o que ele chama de “Dasein”- Ser-aí, é o ser no
mundo. Ao contrário dos outros animais que apenas vivem “biologicamente” os
humanos têm a capacidade de experenciar uma existência autêntica. Em suas obras o
autor traz a ideia de angústia da morte e como ela pode fazer com que os humanos
tenham ou não uma existência autêntica. Em suma, para ele nós somos as relações com
os outros, com as coisas e assim, com o mundo (um ser no mundo) e ao
compreendermos isso podemos enfim “sermos”.

Merleau-Ponty

Filósofo francês que viveu durante o século XX, e teve seus pensamendo
influenciados por Husserl e Heidegger. Postulou sobre o que chamou de fenomenologia
da percepção e em seus trabalhos recusou a intencionalidade de Husserl. Esse tipo de
fenomenologia por ele postulada atingiu o limiar máximo de proximidade entre
fenomenologia e psicologia, pois tratou de temas psicológicos. O autor defendeu a ideia
de haver diferentes formas de significar o mundo em razão das diferentes
individualidades; assim, ele elaborou o conceito de “intermundo”- o mundo individual
de cada indivíduo. E assim ele colaborou com ideais importantes para a psicologia como
alteridade e o reconhecimento do outro como ser individual, com percepções diferentes
sobre mesmos temas, lugares e coisas.

Sartre
Sartre foi um filósofo/ crítico francês, sendo um dos mais importantes expoentes
do existencialismo. Sua vida e obra estão datadas entre o século XX e início do XXI.
Sua filosofia impunha ao ser humano o fardo da liberdade, das nossas escolhas;sobre
isso ele dizia: “Estamos condenados a ser livres”. Para tal filósofo são nossas próprias
escolhas que constroem nossa real essência; assim, no que tange a questão das escolhas,
ele coloca o indivíduo como único responsável por suas consequências, mas
considerando também que existem escolhas que não podemos tomar (nacionalidade,
classe,etc) . Nessa perspectiva, para ele o homem não tem liberdade sobre as ações dos
outros, ao tomar suas atitudes o sujeito deve saber lidar com as ações tomadas pelos
outros, e assim aceitar as diferenças entre os indivíduos. Por fim, é importante ressaltar
que para o filósofo, um existencialista vive em constante angústia, pelo fato de ter que
sempre carregar o fardo de suas ações.

Como a fenomenologia trabalha e entende o desenvolvimento infantil

Husserl pressupôs que cada consciência estaria diretamente relacionada a um


mundo vivido, cujo modo de acesso seria através da descrição da experiência.
A fenomenologia se pauta em uma lógica descritiva e compreensiva, e tem como
objetivos a busca pelas essências e a compreensão da experiência vivida.
Esta compreensão se dá através de quatro dimensões existenciais, que aqui serão
abordadas: linguagem; corporeidade; espacialidade e temporalidade.

Linguagem
A princípio, segundo Merleau-Ponty, a criança apenas imita o adulto, para mais
tardiamente atribuir um sentido ao comportamento da comunicação.
A relação com o meio é o que incita a criança para a linguagem, fazendo com que ela
se expresse em padrões pré-estabelecidos em sua cultura, porém sempre trazendo coisas
novas de acordo com sua própria experiência e singularidade.

Corporeidade
De acordo com Machado (2007), podemos analisar que a biologia também é um
fator imposto às crianças através da fome e do sono, por exemplo. Esse tipo de
necessidade traz um caráter de urgência, em que desejamos satisfazê-la o mais rápido
possível. Nessas manifestações, podemos perceber o "Unwelt" - perspectiva do ser em
si mesmo.
É também por meio da corporeidade que é possibilitada a comunicação com os
outros através da expressão e do toque. A isso, damos o nome de "Mitwelt".
O mundo das relações muito interessa a criança, pois a convivência com outras pessoas
lhe é estimulante. Também é de fundamental importância reconhecer que crianças não
possuem atributos que lhe permitiriam a conduta ideal para os adultos, visto que estão
em processo de amadurecimento.

Espacialidade
Como foi observado anteriormente, existem prejuízos no amadurecimento da
criança quando se avalia sua conduta a partir do ideal adulto. Da mesma forma também
é negativo o não-reconhecimento do que se apresenta em seus desenhos.
É no desenho que a criança expressa seu potencial criativo. Para ela, a produção artística
é sua expressão do mundo que lhe é apresentado, mundo este que pode ter consonâncias
com o mundo adulto. Para Machado (2007), "a criança está no mundo tanto quanto o
mundo está nela".

Temporalidade
Nas experiências infantis, o que prevalece é o imediatismo, querer que as coisas
sejam feitas o mais rápido possível. A constatação de que a criança tem "todo o tempo
do mundo pela frente" é uma conclusão puramente adulta, visto que o tempo presente é
o mais predominante na temporalidade infantil. É com o acúmulo de experiências e
lembranças que se constrói a noção de futuro, e é no fascínio da descoberta que se dá a
temporalidade da infância. No faz de conta infantil, o que "é" agora pode em instantes
não "ser" mais, mostrando que suas descobertas são constantemente rearticuladas.
Desta forma, é possível concluir que amadurecer é abrir-se para o futuro, articulando-o
às vivências imediatas do presente e ressignificando o passado constantemente.

Não padronização da infância


Dentro da fenomenologia levanta-se o debate acerca da homogeinização das
experiências infantis, enquanto somente aos adultos é dada certa heterogeneidade. As
crianças são diversas vezes vistas como seres puramente intuitivos e padronizados. Para
a fenomenologia há liberdade na imitação do mundo ao redor exercida pela criança, a
forma que cada criança expressa tal “imtação” se difere, sendo então uma forma de
inserção cultural. Para Merleau-Ponty, não há uma natureza infantil, conferindo a ela
um caráter polimorfo. Ainda, de acordo com tal autor a relação infância e cultura é
marcada pela aquisição da linguagem.

Técnica psicoterapêuticas
No contexto da clínica infantil com fundamentos existenciais/fenomenológicos é
fundamental entender a existência como sendo constituída por inderteminação, não
sendo assim, satisfatório partir de pressupostos de determinações biológicas ou sociais.
Nessa perspectiva a criança é então jogada ao mundo ( algo que remete diretamente ao
Dasein) com infinitas possibilidades de ser, e em geral, livre de determinações. Em
termos práticos, durante o acompanhamento fenomenológico na clínica será
fundamental a suspensão de interpretações terceiras acerca do que está acontecendo
com a criança, com o fito de observar o fenômeno na sua própria volutilidade.
O psicólogo então agirá de tal maneira que o paciente, no caso a criança, por
vezes se esqueça da presença do terapeuta, de modo que assim o paciente pense de
forma natural.O terapeuta deve buscar estar presente e ausente na mesma medida,
deixando assim a criança mais confortável sem ser, em existir de maneira plena. A
técnica para essa teoria seria então algumas das mais mundanas práticas: amar, brincar,
correr, dormir e ser o que é.

Um bebê não existe


Para a teoria de desenvolvimento de Winnicott o bebê não pode existir sozinho,
mas sim em uma relação com o outro, com o mundo; característica que aproxima essa
teoria dos conceitos de “ser-no-mundo” da fenomenologia. Para Winnicott os
cuidadores devem ler a criança em sua plenitude autêntica, ou seja, como ela é. Isso se
dá a partir do momento em que os responsáveis tomam a atitude paradoxal de intervir e
não intervir em determinados fenômenos da infância, de modo que a criança possa
desenvolver sua singularidade. Por isso, Merleau-Ponty (1990a; 1990b) afirmou a que
em relação a primeira infância é fundamental que não se intelectualize as experiência
das crianças.

Brincar
Para (MACHADO, 2011) a fenomenologia propõe que se permita à criança ser o
que ela é, adquirindo suas próprias experiências sob a tutela não-intervencionista de seis
cuidadores. Para a criança o brincar é o momento em que sua imaginação e criatividade
ganham vida, e para a fenomenologia este é um momento majoritariamente da criança e
não do adulto/cuidador. Isso não significa desamparar a criança, mas sim estar
disponível para quando ela tome a atidude de dialogar com o adulto, o foco assim,
sempre é a criança e a sua experiência com o mundo, como postulou Guimarães Lopes
(1993).

Conclusão
Destarte, observou-se como a fenomenologia serve de base para os pensamentos
existencialistas e para estudos no campo da psicologia. Nesta última, no que concerne
ao desenvolvimento infantil, foi possível verificar a importância dada ao “objeto de
estudo”, ou seja, a criança. Dentro desse tipo de abordagem descentraliza-se o poder dos
cuidadores em benefício da liberdade do ser infantil em buscar a sua singularidade no
exercício de suas mais diversas experiências, tudo isso sem exaurir os responsáveis de
suas responsabilidades em garantir o desenvoltimento pleno e autêntico das crianças.

Referências
GUIMARÃES, L. (1993). Clínica Psicopedagógica: perspectiva antropológica
fenomenológica e existencial. Porto: Edição, Hospital Conde Ferreira

HEIDEGGER, M. (1989). Ser e tempo (Vols. 1-2). Petrópolis, RJ: Vozes. Disponível
em: https://www.scielo.br/j/pe/a/xYbScCTJrv7hd7RXKsDsrBF/. Acesso em 02 out.
2023

MACHADO, Marina Marcondes. A flor da vida/Sementeira para a fenomenologia da


pequena infância. 2007.

MACHADO, Marina Marcondes. Teatralidades no Corpo-o espaço cênico somos


nós. Sala Preta, v. 11, n. 1, p. 17-26, 2011..

MERLEAU-PONTY, M. Merleau-Ponty na Sorbonne – resumo de cursos: filosofia e


linguagem. Campinas: Papirus, 1990a.

MERLEAU-PONTY, M. Merleau-Ponty na Sorbonne – resumo de cursos:


psicossociologia e filosofia. Campinas: Papirus, 1990b.

Você também pode gostar