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Disciplina Ano/Semestre

Metodologia de Pesquisa em Filosofia 2023.2


Docente(s) Carga Horária
Marcos Fábio Alexandre Nicolau 60H/A
Linha de Pesquisa Regime de aulas (dias da semana e horário)
[X] Filosofia da Religião e Filosofia Política 6IJKL

Os artigos científicos deverão ser fruto de pesquisa acadêmica e conter Resumo, palavras-chave, Introdução,
Discussão, Conclusão, Referências Bibliográficas. O texto deverá ser apresentado com o mínimo de 05
laudas.

HANNAH ARENDT E O MÉTODO FENOMENOLÓGICO

MARIA DE FÁTIMA DA SILVA RIBEIRO-UVA¹

RESUMO: A filosofia trabalha com métodos. Os filósofos por sua vez ao desenvolverem suas filosofias
as fazem através de métodos e cada um julga que seu método é o ideal. Hannah Arendt na condição de
cientista política e filósofa apresenta em suas obras traços de método fenomenológico. Entretanto, ela
desenvolve fenomenologia própria, afastando de Husserl o pai da fenomenologia e aproximando-se de
Heidegger, mas não como herdeira de seu método. A pensadora não parte da consciência husseliana e
também não se limita ao dasein de seu mestre visto que o ser aí é um ser para a morte. Arendt parte da
política na qual o sujeito está no mundo e nele agi. Parte do fato que o passado e o presente precisam ser
analisados, estudados como fenômenos que aparecem e precisam ser pensados. Logo, o objetivo desse
artigo é demonstrar o método fenomenológico de Arendt tendo como base a dissertação de Lucas Barreto
Dias que vai apresentar as vias fenomenológicas da escritora de A condição Humana.
Palavras-chave: Fenomenologia. Filosofia. Método.

INTRODUÇÃO

O método é intrínseco à filosofia. É através do seu uso que os pensadores são


identificados em diversas categorias: dialéticos, analíticos, hermeneutas,
fenomenólogos, entre outros.

A cientista política Hannah Arendt não foge a essa regra. E usa em seus escritos
o método fenomenológico. Porém, isso não ocorre tal como a fenomenologia de Husserl
e nem a de Heidegger, no qual fora a aluna. Isso porque o Dasein do escritor de Ser e
tempo apresenta o homem como um ser para a morte e não um ser de ação mudando e
político como Hannah Arendt pensava e apresentava.

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Esse fato fez com que ela desenvolvesse uma fenomenologia peculiar, pois a
mesma vai ligar a fenomenologia à política e ao homem de ação, animal laborans, o
sujeito político que age no mundo. O que já contrapõe Husserl que faz a defesa de que o
mundo é relação da consciência do sujeito com o objeto, sendo que este já está presente
na consciência do sujeito e que essa consciência possui uma intencionalidade.

O método aqui exposto correlacionado com Arendt é fruto de estudo


bibliográfico. A tese de doutorado de Lucas Barreto Dias é o sustento desse trabalho o
professor que além de expor a fenomenologia faz uma ligação existencialista e
hermeneuta, porém, aqui será apresentada a via fenomenológica por ele dissertada de
com base em passagens da autora que demonstram sua fenomenologia.

O método fenomenológico

O método foi desenvolvido pelo alemão Edmund Husserl. Um filósofo e


matemático que é considerado o pai da fenomenologia. O mesmo vai buscar uma forma
que seja capaz de dar justificativa a ciência. O filósofo vai partir da questão do
conhecimento. Assim como muitos outros partem. Motivado pelo sujeito que conhece
Husserl vai desenvolver o seu método fenomenológico. O filósofo parte da relação que
existe entre o sujeito e o objeto, o sujeito é aquele que conhece o objeto e o objeto, por
sua vez, está na consciência do sujeito. Dessa forma Ele conclui que o fenômeno pode
ser aprendido pela consciência. De acordo com Urbano:

No decurso da elaboração da fenomenologia, Husserl concentra seu interesse


sempre mais nos seguidores problemas: a) Como o mundo real em sua
temporalidade, em sua, consciência intersubjetiva, em sua objetividade se
constitui em nossa consciência? b) Como passar da atividade natural para a
atitude filosófica?(URBANO, 2007).

Essas duas inquietações que vão levar Husserl a desenvolver a fenomenologia


que foi apresentada na obra Investigações da lógica (1900), em que ele expõe a lógica
pura e priori correlacionada com a ciência. Vale a ressalva que o filósofo era

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matemático. A lógica para ele é imprescindível. Com primeiro problema solucionado
que venha a ser a intencionalidade da consciência o filósofo parte para o segundo que é
transformar em atitude filosófica a teoria por ele desenvolvida.

Algumas categorias estão presentes na filosofia fenomenológica de Husserl, são


elas: mundo, sujeito, objeto, lógica, fenômeno, ciência e consciência. A fenomenologia
se desenvolve com base nesses campos e vão se inter-relacionar ainda de acordo com
Urbano tem-se.

Específico do método fenomenológico é servir-se no procedimento,


de conceitos psicológicos (vivência, percepções, etc.), prescindido
de seus componentes empíricos, para chegar a uma ideação
independente da experiência. Husserl funda sua pesquisa na
introspecção, construindo um mundo de objetos ideais. (URBANO,
2007).

O método está ancorado no sujeito e no seu está no mundo. No que vê, ouve,
faz, na sua experiência no mundo de forma introspectiva e subjetiva. Parafraseando
Schopenhauer o mundo é minha representação².

A fenomenologia traz uma nova fundamentação.

O primeiro passo do método fenomenológico consiste em


abster-se da atitude natural, colocando o mundo entre
parêntese (epoqué). Isso não significa negar a sua
existência, mas metodicamente renunciar o seu uso. Ao
analisar, após essa redução fenomenológica, a corrente de
vivências puras que permanecem, constata que a
consciência é consciência de algo. Esse algo chama de
fenômeno. (URBANO, 2007).

Há uma imersão no mundo. Pois não há uma separação entre mundo, realidade e
consciência. O eu dá significado ao mundo, logo, a consciência tem sempre uma
intencionalidade.

Para entender a fenomenologia de Husserl, é preciso compreender


como ele apresenta a estrutura da consciência como intencionalidade.

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Se todo o sentido e valor a dar ao Ser se baseiam em funções
intencionais, com essa redução, o eu se manifesta como condição de
possibilidade de ter em vista o mundo (fenômeno). Sob esse aspecto, a
redução conduz o ao eu como subjetividade. Assim, pela redução
fenomenológica chega-se de maneira reflexiva, ao conhecimento do
eu como fonte original de toda a certeza de todo saber e ter do mundo.
(URBANO, 2007).

Logo, trata-se de uma filosofia transcendental que está pautada no sujeito que
descreve por sua experiência consciente a realidade que por sua vez é constituída de
subjetividade. E esse não é o caminho arientiano, isso porque o sujeito nela é político e
age no mundo. Não apenas tem relação de descrevê-lo, como se apresenta para si.

Hannah Arendt e o método fenomenológico

A fenomenologia em Arendt de não é uma herança heideggeriana. Ao


contrário, existem traços, porém, uma via diferente da de Heidegger. Apesar de a
filósofa ter cultivado um grande respeito e admiração por seu mestre, ela não faz uso
total da sua ideia fenomenológica. Como dito anteriormente o problema conquiste no
ser para a morte em Heidegger que acaba sendo o divisor de águas entre eles.

A fenomenologia de Arendt é mundana, está pautada nos acontecimentos do


passado, em eventos históricos que são fenômenos a serem avaliados, analisados e
pensados a fundo. É um método de perspectiva plural, e isso se revela ao longo dos seus
escritos.

Algumas categorias que a autora apresenta são vida activa, atividades do


espírito, animal laborans, política, entre outros estão presente ao longo de todos os seus
escritos.

Diferentemente de Husserl e de Heidegger, a fenomenologia na da escritora de


Origens do Totalitarismo tem uma intencionalidade voltada nas aparências nos
fenômenos e não na intencionalidade da consciência. Sobre essa temática, Lucas
Barreto revela: o pai da fenomenologia passa a representar em certa medida, aquilo que
a pensadora judia crítica na filosofia: a cegueira frente aos assuntos humanos e a falta de
interesse prática no pensar. (Lucas Barreto, pág. 27,2019).

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A crítica de Arendt é sobre a pouca reflexão dedicada aos assuntos de problemas
humanos e a falta do pensar prático desses assuntos. A mesma não abre mão do senso
comum. Ela o considera relevante.

A escritora de Origens do Totalitarismo não se afasta completamente de Husserl.


Lucas Barreto também revela isso;

Não obstante Arendt se afastar do pensamento de Husserl, há


certos aspectos que revelam uma proximidade temático-
metodológica: o fato de Arendt se ocupa dos fenômenos
através de um conceito próprio de experiência engendra a
atividade do pensamento desponta como uma relação com o
Husserl que subjaz no interior do seu pensamento.
(BARRETO, pág. 27, 2019).

A escritora de A condição Humana não faz a suspensão do mundo. A ideia


transcendental como Husserl em sua fenomenologia. Ser e estar no mundo são
essenciais, e o mundo não pode ser apreendido em si mesmo. O pensamento pode e
deve fazer o processo de afastamento do mundo, mas não sai completamente dele. Esse
ponto é crucial para a fenomenologia da filósofa.

A preocupação latente, da pensadora judia, todavia, não se move


como uma mera abstração, mas sempre está vinculada à tentativa
de encontrar um novo modo de se reconciliar o mundo. O modo
como a Arendt estrutura a sua própria fenomenologia não parte do
ego transcendental, mas do mundo das aparências. A atividade do
pensamento, ainda que proceda por um distanciamento desse
mundo por uma retirada temporária, sempre parte dele e se
mantém nele ancorada. Só é possível distanciar-se na medida em
que há proximidade, mas não adequação, isto é, o pensamento só
pode colocar o mundo entre parênteses porque a existência do
mundo está dada, mas o mundo mesmo não está dado em absoluto:
o mundo não é um ser que possa ser aprendido absolutamente, mas
ele está aí para ser percebido sob os diversos perfis através dos
quais se apresenta. (BARRETO, pág. 30, 2019).

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Ou seja, em Hannah Arendt não há uma realidade que venha a estar fora do
mundo. Isso é cegueira para a cientista política. Sua fenomenologia acontece no mundo
que para ela é aparência e não transcendência. Lucas Barreto apresenta ainda 4
elementos que são imprescindíveis a fenomenologia arendtiana:

Desse modo, os elementos a seguir ganham destaque: 1) o conceito


de experiência e 2) o primado que esta tem para atividade de pensar
3) a distinção que Arendt realiza entre os diversos conceitos com os
quais busca compreender o mundo e as atividades humanas, 4) a
utilização de uma linguagem que toca a matriz fenomenológica.
(BARRETO, pág.34, 2019).

Esses elementos aparecem ao longo das obras de Arendt de maneira mais


incisiva em A condição humana e A vida do Espírito. Dando fundamentação ao seu
método fenomenológico, pois as abordagens apresentadas nas obras são relacionadas a
problemas e humanos. Labor, obra, vida activa, política entre outros temas.

Em A condição humana, Hannah Arendt expressa:

Somente nós, que erigimos a objetividade de um mundo nosso a partir do que a


natureza nos oferece que o construímos dentro do ambiente natural para assim
nos proteger dele, podemos observar a natureza como algo “objetivo”. Sem um
mundo interposto entre os homens e a natureza, há um eterno movimento, mas
não objetividade. (Arendt, pág. 171.).

O que vemos aqui nessa passagem são elementos primordiais da fenomenologia:


mundo, natureza, sujeito, objetividade e o fenômeno. Hannah Arendt faz uma crítica a
Heráclito de Éfeso que afirmou: o homem não se banha duas vezes no mesmo rio.
Hannah Arendt tece sua crítica baseada no fato de que o ser humano pode ter novamente
a experiência, em a Condição humana ela fala a respeito de o ser humana ter a
experiência com a mesa e cadeira novamente isso é um processo fenomenológico de
aparecer, reaparecer. Toda relação que o ser humano tem com o mundo é válida e
importante e tem a sua objetividade de ser.

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Considerações finais

Não é uma tarefa simples falar sobre o método que Hannah Arendt faz uso.
Alguns autores vão identificar elementos existencialistas e hermeneutas em suas obras.
É preciso partir do primeiro pressuposto que ela é cientista política, para chegar a sua
via filosófica. Em a condição humana, por exemplo, ela faz uma abordagem acerca do
trabalho, do animal laborans, vida activa questões que são humanas propriamente ditas.

Em origem do totalitarismo, uma análise crucial sobre o imperialismo,


antissemitismo e o totalitarismo como ele acontecem, aparece no mundo como um
regime novo, então, é possível identificar as vias fenomenológicas porque trata de
acontecimentos do presente, do passado e que, por sua vez, podem contribuir e
influenciar o futuro e por isso precisam ser refletidos.

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¹ Mestranda em Filosofia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú- Uva; membro do


grupo de pesquisa em Filosofia Política, Ética e Educação- GEPEDE/UVA/CNPQ; Pós-
graduada em Inteligência Socioemocional, Filosofia e Sociologia e Português, Arte e
Literatura pela Educaminas e graduada em Filosofia pela Universidade Estadual Vale
do Acaraú- UVA- 2017.

² Em O mundo como vontade e representação Schopenhauer diz que o mundo é minha


representação. O termo fora aqui utilizado como forma de dizer que o mundo pode ser
humanamente representado, porém não tal qual a ideia desse filósofo, isso porque o
mundo representação de Schopenhauer deixa de existir quando o homem morre. É um
mundo individual e não universal.

Artigos de periódicos

URBANO, Z. Fenomenologia e teoria do conhecimento em Husserl, Revista da Abordagem Gestáltica, -


XIII (2), pp. 216-221, jul-dez. 2007.

Livros

ARENDT, Hannah. A condição Humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Editora Forense

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Universitária, 2022.

Teses (doutorado) ou dissertações (mestrado)

DIAS, L. B. Os métodos de Hannah Arendt: Uma moldura a partir da fenomenologia, da filosofia da


existência e da hermenêutica. Belo Horizonte: UFMG, 2019. Tese de Doutorado.

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