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AULA 1

DIFICULDADES E TRANSTORNOS
DE APRENDIZAGEM

Prof. Adjuto de Eudes Fabri


INTRODUÇÃO

A aprendizagem é um processo que ocorre ao longo de toda a vida humana


e decorre da superação de dificuldades que a pessoa enfrenta em seu cotidiano.
Quando a criança se depara com seus primeiros desafios que envolvem
comportamentos como sentar, engatinhar, andar, falar entre outros, ela se vê
diante de dificuldades por não dominar estas tarefas. Entretanto, à medida que
ela tenha um incentivo, aos poucos vai superando os obstáculos e passa a
dominar as ações, tanto relacionadas a si quanto em relação aos objetos.
O mesmo processo ocorre em relação ao vínculo escolar, pois a criança se
depara com novidades que não fazem parte do seu cotidiano, especialmente o
conhecimento científico, e necessita de orientações para superar as dificuldades
iniciais que surgem nesse ambiente.
A escola é o lugar onde as dificuldades de aprendizagem são pontuadas,
pois os alunos acabam demonstrando problemas no domínio da leitura e da
escrita, que se estende à matemática. Cabe a escola entender como a dificuldade
se caracteriza em cada criança, orientando para que ela supere o problema e para
que estereótipos em relação ao processo de aprendizagem não fragilizem o
domínio conceitual que ela pode vir a ter.

TEMA 1 – DIFERENTES CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM

O pensamento grego embasa a construção dos conceitos que envolvem a


aprendizagem, com destaque para a influência platônica e para a influência
aristotélica e seus impactos nos processos psicológicos e nas ações pedagógicas.
A constituição histórica do processo ensino-aprendizagem leva em conta
caminhos diferentes, que buscam explicar como o conhecimento é produzido,
compreendido e apropriado pelos indivíduos. Embora apresentem estruturas de
análises específicas, cada fundamentação busca a melhor forma de interpretar a
realidade e contribuir para o avanço do conhecimento científico.
Platão (2001) retrata sua teoria da reminiscência no diálogo entre Sócrates
e Mênon, em que a questão chave envolvia se a virtude poderia ou não ser
ensinada. Platão expressa nas palavras de Sócrates que nada pode ser aprendido
e que todo o conhecimento provém de nossa alma (pensamento).

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Sócrates (Platão, 2001, p. 63-65) exemplifica para Mênon como ocorre a
rememoração ao ensinar um escravo (menino). Sócrates argumenta que não há
necessidade de o escravo aprender, pois o conhecimento já está dentro dele:

SÓCRATES. Que te parece, Mênon? Há uma opinião que não seja dele
que este <menino> deu como resposta?
MÊN. Não, mas sim dele.
SÓ. E no entanto, ele não sabia, como dizíamos um pouco antes.
MÊN. Dizes a verdade.
SÓ. Mas estavam nele, essas opiniões; ou não?
MÊN. Sim, estavam.
SÓ. Logo, naquele que não sabe, sobre as coisas que por ventura não
sabia, existem opiniões verdadeiras – sobre estas coisas que não sabe?
MÊN. Parece que sim.
SÓ. E agora, justamente, como um sonho, essas opiniões acabam de
erguer-se nele. E se alguém lhe puser essas mesmas questões
frequentemente e de diversas maneiras, bem sabes que ele acabará por
ter ciência sobre estas coisas não menos exatamente que ninguém.
MÊN. Parece.
SÓ. E ele terá ciência, sem que ninguém lhe tenha ensinado, mas sim
interrogado, recuperando ele mesmo, de si mesmo, a ciência, não é?
MÊN. Sim.
SÓ. Mas, recuperar alguém a ciência, ele mesmo em si mesmo, não é
rememorar?
MÊN. Perfeitamente. (Platão, 2001, pp.63-65)

Por sua vez, Aristóteles (1996) – embora tenha sido aluno da escola de
Platão – inverte a concepção platônica/socrática. Por exemplo, em relação à
virtude, Aristóteles considerava que ela era uma prática, um hábito, fruto de um
processo de ensino. Aristóteles (1996, p. 33) também associava a aprendizagem
ao processo de imitação, argumentando que “Imitar é natural ao homem desde a
infância”.
Rafael Sanzio (1509/1510) pintou na Stanza della Segnatura no Vaticano
um afresco denominado A Escola de Atenas (Figura 1), em que retrata como
personagens centrais Platão e Aristóteles. Platão aponta para o alto (mundo das
ideias), enquanto a mão de Aristóteles faz um movimento para baixo (empirismo),
demarcando a diferença entre as duas concepções de aprendizagem.

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Figura 1 – Detalhe do afresco “A Escola de Atenas”, de Rafael Sanzio elaborado
no período de 1509/1510

Crédito: Palácio Apostólico, Vaticano/CC-PD.

A concepção platônica é mentalista, embasada em processos que


valorizam o desenvolvimento (a consciência determina a vida). Já a concepção
aristotélica é materialista, em que destaca os processos de aprendizagem (a vida
determina a consciência). Elas se desdobraram ao longo do tempo e influenciaram
o Positivismo (materialismo mecanicista); o Marxismo (materialismo histórico-
dialético); e a Fenomenologia (mentalismo).

1.1 Positivismo

August Comte (1983) foi expoente do movimento positivista, cuja doutrina


filosófica considera que o conhecimento científico deve ser pautado pela
observação dos fatos que regem todo e qualquer fenômeno. A comprovação é o
meio para a aprendizagem e depende da experiência e do rigor metodológico
embasado na repetição e padronização durante uma investigação científica.
Deste modo a subjetividade é descartada como procedimento científico e realça-
se a objetividade e a neutralidade na produção do conhecimento.
Ou seja, o Positivismo se baseia na comprovação dos fatos, não admitindo
a dúvida ou qualquer proposição metafórica ou mentalista. No âmbito da
Psicologia, as influências se refletiram na Psicologia Comportamental. Na
Pedagogia, as influências se deram em relação à Escola Tradicional e à Escola
Tecnicista.
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1.2 Marxismo

Karl Heinrich Marx influenciou o movimento filosófico denominado


materialismo histórico-dialético ou – como é mais conhecido – Marxismo. Esta
concepção filosófica realça o caráter concreto da consciência como elemento para
o entendimento do indivíduo e da sociedade, conforme expõem Marx e Engels
(1965) em “A Ideologia Alemã":

A vida não é determinada pela consciência, mas esta pela vida. No


primeiro método de abordagem, o ponto de partida é a consciência
tomada como o indivíduo vivo: no segundo, são os próprios indivíduos
vivos reais, tal como são na vida concreta, e a consciência é considerada
unicamente como consciência deles. (Marx; Engels, 1965, p. 25-26)

Deste modo, não há ideias exteriores à vida humana no seu confronto


dialético com a concretude do mundo – nem existe consciência que não seja a
consciência de uma pessoa de carne e osso, situada social e historicamente. Os
princípios marxistas influenciam a Histórico-Cultural (ou Sócio-Histórica) e a
Psicogênese. As Pedagogias que se apoiam no materialismo histórico-dialético
são: Pedagogia Libertadora e Pedagogia Histórico-Crítica.

1.3 Fenomenologia

A Fenomenologia se constitui a partir das elaborações de Edmund Husserl,


que entende o fenômeno como tudo aquilo que aparece à consciência do ser
humano e aponta para uma realidade. O fenômeno é, então, uma aparência da
realidade, na consciência, no sentido de algo que não dá a realidade, mas oculta-
a, encobre-a. Porém, não tem o significado de aparência, no sentido de ilusão, de
sinal falso, mas o aparecer da realidade à consciência, no sentido de que, de fato,
a realidade se dá à consciência.
A Fenomenologia envolve uma discussão minuciosa do fenômeno.
Conforme expõe Husserl:

Mas é precisamente próprio da filosofia, desde que remonte às suas


origens extremas, o seu trabalho científico situar-se em esferas de
intuição direta, e constitui o maior passo a dar pela nossa época,
reconhecer-se que a intuição filosófica no sentido autêntico, a percepção
fenomenológica do Ser, abre um campo imenso de trabalho e leva a uma
ciência que, sem todos os métodos indiretamente simbolizantes e
matematizantes, sem o aparelho das conclusões e provas, não deixa de
chegar a amplas intelecções das mais rigorosas e decisivas para toda a
filosofia ulterior. (Husserl, 1965, p. 73)

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A fenomenologia busca ultrapassar as características sensíveis, para
colher aquilo que se tem de essencial. Neste sentido, ela deixa de ser apenas uma
questão de método. Ela é também uma doutrina a respeito do conhecimento
humano e, consequentemente uma palavra importante sobre o ser humano.
As influências da Fenomenologia em relação à Psicologia estão na
Psicologia da Forma/Figura e na Psicologia Cognitiva. Já a Pedagogia foi
influenciada na denominada Escola Nova.

TEMA 2 – PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL

A proposta da Psicologia Comportamental de Burrhus Frederic Skinner visa


a melhor adaptação possível do indivíduo ao sistema educativo tal como se coloca
tradicionalmente.
Pretende um sujeito mais apto a lidar com os controles sociais e capaz de
exercer o "contra-controle", tal fato só será possível na medida em que for
possibilitado ao sujeito um amplo repertório de comportamentos verbais (os
conhecimentos, dentro desta abordagem) e o domínio de técnicas socialmente
utilizadas.
Esta ampliação de repertório que possibilita ao sujeito um número cada vez
maior de formas de atuação social de modo que não apenas seja socialmente
manipulado, mas passe também a controlar determinadas variáveis de forma que
tenha uma vida mais reforçadora.

2.1 Condicionamento respondente e condicionamento operante

O condicionamento respondente está relacionado aos reflexos, tendo por


base os experimentos de Ivan Petrovich Pavlov realizados com cachorros, em
estudos sobre a salivação. São condicionamentos nos quais o sujeito não tem
ação ativa, são involuntários (eliciados). Essa ação reflexa com base nas
investigações de Pavlov foi denominada por Skinner como condicionamento
respondente.
O condicionamento respondente é espontâneo e acontece quando não há
estimulação (são comportamentos emitidos). Ou seja, o condicionamento
respondente está relacionado às aprendizagens que ocorrem no dia a dia,
relacionadas à adaptação do indivíduo sem que o indivíduo aja em busca de
dominar um conhecimento.

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Já o condicionamento operante está relacionado às ações do sujeito sobre
o meio, ou seja, ele busca compreender uma determinada atividade ou
conhecimento e isso possibilita a aprendizagem de novos comportamentos de
modo voluntário.
Na relação ensino-aprendizagem, Skinner (1972) destaca que “aprender
fazendo” não implica em domínio de conhecimento, pois esperar que descobertas
aconteçam sem técnica e sem orientação levaria a práticas sem objetivos. Por
isso, a Psicologia Comportamental defende que a aprendizagem passa pelo
condicionamento operante, em que – a partir de orientações reforçadoras – o
sujeito passa a se dedicar ao domínio de conhecimentos.

2.2 Reforço positivo e reforço negativo

O reforço, seja ele positivo ou negativo, tem como finalidade fortalecer um


ou mais comportamentos. Desta forma, o reforço aumenta a probabilidade de o
sujeito emitir, reproduzir e repetir determinado comportamento no futuro pela
aprendizagem anterior.
O reforço positivo se diferencia do reforço negativo por acrescentar um
estímulo extra e recompensador que implique em ganhos desejáveis por parte do
sujeito. Por exemplo, a criança é recompensada pela família com um brinquedo
do seu agrado por apresentar um bom desempenho acadêmico. Ou seja, além de
ser aprovada em seu respectivo ano escolar, a criança ganha um presente que
lhe traz satisfação. Outra situação que reforça positivamente uma ação ocorre
quando a criança está realizando um cálculo matemático complexo e consegue
chegar à resolução adequada do problema, o reforço positivo ocorre tanto pela
boa elaboração matemática como também pelo reconhecimento que o professor
venha a fazer em relação ao desempenho do aluno.
De modo geral, o reforço positivo auxilia no aprendizado ao valorizar
ganhos afetivos ou materiais diante das tarefas que necessitam ser cumpridas,
especialmente de modo voluntário. Na aprendizagem, o reforço positivo dá ao
aprendiz o desejo de motivar-se frequentemente na superação de dificuldades e
a ter satisfação pelos ganhos que venha a possuir com o conhecimento.
O reforço negativo gera um estímulo aversivo, pois retira um ganho que o
sujeito já possuía. Para recuperar o que está sendo perdido, o sujeito é forçado –
por sua própria ação – a repetir um comportamento previamente estabelecido. Por
exemplo, a criança brinca diariamente com um objeto que lhe traz prazer, contudo

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seu desempenho acadêmico não é bom, os familiares decidem que a criança só
poderá brincar novamente com o objeto quando suas notas melhorarem e ela
demonstrar um rendimento acadêmico adequado ao ano que está cursando.
Destacam-se no reforço negativo duas classes de comportamento, são
elas: a fuga e a esquiva. A fuga é uma resposta dada pelo sujeito para fugir de
estímulos aversivos depois que eles já se estabeleceram. A esquiva possibilita ao
sujeito uma resposta de prevenção a um ou mais estímulos aversivos antes deles
surgirem.
O reforço negativo contribui para o processo de aprendizagem, quando
mesmo retirando ganhos, faz com que o sujeito procure se dedicar ao domínio de
conhecimentos. Posteriormente esse reforço pode se tornar positivo, fazendo com
que a dedicação implique na não necessidade de comportamentos de fuga ou
esquiva.

2.3 Modelagem

A modelagem é um processo de aprendizagem que ocorre gradativamente


por aproximações sucessivas em busca de uma resposta consistente para um
problema. Ela pode ocorrer ao acaso, contudo se a modelagem for elaborada por
meio de um processo de aprendizado regular e planejado, haverá ganhos
consistentes para o aprendiz.
Ao modelar suas ações, especialmente as novas, o sujeito passa a agir em
busca de ampliar qualitativamente seus comportamentos, aumentando a
influência também em comportamentos futuros. Ao mesmo tempo, a modelagem
auxilia na redução de comportamentos indesejados.
A modelagem envolve a aplicação do condicionamento operante, do
reforço positivo e do reforço negativo. Esse processo auxilia no planejamento de
atividades que podem auxiliar no domínio dos conhecimentos, bem como em uma
aprendizagem qualitativa. Além disso, pode implicar em motivações reforçadoras
que o próprio aprendizado irá gerar no aprendiz.

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TEMA 3 – PSICOLOGIA DA FORMA/FIGURA

A Psicologia da Forma/Figura tem origem na palavra Gestalt, tendo como


ênfase a compreensão de fenômenos subjetivos e sociais a partir de sensações
e percepções do indivíduo. Esses parâmetros constituíram os princípios que
envolvem a Psicologia da Forma/Figura, desenvolvida por Wolfgang Köhler, Max
Wertheimer e Kurt Koffka.
Psicologia da Forma/Figura considera que o conhecimento é anterior à
experiência e se embasa na organização de estruturas cognitivas, que já estão
previamente formadas no sujeito.
Em seu sistema racionalista, a Psicologia da Forma/Figura entende que as
estruturas cognitivas não sofrem influências da objetividade e que a apreensão da
realidade demanda da pessoalidade de cada indivíduo. Assim, as questões
históricas e sociais não são determinantes para as condutas, o que implica no
entendimento de que o processo central é a percepção e não a aprendizagem.
A Psicologia da Forma/Figura valoriza os processos perceptivos e os
insights, considerando que é a solução de problemas que permite a compreensão
de uma situação, não a aprendizagem (que seria um processo mecânico que
impossibilitaria o domínio de conhecimentos, o que faria o indivíduo simplesmente
repetir informações).
Os gestaltistas destacam o conceito de totalidade como irredutível à soma
ou ao produto das partes e que o processo perceptivo-cognitivo é apreendido de
modo imediato através do insight. Assim, os processos psicológicos são
percebidos pelo indivíduo com uma forma particular do que ele é na realidade.

3.1 Percepção

O tema central da Psicologia da Gestalt é a percepção, que considera a


disposição de diferentes fenômenos para a organização perceptiva do indivíduo,
que irá agir cognitivamente sobre elementos unitários para compor a totalidade.
Wertheimer (1977) considera que:

A propriedade das partes depende da relação entre as partes e o todo;


as qualidades das partes dependem do lugar, papel e função que tem
no todo. Todos afirmaram também que, na maior parte das
configurações, o todo não é igual a soma de suas partes. (Wertheimer,
1991, p. 164)

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A percepção do todo não é um processo de simples junção das partes que
o compõem um elemento ou fenômeno. A parte é indissociável do todo e
possibilita a compreensão da totalidade a partir de um fragmento,
(re)estabelecendo um equilíbrio cognitivo para o entendimento da forma e do
objeto, na busca de solucionar um problema. Bigge (1977) destaca que:

Cada problema apresenta algo novo à pessoa envolvida. Apesar de que


muitos elementos do problema possam ser familiares, alguns não o são.
Consequentemente, cada ato na solução de problemas complexos
requer algum grau de originalidade ou criatividade. (Bigge, 1977, p. 112)

Percepções ou fenômenos perceptivos são compreendidos na Psicologia


da Gestalt como a elaboração cognitiva de experiências individuais demarcadas
aprioristicamente. A pessoa diante de um problema age com base em sua
compreensão da totalidade e estabelece o seu grau particular de compreensão,
não cabendo uma generalização em relação ao conhecimento, que é fruto de um
processo cognitivo particular.

3.2 Insight

A palavra insight refere a um modo imediato de compreensão de


determinado fenômeno em sua totalidade. Assim, a Psicologia da Gestalt destaca
que o insight envolve uma sensação que permite uma solução para um problema
vivido pelo indivíduo, sendo caracterizado inicialmente por hipóteses sem
consistência, que ao agregarem diversas informações podem chegar a uma
percepção e a uma conclusão adequada.
Um indivíduo pode se deparar com situações que geram dificuldades
perceptivas para se reconhecer uma tarefa, o que fragiliza o processo cognitivo
entre a parte e o todo (figura-fundo). Entretanto, diante de um problema
aparentemente incompreensível, o indivíduo pode ter um insight e de repente a
compreensão se faz, implicando em uma súbita elucidação do problema. Bigge
(1977) argumenta que:

A compreensão de uma coisa ou de um processo é seu significado


generalizado, ou seja, é um insight generalizado e testado. Então, está
vinculada à habilidade em usar um objeto, fato, processo ou ideia em
algumas ou até muitas situações diferentes. (Bigge, 1977, p. 107)

Desta forma, a Psicologia da Gestalt valoriza para a produção de insights


os chamados métodos analíticos, pois o indivíduo se depara com a totalidade em
um primeiro momento, faz sua percepção do real e das partes e posteriormente

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reconstitui o todo ao seu tempo, entendo o problema e elaborando ações
consistentes para a sua resolução.

TEMA 4 – PSICOLOGIA COGNITIVA

A Psicologia Cognitiva tem por base, especialmente, os conceitos da


Epistemologia Genética de Jean Piaget e seu construtivismo. Severino (1994)
considera que a Epistemologia Genética está vinculada ao movimento
denominado de racionalista transpositivista, pois segundo ele (1998):

As preocupações epistemológicas centrais do construtivismo integram o


mesmo universo temático de um movimento filosófico atual bastante
significativo, movimento que venho designando como transpositivismo.
Em grandes linhas, esse movimento se caracteriza por uma postura mais
lúcida e esclarecida frente ao conhecimento científico. Com efeito,
reconhece e reafirma a autonomia e a relevância da ciência, mas, ao
mesmo tempo, entende necessário superar aquela postura de puro
deslumbramento frente a ela, típica do positivismo ortodoxo. Por isso
mesmo, o transpositivismo se dá fundamentalmente como epistemologia
que, aliás, é entendida como reflexão voltada especificamente para o
discurso científico. E nessa análise crítica sobre a atividade científica, a
ciência não é mais considerada como se fosse uma atividade puramente
lógica, que nada tivesse a ver com outras dimensões do conhecimento,
da cultura e da própria existência humana em geral. (Severino, 1994, p.
64)

A opção investigativa de Piaget (1995) não se foca nas condições externas


que envolvem a produção e a elaboração do conhecimento, ele defende que é a
atividade da criança que produz o conhecimento e essa atividade não decorre das
pressões do mundo externo. Piaget (1994) coloca o processo de desenvolvimento
como um monólogo, em que a criança enfrenta o mundo sozinho e tem como
tarefa (que corresponda a seu nível de desenvolvimento) construir uma
representação desse mundo, podendo assimilar e acomodar os resultados, de
acordo com os processos lógicos, de um jogo, por exemplo.

4.1 Jean Piaget

Jean Piaget (1896-1980) foi biólogo, filósofo, epistemólogo, psicólogo e


pesquisador. Desenvolveu pesquisas relacionadas ao desenvolvimento da
criança e do adolescente, com a finalidade de explicar como os conhecimentos
são construídos e como a pessoa pensa os problemas de seu cotidiano.
Piaget (2007) construiu, a partir suas investigações, as bases da
Epistemologia Genética, em que procurou identificar aspectos do
desenvolvimento da criança, relacionando-os a estágios de maturidade cognitiva.

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4.2 Teoria do desenvolvimento

Piaget (1999) desenvolveu sua teoria do desenvolvimento, considerando o


processo biológico e maturacional que a criança vem a ter ao longo de sua vida.
Ele considerou aspectos que envolvem a ação da criança no mundo e seu grau
de interação com os objetos.
À medida que a maturidade cognitiva avança na criança, maior é sua ação
em busca de descobertas. Cada criança apresenta um ritmo diferente em seu
processo mental, todavia Piaget (2011) elegeu aspectos importantes do
desenvolvimento, relacionando-os a diferentes níveis, denominados de estágios.
Os estágios são os seguintes: sensório-motor, pré-operatório, operatório-
concreto e operatório-formal.

4.2.1 Estágio sensório-motor

O estágio sensório-motor ocorre de 0 a 2 anos e é dominado pelos reflexos.


A maturidade cognitiva avança e propicia à criança o domínio sensorial e
perceptivo de sua realidade, fazendo com que sua motricidade também ganhe em
qualidade. Para Piaget (2011), a inteligência surge antes da linguagem e se
caracteriza como inteligência prática.
No fim desse estágio, espera que a criança tenha domínio cognitivo em
relação à noção do eu e consiga diferenciar os objetos.

4.2.2 Estágio pré-operatório

Este estágio vai dos 2 aos 6-7 anos, sendo caracterizado pelo surgimento
da inteligência representativa. Piaget (1999) considera que esse processo envolve
o pensamento egocêntrico, em que a criança se volta para si e ignora situações a
sua volta.
A relação entre representação e egocentrismo faz com que a criança
adentre ao mundo dos processos cognitivos, contudo ela valoriza apenas o que
lhe chama à atenção, ficando indiferente a outros conhecimentos.
O egocentrismo é superado quando a criança passa a utilizar a linguagem
simbólica, modificando suas ações e seus processos mentais.

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4.2.3 Estágio operatório-concreto

As operações concretas ocorrem dos 6-7 aos 11-12 anos, tendo como
ênfase a solução lógica dos problemas com base na lógica.
A criança se liberta do comportamento egocêntrico fazendo uso de
conceitos de reversibilidade, o que lhe possibilita elaborar novas ações e ampliar
o seu processo intelectual.
Neste estágio se ampliam as ações coletivas e as brincadeiras, que
implicam no surgimento de novas habilidades, tanto motoras quanto cognitivas.

4.2.4 Estágio operatório-formal

Este estágio vai dos 11-12 anos e segue ao longo da vida. Tem como
característica principal o domínio das representações lógicas e do raciocínio
hipotético-dedutivo.
O jovem passa a operar de modo reflexivo com o uso de hipóteses,
construindo assim um processo mental de representação sobre representações,
o que destaca a capacidade de operar sem o objeto físico concreto.
Nesse processo, o jovem passa a explicar, abstrair, generalizar e elaborar
teorias com base em hipóteses, o que irá desenvolver sua autonomia intelectual
sobre a realidade.

TEMA 5 – PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E PSICOGÊNESE

Na Psicologia Histórico-Cultural se destaca Lev Semionovich Vigotski


(1896-1934) e na Psicogênese Henry Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962). Ambos
procuram entender o desenvolvimento humano a partir da aprendizagem e das
experiências culturais.
Para eles, as experiências sociais propiciam o amadurecimento do indivíduo
e destacam que a qualidade do estímulo propicia um melhor desenvolvimento,
seja ele motor, cognitivo, emocional ou social.
Além disso, tanto Vigotski quando Wallon consideram que a boa qualidade
do estímulo e o acesso ao conhecimento construído pela humanidade são chaves
fundamentais para o avanço do conhecimento, destacando que esse processo
deve ser sempre mediado, pois a experiência de quem domina uma tarefa deve
ser compartilhada afetivamente para que o aprendiz domine o conhecimento e
forme uma consciência crítica sobre a realidade que o circunda.
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5.1 Lev Semionovitch Vigotski

Lev Semionovich Vigotski (1896-1934) estudou os processos psicológicos


superiores, destacando as relações de ensino-aprendizagem mediados por uma
pessoa que domina determinado conhecimento e propicia ao aprendiz o domínio
desde conteúdo. A Psicologia de Vigotski é conhecida como Psicologia Histórico-
Cultural (ou Psicologia Sócio-Histórica) e valoriza a construção da consciência
com base realidade social e cultural.
A Psicologia Histórico-Cultural destaca que crianças com deficiências ou
dificuldades de aprendizagem são tão capazes de aprender quanto as crianças
no desenvolvimento regular, enfatizando o papel do mediador e das relações
afetivas para o bom domínio do(s) conhecimento(s).
Vigotski (1996) estudou o desenvolvimento infantil e nominou as etapas
como períodos de crise. A crise não apresenta uma conotação negativa ou
desajustada, para ele é um processo dialético de mudança e transformação da
identidade infantil que leva em conta as novas experiências sociais e culturais.
As etapas elaboradas por Vigotski são denominadas de crise pós-natal, crise
de um ano, crise dos três anos e crise dos sete anos.

5.1.1 Crise pós-natal

A crise pós-natal vai de 0 a 1 ano e envolve o domínio de funções básicas


para a sobrevivência e também o início de ações motoras limitadas.
A criança vai se adaptando ao ambiente social e cultural, construindo nas
interações sua identidade. Ela é passiva nos primeiros meses, contudo observa o
mundo ativamente e procura estabelecer vínculos cooperativos com seus
cuidadores.

5.1.2 Crise de um ano

A crise de um ano vai de 1 a 3 anos, e passa por três momentos: o domínio


do andar, o domínio da linguagem e o domínio da vontade.
No domínio do andar, a ênfase se dá em conquistas que envolvem sentar,
engatinhar, apoiar e andar. No início há a dependência do adulto, posteriormente
a criança se torna independente.
O domínio da linguagem tem por base inicial o balbucio, depois ocorre o
uso de palavras incompletas e a busca por indicar seus interesses em suas
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relações com os adultos.
Já o domínio da vontade envolve a compreensão de como as pessoas
agem em relação à criança, ela pode apresentar comportamentos de protestos
quando não é compreendida. A intensidade do protesto depende da qualidade dos
vínculos afetivos.

5.1.3 Crise dos três anos e crise dos sete anos

A crise dos três anos ocorre dos 3 a 7 anos, a criança apresenta


comportamentos, como: negativismo – oposição em relação aos pedidos dos
adultos; teimosia – exigências para que seja atendida; rebeldia – protesto às
regras; e insubordinação – busca por independência.
Vigotski (1996) afirma que essas ações não indicam que a criança tem
problemas em seu desenvolvimento, ele considera que fazem parte da formação
da identidade e da autonomia da criança.
A crise dos sete anos vai dos 7 a 13 anos, há a perda da espontaneidade,
com presença de melhor nível de consciência, com processos intelectuais
constituídos por significados e análises do contexto social e cultural.

5.2 Henri Wallon

Henry Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962) se formou em Medicina e


trabalhou no campo das deficiências neurológicas e distúrbios de comportamento,
desenvolvendo interesse pela busca de qualidade de vida dos indivíduos, o que o
aproximou de modo intenso da Psicologia.
Wallon (1995) apresentou cinco estágios em relação ao desenvolvimento
humano, são eles: impulsivo-emocional; sensório-motor e projetivo; do
personalismo; do pensamento categorial; e estágio da puberdade e adolescência.

5.2.1 Estágio impulsivo-emocional e estágio sensório-motor e projetivo

Impulsivo-emocional, este estágio vai de 0 a 1 ano, com predomínio da


emoção e do movimento. A criança apresenta impulsividade motora, reações
fisiológicas (gritos, espasmos e contrações) e reage em reciprocidade ao seu
contexto social, com sorriso voluntário e exploração do corpo.

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O estágio motor e projetivo ocorre no período de 1 a 3 anos, sendo que a
criança apresenta um comportamento de curiosidade e exploração, melhorando
suas habilidades e organizando movimentos de agarrar, manipular e arremessar.

5.2.2 Estágio do personalismo

O estágio do personalismo vai dos 3 a 6 anos, nele ocorre a formação do


caráter, as relações afetivas, a autoconsciência e a crise de oposição. Este
processo impulsiona comportamentos de independência e ações de confronto,
que geram na criança a necessidade de responsabilizar-se pelo que faz.

5.2.3 Estágio do pensamento categorial e estágio da puberdade e


adolescência

Pensamento categorial é o estágio que acontece entre 6 e 11 anos. Nele


predomina a racionalidade, autonomia e a autodisciplina mental. A criança
diferencia o que é seu do que é dos outros e apresenta qualidade nos processos
mnemônicos, o contribui para o bom desempenho acadêmico.
O estágio da puberdade e adolescência ocorre a partir dos 11 anos e segue
ao longo da vida, com presença de crises relacionadas à puberdade e
questionamentos sobre seu futuro, além do processo de tomada de consciência.

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REFERÊNCIAS

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BIGGE, M. Teorias da Aprendizagem para Professores. São Paulo: EPU, 1977.

COMTE, A. Curso de Filosofia Positiva. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

HUSSERL, E. A Filosofia como Ciência de Rigor. Coimbra: Atlântida, 1965.

MARX, F.; ENGELS, F. La Ideologia Alemana. Montevideo: Pueblos Unidos,


195.

PIAGET, J. Abstração Reflexionante: relações lógico-aritméticas e ordem das


relações espaciais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

_____. Epistemologia Genética. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

_____. O Juízo Moral na Criança. São Paulo: Summus, 1994.

_____. O Pensamento e a Linguagem na Criança. São Paulo: Martins Fontes,


1999.

_____. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

PLATÃO. Mênon. Rio de Janeiro: Puc-Rio; Loyola, 2001.

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