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APOSTILA DE ESTUDOS – INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS PSICANALÍTICAS

Prof.ª. Jéssica Lira

 1º BIMESTRE:

I. A Psicanálise enquanto prática clínica e enquanto teoria:

Freud (1923) define:


“Psicanálise é o nome de (1) um procedimento para a investigação de
processos psíquicos que são quase inacessíveis por qualquer outro modo, (2)
um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios
neuróticos e (3) uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo
dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina
científica”.

 “Uma prática clínica que Freud teoriza”.

• Nascimento da clínica psicanalítica;


• Movimento psicanalítico: pacientes histéricas remontam a Clínica
psicanalítica;
• Estudos com Breuer e Charcot auxiliam Freud em sua prática;
• Freud, pesquisador da alma.

 “Uma teoria que opera no campo da Clínica”

• A Psicanálise é primordialmente clínica;


• O conhecimento psicanalítico advém da escuta Clínica;
• “Pode-se dizer que a Psicanálise nasceu com o século XX, pois a
publicação em que ela emergiu perante o mundo como algo novo
– A Interpretação dos Sonhos – traz a data “1900”. Porém, como
bem se pode supor, ela não caiu pronta dos céus. Teve seu ponto
de partida em ideias mais antigas, que ulteriormente desenvolveu;
originou-se de sugestões anteriores, as quais elaborou. Qualquer
história a seu respeito deve, portanto, começar por uma descrição
das influências que determinam sua origem, e não desprezar a
época e as circunstâncias que precederam sua criação” (FREUD,
1923).
• A Psicanálise iniciou com o objetivo de compreender algo da
natureza daquilo que era conhecido como doenças nervosas
funcionais, tendo em vista que o saber médico não estava
conseguindo abarcar e dar conta deste novo acontecimento.
 “A transmissão da teoria psicanalítica historicamente e na
atualidade”.

• A importância de “transmitir” a Psicanálise;


• Transmitir não é ensinar! insignire; “Por uma marcar,
distinguir, assinalar”.

Latim: Transmittere.
Sig.: “atribuir a outrem; referir; contar; transferir; transportar.
- “Trans”: através.
- “Mittere”: enviar.

 “A Psicanálise não pode ser desatrelada de seu tempo”.

• Ler: “Deve-se enviar Psicanálise nas Universidades? ” (FREUD,


1919)

“(...) A inclusão da Psicanálise no currículo universitário seria sem dúvida olhada com satisfação
por todo psicanalista. Ao mesmo tempo, é claro que o psicanalista pode prescindir
completamente da universidade sem qualquer prejuízo para si mesmo. Porque o que ele
necessita, em matéria de teoria, pode ser obtido na literatura especializada e, avançando ainda
mais, nos encontros científicos das sociedades psicanalíticas, bem como no contato pessoal com
os membros mais experimentados dessas sociedades. No que diz respeito à experiência prática,
além do que adquirir com a sua própria análise pessoal, pode consegui-la ao levar a cabo os
tratamentos, uma vez que consiga supervisão e orientação de psicanalistas reconhecidos. ”
(FREUD, 1919).

 Os encontros das quartas-feiras da Sociedade:


• Início: 1901 – “(...) um certo número de médicos mais jovens
reuniu-se em torno de mim com a intenção expressa de aprender,
praticar e difundir a Psicanálise”, disse Freud.
• Quem sugeriu que o grupo inicia-se?
Wilhelm Stekel – foi paciente de Freud; Era médico; apaixonou-se
pela Psicanálise após seu êxito clínico com Freud.
• Grupo inicial: Stekel, Max Kahane; Rudolf Reitler e Alfred Adler.
• As sociedades psicanalíticas: as Escolas de Psicanálise; A
formação do analista e o tripé psicanalítico.

 O ofício da Psicanálise historicamente e na atualidade:

• A ética psicanalítica: ética do inconsciente;


• Regra fundamental: associação livre;
• Sublimação1 para Freud é um dos mecanismos fundamentais para a compreensão
de todas as escolhas profissionais.
• O desejo de tornar-se analista: análise pessoal.
• Freud, em “Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise (1912)”,
dirige algumas recomendações técnicas aos analistas.
• Apresentar a diferença entre ser analista e o profissional da Psicanálise e da
medicina.

 A vida e a Obra de Freud2:


• Filho predileto, de 6 irmãos;
• Autodidata;
• Pesquisador insaciável;
• Grande teórico: diversas Obras ao longo da vida;
• Ler: “Um estudo autobiográfico” (1925);
• A leitura mais apropriada para abordar pela primeira vez a Obra de Freud: “Cinco
lições de Psicanálise” (1910).
• Freud: médico neurologista;
• Nasceu na Morávia;
• Família Judaica;
• Teve 6 filhos, sendo a Anna Freud a mais conhecida.

 Síntese dos principais acontecimentos e marcos teóricos:

▪ 06 de maio de 1856: nascimento de Freud – Sigismund Schlomo Freud


– em Freiberg, na Morávia, hoje Pribor, na República Tcheca.
▪ 1860: Família Freud instala-se em Viena, em situação financeira
precária.
▪ 1865: Entrada de Freud no Gymnasium.
▪ 1871: Charcot começa a interessar-se pela histeria no hospital de la
Salpêtrière, em Paris.
▪ 1873: Freud ingressa na Universidade de Viena. Ele abandona a ideia
de fazer Direito após ler o ensaio “A Natureza”, de Goethe.
▪ 1874: Freud frequenta as aulas de Franz Brentano.
▪ 1876: Pesquisa no laboratório de fisiologia de Ernst Von Brucke, sobre
as glândulas sexuais das enguias.
▪ 1877: Publicação de seus trabalhos anatômicos.
▪ 1878: Faz amizade com Breuer, que o encoraja moral e materialmente.
▪ 1879: Freud frequenta as aulas de psiquiatria de Meynert – ele se
interessa pelo aspecto neurológico dos sintomas.

1
Termo derivado das belas-artes (sublime), da química (sublimar) e da psicologia (subliminar), para
designar ora uma elevação do senso estético, ora uma passagem do estado sólido para o estado gasoso, ora,
ainda, um mais-além da consciência. Sigmund Freud* conceituou o termo em 1905 para dar conta de um
tipo particular de atividade humana (criação literária, artística, intelectual) que não tem nenhuma relação
aparente com a sexualidade*, mas que extrai sua força da pulsão* sexual, na medida em que esta se desloca
para um alvo não sexual, investindo objetos socialmente valorizados. (ROUDINESCO & PLON, 1998).
2
Ler: Freud: uma vida para o nosso tempo, de Peter Gay.
▪ 1880: Breuer inicia o tratamento de Anna O.
▪ 1881: Freud obtém seu diploma de médico.
▪ 1882: Sem recursos materiais, ele não pode prosseguir a carreira de
pesquisador. Em abril conhece Martha Bernays e se torna seu noivo
no mês de junho. Ele ingressa no Hospital Geral de Viena. Breuer fala-
lhe do Caso de Anna O., e Freud se interessa.
▪ 1883: Freud torna-se assistente de Meynert e decide especializar-se em
neurologia.
▪ 1884: Freud descobre as propriedades analgésicas da cocaína. Ele
começa a tratar com eletroterapia pacientes que sofrem de doença
nervosa.
▪ 1885: Freud ganha uma bolsa da Universidade para realizar pesquisas
e escolhe ir a Paris para estudar com Charcot.
▪ 1886: Freud estabelece um consultório particular e casa-se com
Martha.
▪ 1887: Nascimento da 1ª filha – Mathilde. Freud começa a utilizar a
hipnose. Conhece Fliess.
▪ 1888: Freud aplica, pela primeira vez, um método inspirado em Breuer
em Emmy Von N. (Emmy Moser).
▪ 1889: Nascimento de seu primeiro filho, Jean-Martin.
▪ 1890: Freud começa a utilizar o método catártico.
▪ 1891: No seu 35º aniversário, recebe de seu pai a Bíblia familiar com
uma dedicatória em hebraico. Nascimento de seu 2º filho, Oliver. A
família se instala no nº 19 da Berggasse. Publica seu 1º livro “Sobre a
concepção das afasias”, e o dedica para Freud.
▪ 1892: Uma das suas pacientes (Elisabeth Von R.) inspira-lhe no
método da associação livre. Nascimento de seu terceiro filho, Ernst.
▪ 1893: Freud vai a Berlim para encontrar Fliess. Formula, numa carta a
Fliess, a teoria da sedução traumática, que abandonará 4 anos mais
tarde. Morte de Charcot. Nascimento de sua segunda filha, Sophie.
▪ 1894: Freud escreve artigo sobre “As psiconeuroses de defesa”.
▪ 1895: Publicação de “Estudos sobre a Histeria”. 23-24 de julho tem
um sonho (A injeção de Irma); pela 1ª vez interpreta esse sonho.
Escreve “Projeto para uma Psicologia científica”. Nascimento de sua
última filha, Anna.
▪ 1896: Rompimento com Breuer. Freud utiliza pela 1ª vez o termo
“Psicanálise”. Morte de seu pai, Jacob. Em uma carta a Fliess, Freud
utiliza pela 1ª vez o termo “aparelho psíquico”.
▪ 1897: Freud inicia a sua auto análise. Ele desiste da teoria da sedução.
Em carta a Fliess, formula sua 1ª interpretação da tragédia de Sófocles,
Édipo Rei.
▪ 1898: Termina a escrita de A Interpretação dos Sonhos, exceto o cap.
VII.
▪ 1899: Publica “A Interpretação dos Sonhos”, datado pelo editor como
sendo de 1900.
▪ 1900: Fliess acusa Freud de roubar sua ideia sobre a bissexualidade e
os dois rompem.
▪ 1901: Publica “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”.
▪ 1902: Freud é nomeado professor extraordinário. Criação da
Sociedade psicológica das Quartas-feiras, em Viena.
▪ 1905: Publica “Três Ensaios”; “Caso Dora”.
▪ 1906: Início da correspondência com Jung.
▪ 1907: Início da análise de Ernst Lanzer (O homem dos ratos);
▪ 1908: A Sociedade psicológica das Quartas-feiras torna-se a sociedade
psicanalítica de Viena.
▪ 1909: Viagem aos EUA com Jung e Ferenczi: conferência de Freud na
Clark University.
▪ 1910: Início da análise de Serguei Pankejeff (O homem dos lobos).
Ferenczi propõe a criação de uma organização internacional (a IPA).
Jung é eleito presidente.
▪ 1913: Ruptura definitiva com Jung.
▪ 1915: Freud escreve diversos artigos sobre a metapsicologia.
▪ 1920: Sophie, filha de Freud, morre aos 27 anos de gripe espanhola.
▪ 1923: Freud descobre um câncer na mandíbula. Morte de Heinerle,
neto preferido de Freud, segundo filho de sua filha Sophie.
▪ 1930: Freud recebe o prêmio Goether em Frankfurt. A mãe de Freud
morre aos 95 anos.
▪ 1933: Nazistas queimam os livros de Freud em Berlim. Emigração em
massa dos psicanalistas alemães.
▪ 1938: Freud deixa Viena, com sua mulher e sua filha Anna, graças a
ajuda da princesa Marie Bonaparte.
▪ 1939: 23 de setembro – morte de Freud, às 3 horas da manhã.

II. A Clínica da histeria como origem:


 Aspectos históricos:

• O termo histeria é derivado da palavra grega hystera e significa matriz. De acordo


com Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, matriz é o "lugar onde algo se gera ou
cria; órgão das fêmeas dos mamíferos onde se gera o feto; útero" (1988, p. 422).
• Hipócrates, médico renomado da Grécia Antiga (460-377 a.C) entendia a histeria
como sendo uma doença orgânica de origem uterina e, portanto, especificamente
feminina que afetava todo o corpo por sufocações da matriz. Ele supunha que a
histeria se desenvolvia pela privação de relações sexuais, dessecando o útero, que
perderia peso e se deslocaria pelo corpo em busca da umidade necessária. A
paciente teria sua respiração afetada, desenvolvendo convulsões se o útero subisse
até o hipocôndrio e estacionasse nesse órgão. Caso o útero prosseguisse sua subida
e atingisse o coração, a paciente emitiria sinais de ansiedade, opressão e vômitos.
• Em seu Timeu, Platão retomou a tese hipocrática, sublinhando que a mulher,
diferentemente do homem, trazia em seu seio um “animal sem alma”. Próximo da
animalidade: assim foi, durante séculos, o destino da mulher, e mais ainda da
histérica.
• Há uma mudança de paradigmas a partir dos estudos de Charcot a respeito dos
sintomas histéricos. Charcot influenciou fortemente as pesquisas freudianas no
que tange a origem de sintomas que se apresentavam no corpo mas que não tinham
incidências fisiológicas, ou seja, cuja origem não era encontrada através de
exames fisiológicos, biológicos, etc.
• Segundo Roudinesco & Plon (1998) a histeria é a “doença” princeps e proteiforme
que possibilitou não apenas a existência de uma clínica freudiana, mas também o
nascimento de um novo olhar sobre a feminilidade.

 Freud, a medicina e a histeria:

• Freud nunca aceitou o conhecimento médico como sendo


“acabado”. Sempre se colocou a frente daquilo que as respostas
óbvias da medicina não conseguiam alcançar. Assim nasce seu
interesse pela hipnose e pelas pacientes histéricas.
• Freud recusara a ideia que vigorava em sua época de que a histeria
era fingimento e que os sintomas apresentados pelas pacientes, por
não terem incidências físicas, eram falsos.
• Freud opta por realizar pesquisas por uma via própria, o que faz
com que ele se aproxime de grandes teóricos de sua época e divida
com eles os anseios que àquelas afecções sem origem orgânica
alguma, lhes causavam.
• No que tange aos primórdios da Psicanálise, Freud passou a escutar
as pacientes que eram tidas como histéricas e, também, a praticar
– juntamente com Dr. Breuer – o método hipnótico.
• Freud, cada vez mais, distancia-se da medicina em seu aspecto
clássico e passa a desenvolver um novo método de aproximação
terapêutica, a Psicanálise vai nascendo aos poucos...

 Charcot e a Hipnose:

• A questão que precede: mesmerismo3.


• Mesmerismo é abandonado a partir da metade do séc. XIX e dá espaço
à Hipnose (James Braid inventa esta nova técnica).
• Charcot, médico neurologista e professor de anatomia e patologia da
Faculdade de Medicina de Paris, também revolucionou o mundo da
ciência médica quando afirmou que havia um grupo de doenças que
não apresentavam lesões anatômicas identificáveis, a este tipo, deu-se
o nome de neuroses (que até então eram “perturbações sem lesão e nas
quais a sintomatologia não apresentava a regularidade desejada).
• Todavia, apesar da ausência de um referencial anatômico, a histeria
apresentava aos seus olhos uma sintomatologia bem definida,
obedecendo a regras precisas. Esse reparo é importante, porque lhe
permite afastar a hipótese de simulação, o grande fantasma da
psiquiatria do século XIX.
• Charcot conseguiu notar posteriormente a noção de trauma em suas
pacientes histéricas e as ressonâncias deste trauma para os sintomas
que eram apresentados. O que Charcot não esperava era que nas
narrativas que eram postas, o componente sexual ficasse evidente.

 FREUD & CHARCOT: o início

No inverno de 1885, Freud vai a Paris e assiste ao curso de Charcot, cujas aulas práticas eram
ministradas na Salpêtrière, e adere entusiasticamente ao modelo fisiológico oferecido por ele para a
histeria. Os aspectos mais salientados tanto por Charcot como por Freud, nesse período, eram os que
diziam respeito ao fato de que a histeria não era uma simulação, que ela era uma doença funcional com
um conjunto de sintomas bem definido e na qual a simulação desempenhava um papel desprezível.
Outro ponto enfatizado por ambos foi que a histeria era tanto uma doença feminina como masculina,
desfazendo dessa forma a ideia de que apenas as mulheres padeciam de manifestações histéricas (como
sugeria o próprio termo “ histeria”, que deriva da palavra grega hystéra, que significa “ útero”).

3
O pressuposto do mesmerismo era o de que os seres animados estavam sujeitos às influências magnéticas,
pois os corpos dos animais e do homem são dotados das mesmas propriedades que o ímã. Essas ideias
levaram Anton Mesmer, doutor em medicina pela Universidade de Viena, a experimentar clinicamente a
eficácia do magnetismo. A novidade de Mesmer residiu em substituir o ímã, que era comumente empregado
com fins terapêuticos, pelo seu próprio corpo. Não há necessidade de ímãs, basta o contato de sua mão para
que o efeito terapêutico seja alcançado.
• A teoria do trauma psíquico de Charcot terá absoluta repercussão sobre os escritos
iniciais de Freud. Todavia, muito embora se configure de suma importância sua
existência inicial, paradoxalmente ela se tornará o maior impeditivo para tudo que
de mais consistente se construirá posteriormente na teoria freudiana: a teoria da
sexualidade, a teoria edipiana, etc.
• No início, para Freud, é necessário que haja uma sugestão do médico ao paciente
para que através deste modo sugestivo consiga-se eliminar os sintomas.
Explicando: coloca-se o paciente sob o efeito hipnótico, para que assim, faça-se
sugestões que removam os sintomas apresentados.
• Esse procedimento, porém, apenas elimina o sintoma, mas não remove a causa.
Freud propõe, então, que se empregue um método elaborado por Joseph Breuer e
que consiste em fazer o paciente remontar, sob efeito hipnótico, à pré-história
psíquica da doença a fim de que possa ser localizado o acontecimento traumático
que originou o distúrbio (Freud, ESB, v. I, p. 99).
• As influências do Dr. Breuer começaram a se tornar bem mais incisivas que as de
Charcot, assim, Freud passou a trabalhar de maneira mais próxima com aquele
que tanta admirava: Dr. BREUER.

 Breuer e o tratamento de Anna O.

• Breuer era grande amigo de Freud e que no início da carreira de Freud o ajudou
bastante. Breuer acreditava na genialidade e competência de Freud e assim dividiu
com ele muitas das suas aflições clínicas.
• Breuer teve grande influência em boa parte das pesquisas iniciais de Freud e em
sua vida pessoal também. Alguns biógrafos afirmam que a figura desempenhada
por Breuer para Freud era a figura paterna.
• Freud inventou o método catártico para a histeria. Redigiu, juntamente com Freud,
a obra inaugural da Psicanálise “Estudos sobre a Histeria”. Ademais, Breuer teve
uma importante paciente para a história da Psicanálise, Bertha Pappenheim, mais
conhecida como Anna O.
• Muitas discordâncias pesaram na relação de Breuer e Freud, sobretudo no que
tange ao entendimento da histeria, da sexualidade e da ciência. Freud queria
construir uma obra teórica absolutamente inovadora para a época; enquanto
Breuer continuava um erudito clássico, ligado aos princípios da fisiologia de seu
tempo.
• Anna O. (Bertha Pappenheim), era uma jovem que era extremamente controlada
pelos pais e que tornou-se mundialmente conhecida por ser considerada como o
caso clínico inaugural da Psicanálise. O interessante é que Anna O. era paciente
de Breuer e não de Freud.
• Anna O. começou a desenvolver um conjunto de sintomas muito chamativos,
como: alucinações em que os ponteiros do relógio se deformam, em que ela vê
cobras no jardim, ela se vê impossibilitada de beber qualquer líquido que não seja
suco, ela perde a capacidade falar alemão e passa a falar somente em inglês, ela
sente muitas dores no corpo e produz um estrabismo convergente nos olhos. Os
sintomas produzidos por Anna O. são indubitavelmente desafiadores.
• Freud e Breuer escrevem “Estudos sobre histeria” a quatro mãos e têm muitas
divergências, pois cada um tem um entendimento distinto sobre a Histeria.
• Para Breuer, a histeria é paradigmática. Para ele, a histeria é uma espécie de
retenção de afeto, que se descola para o corpo como uma forma de conversão (este
que é sintoma principal da histeria. Freud acompanhava esta ideia até certo ponto,
pois ele acreditava que estes afetos retidos, estas emoções retidas, eram de
natureza sexual.
• Freud escutava e discutia com Breuer a respeito do caso de Anna O., mas era
Breuer quem ia até a casa da referida paciente e a submetia a sessões diárias de
hipnose.
• Breuer utilizava-se daquilo que denominou de método catártico.

 O método catártico.

• Breuer intitulo o seu método clínico de catártico (de Kátharsis, que significa
purgação), pois o que ocorria durante o tratamento era uma “purgação” ou uma
descarga do afeto que estava originalmente ligado à uma experiência traumática.

Definição por Roudinesco & Plon (1998):


Palavra grega utilizada por Aristóteles para designar o processo de purgação
ou eliminação das paixões que se produz no espectador quando, no teatro, ele
assiste à representação de uma tragédia. O termo foi retomado por Sigmund
Freud e Josef Breuer, que, nos Estudos sobre a histeria, chamam de método
catártico o procedimento terapêutico pelo qual um sujeito consegue eliminar
seus afetos patogênicos e então ab-reagi-los, revivendo os acontecimentos
traumáticos a que eles estão ligados.

• Na história da psicanálise, o método catártico deriva do campo do hipnotismo.


Foi ao se desligar progressivamente da prática da hipnose, entre 1880 e 1895, que
Freud passou pela catarse, para inventar o método psicanalítico propriamente dito,
baseado na associação livre, ou seja, na fala e na linguagem.
• O que Freud notou foi que era através da fala do paciente que devíamos depositar
todos os nossos impulsos investigativos e que os sintomas que outrora se alojavam
em seus corpos, desapareciam na medida em que eram falados.
• Anna O. brilhantemente denominou tal procedimento de “talking cure” ou “a cura
pela fala...”.

 A hipótese etiológica da histeria.

• Mas como surgem os sintomas histéricos? Anteriormente já vimos que a maior


discordância entre Freud e Breuer reside justamente neste impasse que foi
justamente por este impasse que Freud conseguiu prosseguir e avançar
teoricamente com a Psicanálise.
• Freud, ao procurar responder à pergunta sobre a origem da histeria, cria um novo
saber: a psicanálise.
• Freud, que já se dedicava ao estudo da histeria junto a Breuer em Viena, vai
adentrar o espaço em cujo umbral se detiveram Charcot e Janet: o Inconsciente.
As leis que regem a histeria são as mesmas que comandam a formação dos sonhos.
• Eis a concepção freudiana da histeria: trata-se de uma defesa contra a recordação
(ideia) de um evento traumático de natureza sexual ocorrido na infância (por
exemplo a sedução por parte de um adulto).
• Quando criança, o sujeito teve uma experiência sexual cuja carga de afeto foi
insuportável para o sujeito e lhe é inconciliável com a consciência. Desse conflito
resulta que a ideia é recalcada (isolada de todas as outras) e permanece ativa no
Inconsciente.
• Daí Freud usar inicialmente a designação “histeria da defesa”. Uma vez, já na vida
adulta, essa recordação, despertada por algum acontecimento, é convertida em um
sintoma no corpo, que é um memorial do trauma. (Se há mentira na histeria é essa:
o que parece ser a causa — o acontecimento atual — não o é.
• Freud passa a denominá-la “histeria de conversão”: “na histeria, a representação
inconciliável torna-se inofensiva pelo fato de sua soma de excitações ser
transposta para o corporal, processo para o qual proponho o nome de conversão.”
• Os sintomas têm uma significação que é sexual, apresentam um valor simbólico,
expressam a realização de um desejo. O tratamento consiste em, através da livre
associação de ideias, chegar às cenas traumáticas “esquecidas” no Inconsciente.
Freud se corrigirá em seguida: essas cenas não foram necessariamente vividas, e
sim fantasiadas, mantendo, porém, sua carga traumática

III. Recalque & Inconsciente.

Recalque (Verdrangung) - conceito: Inconsciente (Unbewusste) – conceito:


Na linguagem comum, a palavra recalque Conceitualmente empregado em língua inglesa pela
designa o ato de fazer recuar ou de rechaçar primeira vez em 1751 (com a significação de
alguém ou alguma coisa. Assim, é empregada inconsciência), pelo jurista escocês Henry Home
Kames (1696-1782), o termo inconsciente foi depois
com respeito a pessoas a quem se quer recusar vulgarizado na Alemanha, no período romântico, e
acesso a um país ou a um recinto específico. definido como um reservatório de imagens mentais e
Para Freud, o recalque designa o processo que uma fonte de paixões cujo conteúdo
visa a manter no inconsciente todas as ideias e escapa à consciência.
representações ligadas às pulsões e cuja Em psicanálise*, o inconsciente é um lugar
realização, produtora de prazer, afetaria o desconhecido pela consciência: uma “outra cena”.
equilíbrio do funcionamento psicológico do Na primeira tópica* elaborada por Sigmund Freud*,
trata-se de uma instância ou um sistema (Ics)
indivíduo, transformando-se em fonte de constituído por conteúdos recalcados que escapam às
desprazer. Freud, que modificou diversas outras instâncias, o pré-consciente* e o consciente*
vezes sua definição e seu campo de ação, (Pcs-Cs). Na segunda tópica, deixa de ser uma
considera que o recalque é constitutivo do instância, passando a servir para qualificar o isso* e,
núcleo original do inconsciente. No Brasil em grande parte, o eu* e o supereu*.
também se usa “recalcamento”.
• O recalcamento é um dos conceitos mais importante da teoria freudiana, sobretudo
da sua metapsicologia.
• Em “A história do movimento psicanalítico”, Freud declara: “(...) o recalcamento
é o pilar fundamental sobre o qual descansa o edifício da Psicanálise”.
• Em português, há três formas encontradas de tradução para a palavra alemã
“Verdrangung”: repressão, recalque, recalcamento.

▪ TRAUMA E DEFESA

o Freud passa a aplicar uma técnica que unia a sugestão hipnótica à catarse. Com o
tempo, porém, verifica que a sugestão, por seu caráter excessivamente diretivo e
coercitivo, acabava criando um obstáculo à pesquisa. Nesse momento, abandona
a hipnose e se defronta com um fenômeno que não podia ocorrer com o paciente
sob efeito hipnótico: a defesa. Tem início, então, sua independência com relação
a Breuer e a seus contemporâneos, incluindo-se aí Charcot e Bernheim.

o Quando abandona a hipnose e solicita a seus pacientes que procurem se lembrar


do fato traumático que poderia ter causado os sintomas, verifica que, por mais que
se esforcem, esbarram numa resistência a que as ideias patogênicas se tornem
conscientes.

o Analisando detalhadamente cada caso, chega à conclusão de que em todos eles


essas ideias eram de natureza aflitiva, capazes de provocar vergonha, autocensura
e sofrimento psíquico. Freud conclui: o que impedia que essas ideias fossem
livremente recordadas
o pelos pacientes era uma defesa psíquica.

o A defesa surge, desta forma, como uma censura do eu do paciente à ideia


ameaçadora, forçando-a a se manter fora da consciência. Ao mecanismo de
transformação da carga de afeto ligada a essas ideias em sintomas corporais, Freud
denomina conversão. A resistência foi interpretada por Freud como o sinal
externo de uma defesa (Abwer) cuja finalidade era manter fora da consciência a
ideia ameaçadora.

o A defesa é exercida pelo eu sobre uma representação ou conjunto de


representações que despertam sentimentos de vergonha e de dor.
o Se a ideia de trauma está ligada às excitações muito intensas provenientes tanto
de fonte exógena como de fonte endógena, a ideia de defesa surge para designar
aqueles mecanismos capazes de reduzir ou de suprimir o efeito traumático.

o O agente da defesa é o eu e os mecanismos colocados em jogo na ação defensiva


são mecanismos do eu ou estão ligados ao eu. Apesar do termo defesa ter sido
empregado mais para designar uma proteção contra a excitação proveniente de
fonte interna (contra as pulsões), quando empregada em sentido amplo designa a
ação do aparato psíquico contra toda e qualquer excitação excessivamente intensa.

o Sob essa forma, defesa não se confunde com recalque, já que este último possui
uma especificidade que não encontramos na primeira. Com o emprego cada vez
mais constante da noção e pelo fato de Freud passar a referi-la mais à pulsão do
que às excitações provenientes de fonte exógena, a defesa passa a ser vista com
uma operação que se exerce de forma inconsciente.

 Da teoria da sedução à fantasia: o que é realidade psíquica?

A teoria da sedução – “todos os pais são molestadores?”


- Freud abandonou a teoria da sedução em 1897;
- “Freud atribuía à histeria uma causalidade sexual, decorrente de uma sedução
vivida na infância, e tal como Charcot, definiu uma zona histerogênica, ou
seja, uma região do corpo que era libidinalmente investida e cuja excitação
era acompanhada por um prazer sexual capaz de levar ao ataque histérico”
(ROUDINESCO & PLON, 1998, p. 472).
- “Após o abandono da teoria da sedução, em 1897, a causalidade sexual serviu
para explicar o conflito psíquico produtor da neurose: o histérico sofria de
reminiscências e, depois, de fantasias e sonhos, cujo conteúdo convinha
explorar através da psicanálise. Para isso, era preciso voltar à infância e,
portanto, às primeiras experiências sexuais do sujeito.” (ROUDINESCO &
PLON, 1998, p. 473).
- Neurose era fruto de um abuso sexual real (Freud – 1895 e 1897);
- Fliess teve grande influência sobre Freud para que ele abandonasse a sua
teoria da sedução.
- Freud substituiu a teoria da sedução pela da fantasia – o que inclui: realidade
psíquica, baseada no inconsciente.
- A questão da fantasia: enigma das causas sexuais: elas eram fantasísticas,
mesmo quando havia um trauma real, uma vez que o real da fantasia não é da
mesma natureza que a realidade material.
- Carta a Fliess em 21 de setembro de 1897: “Não acredito mais em minha
neurótica”.

 (Algumas) Formações do Inconsciente:

CHISTES (Witz): ATOS FALHOS (Fehlleistung):


Fossem quais fossem suas modalidades, com efeito, Ato pelo qual o sujeito*, a despeito de si mesmo,
o Witz era, a seu ver, como que uma expressão do substitui um projeto ao qual visa deliberadamente
inconsciente, identificável em todos os indivíduos. por uma ação ou uma conduta imprevista.
Freud estuda primeiramente a técnica do chiste, para Tal como em relação ao lapso, Freud foi o
em seguida mostrar o mecanismo de prazer que este primeiro, a partir de A interpretação dos sonhos, a
emprega. Por fim, descreve o aspecto social do atribuir uma verdadeira significação ao ato falho,
chiste e sua relação com o sonho e com o mostrando que é preciso relacioná-lo aos motivos
inconsciente. Dentre os diferentes Witze, Freud inconscientes de quem o comete. O ato falho ou
distingue os inofensivos dos tendenciosos, tendo acidental torna-se equivalente a um sintoma, na
estes por móbil a agressividade, a obscenidade ou o
medida em que é um compromisso entre a
cinismo. Quando atingem seu objetivo, os chistes,
intenção consciente do sujeito e seu desejo
que requerem a presença de pelo menos três pessoas
(o autor da piada, seu destinatário e o espectador),
inconsciente.
ajudam a suportar os desejos recalcados,
fornecendo-lhes um modo de expressão socialmente
aceitável.
IV. INTRODUÇÃO À INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS (TRAUMDEUTUNG)

“Contém ela(...) a mais valiosa de todas as


descobertas que tive a felicidade de fazer.
Compreensão dessa espécie só ocorre uma vez na
vida” (FREUD)

- Livro publicado em novembro de 1899, mas datado de 1900.


- A morte do pai (1896) fez com que diversos sonhos relacionados a tal evento se
iniciassem.
- Sentimentos amorosos pela mãe; universalidade do mito edipiano; realização,
como o sonho, de desejos infantis inconscientes: cap. V.
- A experiência clínica fora fundamental para a feitura da Obra.
- Obra bem trabalhada e investida: 223 sonhos – 47 de Freud e 176 de pacientes
ou amigos próximos.
- Três partes essenciais da obra: 1. resenha bibliográfica detalhada dos trabalhos
sonho o sonho efetuados antes de Freud; 2. Método de Interpretação dos sonhos,
a teoria da formação do sonho, sua função e o trabalho do sonho; 3. célebre cap.
VII – teoria do funcionamento do aparelho psíquico.
- O sonho apresenta-se como uma significação individual e subjetiva.
- A partir de Freud: “sonhos são realizações de desejos inconscientes”. Não é mais
uma espécie de adivinhação como era tido outrora.
- Sonho: formação do inconsciente.
- Interpretação dos sonhos é a via real que leva o sujeito ao conhecimento das
atividades inconscientes da psiquê. E é o melhor caminho para o estudo das
neuroses.

 CARACTERÍSTICAS DOS SONHOS:

- Os sonhos são realizações de desejo;


- As ideias oníricas são de caráter alucinatório;
- Os sonhos têm um sentido e um método científico de interpretá-lo é possível;
- Há conteúdos manifestos e latentes: o que corresponde ao sonho lembrado e contado
pela pessoa e o conteúdo latente, oculto, inconsciente, ao qual se chegará através da
interpretação.
- O conteúdo manifesto do sonho é o substituto deformado de um conteúdo inconsciente
ao qual se pretende chegar através da interpretação.

 A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO:

- Interpreta-se o sonho falado, ou seja, o conteúdo manifesto;


- Método freudiano: cada elemento do sonho tem um significado de algo oculto e
inconsciente;
- Deve-se entender o sonho não como um todo, mas sim parcelas isoladas de seu
conteúdo;
- A importância da interpretação: ultrapassagem do sistema consciente;
- Os sonhos diminuem as fronteiras entre o que é “normal” e o que é patológico.
- A interpretação do sonho é tarefa infinita.
- Interpretação: meio psicanalítico para abordar e acessar as manifestações do
inconsciente.

 O DESEJO EM CENA:

- Verdade fundamental na psicanálise: verdade do desejo.


-Tal verdade é dissimulada e precisa ser decifrada.
-Psicanálise: teoria e prática do deciframento.
-Em que consistem os desejos: “crimes não cometidos”; paixões não vivenciadas;
amores reprimidos.
- Somos protegidos – pela censura – dos riscos que os desejos nos remetem.
- Para Freud, a origem do sonho remonta os desejos sexuais infantis reprimidos.
- Assim, o sonho, como realização de desejos inconscientes, revela e oculta.

 Afinal, qual a importância da interpretação dos sonhos para a obra de


Freud?

- Ganhos psicanalíticos: abandono da neurologia e entrada em solo estritamente


psicanalítico;
- A questão do desejo na psicanálise;
- A importância da figura do analista: o paradigma da interpretação.
- A presente obra nos mostrou a importância do advento interpretativo na clínica
psicanalítica: a fala do paciente deve ser desvelada.
- A descoberta (descrita) dos desejos incestuosos – Complexo de Édipo em questão (Cap.
V).
- Freud, com o passar dos anos, acrescenta pontos em sua obra – ela continha rico
conhecimento desde os primórdios.
- Último cap. – utilizado para ensejo na criação de obras como Além do Princípio do
Prazer (1920) e O Eu e o Isso (1923): concepção do aparelho psíquico.

V. A PRIMEIRA TÓPICA FREUDIANA E O MODELO DE APARELHO


PSÍQUICO

 Primeira tópica freudiana:

 A primeira tópica freudiana perdura o período de 1900 a 1920 na Obra


freudiana.
 Freud instaura e distingue o inconsciente, o pré-consciente e o consciente.
 É com a Interpretação dos sonhos que o Freud propõe um novo modelo de
aparelho psíquico, não mais calcado em um substrato neural (tal como o
era em Projeto para uma psicologia científica).

 O Projeto:

 Publicado em 1895, o Projeto para uma psicologia científica é uma forma que
Freud encontrou para transformar tudo aquilo em que acreditava e que estava
debruçado estudando em Ciência, de fato.
 Todavia, o Freud médico ainda estava muito presente nos escritos iniciais de
Freud.
 Segundo o próprio Freud, o Projeto para uma psicologia científica é:

“(...) (a) intenção é prover uma psicologia que seja ciência


natural: isto é, representar os processos psíquicos como estados
quantitativamente determinados de partículas materiais
especificáveis, tornando assim esses processos claros e livres de
contradição. Duas são as ideias principais envolvidas: [1] A que
distingue a atividade do repouso deve ser considerada como Q,
sujeita às leis gerais do movimento. (2) Os neurônios devem se
encarados como as partículas materiais”.

 Primeira tópica freudiana: inconsciente4, consciente e pré-consciente.

Primeiro aparelho psíquico proposto por Freud em 1900

 Neste esquema Freud destaca apenas as extremidades perceptiva e motora e


assinala a direção do processo psíquico. Já vimos, porém, que o sistema
perceptivo caracteriza-se pela permeabilidade, condição para que ele se mantenha
livre para a recepção de novos estímulos.

 O primeiro sistema do aparelho recebe os estímulos perceptivos (P), mas nada


conserva deles. P absolutamente não tem memória, tampouco pode conservar
quaisquer marcas para associação, pois P seria impedido em sua função de
receptor se o resto de uma ligação anterior se afirmasse contra uma nova
percepção. Por trás dele, há um segundo sistema que transforma a excitação
momentânea, recebida por P, em traços permanentes ou mnêmicos (Mn), nas
palavras de Freud (1900/2012, p. 566):

4
Já definido na página 10 desta apostila.
Das percepções que nos chegam, resta um traço em nosso aparelho psíquico
que podemos chamar de “traço mnêmico”. Chamamos de “memória” a função
relacionada com esse traço mnêmico [o qual] apenas pode consistir em
modificações permanentes nos elementos dos sistemas.

 Subsequente ao sistema inconsciente, estaria o pré-consciente, instância que


guarda o registro do que é passível de se tornar consciente e que tem a chave da
atividade motora. Entre inconsciente e pré-consciente há uma forte censura pela
qual cada representação terá que passar para chegar à consciência (o inconsciente
não tem acesso à consciência exceto pelo pré-consciente), porém, essa é uma
passagem que obriga seu processo excitatório a tolerar alterações (FREUD,
1900/2012, p. 569). Para passar pela censura, muitas vezes a representação
mnêmica terá que passar por grandes alterações, para não ser reconhecida pela
consciência.

 O pré-consciente submete o material inconsciente a uma crítica, resultando disso


uma exclusão da consciência. Ele se encontra entre o inconsciente e a consciência
como um anteparo a esta última, mantendo com ela íntima relação. Esta instância
crítica é identificada como aquilo que guia nossa vida de vigília e decide sobre
nosso agir consciente, voluntário, estando situada na extremidade motora.

PRÉ-CONSCIENTE: CONSCIENTE (Bewusste):


Freud* utilizou o termo pré-consciente como substantivo para Termo utilizado por Freud, quer como adjetivo, para
designar uma das três instâncias, com as do consciente* e do qualificar um estado psíquico, quer como
inconsciente*, de sua primeira tópica*. Empregado como
adjetivo, o termo qualifica os conteúdos dessa instância ou
substantivo, para indicar a localização de certos
sistema que, apesar de não estarem presentes na consciência*, processos constitutivos do funcionamento do
continuam acessíveis a ela, diversamente dos conteúdos do aparelho psíquico. Nessa condição, o consciente é,
sistema inconsciente. No contexto da segunda tópica freudiana, junto com o pré-consciente e o inconsciente, uma das
o pré-consciente, distinto do eu* e sobretudo da parte três instâncias da primeira tópica freudiana.
inconsciente deste, inscreve-se, todavia, no domínio dessa
instância.
No último capítulo de A interpretação dos sonhos*, o pré-
consciente é objeto de definições mais precisas. É concebido,
a princípio, na reformulação do aparelho psíquico, “como o
último dos sistemas na extremidade motora, para indicar que,
desse ponto, os fenômenos de excitação podem chegar à
consciência sem maior demora, desde que sejam atendidas
outras condições, como, por exemplo, um certo grau de
intensidade, uma certa distribuição da função a que chamamos
atenção.
 Processo primário e processo secundário5:

PROCESSO PRIMÁRIO: PROCESSO SECUNDÁRIO:


No Projeto para uma psicologia científica, a noção O processo secundário formado pelo sistema pré-
de deslocamento é situada como intrinsecamente consciente, mais estável e mais organizado.
ligada ao processo primário, constitutivo do sistema O pré-consciente age como um protetor do
inconsciente, caracterizado pelo livre deslocamento consciente: faz triagens e seleciona, com a
de uma energia de investimento. finalidade de afastar as moções desagradáveis
A condensação, o deslocamento e a figuração —, que possam importunar o consciente.
constitui o processo primário. Nesse sentido, está ligado ao processo secundário

 A distinção entre os dois modos de funcionamento do aparelho psíquico — o


processo primário e o processo secundário — constitui uma das concepções mais
estáveis no interior da teoria psicanalítica. Ela corresponde aos dois modos de
circulação da energia psíquica: a energia livre e a energia ligada, assim como
corresponde também à oposição entre o princípio de prazer e o princípio de
realidade.

 O EU tem, pois, uma dupla função: a de inibição e a de defesa.


Escreve Freud:
A catexia de desejo levada ao ponto da alucinação e a completa produção do
desprazer, que implica o total consumo da defesa, foram por nós consideradas
como processos psíquicos primários. Em compensação, aqueles processos que
só se tornam possíveis mediante uma boa catexia do ego e que representam
versões atenuadas dos mencionados processos psíquicos primários foram
considerados como processos psíquicos secundários. (Freud, ESB, v. I, pp.
432-33)

 É nos sonhos e nos sintomas que os processos primários se apresentam de forma


privilegiada para Freud, enquanto o pensamento da vigília, a atenção, o raciocínio
e a linguagem são exemplos de processos secundários.

 O sonho é o exemplo privilegiado de processo primário para Freud, pois é


acompanhado de uma diminuição das necessidades orgânicas e por um
desligamento dos estímulos externos que tornam supérflua a função secundária do
ego. A precondição essencial do sono, e, portanto, do sonho, é a queda da carga
endógena em psi. O bebê dorme quando não está atormentado por nenhuma
necessidade (fome, sede) ou por algum estímulo externo (frio, por exemplo).

5
Ler: Freud e o Inconsciente, de Garcia-Roza, capítulo “A pré-história da Psicanálise II”.
O processo primário e o processo secundário é uma prefiguração da oposição entre princípio da realidade
e princípio do prazer.
Assim como ele adormece depois da mamada, o adulto também adormece depois
da refeição e da cópula (Freud, ESB, v. I, p. 444).

 Capítulo VII da Interpretação dos Sonhos6:

 É tido como capítulo mais importante d’A Interpretação dos Sonhos,


afinal, é nele que Freud formula toda uma nova teoria sobre o aparelho
psíquico e é nele que o Freud médico fica em segundo lugar e dá lugar ao
Freud psicanalista.
 Ele é de suma importância porque faz com que Freud rompa de uma vez
com uma explicação neurológica (presente no Projeto) e parta para uma
explicação psicológica, que dará espaço para uma metapsicologia.

 O sonho tem um sentido, e esse sentido é correlativo do trabalho de


interpretação. A explicação “neurológica” cede lugar a uma decifração do
sentido. É nesse momento que se articulam o desejo e a linguagem. E é
por essa pertença à linguagem que o sonho vai tornar-se o modelo para a
compreensão dos sintomas, dos mitos, das religiões, da obra de arte como
formas dissimuladas do desejo. Essa é a razão pela qual Freud afirma que
o sonho é o pórtico real da psicanálise.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, A. Sonhos. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

FONTENELE, L. A Interpretação. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

FREUD, S. (1900). A Interpretação dos sonhos. Tradução do Alemão de Renato


Zwick. Porto Alegre: L&PM, 2013.
_________. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
_________. (1905). Fragmento da análise de um caso de histeria. Rio de Janeiro:
Standard, 1996. V. VII.
_________. (1910). Cinco lições de Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras,
2014.
_________. (1914). A História do movimento psicanalítico. São Paulo: Companhia
das Letras, 2013.
_________. (1914). À guisa de Introdução ao Narcisismo. Rio de Janeiro: Imago,
2004.
_________. (1915). A pulsão e seus destinos. Rio de Janeiro: Imago, 2004.
_________. (1920). Além do princípio do prazer. Porto Alegre: L&PM, 2016.
_________. (1930). O mal-estar na cultura. Porto Alegre: L&PM, 2012.
GARCIA-ROZA, L.A. Freud e o Inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
______________. Introdução à metapsicologia freudiana V. 2: a interpretação dos
sonhos. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
______________. Introdução à metapsicologia freudiana V. 3: artigos de
metapsicologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

6
Ler: Capítulo VII da Interpretação dos Sonhos, de Freud.
GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.

LAPLANCHE, J. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MEZAN, R. Freud: pensador da cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 1985.

NASIO, J.D. O prazer de ler Freud. Rio de janeiro: Zahar, 1999.

PEREZ, D. O. O Inconsciente: onde mora o desejo. Rio de Janeiro: civilização


brasileira, 2012.

ROUDINESCO, E. Sigmund Freud: na sua época e em nosso tempo. Rio de Janeiro:


Zahar, 2016.

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar,


1998.
 2º BIMESTRE:

“A história do ódio em relação a Freud é tão antiga quanto a da


psicanálise. Ninguém toca impunemente no sexo, no segredo da
intimidade, nos assuntos de família, na pulsão de morte e na barbárie dos
regimes que escravizam mulheres, homossexuais, marginais e anormais
sem pagar um preço por isso (ROUDINESCO: “Freud – mas por que tanto
ódio?”)”

A sexualidade em Freud: complexo de Édipo e desejo.

MITO ÉDIPO REI: Laio, rei da cidade de Tebas e casado com Jocasta, foi advertido
pelo oráculo de que não poderia gerar filhos e, se esse mandamento fosse desobedecido,
ele seria morto pelo próprio filho, que se casaria com a mãe.
O rei de Tebas não acreditou e teve um filho com Jocasta. Depois arrependeu-se do que
havia feito e mandou abandonarem a criança numa montanha com os tornozelos furados
para que ela morresse. A ferida que ficou no pé do menino é que deu origem ao nome
Édipo, que significa pés inchados. O menino não morreu e foi encontrado por alguns
pastores, que o levaram a Polibo, o rei de Corinto, este que o criou como filho legítimo.
Já adulto, Édipo também foi até o oráculo de Delfos para saber o seu destino. O oráculo
disse que o seu destino era matar o pai e se casar com a mãe. Espantado, ele deixou
Corinto e foi em direção a Tebas. No meio do caminho, encontrou com Laio que pediu
para que ele abrisse caminho para passar. Édipo não atendeu ao pedido do rei e lutou com
ele até matá-lo.
Sem saber que havia matado o próprio pai, Édipo prosseguiu sua viagem para Tebas. No
caminho, encontrou-se com a Esfinge, um monstro metade leão, metade mulher, que
atormentava o povo tebano, pois lançava enigmas e devorava quem não os decifrasse. O
enigma proposto pela esfinge era o seguinte: Qual é o animal que de manhã tem quatro
pés, dois à tarde, e três à noite? Ele disse que era o homem, pois na manhã da vida
(infância) engatinha com pés e mãos, à tarde (idade adulta) anda sobre dois pés e à noite
(velhice) precisa das duas pernas e de uma bengala. A Esfinge ficou furiosa por ter sido
decifrada e se matou.
O povo de Tebas saudou Édipo como seu novo rei, e entregou-lhe Jocasta como esposa.
Depois disso, uma violenta peste atingiu a cidade e Édipo foi consultar o oráculo, que
respondeu que a peste não teria fim enquanto o assassino de Laio não fosse castigado. Ao
longo das investigações, a verdade foi esclarecida e Édipo cegou-se e Jocasta enforcou-
se.

* Oráculo: analogia ao inconsciente – é lá que estão todas as verdades;


- Enigma: conflito psíquico infantil
- Esfinge: analista – quem leva ou traz os conflitos para desvendarmos.
- Édipo conseguiu decifrar o enigma porque dizia respeito a ele – ele sofreu com os pés
na infância.
- Jocasta: “muitos, em sonhos, já se deitaram com suas mães.
- Mito do Édipo-Rei: interpretação dos sonhos. Cap VII.
- Édipo somos todos nós: Freud viu isto em si (Carta com Fliess).
- Dialética edipiana: consolidou-se na teoria freudiana a partir da clínica e da análise
pessoal.
- Para Freud: complexo de édipo é determinante na estruturação da identidade, da
orientação do desejo, da constituição das instâncias, sobretudo supereu e ideal de Eu.
- Período: 3 a 5 anos de idade.

* 3 grandes momentos da conceituação:


1- Carta a Fliess – 15 de outubro de 1897;
(Freud reconheceu em si)
- Retoma em Interpretação dos sonhos
(Sonhos sobre a morte de pessoas queridas)
- Édipo-Rei: nossos próprios desejos infantis.
- Em 1910 – utilizou o termo complexo de édipo.
2- Identificação: Psicologia das Massas e Análise do Eu
- O Eu e o Isso: desejos sexuais do menino pela mãe.
Formulação – ambivalência em relação a ambos os pais (1º tempo);
- A saída do Édipo com as identificações (2º tempo).
3- A organização genital infantil (1923)
“Todos possuem um pênis”
- Ainda que não veja, tem uma crença de que crescerá.
2º momento: estava lá, mas foi retirado.

Noção de castração: “designa uma experiência psíquica completa, inconscientemente


vivida pela criança por volta dos 5 anos de idade e decisiva para a assunção de sua futura
identidade sexual.”
❖ 5 etapas na castração (meninos)
1 – Todos possuem um pênis;
2- Pênis é ameaçado;
3- Menino vê seres castrados: a ameaça é real;
4- Mãe é castrada: emergência da angústia;
5- Menino aceita a lei da castração.

❖ 4 tempos na castração (meninas)


1- Todos possuem um pênis (clitóris é um);
2- Clitóris é pequeno demais para ser um (fui castrada);
3- Ódio pela mãe;
4- Três saídas do complexo de édipo: ausência de inveja do pênis; vontade de ser
dotada de um pênis do homem; vontade de ter substitutos do pênis
(nascimento do complexo de édipo).

Complexo de édipo: falo e castração = núcleo da neurose.

- A sexualidade define-se pela forma em que se constituiu no campo do Édipo;


- Angústia de castração retira o menino do Édipo;
- Narcisismo do menino x investimento libidinal na figura parental;
- Complexo de Édipo dá lugar ao recalque.

- Menina entra no Édipo por causa da inveja do pênis;


- Ódio da mãe e sentimento de inferioridade;
- Supereu fraco e falho

 Por que elaborar uma teoria da sexualidade que tenha como pressuposto
básico a infância?
 Qual a característica fundamental da sexualidade infantil? “Pequeno
perverso polimorfo”.

Que é, então, o Édipo? O Édipo é a experiência vivida por uma criança de cerca de
quatro anos que, absorvida por um desejo sexual incontrolável, tem de aprender a limitar
seu impulso e ajustá-lo aos limites de seu corpo imaturo, aos limites de sua consciência
nascente, aos limites de seu medo e, finalmente, aos limites de uma Lei tácita que lhe
ordena que pare de tomar seus pais por objetos sexuais. Eis então o essencial da crise
edipiana: aprender a canalizar um desejo transbordante. No Édipo, é a primeira vez na
vida que dizemos ao nosso insolente desejo: “Calma! Fique mais tranquilo! Aprenda a
viver em sociedade!” Assim, concluímos que o Édipo é a dolorosa e iniciática passagem
de um desejo selvagem para um desejo socializado, e a aceitação igualmente dolorosa de
que nossos desejos jamais serão capazes de se satisfazer totalmente.

Porém, o Édipo não é apenas uma crise sexual de crescimento, é também a


fantasia que essa crise molda no inconsciente infantil. Com efeito, a experiência vivida
do terremoto edipiano fica registrada no inconsciente da criança e perdura até o fim da
vida como uma fantasia que definirá a identidade sexual do sujeito, determinará
diversos traços de sua “personalidade” e fixará sua aptidão a gerir os conflitos afetivos.
No caso de a criança ter experimentado, por ocasião da crise edipiana, um prazer
precoce demais, intenso demais e inesperado demais, isto é, no caso de a experiência
de um prazer excessivo ser traumática, a fantasia daí resultante seria a causa certa de
uma futura neurose.

O Édipo, no entanto, é mais que uma crise sexual e uma fantasia que ela modela
no inconsciente; é também um conceito, o mais crucial dos conceitos psicanalíticos.
Diria que é a própria psicanálise, uma vez que o conjunto dos sentimentos que a criança
experimenta durante essa experiência sexual que chamamos de complexo de Édipo é,
para nós psicanalistas, o modelo que utilizamos para pensar o adulto que somos. Assim
como a criança edipiana, percebemos a escalada do desejo pelo outro, forjamos
fantasias, sentimos prazer com nosso corpo ou o corpo do outro, temos medo de ser
superados por nossos impulsos e aprendemos, finalmente, a refrear nosso desejo e
nosso prazer para viver em sociedade. Que é a psicanálise senão uma prática sustentada
por uma teoria que concebe o homem de hoje a partir da experiência edipiana vivida
por todas as crianças quando têm de aprender a refrear seu desejo e moderar seu
prazer?
Enfim, o Édipo é também um mito, já que essa crise real e concreta vivida por
uma criança de quatro anos, é uma explosiva alegoria da luta entre as forças impetuosas
do desejo sexual e as forças da civilização que se lhe opõem. O melhor desfecho para
essa luta é um compromisso chamado pudor e intimidade.

Em resumo... O Édipo é:

1. É uma chama de sexualidade vivida por uma criança de quatro anos no cerne da
relação com seus pais.
2. É uma fantasia sexual forjada inocentemente pelo menino ou pela menina para aplacar
o ardor de seu desejo.
3. É também a matriz de nossa identidade sexual de homem e de mulher, pois é durante
a crise edipiana que a criança sente pela primeira vez um desejo masculino ou feminino
em relação ao genitor do sexo oposto.
4. É ainda uma neurose infantil, modelo de todas as nossas neuroses adultas.
5. É uma fábula simbólica que põe em cena uma criança encarnando a força do desejo,
e seus pais encarnando tanto o objeto desse desejo quanto o interdito que o refreia.
6. É a chave-mestra da psicanálise. É o conceito soberano que gera e organiza todos os
outros conceitos psicanalíticos e justifica a prática da psicanálise.
7. É, enfim, o drama infantil e o inconsciente que todo analisando representa na cena do
tratamento ao tomar seu psicanalista como parceiro.

 A sexualidade infantil:
- A teoria da sexualidade infantil representa o fundamento essencial da teoria psicanalítica
desenvolvida por Freud no segundo dos Três ensaios (...). Essa teoria causou polêmica
na época, o que não significa que a sexualidade infantil teria sido negada no século XIX.
O que se negou foi a forma como Freud abordou o tema, pois a sexualidade infantil era
entendida sob formas de controle e vigilância exercidas sobre a criança.

- Autoerotismo: A primeira vez que Freud empregou o termo “autoerotismo” foi numa
carta a Fliess, em 9 de dezembro de 1899, e designou como o estrato sexual mais
primitivo, agindo com independência de qualquer fim psicossexual e exigindo somente
sensações locais de satisfação (FREUD, 2006, 377).

 DESENVOLVIMENTO NA PSICANÁLISE

• Segundo Freud, a maioria dos aspectos significativos da personalidade no adulto


é formada nos primeiros 5 anos do sujeito.
• A questão do desenvolvimento psicossexual em Os Três Ensaios sobre a teoria
da sexualidade (1905) – corpo erotizado e libidinalmente investido.
• Em cada fase do desenvolvimento, o prazer localiza-se em uma parte específica
do corpo chamada zona erógena. Em cada fase, observa-se um momento crítico e
fundamental para o desenvolvimento. A forma de lidar com esses momentos pode
representar um desenvolvimento contínuo ou a fixação naquela fase.
FASE ORAL FASE ANAL
- Zona erotizada: boca. - Zona erotizada: ânus.
- Prazer: ingestão de alimentos; sucção; excitação - Controle dos esfíncteres (uretra e ânus) – ponto
da mucosa e dos lábios. crítico.
- Enquanto come-se, se é acalentado e - Por volta dos 2 anos a criança aprende a
acarinhado. Associa-se prazer e redução da controlar os esfíncteres.
tensão à amamentação.
- O valor simbólico das fezes para as crianças.
- Em adultos: fixação oral expressa-se em:
- Características adultas da fixação anal: ordem e
comer, chupar, lamber, beijar, beber, fumar, roer
controle. Rituais compulsivos.
unha, etc.

FASE FÁLICA LATÊNCIA


- Entre os 3 e 5 anos. Um tempo no qual os desejos sexuais da fase
são recalcados com sucesso, pelo supereu.
- Órgãos genitais privilegiados. Durante ele, o desejo sexual torna-se
- A questão das diferenças sexuais. inconsciente. Nesse período da vida, depois
que a primeira eflorescência da sexualidade
- Complexo de Édipo: estruturação da feneceu, surgem experiências como
personalidade. vergonha, repulsa e moralidade, resultado
da relação.
- Diferenças entre meninos e meninas.
- SUPEREU: herdeiro do complexo de Édipo.
❖ ATIVIDADE AVALIATIVA I! A partir da temática aqui discutida sobre “A
sexualidade na teoria freudiana” por que é problemática a aproximação entre
normalidade e sexualidade? É possível que consigamos mensurar uma
normalização ou uma normalidade no campo da sexualidade? Se sim, o que é
normal em termos sexuais para você?

Teoria pulsional em Freud: somos sujeitos pulsionais e não instituais!

Metapsicologia freudiana:
- Os artigos da Metapsicologia representam a tentativa mais concentrada de Freud de
esclarecimento das bases teóricas sobre as quais está assentada a psicanálise. Os cinco
artigos que compõem o conjunto — As pulsões e seus destinos, O recalque, O
inconsciente, Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos e Luto e melancolia —
fazem parte de uma coletânea de 12 artigos da qual os outros sete se perderam. Todos os
artigos restantes foram escritos no ano de 1915 quando Freud teve sua clínica bastante
reduzida em decorrência da eclosão da Primeira Guerra Mundial.

- O termo “metapsicologia” possui, em Freud, dois sentidos: o primeiro, mais explícito,


diz respeito à metapsicologia entendida como um conjunto de modelos conceituais que
constituem a estrutura teórica da psicanálise; um segundo sentido é fornecido pelo próprio
Freud em algumas cartas dirigidas a Fliess e numa passagem de A psicopatologia da vida
cotidiana, onde o termo é empregado pela primeira vez (Freud, ESB, v. VI, p. 304). Esse
outro sentido diz respeito às relações entre a metapsicologia e a metafísica (a semelhança
dos termos não é casual).

- “A teoria das pulsões é, por assim dizer, nossa mitologia” , escreve Freud (ESB, v. XXII,
p. 119).

- Como se dá a pulsão em Freud: ela nunca se dá por si mesma (nem a nível consciente,
nem a nível inconsciente), ela só é conhecida pelos seus representantes: a ideia
(Vorstellung) e o afeto (Affekt). Além do mais, ela é meio física e meio psíquica. Daí seu
caráter “mitológico”

- Pulsão, diz Freud, é “ um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático” ;


ou ainda, “ é o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo
e alcançam a mente” (ESB, v. XIV, p. 142).

- Paulo César de Souza considera a tradução francesa de trieb por pulsion como uma
resposta a uma biologização injustificável que a tradução inglesa do mesmo termo por
instinct provocou.

- Pulsão sexual x norma moral;


- O problema de distinguir entre o normal e o patológico no campo da sexualidade.
- Primeiro dualismo pulsional x Segundo dualismo pulsional.

Pulsão sexual x Pulsão do Eu. Pulsão de vida e Pulsão de morte.


- A história da psicanálise é atravessada pelo modo de pensar dualista de Freud. Os pares
antitéticos: consciente-inconsciente, princípio de prazer-princípio de realidade, ativo-
passivo, pulsões sexuais-pulsões de autoconservação etc. são exemplos desse dualismo.
No quadro da primeira teoria das pulsões, Freud opunha as pulsões sexuais às pulsões de
autoconservação (ou pulsões do ego); esse dualismo é substituído, a partir de 1920, pelo
novo dualismo: pulsões de vida-pulsão de morte.

Pulsão: empregado por Sigmund Freud a partir de 1905, tornou-se um grande


conceito da doutrina psicanalítica, definido como a carga energética que se
encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento
psíquico inconsciente do homem.
Pulsão x Instinto: a escolha da palavra pulsão para traduzir o alemão Trieb
correspondeu à preocupação de evitar qualquer confusão com instinto e
tendência. Essa opção correspondia à de Sigmund Freud, que, querendo marcar
a especificidade do psiquismo humano, preservou o termo Trieb, reservando
Instinkt para qualificar os comportamentos animais.
Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade: foi na versão inicial desse
livro que Freud recorreu pela primeira vez à palavra pulsão. Num trecho
acrescentado em 1910, ele forneceu uma definição geral que, em sua essência,
não sofreria nenhuma modificação: “Por pulsão, antes de mais nada, não
podemos designar outra coisa senão a representação psíquica de uma fonte
endossomática (no próprio corpo, grifo meu) de estimulações que fluem
continuamente, em contraste com a estimulação produzida por excitações
esporádicas e externas. A pulsão, portanto, é um dos conceitos da demarcação
entre o psíquico e o somático.”

▪ Ponto centralizadores:
- Pulsão difere-se do instinto7, não se reduz às simples atividades sexuais;
- Há quatro características da pulsão para Freud:
“A “força” ou “pressão” constitui a própria essência da pulsão e a situa como o motor
da atividade psíquica. O “alvo”, isto é, a satisfação, pressupõe a eliminação da excitação
que se encontra na origem da pulsão; esse processo pode comportar “alvos
intermediários” ou até fracassos, ilustrados pelas pulsões — chamadas de pulsões

7
Por instinto se entende um comportamento inato, fixado hereditariamente, comum aos indivíduos de uma
espécie: o instinto migratório de certas aves, por exemplo. Em resumo: instinto é um comportamento pré-
fixado em uma determinada espécie e que prescinde que você siga o mesmo padrão comportamental outrora
estabelecido pela sua espécie.
Segundo Laplanche & Pontalis (2008, p. 241), Instinto é “(...) classicamente, esquema de comportamento
herdado, próprio de uma espécie animal, que pouco varia de um indivíduo para outro, que se desenrola
segundo uma sequência temporal pouco suscetível de alterações e que parece corresponder a uma
finalidade”.
“inibidas quanto ao alvo” — que se desviam parcialmente de sua trajetória. O “objeto”
da pulsão é o meio de ela atingir seu alvo, e nem sempre lhe está originalmente ligado.
(Alfred Adler, citado por Freud, havia assinalado isso ao falar do “entrecruzamento das
pulsões”: um mesmo objeto pode servir, simultaneamente, para a satisfação de várias
pulsões.) Por último, a “fonte” das pulsões é o processo somático, localizado numa parte
do corpo ou num órgão, cuja excitação é representada no psiquismo pela pulsão.”
 Da infância à puberdade, a pulsão sexual não existe como tal, mas assume a forma
de um conjunto de pulsões parciais, as quais é importante não confundir com as
pulsões classificadas por categoria (cuja existência Freud sempre rejeitou, como
é atestado, por exemplo, por sua refutação da ideia de uma pulsão gregária em
Psicologia das massas e análise do eu). O caráter sexual das pulsões parciais, cuja
soma constitui a base da sexualidade infantil, define-se, num primeiro momento,
por um processo de apoio em outras atividades somáticas, ligadas a determinadas
zonas do corpo, as quais, dessa maneira, adquirem o estatuto de zonas erógenas.
Assim, a satisfação da necessidade de nutrição, obtida através do sugar, é uma
fonte de prazer, e os lábios se transformam numa zona erógena, origem de uma
pulsão parcial. Num segundo momento, essa pulsão parcial, cujo caráter sexual é
assim ligado ao processo de erotização da zona corporal considerada, separa- se
de seu objeto de apoio para se tornar autônoma. Funciona então de maneira auto
erótica. Esse registro do autoerotismo constitui a fase preparatória da instauração
do que Freud chamaria, alguns anos depois, de narcisismo primário, resultante da
convergência das pulsões parciais para o eu inteiro, e não mais apenas para uma
zona corporal específica. Posteriormente, a pulsão sexual pode encontrar sua
unidade através da satisfação genital e da função da procriação.

O conceito de Narcisismo:
- O termo “narcisismo” foi empregado pela primeira vez por Freud em 1909, durante uma
reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena, quando o apontou como um estágio
necessário entre o autoerotismo e o amor objetal. Nesse mesmo ano, ao preparar a
segunda edição dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, incluiu uma nota de
rodapé sobre a natureza bissexual do indivíduo, na qual o termo “narcisismo” aparece
pela primeira vez em seus escritos.

- O conceito é retomado no artigo sobre Leonardo da Vinci, de 1910, e na análise do caso


Schreber, publicado no ano seguinte. O capítulo III de Totem e tabu dedica um espaço
maior ao assunto, quando Freud compara o narcisismo à fase animista da história da
humanidade, mas é no artigo de 1914, Para introduzir o narcisismo, que a carga explosiva
do conceito surge em sua plenitude.

- A leitura desse artigo supõe, contudo, que tenhamos passado previamente pelos Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905. Isto não apenas pela nota de rodapé na
qual Freud faz menção ao narcisismo, mas sobretudo pelo conceito de autoerotismo
desenvolvido no ensaio que tem por título “A sexualidade infantil.

- Freud tem sua atenção despertada para a sexualidade, considerada fator importante na
constituição das neuroses, pelo menos dez anos antes da publicação dos Três ensaios.
Num artigo de 1895, que tem por título “Sobre a justificativa de se separar da neurastenia
uma determinada síndrome intitulada ’neurose de angústia’”, ele aponta o acúmulo de
excitação sexual não descarregada como o fator preponderante na etiologia da neurose.
Nesse mesmo texto, distingue a excitação sexual somática da libido sexual de ordem
psíquica, embora ainda não considere esta última inconsciente.

Sexualidade infantil:

- Nos Três ensaios, e sobretudo a partir de Para introduzir o narcisismo (1914),


“sexualidade infantil” deixa de ser um termo descritivo, empregado para designar
comportamentos sexuais na infância, comportamentos imaturos e parciais, e passa a ser
empregado como conceito explicativo designando a natureza da sexualidade humana. A
sexualidade infantil deixa de ser um fenômeno exclusivo da infância, oposto à
sexualidade adulta, madura e completa, e passa a ser a característica definidora da
sexualidade humana, seja ela a de um adulto ou a de uma criança: o fato da sexualidade
humana ser sempre parcial, não plena, e marcada pela incompletude.

A teoria da libido:

- A libido é concebida por ele como uma energia psíquica, como a expressão anímica da
pulsão sexual,21 ou ainda como uma força suscetível de variações quantitativas que
poderia servir de medida para os processos e as transformações no domínio da excitação
sexual. O fato, porém, é que ela não se constitui numa ideia clara e distinta para a
psicanálise. A palavra libido, em latim, tem uma significação aproximada a “vontade” e
“desejo”; Freud assinala que a palavra alemã mais aproximada do que ele pretende
designar por “libido” é Lust (prazer, gana), mas que é inadequada porque designa tanto a
sensação de necessidade como a de satisfação; finalmente, em várias passagens, emprega
os termos “libido” e “pulsão sexual” como se fossem sinônimos.

1. A libido é referida à pulsão sexual e apenas a ela, sendo irredutível a qualquer outra
forma de energia anímica. A ênfase de Freud sobre este ponto era justificada pelo fato de
Jung ter proposto uma libido primordial indiferenciada que poderia ser sexualizada ou
dessexualizada. O conceito deixa de designar a energia sexual e passa a designar uma
tensão geral, indeterminada, uma espécie de élan vital. O que para Jung soava como uma
ampliação do conceito, para Freud soava como uma diluição que, além de não trazer
qualquer benefício teórico, obscurecia o conceito por ele produzido.

2. Apesar de Freud ter utilizado o conceito de libido num registro predominantemente


quantitativo, não deixa de lhe atribuir também um caráter qualitativo. Em várias
passagens, refere-se a um quantum de libido, algo que é concebido como uma força ou
uma energia capaz de aumento ou diminuição e cuja distribuição ou deslocamento tornam
possível a explicação da sexualidade humana. Mas não deixa, por outro lado, de lhe
conferir um caráter qualitativo, o responsável pela distinção entre a libido e outra energia
que possa servir de suporte aos processos psíquicos em geral. O que Freud está marcando,
desde esse momento, é o lugar do não-sexual, que primeiro vai ser ocupado pelas
chamadas pulsões de autoconservação e mais tarde pela pulsão de morte.

 A segunda tópica freudiana: EU, ISSO E SUPEREU.


- Além do princípio do prazer (1920);
- O Eu e o Isso (1923).
- A questão da modificação do EU pelo ISSO e pelas influências externas.
 As instâncias ideais e o SUPEREU:
- EU IDEAL X IDEAL DE EU:
O eu ideal é uma instância que remete àquilo que nós gostaríamos de ter sido, àquilo que teria sido
o nosso lugar no desejo dos nossos pais, das expectativas da sociedade, daquilo que o outro espera
da gente. O eu ideal corresponde a uma figura do narcisismo. No fundo é um objeto para o outro,
aquilo que completaria este outro.
Já o Ideal de eu é uma instância secundária, ela é formada a partir do complexo de édipo e tem a ver
com uma substituição simbólica desse narcisismo mais primário. Ela diz para gente o que devemos
ser como um ideal, tomando algo, alguém como ideal para poder autorizar o nosso próprio desejo.
Enquanto o eu ideal é uma instância imaginária, o ideal de eu é uma instância simbólica. Ela (ideal
de eu) diz: “é como eu devo ser para poder desejar aquilo com quem me identifico”.
Substituímos às figuras que outrora foram fundamentais em nossas vidas (pai, mãe) por outras
figuras ideais (professor, médico, analista, namorado, etc.) justamente pela via do ideal de eu. É a
partir dele que montamos as nossas estruturas fundamentais de admiração e que servirão de base
para elegermos quem vamos “amar”. Amar alguém é, no fundo, colocar/incluir esta pessoa no nosso
espectro de ideal de eu.
Ideal de eu é uma instância de formação da nossa personalidade, junto com o supereu. Enquanto o
supereu diz “isto não pode! Isto não é permitido”, o ideal do eu apresenta-se para nós como
formulador de nossos ideais reguladores, aquilo do qual a gente tenta se aproximar, aquilo pelo qual
a gente se orienta, o nosso horizonte, portanto o ideal de eu nunca se alcança.
 A questão da compulsão à repetição em Freud, sobretudo em Além do
princípio do prazer:
- Por que repetimos atos que são danosos à nossa vida?
- Por que parece que escolhemos sofrer?
- Por que sempre que alcançamos algo, logo em seguida a falta se instara em nossa
existência?

❖ ATIVIDADE AVALIATIVA II! A partir da temática aqui discutida sobre


“Teoria pulsional em Freud” explique e exemplifique com um caso em questão
por que, para Freud, todos nós estamos fadados a repetir atos que são perniciosos
à nossa vida?
O MAL ESTAR NA CULTURA: estamos fadados ao sofrimento? É possível
uma vida sem lenitivos?
o Texto fundamental na Obra freudiana; É um texto para se conhecer Freud de
maneira categórica!
o É tido como um texto fundamental para o século XX;
o Neste texto é possível que vejamos toda a força do intelecto de Freud: afinal,
Freud faz um diagnóstico preciso da humanidade, da cultura e do ser humano;
o Freud não cita diretamente, mas Kant e Nietzsche são discutidos aqui: Kant –
ética; Nietzsche – violência, culpa.
o Embora seja uma continuidade, o “mal estar na cultura” se distingue tacitamente
do “Futuro de uma ilusão”, pois em 1927 Freud ainda apresenta-se entusiasmado
com a ciência e sua superior capacidade em relação à religião.
o Freud sugeriu “civilization and its discontents”. Civilização: deslocamento;
controle; higienização. Mais fraco e restrito que o termo “cultura”.
o Quem diferencia civilização de cultura é Norbert Elias – o processo
civilizador: Civilização – surgiu na França do século XIII, no seio da aristocracia,
era a “maneira como aqueles membros da sociedade que rondavam o rei deveriam
proceder. Civilizado é aquele mais urbano e instruído. Civilização: união de um
grupo para tirar proveito de um bem. Cultura: normas, regras; o que manterá o
grupo vivo.

 Das Unbehagen in der Kultur: o mal estar é intrínseco ao ser humano.


- Unbehagen (mal-estar): desconforto. Behagen: sentir-se protegido. Logo, unbehagen
remete à uma fragilidade; falta de abrigo; a querer estar protegido.
- 1930: mostra o oculto; o segredo por detrás de toda cultura e da nossa humanidade, ou
seja, seu mal estar e suas origens mais profundas.

• 1ª PARTE DO ENSAIO: retoma sua análise da religião e localiza a sua origem


na sensação de desamparo da criança, que é oposta ao seu narcisismo originário e
a violenta.
- “Na vida psíquica, nada do que uma vez se formou pode perecer”.
- “Sentimento oceânico”: nossa vida prolonga o desamparo infantil. O sentimento
oceânico proposto pelas religiões é uma projeção posterior do sentimento do bebê
de indistinção com o mundo e de amparo absoluto.

ESQUEMA!
 Bebê: behagen – sentir-se protegido

2ª PARTE DO ENSAIO: Fim de toda


“não libido
estamos para o adulto.
programados para a felicidade”.
- Todas as vezes que nos saciamos, em seguida surge uma nova necessidade.
Atingiréestado
- Freud encontrou isto nos gregos: “Viver de completude,
ter desgostos” sem conflito com
(Eurípedes).
o mundo.
• Noção de sublime (ligado ao trágico):
- Paixões mistas: misturam prazer e terror.
- Prazer extraído do terror: cinema, literatura, teatro.
- O mal estar na cultura e O Inquietante, são os melhores textos freudianos escritos
sobre o trágico.

• Freud apresenta o homem desamparado, imerso em um mundo que só lhe


confronta com dores e horrores: estes vêm tanto do corpo, como do mundo
externo, com suas armadilhas terríveis e também, talvez acima de tudo, das
relações humanas.
• Homem x Cultura: “O homem é o lobo do Homem” (Hobbes).
• O mal estar na cultura trata da cultura, do sentimento de culpa, da felicidade e
outras coisas enaltecidas.
• Freud o chamou de livrinho e não considerava grandes coisas. Obsoleto, disse ele.
• Muito embora não houvesse nada de completamente novo, Freud analisou as
questões com maior concentração.
• Morte: teoria do sublime. No centro da Psicanálise.

 Obstáculo à felicidade = sentimento de culpa.


 Felicidade – infelicidade: sadismo.

o Homem freudiano: destrutivismo.

Cultura marcada pela violência; por um impulso


incontrolável de agressão que põe por água abaixo a visão humanista e iluminista
do homem racional como o centro do mundo e o coroamento da natureza.

Carrega a natureza dentro de si e nunca poderá controla-la.

 Os homens criam mecanismos e saídas para lidar com a verdade inexorável:


- Sublimação!
 Arte: espécie de filtro do esquecimento – aproxima-se a certas drogas, ao amor e
a religião.
 Cultura: recalque dos restos, avesso da sexualidade animal. VERGONHA:
Demonstrativo do
contato
Marquês de Sade.

▪ Mal estar: limitação que a cultura impõe aos impulsos, que frustra os nossos
desejos.
▪ Consciência moral: parte essencial para o mal estar.
▪ Origem da cultura: o assassinato do pai da horda primevo.

Simbólico
▪ Gênese do Supereu: introjeção de uma culpa estruturante.
▪ Desgraças: castigo de um pai severo; alimentou a nossa culpa.

“QUANTO MAIS CULTURA, MAIS CULPA E MAIS MAL ESTAR!”

▪ Trágico - Eros x Tânatos:


- Tecnologia e seus usos pelo homem: estamos mais evoluídos?
- Freud: “Mas quem pode prever o desfecho?”
- Ler: página 183 de Mal estar na cultura (versão L&PM) – sobre o ceticismo
freudiano.

▪ “Amar ao próximo como a ti mesmo”: defesa humana contra impulsos


agressivos.
▪ Crítica ao socialismo: homem enquanto sujeito elevado.
▪ SUPEREU E ÉTICA: o que remonta a relação de ambos?

❖ ATIVIDADE AVALIATIVA III! A partir da temática aqui discutida sobre “O


mal estar na cultura”, explique, em suas palavras, o que Freud quer dizer quando
afirma que “uma vida sem lenitivos é impossível de ser vivida”?
CARL GUSTAV JUNG

• Grande importância na história da Psicanálise – Freud acreditava que Jung


poderia levar a Psicanálise para além das fronteiras do judaísmo.
• Psiquiatra suíço. Criador da Psicologia Analítica.
• Discípulo de Freud de 1907 a 1913.
• Em abril de 1906, enviou a Freud os seus Diagnostisch
Assoziationsstudien (Estudos diagnósticos de associação), inaugurando
assim uma longa correspondência: um total de 359 cartas. Para Freud, esse
encontro foi de importância crucial, pois abria para a psicanálise o “novo
continente” das psicoses. Logo se iniciou um grande debate entre Freud,
Jung e Bleuler sobre o estatuto da esquizofrenia (que ainda era chamada
dementia praecox), e sobre a questão do auto-erotismo e do autismo.
• Quando encontrou Freud, Jung já tinha uma concepção do inconsciente e
do psiquismo, herdada de Théodore Flournoy, de Janet e de todos os
artífices da subconsciência. Não só não compartilhava as hipóteses
vienenses, como também estava em desacordo com a concepção freudiana
da sexualidade infantil, do complexo de Édipo e da libido. O que o
aproximava de Freud era, por um lado, o fascínio por uma obra na qual
acreditava encontrar a confirmação de suas hipóteses sobre as idéias fixas
subconscientes, as associações verbais e os complexos, e por outro lado, a
atração por um ser excepcional com o qual podia se medir.
• Em 1910, em Nuremberg, foi eleito primeiro presidente da Internationale
Psychoanalytische Vereinigung (IPV), futura International
Psychoanalytical Association* (IPA).
• Em 1912, o conflito entre Freud e Jung se tornou evidente, quando
Jung preparou a publicação de Metamorfoses da alma e seus símbolos,
que teria muitas reedições. A discordância foi completa a respeito da
teoria da libido. Mas a gota d’água foi um acontecimento menor.
Freud foi visitar Ludwig Binswanger, operado de um tumor maligno
e não passou por Küsnacht, que ficava apenas a cinquenta
quilômetros de Kreuzlingen. Jung interpretou esse gesto como uma
ofensa. Depois de várias disputas, durante as quais Jung tentou
convencer Freud da necessidade de dessexualizar sua doutrina (nem
que fosse, disse ele, para que ela fosse mais bem acolhida), a ruptura
se consumou em 1913. Freud tomou a iniciativa de romper, depois de
ter uma síncope em Munique durante o jantar do congresso da IPA.
• Depois de um longo período de crise interior e depressão, que
coincidiu com a duração da Primeira Guerra Mundial, Jung iniciou a
elaboração de sua obra. Deu o nome de psicologia analítica à corrente
de pensamento em que se baseia seu método de psicoterapia. Com essa
denominação, pretendia significar que a psique não tinha nenhum
substrato biológico. Quanto à clínica, ela tinha como objetivo
reconduzir o sujeito à realidade e libertá-lo de seus “segredos
patogênicos”, segundo a expressão de Moritz Benedikt. O método
junguiano se inscrevia assim na continuidade das antigas “curas de
alma” dos pastores protestantes.
• Carl Gustav Jung morreu em sua casa de Küsnacht em 6 de junho de 1961.
Suas cinzas foram depositadas no túmulo da família, que ele próprio
decorara. Nessa época, seus adversários continuavam a tratá-lo de
colaboracionista, enquanto seus amigos e próximos afirmavam que ele
nunca participara da menor tomada de posição em favor do nazismo ou do
antissemitismo.
• Inconsciente individual x inconsciente coletivo:
- O inconsciente coletivo foi proposto por Jung como uma extensão do
inconsciente freudiano.
- Inconsciente freudiano: uma forma simbólica produzida por operações
de negação, de repúdio, de exclusão de certas ideias/representações que
aparecem ao EU como incompatíveis, como causa de sofrimento. Logo,
para se livrar dessas representações inconciliáveis o sujeito “coloca-as” no
inconsciente (processo de recalcamento). Então como características
primordiais do inconsciente freudiano temos que ele é recalcado, infantil
e sexual.
- Jung critica essa visão de inconsciente. Afirma que o inconsciente não é
somente composto pela libido enquanto energia sexual, mas acredita que
a libido seja a totalidade da energia psíquica do psiquismo.
- Para Jung o inconsciente é coletivo porque há representações históricas,
culturais que já vem conosco, em uma espécie de pré-história.
• Em 1919, Jung elaborou a noção de arquétipo, oriunda da noção de imago,
para definir uma forma preexistente inconsciente que determina o
psiquismo e provoca uma representação simbólica que aparece nos
sonhos, na arte ou na religião. Os três principais arquétipos são o animus
(imagem do masculino), a anima (imagem do feminino) e o selbst (si-
mesmo), verdadeiro centro da personalidade. Os arquétipos constituem o
inconsciente coletivo, base da psique, estrutura imutável, espécie de
patrimônio simbólico próprio de toda a humanidade. Essa representação
da psique é complementada por “tipos psicológicos”, isto é, características
individuais articuladas em torno da alternância introversão/extroversão, e
por um processo de individuação, que conduz o ser humano à unidade de
sua personalidade através de uma série de metamorfoses (os estádios
freudianos).

SANDOR FERENCZI

• Psiquiatra e psicanalista Húngaro.


• Ferenczi foi não só o discípulo preferido de Sigmund Freud*, mas também
o clínico mais talentoso da história do freudismo.
• Ferenczi logo se mostrou adepto da medicina social. Sempre pronto a
ajudar os oprimidos, a escutar os problemas das mulheres e a socorrer os
excluídos e marginais, tomou, em 1906, a defesa dos homossexuais em
um texto corajoso apresentado à Associação Médica de Budapeste.
• Atacava os preconceitos reacionários da classe dominante, que tendia a
designar aqueles que se chamavam uranianos como degenerados
responsáveis pela desordem social.
• Esse era o homem que, depois de ler com entusiasmo A interpretação dos
sonhos*, visitou Freud em fevereiro de 1908, acompanhado do seu colega
e amigo Fulop Stein (1867-1917).
• Mais intuitivo, mais sensual e mais feminino, Ferenczi procurava na
psicanálise os meios de aliviar o sofrimento dos pacientes.
• Em 1908, descobriu a existência da contratransferência. Dois anos depois,
Freud conceitualizou essa noção, fazendo dela um elemento essencial na
situação analítica.
• Em 1909, com Jung, acompanhou Freud aos Estados Unidos. Um ano
depois, viajou com ele para a Itália, passando por Florença, Roma, Palerm
e Siracusa. No mesmo ano, fundou a International Psychoanalytical
Association* (IPA). Enfim, em 1912, criou a Sociedade Psicanalítica de
Budapeste, com Sandor Rado*, Istvan Hollos e Ignotus.
• Ferenczi também estabeleceu uma "breve análise" com Freud. Uma
primeira em outubro de 1914 e uma segunda em 1916, durante o mês de
junho. Como não poderia deixar de ser, essa análise marcou
profundamente Ferenczi, de modo a vir reorientar sua concepção sobre a
prática clínica. Concepção que inclusive serviria para ele questionar
determinados princípios na própria direção do tratamento freudiano. Mais
ainda, essa análise viria a ser o pivô de críticas endereçadas à Freud, uma
vez que este não teria analisado a transferência negativa do seu "paladino"
e "grão-vizir" não mais tão "secreto" assim.
• Para Ferenczi (1932/1990), sua análise não foi levada a termo devido à
posição subjetiva do seu analista. Assim, e dentre outras coisas, um dos
impasses que Ferenczi (1933/2011c) irá colocar em cena é a
pseudoneutralidade do analista - que muitas vezes se convertia naquilo que
ele chamou de "hipocrisia profissional" (p. 113) - sustentada, sobretudo,
pelo princípio de abstinência.
• No entanto, essas críticas foram precedidas pela própria exacerbação desse
princípio através da criação, por parte de Ferenczi, da técnica ativa. A
partir de 1918, Ferenczi iniciou, então, uma longa série de trabalhos sobre
a técnica psicanalítica, nos quais relata, primeiramente, suas experiências
de atividade. Dessa forma, aquele ano foi também marcado pelas
inovações técnicas que ele vai formular para responder às diversas
questões que os limites do tratamento clássico lhe colocavam a respeito de
determinados pacientes.
• Freud estava de acordo com a técnica ativa e elogiou seu pupilo com o
texto Linhas de progresso na Terapia Psicanalítica (Freud, 1919/1996a),
reivindicando, inclusive, como aponta Dupont (2011), a paternidade da
ideia, uma vez que esta tinha como ponto de partida o princípio de
abstinência. Dada a estagnação das associações e, portanto, o esgotamento
e a esterilização do trabalho analítico, essa técnica é um conjunto de
procedimentos que induzem o analisante a ser mais ativo a fim de tornar
novamente o trabalho de análise fecundo. Nota-se que, para essa
finalidade, o psicanalista deixa de ser simplesmente passivo e sua
participação atuante implica, também do lado do paciente, uma atividade.
Através de injunções ou mesmo de proibições, o paciente é levado pelo
analista a fazer ou a renunciar a algo. Em termos metapsicológicos, tratou-
se de tocar na esfera da economia pulsional.
• A ideia de Ferenczi era que, em alguns casos, a pulsão encontrava refúgio
e satisfações substitutas alhures, impedindo, assim, seu investimento no
trabalho analítico. Através da técnica ativa, esperou-se produzir uma
renúncia às satisfações substitutas, de modo a provocar um aumento de
tensão na economia pulsional que, por sua vez, encontraria destino
novamente pela via simbólica das associações. Dito de outra forma, tratou-
se de produzir um giro na pulsão e desviá-la dos seus investimentos
sintomáticos para seu investimento analítico. Após ter aplicado essa
técnica em uma de suas pacientes, Ferenczi (1920/2011d) anunciou: "O
resultado foi o seguinte: um novo material mnêmico tornou-se acessível e
o curso da análise foi manifestamente acelerado" (p. 120). Por outro lado,
ele também foi percebendo os efeitos colaterais de sua
técnica − exacerbação da posição masoquista de alguns pacientes,
reeditando traumas anteriores e tendo o analista, nesse momento, como
um agressor − o que o levou a abandoná-la e a consolidar, a partir da
revisão desse procedimento, outras posições para o analista com seus
pacientes.

DONALD WOODS WINNICOTT

• Médico pediatra e psicanalista inglês.


• Fundador da psicanálise com crianças na Grã-Bretanha.
• Em 1923, orientou-se para a pediatria e para a psicanálise*. Nessa data, foi
nomeado médico- assistente no Padington Green Children’s Hospital, lugar que
ocuparia durante 40 anos, tratando de mais de 60 mil casos. No mesmo ano,
começou, com James Strachey*, um tratamento que se prolongou durante dez
anos.
• No momento em que Winnicott começou sua formação psicanalítica, a British
Psychoanalytical Society (BPS), fundada por Ernest Jones* em 1913, estava em
crise. Violentos conflitos opunham os partidários de Anna Freud* aos de Melanie
Klein a propósito da psicanálise de crianças.
• Em 1926, a pedido de Jones, Melanie se instalou em Londres. Contra Anna Freud,
que continuava apegada a uma concepção pedagógica do tratamento de crianças,
ela desenvolveu um ensino centrado na técnica dos jogos e na observação das
psicoses infantis. Por volta de 1930, o conflito teórico resultou em conflito
institucional. Melanie Klein se tornou tirânica e sua prática foi denunciada por sua
própria filha, Melitta Schmideberg*, analisada por Edward Glover.
• No centro dessa terrível confusão familiar, Winnicott afirmou sua independência.
Embora admirasse Melanie Klein, com quem, a conselho de Strachey, fez uma
supervisão entre 1935 e 1941, recusou-se a ceder às suas exigências.
• Assim, quando ela quis obrigá-lo a analisar seu filho Erich, a fim de supervisionar
o tratamento, ele o fez mas não aceitou nenhum tipo de supervisão*. Todavia, foi
no grupo kleiniano que ele continuou sua formação, fazendo outra análise com
Joan Riviere* entre 1933 e 1938. Por sua vez, Clare Winnicott seria analisada por
Melanie Klein.
• Em sua obra Da pediatria à psicanálise, publicada em 1958, apresentou o
conjunto de suas posições sobre o tema. Ao contrário de Melanie Klein,
interessava-se menos pelos fenômenos de estruturação interna da subjetividade do
que pela dependência do sujeito* em relação ao ambiente. Não aceitava a
explicação freudiana da agressividade em termos de pulsão de morte e definiu a
psicose como um fracasso da relação materna.
• Daí sua crença em uma certa normalidade fundada nos valores de um humanismo
criador. Segundo ele, era o “bom funcionamento” do laço com a mãe que permitia
à criança organizar o seu eu* de maneira sadia e estável. Vemos aqui que
Winnicott era menos marcado pela tradição da psiquiatria do que pela da pediatria.
Como Françoise Dolto posteriormente, foi a medicina educativa, mais do que o
fascínio pela loucura, que marcou o seu itinerário.
• Depois, foi o trabalho durante a guerra com crianças refugiadas e
conseqüentemente privadas presença materna que levou Winnicott a desenvolver
um conjunto de novas noções. Em sua opinião, a dependência psíquica e biológica
da criança em relação à mãe tem uma importância considerável. Daí o célebre
aforismo de 1964: “O bebê não existe.”
• Winnicott queria dizer com isso que o lactente nunca existe por si só, mas sempre
e essencialmente como parte integrante de uma relação. Se a mãe estiver incapaz,
ausente ou, pelo contrário, demasiadamente intrusiva, a criança se arrisca à
depressão ou a condutas anti-sociais, como o roubo ou a mentira, que são maneiras
de reencontrar, por compensação, uma “mãe suficientemente boa”.
• Todos os grandes conceitos winnicottianos construídos a partir de 1945 fazem
parte de um sistema de pensamento fundado na noção de relação: a mãe devotada
comum (ordinary devoted mother), a mãe suficientemente boa (good enough
mother), o jogo da espátula ou do rabisco (spatula game, squiggle game) ou ainda
o falso e o verdadeiro self* e o objeto transicional.
• Pela importância que atribui à mãe e à relação de maternagem, Winnicott se
inscreve na lógica do freudismo no período entre as duas guerras, quando o
interesse pelo pai, pelo patriarcado e pelo Édipo* clássico foi abandonado, em
benefício de uma redefinição do materno e do feminino. Nessa perspectiva, a good
enough mother era realmente uma mãe ideal: atenta a todas as formas de diálogo
e de brincar criativo, ela devia se mostrar capaz de inspirar à criança uma
frustração* necessária, a fim de desenvolver seu desejo* e sua capacidade de
individuação. Essa relação, que reduz o lugar do pai ao mínimo indispensável,
aparece como exclusiva e não-erotizada.
• A partir de 1945, a obra winnicottiana tomou importância no mundo anglófono,
na medida em que as mulheres foram estimuladas a voltar ao lar, depois do esforço
de guerra e da volta dos homens à vida civil. Quanto ao próprio Winnicott, tornou-
se uma figura popular em seu país, depois de fazer, entre 1939 e 1962, cerca de
50 conferências radiofônicas na BBC, quase todas dirigidas aos pais.
• Winnicott tinha verdadeira paixão pela infância, como mostra o relatório do
tratamento da “pequena Piggle”, publicado depois de sua morte. Esta tinha dois
anos quando foi paciente de Winnicott. Ele a viu durante três anos, a pedido, e fez
com ela 16 sessões memoráveis. Gostava de brincar com as crianças, com suas
palavras, com seus brinquedos de pelúcia. Mas não mostrava nenhuma
complacência para com a infância. Comparava o bebê a um “fardo carregado pelos
pais”, e quando abrigou em sua casa um menino de 9 anos que fugira de casa,
escreveu estas palavras: “Três meses de inferno [...]. O que importa, penso eu, é a
maneira pela qual a evolução da personalidade do menino gerou o ódio em mim
e o que eu fiz com isso.”
• Sua técnica psicanalítica* sempre esteve em contradição com os padrões da
International Psychoanalytical Association* (IPA). Winnicott não respeitava
nem a neutralidade nem a duração das sessões, e não hesitava, na linhagem
da herança ferencziana, em manter relações de amizade calorosa com seus
pacientes, reencontrando sempre a criança neles e em si mesmo. Via na
transferência* uma réplica do laço materno. Assim, oferecia a seus
analisandos um “ambiente” especial. Às vezes, tomava-os nos braços e
prolongava a sessão durante três horas. Dedicou a sua última obra, O brincar
e realidade, aos seus pacientes que “pagaram para me ensinar”. Esse não-
conformismo, essa ausência de ortodoxia nunca lhe foram realmente
reprovados por seus colegas da BPS.

JACQUES LACAN

• Psiquiatra e psicanalista francês.


• Certamente o maior freudiano que já existiu.
• O pós-freudiano que mais ampliou e produziu sobre a psicanálise de Freud.
• Dentre os grandes intérpretes da história do freudismo, Jacques Lacan foi o único
a dar à obra freudiana uma estrutura filosófica e a tirá-la de seu ancoramento
biológico, sem com isso cair no espiritualismo.

• Lacan sofria de inibições na escrita e precisou de ajuda para publicar seus textos
e transcrever o famoso seminário público, que se realizou de 1953 a 1979. Nove
seminários entre vinte e cinco foram “estabelecidos” e publicados por seu genro,
Jacques-Alain Miller, entre 1973 e 1995. O vigésimo sexto seminário, do ano
1978-1979, é “silencioso”, pois Lacan não mais podia falar.

• Jacques Lacan escreveu apenas um livro, sua tese de medicina de 1932 publicada
sob o título Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade, na qual
relatou o caso de Marguerite Anzieu

• Jacques Lacan reinterpretou quase todos os conceitos freudianos, assim como os


grandes casos (Herbert Graf*, Ida Bauer*, Serguei Constantinovitch Pankejeff*,
Ernst Lanzer* e Daniel Paul Schreber*) e acrescentou ao corpus psicanalítico sua
própria conceitualidade.

• Se era estimado como um brilhante intelectual fora dos meios psicanalíticos


franceses, Lacan sofreu por não ser reconhecido pela Sociedade Psicanalítica de
Paris (SPP), na qual seus trabalhos não eram levados em conta e seu
anticonformismo causava irritação.

• Em 1936, cruzou pela primeira vez a história do freudismo internacional indo a


Marienbad para o Congresso da International Psychoanalytical Association*
(IPA). Nesse congresso, apresentou uma exposição sobre o estádio do espelho*.
Mas Ernest Jones cortou-lhe a palavra apenas com dez minutos de sua exposição.

• “Lacan não tinha absolutamente, como objetivo, reinventar a psicanálise, escreveu


Jacques- Alain Miller. Pelo contrário, situou o começo de seu ensino sob o signo
de um ‘retorno a Freud’; apenas perguntou, a respeito da psicanálise: sob que
condição ela é possível?” Em 1950, Lacan começou esse retorno aos textos de
• Freud, baseando-se, ao mesmo tempo, na filosofia heideggeriana, nos trabalhos
da linguística saussuriana e nos de Lévi-Strauss.

• Da primeira, adotou um questionamento infinito sobre o estatuto da verdade, do


ser e de seu desvelamento; da linguística, extraiu sua concepção do significante*
e de um inconsciente* organizado como uma linguagem; do pensamento de Lévi-
Strauss deduziu a noção de simbólico*, que utilizou em uma tópica* (simbólico,
imaginário*, real*: S.I.R.), assim como uma releitura universalista da interdição
do incesto* e do complexo de Édipo*.

• Revalorizando o inconsciente e o isso, em detrimento do eu, Lacan atacou uma


das grandes correntes do freudismo, a Ego Psychology, da qual seu ex-analista se
tornara um dos representantes, e que ele assimilava a uma versão edulcorada e
adaptativa da mensagem freudiana. Chamava-a de “psicanálise americana” e lhe
opunha a peste, isto é, uma visão subversiva da teoria freudiana, centrada na
prioridade do inconsciente.

• Como fizera no período entreguerras, Lacan continuou então a estabelecer fortes


relações fora do meio psicanalítico: com Roman Jakobson (1896-1982), Claude
Lévi- Strauss, Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Graças a Jean Beaufret
(1907-1982), de quem era analista, encontrou-se com Martin Heidegger (1889-
1976).

• Na SPP, Lacan atraiu muitos alunos, fascinados pelo seu ensino e desejosos de
romper com o freudismo acadêmico da primeira geração francesa. Começou então
a ser reconhecido ao mesmo tempo como didata e como clínico.

• Seu senso agudo da lógica da loucura, sua abordagem original do campo das
psicoses* e seu talento lhe valeram, ao lado de Françoise Dolto, um lugar especial
aos olhos da jovem geração psiquiátrica e psicanalítica.

• Como todos os outros países, depois da Segunda Guerra Mundial, a França


freudiana entrou na era dos conflitos, das crises e das controvérsias. A primeira
cisão* francesa se produziu em 1953, e se desenrolou em torno da criação de um
novo instituto de psicanálise e da questão da análise leiga. Tendo como líder Sacha
Nacht, os adeptos da ordem médica se opunham aos universitários liberais, que
cercavam Daniel Lagache e defendiam os alunos do instituto, revoltados com o
autoritarismo de Nacht.

• Contestado, ao longo dessa crise, pela sua prática das sessões de duração variável
(ou sessões curtas), que questionavam o ritual da duração obrigatória (45-50
minutos), imposto pelos padrões da IPA, Lacan ficou do lado dos universitários.
Certamente, mostrava-se favorável à análise leiga, mas não compartilhava
nenhuma das teses de Lagache sobre a psicologia clínica*. Recusando qualquer
idéia de assimilação da psicanálise a uma psicologia qualquer, considerava os
estudos de filosofia, de letras ou de psiquiatria como as três melhores vias de
acesso à formação dos analistas. Reatou assim com o programa projetado por
Freud, quando do congresso da IPA em Budapeste, em 1918.

• Violentamente hostil a Lacan e impressionada com a agitação de seus alunos,


Marie Bonaparte*, mesmo favorável à análise leiga, deu apoio ao grupo de Nacht,
provocando assim a partida dos liberais e da grande maioria dos alunos.

• Lagache fundou então a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP, 1953-1963),


formada por Lacan, Dolto, Juliette Favez-Boutonier*, e pelos principais
representantes da terceira geração psicanalítica francesa: Didier Anzieu, Jean
Laplanche, Jean-Bertrand Pontalis, Serge Leclaire*, François Perrier*, Daniel
Wildlöcher, Jenny Aubry*, Octave Mannoni*, Maud Mannoni e Moustapha
Safouan. À exceção de Wladimir Granoff, todos estavam (ou tinham estado) em
análise ou em supervisão* com Lacan.

• Depois de anos de discussão e intercâmbio, o comitê executivo da IPA recusou a


Lacan e a Dolto o direito de formar didatas. As razões dessa recusa eram
complexas. Lacan era acusado de transgressão das regras técnicas, principalmente
das que determinavam a duração das sessões. Quanto a Dolto, o problema era, em
parte, sua maneira de praticar a psicanálise de crianças*, mas também sua
formação didática: nessa época, os alunos de René Laforgue* foram convidados
a fazer uma nova análise.

• A segunda cisão (“excomunhão”, como diria Lacan) do movimento psicanalítico


ocorreu durante o inverno de 1963. Foi vivida como um desastre por todos os
membros da SFP, tanto pelos alunos quanto pelos negociadores: Leclaire, Lacan,
Granoff, Perrier, e Pierre Turquet pela Grã-Bretanha

• Em 1964, a SFP foi dissolvida e Lacan fundou a École Freudienne de Paris (EFP),
enquanto a maioria de seus melhores alunos se posicionou ao lado de Lagache, na
Associação Psicanalítica da França (APF), reconhecida pela IPA. Obrigado a
deslocar seu seminário, Lacan foi acolhido, graças à intervenção de Louis
Althusser, em uma sala da École Normale Supérieure (ENS), na rue d’Ulm, onde
pôde prosseguir seu ensino.

• Doravante, Lacan seria reconhecido, celebrado, odiado ou admirado como um


pensador de envergadura, e não mais apenas como um mestre da psicanálise. Sua
obra seria lida e comentada por inúmeros filósofos, entre os
• quais Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925-1995).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Em Freud:
FREUD, Sigmund. Carta 69 (1897). In: FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de Janeiro: Imago, 1976. v.
I.

FREUD, Sigmund. Carta 71 (1897). In: FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de Janeiro: Imago, 1976. v.
I,

FREUD, Sigmund. A interpretação de sonhos (1900). In: FREUD, Sigmund. Edição


Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de
Janeiro: Imago, 1976. v. IV,

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: FREUD,
Sigmund. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
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FREUD, Sigmund. Esclarecimento sexual das crianças (1907). In. FREUD, Sigmund. In:
FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud: Rio de Janeiro: 1976. v. IX

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Sigmund Freud: Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. IX,

FREUD, Sigmund. Sobre as teorias sexuais das crianças (1908b). In: FREUD, Sigmund.
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FREUD, Sigmund. Romances familiares (1909[1908]). In: FREUD, Sigmund. Edição


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Janeiro: Imago, 1976. v. IX

FREUD, Sigmund. Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens


(contribuições à psicologia do amor I) (1910). In: FREUD, Sigmund. Edição Standard
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Imago, 1976. v. XI

FREUD, Sigmund. Sobre o narcisismo (1914). In: FREUD, Sigmund. Edição Standard
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Imago, 1976. v. XIV

FREUD, Sigmund. Conferências introdutórias sobre psicanálise (1916-1917 [1916-


1917]) – conferência XXI – O desenvolvimento da libido e as organizações sexuais. In:
FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud: Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. XVI
FREUD, Sigmund. A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da
sexualidade (1923a). In: FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. XIX

FREUD, Sigmund. O Eu e o Isso (1923b). In: FREUD, Sigmund. Edição Standard


brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de Janeiro:
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FREUD, Sigmund. A dissolução do complexo de Édipo (1924b). In: FREUD, Sigmund.


Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio
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FREUD, Sigmund. Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os


sexos (1925). In: FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. XIX

FREUD, Sigmund. Sexualidade Feminina (1931). In: FREUD, Sigmund. Edição


Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de
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REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES:

COSTA, T. Édipo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.


DOR, J. O pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
KATZ, C. S. Complexo de Édipo. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2009.
NASIO, J-D. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa. Rio de Janeiro: Zahar,
2007.

QUINET, A. Édipo ao pé da letra: fragmentos de tragédia e psicanálise. Rio de Janeiro:


Zahar, 2012.

SIGAL, A. M. Escritos metapsicológicos e clínicos. São Paulo: Casa do psicólogo, 2009.


SÓFOCLES. Édipo Rei. Tradução de Paulos Neves. Porto Alegre: L&PM, 2011.

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