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Unidade II

Unidade II
Para introduzir esta unidade, convém abordarmos rapidamente os temas concepção de pessoa,
de saúde, doença e de cura e ação terapêutica. No âmbito das ciências biológicas, humanas e
sociais, toda teoria, sem exceção, é construída tomando por base determinada concepção de
pessoa. Teorias psicológicas são baseadas em distintas concepções de psiquismo. Ou seja, todas
as teorias são construídas com base em determinado modo de compreender o ser humano e, por
sua vez, as teorias psicológicas são construídas com base em determinado modo de compreender
o ser humano e seu psiquismo. Por exemplo: o behaviorismo considera que o ser humano é
completamente determinado pelo ambiente; a psicanálise de Freud considera que o psiquismo
humano funciona como uma máquina; a psicologia fenomenológico‑existencial-humanista compreende
o ser humano como um ser livre, responsável, confiável, em busca de autorrealização; a psicologia transpessoal
acrescenta o fator busca de autotranscendência às qualidades humanas reconhecidas pela psicologia
fenomenológico‑existencial‑humanista.

É impossível e indesejável trazermos para este livro-texto o montante de conhecimentos produzidos


pela psicologia ao longo de sua existência como ciência. Além de impossível, isso se mostra indesejável,
neste momento de formação educacional de futuros fisioterapeutas. Dedicar-nos-emos, então,
à tarefa de reunir tópicos que nos parecem relevantes para seu exercício profissional, graduando
de Fisioterapia.

5 PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE

5.1 Tópicos de psicologia da personalidade

Figura 10

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PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

5.1.1 Psicologia da personalidade: introdução

Pinto (2009) assinala o fato de ser a personalidade um dos mais importantes temas da psicologia.
Como não se deve tratar desiguais de modo igual, é preciso reconhecer que diferentes pessoas reagem
de modo diferente a um mesmo estímulo e, dependendo das circunstâncias, uma determinada pessoa
pode reagir de distintas maneiras a um único estímulo.

Cada pessoa tem um modo particular de ser, fato que deve ser considerado em toda relação humana
e, obviamente, também na relação estabelecida entre o fisioterapeuta e seu cliente. É preciso que todo
profissional da saúde identifique os pontos de competência e de dificuldade de seus clientes para
apoiá‑los em seus esforços por aceitar suas dificuldades ou superá-las, e que reconheça também as
próprias dificuldades e limitações para poder aceitá-las como limites pessoais ou se propor a superá-las.

Conforme referido na introdução deste livro-texto, toda corrente teórica da psicologia é


subdividida em diversas teorias. Para atingir a finalidade de compreendermos o que é personalidade,
tivemos que fazer um recorte, dada a extensão e complexidade do tema. Elegemos para apresentar
a você, graduando de Fisioterapia, uma visão ampla dos conceitos de personalidade adotados pelo
behaviorismo (primeira grande corrente), pela psicanálise (segunda grande corrente), pela psicologia
fenomenológico‑existencial‑humanista (terceira grande corrente) e pela psicologia transpessoal (quarta
grande corrente).

Todas essas abordagens teóricas consideram, pelo menos, cinco componentes:

• genético;

• temporal (mudanças próprias do crescimento e do desenvolvimento);

• familiar (hereditariedade e modo de apresentação do mundo);

• histórico-geográfico-cultural (tempo e lugar);

• classe socioeconômica.

Assim, quando colocado diante de seu cliente, o fisioterapeuta realizará esforços para compreendê‑lo,
considerando fatores genéticos (o que foi herdado) e mudanças ocorridas no decorrer do tempo (história
familiar, localização espaçotemporal e pertença sociocultural e religiosa).

Ao perguntarmos o que é personalidade, convém recorrermos novamente ao psicólogo Pinto (2009),


que, apoiado em Allport, Filloux e Delisle, entre outros pensadores, destaca algumas definições. Vejamos.

Para o estadunidense Gordon Allport, personalidade é “a organização dinâmica no indivíduo de


sistemas psicofísicos que determinam suas adaptações singulares ao próprio meio” (apud PINTO, 2009, p. 6).

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Observação

Em 1936, ao elaborar sua teoria dos traços de personalidade, Gordon


Allport descobriu que um único dicionário de inglês continha mais de 4 mil
palavras que descreviam traços de personalidade.

Para o francês Jean-Claude Filloux, filósofo e pedagogo, personalidade é a configuração única


assumida no decurso da história de um indivíduo pelo conjunto de sistemas responsáveis por seu
comportamento. A personalidade, segundo esse autor:

• é única (própria de um único indivíduo);

• é uma organização (e não apenas uma soma de funções);

• é temporal (um indivíduo vive durante um certo período de tempo);

• consiste em um estilo específico, que se manifesta por meio de comportamentos.

Para Gilles Delisle (1999 apud PINTO, 2009), a personalidade é um modo específico e relativamente
estável de organizar os componentes cognitivos, emotivos e comportamentais da própria experiência.
Dessa organização de componentes decorre o senso individual de identidade.

O interessante é que, por possuir componentes universais, típicos da espécie, toda pessoa é
reconhecível como ser humano. Além disso, há semelhanças entre seres humanos no que diz respeito
a estilos ou tipos de personalidade. No entanto, cada pessoa é absolutamente única.

Figura 11

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PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Observação

A palavra personalidade deriva da palavra persona, designativa da


máscara utilizada em espetáculos teatrais gregos na Antiguidade Clássica.
Essas máscaras, feitas de argila, ocultavam o rosto dos atores.

Sem dúvida, um ator que cobre seu rosto com uma máscara para representar uma personagem
de uma narrativa pode bem ser comparado com o que fazemos em nosso dia a dia: usamos distintas
máscaras para representarmos distintos papéis sociais em distintos cenários de nossa vida – o que sou
em minha família não é idêntico ao que sou em meu ambiente de trabalho, e não é idêntico ao que
sou quando me encontro com amigos. Interagimos em nossos grupos de pertença com as personagens
exigidas por cada um desses grupos. Não damos a conhecer nosso eu profundo. Aliás, não damos a
conhecer nosso eu profundo nem mesmo para nós. Essa noção será melhor compreendida à medida que
avançarmos na leitura deste livro-texto.

5.1.2 Noções de psicanálise

Das diversas teorias da personalidade, trazemos para este contexto alguns elementos da
psicanálise, criada por Sigmund Freud em Viena, no início do século XX, e progressivamente ampliada
e difundida desde então até os nossos dias. Essa abordagem da psicologia se caracteriza por considerar
o inconsciente e os conteúdos nele presentes como fatores determinantes dos comportamentos
humanos. Ao tratar do inconsciente, a psicanálise inclui entre seus objetos de estudo a relação entre
desejos inconscientes, comportamentos e sentimentos. Sua ação clínica fundamenta-se na escuta
e na interpretação de conteúdos inconscientes manifestos em palavras, sonhos, ações e produções
imaginárias, passíveis de serem observados por meio da livre associação e do processo de transferência
que ocorre na relação psicoterápica.

Entre seus principais conceitos se incluem o de instinto e de pulsão. Os instintos, biologicamente


determinados, dirigem-se a objetos específicos e levam indivíduos da mesma espécie a agirem de
modo semelhante para atingir finalidades específicas. As pulsões – de vida (impulsos sexuais e
de autopreservação) e de morte (impulsos agressivos e destrutivos), por outro lado, derivam da
experiência humana e das tensões somáticas; têm diferentes fontes e formas de manifestação; dirigem
a ação a determinado fim e descarregam temporariamente a tensão ao atingi-lo (ANCONA‑LOPEZ;
RIBEIRO; FRIAS, 2015).

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Figura 12

Com base na metapsicologia, Freud considerou três dimensões ao abordar o fenômeno do psiquismo:

• Dimensão tópica: considera três instâncias do psiquismo (consciente, pré-consciente e


inconsciente) e três aparelhos que operam nessas instâncias (id, ego e superego).

• Dimensão dinâmica: considera as múltiplas pressões exercidas sobre o ego e o jogo de forças
em conflito.

• Dimensão econômica: trata da distribuição e mobilidade da quantidade de energia em circulação


no aparelho psíquico.

Bock, Furtado e Teixeira (1999), tratando da topologia do psiquismo, afirma que Freud (1987) definiu
do seguinte modo as três instâncias do funcionamento psíquico:

• No inconsciente estão situados os conteúdos reprimidos e não admitidos na consciência, devido


às censuras internas. Seu funcionamento é regido por leis próprias, sendo atemporal, ou seja,
desconsidera as noções de passado e presente.

• No pré-consciente permanecem conteúdos próximos, a serem acessados pela consciência.

• No consciente, situam-se os conteúdos internos e externos que, articulados nessa instância,


visam atender e equilibrar várias pressões por meio da percepção, da atenção e do raciocínio, que
tendem, entretanto, a sofrer influências e deformações por parte dos conteúdos inconscientes.

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Figura 13

Entre 1920 e 1923, Freud ampliou seus postulados, ao introduzir o conceito de aparelho psíquico,
composto de:

• Id: estrutura inconsciente regida pelo princípio do prazer, na qual estão sediadas as pulsões de
vida e de morte, bem como os instintos, correspondendo ao reservatório da energia psíquica.

• Ego: estrutura reguladora regida pelo princípio da realidade, que busca o equilíbrio e opera
na instância consciente, buscando coordenar e atender a diversas exigências internas (do id e
do superego) e externas (da realidade), por meio das funções básicas – percepção, memória,
sentimentos e pensamentos.

• Superego: estrutura originária da internalização das proibições, regida pelo princípio da


moralidade, dos limites e da autoridade, contendo os conteúdos morais definidos a partir das
interações parentais e da interiorização das normas e exigências sociais e culturais. Configura-se
como aparelho autoritário que incide sobre o ego para repressão dos impulsos do id.

Mecanismos de defesa do ego

No bojo das contribuições da teoria psicanalítica, os mecanismos de defesa merecem especial


atenção dos fisioterapeutas, por se apresentarem durante as intervenções realizadas junto aos pacientes.
Isso porque a percepção das realidades interior e exterior pode causar dor e desorganização: para
evitar sofrimentos, a pessoa distorce ou suprime elementos da realidade, como recurso para afastar
da consciência conteúdos vividos como ameaçadores. E é exatamente para evitar sofrimentos que os
mecanismos de defesa ocorrem, de modo inconsciente e a despeito da vontade do indivíduo. Diversas
modalidades de defesa do ego podem ser observadas em nossos pacientes. Elas variam de pessoa para
pessoa e também pode ocorrer de uma única pessoa adotar mais de um mecanismo em determinada

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situação, assim como pode ocorrer substituição de um mecanismo de defesa por outro durante a
interação do ego com o fator gerador de tensão.

Lembremos que esses mecanismos são acionados e operam em nível inconsciente para resguardar
a integridade, a organização e o equilíbrio do ego. Entre os mecanismos de defesa mais comuns,
podemos destacar:

• Negação: aspectos inaceitáveis de uma situação tida como intolerável são suprimidos da
percepção – não são percebidos, ou seja, são negados.

• Regressão: frente a uma situação angustiante, ou devido à emergência de um conteúdo


inconsciente ameaçador, o indivíduo retorna a etapas anteriores de seu desenvolvimento, nas
quais ele sentia segurança e apresenta comportamentos regredidos, infantis ou primitivos, o que
pode incluir excesso de lembranças e devaneios. Tal mecanismo pode ser observado, por exemplo,
quando nasce um novo irmão e a criança mais velha apresenta comportamentos infantilizados,
por medo de perder o amor dos pais.

• Recalque ou repressão: tido como um dos mecanismos de defesa mais utilizados, caracteriza‑se
pelo recurso de afastar da consciência conteúdos considerados ameaçadores e mantê-los
no inconsciente.

• Formação reativa: com o objetivo de afastar da consciência um desejo ou conteúdo considerado


ameaçador, o indivíduo adota uma atitude oposta à esperada como manifestação desse desejo
ou conteúdo. Demonstrações de afeto e de superproteção exacerbadas podem estar encobrindo
um impulso agressivo, assim como pode ocorrer que manifestações da agressividade podem estar
encobrindo o medo. Por meio desse recurso, a mãe que sente raiva do filho que lhe acarreta
muitas dificuldades pode, por exemplo, superprotegê-lo para evitar admitir o sentimento de raiva
presente em nível inconsciente.

• Projeção: para evitar um conteúdo causador de sofrimento, o indivíduo o projeta no mundo


exterior, ou seja, atribui a outra pessoa o que considera indesejável em si. Esse mecanismo é
frequente e bastante observável em nosso cotidiano – graças a ele o indivíduo vê em outra pessoa
conteúdos próprios vivenciados como se fossem dela e, sem se dar conta disso, poderá atacar em
outrem o que não tolera reconhecer como próprio.

• Racionalização: a fim de normatizar um aspecto próprio, considerado deficitário, o indivíduo


constrói explicações racionais convincentes e aceitáveis, que justificam estados “deformados” da
consciência. Por meio desse mecanismo, a razão fica a serviço do que é irracional e elementos
da cultura, da ciência e da moralidade são utilizados para justificar impulsos destrutivos, como
ocorre, por exemplo, em guerras e em manifestações de preconceitos, ocasiões em que elementos
morais, culturais e científicos são utilizados para justificar o desejo de destruir. Outro exemplo
pode ser observado em usuários de álcool e drogas ilícitas, que mencionam aspectos positivos e
motivos para o uso supostamente benéfico de tais substâncias.

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PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

• Sublimação: mecanismo por meio do qual o indivíduo desvia impulsos sexuais e agressivos para
atingir finalidades socialmente aceitas, por exemplo o trabalho. É considerado um dos mecanismos
mais salutares, pelo fato de converter os impulsos em produtos socialmente aceitáveis. Temos um
exemplo disso em práticas cirúrgicas que resultam da sublimação do desejo ou do impulso de ferir
seres vivos.

• Reparação: ocorre quando o indivíduo procura adotar condutas para consertar um objeto
destruído internamente por um impulso agressivo e, assim, atenuar um sentimento de culpa. Por
exemplo, quando o indivíduo reza para atenuar o sentimento de culpa por haver criticado sua
instituição religiosa.

• Compensação: para lidar com inadequações e insatisfações relativas à própria vida e à própria
personalidade, o indivíduo constrói fantasias e narrativas capazes de enaltecê-las. Com isso busca
substituir sentimentos de inferioridade por outros que lhe permitam obter o reconhecimento de
que necessita.

• Introjeção: para suportar uma situação angustiante, o indivíduo toma para si características de
outra pessoa, passando a reconhecer como próprio o valor ou o comportamento externo que foi
internalizado. Temos um exemplo de uso desse mecanismo de defesa do ego em situações de
violência, nas quais as vítimas interiorizam características do agressor. Aliás, esse mecanismo está
presente na etiologia (origem) de comportamentos violentos.

Figura 14

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Observação

Há, ainda, outros mecanismos de defesa, entre os quais anulação,


isolamento, idealização, deslocamento, identificação, volta contra o eu,
fixação e cisão/dissociação, cuja descrição consideramos desnecessária no
presente contexto.

Figura 15

Os conceitos de personalidade são articulados a outros conceitos, entre os quais os de corpo humano,
temperamento, caráter e identidade. Como o tema temperamento é diretamente relacionado ao tema
corpo, apresentamos a seguir distintas concepções de corpo e de temperamento.

5.1.3 Corpo e temperamento: concepções ocidentais e orientais

Como não poderia deixar de ser, a noção de temperamento acha-se intimamente relacionada à concepção
de corpo humano e à noção de que corpo humano e pessoa constituem unidades psicossomáticas. Tais
noções foram retomadas por Massimi (2005), que, revisitando concepções formuladas ao longo da tradição
ocidental, privilegiou as desenvolvidas por pensadores da Grécia clássica, da tradição judaico‑cristã, da
Idade Média, da Idade Moderna e do Brasil Colônia. Adotando uma perspectiva não cartesiana para abordar
a questão do corpo humano, essa autora o concebe como intrinsecamente dotado de dimensões anímicas,
espirituais e políticas.

Para realizar um levantamento dessas perspectivas de corpo e suas dimensões, Massimi (2005)
visitou a história de culturas ocidentais e de culturas brasileiras. De seu excelente trabalho recortamos,
para trazer a este contexto, concepções ocidentais de corpo e de temperamento próprias da tradição
filosófica e médica da Grécia clássica e da tradição judaico-cristã.

A medicina de Hipócrates, importante expoente da tradição filosófica e médica da Grécia, postulava


haver profunda unidade entre o corpo e a alma, o que levava a supor a existência de enfermidades da
alma. À medicina do corpo se unia, pois, uma medicina da alma, entendida a unidade corpo-alma como

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expressiva da unidade psicossomática do ser humano. Tendo o equilíbrio por princípio unitário da saúde,
qualquer desequilíbrio, fosse no corpo, fosse no espírito, seria causa de doença.

Apoiadas em uma visão integral de ser humano, as teorias platônicas (Timeu e República), aristotélicas
(Política) e hipocráticas o entenderam como unidade psicossomática individual, social e cósmica. Platão
(427-347 a.C.), filósofo grego da Antiguidade, discípulo de Sócrates e considerado um dos principais
pensadores da história da filosofia, considerava ilusório o mundo percebido por meio dos sentidos. Para
ele, o ser humano é um conjunto estrutural – synamphoteron – de corpo e alma.

Aristóteles (384-322 a.C.), filósofo da Antiguidade, discípulo de Platão e mestre de Alexandre, o Grande,
considerava o corpo como “executor” de operações anímicas e a alma como princípio vital; o corpo
integrado à natureza humana, submetido à alma, não para lhe servir de instrumento, mas por terem a
mesma finalidade. A relação entre corpo e alma, relação de amor e amizade, tendo por princípio unitário
de saúde o equilíbrio, faz com que qualquer desequilíbrio (no corpo ou na alma) produza doenças.

Hipócrates (460-377 a.C.), considerando íntima a unidade entre corpo e alma, praticava e ensinava
que à medicina do corpo corresponde uma medicina da alma, sendo a saúde da unidade corpo-alma
identificável por meio de avaliação do equilíbrio: qualquer desequilíbrio (no corpo ou na alma) causa
doenças. Segundo essa concepção, um excesso de apetite sensorial (paixão) ou de determinado “humor”,
por exemplo, podem causar doenças físicas e psicológicas. A Hipócrates devemos a primeira formulação
da teoria dos humores, uma das teorias do temperamento.

Recorrendo à tradição judaico-cristã, constatamos que os textos bíblicos retomam a visão aristotélica
de uma sociedade civil estruturada com base na arquitetura de corpos viventes que, perseguindo o
ideal de relacionamentos fraternos, ganha forma de corpo social e de lugar de intervenção divina na
história. O homem, imagem e semelhança de Deus, por Ele modelado em argila, se torna ser vivente ao
receber do Criador o sopro vital. No cristianismo, o homem é compreendido como constituído de corpo
(“modelado de argila”), alma e espírito (“manifestações do sopro vital”).

Ainda em âmbito ocidental, o racionalismo de René Descartes (1596-1650), filósofo, físico e


matemático francês, colaborou de modo expressivo para uma conceituação reducionista do corpo
humano ao considerá-lo restrito às suas dimensões de matéria e movimento.

Mencionamos que as concepções de corpo e de homem selecionadas por Massimi (2005) se


restringiram à tradição ocidental. É interessante nos afastarmos por um tempo desse universo e
realizarmos uma breve incursão no universo negro-africano, incursão essa bastante justificável: por
ocasião da escravidão, que perdurou por 350 dos 520 anos da história do Brasil, um grande contingente
de africanos (cerca de cem grupos étnicos distintos) foi trazido a nosso país e, evidentemente,
participou de modo significativo da construção de nosso patrimônio demográfico, linguístico, social
e cultural.

Entre as etnias negro-africanas trazidas da África Ocidental ao Brasil, está incluída a etnia iorubá,
de expressiva presença em nosso país, que trouxe para cá a cultura e a religião de orixás, divindades de
seu panteão, que marcam profundamente, com traços africanos, a identidade nacional.
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Os iorubás compreendem a pessoa como constituída de partes que estabelecem relações entre si
e com forças cósmicas e naturais. Dessas partes apenas uma é considerada visível, sendo as demais,
invisíveis: ara, ojiji, okan, emi e Ori. Somente é visível ara, o corpo físico. As demais instâncias do ser
humano são invisíveis: ojiji, o “fantasma humano”, representa a essência espiritual e acompanha o
homem durante toda a sua vida; okan, traduzido por “coração”, acha-se intimamente associado ao
sangue e representa o okan imaterial, sede da inteligência, do pensamento e da ação; emi, princípio
vital, associado à respiração, é o “sopro divino”, que anima o homem, significando, também, “espírito”
ou “ser”; Ori, essência do ser, guia e ajuda a pessoa desde antes do nascimento, durante toda a vida
e após a morte.

Ori acompanha o homem desde antes de seu nascimento, durante toda a experiência vivida no
mundo material e após a morte, período durante o qual Ori continua acompanhando o homem, então
na condição de ancestral, do mesmo modo que o acompanhou anteriormente.

O sentido literal da palavra ori é “cabeça”. Ori, parcialmente independente, considerado divino, é
cultuado, recebe oferendas e orações para estar bem, porque quando ori inu (cabeça interior) está bem,
todo o ser do homem está em boas condições. O desenvolvimento humano obedece a um ritmo que, em
nível individual, inclui vida pré-natal em determinada comunidade de espíritos, nascimento, puberdade,
casamento, procriação, velhice, morte, ingresso na comunidade de espíritos ancestrais e novo nascimento.

Os iorubás consideram que as realizações fundamentais da existência dependem não apenas de


inclinações naturais e/ou da sorte, mas também de esforços pessoais que, aliados às forças do destino,
favorecem o desenvolvimento de um homem forte, rico em saúde (longevo), genitor de prole numerosa
(fértil) e possuidor de respeitáveis recursos materiais (próspero).

A concepção de saúde é a seguinte: ter saúde é ser forte. Ser forte é estar carregado de axé, a força
vital. Para atingir o ideal de viver forte nos planos natural, social e espiritual, é preciso possuir axé,
energia que flui em todos esses planos, força vital indispensável à consecução de qualquer objetivo.
O axé, sendo energia, pode ser obtido ou perdido, acumulado ou esgotado, e também transmitido ou
furtado. Seu acúmulo manifesta-se física, psicológica e socialmente como poder, e seu esgotamento
como doença física, mental ou adversidades de toda ordem. Se bem administrado, aumenta com
o passar do tempo e o acúmulo de experiência, associando-se a isso a fertilidade, a prosperidade
e a longevidade.

Resumindo em pouquíssimas palavras a filosofia iorubá, podemos dizer que, no universo entendido
como uma grande rede de participação, em que ocorrências do plano visível relacionam-se intimamente
a outras, do plano invisível, a pessoa, constituída de porções visíveis e invisíveis, capaz de atuar
conscientemente nos vários planos e instâncias e de neles manipular a força vital, pode promover
o próprio desenvolvimento para tornar-se forte (longeva, fecunda e próspera) e contribuir para o
bem‑estar de sua coletividade. Nesse complexo, ocupa lugar de honra o conselho, que deve ser solicitado,
compreendido e obedecido.

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Disso se deduz a noção iorubá de saúde, entendida como muito mais abrangente do que apenas
saúde de um corpo físico. Segundo essa concepção, doença é qualquer desequilíbrio energético – não
apenas do corpo físico – e cura é o restabelecimento do equilíbrio energético.

É interessante observar que há pontos de estreita aproximação entre a concepção de Hipócrates,


tão distante de nós no tempo e no lugar, e a concepção iorubá, que vive no presente em países do
continente africano e vive entre nós, brasileiros, preservada nas chamadas casas de axé, locais de prática
de religiões brasileiras de matriz iorubá.

No contexto da fisioterapia, o contato corporal é imprescindível, como sabemos. Muitos procedimentos


demandam o toque corporal. E agora? Como entender o que de fato tocamos ao tocar o corpo de um
cliente? A resposta a esta última pergunta depende da concepção de pessoa e da concepção de saúde,
doença e cura adotadas pelo fisioterapeuta.

Se sua concepção de pessoa é mecanicista, ao tocar o corpo de seu cliente, entende estar tocando
somente o corpo de seu cliente e mais nada. Se sua compreensão de pessoa é mais ampla, se entende
como verdadeiros os princípios da psicossomática ou do somatopsiquismo, ao tocar o corpo de seu
cliente, estará tocando muito mais que um corpo físico: estará tocando também suas emoções, suas
memórias, seu modo de ser, e tantos outros registros de seu sistema nervoso e de seu sistema muscular.

E se, finalmente, sua compreensão de pessoa é ainda mais ampla, se entende como verdadeira a
concepção de pessoa que considera o humano constituído de um corpo denso e diversos corpos sutis e
que, além disso, esse corpo é morada temporária de um espírito, portanto sagrado, ao tocar o corpo
de seu cliente, estará tocando muito mais que um corpo psicossomático: estará tocando também o
relicário que abriga o sagrado presente no humano.

É indispensável voltarmos o olhar para nós mesmos e nos perguntarmos: afinal, o que penso
disso tudo? E como devo proceder para fazer de minha prática profissional uma oportunidade de
concretização de minhas convicções e crenças, sem desrespeitar os parâmetros da ciência e da
laicidade do Estado brasileiro?

Lembrete

Nossa prática profissional nas áreas da saúde e da educação, entre


outras, depende de nossa concepção de universo, de pessoa e destino
humano, de saúde, doença e cura.

Concepções ocidentais e orientais de temperamento

As teorias morfológicas, formuladas inicialmente pelo psiquiatra alemão Kretschmer, enfatizam


aspectos estruturais do corpo e buscam reconhecer tipos corporais para definir uma tipologia. A possível
relação entre estrutura corporal e personalidade levou a uma classificação segundo a qual um físico
delgado e delicado estaria associado a um temperamento introvertido, enquanto um físico rotundo,
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pesado e curto estaria associado a um temperamento extrovertido e jovial. Kretschmer chegou a


explicitar três tipos distintos de temperamento, correspondentes a certos tipos orgânicos, cujas
características acham-se reunidas no quadro a seguir.

Quadro 1

Tipo físico Descrição Temperamento Descrição


Ciclotímico diastésico Quando alegre: jovial, loquaz,
Pícnico Gordo, arredondado otimista; quando deprimido:
Oscila entre tristeza e alegria afável, tranquilo, silencioso
Esquizotímico psicoestésico
Leptossômico Alto, esguio Idealista, reformador
Sensibilidade e frieza
Atlético Robusto, muscular Ixotímico Tenaz e explosivo

Fonte: Pasquali (2003, p. 9).

Entre as teorias psicológicas, incluem-se a teoria formulada por Sheldon, psicólogo norte‑americano, e
seus colaboradores, que sofisticaram a proposta de Kretschmer e produziram detalhada descrição de
variantes do temperamento. E ganha especial destaque a teoria dos tipos psicológicos, de Carl Gustav
Jung (1967, 1974 apud PASQUALI, 2003).

Jung propõe distinguir extroversão de introversão e postula a existência de quatro funções


(processos cognitivos básicos): pensamento, sentimento, sensação e intuição, das quais derivam oito
tipos de personalidade:

• sensação extrovertida;

• sensação introvertida;

• intuição extrovertida;

• intuição introvertida;

• pensamento extrovertido;

• pensamento introvertido;

• sentimento extrovertido;

• sentimento introvertido.

Sensação e intuição são modalidades de percepção; pensamento e sentimento são modalidades


de julgamento.

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Em artigo intitulado “Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter, segundo


a psicologia corporal”, Volpi (2004) assinala que as palavras temperamento, personalidade e caráter
há muito são utilizadas com frequência sem uniformidade de conceituação. O mesmo interesse por
uniformizar conceitos levou Pasquali (2003) e Massimi (2005) à procura de um arcabouço teórico que
possibilitasse classificar de modo coerente esses termos.

Uma vez identificado por esses autores que no âmbito da psicologia e em diversos outros âmbitos
há ambiguidades relativas à compreensão do que seja temperamento, por vezes confundido com
personalidade, por vezes considerado causa de reações emocionais, por vezes atribuído de outros
significados, esses três autores, cada qual em âmbito próprio, decidiram se dedicar à tarefa de
elucidar conceitos.

Volpi (2004) lembra a origem etimológica da palavra “temperamento”: advinda do latim temperamentum,
essa palavra, cujo significado é “medida”, designa peculiaridades e intensidade de afetos. Pasquali
(2003) contribui informando que a palavra temperare, utilizada por Galeno de Pérgamo (129-199 d.C.),
designava o equilíbrio dos humores no corpo, equilíbrio desejável por ser condição indispensável de boa
saúde. A palavra temperare teria dado origem à palavra “temperamento”. Esse significado original foi
expandido para abranger referências à estrutura predominante do humor e da motivação de animais e
de pessoas.

Segundo Volpi (2004), entre os diversos sistemas básicos de explicação do temperamento, dois
ganham destaque: o sistema humoral, de interesse histórico, que relaciona o estado do organismo
com a proporção dos líquidos e humores que circulam no organismo, sendo a teoria de Hipócrates
um bom exemplo. Outro sistema é o constitucional, que relaciona características físicas e psicológicas
a compleições corporais.

No âmbito do cristianismo, especificamente no campo do hermetismo cristão, temos a antroposofia,


que reúne minuciosos estudos sobre natureza e desenvolvimento humanos e descreve o homem como
cidadão de dois mundos – um material e outro sutil – e também descreve pormenorizadamente o
temperamento humano relacionado a quatro elementos da natureza: terra, água, fogo e ar.

Ar Fogo

Terra Água

Figura 16

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Concepções antroposóficas de corpo e de temperamento, e outras, próprias dos saberes tradicionais


do taoísmo (continente asiático) e do povo iorubá (continente africano), servem de fundamento às
práticas integrativas e complementares regulamentadas pela Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC), aprovada pela Portaria n. 971, de 3 de maio de 2006, do Ministério da Saúde
(BRASIL, 2006).

Saiba mais

Uma apresentação mais completa dos sistemas de explicação do


temperamento é realizada na obra indicada a seguir:

PASQUALI, L. Os tipos humanos: a teoria da personalidade. Petrópolis:


Vozes, 2003.

A teoria dos humores é própria da tradição filosófica do número 4, de Pitágoras (572-497 a.C.),
e da teoria cosmológica dos quatro elementos, de Empédocles de Acragas (495-430 a.C.). Este
filósofo sugere que toda substância é composta de quatro elementos: terra, fogo, água e ar.
Aristóteles (384-322 a.C.), além de concordar com a teoria dos quatro elementos, acrescentou que
eles possuem propriedades básicas: à terra estão associados o frio e a secura; à água, a umidade e
o frio; ao fogo, a secura e o calor; ao ar, o calor e a umidade.

O já mencionado médico Hipócrates, considerado no ocidente o pai da Medicina, relacionou a


teoria cósmica à saúde das pessoas, criando a teoria dos humores ou teoria dos temperamentos.

De fato, para entendermos bem o significado de “humor”, é preciso recorrer à teoria hipocrática,
formulada há cerca de 2.500 anos, a qual dizia que o corpo humano é constituído de quatro
humores fundamentais:

• bílis negra (atrabílis);

• bílis amarela (bílis);

• sangue;

• fleuma (linfa).

60
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Quente

Sangue Bílis amarela

Fogo

Úmido Água Terra Seco

Ar

Fleuma Bílis negra

Frio

Figura 17

Observação

Bílis (ou bile) é um fluido produzido pelo fígado e armazenado na vesícula


biliar, que atua na digestão de gorduras e na absorção de substâncias
nutritivas da dieta alimentar.

O excesso de um dos quatro humores provoca doenças no corpo e traços exagerados de personalidade.
Do predomínio de determinado humor na constituição corporal decorre determinado temperamento:

• Excesso de bílis negra determina temperamento melancólico, característico de pessoas tristes e


sonhadoras, cujas reações são lentas e intensas.

• Excesso de bílis amarela determina temperamento colérico ou bilioso, característico de pessoas


dotadas de desejos fortes e sentimentos impulsivos, cujas reações são rápidas e intensas.

• Excesso de sangue determina temperamento sanguíneo, característico de pessoas dotadas de


humor oscilante, cujas reações são rápidas, porém débeis.

• Excesso de água determina temperamento fleumático, característico de pessoas lentas e apáticas,


de reações fracas e lentas.

61
Unidade II

Coléricos Quente Sanguíneos

Bílis amarela Sangue


Fígado Coração
Fogo Ar

Seco Úmido

Terra Água
Baço Cérebro
Bílis negra Linfa
Melancólicos Frio Fleumáticos

Figura 18 – Teoria dos humores

Essa teoria, que afirma a química do corpo como determinante do tipo de temperamento, foi
difundida posteriormente pelo greco-romano Galeno de Pérgamo (129-199 d.C.), que, conforme
mencionado, considerava a boa saúde dependente do equilíbrio, da boa dosagem dos humores no corpo,
do temperare dos humores, equilíbrio desejável por ser condição indispensável à boa saúde.

Quadro 2

Humor Temperamento Características pessoais Reações


predominante
Bílis negra Melancólico Pessoas tristes e sonhadoras Lentas e intensas
Pessoas dotadas de desejos fortes e
Bílis amarela Colérico (bilioso) Rápidas e intensas
sentimentos impulsivos
Sangue Sanguíneo Pessoas de humor oscilante Rápidas e débeis
Água Fleumático Pessoas lentas e apáticas Fracas e lentas

Temperamento, caráter e personalidade

Alguns estudiosos propuseram um modelo tridimensional da personalidade baseado em sete


dimensões, quatro delas de temperamento (de base prioritariamente biológica) e três de caráter
(de base prioritariamente psicológica). Volpi (2004), por sua vez, após enunciar diversas teorias psicológicas
sobre o temperamento, afirma que o mais aceitável atualmente é admitir que certas características do
temperamento se acham associadas a processos fisiológicos do sistema linfático e da ação endócrina
de alguns hormônios. No âmbito dessa explicação, segundo a qual tanto a genética quanto o meio
exercem ação sobre o temperamento, este pode ser compreendido como uma disposição pessoal, inata
e particular, pronta a reagir a estímulos ambientais. Em outras palavras, temperamento seria o aspecto
somático da personalidade.

Segundo Navarro (1999 apud VOLPI, 2004, p. 2):

encontramos diferentes tipos de temperamentos. Há pessoas basicamente


tireóideas, hipo ou hipersuprarrenais, timolinfáficas... e isso faz parte do
temperamento. Temos um normotipo, um longitipo, um braquitipo, (...)
aspectos do temperamento de uma pessoa.
62
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Volpi (2004) afirma que o temperamento pode ser transmitido de pais para filhos e, embora não
seja passível de aprendizagem, pode ser abrandado por meio de ação educacional, competindo ao
caráter a tarefa modeladora. Da constituição da personalidade, processo que ocorre desde a gestação,
participam elementos do temperamento, geneticamente herdados, e elementos de caráter, entre
outros, adquiridos do meio ambiente.

Strelau e Angleitner (1987 apud PASQUALI, 2003) descrevem cinco características que diferenciam
temperamento de personalidade:

• O temperamento é biologicamente determinado; a personalidade é produto do ambiente social.

• Características temperamentais podem ser identificadas desde cedo na infância; a personalidade


é moldada ao longo de todo o desenvolvimento infantil.

• Diferenças individuais com características temperamentais, como ansiedade, extroversão/introversão,


são observáveis também em animais; personalidade é prerrogativa de seres humanos.

• O temperamento se expressa por meio de qualidades estilísticas; a personalidade se expressa por


meio de comportamentos.

• O temperamento não desempenha função integrativa no comportamento humano; a personalidade


desempenha função integrativa no comportamento humano.

O caráter, palavra advinda do grego charakter, que etimologicamente significa sinal e marca, designa
fatores inscritos no psiquismo e no corpo das pessoas durante seu desenvolvimento. Entre as teorias
psicológicas do caráter, a mais influente foi a elaborada por Wilhelm Reich (1995), que entende por
caráter o conjunto de reações e hábitos de comportamento adquiridos ao longo da vida que constituem
o modo específico de ser de cada pessoa. O caráter é composto, pois, de atitudes e hábitos de uma
pessoa e de seu padrão consistente de respostas a diversas situações.

O caráter inclui atitudes e valores conscientes, estilo de comportamento (timidez ou agressividade,


por exemplo), postura, hábitos de manutenção e movimentação do corpo. Ele é, pois, o modo pelo qual
uma pessoa se apresenta, com seu temperamento e sua personalidade. Ele expressa o temperamento
e a personalidade de uma pessoa. Segundo essa concepção, poderíamos dizer, então, que por meio do
caráter a personalidade e o temperamento se manifestam.

Tendo sido apresentadas concepções ocidentais de temperamento, e considerando a importância


das PNPICs, voltemos nosso olhar para outras concepções: a taoísta, própria de saberes tradicionais do
continente asiático; e a iorubá, própria de saberes tradicionais do continente africano.

É interessante observar que na tradição taoísta (China) são considerados cinco elementos
básicos da constituição do mundo material (e não quatro): terra, água, fogo, madeira e metal.
O conhecimento desses elementos e da dinâmica estabelecida entre eles é absolutamente indispensável para
63
Unidade II

a compreensão da noção taoísta de universo e de homem, cujas consequências são importantíssimas


para a educação e a saúde, sendo particularmente úteis na prática da medicina chinesa. A interação
e o controle recíproco desses elementos encontram-se em constante movimento, conforme representado
na figura a seguir.

Fogo

Madeira Terra

Água Metal

Figura 19

Saiba mais

Aos interessados em aprofundar conhecimentos sobre essa concepção


chinesa de corpo e temperamentos, recomendamos o acesso ao site a seguir:

https://www.taoismo.com.br

Na tradição iorubá os elementos da natureza também são considerados para além de sua natureza
física: à sua natureza anímica (ou espiritual) é atribuído significado místico e, como nas demais tradições
aqui abordadas, são utilizados em processos de educação e cura.

É interessante observar que a esses saberes tradicionais são associadas recomendações de cunho
religioso, uma vez que os saberes tradicionais dialogam de modo íntimo com religiões, dada a proximidade
de concepções de universo e de pessoa que há entre esses domínios humanos.

64
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Figura 20

Rodrigo Frias (2019), em sua tese de doutorado intitulada Metamorfoses identitárias de lideranças
religiosas não iorubás inspiradas no convívio com lideranças religiosas iorubás, apresenta algumas
noções de identidade sob as perspectivas psicológica e cultural. Inicia citando Santos e Fernandes (2016
apud FRIAS, R. R., 2019), autores para os quais a identidade inclui componentes individuais e coletivos
e remete às noções que o sujeito tem de si, dos outros e de seus grupos de pertença. A identidade é
constituída na relação eu-outro.

Indícios

Eu não me vejo,
Mas os outros refletem
Com que me pareço
€_FR!@s

Fonte: Frias, E. R. (2015).

Figura 21

65
Unidade II

5.1.4 Identidade pessoal

A formação de vínculos entre um indivíduo e seu grupo ou comunidade se dá por meio da identificação
de ideias e ideais e do compartilhamento de crenças, valores e ações.

O brasileiro Ciampa (1987), psicólogo social, também se refere aos múltiplos componentes da
identidade pessoal como personagens de comportamentos relativamente independentes, que habitam
nossa subjetividade e interagem nesse cenário íntimo que é a nossa vida intrapsíquica. O indivíduo
isolado é uma abstração, e a identidade pessoal se concretiza na relação com outras pessoas, em distintas
circunstâncias de nossas atividades sociais. Uma identidade que não se realize na relação com o próximo
é fictícia, é abstrata, é falsa.

Estamos falando de seres que interagem em cenários de nossa interioridade psíquica. Nesse âmbito
subjetivo, tudo se passa como numa obra teatral da qual participam diretor, ator e personagens.
E, enquanto o drama interno se desenrola, vai ocorrendo um processo de contínua, permanente e
inevitável metamorfose pessoal.

Parece-nos que Raul Seixas (1945-1989), considerado pai do rock brasileiro, nosso “Maluco Beleza”,
expressa muito bem essa dinâmica, ao cantar (SEIXAS, s.d.):

Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Eu quero dizer
Agora o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor
Sobre que eu nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator
É chato chegar
A um objetivo num instante
Eu quero viver
Nessa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
66
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Saiba mais

No YouTube, há vídeos sobre esse expoente da música brasileira, que


captou com sensibilidade e expressou com precisão conceitos que demandam
de teóricos da psicologia páginas e páginas de textos explicativos.

Veja, por exemplo, o vídeo a seguir:

SEIXAS, R. Metamorfose ambulante. [s.d.]. Disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=7VE6PNwmr9g. Acesso em: 23 mar. 2020.

Prossigamos nos próximos parágrafos com a apresentação do pensamento de Ciampa (1987), para
quem as personagens internas estabelecem relações entre si nesse espaço intrassubjetivo e estabelecem
relações com pessoas e elementos da realidade externa. Em outras palavras, no âmbito da própria
subjetividade, há um ator representando diversas personagens.

Ao observarmos com atenção a identidade de uma pessoa qualquer, inicialmente a vemos como
estática, definindo um indivíduo que nos parece isolado dos demais. Sua identidade, representada por
um nome próprio, é vista inicialmente como algo imutável. No entanto, durante nossa interação com
essa pessoa, outros predicados vão se revelando, ela vai dando a conhecer seus papéis sociais, algumas
de suas diversas personagens interiores, representadas por um ator que nunca veremos. Assim, uma
identidade nos aparece como a articulação de várias personagens, uma articulação de semelhanças e
diferenças, que constituem determinada biografia.

Por exemplo: damos uma passada na padaria para tomar um café e comer um pão de queijo. Jogo
rápido. No banco ao lado do nosso, senta uma pessoa e puxa prosa. Trocamos nossos nomes e telefones,
e isso é tudo. Conversa agradável, combinamos um encontro para nos conhecermos melhor: onde você
trabalha? Faz o quê? Mora com quem? Torce para qual time? Estuda ou não? Pratica alguma religião?
Acredita em Deus? Acredita em vida após a morte? Tem Facebook, Twitter, blog? E, assim, fazemos
desfilar diante de nossos olhos muitas personagens representadas por um ator desconhecido.

E, aqui estamos nós, novamente, produzindo longos – e talvez maçantes – textos para transmitir
a você informações que possam ser úteis em sua prática profissional. De novo, somos obrigados a
reconhecer que os poetas, com sua linguagem analógica, sua linguagem carregada de metáforas, são
capazes de dar o mesmo recado com poucas palavras, e, ainda por cima, conseguem vesti-las de beleza.

67
Unidade II

Figura 22

Veja outro exemplo disso, no cantar de Chico Buarque (s.d.):

Noite dos mascarados

– Quem é você?
– Adivinha, se gosta de mim!

Hoje os dois mascarados


Procuram os seus namorados
Perguntando assim:

– Quem é você, diga logo...


– Que eu quero saber o seu jogo...
– Que eu quero morrer no seu bloco...
– Que eu quero me arder no seu fogo.

– Eu sou seresteiro,
Poeta e cantor.
– O meu tempo inteiro
Só zombo do amor.
– Eu tenho um pandeiro.
– Só quero um violão.
– Eu nado em dinheiro.
– Não tenho um tostão.
Fui porta-estandarte,
Não sei mais dançar.
– Eu, modéstia à parte,
Nasci pra sambar.
68
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

– Eu sou tão menina...


– Meu tempo passou...
– Eu sou colombina!
– Eu sou pierrô!

Mas é carnaval!
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr.

Deixa o dia raiar, que hoje eu sou


Da maneira que você me quer.
O que você pedir, eu lhe dou,
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!

Saiba mais

No YouTube, há vídeos de Chico Buarque interpretando essa música.


Vale a pena conferir, por exemplo, o vídeo a seguir:

BUARQUE, C. Noite dos mascarados. [s.d.]. Disponível em: https://


www.youtube.com/watch?v=fjjd2u_kSWY. Acesso em: 23 mar. 2020.

Veja também o vencedor do Oscar de melhor filme em 2017:

MOONLIGHT: sob a luz do luar. Direção: Barry Jenkins. EUA, 2017.


91 min.

Pois bem. Identidade é processo, é história, e não há personagens fora de uma história. Do
mesmo modo, não pode haver história sem personagens. E, ao longo da trajetória existencial,
cada identidade pessoal vai se configurando em meio a relações sociais ocorridas em determinada
estrutura social e determinado momento histórico.

Foi constatando esse fato que nosso amigo, Antônio da Costa Ciampa (1987), produziu a
obra A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de psicologia social. Severino
é um personagem ficcional, idealizado pelo poeta João Cabral de Melo Neto e personagem
principal do poema Morte e vida Severina; a retirante Severina é uma mulher de carne e osso,
que chega do sertão da Bahia para viver em ruas de São Paulo. Ciampa (1987) narra as trajetórias
biográficas de ambos e, apoiado nessas narrativas, constrói a teoria apresentada a você neste
livro-texto. Estamos diante de duas identidades dinâmicas, em constante mutação, em contínua

69
Unidade II

metamorfose. Para melhor conhecê-las, é preciso acompanhá-las em seu caminho de vida. Não
é possível conhecermos de modo imediato a identidade de alguém. Caminhando lado a lado e
testemunhando a contínua metamorfose de uma pessoa, maiores chances temos de conhecê-la.

Figura 23

Saiba mais
No YouTube, assista a vídeos de entrevistas concedidas por A. C.
Ciampa e da peça musical de teatro derivada do poema Morte e vida
severina. Faça isso. Dificilmente se arrependerá:
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 6ª REGIÃO. Teaser –
videodocumentário Antônio da Costa Ciampa. 24 jul. 2019. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=osz2oJjowZw. Acesso em: 23 mar. 2020.
LÍTERABRASIL. Morte e vida severina: resumão#11. 7 jun. 2019.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jYjJ9DkZ5BA.
Acesso em: 23 mar. 2020.

A partir do que foi dito até agora sobre identidade, não há dúvida: identidade não pode ser
entendida somente como uma questão científica ou acadêmica: ela é também uma questão social,
uma questão política.

Retomando a peculiar condição de metamorfose permanente das identidades pessoais, é


interessante lembrar que qualquer objeto, mesmo que seja mineral ou vegetal, quando entregue à própria
natureza, se transforma: o metal oxida, a peça de roupa desbota, o alimento deteriora.

70
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Como diz a sabedoria chinesa, absolutamente tudo se encontra em contínuo processo de


mutação. A única coisa que não muda é o fato de que tudo muda. É impossível, pois, evitar a
transformação, manter-se inalterado. É possível apenas manter uma aparência de estabilidade absoluta.

Como diretores de cena e atores, representamos a nós mesmos nas distintas situações sociais.
Nunca expressamos a totalidade de nossos seres: falamos e agimos sempre como representantes de nós
mesmos, adequando personagens aos cenários e às cenas de nossa rotina social. E toda pessoa com a
qual interagimos também se apresenta diante de nós representada por alguma de suas personagens.
Comparecemos uns diante dos outros como representantes de nós mesmos, apresentando uma face,
um aspecto, de nossa totalidade.

Com base nas contribuições de Ciampa (1987) e de Santos e Fernandes (2016), Rodrigo Frias
(2019) infere que, para a psicologia, a identidade é constituída de diversas “partes”, diversos aspectos
pessoais inerentes, outros aspectos obtidos e/ou cultivados nos grupos aos quais a pessoa pertence, em
representações de si e do outro, em atitudes e comportamentos, bem como de relações do indivíduo
com membros de seus grupos de pertença e de suas relações com outras pessoas.

Fatores biológicos, culturais, históricos, geográficos e socioeconômicos participam ativamente do


processo de constituição, preservação e mutação de aspectos da identidade. A cultura é cada vez mais
considerada por pesquisadores das ciências psi como uma das chaves para a compreensão da construção
e do funcionamento da identidade e de suas relações com o outro, especialmente em seus grupos
de pertença.

Como vimos, Ciampa publicou seu trabalho em 1987. Poucos anos depois, seríamos contemplados
com a produção de um conjunto de obras condizentes com o pensamento de Ciampa e complementares
à sua obra. Estamos nos referindo a Zygmunt Bauman (1925-2017), sociólogo polonês nascido em
1925, que iniciou carreira na Universidade de Varsóvia e publicou mais de quarenta livros, entre os quais
Modernidade líquida (2001), Amor líquido (2004), Identidade (2005) e Ética pós-moderna (2006).

Observação

Mesmo reconhecendo que esses conceitos da psicologia são complexos


e exigem esforços para serem bem entendidos, nós, autores deste
livro-texto, optamos por apresentá-los a você por serem fundamentais
para os profissionais da educação e da saúde. Então, sugerimos que
realize mais de uma leitura deste material. Caso fiquem dúvidas neste
momento da graduação, certamente a compreensão será maior quando
você fizer novas leituras em estágios mais avançados de seu percurso
acadêmico e profissional.

Vamos prosseguir na exposição das ideias de Bauman. Em Modernidade líquida, Bauman (2001)
explicita o uso que faz do termo liquidez: os líquidos não têm forma e, sendo fluidos, se moldam

71
Unidade II

facilmente aos recipientes que os contêm. Não são como os sólidos, que precisam ser submetidos
a fortes tensões de forças para serem moldados e adquirirem novas formas. Os líquidos penetram
nos lugares, nas pessoas, contornam obstáculos. Um estado de liquidez permeia a emancipação, a
individualidade, o tempo e o espaço, o trabalho e a comunidade. Bauman distingue, pois, modernidade
sólida de modernidade líquida.

A modernidade sólida, concreta, precedeu a modernidade líquida. A modernidade sólida possuía um


caráter marcantemente totalitário, sendo, por isso, rígida, dificilmente adaptável a novas formas. Os
indivíduos se mostravam mais passivos, incapazes de tomar decisões. Presos em suas próprias limitações,
se deixavam levar pela modernidade sólida, e a individualidade era experienciada como uma fatalidade,
que impossibilitava a autoafirmação.

Na modernidade líquida, vivida por nós atualmente, o indivíduo procura influenciar o meio para
atingir seus objetivos, fazer amigos, trabalhar em redes sociais complexas, marcadamente fluidas,
carregadas de agentes ativos. Nessa versão líquida da modernidade, o indivíduo elege como deseja e
como acha necessário se identificar para dar a conhecer a própria identidade. Identidades individuais
permanecem em contínuo estado de nascimento e, para exemplificar isso, Bauman (2001) recorre a
uma metáfora: a identidade substituiu suas raízes por âncoras que, sendo mais versáteis do que raízes,
possibilitam que a importância do compromisso e da lealdade seja relativizada, ou mesmo negada.

Na modernidade líquida, as metamorfoses da identidade se tornaram muito mais rápidas. Bauman


(2001) utiliza a seguinte metáfora: agora não somos mais como árvores presas ao solo por raízes, agora
somos como navios que utilizam âncoras para permanecerem temporariamente em alguns portos.
Possuidores de âncoras e não de raízes, basta erguermos nossas âncoras para que nosso navio possa ser
conduzido a outro porto.

Sabemos que a pertença a coletivos define em boa parte as identidades: ao nos apresentarmos,
nos referimos a nossos coletivos de pertença. Dizemos, por exemplo, “sou brasileiro“ (pertenço à nação
brasileira), “sou negro“ (pertenço ao coletivo étnico-racial de negros), “sou corintiano“ (pertenço ao
coletivo de torcedores do Corinthians), “sou católico“ (pertenço ao catolicismo), e assim por diante.

Mas, no novo contexto de uma sociedade líquida e de identidades líquidas, como fica a relação dos
indivíduos com suas comunidades de referência? Entendidas as identidades como navios que ancoram
e as comunidades como portos, locais de estadia breve, que não têm como impor limites rigorosos ao
trânsito de navios, as comunidades servem a la carte indivíduos que buscam um lugar no mundo.

Esse fenômeno denominado por Bauman (2001) identidades líquidas em comunidades líquidas
sugere a ocorrência de alta mobilidade e de contínuas metamorfoses identitárias. Melhor compreensão
desses postulados de Bauman (2001) pode ser obtida se voltarmos nosso olhar para a construção de
identidades em redes sociais virtuais.

O artigo “A construção de identidades nas redes sociais”, de Lívia de Pádua Nóbrega (2010), reúne
elementos que nos ajudam a compreender melhor o fenômeno descrito por Bauman (2001), fenômeno
72
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

próprio das ocorrências no ciberespaço, no universo virtual. Vejamos, pois, o que nos apresenta Nóbrega
(2010), quando particulariza características da construção de identidades em redes sociais.

Observando que a mídia virtual oferece modelos capazes de nortear a autorrepresentação de sujeitos na
sociedade, ou seja, observando o modo pelo qual as redes virtuais de relacionamento se configuram
como ferramenta de construção de identidades pessoais, Nóbrega (2010) se propôs a analisar com maior
acuidade esse fenômeno contemporâneo.

Não estamos nos referindo a algo abstrato, estranho, de difícil compreensão. Não. Estamos nos
referindo a essa experiência que todos nós temos diariamente ao ingressarmos num chat, no Facebook,
no Instagram, no YouTube, e assim por diante.

Você, nosso aluno, nossa aluna, nosso querido aprendiz, dificilmente se afasta de seu aparelho
celular, de seu tablet, da tela de sua smart TV. Andamos pelas ruas presenciando relações absorventes
de humanos com máquinas de acesso virtual a indivíduos e a grupos. Isso não é diferente para
nós, que estamos aqui produzindo este livro-texto para você. Nós, como você, integramos diversos
coletivos no WhatsApp, no Instagram, no Facebook... Neste momento em que escrevemos, por diversas
vezes interrompemos a redação para atender a chamados de indivíduos desses nossos grupos de pertença,
para dar uma espiada em outras redes sociais virtuais, igualmente atraentes, para ingressar em coletivos
pensantes que disponibilizam generosamente resultados de seus estudos e de suas reflexões.

E nem precisamos ir mais longe com essa história toda, porque sabemos que este livro-texto que
agora você tem em mãos foi produzido para ser lido por dezenas, ou, quem sabe, centenas de pessoas,
cujos rostos não veremos, cujos corpos jamais abraçaremos. Aquele que realiza seu processo de
aprendizagem on-line entende perfeitamente o que estamos dizendo: pertencemos a comunidades
de aprendizagem, entre outras comunidades virtuais, que definem, em parte, nossas identidades.

Houve um tempo em que as identidades eram dadas com o nascimento e pronto. Você nascia filho
de um casal que lhe atribuía um nome e, logo de cara, já estava definida sua pertença a um grupo
familiar, uma classe social, uma religião, uma etnia, e assim por diante. Havia pouca mobilidade social e,
assim, as pessoas nasciam e morriam de acordo com uma instância classificada por Kellner (2001 apud
NÓBREGA, 2010) como fixa e imutável.

Stuart Hall (1997 apud NÓBREGA, 2010) nos oferece um histórico interessante, que inclui três
importantes e decisivos períodos que foram atravessados por concepções identitárias.

No primeiro desses momentos, durante o Iluminismo, período em que vigorava a concepção de que os
indivíduos eram uma espécie de monobloco, a identidade era compreendida como se um núcleo interior,
que emergia pela primeira vez com o nascimento do sujeito, desabrochasse pouco a pouco, sem que o
sujeito se modificasse muito, como se ele permanecesse essencialmente o mesmo, até o final de sua vida.

Em um período posterior, essa noção de indivíduo dotado de identidade fixa foi substituída pela
noção de sujeito sociológico, que se dava conta de que a complexidade do mundo moderno afetava
decisivamente sua composição identitária e a composição identitária de todas as outras pessoas.
73
Unidade II

A identidade passou a ser considerada resultante da interação entre o indivíduo e a sociedade na qual
esse indivíduo estava inserido, sujeita, pois, a transformações.

Finalmente, num terceiro período histórico, surgiu a noção de sujeito pós-moderno, profundamente
marcado pela liquidez dos novos tempos, como diz Bauman (2001). A identidade desse sujeito imerso
em um mundo fluido – fluido porque as transformações são rápidas e constantes – também precisa ser
fluida, porosa, de difícil delimitação. Sendo fluida, essa identidade precisa ser múltipla e multifacetada.
Aquela identidade assegurada pelo grupo, assumida como questão pessoal e subjetiva, é substituída
por uma identidade que sofre contínuas e rápidas metamorfoses. Em outras palavras, ela deixou de ser
algo dado com o nascimento e passou a ser algo em constante construção e transformação. A identidade desse
terceiro período não é imposta: ela decorre de escolhas. Nas palavras de Hall (1997), a identidade
não é mais uma questão de ser, e sim uma questão de tornar-se.

Trazendo essas reflexões para nosso dia a dia: quem não se reconhece como uma pessoa que vive
nesse período de transformações rápidas e constantes? Quem não reconhece a si mesmo como alguém
que tem a liberdade de escolher o modo pelo qual quer se apresentar? Certamente, essas concepções se
tornam mais compreensíveis quando refletimos sobre nossa presença em redes sociais da internet, em
comunidades virtuais.

Comunidades virtuais são bailes de máscaras que permitem aos indivíduos que troquem de
identidade a seu bel-prazer e que transitem livremente pelas diversas e incontáveis opções identitárias.
No ciberespaço, diversos modelos de sujeito e de posicionamento estão disponíveis para que os indivíduos
realizem escolhas identitárias.

Bauman (2005) está certo ao afirmar que houve um tempo em que a identidade de uma pessoa era
determinada fundamentalmente pelo trabalho produtivo desempenhado na divisão social do trabalho e
hoje ela é fruto de escolhas em meio a inúmeras possibilidades?

Dificilmente podemos negar o que Bauman (2005) afirma: a pós-modernidade propiciou condições
para que as identidades se formassem em torno do lazer, da aparência, da imagem e do consumo.

É muito importante enfatizar que todas essas lúcidas considerações a respeito da construção de
identidades nas redes sociais aqui apresentadas têm por fonte o já mencionado trabalho de Lívia
de Pádua Nóbrega (2010). Essa autora prossegue em suas reflexões, ao afirmar que as redes sociais de
relacionamentos configuram um espaço de construção de sujeitos, que possibilita e permite construir
e divulgar identidades baseadas no que somos e naquilo que almejamos ser.

Interessante é o fato de que, do mesmo modo que nossa identidade é definida em parte por nossa
pertença a coletivos nos quais as pessoas interagem em carne e osso, ela também é em parte definida
por nossa pertença a comunidades virtuais, nas quais compartilhamos um mesmo território virtual,
expressamos nossos sentimentos, compartilhamos impressões, nos apresentamos do modo que nos
pareça mais conveniente, compartilhamos ideias e ideais com pessoas que pensam como nós e, juntos,
fortalecemos um ideal de grupo.

74
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Observação

Sinceramente, querid@ leitor, esse trabalho da Lívia de Pádua Nóbrega


(2010) é ou não é formidável? Essa leitura nos permite ver a nós mesmos
como diante de um espelho.

Essa leitura sobre a atual modalidade de construção de identidades nos alerta para o fato de que
tanto as identidades concretas, por nós exibidas em nossos grupos de encontros físicos, quanto as
identidades virtuais, por nós exibidas nas redes sociais on-line, todas essas representações de nós mesmos,
são simbólicas. Reconhecer isso contribui para nossas reflexões e nos proporciona a oportunidade
de autoconhecimento.

Figura 24

Nóbrega (2010) prossegue assinalando que toda concepção identitária é uma forma de representação
e que, no caso das redes virtuais de relacionamento, a representação do indivíduo se dá por meio da
publicização do eu, isto é, para representar a mim mesmo, utilizo um meio de “publicar” a imagem
de mim, que eu mesmo escolho. Ao projetar na rede a imagem que escolhi para me representar,
ingresso nesse cenário virtual como personagem de uma peça teatral que ingressa num palco de teatro.

Figura 25

75
Unidade II

Em ambientes de rede, um indivíduo pode se apresentar como quiser, pode se representar como
desejar e encontrar a solidariedade de outros indivíduos na rede que, como tribo, o acolhem. Sabemos
que as identidades se afirmam em processos de alteridade: conheço a mim mesmo quando interajo
com outrem. O mesmo princípio vale para os coletivos: identidades coletivas se afirmam “em oposição”
a outras identidades coletivas. Grupos e comunidades virtuais reúnem indivíduos semelhantes e
constituem um “nós” que se coloca em oposição a um “eles”, “os outros”.

Aplicativos de redes sociais e comunidades virtuais permitem, e, mais que isso, estimulam, a construção
de falas por meio das quais os indivíduos representam a si mesmos. Não se trata de saber, nem de “descobrir”
se as identidades publicizadas são verdadeiras ou falsas. O que realmente importa é perceber com nitidez o
fato de que sujeitos utilizam ferramentas das redes sociais para construírem suas identidades pessoais. Redes
sociais são espaços de convivência. Nesses espaços, as subjetividades interagem.

Para, finalmente, concluirmos estas considerações sobre identidade e pertença grupal e retornarmos
ao motivo pelo qual nos demoramos tanto nesse assunto, cabe observar que, no momento em que eu,
fisioterapeuta, me encontro com meu cliente, cada um de nós leva no bolso ou na bolsa um aparelho
celular. Cada um de nós pode estar portando um tablet ou um notebook. Nessas caixinhas mágicas,
carregamos nossa multiplicidade de identidades possíveis. Olhamo-nos como indivíduos certamente
pertencentes a diversos coletivos – concretos e virtuais.

Tempos atrás, ao realizar uma anamnese, as perguntas feitas a nossos clientes para melhor conhecê‑los
tinham por finalidade nos dar a conhecer um pouco de seus grupos de pertença – o familiar, o escolar
ou acadêmico, o de convivência religiosa, e assim por diante. Os tópicos da anamnese demandaram
ampliação: para eu saber quem é você, preciso que me conte também um pouco de sua vida nos espaços
virtuais, me fale das tribos a que pertence quando navega no ciberespaço, como se relaciona com
seus pares em tribos de sua escolha, como você, de determinada tribo, se relaciona com indivíduos
de outras tribos.

Que formidável ampliação! E quanto assunto a ser abordado durante um processo de


atendimento fisioterapêutico!

Figura 26

76
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Porque nos foi dito que emoções produzidas nas interações humanas, sejam alegrias ou tristezas,
sejam interações concretas ou virtuais, guardam memória em nossa musculatura, em nossos ossos, em
nosso sangue. Quando eu, fisioterapeuta, toco o corpo de meu cliente, toco mistérios múltiplos. Tateio o
que há de sagrado nesse corpo, busco desfazer tensões originadas em interações humanas propiciadoras
de sofrimento.

Assagioli (apud MATTOS, 2012) considera que o desenvolvimento da personalidade demanda


integração de componentes físicos, mentais e espirituais. Sustenta a ideia de que esse desenvolvimento,
embora determinado por impulso pessoal, demanda esforços por tratar-se de uma meta a ser atingida.

Em outras palavras, podemos dizer que distintas concepções relativas ao que seja o homem e seu
psiquismo determinaram a elaboração de muitas teorias de personalidade. Segundo Schultz e Schultz
(2002), os aspectos enfatizados em cada teoria se organizam em contínuos estabelecidos entre dois
polos. Por exemplo:

• determinismo versus livre-arbítrio;

• peculiaridade versus universalidade;

• importância do passado versus importância do presente.

O termo versus utilizado nesses binômios sugere haver uma oposição radical entre os polos. No
entanto, podemos observar nas teorias de personalidade que nem sempre os fatores são colocados em
oposição: muitas vezes, o que temos são diferentes atribuições de relevância a um ou a outro fator.

Podemos dizer que um indivíduo é inteiramente livre? Em que medida ele está sujeito a determinações
de ordem biológica e sociocultural? Podemos falar em ação do destino? Podemos considerar o homem
como líder de seu caminho de vida? Essas são questões relativas ao binômio determinismo/livre‑arbítrio.
O homem representa a culminância de um processo de evolução natural ou foi criado já em sua
condição humana? Essa questão é relativa ao binômio natureza/criação. Ao considerarmos questões da
personalidade, os fatos do passado são tão relevantes quanto os fatos do presente? Essa questão é relativa
ao binômio importância do passado/importância do presente. A despeito de sua singularidade,
as pessoas compartilham características que definem seu pertencimento a coletivos humanos? Essa
questão é relativa ao binômio peculiaridade/universalidade.

Saiba mais

Aprenda mais sobre as grandes correntes da psicologia:

FERREIRA, C. As 3 grandes forças em psicologia. Sociedade dos Psicólogos,


13 jan. 2019. Disponível em: https://spsicologos.com/2019/01/13/as-3-
grandes-forcas-em-psicologia/. Acesso em: 16 mar. 2020.

77
Unidade II

Assim como um fisioterapeuta pode se beneficiar de conhecimentos sobre a dinâmica normal da


personalidade, é igualmente preciso que ele reúna conhecimentos básicos de psicopatologia para o caso
de ser preciso encaminhar algum de seus pacientes para atendimento psiquiátrico e/ou psicológico.
Pensando nisso, reunimos na seção a seguir noções de psicopatologia.

5.1.5 Noções de psicopatologia

Ao considerarmos as diferentes modalidades de quadros psicopatológicos, vemos que eles decorrem


de situações e ocorrências que ultrapassam a possibilidade de uso dos mecanismos de defesa da
integridade do ego. Quando esses mecanismos se mostram incapazes de proteger o ego íntegro,
condições atípicas de funcionamento cognitivo e psíquico são desencadeadas, tais como alterações
perceptuais e comportamentais promotoras de sofrimento.

Segundo Jaspers (1973), a psicopatologia configura-se como ciência natural complexa, que tem
por objetivo explicar a relação causal entre sintomas e fenômenos psíquicos. Propõe que a partir da
observação das manifestações e evidências concretas (sintomas) é possível compreender nexos e
significados internos que esses fenômenos têm para os indivíduos.

Para Campbell (1986 apud DALGALARRONDO, 2000), a psicopatologia abrange o conjunto de


conhecimentos relativos aos processos de adoecimento mental do ser humano, incluindo o estudo
de suas causas, das transformações estruturais e funcionais ocorridas, bem como das formas de
manifestação dos distúrbios psicopatológicos.

Figura 27

Com suporte nos postulados de Barlow e Durand (2008), a psicopatologia considera que os
transtornos psicológicos, ou comportamentos anormais, acarretam sofrimento caracterizado por
angústia e redução da capacidade adaptativa do indivíduo por implicar comportamentos não aceitos
pelo meio social.

78
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

De acordo com Jaspers (1973), podem ser classificados como enfermidades:

• os processos psicossomáticos que acarretam desordens orgânicas;

• os acontecimentos traumáticos que acarretam ruptura com a realidade e com a própria identidade;

• os desvios relativos ao conceito do normal estatístico, ou seja, aspectos desviantes do padrão


apresentado pela maioria dos indivíduos e que são tidos como indesejáveis tanto pelo indivíduo
como por seu meio social.

Alterações patológicas e quadros psicopatológicos

Entre os quadros patológicos mais comuns estão incluídos os seguintes distúrbios:

• Distúrbios do desenvolvimento e da continuidade: retardos mentais ou oligofrenias – possuem


distintas etiologias (origens) e são cuidados por meio de estimulação adequada, que possibilite
aos indivíduos o máximo de desenvolvimento possível.

• Distúrbios da harmonia intrapsíquica/neuroses: originados de impulsos e instintos de


expressão incompatível com a realidade que, ao serem reprimidos, acarretam mal-estar. Há
diversos sintomas de neurose – sentimento de culpa, mania de limpeza, obsessões, fobias,
alterações de humor, preocupações constantes, angústia, ansiedade e muitos outros, sendo
indicado o tratamento psicoterápico.

• Distúrbios do caráter: comportamentos dissociais, antissociais e psicopáticos, que surgem


durante o desenvolvimento e podem ser alterados por medidas socioeducativas. Exceto no caso
de psicopatia, que até o momento não possui indicação de tratamento ou cura.

Figura 28

79
Unidade II

• Distúrbios das sensações, da percepção e do juízo crítico/psicoses: tais distúrbios


acarretam ruptura com a realidade, implicam sofrimento e inadaptação social, sendo descritos
pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
(CID-10) (OMS, 1996) como diferentes modalidades de psicose, entre as quais, as esquizofrenias,
a depressão, a mania, as parafrenias e a paranoia, além de inúmeros transtornos decorrentes do
abuso de álcool e drogas.

As psicoses demandam cuidados psiquiátricos e, em alguns casos, demandam também o apoio de


psicólogos. O surto psicótico pode ser entendido como um estado mental agudo, caracterizado por
desorganização psíquica grave, acompanhada de fenômenos delirantes e alucinatórios, bem como pela
perda do juízo crítico da realidade.

Tais condições podem ser ocasionadas por situações exteriores (extrínsecas) e em alguns casos,
pela emergência de condições internas (intrínsecas), ou seja, já latentes no indivíduo e que vieram a
desencadear uma psicose sem que tenha havido um fator externo de pressão. Nesse estado, a pessoa
adoecida permanece mergulhada em uma realidade fantasiosa, na qual acredita intensamente, a ponto
de refutar a realidade social e as pessoas que a cercam.

De acordo com Jaspers (1973), o delírio corresponde a um juízo falseado pela condição patológica,
caracterizado por:

• uma convicção subjetiva inabalável, irremovível e inalterável frente à argumentação lógica;

• um pensamento impenetrável e incompreensível para indivíduos psicologicamente normais;

• representações fundamentadas sem conteúdo de realidade.

Conforme Britto (2004), os delírios se desviam da realidade e da lógica, conduzindo o indivíduo


à formação de juízos anormais, bem como à produção de raciocínios distorcidos, de alucinações,
percepções e ideias delirantes.

As alucinações, configuradas como ilusões e distorções perceptuais, são de diversos tipos e se


relacionam com delírios, vindo a atestar e comprovar para o doente o conteúdo delirante de seus
pensamentos e juízos. Entre as alucinações, destacam-se:

• Alucinações auditivas: a pessoa escuta zumbidos, campainhas, ruídos, vozes, ou o próprio


pensamento como se fosse sonorizado.

• Alucinações visuais: a pessoa enxerga outras pessoas e/ou elementos em realidade ausentes.

• Alucinações táteis: a pessoa experimenta sensações táteis, tais como picadas, queimaduras,
insetos andando pela pele.

80
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

• Alucinações olftativas e gustativas: a pessoa tem a percepção de gostos e odores em


realidade ausentes.

• Alucinações cinestésicas: a pessoa experimenta sensações de movimentos relacionados ao


sistema motor, sem a presença de estímulos.

• Alucinações cenestésicas: a pessoa experimenta sensações catastróficas e dramáticas do próprio


organismo, sem a presença de estímulos.

Quando um fisioterapeuta constata a presença de pensamentos e juízos delirantes ou observa a


ocorrência de alucinações, deverá encaminhar o paciente a profissionais dos cuidados psiquiátricos
e psicológicos.

Avaliação de condições psicopatológicas

A avaliação das condições psicopatológicas é em geral realizada por psiquiatra ou psicólogo, como
parte do processo de diagnóstico que inclui um exame das funções psíquicas, ou exame da consciência,
durante o qual são observados determinados aspectos que permitem verificar a condição subjetiva da
pessoa, bem como sua necessidade de cuidado.

Esses aspectos, quando observados no exercício da fisioterapia, permitem identificar condições


alteradas do psiquismo, que motivam e fornecem subsídios ao encaminhamento do paciente para
atendimento psiquiátrico e/ou psicológico. Para identificar a presença de indicadores de transtornos
psicopatológicos, Dalgalarrondo (2000) propõe que sejam observadas as seguintes funções psíquicas:

• Consciência: observar se a consciência está clara ou obnubilada.

• Atenção: observar se a pessoa demonstra capacidade de prestar atenção às orientações recebidas


e aos comandos de realização de exercícios.

• Orientação e vivências de tempo e espaço: observar se a pessoa sabe onde se encontra e em


que data está.

• Sensopercepção: observar se a pessoa apresenta ilusões perceptuais ou alucinações.

• Memória: observar se a pessoa é capaz de recordar acontecimentos imediatos e remotos e


observar se sua afetividade e sua vontade estão preservadas ou se ela está muito apática ou
muito eufórica.

• Psicomotricidade: observar se a pessoa está apática ou agitada, se estão preservados seu juízo
de realidade e sua lógica de raciocínio, ou se há delírios; observar sua expressão verbal, se está
verborrágica ou excessivamente calada e qual o teor do que diz.

81
Unidade II

Ou seja, durante o atendimento fisioterápico é possível conhecer a condição geral do paciente por
meio da observação dos aspectos aqui destacados e, sendo preciso, a descrição desses aspectos servirá
de importante subsídio para os encaminhamentos.

6 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

6.1 Tópicos de psicologia do desenvolvimento

Vimos a surpreendente quantidade de perspectivas teóricas da psicologia, a enorme diversidade


existente no campo teórico dessa ciência. Cada uma dessas perspectivas teóricas se fundamenta em
pressupostos sobre a natureza humana, sobre o psiquismo humano, sendo diferentes, em função disso,
os métodos de pesquisa e as técnicas de intervenção nesse campo do saber. As diversas psicologias
foram construídas em distintos contextos e distintas épocas. Por isso, muitos fatores interagem nesse
complexo sistema.

Quando nos propomos a particularizar questões relativas ao desenvolvimento do ser humano


e de suas funções psíquicas, encontramos o mesmo formidável conjunto de informações. Como
nos situarmos nesse universo e como extrairmos dele informações que possam ser úteis para nossa
prática profissional?

Responsáveis pela elaboração deste livro-texto, nós, autores, tivemos como primeira preocupação a
seguinte: como selecionar, em meio a essa floresta de palavras, de conceitos, de propostas de intervenção,
o que possa ser realmente útil a você, querido graduando de Fisioterapia?

Não queremos pecar por falta, mas, principalmente, não queremos pecar por excesso. Não
queremos que você se veja obrigado a engolir uma pilha de informações inúteis para sua formação.
Não queremos adotar os recursos didáticos daquela horrorosa proposta de ensino, que o educador
Paulo Freire denunciou, ao denominá-la educação bancária: ao professor compete “depositar”
informações, grande parte dela inútil, para, depois, por meio de provas, “realizar saques” dos montantes
depositados. Não queremos nada disso.

Ao elaborarmos esta seção, por exemplo, em que são reunidos tópicos de psicologia do
desenvolvimento, nos perguntamos: de que adiantará para você conhecer pormenores das propostas
teóricas de tantos e tantos expoentes da psicologia? Optamos por selecionar alguns poucos teóricos da
psicologia do desenvolvimento.

Nós, da psicologia, percorremos ao longo de anos e anos esse campo extenso, em contínua
expansão, e somos convidados, continuamente, a realizar escolhas: temos que decidir o que interessa
a cada um de nós retirar desse tesouro fundamentos teóricos e propostas metodológicas de pesquisa e
de intervenção. E o que devemos retirar desse tesouro para que sua leitura, graduando de Fisioterapia,
seja agradável e contribua para essa formação profissional que dará legitimidade acadêmica e jurídica
aos cuidados que você ofertará a seus clientes e a outras pessoas que dependem de fisioterapeutas
para um bom viver?
82
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Nesta seção, estão reunidos alguns elementos básicos de psicologia do desenvolvimento, que
podem estimular o desejo ou a necessidade de conhecer mais. Quando você estiver cuidando de uma
criança, enfrentará desafios distintos de outros, que serão enfrentados ao cuidar de adolescentes,
de adultos, de idosos. E, no interior de cada uma dessas faixas etárias, há segmentos de vida com
características distintas.

Para começo de conversa, abordaremos a questão do binômio hereditariedade versus meio ambiente:
como essas forças interagem na nossa constituição e em nosso desenvolvimento?

Igualmente importante é constatar que toda teoria de desenvolvimento coloca marcos ao longo
do percurso biográfico das pessoas. Demarca etapas ou fases de desenvolvimento psíquico, colocando
marcos cronológicos. Como assim? Padrões de desenvolvimento comuns a todos são reconhecidos por
meio de estudos e pesquisas. É o que fizeram, por exemplo, Freud e Piaget. Freud, tratando da dinâmica
estabelecida entre instâncias da personalidade, Piaget tratando da epistemologia genética, buscando
reconhecer padrões de desenvolvimento do conhecimento.

Com isso, damos um passo à frente: no âmbito da psicologia do desenvolvimento, há estudos


sobre o desenvolvimento da inteligência, o desenvolvimento emocional e o desenvolvimento social,
entre outros. E, havendo, como vimos, diversas abordagens psicológicas possíveis, encontramos uma
diversidade de abordagens de temas em cada um desses âmbitos do psiquismo.

Por exemplo: consideremos, de modo geral, que podem constituir assuntos de interesse da
psicologia as atividades psíquicas do pensar (inteligência, cognição), do sentir (sentimentos, emoções)
e do agir (atividades psicomotoras). Um psicólogo atraído pelo estudo de atividades do sentir poderá
eleger uma abordagem teórica entre as muitas existentes. Poderá, por exemplo, eleger a corrente
existencial‑humanista e, nesse contexto, o aconselhamento psicológico, tal como é proposto por Carl
Rogers. Isto, ainda, sem falarmos da interdisciplinaridade necessariamente estabelecida pela psicologia
com outras áreas do saber: neuropsicologia, psicobiologia, psicologia educacional, etnopsicologia,
entre outras.

Aqui, neste nosso contexto, para tratarmos de psicologia do desenvolvimento, optamos por abordar
tópicos da prolongada produção de conhecimentos da psicologia, sem a preocupação de discorrer
minuciosamente sobre teorias elaboradas durante a história dessa ciência. Nosso recorte incluirá a
abordagem dos seguintes tópicos:

• fatores hereditários e ambientais do desenvolvimento;

• algumas das principais contribuições teóricas à psicologia do desenvolvimento.

83
Unidade II

6.1.1 Fatores hereditários e ambientais do desenvolvimento

Figura 29

Uma das questões tradicionais da psicologia diz respeito aos determinantes de características
das diversas capacidades humanas. O antigo debate em torno da questão inato versus aprendido
mobilizou muitos autores ao longo da história dessa ciência. Alguns estudiosos defendem posições
favoráveis à prevalência de variáveis genéticas, outros defendem posições favoráveis à prevalência de
variáveis ambientais na gênese e desenvolvimento das diversas capacidades humanas.

Muitas pesquisas foram desenvolvidas para verificar o peso de variáveis genéticas e de variáveis
ambientais na constituição psíquica das pessoas, e muitas dessas pesquisas foram realizadas com
gêmeos, de preferência gêmeos monozigóticos, cuja herança genética é muito semelhante.

Lembremos que gêmeos monozigóticos, também chamados idênticos ou univitelinos, se originam de


um único óvulo fecundado por um único espermatozoide, e possuem, portanto, o mesmo DNA. Gêmeos
dizigóticos ou fraternos se originam de dois óvulos fecundados por dois espermatozoides. Na verdade,
eles são dois irmãos comuns que compartilharam a mesma gestação.

Visto que os gêmeos monozigóticos possuem a mesma constituição genética, se espera que todas
as características humanas resultantes da herança genética devam apresentar níveis iguais em ambos.

Para dar maior consistência a esse assunto e tornar mais compreensíveis os procedimentos de
pesquisa voltados para esse tema, vamos exemplificar descrevendo dois estudos realizados. Um deles
84
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

teve por objetivo verificar a participação da hereditariedade no desenvolvimento da inteligência, e o


outro, a influência genética em um quadro de esquizofrenia.

Vejamos primeiramente o estudo que teve por objetivo verificar a participação da hereditariedade
no desenvolvimento da inteligência. Muitos estudos que relacionam medidas de inteligência
em gêmeos utilizam como recurso os coeficientes de correlação. Lembremos que, em estatística
descritiva, o coeficiente de correlação de Pearson mede o grau da correlação entre duas variáveis de
escala métrica.

Tais estudos buscam identificar se os coeficientes de correlação entre gêmeos monozigóticos são
significativamente mais elevados do que os coeficientes de correlação entre os gêmeos dizigóticos.
Os índices de correlação positiva em gêmeos monozigóticos indicariam a participação da hereditariedade
no desenvolvimento da inteligência, fato a ser corroborado por reduzidos índices de correlação em
gêmeos dizigóticos.

Estudos que relacionam medidas de inteligência em gêmeos têm demonstrado que os coeficientes de
correlação entre gêmeos monozigóticos são indubitavelmente mais elevados do que entre os gêmeos
dizigóticos, sobretudo na vida adulta. Esses resultados nos permitem concluir que, no desenvolvimento da
inteligência, o peso da hereditariedade é maior do que o peso das influências ambientais.

Vejamos agora o estudo que teve por objetivo verificar a extensão da influência genética sobre
um quadro de esquizofrenia; essa doença mental é considerada resultante de herança multifatorial, ou
seja, se considera que ela é determinada simultaneamente por fatores genéticos e ambientais. Também
em relação a esse assunto, foram desenvolvidas pesquisas cuja metodologia incluiu comparar taxas de
correlação entre gêmeos monozigóticos e entre dizigóticos com o objetivo de verificar a extensão da
influência genética sobre esse quadro psicopatológico.

Dados da pesquisa sobre a etiologia genética da esquizofrenia por nós selecionada mostraram que a
taxa de correlação para esquizofrenia em gêmeos monozigóticos fica ao redor de 50% e, para gêmeos
dizigóticos, ao redor de 12%. A taxa de correlação para esquizofrenia em gêmeos dizigóticos (12%) é
notavelmente inferior aos 50%, mas, embora pequena, essa taxa é significativamente maior que a taxa
de 1% que indica o risco de essa doença se manifestar na população geral.

Embora as estimativas variem, é possível concluir que o componente genético participa ativamente
da etiologia desse distúrbio psiquiátrico, embora o componente ambiental também tenha participação
ativa: entre os gêmeos monozigóticos, a taxa de 50% só não é maior porque há interferência de fatores
ambientais, que nunca são exatamente iguais para os gêmeos. Em outras palavras, esses dados de
pesquisa possibilitam afirmar que o componente genético exerce grande influência na manifestação da
esquizofrenia, mas o componente ambiental também exerce influência, embora em menor grau.

Veja bem: trouxemos para esse contexto dois exemplos de pesquisas relativas à inteligência e à
esquizofrenia, ambas realizadas com gêmeos monozigóticos e dizigóticos. Não tivemos a intenção de
depositar ênfase na inteligência ou no distúrbio mental. Nossa intenção aqui foi a de depositar ênfase na
questão relativa aos determinantes genéticos e ambientais de funções psíquicas e seus possíveis transtornos.
85
Unidade II

6.1.2 Algumas das principais contribuições teóricas à psicologia do desenvolvimento

Correntes teóricas que concebem o desenvolvimento humano, nos aspectos cognitivos, afetivos
e sociais, como resultante de uma construção da qual participam fatores biológicos e ambientais em
constante interação são conhecidas como construtivistas. Assim, sob a perspectiva construtivista, o
ser humano não resulta apenas da atualização de predisposições internas, já presentes no nascimento,
ou apenas de transformações produzidas pelo ambiente em que vive: ele se constitui por meio de um
processo de dupla via – transforma o ambiente e é transformado por ele.

A contribuição de Bowlby

Entre os anos 1950 e 1960, o psiquiatra e psicanalista Edward John Mostyn Bowlby (1907-1990)
observou e investigou interações entre mães e seus bebês para conhecer como são construídos os
vínculos afetivos entre o bebê e seu cuidador. Ampliou o método psicanalítico ao buscar recursos
teórico-técnicos na etologia, que, privilegiando a observação direta da experiência e com base no
modelo evolucionista, estuda comportamentos inatos de diversas espécies em ambiente natural.

A teoria do apego postula como comportamento de apego o que garante a uma pessoa que consiga
estar próxima a outra pessoa, considerada mais apta para lidar com o mundo e manter essa proximidade.
O comportamento de apego inclui um conjunto de condutas inatas que favorecem o estabelecimento
e a preservação do contato estabelecido com a principal figura dispensadora de cuidados, usualmente
a mãe. Esse conjunto de condutas inclui o choro, a busca de contato visual e os comportamentos de
agarrar-se, aconchegar-se e sorrir.

Em situações de desconforto, quando o bebê toma um susto ou fica cansado, com fome ou estressado,
ele emite sinais que fazem com que o cuidador se aproxime, mobilizado por seu impulso para cuidar.
Isso garante a satisfação de necessidades e a sobrevivência do bebê. O comportamento de apego, que
tem por função a busca de segurança e conforto, propicia a construção de uma base segura para a
exploração do mundo.

A contribuição de Piaget

Jean Piaget (1896-1980), incluído entre os grandes teóricos da psicologia do desenvolvimento


que adotam a perspectiva segundo a qual o sujeito transforma o ambiente e é por ele transformado,
realizou diversos experimentos e observações junto a crianças e jovens com idade variando entre
0 e 16 anos, e com base nesses estudos propôs uma teoria bastante ampla, por ele denominada
epistemologia genética.

Dedicado ao estudo do desenvolvimento cognitivo e tendo observado que crianças e adultos pensam
de modo distinto e realizam distintas operações mentais, estudou o processo de transformação gradual
das operações mentais ao longo da vida e as incluiu em fases do desenvolvimento por ele denominadas
estágios de desenvolvimento. Esses estágios iniciados por ocasião do nascimento vão se sucedendo
até culminarem na possibilidade de realização de operações lógico-formais, típicas do adulto.

86
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Embora tradicionalmente identificado como um estudioso da inteligência, Piaget também considerou


o papel desempenhado pela afetividade na sucessão dos estágios e reconheceu haver correspondência
entre desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento afetivo. À medida que as estruturas cognitivas vão
se tornando mais estáveis e flexíveis, processo que ocorre ao longo dos estágios, as emoções também
vão se transformando. A partir de um estágio inicial, observado no recém-nascido e caracterizado
por sentimentos de agrado ou desagrado, fundamentalmente relacionados com a satisfação de
necessidades fisiológicas, a afetividade passa por etapas de complexidade crescente, até surgirem, no
estágio lógico‑formal, os chamados sentimentos ideológicos, que possibilitam avaliar teorias e ideais
e desenvolver plenamente o sentido moral.

Vejamos a seguir alguns pormenores dos estágios de desenvolvimento cognitivo.

Piaget considerou que o desenvolvimento ocorre por meio de um processo de equilibração, de


autorregulação: uma sucessão de situações causam desequilíbrio, produzem tensão individual e
exigem reequilibração.

Para reequilibrar é preciso adquirir novos recursos (esquemas) de superação de problemas


que possibilitem eliminar a tensão originada por eles. Piaget (1970) descreveu quatro estágios do
desenvolvimento cognitivo: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal.

Estágio sensório-motor (0 a 1 ano e 6 meses)

Período correspondente aos primeiros 18 meses de vida, durante o qual o desenvolvimento


encontra‑se centrado nas sensações, no controle e exercício da motricidade. Durante esse período
que antecede a aquisição da fala, não havendo ainda pensamentos nem representações internas, a
criança elabora subestruturas cognitivas e motoras (platô de condições de desenvolvimento ulteriores)
e reações afetivas (platô da afetividade posterior).

Figura 30

87
Unidade II

A partir dos reflexos inatos a criança desenvolve paulatinamente o controle sobre seu comportamento,
por meio de aquisição e uso de esquemas (estruturas cognitivas) que possibilitam representar e
compreender a realidade. Simultaneamente, estruturas motoras lhe permitem controlar a própria ação
e seus efeitos sobre os objetos do entorno.

Os esquemas em Piaget (1970) vão sendo ampliados progressivamente por meio dos processos de
assimilação (aquisição de novos esquemas) e acomodação (adaptação, junção e organização dos
esquemas já existentes, que levam à produção de um novo esquema).

Estágio pré-operatório (1 ano e 6 meses a 6-7 anos)

Período durante o qual a criança adquire possibilidade de representar internamente os objetos do


mundo exterior. Aprende a significar, e isso lhe oferece bases para a aquisição da linguagem e das imagens
mentais. A função simbólica ou semiótica, recentemente desenvolvida, lhe permite distinguir entre signos
(sinais) e símbolos, o que lhe confere a capacidade de representar os objetos na ausência deles.

Durante esse período a criança realiza a imitação diferida (imitação que ocorre na ausência do
modelo) e, em seguida, o jogo simbólico (gestos imitativos acompanhados de conteúdo simbólico,
como fingir dormir). Esses processos possibilitam a assimilação paulatina do real. A capacidade de
representar a realidade externa por meio de imagens mentais (prolongamentos da percepção e dos
elementos do pensamento) progride progressivamente, possibilitando uma “imitação interiorizada” do
mundo exterior.

Estágio operatório concreto (6-7 a 11-12 anos)

Período durante o qual as operações transitam entre a ação e as estruturas lógicas do pensamento.
A lógica, no entanto, necessita de objetos, ou seja, precisa se apoiar na percepção concreta dos objetos
para ocorrer. Surge então a capacidade de classificar, seriar, perceber sinônimos e grupamentos.
A noção numérica se torna possível e a sucessão do tempo se torna ordenada (seriada), agora com
noção das durações.

Figura 31

88
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Visto que os aspectos cognitivos, afetivos e sociais da conduta são indissociáveis, durante o estágio
operatório concreto há uma ampliação das vivências sociais. E agora, com a capacidade de representar
internamente os objetos por meio das imagens mentais, os objetos de afeto podem estar sempre
presentes, o que dá abertura à ocorrência de novos afetos (simpatias e antipatias).

Os jogos de regra constituem um fator de socialização importante nessa fase, por permitirem o
exercício das noções de lei e moralidade (regras de respeito e relacionamento com adversários). Ocorre,
então, o desenvolvimento da autonomia moral, com base na cooperação social e no respeito mútuo,
aprendidos nas relações com os pares. A afetividade expande-se da família para a sociedade e os
princípios morais anteriormente associados à autoridade são substituídos por respeito mútuo.

Estágio operatório formal (11-12 a 14-16 anos)

Período durante o qual o jovem, mediante suas interações com o meio, adquire a capacidade de
pensar de modo abstrato. Liberta-se da dependência dos objetos concretos e situa o real no conjunto
das transformações possíveis. É a idade dos grandes ideais e do início das teorias, ficando reservado ao
raciocínio abstrato o importante papel de manejar hipóteses totalmente destacadas de uma constatação
concreta da realidade.

Figura 32

É nesse estágio que os prolongamentos dos esquemas iniciais atingem seu ponto culminante no
processo de desenvolvimento. O pensamento pode, agora, estabelecer relações de lógica simbólica, ou
seja, combinar ideias e hipóteses.

O jovem reúne em um só sistema os agrupamentos de reversibilidade – inversão e reciprocidade.


Uma vez atingido o estágio de pensamento formal, a autonomia moral adquire maior capacidade de
manejo dos próprios valores e ideais. Novas oportunidades e novos valores fazem o adolescente capaz
de elaborar teorias e de escolher uma carreira que corresponda às suas vocações.

89
Unidade II

Figura 33

Fatores do desenvolvimento

Observemos que, de acordo com Piaget (1970), o desenvolvimento cognitivo ocorre num processo
de sucessão de quatro estágios, quatro grandes construções, sendo cada construção dessas um
prolongamento da anterior. Nesse processo há quatro fatores centrais e imprescindíveis:

• crescimento orgânico e integridade biológica (do sistema nervoso, principalmente);

• exercício da experiência adquirida na ação efetuada sobre objetos;

• interações e transmissões sociais;

• equilibração, processo formador das estruturas salientadas anteriormente, que impulsiona o


sujeito ao desenvolvimento, à socialização e à satisfação de necessidades presentes e/ou futuras.

A contribuição de Vygotsky

Muitas teorias do desenvolvimento defendem a prevalência de variáveis genéticas. É interessante a


nossos propósitos dar a conhecer um exemplo de teoria que defende posição favorável à prevalência
de variáveis ambientais e, para isso, recorremos a Vygotsky, para quem é a cultura que possibilita
o desenvolvimento humano, ou seja, o sujeito é constituído em sua relação com os outros. Em sua
teoria sobre o desenvolvimento do psiquismo, Vygotsky afirma que somente a realidade que tiver sido
significada pelo sujeito é apreendida por ele. Ou seja, o significado da realidade é apreendido de forma
ativa pelo sujeito e elaborado por ele, que, embora compartilhe significados com seu grupo cultural,
imprime sentidos particulares a esses significados.

Vygotsky, o grande mestre que considerou o desenvolvimento e a aprendizagem como


processos sócio-históricos, é um dos principais autores da psicologia do desenvolvimento. Ele
procurou aplicar os princípios do materialismo histórico e dialético na psicologia, a fim de solucionar
paradoxos científicos da época. Segundo esse autor, os fenômenos psicológicos devem ser estudados
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PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

como processos em movimento e mudança, pois as mudanças históricas na sociedade produzem


mudanças na natureza humana. Vygotsky focaliza sua atenção na influência da história e dos meios
socioculturais na natureza humana.

Discordando de autores que consideram o desenvolvimento humano transcorrendo em etapas


sucessivas, afirma que esse desenvolvimento ocorre por meio de processos de aprendizagem social,
ou seja, pela internalização e utilização de instrumentos e signos culturais com os quais o sujeito faz
contato durante as relações de troca por ele estabelecidas com parceiros sociais.

A internalização dos sistemas de signos (linguagem) produzidos culturalmente provoca transformações


comportamentais e estabelece um elo entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento humano. Com
base nos estudos e reflexões de Engels sobre o trabalho humano, Vygotsky explora os “instrumentos de
trabalho”, as ferramentas com as quais o homem transforma o meio ambiente e, ao fazê-lo, transforma
a si mesmo. Para ele o desenvolvimento humano é um processo dialético complexo estabelecido entre o
indivíduo e seu meio sociocultural, caracterizado por periodicidade, irregularidade no desenvolvimento
das várias funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, entrelaçamento
de fatores internos e externos e processos adaptativos.

Desde seu nascimento, o indivíduo é envolvido em relações sociais e vai internalizando as experiências.
A psique humana, de cunho social, é como uma rede cada vez mais complexa de relações sociais
internalizadas. Vygotsky considera que o desenvolvimento psicológico é notadamente determinado
pela interação histórico-social estabelecida pelo sujeito com o contexto cultural no qual está inserido.
Será, pois, por meio de processos de interação social e mediante a internalização do sistema simbólico
de sua cultura que ocorrerá seu desenvolvimento. Atitudes e características individuais estão sempre
impregnadas pelas trocas do sujeito com seu coletivo.

Os signos (palavras) são responsáveis pela representação das ideias e possuem dois componentes:
o significante (som ou letras, que constituem a parte material) e o significado (ideias, que constituem
a parte abstrata). Estamos imersos desde o nascimento em um mundo social e qualquer atividade
nossa é mediada pela linguagem. Ao nascer, a criança é imediatamente inserida em um mundo
de linguagem, em um universo repleto de símbolos e generalizações. Interagindo com o mundo a
seu redor, ela internaliza, gradativamente, a linguagem como sistema simbólico do grupo social
ao qual pertence. Por volta dos 2 anos de idade, passa a utilizar a linguagem como sistema ou
mediador simbólico: a linguagem se torna intelectual e o pensamento, verbal. Esse momento é
crucial no desenvolvimento, pois é exatamente nesse momento que a criança deixa de ser um sujeito
unicamente biológico para se transformar em sujeito sócio-histórico. Portanto, para esse autor, a
fala é o comportamento humano mais importante, e é através dela que a criança pode superar as
limitações existentes em seu ambiente e controlar o próprio comportamento.

Vemos que o aspecto crucial do desenvolvimento tem início na infância em decorrência da


utilização de estímulos artificiais (estímulos auxiliares, mediadores), ou seja, em decorrência do uso de
instrumentos produzidos pelo grupo cultural ao qual a criança pertence, de instrumentos criados por
ela, de seu próprio corpo e da linguagem utilizada em seu meio social.

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Unidade II

A criança internaliza os meios de adaptação social por meio de signos (linguagem, gestos etc.), cuja
utilização inaugura o desenvolvimento das funções superiores. O principal aspecto dessa fase inicial do
desenvolvimento é a crescente habilidade de controlar e dirigir o próprio comportamento.

Figura 34

Dentre os diferentes tipos de signo, a linguagem se destaca como a principal influência no


desenvolvimento geral da criança: por meio da fala ela supera limitações ambientais, além de preparar,
ordenar e planejar seu comportamento e o comportamento dos outros.

Como a internalização da fala favorece o desenvolvimento das funções superiores, se torna possível
organizar e integrar funções cognitivas – percepção, memória e capacidade de solucionar problemas,
entre outras.

Signos e instrumentos são similares, pois ambos servem de mediadores: instrumentos atuam externamente,
mediando o contato com a realidade e sua transformação, enquanto signos atuam internamente, mediando
as funções psicológicas. Isso significa que as funções se desenvolvem em dois níveis: primeiramente no
nível interpsicológico, para se tornarem intrapsicológicas posteriormente.

92
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Figura 35

6.1.3 Envelhecimento: etapa final do desenvolvimento

Por muito tempo o envelhecimento foi considerado apenas como um período em que ocorrem perdas
gradativas de capacidades físicas e psíquicas. Estudos psicológicos sobre essa etapa do desenvolvimento
são relativamente recentes, talvez pelo fato de estar ocorrendo uma expansão da gerontologia, provocada
pelo rápido aumento do número de pessoas idosas, fato observado desde o final da década de 1950.

As primeiras pesquisas experimentais sobre a velhice haviam sido realizadas em 1928, particularizando
processos de aprendizagem, memória e tempo de reação. Até o ano de 1940, pouco se pesquisou sobre
a vida adulta e a velhice.

No intuito de ampliar as perspectivas de compreensão do envelhecimento e da morte, nós, autores


deste livro-texto, em nossa condição de etnopsicólogos, consideramos relevante trazer para este
contexto alguns resultados da pesquisa intercultural Brasil-Nigéria, da qual resultou a tese de doutorado
A mulher, o tempo e a morte: um estudo sobre envelhecimento feminino no Brasil e na Nigéria (RIBEIRO,
1987). Na Nigéria (África Ocidental), foram entrevistadas mulheres pertencentes ao grupo étnico iorubá,
etnia que trouxe ao Brasil sua cultura e seu culto aos orixás.

Os relatos biográficos de mulheres iorubás mostram que nesse grupo étnico ninguém duvida da
continuidade da vida após a morte. Os indivíduos percebem a si mesmos como elos de uma corrente
transgeracional, elos de conexão do passado com o futuro. Tal compreensão da vida é favorável ao
desenvolvimento de atitudes positivas ante o envelhecimento e a morte.

93
Unidade II

Sabemos que as identidades individuais são construídas com base na percepção que temos de nós
mesmos como membros de grupos – a família e outros grupos de pertença.

Para melhor compreender a perspectiva africana, é útil confrontarmos dois modos distintos de
entender a vida e as relações interpessoais:

• o modo que é próprio das sociedades ocidentais, denominado cultura do narcisismo, por
Christopher Lasch (1983), da Universidade de Rochester;

• o modo que é próprio de sociedades orientais, como as sociedades tradicionais africanas e asiáticas,
e, para isso, vamos recorrer às descrições de Lin Yutang (1963), filósofo e romancista chinês.

Figura 36

Em sua obra A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio, Lasch
(1983) realiza uma lúcida análise das relações humanas em sociedades industriais. E Lin Yutang (1963),
em sua obra A importância de viver: a arte de ser feliz revelada pela profunda sabedoria chinesa,
descreve as diferenças que observou vivendo um período de sua vida na China e outro período nos
Estados Unidos. Embora as obras desses autores tenham sido publicadas há décadas, suas observações
continuam sendo úteis a nossos propósitos. Observemos que os títulos dessas obras já refletem atitudes
básicas frente à vida e à morte – se fala de “esperanças em declínio” e da “arte de ser feliz” –, indicando
atitudes das quais decorrem padrões de relacionamento familiar em distintas sociedades.

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PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Figura 37

As sociedades industriais carregam a marca de valores da cultura do narcisismo, que exige


a satisfação imediata das necessidades e coloca as pessoas em estado de desejo permanentemente
insatisfeito. Lasch (1983, p. 14) refere-se ao fato de que, nessas sociedades, se vive “em busca da
felicidade no beco sem saída de uma preocupação narcisista com o eu”.

Nas sociedades de cultura do narcisismo, a paixão predominante é viver para si e para o momento.
Lasch (1983) ressalta que cada indivíduo permanece centralizado unicamente no próprio eu e considera
a sobrevivência individual como o bem maior.

Por outro lado, Lin Yutang (1963) se refere ao fato de que, na China tradicional, cada indivíduo
é considerado, antes de mais nada, um membro da unidade familiar, um elo da corrente da vida:
inicialmente, ele é cuidado; depois, cuida; e, na velhice, volta a ser cuidado. Inicialmente, obedece e
respeita; depois, é obedecido e respeitado.

Lasch (1983) assinala que a atitude desfavorável frente ao envelhecimento e à morte observada
nas sociedades ocidentais decorre do fato de não ser reconhecido o fluxo transgeracional. E Lin Yutang
(1963) diz que, ao confrontar a vida oriental com a ocidental, encontrou uma significativa diferença
na atitude das pessoas no que diz respeito à idade. Grande importância é atribuída à idade, e os velhos
dizem orgulhosamente aos jovens: “mais pontes cruzei eu do que ruas tu cruzaste”, e essa experiência
de vida é valorizada e respeitada.

No que diz respeito aos cuidados e à independência individual, ao comparar os velhos do Ocidente
com os velhos do Oriente, Lin Yutang (1963) diz: como na China todo conceito de vida se baseia na
ajuda mútua, os velhos não sentem vergonha ao serem servidos pelos filhos no ocaso da existência.

Nas sociedades industriais, o individualismo exacerbado provoca aversão ao envelhecimento. Sendo


a mercadoria mais valiosa que o homem, envelhecer implica se tornar cada vez menos produtivo, o que
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Unidade II

se faz acompanhar de uma perda progressiva de valor, porque, nessas sociedades, o que tem valor não
é a experiência, e sim a força e a beleza físicas, a destreza, a flexibilidade para se adaptar rapidamente
às situações.

Além disso tudo, o envelhecimento é, inegavelmente, o aversivo caminho para a morte. E a morte
ocupa distintos lugares nas sociedades tradicionais e nas sociedades industriais. Nas sociedades
tradicionais, a morte é compreendida e aceita como natural da vida; e, nas sociedades industriais,
passamos a vida toda fazendo de conta que a morte é algo extremamente indesejável, que só acontece
para os outros. Nessas sociedades, sociedades do tempo produtivo, fundadas na lógica do lucro, não
há tempo nem lugar para o envelhecimento, nem para rituais fúnebres, nem para o luto, uma vez que
toda energia poupada deve reverter em benefício da produtividade exigida pelos sistemas capitalistas.

Nos últimos anos, graças ao prolongamento do tempo de vida das pessoas, testemunhamos em
algumas sociedades o fenômeno do envelhecimento populacional, ou seja, muitos indivíduos dessas
sociedades estão envelhecendo. Como vemos diariamente nos jornais, esse fato tem apresentado
desafios à saúde pública, ao sistema previdenciário e até mesmo à organização familiar, pois famílias já
sobrecarregadas de exigências de todo tipo, ao terem um idoso em idade avançada no seio familiar, se
veem diante da necessidade de oferecer cuidados a essa pessoa, muitas vezes sem condições econômicas
e emocionais para isso.

Esse fenômeno, que inicialmente ocorria somente em países desenvolvidos, foi se expandindo para
países em desenvolvimento. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2018), no Brasil, o número de idosos (maiores de 60 anos de idade) passou de 3 milhões em 1960 para 7 milhões
em 1975, 14 milhões em 2002 (um aumento de 500% em 40 anos!).

Viver por tempo mais prolongado é tão importante quanto conseguir agregar qualidade aos anos
finais da vida. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde pública enfrenta o
desafio de responder a algumas importantes questões:

• Como manter a independência e a vida ativa com o envelhecimento?

• Como fortalecer as políticas de prevenção e promoção da saúde, especialmente as voltadas para


os idosos?

• Como manter e/ou melhorar a qualidade de vida durante o envelhecimento?

Outras questões são colocadas aos demais sistemas sociais de atendimento à população e à
sociedade civil. Estamos diante da necessidade de integrar socialmente os idosos, de ressignificar
conceitos baseados em estereótipos negativos da velhice, já tão enraizados em nosso meio, de gerar e
utilizar novos recursos para que haja equidade na distribuição de bens e serviços para esse segmento
populacional em nosso país.

Não podemos encerrar esta seção sem abordarmos um tema delicado, que exige atenção e preparo
de todos os profissionais da saúde: o paciente terminal, a morte e o luto.

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PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

6.1.4 Término da jornada: o paciente terminal, a morte e o luto

Ao nos propormos abordar questões relativas ao paciente terminal, à morte e ao luto, nos vemos
diante da necessidade de reconhecer nossos próprios temores e lutos. Mas não podemos nos furtar
a isso por sermos profissionais do cuidado, e é preciso haver lugar para a morte e o luto em nossas
práticas profissionais. Esperandio (2016), em seu texto “Um lugar para o luto: morte, oração e coping
religioso-espiritual”, interessada em relacionar esses temas, nos lembra que a experiência de luto, uma
das experiências mais difíceis de serem vividas, pode acarretar riscos à saúde dos enlutados – depressão,
ansiedade, elevado nível de estresse, somatizações, doenças físicas, transtornos psiquiátricos, possível
hospitalização e, no limite, suicídio.

Iniciemos com considerações sobre o paciente terminal. Mendes, Lustosa e Andrade (2009), no
artigo “Paciente terminal, família e equipe de saúde”, relatam resultados da pesquisa bibliográfica por
eles realizada com o objetivo de descrever aspectos psicológicos presentes na relação da equipe de
saúde com o paciente terminal e seus familiares e presentes nos estágios que precedem a morte. Essas
autoras mencionam o fato de as pessoas em estado terminal, quando hospitalizadas, se relacionarem
principalmente com a equipe de saúde do hospital durante o último período de suas vidas: médicos,
enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, entre outros profissionais. Estes, por sua vez, dedicam cuidados
não apenas aos pacientes, mas também a seus familiares, porque, seja a morte aceita por eles como
fenômeno natural ou haja dificuldade em aceitá-la, o sofrimento que acompanha a perda do ente
querido é inevitável.

As autoras consideram que a intervenção de psicólogos é fundamental para que as questões e


relações emergentes em tal circunstância se beneficiem da ação de um intermediário que ajude a
estabelecer com nitidez os sentimentos, as percepções e a maneira de lidar de modo humanizado com
o paciente terminal, ou seja, não reduzido à sua condição de doente em fase de terminalidade, mas sim
como ser humano que merece morrer com dignidade. A mesma postura adotada pelo psicólogo é a que
se espera seja adotada por toda a equipe de saúde: a de oferecer apoio também à família.

A isso acrescentamos a necessidade que têm os cuidadores de também receberem cuidados, porque
no contexto dos serviços de saúde o profissional que se coloca diante da morte está realizando seu
trabalho, o que exige eficácia técnica e capacidade pessoal de lidar com as próprias mobilizações
emocionais.

Kübler-Ross (1979) descreve os estágios comumente vividos por pacientes e seus familiares quando
diante da morte: negação da doença, revolta ou depressão. Ao lidar com essas emoções, inevitavelmente
a equipe de saúde é emocionalmente mobilizada, podendo compartilhar da angústia vivida pelo
paciente e/ou seus familiares. Alguns autores assinalam que essa angústia pode levar os profissionais
a expressarem agressividade no âmbito de sua equipe ou rejeitarem os pacientes e seus familiares.
Kübler‑Ross (1979) afirma que a maioria dos cuidadores de pacientes terminais atravessa os mesmos
estágios vividos pelos moribundos.

Essa temática recebeu especial atenção de alguns teóricos, entre os quais Marta Helena de Freitas,
na Universidade Católica de Brasília (UCB), e Marília Ancona-Lopez, na Pontifícia Universidade Católica
97
Unidade II

de São Paulo (PUC-SP). Reconhecendo haver um hiato entre a formação e a prática profissional, essas
autoras participaram ativamente da construção de saberes, o que contribuiu para o aumento do número
de trabalhos teóricos e empíricos, desenvolvidos com base em distintas teorias e por meio de distintos
métodos. O tema da morte foi então relacionado ao tema da religiosidade/espiritualidade, entre tantos
outros. Paira nos espaços de ensino universitário um silêncio quase absoluto relativamente a esse binômio,
do qual decorre despreparo profissional para lidar com temas assim importantes da condição humana.

Marta Helena de Freitas (2016) assinala que as crenças e manifestações religiosas mostram-se
particularmente presentes na vida dos pacientes e de seus familiares nos contextos em que a morte
comparece, seja como possibilidade, risco ou fato constatado – na oncologia, na geriatria, nos cuidados
paliativos. Observa que estudantes e profissionais, mesmo os que não se consideram crentes ou religiosos,
relatam haver constatado que a religiosidade ou a espiritualidade desempenham importante papel no
enfrentamento da doença e da perspectiva de finitude e reconhecem serem em sua maior parte positivos
os efeitos da religiosidade ou religião no bem-estar desses pacientes e de seus familiares. O modo pelo
qual um profissional internalizou e/ou cultiva a própria religiosidade tem papel fundamental em sua
postura ao lidar com a morte e o morrer. Essa autora nos lembra dos princípios dos cuidados paliativos.

Princípios dos cuidados paliativos estabelecidos pela OMS desde 1986 e renovados em 2002:

• Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal.

• Não apressar nem adiar a morte.

• Oferecer alívio da dor e de outros sintomas que causem sofrimento.

• Integrar aspectos psicológicos e espirituais ao oferecer cuidados ao paciente.

• Oferecer um sistema de apoio que ajude o paciente a viver tão ativamente quanto possível até a
morte e oferecer um sistema de apoio que ajude a família a enfrentar a doença do paciente e viver
seu processo de luto.

O luto

Tocamos, agora, a temática do luto desencadeado pela morte de um ente querido ou pela perda de
uma condição existencial. São consideradas algumas modalidades de luto:

• Luto antecipatório: a pessoa sabe que sofrerá uma perda que ainda não se concretizou – um
divórcio, uma longa viagem, a doença terminal de um ente querido. Nesses casos se observa
ambivalência e instabilidade dos sentimentos – os enlutados alternam proximidade e distância do
ente querido, pois querem usufruir sua presença e, ao mesmo tempo, desapegar-se.

• Luto ausente: a pessoa afetada bloqueia seus sentimentos e procura agir como se nada disso
estivesse ocorrendo. A negação, mecanismo de defesa do ego, é utilizada quando nos sentimos
sem forças para suportar certos impactos.
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PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

• Luto crônico: a pessoa não consegue elaborar a perda de um ente querido, resiste a aceitar o
ocorrido, paralisa a própria vida e cultiva sua dor.

• Luto atrasado: a pessoa ignora a própria dor por algum tempo, até que a dor irrompe violenta
em momento inesperado.

• Luto inibido: a pessoa tem grande dificuldade para expressar seus sentimentos.

• Luto desautorizado: ocorre em situações específicas, como no caso da morte de alguém que
possuía relacionamento extraconjugal, da morte provocada por doença sexualmente transmissível,
da morte de animais de estimação.

No artigo “A clínica do luto e seus critérios diagnósticos: possíveis contribuições de Tatossian”,


Michel e Freitas (2019) referem-se à classificação de luto no Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais (DSM-5), que discrimina luto normal de luto complicado, ignorando a perspectiva
fenomenológico-existencial segundo a qual o luto é vivido como fenômeno intersubjetivo e como
experiência de perda, por ocasião da morte, de um mundo partilhado, pois perder um ente querido
é perder também, irremediavelmente, determinada perspectiva de vida e determinada possibilidade
existencial. Ainda tratando do DSM-5, no artigo “Luto, pathos e clínica: uma leitura fenomenológica”,
Joanneliese de Lucas Freitas (2018) assinala que as modificações em aspectos teóricos e práticos do
luto determinaram nova maneira de compreendê-lo e isso repercutiu na versão mais recente.

Recorrendo a Bowlby (1907-1990), um dos autores que mais contribuiu para a teoria do luto,
Esperandio (2016) contribui para essas reflexões ao assinalar que o modo como se experiencia o luto
tem a ver com o vínculo construído com as figuras de apego (mãe, pai, avós, cuidadores, pessoas
importantes para a criança). Ao estudar apego e separação em crianças separadas de suas figuras de
apego para serem cuidadas em instituições, Bowlby identificou três fases de sofrimento associado à
separação: protesto, desespero e desapego. Na fase do protesto, predominam a angústia e o choro; na
fase do desespero a criança mostra-se apática, demonstrando visível perda da esperança de reencontro
com a mãe; e na fase do desapego a criança volta a se relacionar pouco a pouco, com adultos. Ao serem
reunidas às suas mães, essas crianças demonstraram apatia, ausência de alegria, por vezes indiferença,
aparentemente sem vontade de reconectar-se à figura de apego.

Em Sobre a morte e o morrer, Kübler-Ross (1987 apud ESPERANDIO, 2016) fala da criança que perde
a mãe: ela culpa a si mesma e ao mesmo tempo sente raiva por haver sido abandonada. A mãe que
morre é adorada e odiada com a mesma intensidade. Tais sentimentos não são incomuns em adultos.

As crianças constroem distintos padrões de apego em função de suas experiências de separação e,


segundo Kelley (2010 apud ESPERANDIO, 2016), o tipo de relação de apego é intimamente relacionado
ao tipo de luto. Para lidarmos com tais questões, assim delicadas, é preciso que nós, profissionais do
cuidado, nos perguntemos: qual é meu próprio estilo de apego? Qual é minha compreensão de morte?
Se já experienciei a morte de entes queridos, como foi meu processo de enlutamento? Quais foram e
como foram minhas experiências de perda e luto?

99
Unidade II

Diante dos desafios impostos pela morte de um ente querido e do luto subsequente, é preciso utilizar
estratégias de enfrentamento. Ao conjunto de estratégias de enfrentamento usadas pelas pessoas é
dado o nome de coping. São exemplos de coping a distração, o manter-se ocupado, a aceitação da
ocorrência indesejada. Pargament (1997 apud ESPERANDIO, 2016) fala em coping religioso: uso de
elementos sagrados para responder a eventos estressores.

Pesquisas vêm demonstrando que a oração, via de conexão com a dimensão do mistério, dimensão do
sagrado, é uma das estratégias de coping mais comumente utilizadas por ajudar a pessoa a constituir um
espaço – físico, emocional e espiritual – para vivenciar a experiência da morte em conexão com a vida.

Conforme assinalam os autores aqui mencionados, a interação entre religiosidade, espiritualidade,


saúde, doença e cura, qualidade de vida tem recebido pouco espaço de debate nos espaços de formação
e de prática profissional. Mas há sinais de que essa situação já se encontra em processo de abertura.

Muito mais está por ser dito aqui nesta seção destinada ao tratamento do tema psicologia do
desenvolvimento. O que esperamos, em nossa condição de docentes e de autores deste livro-texto, é
que o material aqui reunido estimule em você, leitor, o desejo de conhecer mais, o propósito de refletir
sobre o que lê, a adoção de uma postura crítica diante do que lê e diante do que ouve. Para que possa
desenvolver senso crítico, capacidade de questionar informações com as quais não concorde, e, assim,
ser capaz de exercer seu livre-arbítrio e de se apropriar daquilo que é seu por direito.

6.2 Tópicos de psicologia da aprendizagem

Antes de optarmos por trazer para este contexto esses tópicos de psicologia da aprendizagem,
avaliamos em que medida tais conhecimentos poderiam ser úteis a fisioterapeutas. Ao considerarmos
que toda prática de fisioterapia – seja clínica ou não – envolve processos de aprendizagem, concluímos que
é importante, sim, darmos um passeio por alguns conceitos teóricos.

A toda prática educativa subjaz uma concepção de educador, de aprendiz e de processo de


aprendizagem. Podemos identificar pressupostos subjacentes às práticas de ensino-aprendizagem
mesmo que o educador que nelas fundamenta sua ação profissional não tenha clareza disso.

Quer o fisioterapeuta trabalhe visando aliviar dores de um cliente, quer visando preparar um
atleta para competir, o processo por ele desencadeado é um processo de aprendizagem de posturas
corporais. Em grande parte dos processos de aprendizagem, são utilizados “prêmios” e “punições”.
Vejamos um exemplo de aprendizagem humana.

Entre as questões do Enade 2009: Psicologia, havia uma que descrevia procedimentos adotados por
um professor durante a correção da tarefa escolar de seus alunos. O enunciado dessa questão foi
assim formulado:

Um professor corrige a tarefa escolar feita por seus alunos. Eles estão
sentados individualmente em carteiras enfileiradas e são chamados um a um
para levar o caderno até a mesa do professor. Este age batendo um carimbo
100
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

que associa uma figura com uma expressão elogiosa como “muito bem”,
“ótimo” ou “excelente”. E não usa figura alguma, caso não tenha sido feita a
tarefa. Em seguida, registra quem fez e quem não fez a tarefa, dizendo que
o aluno que cumprir todas as tarefas sem erro receberá um ponto na média
final bimestral. Depois, fala à classe que quem não realizou a tarefa deverá
fazer isso durante o horário do recreio (INEP, 2009, p. 20).

Tendo lido a descrição dessa conduta docente, as pessoas que estão sendo submetidas à prova do
Enade têm que eleger entre cinco possibilidades aquela que indica corretamente qual é a perspectiva
teórica desse professor, que o leva a proceder como procedeu. Cinco perspectivas teóricas são
apresentadas para que seja escolhida a correta. Veremos como foi dado o comando e que possibilidades
de escolha foram apresentadas para eleição da afirmativa correta:

A conduta desse professor é corretamente interpretada pela abordagem

A) comportamental, que preconiza a modelagem do comportamento da


criança pelo reforço positivo dos comportamentos adequados e pela extinção
dos inadequados.

B) gestáltica, a qual destaca a correção do erro e o controle do comportamento


como necessários para que o aluno estabeleça a distinção [entre] figura e
fundo, criando a boa forma, favorecendo insights (introvisão) e raciocínios
específicos sobre os problemas dados na tarefa.

C) piagetiana, que preconiza a aprendizagem como envolvendo processos


de assimilação e acomodação de novos conteúdos à estrutura cognitiva do
aluno; tornada possível, enfatizando o erro cometido.

D) rogeriana, a qual compreende a conduta do professor como um convite


à heteronomia do aluno como pessoa humana, pois a punição do erro deve
acontecer num clima de afetividade e empatia.

E) sócio-histórica, que enfatiza o papel do parceiro mais experiente como


muito valorizado para a aprendizagem, o que faz com que a correção do
erro pelo professor favoreça a zona de desenvolvimento proximal (INEP,
2009, p. 20).

Essa questão tem a qualidade de reunir descrições sucintas das abordagens comportamental,
gestáltica, piagetiana, rogeriana e sócio-histórica, passíveis de utilização em práticas educacionais.
O enunciado da questão descreve uma estratégia de ensino-aprendizagem na qual alguns
comportamentos, como o de realizar corretamente determinada tarefa, são elogiados, enquanto
outros, como o de não realizar a tarefa, são punidos com a retirada de uma circunstância apreciada,
como a de participar do recreio.

101
Unidade II

A teoria da aprendizagem elaborada pela psicologia comportamental descreve como deve ser feito
o arranjo de contingências ambientais para modificar comportamentos. Como vimos, segundo essa
abordagem, determinadas consequências ambientais reforçadoras, contingentes à emissão de certos
comportamentos, aumentam a probabilidade de ocorrência desses comportamentos no futuro. Outras
consequências, como a retirada de um benefício ou a introdução de uma ocorrência desagradável,
tornam menos provável a repetição do comportamento que produziu o resultado indesejável. Vamos
nos demorar um pouco na apresentação dessa abordagem no âmbito humano.

Ao longo do desenvolvimento, a criança vai tendo seu comportamento modelado por consequências
ambientais de suas ações, sendo algumas consequências prazerosas e outras aversivas. Quando se trata
da aquisição de repertórios de comportamento, ocorre o mesmo: comportamentos “bem-sucedidos”
tendem a se manter, enquanto outros, “malsucedidos”, tendem a desaparecer.

O educador que adota essa abordagem teórica se compromete a planejar contingências favoráveis à
aquisição e manutenção de comportamentos desejáveis e à extinção (eliminação) de comportamentos
indesejáveis. Utiliza diversos recursos para isso. Por exemplo, frase elogiosa carimbada na folha do
caderno do aluno e acréscimo na nota se todas as tarefas forem realizadas.

Esse planejamento educacional tem por pressuposto que elogios e notas funcionam como reforçadores,
aumentando a probabilidade de a criança, no futuro, realizar novas tarefas. Por outro lado, a criança
que não realiza a tarefa não tem a folha de seu caderno carimbada. O procedimento de não oferecer as
consequências ambientais reforçadoras que mantêm um comportamento desejável deverá, conforme
os postulados teóricos dessa abordagem, contribuir para a “extinção” do comportamento indesejável.

Outro arranjo de contingências descrito no enunciado refere-se à punição pela retirada de um


reforçador disponível: crianças que não realizaram a tarefa devem permanecer em sala de aula, privadas
do recreio. Essa consequência aversiva terá como resultado uma redução da probabilidade de ocorrência
desse comportamento no futuro.

Lembrete
O enunciado da questão aqui abordada, do Enade 2009: Psicologia,
descreve uma situação em que a criança recebe recompensas quando se
comporta da maneira desejada.

As possibilidades que a psicologia da aprendizagem pode oferecer a fisioterapeutas não se restringem


à abordagem comportamental. As abordagens gestáltica, piagetiana, rogeriana e sócio-histórica,
fundamentadas em outras concepções de pessoa e de destino humano e em outros pressupostos teóricos,
também reúnem elementos úteis à formação de fisioterapeutas. Mas, no presente contexto, vamos
privilegiar a abordagem comportamental, por considerar que, nos procedimentos da fisioterapia, sempre
estão envolvidas, em maior ou menor grau, uma modelagem de comportamentos e uma construção
de novas atitudes frente ao próprio corpo. Por isso, nos pareceu útil reunir aqui algumas informações
básicas sobre essa abordagem teórica.

102
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

6.2.1 Aprendizagem: a abordagem comportamental

Permanecendo no campo do behaviorismo, convidamos os estudantes a nos acompanharem


na apresentação de alguns de seus mais importantes conceitos, os conceitos de comportamento
respondente e de comportamento operante. Comportamento respondente ou comportamento
reflexo consiste apenas em uma resposta a determinado estímulo. Comportamento operante, por
sua vez, é aquele que, ao ser emitido, produz consequências no ambiente. É denominado operante
por “operar” no ambiente.

Saiba mais

Considerando ser breve a apresentação dessas teorias neste livro-texto,


aos fisioterapeutas interessados na aplicação dos princípios expostos nesta
seção à sua prática de modeladores de corpos humanos, sugerimos o livro
a seguir:

MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, C. A. Princípios básicos de análise do


comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007.

As consequências do comportamento operante podem ser reforçadoras ou punitivas (aversivas). Por


definição, relações reforçadoras são aquelas que, no decorrer do processo comportamental, contribuem
para manter ou aumentar a frequência do evento comportamental (resposta). Também por definição,
relações punitivas são aquelas que, no decorrer do processo comportamental, contribuem para diminuir
ou para eliminar a frequência do evento comportamental (resposta).

É possível cessar eventos comportamentais ou respostas por meio do processo de extinção de


comportamento. Nesse caso, havendo quebra de uma relação reforçadora, a consequência não mais
ocorre, ou seja, o comportamento entra em processo de extinção: retorna a níveis próximos dos
anteriores à situação de condicionamento.

Para tornar essa teoria mais compreensível, façamos uma viagem ao passado e retomemos
aspectos de sua história. E é interessante observar que o tema motivação, já abordado anteriormente,
retorna ao falarmos de aprendizagem. Veremos que os teóricos da primeira força da psicologia, ou
seja, representantes do behaviorismo e da teoria do movimento comportamental-cognitivo (TMCC),
consideram que a motivação resulta de processos de aprendizagem. A TMCC defende a ideia de que
todo e qualquer comportamento pode ser motivado por meio de aprendizagem. Algo não atraente pode
tornar-se atraente quando o conhecemos melhor.

Imaginemos, por exemplo, uma criança que diz não gostar do jogo de xadrez. Mas será que
ela já teve distintas oportunidades de se aproximar desse jogo? Se apresentarmos a ela diversas
possibilidades de aprendizagem do jogo, estaremos utilizando uma motivação extrínseca para estimular
nela uma motivação intrínseca. E esse recurso funciona mesmo?! Vejamos o que propõe a teoria dos

103
Unidade II

condicionamentos, começando pela teoria criada por Ivan Pavlov (1849-1936) e avançando depois para
a teoria do condicionamento operante, iniciada por Edward L. Thorndike (1874-1949).

Pavlov demonstrou ser possível induzir um comportamento sem que a pessoa nem sequer estivesse
pensando em se comportar do modo induzido. Ou seja, é possível produzir a realização automática de
determinada ação em obediência a um comando. Os experimentos de Pavlov foram realizados com
animais. Ele percebera que ao se aproximar do cachorro de seu experimento com um pedaço de carne
(estímulo não condicionado), o cachorro salivava (reflexo inato) e quando ele associava a entrega do
pedaço de carne ao som de uma campainha repetidas vezes, o cachorro salivava ao ouvir o som da
campainha mesmo sem a presença da comida. Pavlov chamou de reflexo não condicionado a relação
entre um estímulo não condicionado (comida) e a resposta não condicionada a esse estímulo (salivação).

A figura a seguir ilustra o experimento de Pavlov.

Figura 38 – Experimento de Pavlov

Essa constatação de Pavlov possibilitou identificar uma conexão entre estímulos ambientais e
respostas viscerais. Transpondo esse conhecimento para a prática de fisioterapeutas, convém estarmos
atentos às possíveis conexões que podem ser estabelecidas entre os estímulos ambientais presentes
numa sessão de atendimento, por exemplo, e possíveis respostas viscerais a serem condicionadas em
benefício dos clientes.

Thorndike, por sua vez, contribuiu para a formulação da teoria do condicionante operante, tendo
observado que ações das quais resultam condições agradáveis tendem a se repetir, enquanto ações das
quais resultam condições desagradáveis tendem a desaparecer. Em outras palavras, se ações realizadas
para satisfazer uma necessidade forem recompensadas, a probabilidade de sua repetição aumentará e,
se tais ações forem punidas, a probabilidade de sua repetição diminuirá.

Um de seus experimentos foi realizado com um gato mantido faminto em uma gaiola colocada
perto de um prato de comida. Para abrir a gaiola o gato deveria acionar uma argola. Depois de inúmeras
tentativas ele obteve êxito e pôde ser recompensado. Esse procedimento foi repetido várias vezes, e assim
o gato aprendeu a sair da gaiola sem maiores esforços: havia ocorrido uma aprendizagem operante.

104
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Esse experimento deu origem à lei do efeito: em situações análogas à original, respostas seguidas de
satisfação se tornam propensas a ocorrer novamente e respostas seguidas de desconforto são menos
propensas a ocorrer novamente.

Diferentemente do comportamento reflexo, o comportamento operante depende da repetição de


determinada ação. Se um cliente de fisioterapia alcança bom resultado ao realizar determinado exercício,
essa consequência reforçadora aumenta a probabilidade de realização bem-sucedida desse e de outros
exercícios análogos a esse. Assim, sucessivas ações modelam comportamentos.

Utilizando somente recompensa com comida, Skinner (1904-1990), relevante pesquisador do


behaviorismo, considerava o livre-arbítrio uma ilusão e a ação humana inteiramente dependente das
consequências de ações anteriores. Em um de seus experimentos, Skinner fez um pombo girar 360 graus
em determinados momentos, e a cada vez que o pombo virava um pouco mais para a esquerda, ganhava
comida. A sucessiva repetição disso fez com que o pombo aprendesse a girar para ser recompensado.

Outro recurso utilizado para alterar um comportamento operante consiste em utilizar estímulos
discriminativos, ou seja, é criado um contexto favorável ou desfavorável à ocorrência de determinado
comportamento. O estímulo discriminativo, diferentemente do reforço, tem por base as condições
do ambiente – favorável ou não – para a ocorrência do comportamento que se pretende modelar.
Todas as variáveis ambientais que interferem no comportamento a ser emitido são consideradas
estímulos discriminativos que não desencadeiam nem inibem o comportamento. Apenas interferem na
probabilidade de sua ocorrência.

No quadro apresentado a seguir estão reunidas as principais características dos condicionamentos


clássico (Pavlov) e operante (Skinner).

Quadro 3

Condicionamento clássico (Pavlov) Condicionamento operante (Skinner)


Papel passivo do sujeito Papel ativo do sujeito
Envolve ações desempenhadas em situações apropriadas e
Envolve reações provocadas por estímulos recebimento de recompensa
Ocorre com reações emocionais (sentir) Ocorre com ações motoras (fazer)

6.2.2 Aprendizagem: a abordagem comportamental-cognitiva

A abordagem comportamental‑cognitiva, por sua vez, define aprendizagem como a mudança


ou a aquisição relativamente estável de um comportamento e/ou o conhecimento resultante de uma
experiência. Essa perspectiva teórica destaca diferentes formas pelas quais pode ocorrer a aprendizagem:

• por habituação;

• por associação ou condicionamento;

105
Unidade II

• por generalização;

• por diferenciação de respostas;

• por regras;

• por observação etc.

A aprendizagem que se dá por observação é também denominada aprendizagem vicariante ou


aprendizagem social. A aprendizagem vicariante ocorre quando um indivíduo aprende apenas observando
um modelo, sem que ele mesmo tenha passado pela experiência que está observando. Tendo observado
uma situação em que um modelo emite certo comportamento e sofre consequências ambientais, o
observador é levado a repetir ou imitar os comportamentos que foram positivamente reforçados.

O estudo dessa modalidade de aprendizagem, realizado pelo psicólogo canadense contemporâneo


Albert Bandura (1979), o levou a concluir que, além das situações em que somos reforçados
ou punidos por nossas ações, também a experiência de outras pessoas pode conduzir à aquisição
de novos comportamentos, caso em que a aprendizagem não decorre do reforçamento direto (em que
o próprio sujeito é gratificado ou punido pelo ambiente), mas do reforçamento vicariante (em que o
modelo é gratificado pelo ambiente).

Bandura (1979) identificou algumas variáveis que tornam esse tipo de aprendizagem mais
eficaz ou menos eficaz. Algumas dessas variáveis são relativas a características do modelo, enquanto
outras são relativas ao repertório comportamental do observador.

Um tema de investigação bastante considerado pelos teóricos da aprendizagem vicariante


(social) é o relativo à aquisição de comportamentos agressivos. Desde os estudos clássicos
de Bandura (1979), muitas pesquisas examinam os efeitos da observação de filmes com cenas de
violência no desenvolvimento de repertórios comportamentais agressivos, com resultados consistentes
que evidenciam a relação entre essas variáveis. Os experimentos desenvolvidos para investigar
esse fenômeno procuram associar a exposição de sujeitos a cenas em que modelos apresentam
comportamentos agressivos com o reforço pelo ambiente para emitir comportamento agressivo
em uma oportunidade posterior. Os resultados demonstram a ocorrência de aprendizagem
vicariante, constatada pela imitação do comportamento dos modelos. Evidências dos estudos
sobre a aprendizagem vicariante de comportamento violento demonstram a ação das variáveis
intervenientes antes destacadas, tanto as variáveis referentes às características do modelo quanto
as variáveis relacionadas ao repertório dos aprendizes.

Em uma questão do Enade 2006: Psicologia, essa temática foi abordada. Foi apresentado o
relato da pesquisa intitulada “A influência de filmes violentos em comportamento agressivo de
crianças e adolescentes”, realizada por Paula Inez Cunha Gomide (2000). Essa pesquisadora, apoiada
em teóricos da aprendizagem social (vicariante), que afirmam que as pessoas se comportam de
maneira similar à de modelos por elas considerados de alto status social ou de sucesso, realizou
106
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

essa pesquisa para avaliar a influência de filmes violentos no comportamento agressivo, tanto de
crianças quanto de adolescentes. Para isso, realizou dois experimentos:

• No experimento I, estudou 360 adolescentes de ambos os sexos. Os adolescentes foram distribuídos


em quatro grupos, um dos quais, grupo de controle. Os adolescentes reunidos nos outros três
grupos tiveram seus comportamentos agressivos medidos durante um jogo de futebol assistido
depois de eles terem assistido a filmes violentos e filmes não violentos.

• No experimento II, estudou 160 crianças de ambos os sexos, que tiveram seus comportamentos
agressivos medidos durante um jogo de futebol assistido depois de eles terem assistido a filmes
violentos e filmes não violentos.

Os resultados mostraram que o comportamento agressivo das crianças e adolescentes do sexo


masculino aumentou após assistirem a um filme violento, não ocorrendo o mesmo com crianças e
adolescentes do sexo feminino. Porém, quando a violência refletiu abuso físico, psicológico ou sexual,
houve aumento significativo do comportamento agressivo em adolescentes dos dois sexos. Essa última
variável, apesar dos correlatos positivos com comportamento antissocial, precisa ser mais bem investigada.

Os resultados dessa pesquisa permitem afirmar que, de acordo com a perspectiva cognitivo‑comportamental,
a observação de comportamentos agressivos em filmes violentos não propiciou aprendizagem
vicariante para as meninas que participaram da pesquisa. Talvez porque elas não tenham repertório
comportamental de confronto. Também permitem afirmar que as condições necessárias para a
ocorrência da aprendizagem vicariante estão presentes quando a criança observa o modelo se
comportando e percebe as consequências que o ambiente fornece para aquele comportamento.

No primeiro caso – o das variáveis relativas às características do modelo –, são consideradas as


similaridades entre o observador e o modelo em termos de gênero, idade, status e outros aspectos que
aumentem a probabilidade de ocorrência de aprendizagem vicariante. Além disso, quanto mais forte o
vínculo afetivo entre o observador e o modelo, maior é a probabilidade de ocorrer imitação. O prestígio
e a competência social do modelo também favorecem essa aprendizagem: modelos considerados
bem‑sucedidos e modelos admirados pelos observadores tendem a ser mais imitados do que outros, que
são neutros. No segundo caso – o das variáveis relativas ao repertório comportamental do observador –,
um dos fatores mais considerados é a compatibilidade entre os repertórios comportamentais do modelo
e do observador.

Podemos pensar em que medida as conclusões dessa pesquisa podem ser aproveitadas por
fisioterapeutas. Poderíamos perguntar, por exemplo, se modelos de pessoas ou modelos de interação
interpessoal apresentados em filmes e vídeos poderiam oferecer algum tipo de suporte à ação do
fisioterapeuta, que, evidentemente, persegue metas de desenvolvimento humano ao desenvolver sua
prática cotidiana.

Esses breves relatos de pesquisa servem também para nos dar a ideia da complexidade do tema.

107
Unidade II

Saiba mais

Os filmes apresentados a seguir ajudam a entender melhor esses


experimentos da primeira força da psicologia:

IVAN Pavlov. Direção: Grigoriy Roshal. 1949. 103 min.

LARANJA mecânica. Direção: Stanley Kubrick. 1971. 156 min.

WHIPLASH: em busca da perfeição. Direção: Damien Chazelle. 2014.


106 min.

6.2.3 Aprendizagem: uma perspectiva psicanalítica

Vamos agora para a segunda força da psicologia. Encontramos na psicanálise de Freud (1856‑1939)
uma noção inteiramente oposta à do behaviorismo: enquanto o behaviorismo afirma que as motivações
são aprendidas, a psicanálise considera intrínsecos e inconscientes os padrões motivacionais favoráveis
ou desfavoráveis à aprendizagem, ou seja, para a psicanálise:

• todo comportamento é motivado;

• a motivação perdura por toda a vida;

• muitos dos motivos são inconscientes;

• a motivação se expressa por tensão;

• os motivos são de natureza biológica e inata (somos movidos pela busca do prazer).

Se recorrêssemos a outras forças da psicologia, encontraríamos outros modelos explicativos dos


processos motivacionais presentes na aprendizagem. Mas essas duas perspectivas teóricas podem ser
suficientes no momento. Basicamente, podemos afirmar que, para despertar motivações e com isso
aumentar as chances de um cliente se beneficiar do processo de aprendizagem presente em toda prática
fisioterápica, convém lembrar que há uma contínua interação entre personalidade e ambiente. Para
aumentar a motivação e garantir maiores chances de adesão ao tratamento, é preciso estar atento
à dinâmica estabelecida entre características pessoais e situacionais do cliente. Sendo a motivação o
motor que dispara, dirige e sustenta o processo de aprendizagem, ela é uma das principais variáveis
determinantes da performance. Motivações se alimentam de esperanças e estas, por sua vez, se
alimentam do apoio afetivo e socioeconômico recebido da família e dos demais grupos de pertença de
uma pessoa.

108
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Resumo

Nesta unidade, são abordados diversos temas, organizados em seções,


conforme descrito a seguir.

Na seção 5.1 – Tópicos de psicologia da personalidade, é assinalada


a necessidade de todo profissional da saúde identificar pontos de
competência e de dificuldade, tanto de seus clientes quanto de si
mesmo. Considerando que há diversos componentes a serem observados
quando pretendemos conhecer uma pessoa (genético, temporal, familiar,
histórico-geográfico-cultural e classe socioeconômica), é recomendado
ao fisioterapeuta que procure compreender seu cliente norteado por esses
componentes. Diversos conceitos de personalidade, temperamento, caráter
e identidade acham-se reunidos nessa seção, na qual são abordadas,
também, particularidades da construção de identidades em redes sociais
presenciais e virtuais. Nessa seção são apresentadas noções de psicanálise
para compreensão da personalidade; concepções ocidentais e orientais de
corpo e de temperamento; noções de identidade; desvios da normalidade
e noções de psicopatologia. Assinalando que emoções e lembranças de
fatos ocorridos nas interações humanas guardam memória viva em nossa
musculatura, nossos ossos e nosso sangue, recomenda-se ao fisioterapeuta
que, ao tocar o corpo de seu cliente, lembre-se de que tateia mistérios
múltiplos enquanto trata de desfazer tensões.

Na seção 6.1 – Tópicos de psicologia do desenvolvimento, são reunidos


dados sobre fatores hereditários e ambientais do desenvolvimento, são
apresentadas algumas das principais contribuições teóricas à psicologia do
desenvolvimento (Bowlby, Piaget e Vygotsky) e são abordados os temas
referentes a envelhecimento, paciente terminal, morte e luto, o que inclui
os princípios dos cuidados paliativos.

Na seção 6.2 – Tópicos de psicologia da aprendizagem, estão incluídas


considerações sobre o interesse que essa área possa ter para profissionais da
fisioterapia, uma vez que intervenções fisioterapêuticas envolvem processos
de aprendizagem: quer o fisioterapeuta trabalhe visando aliviar dores de
um cliente ou visando preparar um atleta para competir, o processo por
ele desencadeado é um processo de aprendizagem de posturas corporais.
Como em grande parte dos processos de aprendizagem motora são
utilizados “prêmios” e “punições” e como nos procedimentos da fisioterapia
sempre estão envolvidas, em maior ou menor grau, a modelagem de
comportamentos e a construção de novas atitudes relativamente ao próprio

109
Unidade II

corpo, nesse contexto foram privilegiadas as abordagens comportamental


(behaviorista) e comportamental-cognitiva, e foi apresentada, brevemente,
uma perspectiva psicanalítica da aprendizagem.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2012, adaptada) Teóricos da personalidade divergem sobre questões básicas da
natureza humana: livre-arbítrio versus determinismo, natureza versus criação, importância do passado
versus importância do presente, peculiaridade versus universalidade, equilíbrio versus crescimento,
otimismo versus pessimismo.

SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. Teorias da personalidade. São Paulo: Pioneira Thompson, 2002. p. 36.

Considerando essas questões implícitas nas teorias da personalidade, avalie as afirmativas abaixo.

I – Diferenças culturais afetam o desenvolvimento da personalidade.

II – Teorias da personalidade se diferenciam entre si porque partem de diferentes concepções de


natureza humana.

III – Diferentes pessoas reagem de modo diferente a um mesmo estímulo, mas, dependendo das
circunstâncias, determinada pessoa pode reagir de distintas maneiras a um mesmo estímulo.

IV – Aspectos internos influenciam tão fortemente o comportamento de uma pessoa em diferentes


situações que eles, por si sós, definem a personalidade dessa pessoa.

É correto apenas o afirmado em:

A) I e III.

B) II e III.

C) II e IV.

D) I, II e III

E) II, III e IV.

Resposta correta: alternativa D.

110
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: diferenças culturais afetam o desenvolvimento da personalidade, uma vez que esse
desenvolvimento é influenciado tanto por fatores genéticos quanto por fatores socioculturais.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: uma das causas das diferenças teóricas reside sem dúvida nas concepções de natureza
humana, de origem e destino humanos e de psiquismo humano.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: cada pessoa tem um modo próprio de reagir e por isso distintas pessoas podem reagir
a um mesmo estímulo de modo diferente, cada qual do seu jeito. Por outro lado, dependendo das
circunstâncias, uma mesma pessoa pode reagir de distintas maneiras ao mesmo estímulo.

IV – Afirmativa incorreta.

Justificativa: certamente, há “aspectos internos”, próprios da natureza biológica e da subjetividade


que influenciam o comportamento das pessoas em diferentes situações. Mas é incorreto afirmar que
tais aspectos, por si sós, definem a personalidade, pois isso seria negar a influência de fatores ambientais
de toda ordem.

Questão 2. (Enade 2006, adaptada) A busca de compreensão dos determinantes do comportamento


instiga, há anos, os psicólogos e alimenta um antigo debate em torno da questão inato versus
aprendido. Com relação a esse debate, estudos que relacionam medidas de inteligência em gêmeos
mostram que os coeficientes de correlação entre gêmeos monozigóticos são claramente mais elevados do
que entre os gêmeos dizigóticos, sobretudo na vida adulta. Esses resultados são coerentes com a
seguinte afirmativa:

A) O ambiente neutraliza o papel da hereditariedade na determinação da inteligência.

B) As medidas de inteligência em gêmeos monozigóticos distanciam-se na vida adulta.

C) A determinação genética desvincula-se da história de vida, quando se trata de inteligência.

D) As medidas de inteligência em gêmeos dizigóticos mantêm-se próximas na vida adulta.

E) A determinação genética exerce um evidente e mensurável papel na inteligência.

Resposta correta: alternativa E.


111
Unidade II

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: o enunciado dessa questão esclarece que, no âmbito dos debates sobre determinantes
do comportamento humano, estudos que relacionam medidas de inteligência em gêmeos mostram
que os coeficientes de correlação entre gêmeos monozigóticos são claramente mais elevados do que entre os
gêmeos dizigóticos, sobretudo na vida adulta. Portanto, é incorreto afirmar que o ambiente neutraliza o
papel da hereditariedade na determinação da inteligência.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: se os coeficientes de correlação entre gêmeos monozigóticos são claramente mais


elevados do que entre os gêmeos dizigóticos, sobretudo na vida adulta, conforme enunciado na
questão, é incorreto afirmar que as medidas de inteligência em gêmeos monozigóticos distanciam-se
na vida adulta.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: uma vez afirmado que os estudos que relacionam medidas de inteligência em gêmeos
apresentam coeficientes de correlação entre gêmeos monozigóticos claramente mais elevados do que
entre gêmeos dizigóticos, sobretudo na vida adulta, é incorreto afirmar que a determinação genética da
inteligência possa ser desvinculada da história de vida pessoal.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: no enunciado da questão, não há informações sobre o valor dos coeficientes de


correlação entre gêmeos monozigóticos e entre gêmeos dizigóticos nos estudos sobre inteligência.
No entanto, informa-se que eles são mais elevados entre os monozigóticos, sobretudo na vida
adulta. Por outro lado, tais resultados não permitem afirmar que as medidas de inteligência em gêmeos
dizigóticos se mantenham próximas na vida adulta.

E) Alternativa correta.

Justificativa: no enunciado, é afirmado que o coeficiente de correlação entre gêmeos monozigóticos


é claramente maior do que o coeficiente de correlação entre gêmeos dizigóticos – ou seja, gêmeos
com a mesma carga genética têm níveis de inteligência significativamente mais semelhantes entre
si, quando comparados a gêmeos dizigóticos ou fraternos, cujas cargas genéticas são distintas. Esses
resultados reforçam a hipótese de haver fatores genéticos relacionados à inteligência.

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