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Seminário – “Introdução aos Fundamentos da Psicanálise”

Aula 1: “O Inconsciente para a Psicanálise


Prof. Ferdinando Zapparoli

Durante quase todo o período da História Humana, o Homem considerou-se um ser


racional, consciente dos seus atos, predominantemente controlador da sua memória,
admitindo no máximo haver uma espécie de pré-conciente, subconsciente, ou uma
memória que poderia ser seletiva ou incapaz de armazenar tantas informações; mas de
modo geral, era o único ser racional, capaz de controlar seus próprios instintos e criar não
só tecnologia, mas um sistema político-social organizado.
Embora acreditava-se em uma sociedade estática, em que as pessoas estavam
predestinadas a determinados papeis num mundo de Leis imutáveis como as Leis da
Física, Agostinho de Hipona [354-430] já admitia que, sendo religiosas, as pessoas eram
diferentes umas das outras e, portanto, capazes de mudarem seu Destino.
Entretanto, foi na segunda metade do séc. XIX que um neurologista vienense foi
estudar com um famoso médico francês, Dr, Jean-Martin Charcot [especialista em histeria
e que procurava o tratamento através da Hipnose], modificou para sempre a maneira de
entender a mente humana: seu nome é Sigmund Freud.
Um dos primeiros elementos que lhe chamaram a atenção, mas iria levar 10 anos
para formatar-se como algo fundamental em suas teorias, foi o sonho. Por que sonhamos?
O fato é que Freud redesenhou a topografia da mente humana na sua 1ª Tópica.
Ele dividiu a mente em uma parte menor, a) Consciente, a instância que funciona
quando estamos no estado de vigília, e portanto conseguimos ter controle sobre atos e
memória; b) Pré-Consciente: uma espécie de arquivo, de banco de dados, de fácil acesso,
onde estão as memórias que não podem estar o tempo todo no Consciente, caso contrário a
vida seria inviável. Porém, e é aí que a revolução se dá, Freud notou que em determinados
momentos significativos, aconteciam lapsos de memória, atos falhos, como esquecer ou
trocar nomes e a questão dos chistes: piadas, brincadeiras que, na sua “não
intenconalidade explícita” acabavam revelando as verdadeiras intenções do piadista, como
inveja, por exemplo. Daí a concepção do c) Inconsciente: uma vasta instância da nossa
mente, praticamente inascessível pela mente consciente, e que além de acumular
memórias “esquecidas”, guardava eventos desagradáveis, apagados da memória acessível
do Pré-consciente [Traumas], sem contar o fato de ser uma outra camada de pensamento,
um outro Eu dentro de nós, capaz de pensar por si memo e ainda nos pregar peças, nos
sabotar em situações chave.
Logo Freud criou a 2ª Tópica, que complementa, ou habita a 1ª Tópica. 1) Id [“isso”,
em Latim; “Es” em alemão; entretanto é curioso chamar atenção para o fato de que “ a
criança”, neutro na língua germânica é, literalmente das Kind; no entanto, no cotidiano,
o comum é tratar os pequerruchos por Es], o habitante do Inconsciente: o princípio do
Prazer, do individualismo, o instinto, as vontades independentemente de qualquer limite
ou respeito, moral, ética; mas o ser humano, que como os mamíferos superiores, nascemos
SÓ Id, Inconsciente: o bebê, se tem fome, abre o berreiro, e logo a mãe dá o peito, se há de
escoar os escrementos, não interessa local e momento: eles vão fluir. Entretanto, à medida
que vamos crescendo, e nos tornando física e intelectualmente independentes, passamos a
deixar de ser o centro do universo, cuja lógica era a de que todas as pessoas existiam para
servir-nos e todas as coisas foram feitas para o nosso desfrute, começamos a interagir com
a família, os vizinhos, a escola... enfim, passamos a ser introduzidos às regras escritas e não
escritas, explícitas e implícitas da vida. Portanto passamos por um processo de
endoculturação; embora a vontade de dormir até tarde e não ir trabalhar continue
existindo, o 2) Superego [“Supereu” em Latim; em alemão “Überich”]: o guardião da Lei e
da Ordem, o repressor cochicha no seu ouvido, “Levanta-te e anda, vais trabalhar que
muitos desejam teu posto e teu salário que garante o teto que te protege a ti e aos seus das
intempéries e coloca comida na mesa, não te preocupas com tal responsabilidade?”. Ato
contínuo, por melhor que esteja a cama e por mais chato que seja o ofício, nás nos
levantamos para matar o leão do dia. Ainda assim, o 3) Ego [“eu” em Latim; em alemão,
“Ich”]: o comandante do Consciente, não é senhor da própra casa. Frequentemente
praticamos atos impensados, impulsivos, dos quais nos arrependemos pouco tempo
depois, como comprar roupas ou outros objetos, bugigangas que a publicidade nos
empurra utilizando uma miríade de recursos persuasivos, fruto de estudos
comportamentais, psicológicos, culturais e até mesmo de Ressonância Magnética
Funcional [que pode detectar que áreas do cérebro estão mais ativas quando a pessoa vê
uma imagem, uma combinação de cores, um vídeo de 30 seg.: se o fluxo sanguínio se
concentrar em áreas do cérebro ligadas a determinado tipo de memória/prazer é possível,
então, vender geladeira para esquimó.
Às vezes também cometemos erros, fracassamos ou magoamos alguém. Como uma
eforma de autoproteção, racionalizamos: ou seja, procuramos forjar justificativas
plausíveis, costurando elementos muitas vezes sem muito nexo, a fim de salvagardar nossa
reputação diante de nós mesmos. E muitas vezes apelamos, inconscientemente, para o
deslocamento: temos em nós defeitos, comportamentos, hábitos que nos incomodam
sobremaneira; então não temos o menor senso ético de atribuir a outrém defeitos que, para
nossa plateia com cara de paisagem, todos sabem perfeitamente ser nosso calcanhar de
Aquiles. Finalmente, vêm os moralistas de plantão, sempre querendo melar a diversão do
outro. Ou seja: aquilo que é Tabu no EU; eu reprimo no OUTRO.
Aula apresentada no dia 15 de setembro de 2021.
Autor da resenha: Renato Leandro Pereira Gorgulho

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