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EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE,

PARA QUE FINS


FALAR DE SEUS PACIENTES?

Conrad Stein

1. Observações Iniciais

Para introduzir nossos três meios-períodos dedicados à práti­


ca dos "tratamentos supervisionados" - em inglês chamados su­
pervisões - não me proponho a lhes apresentar o tradicional re­
latório que arrolaria todos os itens da bibliografia disponível em
língua francesa, nem a lhes oferecer uma visão de conjunto das
questões que me parecc:riam dever ser abordadas. De fato, as
poucas notas iniciais que me parecem se impor aqui confluirão
diretamente sobre um primeiro assunto a submeter ao debate.
Talvez seja necessário que, para começar, eu tente respon­
der, mesmo sendo conciso, a certas questões de principio que fo­
ram ou poderiam ser suscitadas. Estas questões são em número
de três e dizem respeito respectivamente à oportunidade, à possi­
bilidade e à pauta da nossa reunião.
Em primeiro lugar, tanto a importância da questão é patente
quanto é evidente que ela diz respeito a duas categorias de pes­
soas, ou até três, a saber: de um lado, aqueles que pensam em
empreender uma supervisão, bem como aqueles que estão, se­
gundo a expressão consagrada, em supervisão - em outras pala­
vras, os usuários potenciais e os usuários - e, por outro lado, os
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que estão em posição de supervisores. Esta classificação não sus­ cias de ordem instituciona� pode lhes parecer dos mais temerá­
citaria qualquer problema em particular se não pusesse em rios. Trata-se de evitar colocar a carroça adiante dos bois, a
questão a oportunidade da nossa reunião. Um colega, que certa­ exemplo dos que se ocupam de legislar em matéria de trans­
mente não estava movido por qualquer animosidade a meu res­ missão da psicanálise, sem manifestar de modo algum o cuidado
peito, julgou "execrável" o texto que consta do folheto de ins­ de evidenciar, antes de mais nada, os processos aos quais ela deve
crição das Jornadas: ele se recusou a me dizer mais. 1 Talvez parti­ o fato de se ter transmitido ao longo de mais de oito decênios. A
lhe do sentimento dos supervisores que pensam, conforme me foi este propósito, devo adverti-los de que a bibliografia que lhes foi
dito, que não convém apresentar seus problemas diante dos su­ comunicada é incompleta. Percorrendo Psychanalyse en Europe
pervisionados; não mais, pareceria, do que não conviria falar de (boletim da Federação Européia de Psicanálise, ramo da Asso­
questões relativas à conduta do tratamento diante de pacientes. ciação Psicanalítica Internacional, I.P A.), boletim que, embora
Nos vemos então, em matéria de ética da psicanálise, face a uma não seja confidencial estritamente falando, é distribuído apenas
oposição aparentemente irredutível. aos membros da 1.P A., percebi que as atas da "Conferência per­
Imagino, é verdade, que os pedagogos estejam mais freqüen­ manente sobre formação", que ele relata desde o final dos anos
temente de acordo quanto a excluir os alunos de seus colóquios; 60, contém de vez em quando comentários pertinentes ao pano­
isto pode parecer evidente. Mas penso que, psicanalistas ou su­ rama dos nossos debates, mas mais freqüentemente imersos num
pervisores, não somos pedagogos, e que, sobretudo, nossos pa­ contexto dominado pelo zelo burocrático. "Da mesma maneira
cientes e supervisionados não são crianças. E se eles não deixam que o analista estudante deve aprender a analisar, o supervisor
de, com freqüência, conduzir-se como crianças - o que é la­ deve aprender a avaliar", escreve, por exemplo, Rolf Klüwer, ci­
mentável mas não deixa de ser o destino comum de todos os hu­ tado por Pola 1. de Tomar, de Madri, em um artigo por outro la­
manos, sejam eles psicanalistas e até supervisores - não convém do interessante.2 Em função deste cuidado de avaliar o candidato,
reciprocamente tratá-los como tal. Vejam que, à primeira vista, "começa-se", escreveu Frederik Wyatt, de Fribourg-en-Brisgau,
isto poderia parecer paradoxal àqueles que entre vocês sabem de "a inventar a burocracia da psicanálise, a fim de garantir a impar­
todo valor que atribuo àquela "criança sempre viva com seus im­ cialidade e a objetividade, para em seguida perceber que os afetos
pulsos" que, segundo Freud, a interpretação dos sonhos nos per­ que cuidadosa e meticulosamente se procurava evitar retomam
mite reencontrar em n6s. Tanto eu teria dificuldade em dar a­ justamente em forma de procedimentos". Persevera-se, caso ne­
abrupto uma definição do adulto, quanto me parece evidente que cessário, em formular, mas sem ter a intenção de responder a
o hábito de se conduzir como criança no domínio que Freud de­ questão seguinte: "Onde, então, se situa a leal.dade do supervisor?
signou à realidade exterior - em outras palavras, na vida cotidia­ Para com seu candidato, o instituto e suas regras, ou para com o
na - dificulta o desabrochar das potencialidades da criança sem­ paciente·cujo tratamento psicanalítico ele supervisiona?' 13
pre viva, cujo domínio é aquele que Freud atribuiu à realidade Segundo os princípios da I.PA., um candidato não poderia
psíquica. Aí está por que, se desejamos ajudá-los a cuidar da tomar um paciente em análise sem ter sido autorizado por uma
criança sempre viva neles, em vez de continuar a esmagá-la, não comissão e não poderia se comprometer com tal paciente de ou­
temos de tratar nossos pacientes e supervisionados como crianças tro modo que não sob a proteção de uma supervisão. O peso de
no nosso comportamento social cm relação a eles. uma situação de aprendizagem tomada como objeto de uma ava­
Em segundo lugar, o projeto de debater os problemas colo­ liação constante vem então se acrescentar ao fato de que, autori-
cados pela prática das supervisões, fazendo abstração das exigên-

2. Psychanalyu tn Europe, n° 20-21, 1983, pp. 159-167.


1. O texto em questão encontra-se no final do presente volume. 3. lbid., pp. 171-178.
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zado por uma instância exterior, o candidato não se encontra em cio durante tantos anos, contando com o apreço de seus colegas?
posição de saber em que medida ele se autoriza a si mesmo. Em outra ocasião talvez possamos tentar elucidar esta questão,
Também seria ilusório comprometer-se em um estudo da prática que é do maior interesse.
das supervisões sem se deter sobre o peso das exigências de or­ Minha terceira e última observação inicial se refere à ordem
dem institucional, se não nos beneficiamos na França de uma si­ do dia. Demonstrou-se bastante difícil organizar os problemas e
tuação tão excepcional. quero primeiro dirigir meus agradecimentos aos que me ajuda­
Situação confusa, mas vantajosa, precisamente por não estar ram. É evidente que existe uma oferta e uma demanda de super­
mais submissa a uma regra geral. A supervisão efetuada sob a visão (Natbalie Zaltzman) e que esta oferta e esta demanda não
égide da instituição é relegada não somente por aqueles que se deixam de ter efeitos sobre a psicanálise (Jacques Sédat). Que se­
tomam psicanalistas sem cultivar precisamente o projeto de ade­ ja necessário examinar os processos em operação: transferências
rir a uma associação, mas também, parece, pela maioria das asso­ e identificações (Alain de Mijolla) e que a posição do supervisor
ciações não filiadas à I.PA. Mas talvez também seja importante seja fonte de embaraços que o incitam a definir a função e o en­
sublinhar que .n o interior das associações filiadas a esta instituição quadre da supervisão (Jean Cournut), também é claro. E é ainda
se ouve, de quando em quando, lançar o anátema sobre aqueles patente que a experiência do psicanalista em supervisão deve ser
que se comprometem com pacientes sem terem sido autorizados levada em conta no mesmo contexto que a do supervisor; é por
pela instância burocrática e até sem recorrer a um supervisor. isso que Thierry Bokanowsk:i e J.-F. Rabain quiseram se encarre­
Com freqüência, de fato, são oficialmente combinadas super• gar da organização de amanhã cedo, domingo, sendo seu título
visões com pessoas que não se ignora já terem pacientes por ve­ "A caça ao snark do supervisionado"•.
i.es há bastante tempo. No que diz respeito à ordem do dia, vocês notarão ainda que
É preciso acrescentar que são numerosos os membros de as­ a oferta precede a demanda. A justificativa desta escolha é de or­
sociações filiadas à I.P A. que aceitam tomar em supervisão - dem histórica e não cabe à minha introdução geral que se encerra
supervisão qualificada de selvagem por alguns de seus colegas - aqui. Ao contrário, ela me permitirá entrar no cerne de minha
pessoas que não estão na situação de alunos. Nestas condições, a exposição.
exigência institucional tende a tomar um novo sentido. Em con­ Sendo a prática das supervisões habitualmente considerada
versa recente, um colega, que exerce responsabilidade de alto ní­ uma condição necessária da transmissão da psicanálise, eu lhes
vel na I.P A., expunha a grande diferença por ele observada no proponho me restringir, no momento, a examinar o fundamento
desenrolar das supervisões que pratica, segundo sejam livres ou desta opinião, apoiando-me sucessivamente em duas referências
autorizadas. Ele atribui um grande valor à demanda chamada de históricas e uma contemporânea, respectivamente as publicações
admissão às supervisões, na medida em que pondera que o suces­ de Max Eitingon, Vilma Kovacs e Jean-Paul Valabrega.4
so deste passo testemunha uma capacidade social, uma capacida­
de de se fazer reconhecer que não Ih.e parece alheia à consti­
tuição da identidade do psicanalista • Snark: animal imaginário, fantástico, criado por Lewis Caroll, cm 1876.
Aí está o que me pareceu necessário diur para fazê-los ter a (N. da T.)
noção de que não é de forma alguma ilusório examinar os pro­ 4. EmNGON, Max. "Rapport ,ur la Policliniquc psycbanalytiquc de Bcr­
blemas levantados pela prática das supervisões, abstraído o peso lin, mars 1920-juin 1922", citado por Micbcllc Morcau cm "Analyse quatri�mc,
das exigências de ordem institucional. Uma questão continua contrõlc, fonnation", Topiqu�, 18, 1977, pp. 63-89.
KOVACS, Vilma. "Analyse didactiquc, ct analyse de contrõlc", citada por
aberta e me parece ser de ordem diferente: quais são as molas do Micbcllc Morcau, ibid.
desejo de ser reconhecido por uma associação, tal como se mani­ VAlABREGA, Jean-Paul. La formation du psychanalystt, Paris, Bclfond,
festa mesmo em numerosos analistas que, todavia, exercem o ofí- 1979. Ver, cm particular, os capítulos D, IU e IV.
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2. De uma Ideologia riori, quando é o destino dos doentes que está em jogo. Estabele­
cida pelos responsáveis da policlínica, a supervisão é exigida
então por ser julgada necessária, e as regras que fixarão seu pro­
Diversos autores apontam que a supervisao existia antes tocolo são determinadas por aqueles que a oferecem no enquadre
de ser institucionalizada. Este fato é comprovado pela corres­ de um contrato de formação. A justificativa que eu devia lhes dar
pondência de Freud e seus discípulos, bem como por numerosos quanto à pauta adotada para estas Jornadas se encontra nesta
testemunhos: quando alguém se encontrava em dificuldades, soli­ precedência da oferta em relação à demanda.
citava conselho. Entretanto, nada havia de sistemático nesta con­ A prática das supervisões é julgada indispensável à repro­
duta que, como observa Elisabeth Roudinesco5, podia ter lugar de dução da "espécie psicanalítica" em virtude de considerações que
psicanálise didática. Nada de sistemático a não ser, talvez, o hábi­ - acabo de sublinhar - não são de modo algum específicas da
to de Freud de arrastar para longos passeios os discípulos que psicanálise. Além disso, a metáfora de Eitingon talvez não seja
iam até ele para consultá-lo. inocente: na medida em que o homo psychanalyticus é necessa­
É preciso esperar a fundação da Policlínica de Berlim para riamente definido por traços biológicos que são os de uma espé­
que se estabeleça a exigência de uma supervisão considerada co­ cie, ele não poderia reproduzir-se por partenogênese, a não ser
mo etapa da formação e como condição necessária - segundo os que pertencesse a uma espécie muito pouco evohúda, donde re­
termos de Eitingon - "à reprodução da espécie analítica". Eu os sulta necessariamente que sua reprodução, ou sua formação, deva
remeto, a este respeito, ao artigo de Michelle Moreau, na Topi­ ser assegurada conjuntamente por um psicanalista e um supervi­
que, que reproduz o relatório de Max Eitingon sobre as atividades sor.6 Se este comentário fosse tomado a sério, seria preciso inferir
da Policlínica Psicanalítica de Berlim, de março de 1920 a junho que a organização do curso proposto pela policlínica de Berlim
de 1922, onde se pode ler o que segue: permanecia alheia ao espírito da psicanálise, porque, sem que
seus fundadores soubessem, ela não era mais do que a atuação de
Confiamos aos estudantes que já estão avançados nos estudos uma fantasia.
teóricos e em sua análise pessoal um ou dois casos( ...) que convêm Será que as coisas mudaram desde março de 1920? A prática
a iniciantes. Por meio de anotações detalhadas que eles devem redi­ da supervisão sem d6vida se flexibilizou - não mais se retira o
gir, seguimos rigorosamente as análises e podemos detectar facil­ "caso" do estudante fraco - na medida em que foi sendo perce­
mente uma quantidade de enganos que o analista iniciante comete bido que as condições da transmissão da psicanálise não eram
(... ). Nós protegemos os pacientes que são confiados aos iniciantes
pelo controle que exercemos sobre seus tratamentos e estando sem­
pre prontos a retirar o caso do estudante para continuar nós mes­ 6. Ver a este respeito Jacquclinc Rousscau-Dujanlin, citada cm meu artigo
mos o tratamento (...). Podemos então estar igualmente satisfeitos "0 setor reservado da transfcrincia", reproduzido por C. Stcin, La morr d'Oedi­
pelo lado formador da nossa policlínica(...). pe, Paris, Dcnoêl-Gonthicr. , coll. M6diations 1m, pp. 211-231: "O esquema do
C\lJSO dicütico ( ... ) tende a reproduzir uma certa concepção do cngcndramcnto e
do nascimento de um indivíduo: um personagem paterno (representando a co­
Aí está, claro e preciso, e não deveria dar motivo a sorrisos. missão de ensino, a lei) põe cm marc.ha seu destino, seu analista o toma cm ges­
Notamos primeiramente que os fundadores da policlínica de Ber­ tação, mas 6 sempre um terceiro (sempre a comissão de ensino) que registra o
lim manifestaram a mesma consciência profissional que convém a nascimento". Uma vez que o acuo de uma rclcitura me c1' ocasião de dar a Ci­
todo mestre quando confia um trabalho a seus aprendizes, a forti- sar ..., acentuamos que • noção de setor reservado da transfcrincia, que será tra­
tada adiante, se deve a Jacquclinc Rousscau-Dujanlin que observa que, nessas
condições. "haveria, na análise didática, um setor de projeção transfcrcncial que
permaneceria não analisável e nlo analisado, a não ser, talvez, ao longo de uma
S. La bataille de cent ans, vol. 1, Paris, Ramsay, 1982, p. 152. segunda análise".
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semelhantes às da aprendizagem de qualquer outra arte. Assim, to dos afetos na contratransferência é o essencial do ponto de vis­
sabe-se hoje que uma fastidiosa narrativa das sessões, que se de­ ta da formação", assim como ao afirmar que "se o candidato con­
sejaria tão fiel quanto possíve� não informa o mínimo sobre o tinua sua análise pessoal enquanto começa a analisar pacientes,
trabalho de um psicanalista; que, portanto, a arte de informar so­ os dois lados do trabalho, paralelos, esclarecem aspectos de sua
bre a psicanálise de um paciente consiste em uma criação que personalidade que até então haviam recebido pouca ou nenhuma
procede de fato da própria análise de quem a pratica. Se o psica­ atenção", e ao concluir que, nestas condições, "o procedimento
nalista pode dar valor deste modo ao que descobriu escutando mais correto é que a supervisão seja levada de um extremo ao ou­
um paciente, não poderia expor o trabalho do qual apenas este tro pelo didata".
(tltimo poderia dar testemunho. Em suma, a análise didática e a supervisão sendo a mesma
À medida que os espíritos evoluíram, a ponto de não se po­ coisa, Vtlma Kovacs me parece implicitamente recusar de uma só
der mais subscrever as considerações que presidiram à invenção vez a noção de didática e de supervisão, consideradas como os
da supervisão, as justificativas com vistas a faur admitir sua ca­ dois pólos da formação, para sustentar que a análise do psicana­
racterística indispensável foram ficando mais e mais confusas, frá­ lista é a análise por excelência e que constitui o essencial da prá­
geis e contraditórias, com exceção da teoria de Valabrega, cuja dis­ tica da psicanálise. Sobre o primeiro aspecto, notemos de passa­
cussão abordarei mais adiante. Mas pouco importam as justifica­ gem, ela teria assim antecipado uma proposição de Lacan que me
tivas, na medida em que a exigibilidade da supervisão tornou-se parece nem sempre ter sido bem compreendida. Quanto ao se­
objeto, da parte dos veteranos como dos iniciantes - usuários ou gundo aspecto, suas perspectivas me parecem de acordo com as
usuários potenciais - de um amplo consenso, alheio a qualquer de Ferenczi, que insistiu sobre a importância da análise do psica­
referência às exigências dos institutos de formação e alheio, salvo nalista, destinada a aprofundar o "conhecimento de si" necessário
exceção, a toda razão. Além de um eventual consentimento explí­ ao exercício do ofício, sendo que ele jamais mencionou a super­
cito em um contrato de acordo com as leis de uma instância bu­ visão a não ser a título de informação, sem comentários, em uma
rocrática exterior a si - e cuja finalidade inconfessada, a julgar conferência "Sobre o curso de formação do psicanalista".7
pelos resultados mais tangíveis, é garantir sua própria J?Crenid�de Ao ler Vilma Kovacs, eu a aplaudi sem reservas, sem prejuíro
- as partes então concordam em se submeter a um unperativo de me dar conta mais tarde de que eu talvez lhe tenha atribuído,
que parece evidente e que ninguém foi levado a se perguntar de em ce.rtos aspectos, meus próprios pontos de vista. Outros leito­
onde procede. Assim, desligado da referência à instituição, o con­ res a leram de modo diferente, no que concerne a um ponto so­
senso de que é objeto a supervisão toma o caráter de uma ideolo­ bre o qual, de fato, seu texto é ambíguo. É verdade que em razão
gia ou, para dizer as coisas mais simplesmente, de uma crença. de seu tom tão pouco normativo, se pode indagar se ela não que­
ria dizer a seus pacientes expressamente que tinham a falar dos
pacientes deles, sendo os dois lados do trabalho que ela qualifica
de paralelos, a saber, a análise de sua transferência e de sua con­
3. Falar de seus Pacientes, Estando no Divã tratransferência, tomados em separado. É possfve� caso se dese­
je, supor - a exemplo de uma de minhas interlocutoras - que ela
preconiza uma mistura de análise e supervisão, um pouco como
algumas vezes faz Françoise Dolto que, sem recusar a supervisão
Em 1936, uma discípula de Ferenczi, Vilma Kovacs, ergueu­
se contra uma concepção da supervisão que, em suas linhas ge­
rais, prevaleceu até hoje e que ela considera "superficial". Prati­ 7. Confc�ncia pronunciada cm Madri, cm 1928: "Baustcinc zur Psychoa­
camente "pregou no deserto" ao sustentar que "o reconhecimen- nalysc", cm Psychanalyse 4, Paris, Payot, 1982, pp. 239-24S.
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feita com outro psicanalista, não deixa de aceitar tomar em su­ experiência. Devo acrescentar, e se necessário retomar a isso na
pervisão, por algum tempo, seus próprios pacientes. Ela lhes minha conclusão, que, sem d6vida, ela havia se beneficiado dessa
propõe para isso uma sessão suplementar, julgando que seria la­ condição, que havia encontrado oportunidade de realizar consi­
mentável que sacrificassem uma de suas sessões de análise para derável avanço na sua psicanálise no além do tempo das sessões
falar dos pacientes deles.ª Se levanto esta questão, não é, de mo­ que tivera enquanto paciente. Quanto aos pacientes dela, tudo le­
do algum, para tentar uma exegese do texto de Vilma Kovacs, va a crer que tiveram uma vantagem ao não lhes ter sido certa­
que, de qualquer modo, não caberia aqui. Para os fins que tenho mente propiciado o suporte que ela reclamava no passado, ao so­
hoje em mente, melhor é que o consideremos como uma hospe­ licitar que me interessasse pelo que chamava a realidade psíquica
daria espanhola, cujo mérito, como se sabe, é permitir inferir o deles. Em certa medida, na época em que lamentava minha falta
desejo dos diferentes viajantes por aquilo que trazem, sem ter de de cooperação, minha interlocutora era uma pioneira da psicaná­
levar em conta as intenções do hospedeiro.• lise como todos somos quando iniciamos; e a idéia que fazia da
Ocorre que pacientes mais ou menos informados das minhas ne�idade da supervisão, que na sua opinião eu devia lhe ter
posições em matéria de transmissão da psicanálise manifestam concedido, não era diferente da dos praticantes da policlínica de
certo desagrado após terem chegado a falar de um de seus pró­ Berlim.
prios pacientes. Esperavam um reconhecimento sob a forma de Em verdade - tive mais de uma vez oportunidade de dizê-lo
algum a fala de supervisor e reclamam, com ou sem razão, de que e não fui o 6nico - o paciente é desapropriado de sua análise as­
nestas circunstâncias eu sou ainda menos prolixo do que de cos­ sim que, em seu interesse, se acre.dita dever reificá-la, para
tume; muito menos prolixo, por exemplo, do que quando falam apostá-la em uma formação, mesmo .;!le alheia a qualquer proje­
de seus filhos. Qualquer que seja a importância da análise a longo to de habilitação por uma instituição.9 É preciso certo tempo para
prazo das transferências do psicanalista, me dizia a interlocutora compreendê-lo.
já mencionada, continua necessário que, na falta de um supervi­ Minha interlocutora se lembrava também de que, tendo me
sor terceiro, o psicanalista preste sua contribuição. Ela se lembra­ importunado ao longo de várias sessões, ela havia uma vez obtido
va, como se fosse hoje, de ter censurado mais de uma vez o meu que eu lhe desse uma sugestão. O que deveria dizer a certo pa­
silêncio quando, antigamente, durante suas sessões no divã, falava ciente que ameaçava interromper sua análise? Eu lhe sugeri o
de um ou outro de seus pacientes; de ter censurado meu silêncio, que poderia dizer. Ela continuava, anos mais tarde, a consider�
ou antes, minha falta de disposição em me interessar - em seus _
muito pertinente minha formulação; entretanto, o paoente havia
próprios termos - pela "realidade do paciente" sob sua respon­ partido, embora ela a tivesse fielmente transmitido! Donde a con­
sabilidade. Sentia que este último era esquecido em benefício de clusão de que reiterando a afirmação de que a realidade do pa­
sua própria análise. Prosseguindo, todavia, ela não havia se com­ ciente devia ser levada em conta - afirmação que, segundo o
prometido com uma supervisão a não ser após muitos anos de conte6do manifesto, deveria ter sido tomada como uma advertên­
prática, quando então, no progresso de seu trabalho analítico, ha­ cia relativa à prática de supervisão - ela visava renovar a vitória
via abandonado a preocupação de lhe encontrar um suporte. Em que tinha no passado obtido sobre mim, à força de insistência.
suma, havia se engajado nas melhores condições: para arriscar a "Pode-se, me diz, falar de pacientes para tentar exercer uma
pressão!"
Deve-se, portanto, subscrever o consenso tácito entre os psi­
8. Entrevista de Fnnçoisc Dolto, Palio, 2, 1984, pp. 55-63.
canalistas que dizem: "Falar de seus pacientes é uma resistência",
• A n:fcrência à "hospedaria espanhola" corrc&p0ndc, cm portugu&, a algo
que atende "à vontade do frcgu&", no caso do texto, à vontade de quem o Ie.
(N. da T.)
9. EntTcvista de Françoise Dolto, op. ciJ.
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EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE,••.
e os pacientes - sem jamais terem ouvido tal opinião ser enun­ tras palavras, quer eu diga "eu", ou diga "ele ou ela (disse 'eu' ou
ciada - são persuadidos de que não é mesmo conveniente? Não 'você', ou 'eu' ou 'ela')", a análise é sempre daquele que diz - e
acredito nisso. Parece-me antes que reticências deste tipo susten­ que considerando todos os elementos, se dirige a seu psicanalista
tam a resistência contra a psicanálise. Reticência que não se deve - no caso presente, a minha. (As condições do possível engano
confundir, é preciso esclarecer de passagem, com o, caso em que são particularmente interessantes quando digo ''você", mas esta
se é presa do sentimento de não conseguir chegar a falar. ocorrência não foi levada em conta no presente contexto.)
Não é verdade que falar de seus pacientes seja uma resistên­
cia.. É verdade, em troca, que se podem manter as resistências fa­
lando de pacientes - é preciso que as resistências se mantenham
à custa de alguma coisa - donde resulta que interditando ou se
interditando de falar a respeito, ao exercer esta censura delibera­
da, se é privado do fruto da análise destas resistências. (Já que 4. "Análise Quarta": de uma Exigência que
acabo de usar a palavra cm duas acepções diferentes, convém Compromete os Fins a que se Propõe
precisar que a resistência contra a psicanálise é aqui considerada
como procedente de uma posição que se opõe ao progresso do
processo analítico, pois ela interdita a manifestação de resistên­ Afinal, talvez vocês me concedam que para um analista que
cias ligadas às conjunturas, e das quais este processo se sustenta.) prossegue seu tratamento enquanto paciente, o divã é um local
A interlocutora que, no passado, tinha costume de me censu­ privilegiado onde falar dos pacientes dele, no enquadre estabele­
rar por não me interessar pela realidade de seus pacientes me 6- cido pela disposição das sessões e para fins que não são outros
rera observar que, com freqüência, o desejo daqueles que, no senão os de prosseguir o trabalho de sua psicanálise. Mas vejam
divã, falam de suas sessões com seus próprios pacientes na espe­ que nada se esclarece quanto à nossa interrogação inicial, em re­
rança de receber um conselho é que aquele por trás deles, na pol­ lação ao fundamento da opinião pela qual a prática das super­
trona, ''tome aquilo por outra coisa", precisamente, parece-me, visões seria uma condição necessária da transmissão da psicanáli­
por algo que apresentaria a propriedade notável de ser alheio à se. Feitas as contas, não estando em questão o benefício que se
investigação psicanalítica; é também com freqüência, apenas nes­ pode encontrar em se engajar em uma série de encontros com
te caso, que eles julgam ter direito a uma resposta. E a frustração um colega mais experiente, a fim de tomá-lo como testemunha de
que experimentam ao não recebê-la não é outra que a de não ob­ sua maneira de ouvir seus pacientes, mas sim o caráter indis­
ter um consenso quanto a estabelecer um setor reservado onde a pensável desta conduta, nossa interrogação pode parecer inútil no
resistência à psicanálise encontrará um abrigo seguro. Outros, re­ ponto em que nos encon.tramos. E ela ficaria esvaziada se Jean­
nunciando a solicitar um conselho, manifestam a mesma frus­ Paul Valabrega não tivesse elaborado uma teoria da supervisão -
tração no sentimento de terem perdido seu tempo. por ele denominada de "análise quarta" - fundada, enfim, em
Os que falam de seus pacientes, no momento em que o pen­ considerações de ordem autenticamente psicanalítica.
sam, partilham uma mesma esperança, enquanto outros, mais Na minha conferência de 1968, dedicada ao "Setor reservado
prevenidos a este respeito, se entrincheirando na reticência, não da transferência"1º, afirmei que para ser psicanalista é preciso ser
reconhecem esta mesma esperança, sustentando que, por princí­ não curado e formado, mas capaz, como eu diria hoje - tendo
pio, o divã não é o local onde conviria evocar o que se ouviu es­ renunciado ao uso do termo "auto-análise" - de prosseguir sua
tando na poltrona. Desdobramento que se resume a crer que o
sujeito da análise é o do enunciado, qualquer que seja a pessoa,
quando ele não poderia ser senão aquele da enunciação. Em ou- 10. Op. cit.
28 A SUPERVISÃO NA PSICANÁLISE EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE, ... 29

análise para além do tempo das sessões que se teve enquanto pa­ interlocutora que citei por ocasião da discussão das perspectivas
ciente. Concluí que, nestas condições, "é preciso bem pouco para de Vilma Kovacs - que praticada nas condições convenientes, a
que alguém seja psicanalista", e aí Valabrega me contestou, sus­ supervisão vem se inscrever em uma continuação que faz parte
tentando que "este tão discreto 'muito pouco' lança uma cortina integrante da análise do psicanalista. Ora, Valabrega não diz ou­
protetora e tende a escamotear o detalhe que, precisamente, é a tra coisa, já que preconiza um método - o da análise quarta -
totalidade do problema".11 A polêmica ao longo da qual Valabrc­ destinado a conferir à supervisão "um alcance verdadeiramente
ga me devolveu muito elegantemente a atribuição que cu lhe ha­ analítico".13 É suficiente esclarecer o sentido das palavras. Se tu­
via feito de uma fantasia de análise absoluta - tanto é verdade do o que reveste, para ele, uma penetração realmente analítica
que cada um negocia sua megalomania a seu modo - me parece participa de sua psicanálise, Valabrega não pode deixar de conce­
hoje ultrapassada. Antes, me é necessário tentar acentuar, o mais der que falta pouco para que alguém que a continue para além do
brevemente possível, em que a réplica de Valabrega é mal fun­ tempo das sessões que teve como paciente seja psicanalista. E
damentada em relação ao essencial do meu texto, sem ser por is­ preferindo utilizar o termo "psicanálise" em um sentido restrito,
so menos pertinente a respeito do que lhe falta, ou seja, precisar para designar apenas o tratamento psicanalítico, tendo afumado
o ponto sobre o qual nossas divergências me parecem proceder que seria preciso uma continuação, eu não poderia deixar de con­
de um mal-entendido, a fim de cercar o ponto sobre o qual nossas ceder a Valabrega que a psicanálise assim compreendida não bas­
visões são realmente opostas. ta para fazer um psicanalista.
O principal mal-entendido decorre talvez de que Valabrega Quanto ao "bem pouco" que é preciso, eu não tinha em vista,
me atribui uma concepção solipsista da continuação da análise do evidentemente, as experiências que se mostram claramente aptas
psicanalista para além do tempo das sessões mantidas quando pa­ a contribuir para o progresso da análise do psicanalista. Em re­
ciente, enquanto minha conferência de 1967 sobre "A identifi­ lação ao exercício do ofício, é possível se perguntar, à primeira
cação com Freud na auto-análise" era já toda centrada no papel vista e entre outras coisas, se certos conhecimentos não são ne­
essencial dos interlocutores imaginários e reais, num processo cessários. É concebíve� por exemplo, que um praticante possa se
que continuaria a designar ainda por algum tempo pelo termo incluir na linhagem de Freud sem conhecer sua existência e sem
usual.12 Quando eu dizia que para ser psicanalista é preciso "ser ter adquirido certa familiaridade com sua obra? Notemos apenas
analisado e capaz de prosseguir sua auto-análise", eu não susten­ que o estudo da obra de Freud não é alheio à continuação da
tava um ponto de vista que teria recusado em seguida; não fazia análise, na medida cm que as dificuldades que se podem aí en­
senão deixar à sombra o que iria se esclarecer assim que passei a contrar derivam essencialmente da resistência à psicanálise, o
designar a psicanálise como um processo sem começo nem fim, que, pensando bem, não exclui de modo algum que esta mesma
onde o tempo das sessões conduzidas sobre o divã de um psicana­ resistência possa se sustentar por tal estudo.
lista - o tempo, em outras palavras, do tratamento psicanalítico
- é o tempo essencial. Nos termos desta última formulação, é
claro - e me basta a este respeito reenviá-los ao testemunho da Vamos às exigências formuladas por Valabrega. Vocês sa­
bem que subscrevo, quanto ao essencial, as premissas de onde
provém, segundo ele, a necessidade de uma supervisão concebida
11. LA formalion du p sychanaly ste, op. cit., p. 109. Valabrega esclarece, aliás, como uma "análise plurirreferencial" ou "análise quarta". Estas
que meu enunciado lhe parece inexato, não cm seu conteúdo, mas sim no uso
que poderia ser feito do mesmo.
12. L'inccnscient, 7, 1968, pp. 99-114. Reproduzido sob o titulo: "Une
13. LA formation du psychanalyste, op. cil., p. 77.
confl!rencc sur l'idcntification à Freud", cm LA morr d'Oedipe, op. cit., pp. 7S-91.
30 A SUPERVISÃO NA PSICANÁLISE EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE , ... 31

premiss as podem se resumir a considerar a existência de um setor que medida é razoável se propor a descobrir um território cuja
reservado da transferência, que não deixaria de se ,constituir em reserva procede de um consenso do qual se tem, entretanto, al­
todo tratamento, o fato de se estabelecer entre o paciente e seu guma chance de participar, uma vez que é ideológico. Mas é ver­
analista um consenso relativo a certos ideais. Valabrega nota, dade que Valabrega estende a noção de setor reservado da trans­
com razão, que o setor reservado da transferência - que é verda­ ferência aos enclaves resultantes de fatores de ordem conjuntural,
deiramente, escreve, "um resto de início de análise e não de fim como a teoria do psicanalista - entenda-se que cada um tem a
de análise, pois se coloca desde o começo" - "participa direta­ sua própria - e isto com razão, na medida em que são represen­
mente da contratransferência (...) já que o analisado está ele tativos do fator ideológico que é, para ele, quase estrutural. Ora,
mesmo em função de analista", e se manifesta por uma "zona de é verdade que o analista quarto não partilhará até nos seus deta­
surdez". E é isto que a análise quarta se destina a prevenir. lhes mais particulares da teoria do analista primeiro (quer dizer,
A discussão das dificuldades que poderia levantar a aplicação do analista do candidato à supervisão).
do método proposto como capaz de "trazer uma contribuição in­ Vim a perceber que, sem ter a sensação de pôr em ação um
substitwvel à análise propriamente dita" terá lugar no prossegui­ procedimento particular, eu tinha uma prática que tendia a fazer
mento de nossos trabalhos, ainda que por conta, por exemplo, de face às exigências que conduziram Valabrega a propor a análise
suas incidências sobre a análise do psicanalista, visto que, abrindo quarta; na falta de indícios, não poderia dizer em que medida
."uma janela sobre o terceiro referencial, a saber, sobre a prática suas publicações poderiam ter entrado com alguma coisa. Que a
do analista do candidato", ela se destina precisamente a ter tais psicanálise seja plurirreferencial, isso já se depreendia, em certo
incidências. É de longe nisso que reside a originalidade da visão sentido, da idéia de que ela se funda sobre um duplo encontro,
de Valabrega. em razão do qual ela é suscetível de se transmitir. LS Quanto ao
Devo, no momento, me limitar a perguntar se é necess ário quarto referencial em posição terceira - quer dizer, exterior à
um procedimento particular, como quer Valabrega; em outras sucessão das análises, desde a de Freud - fui levado a lhe prestar
palavras, se a supervisão concebida como uma análise quarta po­ atenção crescente. Logo percebi que a continuação do trabalho
de ser tida como condição necessária da transmissão da psicanáli­ do psicanalista, ao longo do qual o tempo finito das sess ões tidas
se. Em primeiro lugar, poder-se-ia notar que a disciplina inaugu­ com seu psicanalista não cessa de servir de referência inicial, es­
rada por Freud não cessou, bem ou mal, de transmitir-se até ago­ tava longe de excluir o recurso a um terceiro, compreendendo-se
ra e que a preocupação de Valabrega seria então de acrescentar que um recurso deste bpo não implica necessariamente uma de­
um progresso e talvez também de minimizar certas insuficiências manda a este terceiro de se encarregar do desvelamento de sua
que puderam e podem ainda irromper em desvios lamentáveis. significação. Tenho em mente aqui meus contatos mais ou menos
Eu teria antes tendência a pensar que nenhuma medida poderia ocasionais com meus colegas, bem como minhas relações mais
se opor a desvios caracterizados, a menos que fosse autoritária, e, constantes com o público que participa do meu seminário, até
as sim, comprometesse a própria existência da psicanálise.
Quanto às carências às quais nenhum psicanalista se poderia
tentes", segundo as quais o psicanalista se determina em relação ao seu paciente.
pretender imune, é verdade que elas procedem muitas vezes da­
Talvez seja preciso lembr11r aqui e agora que o m�todo proposto por Valabrega
quela espécie de transmissão de surdez à qual o setor reservado coMiste em trazer à luz a interpretação latente e submet!-la a uma discussão
da transferência pode dar lugar. 1� É preciso ainda perguntar em contraditória, entendendo-se que a an61ise quarta nio tem mais que uma "função
sinaléptica" e que cabe portanto ao candidato "íaz.er dela o que quiser. Com seu
analista, por exemplo, se ele tiver um". (Op. cit., p. 133. )
14. Talvez seja preciso lembrar que a suroez em questão deve ser interpre­ 15. Cf. L'mfant imaginairt, 2' ed., Paris, Denoél, 1987, cap. 20, "La doublc
tada como suroez a si mesmo, como um desconhecimento das "interpretações la- rencontre", pp. 335-364.
32 A SUPERVISÃO NA PSICANÁLISE EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE, ... 33
com os supostos leitores a-quem me dirijo quando escrevo. Já se centar que o que o toma dependente - entendo: da prática de
tratava disso em minha conferência sobre a identificação com seu psicanalista - é o que marcou suas sessões com um non-lieu,
Freud e, mais incisivamente, em meu artigo sobre a prática das por causa de suas posições ideológicas, sem dtívida, mas sobretu­
su pervisões. 16 do em raz.ão de suas oposições passionais a respeito dele. Em
Em um sentido, o processo analítico suscita a figura do psi­ suma, não basta substituir os termos "o analista do candidato"
canalista quarto, sem que seja necessário que qualquer um se ofe­ por "o primeiro analista do colega", para perceber que o segundo
reça explicitamente para ocupar o lugar. Aí está o que concerne, analista deste último está precisamente na posição do "analista
afinal, a um primeiro aspecto da minha experiência de antigo pa­ quarto"?
ciente em posição de psicanalista. Em seguida, esta mesma expe­
riência, vista sob o ângulo da responsabilidade daquele que é re­ Não quero preconizar a segunda análise, mas apenas consta­
quisitado como segundo psicanalista, me levou a prestar crescente tar que freqüentemente ela acontece, donde resulta que nenhum
atenção à necessidade de permitir a seu parceiro não somente re­ procedimento especial poderia ser considerado como uma con­
ferir suas sessões com seus pacientes - se ele é psicanalista - às dição da análise quarta e, por conseqüência, da transmissão da
suas sessões atuais enquanto paciente, mas também de referir es­ psicanálise.
tas últimas às que teve com seu primeiro psicanalista, a fim de Quanto à supervisão, estou em posição de analista quarto?
elucidar, na medida do possível, tudo o que no passado pode _ ter Preferiria dizer, talvez, que sou quarto na minha qualidade de
sido marcado por um non-lieu•. Recomendo-lhes, a este respeito, psicanalista, tanto os meios são diferentes, mesmo se ela é moti­
· recente chamado "Responsabili'dades"17
meu artigo vada por fins que podem não ser alheios ao engajamento em uma
"As análises quartas", escreve Valabrega, "têm a função segunda análise, a saber, se pôr na condição de poder ouvir me­
de obter uma abertura sobre a prática do candidato e ajudá-lo lhor seus pacientes.
a marcar os pontos de contato e de interferência de sua prática A supervisão me parece dotada de uma certa especificidade.
com sua própria análise". O que eu subscrevo, com a ':°ndi�o de Ela implica um engajamento da parte do supervisor diferente dos
colocar a ênfase sobre a abertura daquele que é aqw designado contatos com colegas de que eu lhes falava há pouco. E à diferen­
como candidato mais do que sobre a abertura do analista quarto ça do tratamento analítico, este engajamento não ocasiona, em
que, se referind� a outra pessoa, será sempre mais estreita do que princípio, o estabelecimento de uma neurose de transferência
ele poderia ser levado a crer. "Por isso mes� o", prosse�e Vala­ que, precisamente, é o objeto das sessões de análise. Como afir­
brega, "elas abrem uma janela sobre o terceiro referencial, a sa­ mei no recente trabalho já mencionado, ela é lugar de transferên­
ber, sobre a prática de analista do candidato; sobre o que o can­ cias (no plural) caracterizadas por sua mobilidade e considerá-las
didato. reteve desta prática, sobre o que ele lhe deve, o que o faz permite fuer um certo trabalho psicanalítico, em outras palavras,
dependente, em uma palavra, sobre o que ele faz em sua for­
contribuir para o progresso da psicanálise do psicanalista. Deste
mação". O que eu ainda subscrevo, pronto, se necessário, a acres-
ponto de vista, ela é verdadeiramente psicanalítica. Este é, quero
crer, o motivo pelo qual sua prática não deixa de oferecer satis­
fações de fato, quando é conduzida nas condições convenientes.
16. Op. cil., p. 163.
Estas condições não dizem tespeito essencialmente, como eu
• Non-licu: não lugar. Remete ao fato de a análise não ter tido lugar por­
que ocorreu outra coisa, ou seja, aspectos da transferincia pennaneceram vela­
pensava no passado, ao caráter institucional ou não do processo,
dos por serem parte do setor reservado. (O psicanalista e seu oficio, São Paulo, mas bem antes à justa apreciação pelo supervisor de suas pró­
Escuta, 1988, p. 235.) (N. da T.) prias implicações na situação da supervisão. A este respeito, não
17. ÉJUdes Frcudic'!nes, n° 24, out. 1984, pp. 135-163. posso fazer mais do que remetê-los, ainda no artigo "Responsabi-
34 A SUPERVISÃO NA PSICANÁLISE EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE, ... 35
tidades", às anotações relativas a uma experiência vivida durante são múltiplas as vias de formação - do mesmo modo, aliás, que
uma supervisão. 11 as de reconhecimento, não as de habilitação - eu me inclinaria a
Pela força das coisas, já fui levado a esbarrar em muitos te- ficar aberto à demanda de supervisão, o que, para ser igualmente
mas alheios à pauta desta primeira parte do nosso colóquio dedi­ uma forma de apresentar uma oferta, situa esta última em uma
cado à oferta de supervisão. Não irei então, neste momento, mais perspectiva que estabelece a referência às sessões do paciente de
adiante no exame de tudo o que pode se referir às modalidades quem demanda, num enquadre diferente do determinado por Va­
efetivas da prática da supervisão, sua incidência efetiva sobre a labrega.
análise do psicanalista, bem como - cuidado primordial - sobre
a do paciente.

Em definitivo, meu desacordo com Valabrega parece ter por


objeto essencialmente a questão da oferta. Preocupado em garan­
tir a autenticidade da formação e em subtraí-la ao constrangi­
mento das redes de poder que tendem a perpetuar o setor reser­
vado da transferência - e particularmente a transferência lateral
sobre o mesmo19, pela qual o psicanalista vem, quer ele queira ou
não, a fazer o papel de mestre - Valabrega preconiza um "mí­
nimo institucional" em cujo nome o formador, em sua função de
analista quarto, assumiria o dever de exercer o poder da habili­
tação. Daí - em uma sociedade psicanalítica conforme suas ex­
pectativas - a oferta de um método de formação tido como exigí­
vei a saber, o da supervisão concebida como análise quarta.
Quanto a mim, considerando que nenhum procedimento em par­
ticular poderia ser concebido como uma condição necessária à
transmissão da psicanálise e ponderando, em outras palavras, que

18. Op. cit., particularmente pp. 146-149: "Souvenirs emprunt65" e "La


question du contrõle". Algum tempo depois da publicação, em 1972, do artigo
"Sur la pratique des cures contrõlées", onde eu dizia não ter o mt!todo em alta
estima, um colega se ap=ntou enunciando estas breves palavras: "Eu sei que
voe! t! contra as supervisõe5 e t! por isso que vim fazer supervisão com voe!".
Demanda irresistlvcl. Por alguns anos fizemos, me parece, um bom trabalho. Se
minhas posições em relação l supervisão se modificaram, talvez tenha sido por­
que o impetuoso colega me colocou no caminho...
19. No recente artigo j' mencionado, empreguei o termo "transferbcia la­
teral sobre o mesmo" sem refer!ncia, tanto seu uso me parecia evidente. Relen­
do Valabrega, tive att! a impressão de que ele p tomara emprestado de mim. Ora,
feita a verificação, parece que t! ele o inventor.

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