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Conrad Stein
1. Observações Iniciais
que estão em posição de supervisores. Esta classificação não sus cias de ordem instituciona� pode lhes parecer dos mais temerá
citaria qualquer problema em particular se não pusesse em rios. Trata-se de evitar colocar a carroça adiante dos bois, a
questão a oportunidade da nossa reunião. Um colega, que certa exemplo dos que se ocupam de legislar em matéria de trans
mente não estava movido por qualquer animosidade a meu res missão da psicanálise, sem manifestar de modo algum o cuidado
peito, julgou "execrável" o texto que consta do folheto de ins de evidenciar, antes de mais nada, os processos aos quais ela deve
crição das Jornadas: ele se recusou a me dizer mais. 1 Talvez parti o fato de se ter transmitido ao longo de mais de oito decênios. A
lhe do sentimento dos supervisores que pensam, conforme me foi este propósito, devo adverti-los de que a bibliografia que lhes foi
dito, que não convém apresentar seus problemas diante dos su comunicada é incompleta. Percorrendo Psychanalyse en Europe
pervisionados; não mais, pareceria, do que não conviria falar de (boletim da Federação Européia de Psicanálise, ramo da Asso
questões relativas à conduta do tratamento diante de pacientes. ciação Psicanalítica Internacional, I.P A.), boletim que, embora
Nos vemos então, em matéria de ética da psicanálise, face a uma não seja confidencial estritamente falando, é distribuído apenas
oposição aparentemente irredutível. aos membros da 1.P A., percebi que as atas da "Conferência per
Imagino, é verdade, que os pedagogos estejam mais freqüen manente sobre formação", que ele relata desde o final dos anos
temente de acordo quanto a excluir os alunos de seus colóquios; 60, contém de vez em quando comentários pertinentes ao pano
isto pode parecer evidente. Mas penso que, psicanalistas ou su rama dos nossos debates, mas mais freqüentemente imersos num
pervisores, não somos pedagogos, e que, sobretudo, nossos pa contexto dominado pelo zelo burocrático. "Da mesma maneira
cientes e supervisionados não são crianças. E se eles não deixam que o analista estudante deve aprender a analisar, o supervisor
de, com freqüência, conduzir-se como crianças - o que é la deve aprender a avaliar", escreve, por exemplo, Rolf Klüwer, ci
mentável mas não deixa de ser o destino comum de todos os hu tado por Pola 1. de Tomar, de Madri, em um artigo por outro la
manos, sejam eles psicanalistas e até supervisores - não convém do interessante.2 Em função deste cuidado de avaliar o candidato,
reciprocamente tratá-los como tal. Vejam que, à primeira vista, "começa-se", escreveu Frederik Wyatt, de Fribourg-en-Brisgau,
isto poderia parecer paradoxal àqueles que entre vocês sabem de "a inventar a burocracia da psicanálise, a fim de garantir a impar
todo valor que atribuo àquela "criança sempre viva com seus im cialidade e a objetividade, para em seguida perceber que os afetos
pulsos" que, segundo Freud, a interpretação dos sonhos nos per que cuidadosa e meticulosamente se procurava evitar retomam
mite reencontrar em n6s. Tanto eu teria dificuldade em dar a justamente em forma de procedimentos". Persevera-se, caso ne
abrupto uma definição do adulto, quanto me parece evidente que cessário, em formular, mas sem ter a intenção de responder a
o hábito de se conduzir como criança no domínio que Freud de questão seguinte: "Onde, então, se situa a leal.dade do supervisor?
signou à realidade exterior - em outras palavras, na vida cotidia Para com seu candidato, o instituto e suas regras, ou para com o
na - dificulta o desabrochar das potencialidades da criança sem paciente·cujo tratamento psicanalítico ele supervisiona?' 13
pre viva, cujo domínio é aquele que Freud atribuiu à realidade Segundo os princípios da I.PA., um candidato não poderia
psíquica. Aí está por que, se desejamos ajudá-los a cuidar da tomar um paciente em análise sem ter sido autorizado por uma
criança sempre viva neles, em vez de continuar a esmagá-la, não comissão e não poderia se comprometer com tal paciente de ou
temos de tratar nossos pacientes e supervisionados como crianças tro modo que não sob a proteção de uma supervisão. O peso de
no nosso comportamento social cm relação a eles. uma situação de aprendizagem tomada como objeto de uma ava
Em segundo lugar, o projeto de debater os problemas colo liação constante vem então se acrescentar ao fato de que, autori-
cados pela prática das supervisões, fazendo abstração das exigên-
2. De uma Ideologia riori, quando é o destino dos doentes que está em jogo. Estabele
cida pelos responsáveis da policlínica, a supervisão é exigida
então por ser julgada necessária, e as regras que fixarão seu pro
Diversos autores apontam que a supervisao existia antes tocolo são determinadas por aqueles que a oferecem no enquadre
de ser institucionalizada. Este fato é comprovado pela corres de um contrato de formação. A justificativa que eu devia lhes dar
pondência de Freud e seus discípulos, bem como por numerosos quanto à pauta adotada para estas Jornadas se encontra nesta
testemunhos: quando alguém se encontrava em dificuldades, soli precedência da oferta em relação à demanda.
citava conselho. Entretanto, nada havia de sistemático nesta con A prática das supervisões é julgada indispensável à repro
duta que, como observa Elisabeth Roudinesco5, podia ter lugar de dução da "espécie psicanalítica" em virtude de considerações que
psicanálise didática. Nada de sistemático a não ser, talvez, o hábi - acabo de sublinhar - não são de modo algum específicas da
to de Freud de arrastar para longos passeios os discípulos que psicanálise. Além disso, a metáfora de Eitingon talvez não seja
iam até ele para consultá-lo. inocente: na medida em que o homo psychanalyticus é necessa
É preciso esperar a fundação da Policlínica de Berlim para riamente definido por traços biológicos que são os de uma espé
que se estabeleça a exigência de uma supervisão considerada co cie, ele não poderia reproduzir-se por partenogênese, a não ser
mo etapa da formação e como condição necessária - segundo os que pertencesse a uma espécie muito pouco evohúda, donde re
termos de Eitingon - "à reprodução da espécie analítica". Eu os sulta necessariamente que sua reprodução, ou sua formação, deva
remeto, a este respeito, ao artigo de Michelle Moreau, na Topi ser assegurada conjuntamente por um psicanalista e um supervi
que, que reproduz o relatório de Max Eitingon sobre as atividades sor.6 Se este comentário fosse tomado a sério, seria preciso inferir
da Policlínica Psicanalítica de Berlim, de março de 1920 a junho que a organização do curso proposto pela policlínica de Berlim
de 1922, onde se pode ler o que segue: permanecia alheia ao espírito da psicanálise, porque, sem que
seus fundadores soubessem, ela não era mais do que a atuação de
Confiamos aos estudantes que já estão avançados nos estudos uma fantasia.
teóricos e em sua análise pessoal um ou dois casos( ...) que convêm Será que as coisas mudaram desde março de 1920? A prática
a iniciantes. Por meio de anotações detalhadas que eles devem redi da supervisão sem d6vida se flexibilizou - não mais se retira o
gir, seguimos rigorosamente as análises e podemos detectar facil "caso" do estudante fraco - na medida em que foi sendo perce
mente uma quantidade de enganos que o analista iniciante comete bido que as condições da transmissão da psicanálise não eram
(... ). Nós protegemos os pacientes que são confiados aos iniciantes
pelo controle que exercemos sobre seus tratamentos e estando sem
pre prontos a retirar o caso do estudante para continuar nós mes 6. Ver a este respeito Jacquclinc Rousscau-Dujanlin, citada cm meu artigo
mos o tratamento (...). Podemos então estar igualmente satisfeitos "0 setor reservado da transfcrincia", reproduzido por C. Stcin, La morr d'Oedi
pelo lado formador da nossa policlínica(...). pe, Paris, Dcnoêl-Gonthicr. , coll. M6diations 1m, pp. 211-231: "O esquema do
C\lJSO dicütico ( ... ) tende a reproduzir uma certa concepção do cngcndramcnto e
do nascimento de um indivíduo: um personagem paterno (representando a co
Aí está, claro e preciso, e não deveria dar motivo a sorrisos. missão de ensino, a lei) põe cm marc.ha seu destino, seu analista o toma cm ges
Notamos primeiramente que os fundadores da policlínica de Ber tação, mas 6 sempre um terceiro (sempre a comissão de ensino) que registra o
lim manifestaram a mesma consciência profissional que convém a nascimento". Uma vez que o acuo de uma rclcitura me c1' ocasião de dar a Ci
todo mestre quando confia um trabalho a seus aprendizes, a forti- sar ..., acentuamos que • noção de setor reservado da transfcrincia, que será tra
tada adiante, se deve a Jacquclinc Rousscau-Dujanlin que observa que, nessas
condições. "haveria, na análise didática, um setor de projeção transfcrcncial que
permaneceria não analisável e nlo analisado, a não ser, talvez, ao longo de uma
S. La bataille de cent ans, vol. 1, Paris, Ramsay, 1982, p. 152. segunda análise".
22 A SUPERVISÃO NA PSICANÁLISE EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE, ... 23
semelhantes às da aprendizagem de qualquer outra arte. Assim, to dos afetos na contratransferência é o essencial do ponto de vis
sabe-se hoje que uma fastidiosa narrativa das sessões, que se de ta da formação", assim como ao afirmar que "se o candidato con
sejaria tão fiel quanto possíve� não informa o mínimo sobre o tinua sua análise pessoal enquanto começa a analisar pacientes,
trabalho de um psicanalista; que, portanto, a arte de informar so os dois lados do trabalho, paralelos, esclarecem aspectos de sua
bre a psicanálise de um paciente consiste em uma criação que personalidade que até então haviam recebido pouca ou nenhuma
procede de fato da própria análise de quem a pratica. Se o psica atenção", e ao concluir que, nestas condições, "o procedimento
nalista pode dar valor deste modo ao que descobriu escutando mais correto é que a supervisão seja levada de um extremo ao ou
um paciente, não poderia expor o trabalho do qual apenas este tro pelo didata".
(tltimo poderia dar testemunho. Em suma, a análise didática e a supervisão sendo a mesma
À medida que os espíritos evoluíram, a ponto de não se po coisa, Vtlma Kovacs me parece implicitamente recusar de uma só
der mais subscrever as considerações que presidiram à invenção vez a noção de didática e de supervisão, consideradas como os
da supervisão, as justificativas com vistas a faur admitir sua ca dois pólos da formação, para sustentar que a análise do psicana
racterística indispensável foram ficando mais e mais confusas, frá lista é a análise por excelência e que constitui o essencial da prá
geis e contraditórias, com exceção da teoria de Valabrega, cuja dis tica da psicanálise. Sobre o primeiro aspecto, notemos de passa
cussão abordarei mais adiante. Mas pouco importam as justifica gem, ela teria assim antecipado uma proposição de Lacan que me
tivas, na medida em que a exigibilidade da supervisão tornou-se parece nem sempre ter sido bem compreendida. Quanto ao se
objeto, da parte dos veteranos como dos iniciantes - usuários ou gundo aspecto, suas perspectivas me parecem de acordo com as
usuários potenciais - de um amplo consenso, alheio a qualquer de Ferenczi, que insistiu sobre a importância da análise do psica
referência às exigências dos institutos de formação e alheio, salvo nalista, destinada a aprofundar o "conhecimento de si" necessário
exceção, a toda razão. Além de um eventual consentimento explí ao exercício do ofício, sendo que ele jamais mencionou a super
cito em um contrato de acordo com as leis de uma instância bu visão a não ser a título de informação, sem comentários, em uma
rocrática exterior a si - e cuja finalidade inconfessada, a julgar conferência "Sobre o curso de formação do psicanalista".7
pelos resultados mais tangíveis, é garantir sua própria J?Crenid�de Ao ler Vilma Kovacs, eu a aplaudi sem reservas, sem prejuíro
- as partes então concordam em se submeter a um unperativo de me dar conta mais tarde de que eu talvez lhe tenha atribuído,
que parece evidente e que ninguém foi levado a se perguntar de em ce.rtos aspectos, meus próprios pontos de vista. Outros leito
onde procede. Assim, desligado da referência à instituição, o con res a leram de modo diferente, no que concerne a um ponto so
senso de que é objeto a supervisão toma o caráter de uma ideolo bre o qual, de fato, seu texto é ambíguo. É verdade que em razão
gia ou, para dizer as coisas mais simplesmente, de uma crença. de seu tom tão pouco normativo, se pode indagar se ela não que
ria dizer a seus pacientes expressamente que tinham a falar dos
pacientes deles, sendo os dois lados do trabalho que ela qualifica
de paralelos, a saber, a análise de sua transferência e de sua con
3. Falar de seus Pacientes, Estando no Divã tratransferência, tomados em separado. É possfve� caso se dese
je, supor - a exemplo de uma de minhas interlocutoras - que ela
preconiza uma mistura de análise e supervisão, um pouco como
algumas vezes faz Françoise Dolto que, sem recusar a supervisão
Em 1936, uma discípula de Ferenczi, Vilma Kovacs, ergueu
se contra uma concepção da supervisão que, em suas linhas ge
rais, prevaleceu até hoje e que ela considera "superficial". Prati 7. Confc�ncia pronunciada cm Madri, cm 1928: "Baustcinc zur Psychoa
camente "pregou no deserto" ao sustentar que "o reconhecimen- nalysc", cm Psychanalyse 4, Paris, Payot, 1982, pp. 239-24S.
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feita com outro psicanalista, não deixa de aceitar tomar em su experiência. Devo acrescentar, e se necessário retomar a isso na
pervisão, por algum tempo, seus próprios pacientes. Ela lhes minha conclusão, que, sem d6vida, ela havia se beneficiado dessa
propõe para isso uma sessão suplementar, julgando que seria la condição, que havia encontrado oportunidade de realizar consi
mentável que sacrificassem uma de suas sessões de análise para derável avanço na sua psicanálise no além do tempo das sessões
falar dos pacientes deles.ª Se levanto esta questão, não é, de mo que tivera enquanto paciente. Quanto aos pacientes dela, tudo le
do algum, para tentar uma exegese do texto de Vilma Kovacs, va a crer que tiveram uma vantagem ao não lhes ter sido certa
que, de qualquer modo, não caberia aqui. Para os fins que tenho mente propiciado o suporte que ela reclamava no passado, ao so
hoje em mente, melhor é que o consideremos como uma hospe licitar que me interessasse pelo que chamava a realidade psíquica
daria espanhola, cujo mérito, como se sabe, é permitir inferir o deles. Em certa medida, na época em que lamentava minha falta
desejo dos diferentes viajantes por aquilo que trazem, sem ter de de cooperação, minha interlocutora era uma pioneira da psicaná
levar em conta as intenções do hospedeiro.• lise como todos somos quando iniciamos; e a idéia que fazia da
Ocorre que pacientes mais ou menos informados das minhas ne�idade da supervisão, que na sua opinião eu devia lhe ter
posições em matéria de transmissão da psicanálise manifestam concedido, não era diferente da dos praticantes da policlínica de
certo desagrado após terem chegado a falar de um de seus pró Berlim.
prios pacientes. Esperavam um reconhecimento sob a forma de Em verdade - tive mais de uma vez oportunidade de dizê-lo
algum a fala de supervisor e reclamam, com ou sem razão, de que e não fui o 6nico - o paciente é desapropriado de sua análise as
nestas circunstâncias eu sou ainda menos prolixo do que de cos sim que, em seu interesse, se acre.dita dever reificá-la, para
tume; muito menos prolixo, por exemplo, do que quando falam apostá-la em uma formação, mesmo .;!le alheia a qualquer proje
de seus filhos. Qualquer que seja a importância da análise a longo to de habilitação por uma instituição.9 É preciso certo tempo para
prazo das transferências do psicanalista, me dizia a interlocutora compreendê-lo.
já mencionada, continua necessário que, na falta de um supervi Minha interlocutora se lembrava também de que, tendo me
sor terceiro, o psicanalista preste sua contribuição. Ela se lembra importunado ao longo de várias sessões, ela havia uma vez obtido
va, como se fosse hoje, de ter censurado mais de uma vez o meu que eu lhe desse uma sugestão. O que deveria dizer a certo pa
silêncio quando, antigamente, durante suas sessões no divã, falava ciente que ameaçava interromper sua análise? Eu lhe sugeri o
de um ou outro de seus pacientes; de ter censurado meu silêncio, que poderia dizer. Ela continuava, anos mais tarde, a consider�
ou antes, minha falta de disposição em me interessar - em seus _
muito pertinente minha formulação; entretanto, o paoente havia
próprios termos - pela "realidade do paciente" sob sua respon partido, embora ela a tivesse fielmente transmitido! Donde a con
sabilidade. Sentia que este último era esquecido em benefício de clusão de que reiterando a afirmação de que a realidade do pa
sua própria análise. Prosseguindo, todavia, ela não havia se com ciente devia ser levada em conta - afirmação que, segundo o
prometido com uma supervisão a não ser após muitos anos de conte6do manifesto, deveria ter sido tomada como uma advertên
prática, quando então, no progresso de seu trabalho analítico, ha cia relativa à prática de supervisão - ela visava renovar a vitória
via abandonado a preocupação de lhe encontrar um suporte. Em que tinha no passado obtido sobre mim, à força de insistência.
suma, havia se engajado nas melhores condições: para arriscar a "Pode-se, me diz, falar de pacientes para tentar exercer uma
pressão!"
Deve-se, portanto, subscrever o consenso tácito entre os psi
8. Entrevista de Fnnçoisc Dolto, Palio, 2, 1984, pp. 55-63.
canalistas que dizem: "Falar de seus pacientes é uma resistência",
• A n:fcrência à "hospedaria espanhola" corrc&p0ndc, cm portugu&, a algo
que atende "à vontade do frcgu&", no caso do texto, à vontade de quem o Ie.
(N. da T.)
9. EntTcvista de Françoise Dolto, op. ciJ.
0
26 A SUPERVISÃO NA PS lCANÁLISE 27
EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE,••.
e os pacientes - sem jamais terem ouvido tal opinião ser enun tras palavras, quer eu diga "eu", ou diga "ele ou ela (disse 'eu' ou
ciada - são persuadidos de que não é mesmo conveniente? Não 'você', ou 'eu' ou 'ela')", a análise é sempre daquele que diz - e
acredito nisso. Parece-me antes que reticências deste tipo susten que considerando todos os elementos, se dirige a seu psicanalista
tam a resistência contra a psicanálise. Reticência que não se deve - no caso presente, a minha. (As condições do possível engano
confundir, é preciso esclarecer de passagem, com o, caso em que são particularmente interessantes quando digo ''você", mas esta
se é presa do sentimento de não conseguir chegar a falar. ocorrência não foi levada em conta no presente contexto.)
Não é verdade que falar de seus pacientes seja uma resistên
cia.. É verdade, em troca, que se podem manter as resistências fa
lando de pacientes - é preciso que as resistências se mantenham
à custa de alguma coisa - donde resulta que interditando ou se
interditando de falar a respeito, ao exercer esta censura delibera
da, se é privado do fruto da análise destas resistências. (Já que 4. "Análise Quarta": de uma Exigência que
acabo de usar a palavra cm duas acepções diferentes, convém Compromete os Fins a que se Propõe
precisar que a resistência contra a psicanálise é aqui considerada
como procedente de uma posição que se opõe ao progresso do
processo analítico, pois ela interdita a manifestação de resistên Afinal, talvez vocês me concedam que para um analista que
cias ligadas às conjunturas, e das quais este processo se sustenta.) prossegue seu tratamento enquanto paciente, o divã é um local
A interlocutora que, no passado, tinha costume de me censu privilegiado onde falar dos pacientes dele, no enquadre estabele
rar por não me interessar pela realidade de seus pacientes me 6- cido pela disposição das sessões e para fins que não são outros
rera observar que, com freqüência, o desejo daqueles que, no senão os de prosseguir o trabalho de sua psicanálise. Mas vejam
divã, falam de suas sessões com seus próprios pacientes na espe que nada se esclarece quanto à nossa interrogação inicial, em re
rança de receber um conselho é que aquele por trás deles, na pol lação ao fundamento da opinião pela qual a prática das super
trona, ''tome aquilo por outra coisa", precisamente, parece-me, visões seria uma condição necessária da transmissão da psicanáli
por algo que apresentaria a propriedade notável de ser alheio à se. Feitas as contas, não estando em questão o benefício que se
investigação psicanalítica; é também com freqüência, apenas nes pode encontrar em se engajar em uma série de encontros com
te caso, que eles julgam ter direito a uma resposta. E a frustração um colega mais experiente, a fim de tomá-lo como testemunha de
que experimentam ao não recebê-la não é outra que a de não ob sua maneira de ouvir seus pacientes, mas sim o caráter indis
ter um consenso quanto a estabelecer um setor reservado onde a pensável desta conduta, nossa interrogação pode parecer inútil no
resistência à psicanálise encontrará um abrigo seguro. Outros, re ponto em que nos encon.tramos. E ela ficaria esvaziada se Jean
nunciando a solicitar um conselho, manifestam a mesma frus Paul Valabrega não tivesse elaborado uma teoria da supervisão -
tração no sentimento de terem perdido seu tempo. por ele denominada de "análise quarta" - fundada, enfim, em
Os que falam de seus pacientes, no momento em que o pen considerações de ordem autenticamente psicanalítica.
sam, partilham uma mesma esperança, enquanto outros, mais Na minha conferência de 1968, dedicada ao "Setor reservado
prevenidos a este respeito, se entrincheirando na reticência, não da transferência"1º, afirmei que para ser psicanalista é preciso ser
reconhecem esta mesma esperança, sustentando que, por princí não curado e formado, mas capaz, como eu diria hoje - tendo
pio, o divã não é o local onde conviria evocar o que se ouviu es renunciado ao uso do termo "auto-análise" - de prosseguir sua
tando na poltrona. Desdobramento que se resume a crer que o
sujeito da análise é o do enunciado, qualquer que seja a pessoa,
quando ele não poderia ser senão aquele da enunciação. Em ou- 10. Op. cit.
28 A SUPERVISÃO NA PSICANÁLISE EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE, ... 29
análise para além do tempo das sessões que se teve enquanto pa interlocutora que citei por ocasião da discussão das perspectivas
ciente. Concluí que, nestas condições, "é preciso bem pouco para de Vilma Kovacs - que praticada nas condições convenientes, a
que alguém seja psicanalista", e aí Valabrega me contestou, sus supervisão vem se inscrever em uma continuação que faz parte
tentando que "este tão discreto 'muito pouco' lança uma cortina integrante da análise do psicanalista. Ora, Valabrega não diz ou
protetora e tende a escamotear o detalhe que, precisamente, é a tra coisa, já que preconiza um método - o da análise quarta -
totalidade do problema".11 A polêmica ao longo da qual Valabrc destinado a conferir à supervisão "um alcance verdadeiramente
ga me devolveu muito elegantemente a atribuição que cu lhe ha analítico".13 É suficiente esclarecer o sentido das palavras. Se tu
via feito de uma fantasia de análise absoluta - tanto é verdade do o que reveste, para ele, uma penetração realmente analítica
que cada um negocia sua megalomania a seu modo - me parece participa de sua psicanálise, Valabrega não pode deixar de conce
hoje ultrapassada. Antes, me é necessário tentar acentuar, o mais der que falta pouco para que alguém que a continue para além do
brevemente possível, em que a réplica de Valabrega é mal fun tempo das sessões que teve como paciente seja psicanalista. E
damentada em relação ao essencial do meu texto, sem ser por is preferindo utilizar o termo "psicanálise" em um sentido restrito,
so menos pertinente a respeito do que lhe falta, ou seja, precisar para designar apenas o tratamento psicanalítico, tendo afumado
o ponto sobre o qual nossas divergências me parecem proceder que seria preciso uma continuação, eu não poderia deixar de con
de um mal-entendido, a fim de cercar o ponto sobre o qual nossas ceder a Valabrega que a psicanálise assim compreendida não bas
visões são realmente opostas. ta para fazer um psicanalista.
O principal mal-entendido decorre talvez de que Valabrega Quanto ao "bem pouco" que é preciso, eu não tinha em vista,
me atribui uma concepção solipsista da continuação da análise do evidentemente, as experiências que se mostram claramente aptas
psicanalista para além do tempo das sessões mantidas quando pa a contribuir para o progresso da análise do psicanalista. Em re
ciente, enquanto minha conferência de 1967 sobre "A identifi lação ao exercício do ofício, é possível se perguntar, à primeira
cação com Freud na auto-análise" era já toda centrada no papel vista e entre outras coisas, se certos conhecimentos não são ne
essencial dos interlocutores imaginários e reais, num processo cessários. É concebíve� por exemplo, que um praticante possa se
que continuaria a designar ainda por algum tempo pelo termo incluir na linhagem de Freud sem conhecer sua existência e sem
usual.12 Quando eu dizia que para ser psicanalista é preciso "ser ter adquirido certa familiaridade com sua obra? Notemos apenas
analisado e capaz de prosseguir sua auto-análise", eu não susten que o estudo da obra de Freud não é alheio à continuação da
tava um ponto de vista que teria recusado em seguida; não fazia análise, na medida cm que as dificuldades que se podem aí en
senão deixar à sombra o que iria se esclarecer assim que passei a contrar derivam essencialmente da resistência à psicanálise, o
designar a psicanálise como um processo sem começo nem fim, que, pensando bem, não exclui de modo algum que esta mesma
onde o tempo das sessões conduzidas sobre o divã de um psicana resistência possa se sustentar por tal estudo.
lista - o tempo, em outras palavras, do tratamento psicanalítico
- é o tempo essencial. Nos termos desta última formulação, é
claro - e me basta a este respeito reenviá-los ao testemunho da Vamos às exigências formuladas por Valabrega. Vocês sa
bem que subscrevo, quanto ao essencial, as premissas de onde
provém, segundo ele, a necessidade de uma supervisão concebida
11. LA formalion du p sychanaly ste, op. cit., p. 109. Valabrega esclarece, aliás, como uma "análise plurirreferencial" ou "análise quarta". Estas
que meu enunciado lhe parece inexato, não cm seu conteúdo, mas sim no uso
que poderia ser feito do mesmo.
12. L'inccnscient, 7, 1968, pp. 99-114. Reproduzido sob o titulo: "Une
13. LA formation du psychanalyste, op. cil., p. 77.
confl!rencc sur l'idcntification à Freud", cm LA morr d'Oedipe, op. cit., pp. 7S-91.
30 A SUPERVISÃO NA PSICANÁLISE EM QUE LUGAR, EM QUE ENQUADRE , ... 31
premiss as podem se resumir a considerar a existência de um setor que medida é razoável se propor a descobrir um território cuja
reservado da transferência, que não deixaria de se ,constituir em reserva procede de um consenso do qual se tem, entretanto, al
todo tratamento, o fato de se estabelecer entre o paciente e seu guma chance de participar, uma vez que é ideológico. Mas é ver
analista um consenso relativo a certos ideais. Valabrega nota, dade que Valabrega estende a noção de setor reservado da trans
com razão, que o setor reservado da transferência - que é verda ferência aos enclaves resultantes de fatores de ordem conjuntural,
deiramente, escreve, "um resto de início de análise e não de fim como a teoria do psicanalista - entenda-se que cada um tem a
de análise, pois se coloca desde o começo" - "participa direta sua própria - e isto com razão, na medida em que são represen
mente da contratransferência (...) já que o analisado está ele tativos do fator ideológico que é, para ele, quase estrutural. Ora,
mesmo em função de analista", e se manifesta por uma "zona de é verdade que o analista quarto não partilhará até nos seus deta
surdez". E é isto que a análise quarta se destina a prevenir. lhes mais particulares da teoria do analista primeiro (quer dizer,
A discussão das dificuldades que poderia levantar a aplicação do analista do candidato à supervisão).
do método proposto como capaz de "trazer uma contribuição in Vim a perceber que, sem ter a sensação de pôr em ação um
substitwvel à análise propriamente dita" terá lugar no prossegui procedimento particular, eu tinha uma prática que tendia a fazer
mento de nossos trabalhos, ainda que por conta, por exemplo, de face às exigências que conduziram Valabrega a propor a análise
suas incidências sobre a análise do psicanalista, visto que, abrindo quarta; na falta de indícios, não poderia dizer em que medida
."uma janela sobre o terceiro referencial, a saber, sobre a prática suas publicações poderiam ter entrado com alguma coisa. Que a
do analista do candidato", ela se destina precisamente a ter tais psicanálise seja plurirreferencial, isso já se depreendia, em certo
incidências. É de longe nisso que reside a originalidade da visão sentido, da idéia de que ela se funda sobre um duplo encontro,
de Valabrega. em razão do qual ela é suscetível de se transmitir. LS Quanto ao
Devo, no momento, me limitar a perguntar se é necess ário quarto referencial em posição terceira - quer dizer, exterior à
um procedimento particular, como quer Valabrega; em outras sucessão das análises, desde a de Freud - fui levado a lhe prestar
palavras, se a supervisão concebida como uma análise quarta po atenção crescente. Logo percebi que a continuação do trabalho
de ser tida como condição necessária da transmissão da psicanáli do psicanalista, ao longo do qual o tempo finito das sess ões tidas
se. Em primeiro lugar, poder-se-ia notar que a disciplina inaugu com seu psicanalista não cessa de servir de referência inicial, es
rada por Freud não cessou, bem ou mal, de transmitir-se até ago tava longe de excluir o recurso a um terceiro, compreendendo-se
ra e que a preocupação de Valabrega seria então de acrescentar que um recurso deste bpo não implica necessariamente uma de
um progresso e talvez também de minimizar certas insuficiências manda a este terceiro de se encarregar do desvelamento de sua
que puderam e podem ainda irromper em desvios lamentáveis. significação. Tenho em mente aqui meus contatos mais ou menos
Eu teria antes tendência a pensar que nenhuma medida poderia ocasionais com meus colegas, bem como minhas relações mais
se opor a desvios caracterizados, a menos que fosse autoritária, e, constantes com o público que participa do meu seminário, até
as sim, comprometesse a própria existência da psicanálise.
Quanto às carências às quais nenhum psicanalista se poderia
tentes", segundo as quais o psicanalista se determina em relação ao seu paciente.
pretender imune, é verdade que elas procedem muitas vezes da
Talvez seja preciso lembr11r aqui e agora que o m�todo proposto por Valabrega
quela espécie de transmissão de surdez à qual o setor reservado coMiste em trazer à luz a interpretação latente e submet!-la a uma discussão
da transferência pode dar lugar. 1� É preciso ainda perguntar em contraditória, entendendo-se que a an61ise quarta nio tem mais que uma "função
sinaléptica" e que cabe portanto ao candidato "íaz.er dela o que quiser. Com seu
analista, por exemplo, se ele tiver um". (Op. cit., p. 133. )
14. Talvez seja preciso lembrar que a suroez em questão deve ser interpre 15. Cf. L'mfant imaginairt, 2' ed., Paris, Denoél, 1987, cap. 20, "La doublc
tada como suroez a si mesmo, como um desconhecimento das "interpretações la- rencontre", pp. 335-364.
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com os supostos leitores a-quem me dirijo quando escrevo. Já se centar que o que o toma dependente - entendo: da prática de
tratava disso em minha conferência sobre a identificação com seu psicanalista - é o que marcou suas sessões com um non-lieu,
Freud e, mais incisivamente, em meu artigo sobre a prática das por causa de suas posições ideológicas, sem dtívida, mas sobretu
su pervisões. 16 do em raz.ão de suas oposições passionais a respeito dele. Em
Em um sentido, o processo analítico suscita a figura do psi suma, não basta substituir os termos "o analista do candidato"
canalista quarto, sem que seja necessário que qualquer um se ofe por "o primeiro analista do colega", para perceber que o segundo
reça explicitamente para ocupar o lugar. Aí está o que concerne, analista deste último está precisamente na posição do "analista
afinal, a um primeiro aspecto da minha experiência de antigo pa quarto"?
ciente em posição de psicanalista. Em seguida, esta mesma expe
riência, vista sob o ângulo da responsabilidade daquele que é re Não quero preconizar a segunda análise, mas apenas consta
quisitado como segundo psicanalista, me levou a prestar crescente tar que freqüentemente ela acontece, donde resulta que nenhum
atenção à necessidade de permitir a seu parceiro não somente re procedimento especial poderia ser considerado como uma con
ferir suas sessões com seus pacientes - se ele é psicanalista - às dição da análise quarta e, por conseqüência, da transmissão da
suas sessões atuais enquanto paciente, mas também de referir es psicanálise.
tas últimas às que teve com seu primeiro psicanalista, a fim de Quanto à supervisão, estou em posição de analista quarto?
elucidar, na medida do possível, tudo o que no passado pode _ ter Preferiria dizer, talvez, que sou quarto na minha qualidade de
sido marcado por um non-lieu•. Recomendo-lhes, a este respeito, psicanalista, tanto os meios são diferentes, mesmo se ela é moti
· recente chamado "Responsabili'dades"17
meu artigo vada por fins que podem não ser alheios ao engajamento em uma
"As análises quartas", escreve Valabrega, "têm a função segunda análise, a saber, se pôr na condição de poder ouvir me
de obter uma abertura sobre a prática do candidato e ajudá-lo lhor seus pacientes.
a marcar os pontos de contato e de interferência de sua prática A supervisão me parece dotada de uma certa especificidade.
com sua própria análise". O que eu subscrevo, com a ':°ndi�o de Ela implica um engajamento da parte do supervisor diferente dos
colocar a ênfase sobre a abertura daquele que é aqw designado contatos com colegas de que eu lhes falava há pouco. E à diferen
como candidato mais do que sobre a abertura do analista quarto ça do tratamento analítico, este engajamento não ocasiona, em
que, se referind� a outra pessoa, será sempre mais estreita do que princípio, o estabelecimento de uma neurose de transferência
ele poderia ser levado a crer. "Por isso mes� o", prosse�e Vala que, precisamente, é o objeto das sessões de análise. Como afir
brega, "elas abrem uma janela sobre o terceiro referencial, a sa mei no recente trabalho já mencionado, ela é lugar de transferên
ber, sobre a prática de analista do candidato; sobre o que o can cias (no plural) caracterizadas por sua mobilidade e considerá-las
didato. reteve desta prática, sobre o que ele lhe deve, o que o faz permite fuer um certo trabalho psicanalítico, em outras palavras,
dependente, em uma palavra, sobre o que ele faz em sua for
contribuir para o progresso da psicanálise do psicanalista. Deste
mação". O que eu ainda subscrevo, pronto, se necessário, a acres-
ponto de vista, ela é verdadeiramente psicanalítica. Este é, quero
crer, o motivo pelo qual sua prática não deixa de oferecer satis
fações de fato, quando é conduzida nas condições convenientes.
16. Op. cil., p. 163.
Estas condições não dizem tespeito essencialmente, como eu
• Non-licu: não lugar. Remete ao fato de a análise não ter tido lugar por
que ocorreu outra coisa, ou seja, aspectos da transferincia pennaneceram vela
pensava no passado, ao caráter institucional ou não do processo,
dos por serem parte do setor reservado. (O psicanalista e seu oficio, São Paulo, mas bem antes à justa apreciação pelo supervisor de suas pró
Escuta, 1988, p. 235.) (N. da T.) prias implicações na situação da supervisão. A este respeito, não
17. ÉJUdes Frcudic'!nes, n° 24, out. 1984, pp. 135-163. posso fazer mais do que remetê-los, ainda no artigo "Responsabi-
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tidades", às anotações relativas a uma experiência vivida durante são múltiplas as vias de formação - do mesmo modo, aliás, que
uma supervisão. 11 as de reconhecimento, não as de habilitação - eu me inclinaria a
Pela força das coisas, já fui levado a esbarrar em muitos te- ficar aberto à demanda de supervisão, o que, para ser igualmente
mas alheios à pauta desta primeira parte do nosso colóquio dedi uma forma de apresentar uma oferta, situa esta última em uma
cado à oferta de supervisão. Não irei então, neste momento, mais perspectiva que estabelece a referência às sessões do paciente de
adiante no exame de tudo o que pode se referir às modalidades quem demanda, num enquadre diferente do determinado por Va
efetivas da prática da supervisão, sua incidência efetiva sobre a labrega.
análise do psicanalista, bem como - cuidado primordial - sobre
a do paciente.