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Qual Instituição Para o Sujeito Psicótico?

Eu lhes agradeço, inicialmente, o convite para vir a este país,


que para nós é sempre um pouco mítico, o Brasil, mas também a
oportunidade de trabalhar com vocês questões que se tornaram
um pouco menos marginais para os psicanalistas, menos margi­
nais do que elas eram há dez ou vinte anos. Talvez porque, neste
tempo, uma certa idéia sobre o analista solitário, analista apagado,
que não tem nenhum ideal e que não acredita em nada, deixou
lugar a uma outra idéia, evocada por Éric Laurent, recentemente
em uma conferência, que é a idéia do analista cidadão. Os analis­
tas começaram a apreender, ou deveriam começar a apreender, que
há uma comunidade de interesses entre o discurso analítico e a
democracia e que não se trata somente de escutar fechado no seu
consultório, mas de saber transmitir o que concerne à condição
humana, o que, da particularidade de um sujeito, pode ser útil para
um número maior de pessoas. Para parafrasear o que diz Lacan em
"Televisão", a propósito da saída do discurso capitalista, ele não
será um progresso se for somente para alguns. Os psicanalistas
devem tomar posição, ter uma incidência sobre a orientação da

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política de saúde mental de um estado ou de uma região. Pedir um
tipo de saúde mental ou respeito aos direitos do homem; deve ser
solidário da introdução do lugar do sujeito na clínica psiquiátrica.
Houve um tempo que pensava que os analistas deviam se
manifestar apenas no campo da cultura. Nós acreditamos que de­
vemos intervir também sobre pontos mais precisos da sociedade,
como em comitês de ética, redes de ajuda, práticas institucionais e
sociais, para que a dimensão do sujeito, no sentido psicanalítico
sej a levada em conta, ao contrário da sua exclusão pelo discurso
da ciência, que está nesse momento fagocitando a psiquiatria. O
que afastou os psicanalistas de uma intervenção no campo da saú­
de mental foi uma formulação do problema em termos de relações
de antinomia ou de compromisso entre duas práticas: por um lado,
a prática da análise, e, por outro lado, a prática de cuidados médi­
cos, sociais e psiquiátricos. Pode-se opor, quase termo a termo, os
objetivos da saúde mental e os do discurso do analista, para mos­
trar a sua inconciliabilidade. Conclui-se, então, que o analista de­
veria, ou se afastar da instituição ou aí se situar, mas em uma posi­
ção anti-institucional.
Eu vou lembrar alguns termos desta oposição. A instituição
visa reduzir a pregnância do sintoma, enquanto que o analista ten­
ta fazer emergir o significante inconsciente. A instituição quer o
bem e a saúde do indivíduo, enquanto o analista não visa nenhum
bem mas somente a emergência do desejo, que pode comportar o
mal-estar e a angústia. A instituição responde à demanda, enquan­
to o analista, por sua escuta radical, visa a raiz mesma da deman­
da. A instituição tenta construir a unidade do sujeito, enquanto o
analista visa a divisão do sujeito. A conclusão prática dessas opo­
sições é de conduzir o analista a oscilar entre uma atitude de recu­
sa ou de crítica à instituição, crítica à instituição como lugar de
tratamento psicanalítico, ou então uma inserção, mas contra a ori­
entação da política institucional. Em ambos os casos, a psicanáli­
se acaba não tendo mais nenhuma incidência sobre a clínica e so-

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bre a prática institucional. Se a questão da relação entre a psicaná­


lise e a instituição se esgotasse nesta oposição, ela se traduziria na
questão: é possível praticar a psicanálise na instituição ou não?
Isso depende, creio, do fato de se ter ligado muito a psicaná­
lise, o discurso analítico, à cura, ao tratamento do neurótico. Esta
redução da psicanálise ao tratamento dos neuróticos ignora, ou
desconhece, que as instituições ou as redes de ajuda se ocupam de
outras categorias sociais diferentes das que se endereçam normal­
mente aos psicanalistas. E não somente isso, mas também se ocu­
pam de abrigar outras categorias clínicas diferentes da neurose.
Elas respondem antes à passagem ao ato. Enfim, essa identifica­
ção da psicanálise à cura, ao tratamento dos neuróticos, arrisca-se
a ignorar que a consideração do mal estar da civilização teve uma
incidência sobre as teorias das pulsões e sobre a prática da psica­
nálise no próprio Freud. Então há um impasse, quando transpo­
mos o tratamento dos neuróticos à instituição, diretamente.
O esquema comum da prática da psicanálise vai da vida soci­
al ao consultório do analista. Há um estado da clínica em que esta
passagem não é possível. Então, a prática tende a transpor o con­
sultório do analista ao interior da instituição, o que faz com que a
instituição apareça, nessa aplicação, como sendo simplesmente o
envoltório do consultório do psicanalista. Esse esquema, que trans­
forma a instituição um "em tomo" do consultório do analista, des­
conhece a razão da existência da instituição e, por essa mesma
razão, a natureza da clínica que a instituição acolhe. Quando dis­
cutimos para saber quando a instituição é compatível com o con­
sultório do analista ou não, desconhecemos a razão da existência
da instituição. Porque antes de existir para eventualmente tratar
do sujeito, a instituição existe para acolhê-lo, colocá-lo ao abrigo,
colocá-lo à distância, assisti-lo . Antes de ter um obj etivo
terapêutico, a instituição é uma necessidade social, é a necessida­
de de uma resposta social a fenômenos clínicos, a certos estados
da psicose, a certas passagens ao ato, a alguns estados de

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depauperamento físico, que podem levar o sujeito à exclusão soci­


al absoluta e até à morte. É isto, então, que motiva a criação de
uma instituição e não se deve comparar a instituição de cuidados e
a consulta psicanalítica e ver se a instituição realiza os objetivos
da psicanálise. Não se deve fazer essa comparação. Não devemos
tampouco nos limitar a introduzir o consultório do psicanalista na
instituição e considerar simplesmente que a instituição é a sala de
espera do analista.
Trata-se de reconhecer a diferença de duas práticas. A prática
do tratamento psicanalítico é uma coisa e a prática da instituição é
outra. A clínica permite frequentemente, a entrada na experiência
psicanalítica, mas nem sempre. A clínica exige, também frequen­
temente, uma resposta que pode ser simplesmente a de uma práti­
ca social ou institucional. Mais ainda que fenômenos de lingua­
gem ou delírio, trata-se, nessa clínica, daquilo que do gozo, como
diz Lacan, faz retorno no corpo e no agir: passagem ao ato suicida
ou perigosa, auto-mutilações, errância, imobilidade catatônica,
perda de qualquer interesse, uso excessivo de drogas. Ora, não é
porque a resposta a esta clínica se inscreve no discurso do mestre
que ela deve ser abandonada pelos analistas ou que os analistas
devem se inscrever para contestá-la, por uma outra prática. Quan­
do constatamos que na base da existência da instituição há a clíni­
ca, nós podemos propor uma terceira via, uma outra forma de co­
locar o problema, que nos permite sair do eterno debate de saber
se a psicanálise pode ou não ser praticada na instituição e se a
instituição é ou não compatível com o discurso do analista. A ques­
tão, então, não é da relação entre a instituição e a prática da psica­
nálise de consultório, mas a terceira via, que nós propomos, é a de
considerar que há duas práticas distintas. A prática da cura, do
tratamento a dois e a prática institucional que é necessariamente
coletiva.
Não é porque uma prática é a dois que ela é, necessariamen­
te, o discurso do analista. O discurso do analista não coincide ne-

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cessariamente com a prática a dois. Nós podemos legitimamente


colocar a questão se o discurso do analista pode orientar uma cura
a dois ou se ele pode orientar uma prática feita por muitos. A ques­
tão não é de saber qual psicanálise praticar na instituição, mas
qual instituição praticar na psicanálise. Então, não é a psicanálise
na instituição, mas a instituição na psicanálise. Colocar o proble­
ma nesses termos supõe reconhecer a motivação clínica da insti­
tuição. A instituição constitui a resposta praticável em alguns esta­
dos da clínica, a única resposta praticável na ausência da qual as
pessoas que sofrem, ou as pessoas que lhes são próximas, ficam
expostas a um insuportável, que pode ter consequências dramáti­
cas. Em alguns estados da clínica, não se trata de ir ao consultório
do analista, trata-se de ser protegido.
Uma j ovem mulher que encontramos na apresentação de pa­
cientes e cuja posição subjetiva se traduzia por uma certeza - a
certeza de ser feia e monstruosa a tal ponto que ela não podia se
suportar sem a presença de alguém que a amasse - passava todo o
tempo, de um homem a outro sofrendo toda espécie de violência
e inconvenientes. Ela dizia no hospital: "fora daqui eu vou dizer
sim a não importa a quem, não importa o quê". É por isso que ela
queria ficar no hospital. Lembrar a motivação clínica da existên­
cia da instituição tem a vantagem de evitar desconhecer sua fun­
ção social insubstituível e de evitar sua supressão como foi o caso
na Itália. Não é porque a instituição cura que ela deve ser mantida,
nem porque ela não cura que ela deve ser suprimida. Se mantemos
a instituição porque ela cura, há um grande risco de considerar
natural que o paciente fique no hospital indefinidamente, que fi­
que no hospital enquanto não fique curado. Se consideramos que a
instituição deve curar e se consideramos que a instituição não cura,
o risco é grande de deixar o paciente na errância e aos dramas de
retomar a uma família e ao seu lugar natural, que dá, frequente­
mente, lugar à vagabundagem. Isso acontece quando desconhece­
mos a função social da instituição. Eu diria mesmo que manter

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essa função social tem por função colocar um limite à função tera­
pêutica. Sem o limite da sua função social, a instituição corre o
risco de se transformar em um lugar de alienação, de experimenta­
ção e, sem o limite da sua função terapêutica, ela corre o risco de
ser simplesmente suprimida. Fazer valer a necessidade social de
uma resposta institucional à clínica, uma resposta no social, tem a
vantagem que eu mencionei - de evitar suprimir a instituição ou
hospitalizar indefinidamente os pacientes. A primeira vantagem é
evitar esses dois riscos. A segunda vantagem é a de deslocar o
assento do conflito entre dois discursos a uma questão clínica co­
mum.
Quando o estado crítico da psicose pode permitir a adesão da
transferência a um analista, não é necessário e nem desejável que
o sujeito seja acolhido na instituição. O tratamento da psicose não
exige automaticamente uma estrutura coletiva de resposta. Muitas
vezes, o sujeito se arranja para criar, ele mesmo, uma pequena
instituição em torno dele mesmo, com várias pessoas que inter­
vêm. Assim, quando o tratamento da psicose pode aderir ao ana­
lista, a resposta institucional não é necessária. Mas, a clínica, às
vezes, exige uma estrutura coletiva de resposta. É a clínica que
exige respostas que não podem ser dadas por um só. Trata-se, en­
tão, de saber se a psicanálise pode orientar uma prática que pode
não ser a de um só, nem de um só momento do dia. Isso porque a
agitação, a injúria, a crise epileptiforme, a briga, a interpretação
persecutória de um gesto não esperam a entrevista do dia seguinte
para se produzir. Uma certa maneira de responder e de endereçar­
se ao sujeito, uma certa maneira de intervir ou não, um cálculo da
posição que é preciso ocupar, são exigidos em todos os momentos
da permanência do paciente na instituição, sob pena de tornar-se
isso difícil para os outros ou insuportável para o sujeito. A ques­
tão, então, é saber se nós podemos orientar uma prática que não é
de um só e que não se limita a certos momentos de um dia. O
acolhimento institucional não está limitado no tempo e nem a uma

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só pessoa.
Tomemos o caso do adolescente que tem uma faca e não quer
abandoná-la, mas a equipe teme que ele possa se ferir ou ferir os
outros. É preciso tomar uma posição diante disso e essa tomada de
posição pode ser feita por qualquer um dos membros do coletivo
institucional. É preciso encontrar uma resposta. Então, a resposta,
neste caso, foi a de propor ao adolescente guardar a faca dentro de
uma caixa fechada com chave e que a caixa fosse colocada no
escritório da diretora, que era a única a ter a chave da caixa. Isso é
uma historinha que permitiu ao sujeito separar-se da faca sem perdê­
la e de não continuar a se constituir em perigo para os outros.
Se uma pessoa que mora na instituição vem se queixar que os
outros o agridem, acusando-o de ser um ladrão, ele vem pedir que
todos os que o chamam de ladrão sejam afastados da instituição.
Não se trata de dizer a ele que, de fato, ele entra nos quartos para
pegar cigarros dos outros. Primeiro, é melhor acolhê-lo com o seu
protesto, por exemplo, por uma declaração de ordem geral que
reconheça sua posição, dizendo que as agressões verbais não são
permitidas nessa casa. É uma maneira inicial de acolhê-lo com o
seu protesto. Antes de evocar as outras disposições relativas aos
quartos, não se trata de discutir com ele para dizer-lhe que talvez
os outros tenham razão. Trata-se, sobretudo, de presentificar um
Outro no qual ele tem um lugar, que o acolhe enquanto mestre,
como alguem que tem razão, por uma declaração do tipo geral,
universal, antes de se colocar numa relação dual com ele. São ti­
pos de intervenção que todos os membros do coletivo podem ser
levados a fazer. Não são reservadas a um ou outro ou a algum
momento do dia. É a natureza mesma da clínica, acolhida na insti­
tuição, que exige uma resposta comum, uma resposta da qual cada
um pode ser o vetor.
Se levamos em conta que a motivação de instituição é a clíni­
ca, a questão não é mais entre a psicanálise e a instituição, mas da
relação entre a clínica e a instituição e, no centro dessa clínica, a

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clínica da psicose. Ou, como dizia Lacan no fechamento das Jor­


nadas sobre as Psicoses das Crianças, a questão de uma instituição
que esteja realmente em relação com a psicose. A primeira trans­
formação da questão não é a psicanálise e a instituição, mas clíni­
ca e instituição e a segunda transformação da questão, não é psi­
canálise e instituição, mas a questão da psicose e da psicanálise,
que dá valor a um segundo tempo do ensino de Lacan.
Passo a uma segunda parte. Podemos dizer que o primeiro
tempo do ensino de Lacan consistia em considerar a psicose prin­
cipalmente e essencialmente em termos de déficit. Partia da neu­
rose e aplicava às psicoses a psicanálise elaborada a partir do tra­
tamento dos neuróticos. Enquanto que um segundo momento do
ensino de Lacan consiste antes em aplicar a psicose à psicanálise,
impondo uma reviravolta conceitual, modificações teóricas e
consequências práticas, passando então, da aplicação da psicaná­
lise à psicose à aplicação da psicose à psicanálise. Nós passamos
de urn.Aclínica que importava, para o dispositivo institucional, a
prática da psicanálise como praticada na cura dos neuróticos, seja
para praticá-la só, seja para aplicar as categorias da cura dos neu­
róticos à instituição. Então, passamos de uma aproximação tera­
pêutica a uma aproximação que eu diria ser mais didática para
nós. É a psicose que nos ensina sobre a estrutura e que nos ensina
sobre as soluções que ela mesma encontra para fazer face a uma
falta central do próprio simbólico. É na escola da psicose que nós
nos colocamos para aprender como praticar.
Colocar-nos numa posição de aprendizagem em relação à clí­
nica, posição de aprendizagem na qual nos coloca a psicose, mas
também o segundo tempo do ensino de Lacan, o segundo tempo
relativo à teoria das psicoses, tem uma primeira consequência so­
bre a estrutura da própria equipe, porque ela leva a uma
desierarquização do saber prévio. Diante de tudo que temos para
aprender, o saber constituído, os títulos, os diplomas, tudo isso vai
ser fortemente relativizado nessa posição de pesquisa, de estudo,

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de questionamento. Essa posição tem a imensa vantagem de con­


tribuir para dissipar os efeitos imaginários que comporta toda hie­
rarquia do saber, em proveito de uma comunidade de trabalho en­
tre praticantes, trabalhadores, alunos da clínica. Estar entre traba­
lhadores, em uma posição não hierárquica em relação ao saber,
repercute-se em uma divisão de uma mesma responsabilidade. A
libido da equipe investe-se em colocar hipóteses em comum e dis­
cuti-las quanto à estratégia a adotar, em relação à análise do que
teve algum efeito antes, em vez de investir em questões de prerro­
gativas.
Em segundo lugar, que é o mais importante, este ,esvazia­
mento de saber prévio redobra a dispersão natural do sujeito su­
posto saber, a dispersão do suposto saber que está implicada num
trabalho feito por muitos. Então, o fato de estar trabalhando com
muitos já dispersa o sujeito suposto saber e essa dispersão é redo­
brada pelo fato de que estamos numa posição de aprendizagem.
Essa posição de um sujeito suposto não saber é uma posição favo­
rável para encontrar um sujeito que sabe o que acontece com ele,
que é ele mesmo a significação do que lhe é endereçado enigmati­
camente. É uma posição favorável para encontrar esse sujeito, sem
alimentar uma posição intrusiva, persecutória de transferência.
Então, a inclusão da clínica nos fundamentos da instituição,
e sua repercussão sobre a estrutura da equipe comporta, desde j á,
uma condição de tratamento que é adequada à posição subjetiva
que ela acolhe. Ela nos permite saber não saber de uma boa ma­
neira no acolhimento dos sujeitos e é por isso que ela tem uma
virtude de apaziguamento para o sujeito neurótico. Mas, quando
se trata das psicoses, essa significação do saber se liga à existência
mesma do sujeito, porque na psicose o saber não é suposto, mas
realizado pelo próprio sujeito, que é a referência, o gozo desse
saber. É por isso que quando o Outro se apresenta como o Outro
do saber, ele pode ser encontrado sob uma forma erotomaníaca ou
persecutória. Enquanto que a posição do sujeito suposto não saber

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deixa principalmente ao sujeito a iniciativa de saber.


Um jovem tem uma verdadeira paixão pelo Pink Floyd, que
vem provavelmente do seu pai. Ele grava todos os discos, ele imi­
ta os gestos do baterista, mas desenvolve também, em torno de
tudo isso, uma interpretação delirante e uma grande agitação. De­
vemos encoraja-lo nessa via aumentando, por exemplo, as ocasi­
ões em que ele pode escutar essa música, participar de concertos,
enquanto que quando lhe colocamos a questão: "você vai mexer
com música mais tarde, por exemplo, profissionalmente?" ele res­
ponde: "é preciso que eu faça meu negócio de ônibus, de carro."
Quem sabe se nessa história devemos encorajar a interpretação
delirante ou levar em conta o que ele diz a propósito desses ôni­
bus? Ficamos sabendo, com efeito, que ele conhece toda a carto­
grafia da região, as distâncias em quilômetros, as estradas. É ele
que organiza os itinerários das excursões. É uma via menos se­
mântica na relação com a linguagem, do que a via das interpreta­
ções e de todo o discurso que ele pode ter sobre Pink Floyd. Como
acompanhá-lo? Como orientar nosso acompanhamento? Eis aí um
tipo de problema que pode animar um trabalho em comum de uma
equipe, mas cuja orientação vai ser diferente segundo o ponto de
gravidade do saber, isto é, seja ele colocado do lado do sujeito ou
do lado do técnico. Se nós consideramos que há algo para desen­
volver do lado da apresentação, é porque nós pensamos nas suas
relações com seu pai. Nós mesmos é que desenvolvemos toda
uma explicação e uma interpretação, enquanto que o sujeito, quando
nós lhe colocamos a questão, vem nos falar de todas estas históri­
as de geografia. Se colocamos a ênfase sobre o saber da equipe,
podemos ser tentados a encorajar a primeira via, a da música. Se,
ao contrário, deixamos ao sujeito a chance de inventar esse seu
próprio trajeto, mesmo se isso parece ter pouco sentido para nós,
talvez essa segunda via seja mais conforme com o tratamento da
psicose, inerente à própria psicose.
A primeira condição deste acolhimento institucional da psi-

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cose é o esvaziamento de saber, que deriva do fato de colocar a


clínica em posição de mestre. E a segunda condição ligada a esta
consiste num certo esvaziamento do querer ou do poder. O acolhi­
mento feito por muitos da clínica é também o acolhimento de vá­
rias pessoas. Nós não somos somente muitos como técnicos, mas
há também muitos sujeitos acolhidos. Há o problema que nós vi­
mos hoje na discussão de casos que é o problema da coabitação
dos sujeitos que vivem em comum. A necessidade de uma certa
regulação desta comunidade. Isso coloca o problema da regra e da
lei. Da mesma forma que ao nível do saber nós operamos o esva­
ziamento, como operar o esvaziamento ao nível do querer, como
presentificar para o sujeito um Outro que não sej a a encarnação do
querer do Outro?
Um dos grandes problemas de supervisão na instituição é o
problema da coabitação dos sujeitos que residem aí, o problema
da violência, os roubos, os insultos, as injúrias. O sujeito não está
somente diante dos técnicos, mas também diante dos outros paci­
entes. A nossa posição deve ser de representantes da lei? Em um
certo sentido sim, porque somos responsáveis por esses sujeitos,
não temos apenas uma relação individual com cada um deles. De­
vemos também garantir a coexistência de todos. A manobra con­
siste em não presentificar a vontade do Outro, mas em presentificar
um Outro que é ele mesmo submetido a uma lei. Não devemos
ficar numa posição paterna ao considerar que nós introduzimos a
dimensão da lei, mas nos mostramos nós mesmos enquanto sub­
metidos à lei. É por isso que trata-se de formular as coisas de tal
maneira que ela nos implique também.
Para dar um exemplo simples e banal, quando as injúrias ar­
riscam produzir agressividade no outro, antes de dizer você não
pode injuriar o outro devemos formular algo que fala da regra se­
.
gundo a qual as injúrias não são permitidas na casa, nem para os
residentes na casa nem para os membros da equipe. Um residente
nos dá uma idéia disso ele mesmo, quando nos diz como ele res-

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ponde a uma acusação que lhe fazem outros residentes do lugar: a


acusação sobretudo das mulheres, que o acusam de andar nu. Ele
responde: "são as enfermeiras que querem me ver todo nu". O
estilo de resposta que nós temos que ter nesse momento não é de
proibir-lhe de andar nu, mas como ele próprio nos sugere: "nin­
guém tem o direito de obrigá-lo a andar nu", que é então, de algu­
ma maneira, uma forma de colocar o assento sobre o Outro que
quer algo dele e em relação ao qual nós nos colocamos do seu
lado. "O Outro não tem o direito de obrigar você a andar nu". Não
somos nós que o proibimos de andar nu, mas nós nos colocamos
do lado dele para colocar uma barra sobre o Outro. "Você pode até
vestir uma calça, é melhor".
A regra que rege a vida coletiva é uma regra que se aplica
inicialmente ao Outro. Um pouco da mesma maneira que os cole­
gas que trabalham com crianças psicóticas podem, ocasionalmen­
te, endereçar-se ao Outro para repreendê-lo porque ele está chate­
ando o sujeito ou porque ele o obriga a fazer alguma coisa. A um
menino chamado Dimítrio que dizia que não conseguia trabalhar,
perguntamos: "Alguém te impede de trabalhar?" - "Sim". O téc­
nico diz: "mostre-me esse chato". E a criança indica uma manchi­
nha no chão. Então, o técnico começa a brigar com esse pontinho
no chão.
Quando uma criança tem grande dificuldade para se separar
da sua mãe ou da professora, é sobre esse Outro, que é a mãe ou a
professora, que deve se efetuar a operação de regulação, e não
sobre a criança. É o Outro que devemos regular, limitar. Então,
por exemplo, uma criança que queria ir para a piscina, mas não
conseguia se separar da professora. O técnico fala a um colega:
"Jean François, é preciso que Danielle deixe a criança ir para a
piscina". Então, Jean François diz à colega: "perfeitamente, deixe
Lulu tranq u i l a agora" . O que permite que a cri ança v á
tranquilamente dizendo à professora: "até logo!" É u m pequeno
exemplo da prática com as crianças.

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As coisas são mais complicadas quando estamos diante de


pacientes adultos, quando se trata de agressões, roubos, injúrias.
O importante nesses casos é considerar que nós não estamos lá
para fazer respeitar a lei, mas para presentificar um Outro que res­
peita a lei e está, ele mesmo, submetido à lei; que contribui para
criar um esvaziamento do querer do Outro. Não personificamos
um Outro que quer, mas um Outro do querer que é submetido à
lei; que tem a vantagem de confrontar o sujeito não a um Outro
que quer alguma coisa, mas a um Outro que está do seu lado, em
relação a um Outro que não é regulado. Nós nos colocamos do
lado do sujeito enquanto ele mesmo é defensor da ordem e aqui
trata-se de evitar dois problemas. O problema da regra pela pró­
pria regra, que deve ser mantida a todo preço, sem exceção, isso é
um primeiro risco. O outro risco é o da regra terapêutica, regra que
é aplicada ou não segundo o estado de saúde do sujeito, regra que
decide se o sujeito é ou não responsável. Nós constatamos que o
fato de considerá-lo sempre como responsável, nunca tem efeitos
nefastos sobre ele. Enquanto que considerar que às vezes ele não é
responsável, pode ter efeitos de desencadeamento. E quando nos
colocamos do seu lado, para protegê-lo, digamos, do gozo do Ou­
tro, nós o consideramos, no entanto, como responsável. O fato de
adotarmos uma posição de esvaziamento do querer conceme, es­
sencialmente, o Outro e não o sujeito. O sujeito permanece res­
ponsável.
Eu tentei mostrar como uma certa maneira de colocar o pro­
blema comporta já condições favoráveis ao tratamento. Podemos
considerar que o que eu desenvolvi é, essencialmente, uma teoria
da equipe. Eu coloquei a ênfase, sobretudo, sobre a comunidade
dos técnicos. Uma prática feita por muitos tem por efeito, inicial­
mente, tratar os efeitos imaginários próprios a todo coletivo. Cons­
tituir uma comunidade de trabalho fundada na clínica não é sim­
plesmente uma teoria da equipe, mas realiza condições propícias
ao acompanhamento do sujeito que ela acolhe. É uma teoria da

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equipe, de como vão se colocar a trabalho, mas considera que há


uma incidência sobre o tratamento, enquanto ela presentifíca o
Outro, cujo saber e o poder são esvaziados. Inscrever-se nessa prá­
tica feita por muitos pode ser para o analista uma ocasião mais
eficaz de transmissão da operação freudiana na clínica do que se
ele passar seu tempo reivindicando sua especialidade. O desejo do
analista não está limitado ao tratamento, à cura analítica. O desejo
do analista é também um dever em relação à própria psicanálise. É
por isso que eu penso que a questão psicanálise e instituição é
menos a questão da prática do analista, do que a questão da trans­
missão da psicanálise. Espero ter-lhes dado algumas indicações
para o debate do qual vocês vão participar agora. Obrigado

Discussão:

Cezar Rodrigues Campos: Essa posição de debatedor com­


porta várias questões. Eu vou escolher iniciar o debate com uma
ou duas questões. Primeiro eu queria ressaltar a importância des­
sas conferências para as nossas práticas no serviço público, dizen­
do que concordo com essa terceira via e a questão da função social
e da função clínica da instituição.
No nosso meio, a função social das instituições, historica­
mente, funcionou como impossibilitadora da clínica, dessa clínica
que Zenoni está propondo e que nós estamos experimentando na
cidade de Belo Horizonte, há alguns anos. A função social de aco­
lhimento, de suporte para a clínica em situações críticas e insupor­
táveis para o sujeito, no nosso entender, dentro da nossa história,
da nossa cidade, do nosso país, não ocorre espontaneamente e nem
por ação de uma filtragem; produzindo o discurso analítico, pro­
duzindo um tipo de instituição. Nós tivemos que fazer uma
desconstrução desse tipo de instituição, não para suprimí-la, por­
que nós sabemos e concordamos que ela, nesses momentos críti-

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cos, insuportáveis para os sujeitos, é a única opção. A instituição


tem uma função social. Nós não tentamos e nem advogamos isso,
a supressão da instituição. Nós estamos trabalhando para suprimir
uma instituição com uma determinada lógica que não permite a
realização dessa clínica. O nosso trabalho tem sido a desmontagem
dessa instituição prescrita pela nossa formação social, que tem se
revelado muito mais discriminadora e produtora de exclusão do
que de efeitos clínicos. Nós temos trabalhado no sentido de des­
montar essas instituições e construir exatamente uma instituição
que cumpra essa função social de abrigamento, de acolhimento e
de suporte para essas situações críticas do sujeito num momento
que ele não suporta. Esse tem sido o nosso trabalho. No nosso
país, no nosso estadb, na nossa cidade, a gente tem feito isso e tem
tentado construir uma rede de serviços no campo da saúde mental
na cidade de Belo Horizonte, cujos dispositivos cumpram deter­
minadas funções nos diversos momentos da clínica, principalmente
na clínica da psicose, mas também na clínica das outras demandas
que aparecem no campo da saúde mental. A pergunta que eu faço
é como isso ocorreu numa Bélgica, se o senhor se refere à constru­
ção desse tipo de clínica na cidade da Bélgica, ou num setor, ou
num serviço e o que o senhor acha da possibilidade de nós fazer­
mos isso. Essa é uma primeira pergunta.
A segunda pergunta é, eu concordo plenamente com essa
posição nossa de alunos da psicose. Acho que a psicose é total­
mente inesperada, não existe um saber que recobre a psicose. Ela
está permanentemente a nos ensinar coisas. A pergunta vem a res­
peito do coletivo. Fico surpreso, de uma forma satisfatória, com
e s s a abordagem do coletivo, da equipe, a questão da
desierarquização, a retirada da hierarquia do saber prévio. Isso é
importantíssimo, é isso que temos feito como estratégia para que
possamos construir um tipo de clínica. Isso é indispensável, essa
estratégia do acolhimento. Eu acho que realmente é o caminho
para se começar a construir qualquer caso clínico. Eu queria per-

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Psicanálise e Instituição - A Segunda Clínica de Lacan

guntar o seguinte: eu entendi que na instituição, no trabalho cole­


tivo, a equipe vai estar numa posição em que vai operar na disper­
são do sujeito suposto saber à enésima potência. Como é que fica
a questão da escuta individual? Ela é indispensável ou ela existe
para marcar uma posição para continuar posteriormente, mesmo
que ela não tenha um efeito? Se o enfoque é dado na abordagem
de cada membro da equipe, como fica essa questão da abordagem
individual, ela deve existir ou ela é dispensada nesse momento
para ser retomada em outro momento? Deve existir para marcar
esse lugar, essa função, para dar um certa articulação às diversas
ações que acontecem? Enfim, como fica essa questão da referên­
cia individual, da referência da escuta individual? São essas duas
questões que eu queria colocar para o professor para iniciar o de­
bate. Obrigado.

Alfredo Zenoni: A primeira questão é sobre a maneira como


essas mudanças foram feitas na Bélgica. Existe uma tradição que
remonta aos anos 50. Primeiro, a criação de setores psiquiátricos e
nos anos sessenta começou-se a criar, sobretudo na capital, estru­
turas residenciais extra-hospitalares, comunidades de vinte a vinte
e cinco residentes (moradores); mais tarde, apartamentos supervi­
sionados, uma situação relativamente privilegiada. Mesmo na Fran­
ça não há um equivalente disso. Na França, sobretudo, foram de­
senvolvidos os setores. As estruturas residenciais custam mais, mas
eu creio que elas são indispensáveis para conciliar as duas fun­
ções, a função social da instituição e a função do tratamento. O
risco da instituição clássica que provocou sua desconstrução e
destruição na Itália é a dessocialização, a segregação, onde os pa­
cientes terminam sendo habitantes de uma estrutura à parte. Me
parece que o que não foi feito na Itália, por razões ideológicas,
ideológicas no que conceme à doença mental, foi levar em conta a
função social da instituição. Eles somente consideraram a função
terapêutica e eles constataram que ela não era terapêutica. Eles

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Alfredo Zenoni

fecharam os hospitais sem perceber que havia uma outra função


que não era encampada por uma outra estrutura residencial. Eu
creio que quando criticaram a instituição psiquiátrica como um
lugar de alienação e até de tortura não se viu que isso era devido à
identidade grande demais da função terapêutica com a instituição.
Quando vemos a instituição na sua função terapêutica unicamen­
te, há dois riscos: primeiro suprimi-Ia porque ela não é terapêuti­
ca, porque os psicóticos continuam a ser psicóticos. Então, supri­
mimos a instituição, colocamos os pacientes fora e supomos que
eles não vão mais ser alienados. Esse é o primeiro risco, que é a
supressão da instituição. O segundo risco é manter o sujeito o tempo
todo na instituição porque ele não se cura. Nós tomamos apenas o
ponto de vista da cura. Ou a suprimimos, ou a mantemos indefini­
damente. Por isso eu coloquei a ênfase na função social, não para
eliminar a função terapêutica, mas para separá-Ias. A instituição
pode ter uma função social, mesmo que ela não cure e, mesmo se
distinguimos as duas funções, nós podemos garantir a função tera­
pêutica. É preciso distinguir a dimensão do sujeito e a dimensão
do cidadão, do indivíduo, que tem direito a assistência e ajuda. A
dimensão do sujeito é a dimensão da implicação, da liberdade, da
responsabilidade. Os cuidados não são recusados a um indivíduo,
mesmo que o sujeito não se implique. São dois planos diferentes e
quando distinguimos os dois planos, guardamos a chance do pla­
no do sujeito. Se oferecemos a assistência e o acolhimento em
troca de psicoterapia e o sujeito aceita o tratamento, será um trata­
mento pró-forma, um tratamento no qual o sujeito não se implica.
É preciso que o sujeito tenha a assistência à qual ele tem direito,
com a liberdade de recusar o tratamento. É somente essa liberdade
que garante essa possibilidade. É como quando, por exemplo, só
libera-se um sujeito da prisão se ele fizer uma psicoterapia. É muito
ambíguo. Isso compromete a possibilidade do sujeito se engaj ar.
É importante distinguir a dimensão social e a dimensão terapêuti­
ca. Essa distinção só é possível se colocamos, no ponto de partida,

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Psicanálise e Instituição - A Segunda Clínica de Lacan

a clínica. A causa pela qual os sujeitos estão na instituição, antes


do quê, para quê, com vistas a quê eles estão na instituição. As
estruturas residenciais abertas criadas na Bélgica permitem isso.
O sujeito pode ser acolhido sem ser obrigado a fazer um tratamen­
to. Esse tratamento é deixado como uma opção para o sujeito. Mas
essa liberdade dada ao sujeito j á tem efeitos terapêuticos.
A segunda questão é sobre a escuta individual. A dimensão
da comunidade de trabalho assegura as condições necessárias para
o tratamento. Mas as condições necessárias não são as condições
suficientes. A dimensão coletiva é sobretudo sensível na prática
com as crianças. Com as crianças é preciso estar sempre presente,
é preciso ser inter-cambiável e não se pode ficar sozinho com uma
comunidade de crianças. Mesmo com os adultos, a estrutura da
comunidade de trabalho é necessária em uma instituição, mas não
suficiente. Este é um aspecto que eu não desenvolvi hoje, aquele
da escolha individual, que, segundo as instituições, se faz de ma­
neira diferente. Em algumas instituições, é o paciente que escolhe
o interlocutor e, em outras, é a equipe que designa o interlocutor.
Na instituição em que eu trabalho, nós deixamos o paciente esco­
lher o seu interlocutor na comunidade. É uma escolha que pode,
aliás, ser plural. Ele pode escolher um membro da equipe como
referência.
Outra questão é: todos tem formação analítica? Não obriga­
toriamente. É pela transferência de trabalho que livremente os di­
ferentes membros da equipe se tomam alunos da clínica, estudio­
sos da clínica e num terceiro tempo, podem entrar em análise. Mas
não é obrigatório. O essencial é que haj a responsabilidade de cada
um no acolhimento da clínica e na elaboração de uma estratégia.
Acontece também que sujeitos se enderecem a algum técnico que
está em formação analítica.

Pergunta inaudível

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Alfredo Zenoni

Alfredo Zenoni: Trabalhamos em uma associação que se cha­


ma A Equipe. Há cinco estruturas: duas residenciais e três de hos­
pital-dia. Eu sou o terapeuta responsável de uma das estruturas
residenciais que se chama Le Foyer. Mas em Bruxelas há cinco
comunidades terapêuticas. É excepcional, mesmo na Europa. Na
Holanda há também muitas estruturas residenciais.

Elisa Alvarenga: É preciso lembrar que em Bruxelas há um


milhão de habitantes.

Pergunta inaudível

Alfredo Zenoni: Eu dizia que o tratamento da psicose não


exige, necessariamente, uma instituição, corno prova o fato de que
muitos psicóticos vêm me ver no consultório. Falando com cole­
gas, vemos que há cada vez mais psicóticos que vem ao consultó­
rio do analista. No entanto, eu dizia que sujeitos que vêm para um
tratamento com um analista, se arranjam para que isso tome a for­
ma de uma instituição invisível, muitas vezes. Por exemplo, eles
introduzem um segundo analista, um psiquiatra, uma assistente
social, um médico, o administrador dos bens, etc. Eu faço com
que todas essas pessoas terminem por constituir uma rede. O mí­
nimo é um analista, um psiquiatra e um assistente social. Mas, de
fato, vemos que há uma certa pluralização do endereçamento do
sujeito, mas não necessariamente.

Pergunta inaudível

Alfredo Zenoni : A estrutura residencial é uma estrutura fora


do hospital e os pacientes vêm livremente. O princípio de receber
sob a base da demanda deles, e eles têm que demandar várias ve­
zes, já cria uma seleção. Há sujeitos que não querem voltar, que
preferem voltar para a casa da mãe e há sujeitos que prefhem

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Psicanálise e Instituição - A Segunda Clínica de Lacan

permanecer no hospital , porque a estrutura residencial tem movi­


mento demais. Metade dos sujeitos que fazem contato não vêm de
fato. Então, o fato de deixar a iniciativa para o sujeito, faz com que
uma grande parte dos sujeitos acabem não vindo. Isso já, de uma
certa forma, seleciona os sujeitos que vão ficar. Isso é o mais com­
plicado porque, uma vez que eles passam os limites da entrada,
eles ficam bem numa estrutura livre, comunitária. O problema é a
saída deles. Nós estabelecemos um limite absoluto de dois anos. A
metade do tempo desses dois anos é para preparar alguma coisa
para depois, apartamentos, aloj amentos, etc. Às vezes eles se or­
ganizam a dois ou a três para alugar uma casa ou um apartamento,
mas há uns 20% talvez que não conseguem sair e acabam voltan­
do ao hospital.

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Alfredo Zenoni

A Clínica Da Psicose: O Trabalho Feito Por Muitos

Na conferência de ontem à noite eu evoquei uma reviravolta


na teoria das psicoses em Lacan, a mudança que consistia em in­
verter a aplicação da psicanálise à psicose, mudando para a aplica­
ção da psicose à psicanálise. É uma mudança teórica e clínica ra­
dical, a partir do momento que Lacan considera o fato de que
existam posições subjetivas que podem dispensar o Nome do Pai.
Isso implica que o Nome do Pai não estej a automaticamente ins­
crito no significante, que a estrutura do Outro pode ser concebida
sem o Nome do Pai.
A partir dessa nova concepção, o estatuto da psicose muda.
Enquanto que, num primeiro tempo do ensino de Lacan, a psicose
era concebida como uma falta de neurose, no segundo tempo do
ensino de Lacan, a neurose, ela mesma, aparece como uma estru­
tura artificial, ao mesmo título que a psicose, em relação a uma
falta no simbólico, nele mesmo, no próprio simbólico. Nós passa­
mos de uma perspectiva em que a neurose e a psicose eram estrita­
mente opostas, a uma perspectiva que as coloca um pouco mais
em continuidade em relação a alguma coisa. Um ponto na estrutu-

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