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HAZRAT INAYAT KHAN

A MENSAGEM
SUFI-III

A Formação do Caráter
A Arte da Personalidade
Purificação Mental
UNIVERSALISMO
Sumário

O Mensageiro

Que é um Sufi

O Emblema Sufi

O Objetivo do Movimento Sufi

A Tradição do Sufismo

Mensagem Sufi

Máximas Sufis

Característicos do Sufi

Pensamentos do Sufi

Prefácio

CAPÍTULO 1 – FORMAÇÃO DO CARÁTER

I – O Poder da Vontade. O Verdadeiro Eu e o Falso Eu

II – Como Encarar o Mundo. A Vida é uma Sinfonia

III – Autocontrole

IV – Relacionamento com o Próximo

V – Sutileza

VI – Pessimismo – Otimismo

VII – Inquietação. Discrição. Tranquilidade

VIII – Curiosidade

IX – Maledicência

X – Generosidade

CAPÍTULO 2 – A ARTE DA PERSONALIDADE


I – Dançar na Corte de Indra

II – Gratidão

III – Impulsividade. Delicadeza

IV – Persuasão

V – Vaidade

VI – Dignidade

VII – A Palavra

VIII – Economia Espiritual

IX – Justiça

X – Refinamento Interior

XI – Harmonia e Largueza de Vistas

CAPÍTULO 3 – A PURIFICAÇÃO MENTAL

I – A Purificação Mental

II – A Mente Pura

III – Desaprender

IV – Distinção entre o Sutil e o Grosseiro

V – Maestria ou Arte do Aperfeiçoamento

VI – O Controle do Corpo

VII – O Controle da Mente

VIII – A Força do Pensamento

IX – Concentração

X – Vontade

XI – Relax Místico (1)

XII – Relax Místico (2)

XIII – Magnetismo

XIV – O Poder Interior

XV – O Segredo da Respiração
XVI – O Mistério do Sono

XVII – O Silêncio

XVIII – Sonhos e Revelações

XIX – Introspecção ou Visão Interior (1)

XX – Introspecção ou Visão Interior (2)

XXI – A Expansão da Consciência


O Mensageiro

Pir-O-Murshid Inayat Khan, o iniciador do Movimento Sufi, e fundador da


respectiva Ordem, nasceu em Baroda, Índia do Sul, a 5 de julho de 1882. Suas
qualidades excepcionais, talentos artísticos e atitudes espirituais eram evidentes
desde os primeiros anos de sua mocidade. Seus poemas são inspirados e tocam
ao sublime. Músico, tornou-se famoso em toda a Índia, tanto como compositor
quanto como cantor, e foi honrado pelos potentados com títulos, jóias e dinheiro.
Estudou música, poesia, filosofia, religião comparada e misticismo com os
maiores mestres da sua terra, e então, sentindo comandá-lo, no seu íntimo, a
força impulsiva do Divino, correspondeu à exortação do seu Senhor, “Na verdade
tu és abençoado por Allah, o mais Misericordioso e Compassivo Deus; segue
meu Filho, junta o Oriente com o Ocidente, dá ao mundo a Divina Mensagem de
Amor, Harmonia e Beleza”.

Pir-O-Murshid Inayat Khan, alma verdadeiramente iluminada e mística, deixou a


sua terra natal em 1910, e viajou pela Europa e Estados Unidos da América,
recebendo constantemente a Divina Inspiração e Revelação, que ele
interpretava em linguagem humana e ofertava ao mundo. Os seus ensinamentos
incorporam a riqueza do saber que tem sido entesourado no Oriente durante
séculos, satisfazem a fome espiritual de toda alma e formam um treino seguro e
sistemático a respeito do desenvolvimento da consciência no rumo dessa
compreensão da Presença de Deus, que é a meta da humanidade.

Pir-O-Murshid Inayat Khan fundou e organizou o Movimento Sufi e deu-lhe


completa intuição em todos os seus cinco ramos de atividade. Depois,
conhecendo que a sua Missão tinha sido cumprida, obedeceu ao Chamado de
Retorno e voltou para a Índia, no fim de 1926.

Depois de fazer uma série de conferências na Universidade de Delhi, capital da


Índia Inglesa, e de ser reconhecido pelo Chefe dos Sufis na Índia, Shaikh Nizami
como seu Mestre, de todos os Sufis, conheceu que a tarefa da sua vida estava
completa. Mais tarde, como predissera, passou alguns dias no estado de êxtase,
conhecido como Samadhi e finalmente deixou o seu corpo físico a 5 de fevereiro
de 1927. Seus restos mortais jazem numa tumba entre dois Santos Sufis, em
Delhi.
Que é um Sufi?

Que é um Sufi? – É aquele que não se separa dos outros pela opinião ou dogma
e que compreende que o coração é o Sacrário de Deus.

Que deseja ele? – Remover o falso eu e descobrir dentro dele Deus.

Que ensina ele? – Felicidade.

Que procura ele? – Iluminação.

Que enxerga ele? – Harmonia.

Que outorga ele? – Amor a todas as coisas criadas.

Que obtém ele? – Uma força maior do amor.

Que perde ele? – O egoísmo.

Que acha ele? – Deus.


O Emblema Sufi

O Emblema do Movimento Sufi – um coração alado – simboliza os seus ideais.


O coração é tomado em ambos os sentidos, o celeste e o terreno. Como o centro
do ser de uma pessoa, é um receptáculo na terra, do Espírito Divino, e se eleva
ao Reino do Céu quando corresponde ao Espírito de Deus, que eternamente
procura guiar a humanidade. A elevação do coração é indicada pelas asas
abertas, e estas representam, respectivamente, desprendimento e
independência; desprendimento dos gozos mundanos e da arbitrária opinião, e
independência na consciência do Amor, da Sabedoria e do Poder de Deus.

O Crescente no coração simboliza correspondência; é o coração


correspondendo ao Espírito de Deus, que se levanta. O Crescente é o símbolo
da correspondência, porque vai ficando mais cheio, correspondendo mais e mais
ao sol. A luz, que se vê na lua crescente, é a luz do sol, e, aumentando
correspondentemente, se torna ela cheia da luz do sol. Semelhantemente, a
alma nobilitada sempre se torna uma expressão mais plena das qualidades
divinas.

A Estrela no centro do Coração representa a centelha Divina, que se reflete no


coração humano com amor, e, pela virtude do sopro Divino, pode ser soprada
até que se levante uma chama para iluminar o caminho da vida de uma pessoa.
O Objetivo do Movimento Sufi

O objetivo do Movimento Sufi é trabalhar em prol da unidade. Seu objetivo


principal é atrair a humanidade, hoje dividida em tantos setores diferentes, para
que os homens se aproximem cada vez mais e compreendam mais
profundamente a vida. É uma preparação para um serviço de âmbito mundial,
usando três caminhos principais: um dos caminhos é a compreensão filosófica
da vida, outro é estabelecer uma fraternidade entre raças, nações e crenças, e
o terceiro caminho é satisfazer a mais premente necessidade do mundo, a
religião para os dias atuais. Sua finalidade é dar à humanidade aquela religião
natural, que sempre foi a religião dela: respeitar todas as crenças, todas as
escrituras e todos os mestres. A Mensagem Sufi é um eco da eterna mensagem
divina, que sempre foi transmitida e sempre será dada ao mundo para iluminar
a humanidade. Não é uma nova religião, é a mesma mensagem dada à
humanidade. É a continuação da mesma religião antiga, que sempre existiu e
sempre existirá, uma religião que pertence a todos os mestres e a todas as
escrituras. É a continuação de todas as grandes religiões que existiram no
mundo em épocas diferentes e é uma unificação de todas elas, o que constitui e
constituiu sempre o desejo de todos os profetas.

O Movimento Sufi é composto de pessoas que possuem o mesmo ideal de servir


a Deus e à humanidade, ideal esse que impele os Sufis a devotar uma parte, ou
a vida inteira, ao serviço da humanidade, levando-a ao caminho da Verdade. O
Movimento Sufi é formado de grupos, cujos membros pertencem a todas as
religiões e, portanto, professam religiões diferentes. Todos são benvindos ao
Movimento Sufi, quer sejam Cristãos, Budistas, Parsis, Muçulmanos, etc. Não se
indaga sobre a fé ou crença de ninguém. Cada um pode continuar a frequentar
a sua igreja, a ter sua religião ou credo. Não se obriga ninguém a acreditar em
um credo ou dogma em particular. Há liberdade de pensamento. É dada uma
orientação pessoal para trilhar o caminho, quer sobre os problemas da vida
exterior, quer sobre os problemas da vida interior.

Os que fazem parte da escola esotérica do Movimento Sufi recebem, além da


orientação pessoal, ensinamentos que são transmitidos somente àqueles que
estão preparados para recebê-los. Há sutilezas de idéias, de idéias espirituais,
morais ou filosóficas, que não podem ser transmitidas imediatamente a qualquer
pessoa, mas que são transmitidas gradativamente àqueles que se mostram
suficientemente compenetrados para enveredar no caminho da Verdade.
Entretanto, todos aqueles que desejarem pesquisar a Verdade devem se lembrar
de uma coisa: o primeiro passo no caminho da Verdade é ser verdadeiro para
consigo mesmo.

O culto do Movimento Sufi é chamado “Adoração Universal”, porque nesse culto


são reverenciados todos os cultos: do Cristão, do Muçulmano, do Hebreu, do
Zoroastriano, do Budista, do Hindu. Assim, pois, quem quer a bênção de Jesus
Cristo receberá essa bênção do altar, os que procuram a bênção de Moisés
receberão a sua bênção, os que desejam a bênção de Buda também a recebem
de Buda, e assim sucessivamente, mas aqueles que procuram a bênção de
todos os grandes Profetas que vieram ao mundo em épocas diferentes, esses
recebem uma bênção global, a bênção de todos os Profetas.

O Movimento Sufi não interfere no ideal de ninguém nem na devoção que cada
um tem ao seu Mestre. Seria isso um absurdo tão grande como se pensássemos
que uma criança pode amar mais a mãe de uma outra criança do que a sua
própria mãe. Tem alguém o direito de comparar e colocar em determinado lugar
os grandes Mestres ou as Escrituras? Ninguém. Onde podemos colocar o nosso
ideal é na devoção de nosso coração ao ideal que adoramos e isso é assunto
que só a nós diz respeito. Ninguém pode interferir.

Certa vez algumas meninas brincavam e diziam: “Minha mãe é a melhor das
mães”, ao que outras retrucavam: “Não, a minha mãe é a melhor”. Todas
apresentavam argumentos, mas uma delas, que tinha mais sabedoria do que as
outras, disse: “Não é nada disso, o que é adorável é a mãe, seja ela a sua mãe
ou a minha mãe”.

Interfere o Movimento Sufi na devoção das pessoas aos seus Mestres? Nunca,
mas convida as almas a ver que a fonte e a meta de todas as sabedorias é uma
só, e que todas as bênçãos que as almas almejam vêm da mesma fonte, pois a
verdade é que existe uma só e única fonte.

Na “Adoração Universal” os Sufis colocam no altar as Escrituras de todas as


religiões enumeradas acima e colocam também velas representando essas
religiões. As diversas velas acesas significam nossa adesão aos diferentes
Mestres, religiões e escrituras, que ensinaram que existe somente uma luz,
embora existam muitas lâmpadas. Não são as lâmpadas que devem entrar
primeiramente na mente e sim a luz. É essa luz que deve ser levada em primeiro
lugar ao coração.

Jesus Cristo trouxe ao mundo o ensinamento da religião da unidade. Os


ensinamentos de Moisés e os esforços de Maomé tiveram o mesmo objetivo.
Tudo que Buda ensinou, o que Krishna pregou, pode ser resumido no seguinte:
existe uma só luz, que é a luz divina, e a direção apontada por essa luz é o
caminho que deve ser trilhado pela humanidade.
Embora o ideal Sufi seja expresso de muitas maneiras, os Sufis adoram também
o ideal do “sem forma”. A forma serve para ajudar os que precisam ver a forma,
pois nossa educação é baseada realmente em nomes e formas. Se não
existissem nomes e formas, não teríamos aprendido a conhecer as coisas, mas
a finalidade da forma é apenas uma questão do que está atrás da forma. É
sempre a mesma e única verdade que existe atrás de todas as religiões.
Portanto, o cerimonial do culto Sufi não deixa também de ser um ensinamento,
mas todo Sufi é livre de usar ou não usar uma forma. Um Sufi não fica limitado
a forma alguma. As formas são usadas pelo Sufi, mas as formas não o
aprisionam.

No Movimento Sufi não existe sacerdócio no sentido comum da palavra. O


sacerdócio é apenas para o cerimonial e para preencher as funções que um
sacerdote sempre exerce na vida cotidiana. Os que recebem as ordens no
Movimento Sufi são chamados “Sirajs” e “Cherags”. Não há distinção entre o
elemento masculino e feminino. A alma que se mostrar digna será ordenada.
Constitui isso um exemplo para o mundo, mostrando que em todos os lugares –
na igreja, na escola, no Parlamento ou na corte – a mulher e o homem juntos é
que contribuem para uma evolução completa. O Sufi é ao mesmo tempo um
sacerdote, um pregador, um mestre e um aluno de todas as almas que encontra
pelo mundo.

As preces Sufi “Saum” e “Salat” não são preces feitas pelo homem. São preces
enviadas do Alto, foram transmitidas da mesma forma que, em cada período de
reconstrução espiritual da humanidade, foram transmitidas as demais preces.
Essas preces têm poder e trazem bênçãos, especialmente para aqueles que
crêem.

O que representa uma prece verdadeira? Louvor a Deus. Qual é o significado da


palavra louvor? Apreço, abrir o coração cada vez mais à beleza divina
representada na manifestação. Nunca seremos bastante gratos. Devemos
ensinar às crianças e aos nossos empregados a ter apreço, não para nosso
próprio benefício, mas para que eles se beneficiem do ensinamento de que
devem dar valor e apreciar as coisas. Se isso não Ihes for ensinado, privá-lo-
emos de uma grande virtude, pois a alegria e a felicidade estão no apreço a
determinadas coisas ou certas condições. A prece treina a alma para dar maior
apreço à bondade de Deus.

A prece pode ser feita em silêncio, mas como a natureza de sensação é


psicológica, se recitarmos as palavras da prece em voz alta faremos com que
elas penetrem no “Akasha” do corpo, a parte etérea do corpo, e atinjam o plano
interior do nosso ser. Assim sendo, as preces repetidas em voz alta têm sobre a
alma um efeito maior do que uma prece recitada em silêncio. A prece é dada ao
homem para que se beneficie dela e não para beneficiar Deus.
A ação da prece também é psicológica, porque produz em cada átomo do nosso
corpo, imagens do pensamento que está atrás da prece. Cada átomo do corpo
reza, até as células do sangue oram. Todo ser do homem se transforma numa
prece. Assim, os movimentos que acompanham as preces têm uma ação
psicológica. A cada movimento que fazemos ao dizer as preces, segue-se uma
espécie de projeção, que fica impressa em cada átomo do nosso corpo. Nossa
circulação é afetada e todo nosso ser é afetado pela circulação, até a nossa pele.
A Tradição do Sufismo

Pir-O-Murshid Inayat Khan definiu o Sufismo como a filosofia do Amor, da


Harmonia e da Beleza. É um reconhecido caminho místico da devoção, tem
existido no Oriente há mais de um milhar de anos, mas a sua tradição pode ser
rastreada pelo menos até o tempo de Abraão, o pai de quatro grandes religiões,
e que foi ele mesmo iniciado no antigo culto religioso do Egito. A Confraria dos
Essêneos, existente ao tempo de Jesus, era indubitavelmente Sufi. No sentido
verdadeiro da palavra, o Sufismo tem existido desde o nascimento da raça
humana e todos os grandes Mensageiros, Profetas, Santos e Mestres hão sido
Sufis. Neste aspecto ideal o Senhor Buda foi mais um Sufi do que um Budista,
justamente como o Senhor Jesus foi um Sufi antes que um Cristão, porque
ambos tornaram realidade a bênção da Consciência de Deus e apontaram o
caminho dela para os outros seguirem. No seu mais profundo aspecto, o Sufismo
corresponde àquela Companhia de todas as almas iluminadas, que formam a
corporação do Mestre, o Espírito de Guia, a que se referem os Místicos Cristãos
como a Igreja Oculta, iluminada pela Luz de Cristo, que governa e dirige todas
as formas exteriores de religião. Cada época do mundo tem visto almas
iluminadas, e assim como é impossível limitar a sabedoria a nenhum período,
lugar ou povo, assim também é impossível datar ou localizar a origem do
Sufismo.
Mensagem Sufi

A Mensagem de Deus tem sido enviada à terra aonde quer que o clamor da
humanidade chegue a um certo ponto, e tem sido outorgada numa forma
apropriada às necessidades do tempo; mas, em essência, é a mesma
eternamente. “Deus fala a seus filhos através dos lábios do homem”. Seus
Mensageiros Divinos têm sido muitos, e incluem Rama, que trouxe a Mensagem
da Sabedoria; Buda com a Mensagem da Compaixão; Zoroastro deu a
Mensagem da Pureza; Moisés, a Mensagem da Lei; Cristo foi portador da
Mensagem do Sacrifício de Si Mesmo, e Maomé deu a Mensagem da Unidade.

A Mensagem da Verdade Divina surgiu para o Mundo Ocidental em 1910 com


Pir-O-Murshid Inayat Khan. Ele incorporou numa forma moderna e universal a
Essência da Verdade e Sabedoria dos Místicos Sufis do Oriente, e profetizou
que o Sufismo se tornaria a religião e Filosofia das futuras gerações. Em si
mesmo, o Sufismo não é um culto novo, posto que sua clara exposição da
Verdade Divina e da natureza imortal do homem constitui uma Revelação para
o mundo.

A mensagem Sufi é a resposta Divina ao clamor humano da hora presente por


Paz, Amor e Felicidade, e estes ele os dá pela concepção de Deus imanente,
não distante, mas presente dentro do coração de cada indivíduo.

Não traz novas teorias, ou doutrinas, para se adicionarem àquelas já existentes,


que atrapalham a mente humana. O de que o mundo precisa hoje é a mensagem
de Amor, Harmonia e Beleza, cuja ausência é a única tragédia da vida. A
Mensagem Sufi não dá uma nova lei, mas desperta na humanidade o espírito de
fraternidade, com tolerância da parte de cada um para com a religião do outro,
com perdão de cada um para a falta do outro; ensina a plenitude de pensamento
e a consideração, de maneira a criar e manter a harmonia na Vida. Ensina a
servir e ser útil, o que pode, somente, fazer frutífera a vida no mundo, e em que
reside a satisfação de cada alma.

O Movimento Sufi tem crescido rapidamente durante os ultimas anos, sendo hoje
uma organização internacional com a sua sede em Genebra.
Máximas Sufis

Espiritualidade quer dizer coração afinado; não podemos obtê-la nem por
estudo nem por devoção.

Uma perda mundana por vezes se torna um ganho espiritual.

O caminho do Sufi é gozar a vida, e no entanto manter-se acima dela; viver no


mundo, e não se deixar ganhar por ele.

Aprender a lição de como viver é mais importante do que todo e qualquer treino
psíquico, ou de ocultismo.

A Sabedoria não está nas palavras, mas na compreensão.

Uma Alma é tão grande quanto o círculo da sua influência.

De entre as conchas de um coração partido emerge a alma rediviva.

Deus fala ao profeta na sua língua Divina e o profeta interpreta-o na linguagem


do homem.

A alma de Cristo é a luz do Universo.

O que nos faz felizes, ou infelizes, não é nossa situação na vida, mas a nossa
atitude para com a vida.

A felicidade é nosso direito inato; cada alma procura a felicidade, finalmente


descobre que não existe em parte alguma felicidade exceto em Deus.

Quanto mais temos em vista os sentimentos dos outros, mais harmonia e


felicidade podemos criar.

Para uma alma vigilante, o Dia do Juízo não vem depois da morte, mas hoje
mesmo.

Nas esferas da consciência, a alma do homem e o espírito de Deus se


encontram e se tornam um.

A alma Iluminada encontra seu caminho nas trevas, tanto no interior como fora
de si mesma.

A vida é a principal coisa a considerar, e a vida verdadeira é a vida interior, a


exata compreensão de Deus.
Fazer de Deus uma realidade é o verdadeiro objeto da adoração.

A alma chega a um estado de realização onde a Vida toda se torna uma visão
sublime da Imanência de Deus.

Na verdade, aquele que busca o mundo herdará o mundo, mas a alma que
procura Deus alcançará a Presença de Deus.

“A verdadeira espiritualidade não é necessariamente uma fé, ou crença, fixa – é


o enobrecimento da alma pelo elevar-se acima das barreiras da vida material”.
Caraterísticos do Sufi

– Qual é a religião do Sufi? – A vida natural.

– Qual é a maneira do Sufi? – A simplicidade.

– Qual é a meta do Sufi? – A exata compreensão de si mesmo.

– Qual é o caminho do Sufi? – A amizade.

– Qual é a arte do Sufi? – A humildade.

– Qual é o condão do Sufi? – A personalidade.

– Qual é a moral do Sufi? – A beneficência.

– Qual é a atitude do Sufi? – O perdão.

– Qual é o ideal do Sufi? – O homem.

– Qual é do Sufi o bem-amado? – Deus.


Pensamentos do Sufi

1. Existe um Deus, o Eterno, o Ser único; ninguém existe senão Ele.

2. Existe Um Mestre, o Espírito-Guia de todas as almas, que permanentemente


conduz os que o seguem para a Luz.

3. Existe um livro santo, o sagrado manuscrito da natureza, a única escritura


que pode iluminar o leitor.

4. Existe uma religião, o indesviável progresso na direção retilínea para o ideal,


que preenche o objetivo da existência de toda alma.

5. Existe uma lei, a lei da reciprocidade, que pode ser observada por uma
consciência sem egoísmo conjuntamente com um senso de vigilante justiça.

6. Existe uma fraternidade, a fraternidade humana, que une os filhos da terra,


indiscriminadamente, de Deus, na Paternidade.

7. Existe uma moral, o amor que rebenta da negação do egoísmo, e floresce em


obras de beneficência.

8. Existe um objeto de louvor, a beleza, que levanta o coração dos seus


adoradores através de todos os aspectos, do Visto, para o Não-visto.

9. Existe uma verdade, o verdadeiro conhecimento da nossa entidade, interna e


externa, o que é a essência da sabedoria.

10. Existe um caminho, o aniquilamento do falso eu no real, que levanta o mortal


para a imortalidade, na qual reside toda a perfeição.
Prefácio

Assim como a natureza na sua totalidade foi criada por Deus, assim a natureza
de cada um é criada por ele mesmo (“Gâyan”).

Os Hindus chamaram a natureza manifestada “O Sonho de Brahma”. Que é


sonho?

No sonho, o pensamento e o sentimento manifestam-se inteiramente; eles


atingem a sua plenitude.

Assim, a natureza do homem é a manifestação do próprio pensamento e


sentimento como a sua fisionomia é a imagem desse pensamento.

Nela se refletem as impressões que ele recolhe. Desde as épocas mais remotas
e, durante toda a vida, cada indivíduo forma sua natureza pelas impressões
recebidas, tornando-se elas seus atributos e suas qualidades. “A única coisa que
é criada através da vida é a natureza do indivíduo” (“Gâyan”).

O homem pode criar sua natureza tão bela quanto ele queira.

“A personalidade encantadora é uma magnífica obra de arte com vida!”


(“Gâyan”). “A personalidade encantadora é grande riqueza!” (“Nirtan”). Esse é o
tesouro que o homem “acumula no céu”, como disse Cristo. É com isso que se
começa a alcançar o reino dos céus.

“A arte da personalidade torna o homem capaz, não somente de se satisfazer


como também de agradar a Deus” (A arte da personalidade).
CAPÍTULO 1

Formação do Caráter

I
O PODER DA VONTADE – O VERDADEIRO
EU E O FALSO EU
A força de vontade exerce grande influência na formação do caráter. Ela se torna
fraca quando alguém cede a qualquer tendência, inclinação ou capricho que
tenha, e, quando se combate qualquer tendência, inclinação ou capricho, se
aprende a lutar contra si mesmo, desenvolvendo assim a força de vontade.
Quando as tendências, inclinações e caprichos de uma pessoa sobrepujam a
força de vontade, ela tem na vida a sensação dos diversos inimigos que existem
em si mesma e encontra dificuldade em combatê-los. Pois tendências,
inclinações e caprichos, quando se tornam poderosos, impedem a força de
vontade de agir contra eles. Se existe alguma coisa a que se pode chamar de
auto-abnegação, é a prática de exercitar a força de vontade e, assim fazendo,
adquire-se com o tempo uma força que pode ser chamada autocontrole.

Em pequenos detalhes da vida diária, despreza-se essa consideração,


pensando-se: “estas são minhas tendências, minhas inclinações, meus
caprichos e, respeitando-os, respeito a mim mesmo; considerando-os, con-
sidero a mim próprio”. Esquecemos, porém, que aquilo que se chama “meus,
minhas”, não se relaciona a mim, mas à minha vontade. Assim no Padre Nosso
cristão está dito: “Seja feita a Tua Vontade”. Tua Vontade, nesse caso, significa
a Vontade de Deus, atuando em mim, ou, em outras palavras: seja feita a minha
vontade que é a Tua Vontade, a Vontade de Deus. É essa ilusão de confundir o
que possuímos com o verdadeiro ser, que cria todas as outras ilusões e impede
o homem de alcançar a auto-realização.

A vida é uma luta contínua. O homem luta com coisas alheias ao seu espírito,
dando assim campo livre aos inimigos que existem no próprio ser. Por
consequência, a coisa mais necessária na vida, é dar uma trégua às
preocupações exteriores, preparando-se para a batalha que se travará
interiormente no espírito. Uma vez alcançada a paz interna, é fácil adquirir força
e poder suficientes para serem empregados na luta da vida exterior e interior. A
autopiedade é a pior pobreza. Quando uma pessoa diz: “Sinto isto, sinto aquilo”,
lastimosamente, diminui a metade do seu valor antes de prosseguir e o que ela
disser a mais, aniquila-a totalmente. Há tantas coisas no mundo de que nos
podemos compadecer e que seria de direito fazê-lo; se, porém, estamos sempre
preocupados conosco, não temos tempo de pensar nos outros. A vida é uma
longa jornada, e quanto mais para trás deixarmos o ser egoísta tanto mais
teremos avançado em direção ao objetivo a alcançar.

Na verdade, é com a perda do falso eu, que o eu verdadeiro é encontrado.

II
COMO ENCARAR O MUNDO – A VIDA É
UMA SINFONIA
Na formação do caráter, o de que mais se necessita aprender é a maneira de
encarar o mundo; o mundo, onde se encontram tristezas e tormentos, prazeres
e dores.

É muito difícil ocultar do mundo esses sentimentos; no entanto, uma pessoa


prudente não se expõe a mostrar a todos, nem a cada momento, o que sente. A
pessoa vulgar, ao contrário, não sabendo reagir a influências exteriores e
impulsos interiores é como uma máquina e, desse modo, não pode tirar partido
da música da vida.

Para uma pessoa dotada de sabedoria, a vida é uma sinfonia na qual ela tem de
executar certa parte. Se alguém se sentisse tão deprimido, que o coração
emitisse sons mais graves e a vida requeresse nesse momento sons mais
agudos, uma falha seria notada nessa sinfonia, na qual cada um tem que
executar a sua parte com segurança. É o meio pelo qual se pode distinguir a
alma inexperiente da alma experiente. A alma inexperiente mostrará qualquer
sentimento, ao passo que a alma experiente atingirá o grau mais elevado a
despeito de qualquer dificuldade.

Há ocasiões em que o riso deve ser contido e há outras em que as lágrimas


devem ser retidas, e, aqueles que chegaram a esse grau de perfeição, podem
desempenhar cabalmente o papel que lhes foi designado no drama da vida; eles
têm poder suficiente sobre a expressão da fisionomia, podendo tornar lágrimas
em risos ou risos em lágrimas. Podeis perguntar: “não é hipocrisia não ser
natural?”. Aquele que tem controle sobre a própria natureza, é mais natural; não
é apenas natural, mas também verdadeiramente senhor da natureza; aquele a
quem falta o controle sobre a natureza, apesar de toda sua naturalidade, é fraco.

Além disso, é preciso compreender que a verdadeira civilização significa a arte


da vida. Qual é essa arte? É o conhecimento relativo à música da vida. Logo que
a alma tenha despertado para a eterna música da vida, essa alma considerará
como responsabilidade e dever próprios, desempenhar-se na vida exterior, não
obstante seja isso contrário à condição interior no momento. É preciso saber em
cada momento da vida diária: Que é que a vida exige de mim? Que me pede?
Como corresponderei a essa solicitação? Isso requer que se esteja
perfeitamente consciente das condições da vida. É necessário que se tenha
conhecimento profundo em relação à natureza humana e que haja capacidade
de reconhecer perfeitamente a própria condição. Se alguém diz: “eu sou como
sou; se sou triste, sou triste; se sou alegre, sou alegre”; não age com
discernimento. A própria terra não tolerará quem não corresponder às
solicitações da vida. O céu não admitirá essa pessoa e o mundo rejeitará quem
não estiver apto a dar o que a vida lhe pede; sendo assim, melhor é que aquilo
que tem de ser feito, seja feito de bom grado.

Na orquestra há um regente e vários executantes e cada um tem de contribuir


no seu instrumento para uma execução perfeita. Se um músico falhar nessa
execução, a falta será sua. O regente não o atenderá, se ele disser que não
tocou bem por estar triste ou demasiadamente alegre. Está interessado somente
na parte que cada músico deve executar em toda a sinfonia. Essa é a natureza
de nossa existência. Quanto mais progredirmos nessa orquestra, tanto mais
eficientes nos tornaremos na execução satisfatória de nossa parte na sinfonia da
vida. Que é necessário para nos tornarmos capazes de ter controle sobre nós
mesmos? Precisamos ter controle sobre o nosso “eu” interior, porque toda a
manifestação exterior nada mais é do que a reação do estado interior. Por
conseguinte, o primeiro controle que cada um deve adquirir, é o controle sobre
si mesmo, sobre a sua natureza interior, o que se consegue fortalecendo a
vontade e também compreendendo melhor a vida.

III
AUTOCONTROLE
Durante a conversação e nos atos diários, é de grande importância o
autodomínio quanto à maneira de falar ou de agir, porque, às vezes, escapa
automaticamente por um impulso interior uma palavra ou outra que achamos não
deveria ser proferida ou talvez, pudéssemos dizer de outro modo. O mesmo
acontece com a ação. Pensa-se: “Eu não deveria ter agido assim”, depois de
fazer alguma coisa; ou, pensamos: “Deveríamos ter feito isso de outra forma”;
mas uma vez isso realizado, é demasiado tarde para agir de outro modo. Na
natureza humana existe certa pressa interior em nos manifestarmos e, assim,
deixamos escapar as palavras antes que tenhamos tempo de refletir e tudo isso
evidencia a falta de autocontrole.

É também uma condição nervosa. Muitas vezes, uma pessoa se esforça para
responder a alguém que ainda não acabou de falar; antes de concluída a frase,
a resposta está dada. Uma resposta semelhante, dada a uma idéia incompleta,
nem sempre é correta. O que acontece, geralmente, em tais casos, é que
tomamos muito a sério aquilo que ouvimos e permitimos, assim, que as coisas e
influências exteriores penetrem no nosso íntimo mais do que deveriam. Desse
modo nos tornamos sensíveis demais, provindo, então, o nervosismo.

Para exercer o autocontrole na vida diária, o melhor é desenvolver na nossa


natureza uma certa dose de indiferença. Nem toda a palavra que é dita por
outrem deve ser tomada tão a sério que transforme todo o ser, perturbe o
equilíbrio mental e prejudique a força de vontade. Na vida diária, há coisas que
têm pouca importância e há tantas outras que são insignificantes e, muitas
vezes, estamos sujeitos a atribuir-lhes uma força indevida.

A independência se completa com a indiferença. Isso não quer dizer que não
devemos prestar atenção ao que alguém diz ou faz, porém, que devemos
distinguir as coisas importantes das insignificantes na vida diária; que todas as
coisas necessárias e desnecessárias não devem exigir a mesma atenção, o
mesmo pensamento ou sentimento. A economia política tornou-se uma parte da
educação mas, em religião, a economia espiritual é a coisa essencial. Tudo que
se diz e faz, tudo que se pensa e sente, exerce certo esforço da parte do espírito.
É prudente evitar qualquer ocasião de perder o equilíbrio. É preciso mantermo-
nos em paz, porém, firmes contra todas as influências que perturbam a vida. Há
uma propensão para responder em defesa própria, mas com isso se perde o
equilíbrio mental. Por conseguinte, o autocontrole é a chave de todo êxito e de
toda felicidade.

Além do mais, há muitas pessoas que se sentem induzidas e na obrigação de


dizer ou fazer certas coisas, somente porque alguém lhes pede isso, e, assim,
se tornam cada vez mais fracas. Há outras que reagem energicamente contra
isso; ambas, porém, estão em erro. Aquele que é capaz de conservar o equilíbrio
sem se molestar ou perturbar, adquire esse autocontrole que e necessário para
evoluir na vida. Nenhum princípio deve ser cegamente seguido. A economia
espiritual não é uma virtude se ela perturba a harmonia e se de algum modo
impede alguém de progredir, arrastando-o a uma condição pior. Entretanto, é
muito necessário conhecer a ciência da economia espiritual, saber defender-se
contra todas as influências na vida diária, as quais vêm perturbar a tranquilidade
e a paz da alma.

IV
RELACIONAMENTO COM O PRÓXIMO
É coisa muito importante, na formação do caráter, a pessoa se tornar consciente
das próprias relações, da obrigação e deveres relativos a cada ser e não
confundir esse elo e parentesco estabelecido entre si mesma e outra pessoa,
com uma terceira.
Deve-se pensar que tudo que é confiado a alguém, por quem quer que seja, é
por confiança própria, e corresponder com sinceridade à confiança de todos é
um dever sagrado. Desse modo a relação harmoniosa está estabelecida com
qualquer pessoa e é a harmonia estabelecida com todos que sintoniza a alma
com o infinito.

Isso requer grande estudo sobre a natureza humana, além de um tino especial,
conservando-nos em termos harmoniosos com todos. Quando temos admiração
ou rancor por alguém, é melhor nos dirigirmos a esse alguém em vez de propalar
isso, entre nossos conhecidos, pessoas de nossas relações. Excetuando os
amigos, mesmo com relações comuns, essa consideração é necessária: guardar
carinhosamente o fio tênue que une duas almas, qualquer que seja a estima que
dediquemos a cada um ou o seu grau de cultura.

“Dharma” na linguagem dos Hindus, significa religião, mas a significação literal


dessa palavra é dever, sugerindo que o relacionamento com qualquer pessoa no
mundo é uma religião e, quanto mais conscienciosamente se segue isso, tanto
mais se prova estar seguindo intensamente a própria religião. Guardar o segredo
de nossos amigos, de seres de nossas relações, e mesmo daqueles de quem
durante certo tempo fomos amigos, sendo depois por eles molestados, é o dever
mais sagrado. Aquele que compreende assim sua religião, nunca considerará
direito contar a outrem algum mal ou injustiça que daqueles recebeu. Isso é
aprendido por meio da auto-abnegação, que nem sempre se obtém por meio de
jejuns ou de retiros no deserto. O homem cônscio de seu dever, das obrigações
para com seus amigos, é mais piedoso do que outro, retirado no isolamento.
Aquele que está na solidão não serve a Deus, serve unicamente a si, gozando o
prazer dessa solidão, mas aquele que tem confiança em todos os seres que
encontra, que considera as relações com os outros e conhecimentos, pequenos
ou grandes, como sendo sagrados, observa certamente a lei espiritual dessa
religião que é a religião de todas as religiões.

Faltas? Todos nós as cometemos. Nós mesmos, nossos amigos e nossos


inimigos, todos estamos sujeitos a elas. Quem deseja não sejam descobertas as
suas faltas, deve agir necessariamente do mesmo modo para com os outros.
Aquele que conhece a relação de amizade que existe entre um e outro ser, a
ternura dessa união, a delicadeza, a beleza e a santidade, pode gozar a vida em
sua plenitude, porque está vivendo a vida e, dessa forma, deve algum dia
comunicar-se com Deus. É esse mesmo laço, unindo duas almas que, uma vez
fortificado, transforma-se no caminho para Deus. Não há maior virtude neste
mundo do que ser bom e sincero para com o amigo, digno de sua confiança. A
diferença entre a alma inexperiente e a alma experiente é baseada neste
princípio particular: a alma inexperiente apenas se conhece e conhece aquilo
que almeja, preocupando-se com os próprios prazeres e desgostos, obcecada
pela contínua mudança de humor. A alma experiente observa a relação entre
sua alma e todas as outras, cumpre religiosamente suas obrigações para com
todos que conhece. Oculta as próprias mágoas, se é que as tem e suporta tudo
para cumprir seu dever com a máxima habilidade, favorecendo a todos.

V
SUTILEZA
Sutileza no caráter indica inteligência. Quando a sabemos empregar
corretamente, podemos praticar o bem como essa riqueza de inteligência, mas,
se tomarmos uma direção errada, abusaremos dessa grande faculdade. O
homem sutil por natureza, comparado a uma personalidade desprovida de
sutileza, é como um rio e uma montanha. A personalidade sutil é tão límpida
como a água corrente; tudo que aparece diante dela se reflete tão claramente
como a imagem na água pura. A personalidade semelhante à rocha, isto é,
desprovida de sutileza, é como a montanha, nada reflete. Muitos admiram a
linguagem franca, porque não compreendem a beleza que existe na fina sutileza.
Podem todas as coisas ser expressadas por palavras? Nada há mais belo, mais
sutil do que aquilo que dizemos? Quem pode ler nas entrelinhas, faz de uma
carta um livro. Sutileza de percepção e sutileza de expressão são insígnias do
sábio. Sábio e ignorante, distinguem-se pela fineza de um e rudeza do outro. O
homem desprovido de sutileza quer que a verdade se transforme em pedra, mas
o sutil transforma até a pedra em verdade.

Para adquirir conhecimento espiritual, receber inspiração e preparar o coração


para a revelação interior, é preciso esforço para criar a mentalidade maleável
como a água e não impenetrável como a rocha. Para prosseguir no caminho do
mistério da vida, que o homem tem de percorrer, deve tornar-se o mais sutil
possível, a fim de perceber e expressar esse mistério. Deus é um mistério, Sua
ciência é um mistério; a vida é um mistério, a natureza humana é um mistério;
em resumo, qualquer conhecimento profundo é um mistério, mesmo a ciência ou
a arte. Tudo o que é mais misterioso é mais profundo. O que todos os profetas e
mestres têm ensinado em qualquer tempo é expressar esse mistério em
palavras, atos, pensamentos e sentimentos; a maioria dos mistérios, porém, é
por eles expressada em silêncio. Porque então o mistério está em seu lugar.
Trazê-lo à terra, seria o mesmo que tirar um rei do trono e trazê-lo de rastos pelo
chão; mas, permitindo ao mistério permanecer em seu lugar, isto é, nas esferas
silentes, é o mesmo que prestar homenagem ao Rei, a quem as homenagens
são devidas.

Além do mistério da vida, nas pequenas coisas da vida diária, quanto menos
palavras forem empregadas, tanto mais nítidas serão as idéias. Julgais que
maior número de palavras explica melhor? Certamente que não. Demonstra isto,
unicamente, nervosismo da parte daqueles que dizem um cento delas para
expressar alguma coisa que pode ser explicada perfeitamente em dois
vocábulos; quanto ao ouvinte, é falta de inteligência se ele necessita de muitas
palavras para compreender o que pode ser explicado com uma palavra apenas.
Várias pessoas pensam que muitas palavras explicam melhor, mas ignoram, na
maioria das vezes, que quanto maior é o discurso tanto mais denso é o véu que
envolve a idéia. Saímos, finalmente, pela porta por onde entramos.

Respeito, consideração, veneração, bondade, compaixão e simpatia, perdão e


gratidão, todas essas virtudes podem ser mais adornadas pela sutileza de
expressão. Não é necessário nos excedermos em agradecimentos. Não se deve
apregoar: “simpatizo com você, meu caro-amigo”, nem tampouco divulgar: “eu
perdoei alguém”. Tais coisas são belas e sutis; devem ser sentidas e não
expressadas; não é fazendo barulho que as podemos expressar, porque até
mesmo o menor ruído concorre apenas para diminuir-lhes a beleza e tirar-lhes o
valor. Nas idéias e nos pensamentos espirituais, a sutileza é mais necessária do
que qualquer outra coisa. Se o homem espiritual levasse suas obras ao mercado
e discutisse com uns e outros sobre as próprias crenças e descrenças, onde iria
ele parar?

A chave que ele possui para a arte da conciliação é a sutileza, tanto na


percepção como na expressão. É falta de franqueza, é hipocrisia ser sutil? Não,
de forma alguma. Há muitas pessoas que se tornam grosseiras julgando-se
francas; essas pessoas estão sempre prontas a dizer a verdade, embora
melindrando os outros e orgulhosamente sustentam a franqueza, dizendo:
“pouco me importa se isso torna alguém triste ou irritado, estou apenas falando
a verdade”. Se a verdade for tão dura como um martelo, nunca deve ser dita;
ninguém deve seguir tal verdade!

Onde está então a verdade que dá paz, que acalma, que é conforto para cada
coração e cada alma; aquela verdade que eleva a alma, que é criadora de
harmonia e de beleza... de onde proveio? Essa verdade proveio da sutileza da
inteligência no pensamento, na linguagem e na ação; da sutileza que traz prazer,
conforto, beleza e paz.

VI
PESSIMISMO – OTIMISMO
Há duas atitudes que dividem o povo em dois perfis: a primeira atitude é uma
contínua queixa, a outra um constante sorrir. A vida é a mesma, se a chamarmos
boa ou má, correta ou incorreta; ela é o que é, e não pode ser de outro modo.
Um indivíduo para obter a simpatia de outrem, mostrar-lhe suas boas
características e, algumas vezes, mostrar-se mais inteligente, justo e correto,
lamenta-se. Ele se queixa de tudo: dos amigos, dos inimigos, daqueles que ama
e, muito mais, daqueles que odeia. Lastima-se desde a manhã até a noite; nunca
têm fim suas lamentações. Isso atinge a tal extensão que ele se queixa do bom
e do mau tempo, da influência atmosférica; é contra a terra e contra o céu e acha
mal feito tudo aquilo que os outros fazem; finalmente, esse estado se desenvolve
a tal ponto, que ele começa a ter aversão ao próprio trabalho, acabando por se
desgostar de si mesmo. Dessa forma, vira-se contra os outros, contra as
condições e, finalmente, contra si próprio.

Não pensem que esse é um caráter raro de se encontrar. Pelo contrário, é um


caráter que se encontra frequentemente, e é certo que quem tem essa atitude é
o pior inimigo de si próprio. Aquele que tem uma atitude correta de espírito, tenta
fazer do torto, direito, mas quem tem uma atitude de espírito errada, converterá
até o direito em torto. Além de que, magnetismo é uma coisa necessária a todos
os seres. A falta de magnetismo torna a vida penosa. A tendência à depreciação
por tudo, rouba-nos uma grande parte desse magnetismo que é tão necessário
à vida. Pois a natureza da vida é tal que, naturalmente, a multidão aceita só
aqueles que nela entram com a força do magnetismo e rejeita todos os outros.
Em outras palavras: o mundo é um lugar onde não podemos entrar sem um
passaporte e esse passaporte é o magnetismo; aquele que for desprovido dessa
força será rejeitado em toda parte.

Além disso, encontramos muitos indivíduos que se queixam sempre da saúde.


Pode haver uma razão, embora, algumas vezes, possa ser pequena ou, talvez,
mínima para que se mencione. Quando uma pessoa se acostuma a responder
negativamente, ao ser interrogada com simpatia: “Como está passando?” ela,
decerto, alimenta uma espécie de doença em si mesma, pela tendência de se
queixar. A nossa vida de limitações e a natureza dos confortos e prazeres
mundanos que são tão variados e indignos de confiança, a falsidade que se
encontra em tudo, em qualquer lugar, se nos pusermos em atitude de queixa,
toda nossa existência será curta para nos queixarmos; cada momento de nossa
vida decorreria cheio de lamentos. Mas, para pormos termo a todas essas
coisas, devemos olhar para o lado agradável, para o lado brilhante de tudo.
Especialmente para aqueles que procuram Deus e a verdade, para esses há
alguma coisa mais em que pensar; eles não necessitam saber quanto uma
pessoa é má. Quando pensarem em Quem acompanha essa pessoa, em Quem
está em seu coração, então, olharão para a vida com uma atitude esperançosa;
quando olharem para coisas mal feitas, pensarão que através de todas as obras
há Deus, que é justo e perfeito, e tornar-se-ão certamente mais confiantes.

A atitude de ver tudo com um sorriso, é indício de uma alma santa. Um sorriso
dispensado a um amigo, um sorriso para um inimigo mesmo, vencerá finalmente,
pois essa é a chave que abre o coração do homem. Como a claridade do sol
exterior ilumina o mundo inteiro, assim a claridade do sol interior, se ele se
externasse, iluminaria a vida toda, apesar de todos os erros aparentes, apesar
de todas as limitações. Deus é felicidade; a alma é felicidade, o espírito é
felicidade. Não há lugar para tristezas no reino de Deus. Aquele que priva o
homem da felicidade, o priva de Deus e da Verdade.
Pode-se começar a aprender a sorrir, apreciando as pequeninas coisas boas
que se introduzem pelo caminho de nossa vida e não prestando atenção a cada
coisa má que não gostamos de ver.

Não nos preocupemos demasiadamente com coisas desnecessárias na vida, as


quais nada mais trazem senão desgosto. E encarando a vida com uma atitude
de espírito esperançosa, com uma perspectiva otimista, o homem terá força para
transformar o errado em certo e levar luz onde há trevas. Bom humor é vida, mau
humor é morte. A vida atrai, a morte repele. A luz do sol que vem da alma, surge
através do coração e manifesta-se no sorriso do homem; é realmente a luz dos
céus. Nessa luz muitas flores crescem e muitos frutos amadurecem.

VII
INQUIETAÇÃO – DISCRIÇÃO –
TRANQUILIDADE
O melhor meio de agir em todas as direções da vida, no interior de nossa casa
ou fora, é silenciosamente; coisa tão pouco compreendida por muitos e tão
necessária para desenvolver a ordem, a harmonia e a paz na existência.
Trabalha-se pouco e fala-se muito, geralmente. Por qualquer coisa que se faz,
há logo alarido e, dessa forma, em vez de terminar a obra com êxito, atraem-se
dificuldades.

A primeira coisa que deve ser lembrada na formação do caráter é compreender


o segredo e a índole da natureza humana. Precisamos saber que, no mundo,
cada indivíduo tem o seu objetivo, o próprio interesse e ponto de vista e que ele
está sempre ocupado com tudo quanto lhe diz respeito. Sua paz é perturbada se
quisermos interessá-lo no objetivo do nosso interesse. Se quisermos forçá-lo ao
nosso ponto de vista, por mais íntima e estimada que essa pessoa nos possa
ser, isso não lhe será agradável.

Pouquíssimos consideram tal coisa e desejam desabafar as próprias


preocupações e dificuldades no primeiro que encontram, dizendo: “Cada um tem
o mesmo interesse que tenho no meu objetivo e no meu ponto de vista” e,
“qualquer um ficará contente em saber a minha estória”.

Conta-se que alguém começou a falar diante de pessoa conhecida havia pouco
tempo, a respeito dos antepassados e falou tanto, que esgotou inteiramente a
paciência do ouvinte. Acabando a história declarou à pessoa que lhe falava: “Se
eu não me interesso em saber a história dos meus antepassados, que interesse
posso ter em saber a dos seus?” Há muita gente que tem grande entusiasmo em
contar aos vizinhos qualquer resfriado ou tosse que tenha, qualquer perda ou
lucro, embora mínimo, e sente-se feliz em anunciar tudo ao rufo de tambores e
toque de cornetas. Isso é uma característica infantil. Essa tendência mostra uma
alma pouco desenvolvida. Algumas vezes, essa tendência amedronta os amigos
e auxilia os inimigos. Quem trabalha ruidosamente, realiza pouco, pois atrai pelo
barulho mais dez pessoas para intervirem e estragarem o trabalho que uma só
pessoa poderia fazer com facilidade.

Turbulência, vem de inquietação e inquietação é o sinal de “Tammas”, o ritmo


destruidor. Aqueles que obtiveram algum êxito na vida, em qualquer ramo, foi
devido ao trabalho em silêncio. Em negócios, indústria, arte, ciência, educação,
política, em todas as direções da vida, o trabalhador prudente é o trabalhador
tranquilo. Ele fala a respeito de qualquer coisa a tempo, nunca antes. Aquele que
fala sobre uma coisa antes de terminá-la, é como uma cozinheira que anuncia
as iguarias a toda a vizinhança, antes de estarem prontas.

Há uma estória de um criado entusiasmado, contada no Oriente. O patrão estava


com dor de cabeça e disse ao criado que fosse buscar um remédio. O criado
pensou que não seria bastante buscar o medicamento, mas marcou também
uma consulta com o médico e no caminho de casa, visitou o empresário da
funerária. O patrão perguntou: “Por que demoraste tanto?” O criado respondeu:
“Senhor, arranjei tudo”.

O entusiasmo é uma grande coisa na vida; em demasia, porém, algumas vezes


prejudica. Quanto mais dotada de sabedoria é uma pessoa tanto mais tranquila
ela é em tudo o que faz. Cavalheiro, em inglês “gentleman”, é o homem tranquilo.

Conta-se como fábula que um burro se dirigiu a um camelo e disse: “Tio, sejamos
amigos, vamos pastar juntos”. O camelo respondeu: “Menino, gosto mais de
passear só”. Acrescentou ainda o burro: “Estou impaciente por acompanhá-lo,
tio”. O pacato camelo consentiu e partiram juntos. Muito antes de o camelo
acabar de pastar, já o burro tinha acabado e estava inquieto para se manifestar
e continuou: “Tio, eu gostaria de ‘cantar’ se isso não o incomoda”. O camelo
respondeu: “Não faças tal coisa, pois será terrível para nós ambos; ainda não
terminei o meu jantar”. O burro não teve paciência, não pôde conter a sua alegria
e começou a cantar. O lavrador atraído por esse ‘canto’ veio com um bambu
comprido. O burro correu e toda a sova caiu sobre as costas do camelo. Quando,
na manhã seguinte, o burro foi outra vez convidar o Tio Camelo, este disse: “Eu
estou muito doente; sua maneira de agir é diferente da minha. De hoje em diante
temos de nos separar”.

Há uma grande diferença entre o indivíduo turbulento e o tranquilo. Um age como


a criança inquieta, o outro, age como adulto; um destrói, o outro edifica. A
maneira de trabalhar tranquilamente deve ser praticada em todas as coisas.
Fazendo-se muito barulho por qualquer coisa, provoca-se a comoção, o distúrbio
em toda parte, atividade inútil, sem resultado algum. A inquietação também se
revela na tendência ao exagero quando se quer fazer uma montanha de um
monte de areia.
Modéstia, humildade, gentileza, doçura, todas essas virtudes se manifestam na
pessoa que trabalha através da vida, tranquilamente.

VIII
CURIOSIDADE
Existe algo que pertence à natureza humana e sua origem está na curiosidade;
curiosidade essa que provoca a vontade de saber. Quando se abusa dessa
tendência, ela se desenvolve e se torna indiscrição. É curioso como a origem de
todas as imperfeições é uma tendência boa e é o abuso dessa tendência boa
que a transforma em defeito. Se refletíssemos no pouco tempo que temos para
viver neste mundo, veríamos cada momento de nossa existência tão precioso
que deveria ser empregado em coisas realmente muito aproveitáveis. Quando o
tempo é gasto com a indiscrição de querermos saber da vida alheia, perdemos
oportunidade que poderia ter sido aproveitada para um fim superior. Na vida há
tantas responsabilidades e tantos deveres, tanto que se corrigir em si próprio;
tanto que desfazer no que já se fez, tanto que cuidar nas próprias ocupações e
regularizar, que esse desperdício de tempo se assemelha a quem, estando
intoxicado, abandonasse todas as suas responsabilidades e deveres para
ocupar o espírito e os ouvidos com indagações frívolas.

O livre-arbítrio é dado a quem quer que seja para atender a obrigações


particulares, realizar os próprios objetivos, cuidar de seus afazeres, mas, quando
ele é empregado para indagar das fraquezas, privações e faltas de outrem, é
certo que se abusa desse poder. Algumas vezes, o homem tem curiosidade na
vida de outrem, no interesse que por ele toma geralmente, porém, tal curiosidade
é um vício. Ele pode não ter interesse algum no assunto mas desejar somente
gozar da satisfação de ouvir e de inquirir o que diz respeito a outrem. O
autoconhecimento é o ideal dos filósofos e não o conhecimento da vida alheia.
Há duas fases no desenvolvimento do homem: uma quando ele indaga o que se
refere ao próximo; a outra quando ele olha para dentro de si mesmo. Quando a
primeira fase cessou e a outra teve início, então ele começa a jornada para o fim
desejado. Rumi, o poeta Sufi, diz: “Não nos preocupemos com os outros, pois
temos muito que pensar em nós mesmos”.

Além de que, não se deve mostrar a menor tendência de saber mais do que é
devido, como uma prova de respeito para com as pessoas idosas e também para
com aquelas que desejamos considerar. Assim em parentesco próximo, como
pais e filhos, quando a intimidade é respeitada por uns e por outros, eles dão
certamente prova de grande virtude.

Querer saber da vida alheia, é geralmente uma falta de confiança. Aquele que
confia, não precisa desvendar seja o que for; ele não tem necessidade de
descobrir o que está encoberto. Quem deseja desvendar alguma coisa deseja
descobri-la e, se há alguma coisa que deva ser descoberta é, antes de tudo, o
verdadeiro eu. O tempo que se desperdiça indagando da vida, das faltas e
fraquezas dos outros, poderia ser justamente empregado em desvendar a
própria alma. O desejo de saber tem origem na alma. O homem apenas deve
discernir o que precisa saber, o que é digno de ser sabido. Existem muitas coisas
que não são dignas de interesse. Quando se dedica o tempo e pensamento,
procurando saber aquilo que não se deve, perde-se a oportunidade que a vida
oferece para descobrir a natureza e o segredo da alma, que é a base para a
realização do objetivo da vida.

IX
MALEDICÊNCIA
Devemos lembrar que o gosto pelo mexerico denota falta de nobreza de caráter.
Isso é muito comum, mas é grande falta de caráter acalentar a tendência de falar
dos outros. Além de que, é um excesso de fraqueza fazer observações relativas
a alguém na sua ausência. Primeiramente, é contrário ao que se pode chamar
franqueza e é também julgar o próximo, o que é incorreto relativamente à
doutrina de Cristo, que diz: “Não julgueis os outros para que não sejais julgados”.
Quando alguém permite que essa tendência permaneça em si mesmo,
desenvolve o gosto de falar dos outros. É um defeito que comumente existe e,
quando duas pessoas que têm a mesma tendência se encontram, começam a
tagarelar e completam a intriga. Uma ajuda a outra, uma da coragem à outra e,
quando alguma coisa é sustentada por duas pessoas, torna-se forçosamente
uma virtude, embora seja uma virtude momentânea.

Quantas vezes o homem esquece que dizendo mal de alguém, mesmo na sua
ausência, ele está falando na presença de Deus. Deus ouve tudo e sabe tudo. O
Criador conhece Suas criaturas com suas virtudes e suas faltas. Deus fica
descontente ouvindo falar mal da Sua criatura, assim como um artista não ficaria
satisfeito ouvindo observações pouco elogiosas, feitas por qualquer um, sobre
sua arte. Embora o artista reconheça a imperfeição de sua obra, ainda assim,
preferiria ele mesmo descobri-la e não outro qualquer. Quando uma pessoa fala
contra outra, as palavras da primeira não atingem a segunda, mas os
sentimentos chegam até lá. Se ela for sensível e perspicaz, saberá que alguém
falou mal de si, e, vendo essa pessoa que falou, lerá naquele rosto tudo quanto
foi dito. Este mundo é uma galeria de espelhos, o reflexo de um reproduz o outro.
Neste mundo em que tantas coisas parecem ocultas, na realidade nada assim
é; tudo se eleva à superfície mais ou menos demoradamente e manifesta-se à
vista.

Como poucos neste mundo sabem qual o efeito causado por um indivíduo que
diz mal de outrem e qual a influência que tem sobre a sua alma! O “eu” do
homem, seu “eu” interior, não é somente como uma cúpula, onde tudo quanto
ele diz se repete em eco, esse eco é mais ainda; é criador e produtor do que
ficou dito. Todo o bem e o mal se desenvolve na vida de uma pessoa conforme
o interesse que ela toma por isso. Cada falta, quando pequena, não se percebe
e, assim, se desenvolve até resultar em desapontamento. A vida é tão preciosa
e tem tanto mais valor, quanto mais prudentes nos tornamos; cada momento da
vida pode ser empregado para um fim muito mais elevado. A vida é uma
oportunidade e, quanto mais nos compenetrarmos disso, tanto mais tiraremos
proveito dessa oportunidade que ela nos oferece.

X
GENEROSIDADE
O espírito de generosidade em uma natureza, constrói um caminho em direção
a Deus, porque generosidade é expansão própria, é espontaneidade; sua
natureza é dirigir-se para um horizonte largo. A generosidade pode, portanto, ser
chamada a caridade do coração. Não é necessário que o espírito de
generosidade se demonstre sempre pelo dispêndio de dinheiro; ele se pode
apresentar nas pequeninas coisas. Generosidade é uma atitude que se mostra
em qualquer ação pequena que se faça para com as pessoas em cujo contato
estamos na nossa vida diária. Pode-se mostrar generosidade por um sorriso, um
olhar amável, um aperto de mão caloroso, acariciando o mais inexperiente como
sinal de coragem, denotando apreciação, expressando afeição. Pode-se mostrar
generosidade reconciliando os semelhantes, dando-lhes as boas-vindas ou
despedindo-se de um amigo. Em pensamentos, palavras e obras, de qualquer
modo e forma, se pode mostrar esse espírito generoso, sinal de pessoa caridosa
e caritativa.

A Bíblia fala de generosidade pela palavra caridade, mas se eu tivesse de dar


uma interpretação à palavra generosidade, chamá-la-ia de nobreza. Nenhuma
posição, condição social ou poder, pode provar que alguém é nobre; é
verdadeiramente nobre, aquele que é generoso de coração. Que é
generosidade? É nobreza, é expansão de coração. À medida que o coração se
expande, assim o horizonte se torna largo e acha-se cada vez maior o espaço
em que se deve construir o reino de Deus.

Depressão, desespero e toda a sorte de tristeza, vêm da falta de generosidade.


Donde provém o ciúme? Donde provém a inveja, o sofrimento do coração? Tudo
isso provém da carência de generosidade. O homem pode não ter nem um
centavo, no entanto, pode ser generoso, nobre, se tiver unicamente um coração
grande, de sentimentos amistosos. A vida, no mundo, oferece-nos toda a
oportunidade, seja qual for a nossa posição, para mostrar se temos algum
espírito de generosidade.
A inconstância e a falsidade da natureza humana, além da desconsideração e
falta de atenção que vêm daqueles com os quais se encontra o indivíduo e ainda
o egoísmo e o espírito avarento e usurpador que perturba e atormenta as almas,
tudo isso cria uma situação, que é por si mesma uma prova, uma experiência,
que cada um tem de passar na vida terrestre e, quando através dessas provas
e experiências, o homem se mantém firme ao princípio de caridade e segue a
direção de seu destino, não permitindo às influências que vêm dos quatros
cantos do mundo, retê-lo na jornada para a meta, finalmente, se torna o rei da
vida, mesmo se no fim do seu destino não forem deixados simples bens
terrestres em proveito do seu nome.

Não é a riqueza terrestre que torna o homem rico. A Riqueza vem pela
descoberta da mina de ouro que está oculta no coração humano, da qual vem o
espírito de generosidade. Alguém perguntou ao profeta qual a maior virtude, se
a da alma piedosa que reza continuamente, se a do viandante que caminha para
fazer a sagrada peregrinação, se a daquele que jejua dias e noites, ou ainda, se
a daquele que aprende a Sagrada Escritura de cor. “Nenhuma delas” respondeu
o Profeta: “É tão grande quanto sua alma, aquele que através da vida, mostra
caridade de coração”.
CAPÍTULO 2

A Arte da Personalidade

I
DANÇAR NA CORTE DE INDRA
É uma coisa ser homem e, a outra, é tornar-se um homem, aperfeiçoando a sua
individualidade, na qual está oculto o objetivo da vinda do ser humano à terra.
Os anjos foram criados para cantar louvores ao Senhor, os “Jinnss” ou os gênios
para imaginar, sonhar, meditar, mas o homem foi criado para mostrar
humanidade no caráter. É isso que o faz um homem. Há muitas coisas difíceis
na vida, a mais difícil de todas, porém, é aprender, conhecer e praticar a arte da
personalidade. A natureza, dizem, foi criada por Deus e a arte pelo homem, mas,
na verdade, é Deus Quem completa sua arte divina na formação da
personalidade. Não é o que Jesus Cristo ensinou que faz com que seus devotos
O amem; eles discutem essas coisas em vão. O que faz com que Cristo seja
amado é o que Ele próprio foi. Isso, é o que O faz amado e admirado por seus
devotos. Quando Jesus Cristo disse aos pescadores: “Sigam-me e eu vos
ensinarei a serem pescadores de homem”, que significam essas palavras?
Essas palavras significam: “Eu vos ensinarei a arte da personalidade, a qual será
como uma rede neste mar da vida”, pois todo coração, seja qual for seu grau de
evolução, será atraído pela beleza da arte da personalidade. Que procura a
humanidade em seu semelhante? Que espera o homem de seu amigo? Deseja
que ele seja rico, que tenha posição elevada, que seja possuidor de grandes
poderes, de qualidades maravilhosas, de influência muito grande mas, além
disso e acima de tudo, ele espera de seu amigo a qualidade humana, que é a
arte da personalidade. Se a seu amigo faltar essa arte, todas as coisas
supraditas serão de pouca utilidade e de mínimo valor. Muitos perguntam: “Como
podemos aprender tal coisa?” Pelo amor à arte, pela apreciação da beleza em
todos os seus vários aspectos. O artista aprende a arte, admirando o belo.
Quando alguém possui conhecimento introspectivo da beleza, então aprende a
arte das artes que é a arte da personalidade. O homem pode possuir mil títulos,
posições ou condições sociais, todos os bens da terra, mas se não possuir a arte
da personalidade, ele é realmente pobre. É por essa arte que o homem denota
nobreza, essa nobreza que pertence ao reino de Deus.
A arte da personalidade não é um título honorífico, é o fim para o qual o homem
foi criado e que o conduz ao propósito que deve cumprir para alcançar sua plena
satisfação. Pela arte da personalidade, o homem não só se satisfaz como agrada
a Deus. Essa fantasmagoria representada na terra, é produzida para prazer do
Rei do Universo, a Quem os Hindus chamaram Indra e perante o Qual os
“Gandharvas” cantavam e os “Upsaras” dançavam.

A interpretação dessa estória é que o destino de todas as almas é dançar na


corte de Indra. Aprender a dançar perfeitamente na corte de Indra é, a bem dizer,
a arte da personalidade. Aquele que diz: “Mas como posso eu dançar? Não sei
dançar”, esse desfaz o seu objetivo, pois nenhum ser é criado para ficar de lado
e apreciar, mas para dançar na corte de Indra. Quem se recusa a dançar, mostra,
certamente, ignorância relativa ao grande objetivo para o qual toda essa
representação está sendo realizada no palco da vida.

II
GRATIDÃO
A gratidão no caráter é como o perfume na flor. Qualquer pessoa, por mais
inteligente e apta que seja no seu trabalho, se tem falta de gratidão, está
desprovida da beleza de caráter que torna a personalidade atraente. Se
apreciarmos o menor ato de bondade de que somos alvo, desenvolveremos o
espírito de gratidão em nossa natureza; e, aprendendo isso, nos elevamos ao
nível em que começamos a compreender a bondade de Deus para conosco, e
nunca poderemos ser bastantes gratos pela sua divina compaixão.

O grande poeta entre os Sufis, Saadi, ensina gratidão como meio de atrair os
favores, o perdão e a misericórdia de Deus sobre nós, para a salvação de nossas
almas. Há muito no mundo pelo que nos podemos mostrar gratos, apesar de
todas as dificuldades e perturbações da vida. Saadi diz: “O sol e a lua, a chuva
e as nuvens, tudo está ocupado em preparar vosso alimento. Portanto, é
realmente injusto se não apreciarmos isso reconhecidos”.

A bondade de Deus é algo que não se pode aprender de uma vez, é preciso
tempo para compreendê-la. Os pequenos atos de bondade que recebemos
daqueles que nos cercam não nos devem passar despercebidos, mas devemos
ser a eles bem reconhecidos. Desse modo, o homem começa então a
desenvolver o sentimento de gratidão e exprime-o em pensamentos, palavras e
atos, como modelo de perfeita beleza. Enquanto alguém pensa e diz: “O que fiz
por você e o que você fez por mim”, e “como tenho sido bom para você e como
você tem sido bom para mim”, perde seu tempo, discutindo sobre aquilo que não
pode ser explicado em palavras, além de que fecha assim essa fonte de beleza
que brota do âmago de nosso coração, A primeira lição que devemos aprender
no caminho da gratidão, é esquecer absolutamente o que fazemos para os
outros e lembrar somente o que os outros fazem por nós. Ao longo da jornada,
no caminho espiritual, o mais importante a realizar é esquecer o nosso falso ego,
para que algum dia possamos chegar à compreensão do Ser a Quem chamamos
Deus.

Conta-se que um escravo, chamado Ayaz, foi trazido à presença do rei com mais
outros nove, para que o soberano escolhesse um deles para seu servidor
particular. O sábio rei deu na mão de cada um dos dez, um copo de vinho e
ordenou-lhes que os atirassem por terra. Todos obedeceram à ordem. Então, o
rei perguntou a cada um deles: “Por que fizeste semelhante coisa?” Nove
responderam: “Porque Vossa Majestade assim ordenou” Era a pura verdade;
chegando, porém, a vez do décimo, Ayaz, este pensou que dizer ao rei “Por que
vossa Majestade assim ordenou”, com isso, nada de novo lhe diria, e respondeu:
“Sinto imenso, desculpai-me”. A beleza dessa expressão cativou o soberano,
que assim o escolheu para seu servo particular.

Pouco tempo depois, Ayaz ganhou o crédito e a confiança do rei, que lhe confiou
seu tesouro, no qual jóias preciosas estavam guardadas. Pela súbita ascensão
de Ayaz, de escravo a tesoureiro, houve muitos invejosos. Assim que o povo
soube que Ayaz tinha se tornado o favorito do rei, começou a fazer circular
numerosos boatos, a fim de o levar ao descrédito. Um deles, foi que Ayaz ia
diariamente ao quarto onde se achavam as jóias fechadas no cofre e as ia
roubando todos os dias, pouco a pouco. O soberano respondeu: “Não, não posso
acreditar em semelhante coisa, provem o que estão dizendo”.

Logo que Ayaz entrou no quarto, trouxeram o rei e o fizeram ficar de pé onde
havia uma pequena abertura dando para o quarto, a fim de ver o que lá se
passava. O rei viu Ayaz abrir a porta do cofre. Que tirou ele dali? Suas velhas
roupas, rasgadas, que usara enquanto escravo. Beijou-as, levou-as aos olhos e
colocou-as em cima da mesa. Aí, queimava incenso e o que Ayaz estava fazendo
era considerado por ele mesmo como sagrado. Em seguida vestiu as roupas
velhas e mirou-se no espelho, dizendo como se fosse uma prece: “Ouve, Ayaz,
vê o que já foste um dia. Foi o rei quem te fez, quem te confiou o encargo desse
tesouro. Portanto, cuida dele como do mais sagrado dever e dessa honra como
teu privilégio, como ato de amor e bondade do rei. Reflete que não foi o teu
mérito que te elevou a tal posição, mas a grandeza, bondade e generosidade do
rei, que fechou os olhos a tuas faltas e te concedeu esse lugar e essa posição,
pelos quais estás sendo, agora, honrado. Por conseguinte, nunca te esqueças
do primeiro dia, do dia em que vieste a esta cidade; é a lembrança desse dia,
que te conservará em teu próprio lugar”.

Logo depois, tirou as roupas, colocou-as no mesmo lugar em segurança e saiu.


Ao retirar-se, que viu Ayaz? Viu que o rei perante o qual ele se inclinava,
esperava ardentemente para o abraçar e dizer-lhe: “Que lição me deste, Ayaz!
É essa lição que todos nós precisamos aprender, seja qual for a nossa posição.
Porque diante daquele Rei, em Cuja presença todos nós somos escravos, nada
nos pode fazer esquecer o apoio pelo qual fomos engrandecidos, elevados e
trazidos à vida para agir, compreender e viver alegremente. Disseram-me que
tinhas roubado jóias do nosso tesouro mas, aqui vindo, descobri que roubaste
meu coração”.

III
IMPULSIVIDADE – DELICADEZA
Todo impulso tem sua influência na palavra e na ação. Sendo assim,
naturalmente, cada impulso exerce pleno poder através das palavras e ações a
não ser que seja reprimido. Há dois tipos de pessoas: as que adquiriram poder
de reprimir palavras e atos, quando esses exercem sua força total, expressando-
se rudemente; e as que, mecanicamente, permitem que o impulso natural
interfira em suas palavras e ações, sem lhes prestar a mínima atenção. O
primeiro tipo é por conseguinte delicado, e o último rude. Delicadeza é a principal
coisa na arte da personalidade. Pode-se ver como a delicadeza age como fator
principal em qualquer arte. Pintando-se, desenhando-se, em linhas e cores, é a
delicadeza que mais atrai a alma. Veremos o mesmo na música. Um músico
pode ter aptidão suficiente para tocar com agilidade e gosto, pode conhecer toda
a técnica, mas, o que produz beleza, é sua execução delicada. Na delicadeza
está todo o apuro.

A base de todo o aprimoramento está na delicadeza. Mas, de onde provém isso?


Da consideração que se dispensa a outrem e é praticada pelo autodomínio.
Existe um provérbio em linguagem hinduísta: “Quanto mais energia falta ao
homem, tanto mais ele se zanga com facilidade”. A razão é que ele não tem
controle sobre seus nervos. É geralmente a falta de autocontrole que produz a
carência de delicadeza.

Não há dúvida que aprendemos maneiras polidas pela consideração que


dispensamos a outrem. É necessário pensar, antes de falar ou agir, sem nos
esquecermos do belo. Não é bastante falar ou agir, mas falar ou agir
delicadamente. O progresso das raças e nações é expressado pela delicadeza.
Também o progresso da evolução da alma se expressa pela delicadeza. Nações,
raças, bem como indivíduos demonstrarão atraso em suas evoluções se lhes
falta a delicadeza.

Nas condições atuais do mundo, parece que a arte da personalidade tem sido
bastante descuidada. O homem, intoxicado pela cupidez e pelo espírito de
rivalidade que o cerca, acorrentado pelo comercialismo diário, fica atarefado na
aquisição do que lhe é necessário para viver, perdendo de vista a beleza, que é
a necessidade da alma, o interesse do homem em todas as coisas da vida:
ciência, arte, filosofia, ficam incompletas sem a arte da personalidade. Como foi
acertada a distinção feita na língua inglesa: homem e cavalheiro (“man” e
gentleman!)

IV
PERSUASÃO
Há uma tendência oculta no impulso humano, a qual pode ser chamada
tendência persuasiva e que se manifesta de forma rude ou polida. No primeiro
aspecto é um erro e no último, um engano. Quando a tendência persuasiva se
manifesta rudemente, o indivíduo insiste com o outro para concordar com ele,
atendê-lo ou fazer o que ele quiser, discutindo, insistindo e tornando-se
desagradável. Frequentemente, tal indivíduo, pela força de vontade ou por sua
melhor posição na vida, consegue o que deseja. Isso lhe dá coragem para
continuar com o mesmo método até se convencer de que o resultado não é
satisfatório, se é que o percebe.

O outro meio de persuadir é a maneira agradável, fazendo pressão sobre a


bondade, benevolência e polidez de alguém, esgotando-lhe assim a paciência,
pondo à prova sua simpatia até ao fim. Por esse meio, as pessoas conseguem
no momento o que desejam alcançar, resultando finalmente em contrariedade
de todos aqueles que foram submetidos a essa tendência persuasiva. Não é isso
uma prova de que realizar assim qualquer coisa é mais fácil que respeitar o
sentimento dos outros? É tão raro encontrar neste mundo uma pessoa que tenha
consideração pelos sentimentos de outrem, mesmo que seja sacrificando-se
para conseguir seus próprios desejos. Cada um procura liberdade, mas para si
próprio. Se ele pensasse o mesmo em relação aos outros, tornar-se-ia um
verdadeiro maçom.

A tendência persuasiva mostra, sem dúvida, grande força de vontade e abusa


da fraqueza dos outros, que se rendem e cedem, devido ao amor, à simpatia,
bondade, amabilidade e polidez. Mas há um limite para tudo. Chega o momento
em que o fio se parte. O fio é tênue, não é feito de aço. Mesmo o de aço se parte
quando é puxado com muita força. A delicadeza do coração humano não é
compreendida por todos. O sentimento humano é demasiadamente sutil para a
percepção comum. A que se assemelha um ser que desenvolve sua
personalidade? Não se assemelha à raiz ou ao tronco da planta, nem tampouco
aos galhos ou às folhas; ele se assemelha à flor; a flor com sua fragrância,
colorido e delicadeza.

V
VAIDADE
Toda manifestação é o meio pelo qual se exprime o espírito do Logos que, em
termos “SUFI” é chamado Kíbria. Esse espírito se manifesta através de todos os
seres em forma de vaidade, orgulho ou presunção. Vaidade expressada
rudemente é chamada orgulho. Se não fosse por esse espírito que age em cada
ser como o tema central da vida, não existiria no mundo o bem nem o mal, nem
haveria o grande nem o pequeno. Todas as virtudes e todos os vícios são frutos
desse espírito. A arte da personalidade é cortar as pontas agudas desse espírito
de vaidade que fere e perturba aqueles que encontramos na vida. Quem diz:
“EU”, quanto mais fala sobre isso, tanto mais perturba a mente dos seus
ouvintes.

Muitas vezes, somos educados polidamente, aprendemos maneiras


aprimoradas e linguagem bela; todavia, se existe esse espírito de vaidade
pronunciado, apesar de todas as boas maneiras e da linguagem bela, aparece
ele no pensamento, nas palavras ou nos atos do indivíduo, gritando; “Sou eu,
Sou eu”. Se o indivíduo se conserva mudo, sua vaidade se manifesta na
expressão do olhar. É uma das coisas mais difíceis de suprimir e controlar. A luta
dos adeptos, na vida, não é tão grande com as paixões e emoções, o que, mais
cedo ou mais tarde, com maior ou menor esforço, pode ser controlado; mas a
vaidade, essa sempre cresce. Cortando-se-lhe a haste, não se vive, porque ela
é o próprio indivíduo, é o “eu”, o ego, a alma ou o Deus interior; sua existência
não pode ser negada, e a luta contra ela, a embeleza e a torna tanto mais
tolerável, o quanto em sua forma primitiva é intolerável.

A vaidade pode ser comparada a uma planta mágica. Se alguém a vir crescendo
no jardim e a corta, ela crescerá em outro lugar, no mesmo jardim, como árvore
frutífera e, se a retirarem, ela surgirá aí, ainda, em outro lugar como roseira
fragrante, espalhando felicidade por aqueles que nela tocarem. Por conseguinte,
a arte da personalidade não ensina a desarraigar a semente da vaidade, a qual
não pode ser desarraigada, enquanto o homem viver, mas a sua rude aparência
exterior pode ser destruída a fim de que, após várias mortes, ela se manifeste
como a planta dos desejos.

VI
DIGNIDADE
A dignidade que, em outras palavras pode ser chamada respeito próprio, não é
uma coisa que se deve desprezar, considerando a arte da personalidade.
Quando alguém perguntar: qual esse princípio e como deve ser praticado, a
resposta é que qualquer maneira leviana e que tenda para a frivolidade deve ser
extirpada da natureza para manter essa dignidade que nos é tão preciosa.
Aquele que não se interessa por tal idéia, não precisa se preocupar com ela; isso
existe unicamente para quem vê algo no respeito próprio. A pessoa que respeita
a si mesma, será respeitada pelos outros, não obstante seu poder, posses,
posição ou grau social que tenha; em qualquer posição ou situação na vida, essa
pessoa imporá respeito.
Surge então a pergunta: a leviandade tem ou não tem algum lugar na vida, é ou
não de qualquer modo necessária? Tudo é necessário, porém, tudo tem seu
tempo. Dignidade não consiste em mostrar um semblante sombrio; respeito não
é mostrar-se severo; não é franzindo a testa nem por uma atitude rígida que se
mostra dignidade. Dignidade não é estar triste ou deprimido; consiste em agir
convenientemente e de acordo com as circunstâncias. Há ocasiões para
hilaridade e outras para seriedade. A pessoa que ri constantemente, perde o
poder do riso; a que é sempre leviana não impõe o respeito necessário na
sociedade. Além de que, leviandade constante faz com que, muitas vezes, se
ofenda os outros, sem intenção.

Aquele que não tem respeito por si próprio, não o tem pelos outros. Pode pensar,
no momento, que é indiferente às convenções e livre na expressão e no
sentimento, mas não sabe que isso o torna tão insignificante como uma tira de
papel, movendo-se por aqui e por ali, no espaço, levado pelo vento. A vida é um
mar e, quanto mais para além se viaja, tanto mais seguro deve ser o navio.
Assim, nesse mar da existência, para que o homem inteligente possa vencer na
vida, há um certo grau de ponderação exigido que dá equilíbrio à personalidade.
A sabedoria dá essa ponderação. Sua ausência é sinal de incapacidade. O
cântaro cheio d’água é pesado; a ausência d’água no cântaro é que o torna leve,
assim como o homem destituído de sabedoria se torna vazio, fútil.

Quanto mais se estuda e compreende a arte da personalidade, tanto mais se


acha que ela é o enobrecimento do caráter que progride para o objetivo da
criação. Todas as diferentes virtudes, maneiras aprimoradas e qualidades belas,
são manifestações de nobreza de caráter. Mas que é nobreza de caráter? É o
ponto de vista que tudo abrange.

VII
A PALAVRA
A pessoa de sentimentos nobres deixa ver algo de natural em seu caráter: a
estima de sua palavra, que é chamada palavra de honra. Para essa pessoa, sua
palavra é ela própria e isso pode chegar a tal ponto que até a própria vida será
sacrificada por essa palavra. Quem atingiu a esse grau não está longe de Deus,
pois nas Escrituras lê-se frequentemente: “Se quiserdes ver-Nos, vêde-Nos em
nossas palavras”. Se Deus pode ser visto em Suas palavras, a verdadeira alma
também pode ser vista através de sua palavra. Prazer, desgosto, doçura,
amargura, honestidade, desonestidade, tudo isso se observa nas palavras que
o homem diz; porque a palavra é a expressão do pensamento e o pensamento
é a expressão do sentimento. E que é o homem? O homem é seu próprio
pensamento e sentimento. Assim, que é a palavra? A palavra é a expressão do
homem e a expressão de sua alma.
O homem em cujas palavras se pode confiar, é digno de confiança. Nenhuma
palavra no mundo pode ser comparada à palavra de honra. Todo aquele que diz
o que pensa, prova com essa virtude, espiritualidade. Para quem preza a
verdade, voltar atrás com a palavra, é pior do que a morte, pois é retroceder em
vez de progredir. Toda alma caminha e progride para a finalidade e quem
realmente caminha para a finalidade, demonstra-o em suas palavras.
Atualmente, quando são necessários tantos tribunais e tantos advogados,
obrigando à manutenção de inúmeras prisões, que aumentam dia a dia, eis aí
uma demonstração da falta dessa virtude, que é a palavra de honra, e que foi
sempre avaliada pelos nobres de pensamento, desde o princípio da civilização,
porque com tal qualidade o homem mostra a virtude humana, qualidade que não
pertence aos animais nem é atribuída aos anjos. Que é religião? Religião, no
verdadeiro sentido da palavra, não pode ser explicada. É um fio tênue, delicado
ao tato, pois é excessivamente sagrado para ser tocado. É o ideal que pode ser
desfeito se for tocado e que pode ser encontrado na sensibilidade que, em outras
palavras, pode ser chamada espiritualidade, respeito pela palavra.

Muitos neste mundo têm vivido através de sacrifícios; dores e sofrimentos lhes
têm sido infligidos, mas, unicamente para pôr à prova a virtude de sua palavra
pois, como é sabido, qualquer virtude tem de ser submetida à prova de fogo.
Quando a virtude é provada por meio de experiências, torna-se sólida. Isso pode
ser praticado em qualquer coisa que se faça na vida diária. Quem diz agora uma
coisa e daí a pouco outra, até o seu próprio coração começa a desacreditá-lo.

Os grandes que têm vindo à terra de tempos em tempos e que têm mostrado
muitas virtudes elevadas, entre eles a “palavra de honra” tem tido a mais alta
consideração. Maomé, antes de se apresentar ao mundo como profeta, era
chamado Amin por seus companheiros, o que significa digno de confiança. A
estória de Haria Chandra é conhecida pelos Hindus através dos séculos; o
exemplo que ele deu está gravado no pensamento da raça inteira.

A estória de Hatim, um Sufi que viveu há muitos anos, foi uma grande inspiração
para o povo da Pérsia. Em qualquer parte do mundo e em qualquer época,
segundo pensadores profundos e idealistas, a “palavra de honra” deve ser
prezada ao máximo.

VIII
ECONOMIA ESPIRITUAL
Existe um senso e uma tendência de economia qualquer, mais ou menos em
todo ser e, quando essa tendência se manifesta naqueles que nos cercam e com
quem convivemos, desenvolve-se a nossa personalidade. A vontade de poupar
a outrem a paciência em vez de submetê-la a uma prova extrema, é tendência
de economia, de elevadíssima compreensão de economia. Procurar poupar a
quem quer que seja o emprego de sua energia, é acrescentar beleza à própria
personalidade. Aquele qua ignora isso, torna-se com o tempo um estorvo para
os outros. Ele pode ser inconsciente, mas torna-se um obstáculo, porque não
tem consideração pela sua própria energia nem atenção para com a dos outros.

Essa consideração aparece no indivíduo quando ele começa a compreender o


valor da vida. Assim que ele começa a considerar esse assunto, poupa a si
mesmo pensamentos, palavras e ações inúteis, pois passa a fazer uso de tudo
economicamente; e, avaliando a própria vida e as próprias ações, aprende a
avaliar a dos outros. O tempo da vida humana neste mundo é muito precioso,
por conseguinte, quanto mais se pratica o uso econômico do tempo e da energia
que são preciosíssimos, tanto mais se aprende a desfrutar o que a vida tem de
melhor.

Sem nos referirmos ao que falamos, mesmo ouvir os outros falarem é uma
tensão contínua; rouba o tempo e a energia do indivíduo. Quando alguém não
compreende ou não se esforça por compreender o que foi dito com uma palavra
e quer pôr numa frase o que podia ser dito nessa única palavra, não tem,
certamente, idéia de economia; pois a economia do próprio dinheiro é menos
importante do que a de sua vida, de sua energia e da vida e energia dos outros.
Por amor ao belo, à graça e ao respeito, tratando-se com outrem, pode-se ir bem
longe, mas nunca demais. Não se pode tratar do mesmo modo um amigo, um
conhecido e um estranho. Aí, ainda a questão de economia deve ser
considerada. Experimentar a tal ponto a bondade, a benevolência, a
generosidade e paciência sem idéia de economia, é transformar, afinal, a
experiência em desvantagem para todos. Aquele que é bastante sensato para
guardar seus interesses na vida, pode ser chamado capaz, mas aquele que zela
melhor pelo interesse alheio do que pelo seu próprio, é sábio, pois agindo assim,
sem consciência, ele o faz também em interesse próprio. É o mesmo sentido de
economia que se emprega em pequenos detalhes da vida diária, íntima e na de
negócios; o mesmo sentido de economia empregado de modo mais elevado,
assim como a solicitude e a consideração, torna o homem mais capaz de servir
a outrem, o que é a religião das religiões.

IX
JUSTIÇA
Depois de adquirir o refinamento de caráter, das virtudes e dos méritos que são
necessários na vida, a personalidade pode-se tornar completa pelo despertar do
sentimento de justiça. A arte da personalidade esculpe estátuas, belos modelos
de arte, mas quando o sentimento de justiça é despertado, essas estátuas
adquirem vida, porque no sentimento de justiça está o segredo da evolução da
alma. Todos conhecem o nome de justiça, mas raramente se pode encontrar
alguém que seja realmente justo por natureza, em cujo coração tenha sido
despertada a sensação da justiça.

O que acontece, geralmente, é que cada um pretende ser justo, apesar de estar
longe de sê-lo. O desenvolvimento da justiça está no desinteresse; não se pode
ser justo e egoísta ao mesmo tempo. O egoísta pode ser justo, mas só para si.
Ele tem sua própria lei, uma lei que melhor lhe convém e que pode ser modificada
à sua vontade, e o raciocínio o ajudará a assim fazer, a fim de satisfazer as
próprias exigências da vida. Uma centelha de justiça pode ser encontrada em
todos os corações, em todas as pessoas, seja qual for o estado de evolução na
vida, mas, aquele que ama a justiça, sopra, digamos assim, essa centelha,
transformando-a numa chama, à luz da qual a vida se torna para ele mais
compreensível.

Há tanto que dizer sobre justiça, tantas contestações a respeito e, finalmente,


encontramos pessoas discutindo esse assunto e discordando umas das outras;
pensando que têm razão, nenhuma admitirá que a outra a tenha também.

Aqueles que aprendem realmente a ser justos, sua primeira lição é a que Cristo
ensinou: “Não julgueis o próximo para que não sejais julgados”. Pode-se então
perguntar: “Como aprender a ser justo se não se deve julgar?” Aquele, porém,
que julga a si mesmo, pode conhecer a justiça e não aquele que se entretém
julgando os outros. Nesta vida de limitações, se alguém julgou unicamente a si,
encontrará no próprio íntimo tantas e tantas faltas e fraquezas e, quando tratando
com outros, tanta deslealdade que, para aquele que realmente deseja conhecer
a justiça, a própria vida será matéria suficiente para apreendê-la.

Surge, então, em sua vida um período de culminância, de maior desenvolvimento


da alma, quando a justiça e a lealdade atingem ao apogeu, em que o indivíduo
se torna isento de censura; ele nada tem que dizer contra alguém e, se tiver
alguma observação a fazer, é unicamente contra si próprio. E é desse ponto que
se começa a ver a justiça divina oculta nesta manifestação. Isso aparece na vida
do homem como uma recompensa concedida do céu, uma recompensa que é
dada em confiança por Deus, para distinguir tudo o que é justo e injusto, na
brilhante e resplandecente luz da perfeita justiça.

X
REFINAMENTO INTERIOR –
HARMONIA – BELEZA
A arte da personalidade é semelhante à arte da música; requer ouvido educado
e cultura de voz. Para aquele que conhece a música da vida, a arte da
personalidade vem naturalmente, pois não só é antiartístico como discordante
aquele que demonstra falta dessa arte na personalidade. Quando o homem
considera cada indivíduo como um som musical e aprende a reconhecer se esse
som é forte ou fraco, grave ou agudo e a que tom pertence, torna-se então
conhecedor da humanidade e sabe como tratar a todos. Ele apresenta a arte nas
próprias ações, na linguagem; harmoniza-se com o ritmo da atmosfera, com o
timbre da pessoa, com o tema do momento. Tornar-se apurado é tornar-se
musical; é a alma musical que é artística na sua personalidade. A mesma palavra
dita em diferentes tons, muda de significação. Uma palavra dita no momento
apropriado ou contida a tempo, completa a harmonia da vida.

É uma inclinação contínua produzir o belo, que ajuda o indivíduo no


desenvolvimento da arte relativa à personalidade. É estranho como o homem se
sente prontamente inclinado a aprender o polimento exterior e como tantos
indivíduos são tão vagarosos em desenvolver essa arte, interiormente. Devemos
nos lembrar de que o impulso exterior não tem significação se não for impelido
para o belo por outro impulso interior. Pode-se aprender na estória de Indra, Rei
do Paraíso, como Deus fica satisfeito com o homem. Na corte de Indra os
“Gandharvas” cantam e os “Upsaras” dançam. Quando interpretado em palavras
singelas, isso significa que Deus é a essência da beleza; foi o Seu amor pelo
belo que produziu Sua própria beleza na manifestação, pois esse é o desejo por
Ele realizado no mundo objetivo.

É interessante, muitas vezes, observar como maneiras distintas molestam


aqueles que têm orgulho das próprias maneiras incivis. Eles as consideram
inúteis, porque o orgulho é ofendido em vista daquilo que não alcançaram.
Aquela cuja mão não alcança a videira, diz, nessa impossibilidade, que as uvas
estão verdes. E para alguns é, ainda, demasiado belo tornar-se apurado, assim
como muitos não gostam da música clássica, mas sentem-se inteiramente
satisfeitos com a música popular, e outros ficam até cansados com as boas
maneiras por parecerem estranhas à sua natureza.

Assim como não há mérito em se tornar inarmonioso, também não há sabedoria


em ser contra a polidez. Devemos apenas sentir em nós o belo e desenvolvê-lo,
confiantes de que, no íntimo de cada ser, a beleza e sua expressão denotam, de
qualquer forma, sinal de evolução da alma.

XI
CORDIALIDADE E LARGUEZA DE VISTAS
Uma atitude amiga, expressa em pensamentos, palavras e atos simpáticos, é a
coisa principal na arte da personalidade. Há um horizonte ilimitado para mostrar
essa atitude e, embora a personalidade esteja muito desenvolvida, nunca está
demais nesse sentido. Espontaneidade, a tendência de dar, dar aquilo que faz
prazer a alguém, eis aí a atitude amável. A vida tem inúmeras obrigações para
com amigos e inimigos, conhecidos e estranhos. Nunca somos demasiado
conscienciosos relativamente às próprias obrigações. Nunca se faz demais, para
cumpri-las. Fazer mais do que se pode, vai talvez além das forças de cada um;
fazendo, porém, o que se deve, cumpre-se o dever da vida.

A vida é uma intoxicação e o efeito dessa intoxicação é a negligência. As


palavras Hindus “Dharma” e “Adharma”, religião e irreligião, significam que o
dever de cada um na vida é “Dharma” e a negligência do mesmo dever é
“Adharma”, Aquele que não está ciente de suas obrigações para com todos os
seres com os quais está em contato, é realmente irreligioso. Muitos dirão:
“Esforçamo-nos por fazer o melhor possível, mas não o sabemos”; ou “Não
sabemos qual o nosso dever”, ou “Como saberemos realmente qual é ou não o
nosso dever?” Ninguém neste mundo pode ensinar qual é ou não o dever de
cada um. Cabe a todo indivíduo procurar por si mesmo tornar-se conhecedor das
próprias obrigações. Quanto mais consciencioso é o indivíduo, tanto mais
obrigações ele encontra para cumprir, não havendo fim para elas.

Em todo caso, nessa luta contínua, o que lhe pode parecer a princípio uma
perda, será um lucro finalmente, pois o homem se encontrará face-a-face com
seu Senhor, que está sempre vigilante. Os olhos do homem que não cumpre seu
dever para com o semelhante, absorvido na intoxicação da vida, devem-se tornar
certamente ofuscados e a sua mente exausta, perante Deus. Isso não quer dizer
que certa alma seja destituída da visão divina, apenas significa que, aquele que
ainda não aprendeu a abrir bem os olhos, não usufruirá da visão de Deus
enquanto seus olhos estiverem fechados. Todas as virtudes vêm de um largo
horizonte na vida. Por conseguinte, a nobreza de alma, está resumida na
amplidão da atitude que o homem toma na vida.
CAPÍTULO 3

Purificação Mental

I
A PURIFICAÇÃO MENTAL
Devemos limpar e purificar o corpo e devemos também – talvez seja ainda mais
necessário – manter mente limpa e pura. A causa das doenças está nas
impurezas, que também são responsáveis pela irregularidade no funcionamento
do sistema físico. Com a mente acontece o mesmo: há impurezas na mente que
causam diversos males. Se limparmos a mente, ajudaremos a conservar a saúde
tanto do corpo como da mente. Quando falo na saúde, refiro-me ao estado
natural do ser humano. O que é espiritualidade? É ser natural.

Poucos pensam deste modo. Há pessoas que julgam que ser espiritual é ter
capacidade para operar maravilhas, poder ver coisas estranhas, fenômenos
espetaculares e são poucos os que sabem como é simples ser espiritual, que
ser espiritual quer dizer ser natural.

A purificação mental pode ser feita de três maneiras diferentes. A primeira é


manter a mente quieta, pois muitas vezes a atividade da mente produz
impurezas. Se acalmarmos a mente, removeremos dela as impurezas. É como
se afinássemos a mente ao seu tom natural. A mente pode ser comparada a um
tanque com água: quando a água do tanque está parada, o reflexo é nítido; e a
mesma coisa acontece com a mente. Quando a mente está perturbada não
reflete com nitidez a intuição e a inspiração que recebemos. Logo que a mente
se acalma, recebe o reflexo nítido, como o que recebe o tanque quando a água
está parada.

Esse estado de quietude da mente é obtido pela prática do repouso físico. Sentar
numa determinada posição traz um determinado efeito. A ciência dos místicos
ensinou-nos as maneiras diferentes de sentar em silêncio e cada uma delas tem
um significado diferente. Não pensem que esse significado é pura imaginação.
As diversas posições de sentar produzem determinados resultados.
Pessoalmente, e por intermédio de outras pessoas, sei por experiência como a
atitude da mente é modificada, quando sentamos de uma determinada maneira.
Os antigos sabiam disso e descobriram novas posturas para determinadas
pessoas. Há a maneira de sentar do guerreiro, do trabalhador, do estudante,
daquele que medita, do homem de negócios, do advogado, do juiz e do inventor.
Podemos imaginar como foi maravilhoso os místicos fazerem essa descoberta e
a terem experimentado durante anos – a descoberta do grande efeito que uma
pessoa tira, especialmente sua mente, em sentar-se numa determinada posição.

Vivemos essa experiência em nossa vida cotidiana, só que não lhe prestamos
atenção. Às vezes sentamos de uma certa maneira e ficamos inquietos. Quando
sentamos de outra maneira, ficamos calmos. Se sentamos numa determinada
posição ficamos inspirados e se sentamos de outra maneira ficamos sem
energia, sem entusiasmo. Com a ajuda de uma determinada postura,
acalmamos a mente e a purificamos.

A segunda maneira de purificar a mente é usando a respiração. É muito


interessante para um oriental ver que, algumas vezes, o ocidental aplica
inconscientemente em seus inventos os princípios do plano místico. Inventaram
uma máquina para varrer tapetes ao mesmo tempo que aspira o pó. É o mesmo
sistema de expulsão de dentro para fora: a maneira correta de respirar é sugar
a poeira de dentro da mente e atirá-la para fora. Os cientistas vão mais além,
pois afirmam que o indivíduo expele dióxido de carbono. Os gases maléficos são
expulsos do corpo quando expiramos. Os místicos vão mais longe que os
cientistas, dizendo que esses gases não são só extraídos do corpo, mas também
da mente. Se soubermos remover as impurezas, podemos remover muito mais
do que imaginamos. Podemos remover as impurezas da mente, usando a
maneira correta de respirar. Por este motivo é que os místicos combinam a
respiração com a postura. A postura ajuda a acalmar a mente e a respiração
ajuda a limpar a mente. As duas coisas andam juntas.

A terceira maneira é purificar a mente pela atitude. É preciso adotar uma atitude
correta em relação à vida. É o caminho moral e a estrada real da purificação.
Podemos respirar e sentar em silêncio em centenas de posições, mas se não
temos uma atitude correta em relação à vida, jamais nos desenvolveremos. Essa
atitude é o principal. Perguntareis: “Qual deve ser a atitude correta?” A atitude
correta depende da maneira de interpretar nossos defeitos. Estamos muitas
vezes prontos a defender os nossos defeitos e erros e somos propensos a
considerar como um bem o que fazemos de mal. No entanto, não usamos a
mesma atitude em relação aos outros. Achamos que devemos censurar quando
chega a nossa vez de julgar os nossos semelhantes. É tão fácil desaprovar o
que os outros fazem! É ainda mais fácil antipatizar com as pessoas e não é de
todo difícil dar um passo mais à frente e odiar. Quando agimos assim, pensamos
que não estamos causando mal algum. Embora esses sentimentos se
desenvolvam internamente, somente os notamos exteriormente. Vemos nos
outros toda a maldade acumulada no nosso íntimo. O homem, assim, vive
sempre iludido: está sempre contente consigo e culpa constantemente os outros.
O extraordinário é que sempre o homem mais censurável é o que mais censura.
É melhor explicá-lo de outra maneira: é justamente porque culpamos demais os
outros que nos tornamos mais culpados.

A beleza existe na forma, na cor, nos traços, nas maneiras e no caráter. Certas
pessoas não possuem beleza e outras possuem beleza demais. Somente a
comparação é que nos leva a pensar que uma pessoa é melhor do que outra.
Se não comparássemos, notaríamos que todas as pessoas são boas. A
comparação é que nos faz pensar que determinada coisa é mais bonita que
outra, mas, se olhássemos com mais atenção, poderíamos ver a beleza que
também existe nos outros. Às vezes não somos justos em nossas comparações
pelo simples fato de que, embora hoje a nossa mente determine o que é bom e
belo, dentro de um mês ou um ano, estamos sujeitos a mudar de concepção.
Isto é uma prova de que, quando olhamos alguma coisa, apreciamo-la se sua
beleza se manifestar aos nossos olhos.

Não há nada de surpreendente em alguém chegar a um estágio e dizer: “Amo


tudo que vejo no mundo apesar de todos os sofrimentos, lutas e dificuldades.
Tudo é válido”. Outro diz: “Tudo que vejo nada mais é do que miséria. A vida é
feia. Não existe nem um pouco de beleza neste mundo”. Cada um deles está
certo de acordo com seu ponto de vista. São sinceros. Divergem porque olham
a vida de maneira diferente. Têm razões para aprovar ou desaprovar a vida. O
que acontece é que um se beneficia com a visão da beleza e o outro perde por
não apreciá-la, em face de não poder ver a beleza que há na vida.

Assim, pois, adotando uma atitude incorreta, a mente acumula impressões


indesejáveis recebidas dos outros, porque ninguém é perfeito neste mundo.
Todos têm um lado sujeito a críticas e que precisa ser corrigido. Quando olhamos
para tal lado, acumulamos impressões que nos fazem ficar cada vez mais
imperfeitos, pois elas recolhem imperfeições, e o nosso mundo passa a ser um
mundo de imperfeições. Quando a mente se transforma numa esponja cheia de
impressões indesejáveis, o que a mente emitir será também indesejável.
Ninguém pode falar mal de alguém sem que isso o afete, pois o que fala mal dos
outros, torna-se também mau.

Do ponto de vista moral, deve-se aprender a purificar a mente na vida diária.


Devemos fazer o possível para ver as coisas com simpatia, de maneira favorável.
Ver os outros como nós próprios nos vemos, colocando-nos no lugar dos outros
ao invés de acusá-los por suas fraquezas. As almas vêm à terra imperfeitas e
mostram imperfeições. Vão-se desenvolvendo com naturalidade à proporção
que avançam no caminho da perfeição. Se todos nós fôssemos perfeitos, não
haveria objetivo algum na criação do homem. A manifestação foi criada para dar
oportunidade a todos os seres de se elevarem, deixando a imperfeição para
atingir a perfeição. Este é o objetivo e a alegria da vida. Para isso é que o mundo
foi criado. Se esperássemos encontrar um ser perfeito em todos os homens, um
ser em perfeitas condições, não existiria alegria em viver e não haveria nenhum
objetivo para a nossa vinda à terra.

A purificação mental, pois, significa purificar a mente de todas as impressões


indesejáveis. Não devemos apenas esquecer as fraquezas alheias, mas chegar
ao estágio em que passamos a esquecer as nossas próprias faltas. Tenho visto
indivíduos justos e corretos, mas tanto se acusaram de erros cometidos que
acabaram errados. Concentrar-se continuamente nos próprios erros é gravar
esses erros na mente. O princípio fundamental é esquecer os outros e esquecer-
se de si mesmo, obrigando a mente a acumular tudo que seja bom e belo.

Há uma ocupação bastante significativa dos garotos de rua na Índia. Apanham


terra de certo lugar e possuem um método que lhes permite achar nessa terra
metais como ouro ou prata. O dia inteiro suas mãos estão metidas na poeira.
Que procuram? Ouro e prata.

Neste mundo de imperfeições, quando procuramos achar o que é bom e belo,


há muitas oportunidades de encontrar decepções, mas se continuarmos a
procurar, não olhando a poeira e procurando o ouro, na certa o encontraremos.
Logo que começarmos a achar o ouro, continuaremos a encontrá-lo cada vez
mais. Chega um momento na vida do homem em que ele pode encontrar algo
de bom até no pior dos homens. Quando chegar a esse estágio, o homem porá
a mão no que é bom, embora esteja escondido debaixo de milhares de camadas,
porque está procurando o que é bom e atrai o que é bom.

II
A MENTE PURA
A mente pura não gera fenômenos, porque é ela própria um fenômeno.

Havia um homem que desejava ter uma certa estante para a sala e não sabia
onde encontrá-la. Tinha em mente, porém, uma idéia bem definida da estante
que queria. Logo que chegou à cidade e avistou a primeira loja, os olhos caíram
na estante de seus sonhos. Talvez não encontrasse outra estante igual em toda
a cidade. A mente conduziu-o ao objeto que desejava. De onde parte essa
intuição? Da pureza da mente.

A mente pode ser comparada à água. Apreciar um curso d’água fluindo em toda
sua pureza é uma das maiores alegrias que podemos ter, assim como beber
água pura. O mesmo acontece com a mente. O contato com seres de mente
pura é um dos maiores prazeres, quer esses seres falem ou não conosco.
Emana deles uma tal pureza, uma pureza tão natural, que não é produzida pelo
homem mas pertence à alma e que nos proporciona o maior prazer e alegria. Há
outros seres que aprenderam como falar aos outros e entretê-los. Têm maneiras
polidas, sua sagacidade é exagerada e usam uma linguagem artificial. Que valor
têm essas coisas? Se não houver pureza de mente nada disso poderá
proporcionar a alegria que todas as almas desejam.

Vulgarmente se diz que quem possui mente pura, às vezes parece ser bom
demais para viver, dando a impressão de não possuir senso comum. Parece
também que não pertence a este mundo. É verdade, mas a culpa não é do
indivíduo de mente pura. A culpa é do mundo que é mau. O mundo está indo de
mal a pior. O indivíduo que possui a mente pura começa a ser posto de lado
como um banido, e a ser considerado incapaz de fazer qualquer coisa que venha
a tentar. O que importa? Um homem pode ser um puro mentalmente e ser ao
mesmo tempo um sábio. O puro mental pode também tratar de assuntos
mundanos tão bem, com tanta capacidade como um homem comum. O que
possui uma mente impura é capaz de alcançar sucesso na vida, mas tal sucesso
não será duradouro.

Falando em sucesso e fracasso, não há princípio algum em que nos possamos


basear. Não é verdade que é preciso que se seja bom, honesto e ter a mente
pura para ter sucesso. Às vezes o oposto é que é mais verdadeiro, mas também
não podemos dizer que é preciso ser esse oposto para ter sucesso.
Frequentemente, as causas dos grandes fracassos são a desonestidade e a falta
de pureza mental. Se há lei para isso, essa lei vem da honestidade e da bondade
e consequentemente o sucesso que alguém teve. Quem teve sucesso em
qualquer coisa sem honestidade e bondade, fracassará no dia em que for
honesto e bondoso. O caminho dos dois é diferente. Todas as atitudes mentais
influem nos assuntos de nossas vidas. É maravilhoso prestar atenção nisso.
Quanto mais pensamos, mais provas temos de que o sucesso e o fracasso
dependem inteiramente da atitude da mente.

Um amigo, vendedor de uma grande joalheria, contou-me uma coisa muito


interessante. Às vezes vinha visitar-me para falar sobre filosofia e contou-me o
seguinte: “Há algo de muito estranho no que aconteceu comigo mais de uma
vez. Ao chegar à casa de um freguês, onde pensava poder obter um preço mais
alto para a mercadoria do que o estipulado e tentava pedir mais do que sabia ser
o valor da mesma, não era bem-sucedido sempre que caía nessa tentação.
Sentia-me mais desencorajado ainda a agir do mesmo modo quando via meus
colegas vender uma pedra a alguém que estava entusiasmado por obtê-la a um
preço em geral, quatro vezes maior do que o seu valor real. Por que eram eles
bem-sucedidos e eu não?” Respondi: “Seu caminho é diferente do caminho de
seus colegas. Seus colegas podem ser bem-sucedidos, usando a
desonestidade, mas se você seguir esse caminho não terá sucesso”.

Assim, pois, quando estamos ocupados no trabalho do desenvolvimento mental,


purificando a mente, podemos ser obrigados a fazer pequenos sacrifícios, sofrer
pequenos fracassos, mas com isso alcançaremos algo de real substância e que
vale a pena realmente possuir. Se não perdermos a coragem por causa de um
pequeno fracasso, chegaremos certamente a um estágio em que alcançaremos
o sucesso. As fontes da inspiração são libertadas pela pureza da mente. De outra
forma, ficariam cativas. É por meio da inspiração que gozamos e apreciamos
tudo que há de belo e criamos o que é bom, para alegria e prazer dos nossos
semelhantes.

Visitei um dia o atelier de um pintor já falecido. Sentei-me por 15 minutos e


comecei a sentir tal depressão que perguntei à viúva: “Qual era o estado de
espírito de seu marido?” ao que me respondeu: “Horrível. Seu espírito estava
despedaçado”. “É isso que exprime a sua pintura” – disse-lhe eu.

O efeito da pintura era tão forte que quem olhasse aqueles quadros, sofreria a
mesma influência. Quando temos pureza mental, criamos pureza. Em tudo que
fazemos – arte, política, negócios, música, indústria – deixamos extravasar a
pureza de nossa mente a tal ponto que até os que nos rodeiam, os estranhos e
os amigos tomam parte em nossas alegrias. Costumamos dizer que as moléstias
são infecciosas. A pureza da mente também é contagiosa. Seu efeito é criar
pureza nos outros. Alguns conservam essa pureza por muito tempo, outros por
pouco tempo, dependendo da mente.

A mente é um armazém onde ficam guardados todos os conhecimentos que


acumulamos por meio de estudos, experiências, impressões e por qualquer um
dos cinco sentidos. Em outras palavras, todos os sons, mesmo o som ouvido
uma só vez, fica gravado naquele armazém. As formas que nossos olhos vêem,
mesmo se apenas as vislumbramos, são ali registradas. Quando temos o
coração puro, ele projeta a luz que vem da alma, da mesma maneira que a luz,
quando é projetada por um refletor. Um dos fenômenos mais maravilhosos é que
a luz é projetada pela força da vontade no lugar certo, dentro do armazém,
quando procuramos encontrar o que queremos. Por exemplo, vimos só uma vez
uma certa pessoa, há muitos anos, e se ela surgir à nossa frente diremos: “Já vi
essa pessoa antes, mas onde?” Neste preciso momento, projetamos a luz da
alma no retrato que fizemos dessa pessoa e que ficou gravado em nossa mente
há anos atrás. Lá estava ele, mas não tínhamos esquecido desse retrato
completamente. No momento em que desejamos vê-lo, nossa alma projetou luz
no exato local onde se achava o retrato. O que é ainda mais maravilhoso é que,
com certeza, existem milhares de retratos armazenados em nossa mente. Por
que a luz foi projetada justamente naquela imagem? Aí é que está o fenômeno.
A luz interior tem um poder enorme, é uma força criada pela natureza e, por esse
motivo, quando é projetada, vai diretamente ao lugar exato.

Quando falo na palavra “mente” eu me refiro ao que é chamado comumente de


mente subconsciente. O armazém de que falei acima é a mente subconsciente,
Nesse armazém existem coisas que vivem. Todos os pensamentos e impressões
são coisas vivas. Na mente não existe nada sujeito à morte. Tudo lá vive e vive
muito, mas quando não somos conscientes, isso fica em nossa mente
subconsciente.

Por exemplo, recomendou-se a alguém que visitasse um amigo em certo dia,


numa data determinada. Essa pessoa escreveu no seu caderno de notas, mas
acabou esquecendo. Quando estava em seus afazeres diários chegou um
momento em que lhe veio o pensamento de que tinha um encontro e disse:
“Precisava estar na casa de meu amigo! Não fui, pois esqueci completamente,
mas devia ter ido. Por que não fui? Por que me esqueci?” Nessa ocasião essa
idéia que veio à sua lembrança estava na mente subconsciente e como era
vontade dessa pessoa saber ela veio à tona. Tal pessoa ainda sabia sem dúvida
que tinha um encontro, que precisava ter ido a ele. Apenas esqueceu-se
momentaneamente. Onde estava a idéia? Na parte da mente chamada
subconsciente.

Havia um discípulo muito interessado em exercícios espirituais e em assuntos


metafísicos. Deixou-me e tornou-se um homem de negócios. Dedicava todo seu
tempo aos negócios. Esqueceu-se completamente de mim. Deixou de fazer seus
exercícios espirituais por dez anos. Um dia cheguei à cidade onde ele residia e
o discípulo lembrou-se então do velho mestre que tinha voltado. Ao assistir
minha palestra, num instante voltou à sua lembrança tudo que havia aprendido
comigo há dez anos. O que havia aprendido aguardava apenas uma
oportunidade para vir à tona. Disse-me: “Está tudo vivo para mim. Por favor, diga-
me o que devo fazer”. Estava novamente impaciente para prosseguir.

São assim as coisas. Tudo que existe na mente, as coisas que jamais havíamos
pensado, coisas que nunca nos preocuparam, ficam armazenadas. Quando
dispomos de tempo, no intervalo de nossas ocupações sociais, essas coisas se
tornam vivas.

A morte traz o repouso. Depois da morte, a mente passa a ter mais vida, uma
vida mais real do que a vida na terra. A morte ergue os véus, a morte é a remoção
de uma capa. Depois da morte, a alma passa a conhecer muitas coisas sobre
sua própria existência e sobre todo o universo, coisas que até então se achavam
ocultas. Portanto, na vida além da morte, ser-nos-á dado compreender o que nos
foi dito sobre o céu e o inferno e fomos acumulando na mente. Hoje a nossa
mente está em nós; na outra vida, nós é que estaremos em nossa mente. Essa
mente, pois, que agora é mente, na vida além da morte será o mundo! Se for
céu, será céu, se for outro lugar será esse outro lugar. Será o que pensarmos.
Ninguém será atraído e lá colocado. Nós é que o fizemos para nós mesmos,
para nossa própria conveniência.

O que procuramos, achamos. Se for um vestido caro e se esse vestido era


realmente importante para nós, vamos achá-lo. Se verificarmos que não é
importante, que é uma tolice, vamos achá-lo da mesma maneira.
Mesmo as coisas inúteis adquirem forma na mente, pois tudo tem forma. É uma
forma, parecida com a origem das impressões. Por exemplo, não é só uma
pintura, um retrato, que tem uma forma perceptível. A música também tem sua
linguagem. Os olhos não vêem essa linguagem, que é entendida pelo ouvido.
Assim, a mente acumula até formas de coisas como a acidez, o doce, o amargo,
o picante e as formas dos variados sabores. Não vemos essas formas, mas elas
ficam registradas na mente numa forma que distinguimos. Os olhos não vêem a
forma, mas a mente realmente a vê da maneira como um dia provamos esses
sabores. Para a mente, essas formas são inteligíveis, exatamente da mesma
maneira como a mente recebe essas formas por meio dos diferentes sentidos.

Após à morte várias impressões permanecem na mente. O que é “ser”


individual? “Ser” individual é estado como de nevoeiro. Quando os diversos
órgãos do corpo não podem prender o espírito por mais tempo, enfraquecem-se
e o espírito abandona o corpo. O corpo morre, mas o espírito sobrevive. O
espírito é tão individual como a pessoa era individual no seu corpo físico. Depois
que o corpo físico desaparece, as impressões que não são físicas ficam mais
distintas, porque a limitação do corpo físico desapareceu. O corpo físico é uma
grande limitação. Quando o corpo físico desaparece, a individualidade se torna
mais distinta, tem maior capacidade de funcionar do que tinha no plano físico.

III
DESAPRENDER
É muito difícil esquecer o que se aprendeu. Aprender é uma coisa, desaprender
é outra. Chegamos à realização espiritual por meio do desaprender. Há pessoas
que consideram crença, sua religião. Na verdade a crença é um degrau para a
religião. Se eu definisse a crença diria que ela é justamente como uma escada
que nos leva a uma realização mais alta. Entretanto, ao invés de subir essa
escada o que fazemos é permanecer nela. É o mesmo que aconteceria à água
corrente, caso ela não mais corresse. Há indivíduos que fizeram de sua crença
algo rígido e assim, ao invés de se beneficiarem, prejudicam-se. Se não fosse
assim, pensaríamos que todos que acreditam em Deus, na verdade, e na vida
além da morte seriam melhores do que os que não crêem, mas acontece é que
são piores, porque estão escravizados pela crença que adotaram.

Muitas vezes fico numa posição difícil, em que pouco posso dizer, especialmente
quando alguém me procura com idéias preconcebidas e deseja que eu lhe dê
orientação espiritual. Ao agir assim, tem em mira verificar se seus pensamentos
coincidem com os meus e se eles se adaptam aos seus. Esse indivíduo não se
quer escravizar para seguir a orientação que lhe for dada. Sua intenção ao me
procurar não foi seguir meus pensamentos; foi, sim, ter uma confirmação de que
suas idéias estão certas. Entre cem pessoas que aparecem para receber
orientação espiritual, noventa e nove têm essa intenção. Qual a significação?
Não querem desistir das próprias idéias. O que desejam é confirmar se suas
idéias estão corretas.

Do começo ao fim do caminho da realização espiritual, precisamos desaprender


o que aprendemos. Como se consegue desaprender? O que aprendemos fica
dentro de nós. Podemos desaprender se nos tornarmos mais sábios. Quanto
mais sábios ficamos, mais somos capazes de contradizer nossas próprias idéias.
Quanto menos sábios ficamos, mais nos apegamos às próprias idéias.
Encontramos nas pessoas mais sábias uma boa vontade em se submeter aos
outros, ao passo que as pessoas mais tolas estão sempre prontas a ficar firmes
em suas idéias e sustentá-las. A explicação é que uma pessoa que adquire
sabedoria, pode facilmente renunciar aos seus pensamentos, enquanto que uma
pessoa tola se apega aos pensamentos próprios. Por este motivo, um tolo não
adquire sabedoria, pois obstina-se em suas idéias e não consegue progredir.

A purificação mental, portanto, é o único método pelo qual podemos alcançar a


meta espiritual. Para conseguir isso é preciso ver as coisas sob o ponto de vista
dos outros, pois, na realidade, todos os pontos de vista são o nosso ponto de
vista. Quanto mais nos expandirmos, maior conhecimento adquirimos e cada vez
mais compreendemos que todos os pontos de vista são corretos. Se
conseguirmos expandi-la a ponto de chegar ao nível da consciência de outra
pessoa, nossa consciência ficará tão grande como a consciência de duas
pessoas. Assim sendo, nossa consciência pode ser tão grande como a
consciência de milhares de pessoas reunidas, se nos acostumarmos a tentar ver
o que os outros pensam.

O passo seguinte no caminho da purificação mental é a capacidade de ver o


certo no errado e o errado no certo e ver também o mal no bem e o bem no mal.
É uma tarefa difícil, mas quando atingimos este estágio, nos elevamos acima do
bem e do mal.

Precisamos adquirir a capacidade de ver o sofrimento no prazer e o prazer no


sofrimento, o lucro na perda e a perda no lucro. O que geralmente acontece é
ficarmos cegos para certas coisas e abrir os olhos para outras. Não vemos a
perda ou o lucro, se reconhecemos o certo não reconhecemos o errado.

Purificação mental significa que impressões tais como o bem e o mal, o certo e
o errado, o lucro e a perda, o prazer e o sofrimento, esses estados antagônicos
que bloqueiam a mente, podem ser compreendidos se olharmos o oposto de tais
coisas. Veremos então o inimigo no amigo e o amigo no inimigo. Quando
reconhecermos o veneno no néctar e o néctar no veneno, chegou o momento de
compreendermos também que a morte e a vida são uma só. Os antagônicos
para nós deixaram de ser antagônicos. Chama-se a isso purificação mental. Os
que chegam a esse estágio são os que vivem como sábios.
O terceiro passo na purificação mental é a identificação com o que não somos.
Por este processo, purificamos a mente das impressões de nossa própria
identidade falsa.

Como exemplo contarei a história de um sábio da Índia. Quando rapaz, muito


moço ainda, perguntou à mãe, camponesa que morava numa aldeia: “Qual é a
melhor ocupação, mãe?” E ela respondeu: “Não sei meu filho, o que sei é que
os que procuraram o mais alto que existe na vida foram à procura de Deus”. O
filho então perguntou: “Onde devo ir, mãe?” Ao que ela respondeu: “Não sei se
isso é prático ou não, mas dizem que se deve ir para um lugar solitário, para a
floresta”. O rapaz partiu e ficou na floresta um longo tempo. Levava uma vida de
paciência e solidão. Veio visitar a mãe e algumas vezes estava com a paciência
esgotada e o coração partido. Outras vezes sentia-se desapontado porque não
encontrara Deus. A mãe fazia-o voltar, sempre com um conselho sensato. Um
dia disse à mãe: “Bem, já fiquei lá muito tempo”. “Sim” respondeu-lhe a mãe:
“Penso que agora estás pronto para ir a um mestre”. O rapaz foi ver um mestre.
Havia muitos discípulos, aprendendo com o mestre. Cada discípulo tinha um
pequeno quarto, onde fazia as meditações, e o rapaz também ocupou um para
esse fim. Perguntou-lhe o mestre: “Existe algo no mundo que você ame?” Esse
rapaz estava ausente do lar desde a meninice, nada tinha visto do mundo e não
podia pensar em ninguém que conhecia, exceto numa vaquinha que estava em
sua casa e respondeu: “Amo a vaca de minha casa” e o mestre lhe disse: “Então
pense na vaca durante a sua meditação”.

Os outros discípulos entravam e saíam dos quartos, sentavam-se por 15 minutos


para fazer uma pequena meditação, cansavam-se e saíam, mas o rapaz ficou
sentado no quarto desde a hora em que o mestre ordenou. Depois de algum
tempo o mestre perguntou: “Onde está o rapaz?” e os outros discípulos
responderam: “Não sabemos. Deve estar no quarto”. Foram procurá-lo. A porta
estava fechada, bateram e não houve resposta. O mestre então foi ver o que
havia acontecido e, abrindo a porta, deparou com o rapaz sentado em
meditação, inteiramente absorto. Quando o mestre chamou-o pelo nome, ele
respondeu com o mugido da vaca. Disse o mestre: “Saia” e ele respondeu: “Meus
chifres são muito grandes para passar pela porta”. O mestre então disse aos
outros discípulos: “Olhai, este é um exemplo vivo de meditação. Vocês têm
meditado em Deus e não sabem onde Deus está, mas este rapaz meditou numa
vaca e identificou-se com a vaca a tal ponto que perdeu a identidade. Identificou-
se com o objeto de sua meditação”. Todas as dificuldades que encontramos na
vida são provenientes de uma coisa: não podemos abandonar uma falsa
concepção.

Dar-lhes-ei outro exemplo: certa ocasião tentei ajudar uma pessoa doente, que
sofria de reumatismo há 20 anos. Tratava-se de uma senhora que vivia na cama
e não podia mexer as articulações. Fui vê-la e lhe disse: “De hoje em diante a
senhora fará o que lhe recomendei. Voltarei daqui há duas semanas”. Decorridas
as duas semanas voltei e vi que ela tinha começado a movimentar-se. “Voltarei
dentro de 6 semanas”, disse-lhe. Nessas 6 semanas, ela se levantou e estava
cada vez mais esperançosa de ficar curada. A paciência dela, porém, não era
tão grande como deveria ser. Estava deitada na cama um dia e começou a
pensar: “Ficarei boa algum dia?” No momento em que este pensamento lhe
ocorreu voltou à situação primitiva, porque sua alma identificou-se com uma
pessoa doente. Não lhe era possível ver o próprio bem-estar, não podia ver com
os próprios olhos que as articulações estavam começando a funcionar, não podia
imaginar que ficaria completamente curada. Simplesmente não tinha fé.

Há pessoas que estão fisicamente bem, mas suas mentes não estão normais.
Muitas vezes agarram-se a uma doença, quando podiam livrar-se dela. O mesmo
acontece com a miséria. Há pessoas que têm consciência da miséria e atraem
misérias. São a própria miséria. Não é que a infelicidade esteja interessada
nelas, elas é que estão interessadas na infelicidade. A infelicidade não escolhe
as pessoas, as pessoas é que a escolhem. Agarram-se ao pensamento de
infelicidade e tal pensamento passa a ser seu. Quando alguém está convencido
de que está regredindo, retrocede. O pensamento ajuda-o a afundar.

Assim, o terceiro aspecto da purificação mental é a capacidade de identificação


com algo mais elevado. Os Sufis têm uma maneira própria de ensinar como
chegar a essa identificação. Muitas vezes conservamos a idéia de nosso mestre
espiritual e com essa idéia na mente, adquirimos conhecimentos, inspiração e a
força espiritual que o mestre possui. É como se tratasse de uma herança da qual
tomamos posse.

Quem não consegue se concentrar ao ponto de esquecer-se de si próprio e


aprofundar-se no objeto de sua concentração, não será bem-sucedido e não
conseguirá ter domínio sobre a concentração.

O quarto aspecto da purificação mental é conseguir livrar-se da forma e alcançar


o sentido do abstrato. Tudo que vemos sugere uma forma aos olhos, tudo, de tal
maneira que, se for mencionado o nome de uma pessoa de quem nunca ouvimos
falar, criamos para esse nome uma forma. Mesmo certas coisas como fadas,
espíritos e anjos, logo que são mencionadas sempre são imaginadas, possuindo
uma determinada forma. Isto constitui um obstáculo para se chegar à presença
do que não tem forma, do informe. Portanto, a purificação mental para livrar-se
da forma é de grande importância. Não há dúvida que essa purificação só pode
ser alcançada por meio de grandes concentrações e meditações, mas uma vez
alcançada é altamente satisfatória.

A quinta forma de purificação mental é a capacidade de dar repouso à mente.


Em outras palavras, relaxar a mente. Podeis imaginar como, depois de um dia
inteiro de trabalho, o corpo necessita de repouso e como, mais ainda, a mente
precisa de descanso!
A mente trabalha mais rapidamente que o corpo. A mente, como é natural, fica
muito mais cansada do que o corpo e nem todos sabem como dar-lhe repouso.
Assim, a mente nunca descansa. O que acontece depois de um certo tempo é a
mente se tornar fraca, perder a memória, o poder de ação, perder a razão. Os
piores efeitos são os causados principalmente pelo fato de não darmos à mente
o repouso de que necessita. Se males como a dúvida e o medo começam a
entrar na mente, o homem fica inquieto, jamais encontra repouso, pois durante
a noite, a mente continua no rastro das mesmas impressões. Poucos sabem
como dar repouso à mente, embora pareça ser coisa simples, e não avaliam
como esse repouso é maravilhoso. Que poder, que inspiração adquirimos em
consequência desse repouso, que paz experimentamos e como esse repouso
ajuda nosso corpo e mente! O espírito, logo que a mente descansa, se renova.

O primeiro passo para alcançar o repouso da mente é relaxar o corpo. Se


conseguirmos relaxar completamente tanto o sistema muscular como o sistema
nervoso, a mente se refresca automaticamente. Além disso, é necessário deixar
de lado as ansiedades, as preocupações, as dúvidas e receios, usando a força
de vontade, colocando-nos num estado de tranquilidade. Podemos conseguir
isso com o auxílio da respiração adequada.

Com a quietude e pureza da mente, adquirimos grande magnetismo e a ausência


delas é que causa a falta de magnetismo. A presença de certas pessoas cujas
mentes não estão purificadas e quietas, é uma fonte de inquietação para os
outros é também para elas. Tais pessoas atraem em muito pouco, porque o
poder de atração desapareceu. Todos se cansam da presença delas e sua
atmosfera causa inquietação e desconforto. Constituem um peso para elas
próprias e para os outros.

Depois da purificação da mente, o passo seguinte é cultivar as qualidades do


coração, culminando na realização espiritual.

IV
DISTINÇAO ENTRE O SUTIL
E O GROSSEIRO
Na Bíblia há o seguinte versículo: “O espírito é o que vivifica; a carne para nada
aproveita”. Assim, o que chamamos de vivo é sutil e o que chamamos de morto,
é grosseiro. Em outras palavras o que é espesso é grosseiro, o que delicado,
fino, é sutil

É verdade que, como dizem os Hindus, houve uma idade de ouro, depois uma
idade de prata, uma idade de cobre e uma idade de ferro. Não há dúvida alguma
de que estamos na idade de ferro. Nunca houve, em qualquer outro período da
história, tanta rudeza e grosseria como mostra hoje a humanidade. Isso é
consequência da lei da gravitação, pois quando a consciência do homem está
absorvida na matéria grosseira, a lei da gravitação impele-a para a terra e
quando a consciência liberta-se da matéria grosseira, voa para o céu.

Não quero dizer com isso que os seres humanos não tenham sido grosseiros há
dois ou três mil anos atrás, mas se pesquisarmos as tradições verificaremos que
possuíam também uma percepção muito delicada e sutil, maior do que a nossa
atualmente. Nossos contatos com a terra e as coisas terrenas aumentaram
nossa rigidez. Os antigos eram mais plácidos e se quisermos provas basta
estudar as línguas antigas como o Sânscrito, o Zenda, o Persa e o Hebraico,
reler os manuscritos dos tempos passados e ver a maneira como as coisas eram
explicadas. Todos esses documentos podem parecer estranhos à nossa
mentalidade e percepção atuais, mas a delicadeza neles contida é maravilhosa.
Parece que a humanidade está indo de mal a pior; a cada dia que se passa,
estamos ficando mais grosseiros. Se apenas pudéssemos perceber como
estamos longe do que se chama uma percepção delicada!

Quando alguém quer compreender as coisas sutis somente por cálculos


matemáticos, penetra num plano que chamamos densidade. Não quer ser
delicado, quer fazer do espírito – que é uma das coisas mais delicadas – uma
coisa grosseira e inteligível. É, pois, de grande importância, a fim de alcançar a
espiritualidade, desenvolver a percepção delicada. Tenho visto pessoas em
êxtase ou mergulhadas numa profunda meditação, mas que não possuem uma
percepção delicada. Não há valor no que fazem. Não se trata de pessoas
verdadeiramente espirituais. Um ser verdadeiramente espiritual deve ter uma
mentalidade que se assemelhe ao líquido e não à rocha, uma mentalidade ativa
e não crua e densa.

Este assunto tem também seu lado metafísico. Há dois campos de experiência
na vida, um deles é a sensação e o outro a exaltação e é através dessas duas
experiências que tentamos chegar à felicidade. Entretanto, o que
experimentamos através da sensação, ou na forma de sensação, não é
precisamente a felicidade, é o prazer. Pode parecer felicidade em certos
momentos, mas é apenas uma sombra da verdadeira felicidade.

Exaltação é a experiência dos místicos. Os que não são místicos também


experimentam a exaltação, mas sem saber do que se trata. Não conseguem
distinguir a sensação da exaltação. A exaltação, algumas vezes, é a
consequência da sensação. É possível acontecer, mas a exaltação que depende
da sensação não é uma exaltação independente.

Há graus diferentes de exaltação. Para Sufi a alma é uma corrente que une o
corpo físico à fonte de origem. A arte de repousar, como é natural, proporciona
à alma facilidade de experimentar a liberdade, a inspiração, o poder, pois a alma
liberta-se dos grilhões que a prendem ao corpo físico. Disse Rumi no MASNAVI:
“O homem é um prisioneiro na terra. Seu corpo e sua mente são as barras da
prisão. A alma inconscientemente almeja experimentar uma vez mais, aquela
liberdade que lhe pertencia originalmente”. A idéia de Platão de que devemos
chegar à fonte mais alta, quer dizer esta mesma coisa: que pela exaltação a
alma, por assim dizer, eleva-se acima dos grilhões que a prendem ao corpo
físico, por pouco tempo às vezes mas, nesses poucos momentos experimenta
uma liberdade que o homem jamais teve.

Um momento de exaltação é uma experiência diferente em cada um dos planos


da existência. Há uma insinuação sobre a suprema exaltação na Bíblia: “Sede
perfeitos como vosso Pai do Céu é perfeito”. Há pessoas religiosas que dizem
ser impossível um homem chegar à perfeição, mas na Bíblia está escrito assim.
Em todos os tempos, os que possuíam conhecimento e os videntes sempre
chegaram à conclusão de que há um estágio, ao chegarmos a uma fase especial
da existência, em que nos sentimos elevados acima das limitações que a vida
nos impõe e passamos então a receber a força, a paz, a liberdade, a luz e a vida
que pertencem à fonte de onde emanam todos os seres. Em outras palavras,
nesse momento de suprema exaltação, não ficamos apenas unidos à fonte de
onde emanam todos os seres, mas nos dissolvemos também nessa fonte,
porque a fonte somos nós mesmos.

A fonte de origem é muito maior do que podemos explicar por palavras. Podemos
tentar concebê-la comparando-a a uma semente, que é a fonte da flor, das
folhas, da haste, dos galhos e da fragrância. Se segurarmos apenas a semente
não veremos tudo isso – a flor, as folhas, a haste, os galhos e a fragrância – mas
tudo isso sempre fez parte da semente. Por outro lado, não podemos realmente
sequer comparar a semente com a fonte, pois a semente depende do sol e da
água para se desenvolver, ao passo que a fonte eterna não depende de coisa
alguma. É o que há de mais forte e poderoso. Até o pensar na fonte está além
das palavras e acima da nossa limitada concepção, exceto que, quando
recebemos maior inspiração, paz, alegria e magnetismo, passamos a apreciar
as coisas muito melhor. Assim podemos compreender um pouco a
grandiosidade da fonte. É como disse o grande poeta hindu KHUSRAU: “Quando
eu me transformo em Ti e Tu em mim, nem Tu podes dizer que eu sou diferente,
nem Tu podes dizer que Tu és diferente”.

Os diversos graus de exaltação são como as diversas notas na música. Assim


como distinguimos as notas mais baixas e as mais altas, distinguimos igualmente
os diversos graus da experiência da exaltação. Até a leitura de um lindo poema
é capaz de produzir exaltação. A boa música proporciona exaltação, como
também uma sensação de grande alegria. Todas essas coisas impedem a
congestão. Há células delicadas dos nervos que se tornam livres e o corpo se
relaxa.

Há diferença entre a sensação e a exaltação, mas quando queremos usar


palavras sempre criamos confusão. Podemos dizer, entretanto, que exaltação é
a fusão de todas as sensações. Se dissermos, porém, que através da sensação
experimentamos a exaltação, também é verdade.

Precisamos da sensação para concretizar nossa experiência da vida e também


precisamos da exaltação, ainda mais, para experimentar a vida em toda a
plenitude. As criaturas inferiores como os pássaros e animais, também têm
vislumbres da exaltação. Não ficam contentes somente em procurar sementes e
pastar, em fazer ninhos ou brincar, voando, em cantar ou correr nas florestas.
Há momentos em que até pássaros e animais se sentem exaltados. Se nos
aprofundarmos neste assunto passamos a compreender o que lemos num dos
mais maravilhosos versos da tradição do Islam: “Há momentos em que até as
rochas se exaltam e as árvores caem em êxtase”. Se isso é verdade, então o
homem, que foi criado para completar a experiência que todo ser vivo deve viver,
deve experimentar a exaltação da mesma maneira que experimenta a sensação.

O que quero dizer ao falar em sensação é a impressão que nos causam as linhas
e as cores, a preferência que damos à delicadeza das formas, nossa apreciação
da fragrância e perfume, o prazer em saborear o que é doce, amargo e acre, a
alegria que sentimos ao ouvir um poema, um canto e uma música. Todas essas
experiências se manifestam no plano da sensação. O mundo das sensações é
um, o da exaltação é outro. Esses dois mundos foram criados para experiência
dos homens, para que vivam a vida terrena em toda a plenitude. No entanto,
apesar de haver tal possibilidade e oportunidade na vida, o homem continua a
levar uma vida de sensações, esquecendo-se de que existe outra vida também
no mundo da exaltação, uma vida cuja experimentação aqui na terra é qualquer
coisa que completa a experiência da vida.

Há um aspecto físico da exaltação: é uma reação ou resultado da visão que


tivemos da imensidão do espaço, depois da visão do horizonte amplo ou do céu
claro, da noite enluarada e da natureza ao amanhecer. Apreciar o nascer do sol,
observar o pôr-do-sol, avistar o horizonte do mar, permanecer no meio da
natureza, olhar o mundo do alto de uma montanha, todas essas experiências,
até mesmo a experiência de observar os pequenos sorrisos de uma inocente
criança, todas elas nos elevam e dão margem a um sentimento que não
podemos chamar de sensação. É exaltação.

Um aspecto mais elevado da exaltação é a exaltação moral, quando ficamos


tristes por ter dito ou feito qualquer coisa desagradável, quando pedimos perdão
e nos humilhamos perante alguém que não tratamos com a devida consideração.
É uma humilhação para o nosso orgulho. É exaltação moral também, quando
demonstramos grande gratidão por alguém que fez algo por nós, quando
sentimos amor, simpatia e devoção que parece sem fim e é tão grande que
nosso coração não pode comportar, quando sentimos uma felicidade imensa em
prestar um humilde serviço a alguém em dificuldades, quando dizemos uma
prece vinda do fundo do coração, quando reconhecemos nossa limitação e
insignificância ao compará-las com a grandeza de Deus. Todas essas
experiências elevam o homem.

Nos momentos de passar por essas experiências não vivemos na terra a sim
num outro mundo. É enorme a alegria que essas experiências proporcionam, as
quais podem ser feitas sem pagarmos coisa alguma, ao passo que as sensações
custam alguma coisa. Ir a um teatro, a toda sorte de divertimentos, custa
dinheiro, custa mais do que vale. A exaltação, pois, que está acima de qualquer
preço, nos é dada gratuitamente assim que tivermos mostrado disposição para
isso. É questão apenas de mudarmos de atitude.

Certa vez visitei um grande sábio em Bengala e lhe disse: “Que vida abençoada
a sua, dando prazer e felicidade a tantas almas!” e ele me respondeu: “Como
sou privilegiado por receber mil vezes mais prazer e felicidade!”

Exaltação é um processo purificador. Um instante de exaltação pode purificar o


mal de muitos anos, pois é como o banho que se toma no rio Ganges, que os
Hindus chamam de purificador. É um símbolo: a exaltação é o Ganges e se nos
banharmos nele ficamos purificados de todos os pecados. Não é preciso muita
coisa para chegar à exaltação: uma atitude bondosa, uma mente compassiva.
Eis aí a exaltação. Se prestarmos atenção descobrimos que os olhos
derramaram lágrimas com pena dos outros e com isso já chegamos à exaltação.
Nossa alma banhou-se no Ganges espiritual. A exaltação surge quando
esquecemos o nosso eu e quando destruímos o egoísmo, mas lembrai que
jamais podemos dizer que somos altruístas. Embora sejamos altruístas somos
ainda egoístas, mas podemos ser egoístas com sabedoria! Se tivermos que ser
egoístas é muito melhor que o sejamos com sabedoria. O mesmo acontece com
o que chamamos de altruísmo: é muito mais proveitoso sermos altruístas do que
sermos egoístas tolos, pois o altruísta sempre ganha e o egoísta sempre perde.

Atinge-se o terceiro aspecto da exaltação quando se entra em contato com a


razão das razões e se chega à essência da sabedoria, quando se toca as
profundezas, o âmago do coração, quando se alonga os horizontes da vida,
quando se alarga as concepções, quando se estende a compaixão a todos,
quando se eleva às esferas onde a exaltação espiritual se manifesta. Um homem
de senso comum ou aquele que chamamos de homem prático, em geral ri se
ouve falar de alguém que teve visões, que passou pela experiência do êxtase ou
entrou no que chamam de transe. Mas não há nada de surpreendente nisso,
nada há que seja motivo de riso. Contudo, tudo isso é risível se for praticado por
pessoa pouco digna e recomendável e que, não sabendo do que está falando,
quer obter aprovação dos outros para experiências que sabe que existem, mas
que não consegue realizar. Os que realmente passam por essas experiências,
não precisam contar a ninguém sobre esta ou aquela experiência: sua única
recompensa é a alegria de tê-las realizado. Não precisam do reconhecimento de
ninguém. Quanto menos os outros souberem, melhor.
Por que devemos parecer diferentes dos outros? É pura vaidade. Quanto mais
formos vaidosos, menor será o nosso progresso no caminho espiritual. A pior
coisa no caminho espiritual é querer parecer diferente dos outros. As pessoas
realmente desenvolvidas têm prazer em agir como todo mundo. Os escritores,
parece, acham bonito descrever os mestres vivendo em cavernas no Himalaia
ou nas florestas, em algum lugar onde seja difícil encontrá-los e onde possam
manter-se distantes, segregados, para que ninguém possa entrar em contato
com eles. Toda alma possui a centelha divina e, assim, se existe um estágio
mais alto no desenvolvimento humano deve ser alcançado pelo ser humano e
não pelos que estão fora do mundo dos homens. Se estão fora do mundo dos
homens, não há nenhuma relação entre nós e eles. As grandes almas espirituais
viveram no mundo, no meio dos homens, e provaram ser os maiores mestres.

Pensem na vida de Abraão, de Moisés, de Jesus Cristo e também na de Maomé


que, apesar das guerras e das batalhas, conseguia ter uma vida interior
exclusivamente sua, mantinha-se distante das coisas exteriores. Era um ser
espiritual. Imaginem Krishna lutando na batalha de Kurukshetra e legando ao
mundo uma Mensagem. Se todos eles tivessem vivido em cavernas nas
montanhas, não teríamos sido beneficiados. Qual o valor dos santos se jamais
vivessem no mundo, jamais passassem por testes e provações de manhã à noite
neste mundo denso, onde a cada passo deparamos com mil tentações e
dificuldades, com milhares de problemas? Tais dificuldades aumentam cada vez
mais, à medida que o mundo se desenvolve. A vida está se tornando um encargo
mais pesado, mais difícil. Não, aqui na terra é que a maestria, a santidade, o
desenvolvimento devem ser mostrados. É muito fácil alguém ser desenvolvido
no sétimo céu, mas a exaltação que se experimenta e se transmite aos outros
aqui na terra, essa sim é uma exaltação que tem muito maior valor.

Com referência ao grosseiro e sutil da natureza humana, podemos notar que os


heróis, reis, mestres, profetas, todos que conseguiram conquistar o coração dos
homens, possuíam percepção e caráter delicados. Não foram grosseiros ou
rudes. Possuíam uma delicadeza simples. Havia sempre um lado simples nessa
delicadeza e ao mesmo tempo era sutil, o que a tornava ainda mais bela. Uma
pessoa que pode dizer sem dizer, aquele que pode fazer sem fazer, possui
sutileza, sutileza essa digna de apreciação. Aquele que vê e não vê, que sabe e
não sabe, que experimenta e não experimenta ao mesmo tempo, o que está vivo
mas também morto, essa alma é a que experimenta a vida em toda plenitude.

V
MAESTRIA OU ARTE DO APERFEIÇOAMENTO
O objetivo da vida é alcançar a maestria, ou a arte de alcançar o mais alto grau
da perfeição. Este é o propósito do espírito. Através desse motivo e apoiado nele
é que todo o universo foi criado. Os diversos estágios – do reino mineral ao reino
vegetal, do reino vegetal ao reino animal e do reino animal ao reino humano –
representam o despertar do espírito para a maestria. O homem, ao usar o que
existe nos reinos mineral e vegetal e ao controlar o reino animal para se servir
dele, prova em primeiro lugar que nele já está desperto o espírito pelo qual todo
o universo foi criado.

O poder do homem de saber, de compreender, de usar as coisas, delas tirando


o máximo proveito, é um sinal de maestria, mas ao mesmo tempo tem um inimigo
que se chama limitação. O espírito de limitação é sempre um obstáculo no
caminho do homem, quando quer atingir o espírito de maestria e aplicá-lo. Os
que alcançaram na vida esse objetivo primordial, para o qual o homem nasceu,
tentaram desenvolver o espírito de maestria para se defender.

O processo de sair da limitação e chegar à perfeição chama-se misticismo.


Misticismo quer dizer o desenvolvimento da limitação no rumo da perfeição. Os
sofrimentos e fracassos pertencem à limitação, os prazeres e sucessos fazem
parte da perfeição. Em nosso próprio ambiente, vemos que os que se sentem
infelizes e insatisfeitos na vida e fazem os outros infelizes, são os mais limitados.
Os que se ajudam e ajudam ao próximo, que são felizes e proporcionam
felicidade aos outros, estão mais perto da perfeição.

O que quer dizer limitação e perfeição? São apenas estados de consciência.


Quando conscientes da limitação, tornamo-nos limitados, quando conscientes
da perfeição, tornamo-nos perfeitos, pois o que é limitado na consciência limitada
é semelhante ao que é perfeito na consciência perfeita. Por exemplo: havia um
rapaz, filho de um homem rico, que possuía grandes somas num banco em seu
nome, mas ignorava este fato. Quando queria comprar qualquer coisa tinha
sempre pouco dinheiro no bolso. Isso fez dele uma pessoa limitada. Na verdade,
o pai colocara no banco uma grande quantia, mas o filho não tinha consciência
desse pormenor. Acontece exatamente a mesma coisa com as almas. Toda alma
é consciente do que possui e não tem consciência do que é colocado em seu
nome. O que está ao nosso alcance achamos que nos pertence, mas o que
parece não estar ao nosso alcance julgamos inatingível. Isto é natural, mas a
sabedoria abre uma porta pela qual podemos ver que aquilo que pensamos estar
fora de nosso alcance deve também ser conhecido.

Muitas vezes o conhecimento da maestria da vida é dado a um indivíduo. Pode


não ser um místico, mas se chegar a sua vez, conhecerá a maestria. Um dia
fiquei interessado quando um senhor, que não tinha feito outra coisa na vida
senão cuidar de negócios, tendo enriquecido tanto que talvez fosse o homem
mais rico do país, quis mostrar-me seu parque, um belo parque ao redor da casa.
Enquanto dávamos um passeio, ele me disse: “É uma delícia vir aqui a este
parque pela manhã e à noite”. Perguntei-lhe: “Qual a extensão de seu parque?”
ao que me respondeu: “Deseja mesmo saber? Vê daqui o horizonte?” “Sim”,
respondi. Disse-me então: “Toda esta terra me pertence e vai além do mar. Tudo
que sua vista pode abranger me pertence”. Foi uma resposta maravilhosa e um
exemplo da teoria que mencionei. Esse homem não estava somente consciente
do que possuía, mas de tudo que existia na sua propriedade. Não traçou uma
linha divisória entre o que possuía e o que se achava fora do seu alcance. É um
mistério. É difícil para qualquer um olhar a vida desta maneira, mas aquele
homem, que sempre vivera no mundo dos negócios, que jamais pensara em
misticismo, conseguiu chegar a uma concepção que o místico descobre após
anos de meditação. A concepção dele era uma concepção puramente mística.

Os Derviches, que muitas vezes têm as mangas remendadas ou uma roupa


surrada e que outras vezes têm ou não têm o que comer, cumprimentam-se com
as seguintes palavras: “Ó Rei dos Reis, ó Imperador dos Imperadores”. Têm
consciência do que existe de rei ou de imperador no homem que está à sua
frente. As fronteiras do reino dos Derviches não têm limites. O universo inteiro é
o seu reino. Desta forma é que uma alma procede quando procura a perfeição,
abrindo as portas da consciência e erguendo-a para o alto. Quando a alma se
desenvolve espiritualmente, eleva-se a uma altura de onde descortina um
horizonte mais amplo. Aumenta, assim, suas posses. Podeis argumentar: “Se
olharmos o horizonte, nem assim ele passará a ser propriedade nossa. O que
possuímos é o que chamamos de nosso”. Entretanto, Colombo avistou primeiro
a América, não tomou posse dela imediatamente, a posse veio depois. A primeira
coisa é avistar e a segunda é tomar posse. Se não avistamos, como podemos
possuir? Se não vemos o que nos pertence, o que possuímos não nos pertence.

Há duas formas diferentes ou dois ângulos diferentes pelos quais podemos


procurar a perfeição. Uma das formas assemelha-se a uma linha horizontal. A
forma parecida com a linha perpendicular é alcançar o conhecimento interior.
Como podemos obter esse conhecimento interior? Primeiramente é pela
concentração que conseguimos chegar ao conhecimento interior, o que prova
que temos capacidade de ver uma forma concreta e ter consciência de algo
separado do corpo físico. Uma pessoa pode ter consciência de um poema, de
uma palavra, de uma pintura, de uma idéia ou outra coisa qualquer e se puder
ser tão consciente a ponto de perder a consciência de seu corpo limitado por
alguns instantes, chegará ao primeiro estágio do conhecimento interior.

Embora pareça muito fácil não é tão fácil assim. Quando se chega a esse ponto,
ainda bem não fechamos os olhos para concentrar e logo mil e uma coisas
começam a surgir na nossa frente. Nosso corpo físico torna-se também indócil e
diz: “Este homem não tem consciência de mim que sou seu corpo”. Ficamos
nervosos, remexemo-nos e viramo-nos a fim de ter consciência do corpo. O
corpo não gosta de ninguém que não tenha consciência dele. Parece-se com o
cachorro ou o gato que gostam que tomemos conhecimento deles. Aí então
aparece uma espécie de movimento nervoso no corpo. Sente-se como se o
corpo estivesse em movimento, dando voltas, arranhando, ou qualquer outra
coisa. Logo que desejamos disciplinar o corpo, ele passa a não aceitar qualquer
disciplina.

O segundo estágio é, ao invés de ter consciência de um pensamento, ter


consciência de um sentimento ainda mais ampliado, porque o pensamento é
uma forma e a mente ainda vê essa forma. O sentimento, entretanto, não tem
forma. Fixar a mente num sentimento e fazer com que ela retenha esse
sentimento, não é coisa fácil, mas se já fizemos isso e não permitimos que a
indocilidade da mente se manifeste, certamente sentimo-nos elevados.

Aqui chegamos à fronteira do progresso humano. Daqui por diante começa o


progresso divino. O que é progresso divino? Quando caminhamos mais para a
frente, ao invés de sermos ativos tornamo-nos passivos. Neste estágio não
precisamos de concentração. Precisamos é de meditação. Entramos então em
contato com uma força audível e visível dentro de nós, força essa até então
desconhecida. Tal força está ocupada em se movimentar a fim de materializar o
objetivo em mira.

Depois de entrar em contato com esta experiência, não nos será mais permitido
dizer que existe o que classificamos de acidente. Sabemos então que tudo que
acontece já estava destinado e preparado, quando o percebemos em estado
preparatório e antes mesmo de sua manifestação no plano terreno.

Se quisermos ir mais longe, encontraremos a consciência em seus aspectos de


inteligência pura. É conhecer, sem contudo, nada conhecer. Nada conhecer quer
dizer conhecer todas as coisas, pois o conhecimento das coisas é o que turva a
faculdade de conhecer. Em outras palavras, quando nos olhamos num espelho,
o nosso reflexo cobre a face dele e nada mais pode ser refletido. Também a
consciência fica nublada quando está consciente de alguma coisa, fica turva
nesses momentos ou encoberta por algo de que está consciente. Quando o que
encobre a consciência é retirado, aparece a verdadeira consciência, a
inteligência pura, o espírito puro. Nesse estágio, o poder, a vida, o magnetismo,
a força e a capacidade da consciência são muito maiores, incomparavelmente
maiores do que podemos imaginar. Não se pode explicar bem do que se trata,
exceto que com o auxílio da meditação chega-se a esse estágio. Se subirmos
ainda mais alto, vamos verificar que nem é propriamente consciência e sim um
certo estado de onisciência, que é sinal de perfeição interior.

Este é um caminho do progresso. Há outro caminho: ver nosso próprio ser


refletido noutro ser. Quando somos amigos de alguém, é natural que nossa
simpatia, amor e amizade façam com que nos vejamos nesse amigo e por ele
nos sacrifiquemos, pois ninguém se sacrifica por outrem exceto quando vê nesse
outro sua própria pessoa. Se o sentimento que temos para com os amigos se
desenvolver, cada vez mais se expandirá e passará a abranger não só os amigos
como os estranhos, animais, pássaros e insetos. O indivíduo identifica-se com
todos os seres vivos, tornando-se capaz de ver o íntimo de outra pessoa como
essa pessoa se vê. Ficamos sabendo tanto dessa pessoa como ela mesma, até
mais. Este é um dos mais simples fenômenos da consciência, pois fenômeno
não é praticar prodígios. Essa identificação vem provar que sabemos tanto a
respeito de uma pessoa como ela própria.

Existe, porém, uma outra prova, a prova moral: quando somos amigos quer do
sábio quer do tolo, do virtuoso e do pecador, e quando nos tornamos cada vez
mais amigos deles, é como se os atraíssemos. Não podemos impedi-lo. A
simpatia é um sentimento tão possante que até os inimigos se enternecem mais
cedo ou mais tarde. A história de Daniel que foi levado para uma caverna nas
montanhas e lá amansou os leões, não é uma fábula. Para ver este fenômeno
não é preciso ir às montanhas. No mundo há coisas piores do que leões: pessoas
com bom e mau caráter, fáceis e difíceis de lidar e se conseguirmos domesticá-
las ou amansá-las, realizamos um bom trabalho, pois para conseguir isso é
necessário uma força maior do que para amansar leões. Há ainda as pessoas
agitadas, antagônicas, embotadas, ignorantes, que têm falsos pensamentos, e
as ciumentas. Quantas armas e venenos existem neste mundo! Somente uma
força, a força da nossa simpatia, é que assimila todas as influências deletérias,
tira-lhes o veneno, tornando-as inofensivas. Podemos purificar essas influências
quando quisermos, revivificá-las, derretê-las, mudá-las e dirigi-las para o objetivo
da vida.

O mundo procura a complexidade. Se eu fizesse palestras sobre a maneira de


alguém conseguir o magnetismo, para que esse alguém pudesse fazer com que
as pessoas o ouvissem e fossem atraídas por ele, se eu ensinasse vinte práticas
para que essa pessoa conseguisse tais coisas, teria um grande sucesso. Se falo,
porém, em coisas simples, como a maneira de tornar mais profundo o sentimento
de simpatia, como despertar esse espírito de simpatia que é o alicerce de todo
o poder e magnetismo e cuja expansão significa o desdobrar da espiritualidade,
poucos compreenderão. Os seres humanos não querem ensinamentos simples,
desejam coisas complexas.

Há um outro estágio da expansão. É tentar ver as coisas também sob o ponto


de vista dos outros. Tentar pensar como os outros pensam. Não é fácil porque
desde criança aprendemos a pensar que devemos conservar nossos
pensamentos. Não adotamos o pensamento dos outros. A verdade é que temos
pensamentos próprios e os conservamos. É, pois, um sinal de que nos estamos
expandindo, quando vemos as coisas sob o ponto de vista de uma criança ou
sob o ponto de vista de um tolo, da maneira como ele encara as coisas. O mais
interessante é a contribuição disso no que diz respeito à nossa tolerância e
paciência. Ampliamos desta maneira nossos conhecimentos a um grau que
nenhuma leitura poderia fazer. Começamos a receber conhecimentos de todas
as fontes. Atraímos conhecimentos de todos os planos logo que nossa mente se
torna suficientemente flexível e não aceita somente o nosso ponto de vista.
Chama-se esse processo desaprender. Se você disser, quando falar de uma
determinada pessoa: “Não é boa pessoa”, pode estar completamente enganado,
mas a tendência geral é aceitar sua opinião, Quando você chegar a um maior
desenvolvimento, passará a ver as coisas também pelo ponto de vista dessa
pessoa. Ela tem motivo para ser o que é, talvez seja muito pouco desenvolvida
para ver as coisas ou talvez seja bastante desenvolvida mas pouco interessada
em outra pessoa. Se você passar a ver as coisas pelo ponto de vista dos outros,
isso não quer dizer que você perderá o seu ponto de vista. Seu ponto de vista
continua sendo seu, mas o ponto de vista dos outros é acrescentado ao seu e,
assim, seus conhecimentos aumentam. Significa um enriquecimento maior do
coração e, muitas vezes, o coração dói quando você o distende. No entanto, se
você distender seu coração e aumentá-lo cada vez mais, você o transformará no
Livro Sagrado.

O terceiro aspecto é sentir da mesma maneira que os outros. Muitas vezes uma
pessoa é diferente do que aparenta ser e do que pensa ser. Às vezes age e fala
completamente em desacordo com seus sentimentos e se você, com seus
sentimentos, puder saber o que essa pessoa sente, será de grande proveito.
Quando os sentimentos de outrem podem-lhe dizer muito mais do que suas
palavras e atos, você passará a ter uma personalidade altamente desenvolvida.
Às vezes tais sentimentos fazem-no ter uma opinião sobre certa pessoa
completamente diferente da que teria se você a visse ou lhe falasse. Ao chegar
a este ponto, acaba o desenvolvimento humano e começa o desenvolvimento
divino. Sem dúvida alguma, adquire-se o poder de ver o que se passa no íntimo
do espírito do homem, se ele vai ou não ter sucesso, se vai ser feliz ou não, ou
o que pretende realizar, porque algo está-se passando dentro dessa pessoa,
preparando seus planos futuros. Você começa a ter contato com essa força e
começa a receber impressões, e essas impressões algumas vezes são tão
claras como coisas visíveis e audíveis podem ser.

Se você for mais além, então unir-se-á com tudo. Neste estado de consciência,
a distância não é mais distância. Se você puder expandir sua consciência,
fazendo-a tocar a consciência de outrem, os pensamentos desse alguém, assim
como o seu espírito, refletir-se-ão no seu espírito. O espaço não tem importância.
Sua consciência pode tocar qualquer parte do mundo e qualquer pessoa, a
despeito da distância em que se encontrem.

Se você for mais além ainda, compreenderá que está ligado a todos os seres,
que não existe nada ou ninguém dividido ou separado de você, e que não está
apenas preso por cadeias àqueles a quem ama, mas também está unido a todos
que conheceu e que ainda não conhece, está ligado por uma consciência que o
prende mais fortemente que qualquer cadeia. Começará com naturalidade a
perceber a lei que rege a natureza. Passará a ver que todo o universo é um
mecanismo que trabalha com um determinado objetivo. Assim, verá que a
pessoa correta e a incorreta, a boa e a má pessoa, todas elas trabalham numa
função que lhes foi reservada para chegar a um determinado resultado, quer
através de forças positivas ou de forças negativas, resultado este inevitável
porque é o objetivo da vida.

Assim você, naturalmente, conservar-se-á longe do espírito dogmático do “você


está errado” e do “você está certo” e adquire o espírito do sábio de nada dizer,
de tudo saber, de tudo fazer, de suportar todas as coisas. Isto faz com que
sejamos amigos de todos e criados de todos. Com todas as realizações da
verdade mística e do conhecimento espiritual, realizamos uma coisa, a única
coisa que vale a pena: prestar algum serviço, por menor que seja, aos nossos
semelhantes.

VI
O CONTROLE DO CORPO
Alguns acham que o físico pouco tem a ver com espiritualidade. Por que,
perguntam, não deixar de lado a idéia do físico e ser inteiramente espiritual? Se
o objetivo da vida pudesse ser cumprido sem a parte física, a alma não se teria
encarnado num corpo físico e o espírito não teria produzido o mundo físico. Um
poeta do Hindustão disse o seguinte: “Se o objetivo da criação pudesse ser
cumprido pelos anjos, que são essencialmente espirituais, Deus não teria criado
o homem”. É uma prova de que existe um grande objetivo a ser cumprido pelo
que chamamos de corpo físico. Se a luz de Deus pudesse brilhar diretamente,
não precisaria ter-se manifestado por intermédio do Cristo. Foi necessário, por
assim dizer, que Deus viesse à terra num corpo físico. A concepção de que o
corpo físico é produto do pecado – e que é o mais inferior dos aspectos da vida
– já ficou provado muitas vezes, ser uma concepção errada, porque é através do
corpo físico que se alcança o mais alto e o maior objetivo da vida. O indivíduo
que chama o corpo de físico, diz isso simplesmente por ignorância. Logo que
tiver conhecimento passará a ver que o corpo é o templo de Deus.

A experiência que adquirimos na vida através do corpo físico, divide-se em 5


aspectos. O primeiro é a saúde. Ter saúde é viver num céu, não ter saúde é viver
num inferno. Sem saúde, pouco importa o que possuímos na terra, seja fortuna,
nome ou fama, poder ou posição, conforto ou propriedades. Todas essas coisas
nada representarão. Quando somos saudáveis não pensamos na saúde; não se
dá a ela o devido valor. Dá-se valor a coisas que não se possui. Faz-se o possível
para sacrificar a saúde, abusando dos prazeres e procurando os bens materiais.
Está-se pronto para sacrificar a saúde andando atrás de fantasias intelectuais,
de alegrias, de diversões, de passatempos agradáveis, de obter uma coisa
ambicionada, mas o que às vezes acontece é um colapso antes mesmo que a
ambição ou o desejo sejam satisfeitos. Começa-se, então, a compreender o que
significa a saúde. Se juntarmos todas as bênçãos que a vida não pode dar e
pesá-las numa balança, veremos que a saúde é a que mais pesa.
A saúde é que permite ao homem ser materialista ou espiritualista. A falta de
saúde priva o homem da materialidade e da espiritualidade. Priva-o da
materialidade, porque suas condições físicas não são perfeitas e priva-o da
espiritualidade porque a saúde perfeita é que permite ao homem viver a vida em
toda plenitude. Não é minha intenção afirmar que ser doente é pecado e ser
saudável uma virtude. Quero dizer que a saúde é uma virtude e a doença um
pecado.

Outro aspecto da existência física é o equilíbrio. O equilíbrio dá controle ao físico.


Pelo equilíbrio pode o homem ficar em pé; andar e mover-se. Toda atividade,
todo movimento físico é sustentado pelo equilíbrio. A falta de equilíbrio é sempre
sinal de que falta qualquer coisa no caráter de um homem e no seu sistema de
vida. Qualquer que seja a forma em que se manifeste a falta de equilíbrio, prova
que está faltando alguma coisa na personalidade. Se estudarmos a maneira de
andar de uma pessoa, como se move ou olha, enfim tudo o que faz, notaremos
que, não havendo equilíbrio, está faltando alguma coisa atrás dessa qualidade,
que não sabemos o que seja mas que descobriremos com o tempo. Por exemplo,
o balançar da pessoa ao caminhar, não pensem que seja apenas uma deficiência
externa. Tem alguma coisa a ver com o caráter dessa pessoa. Assim como ela
balança ao andar, suas determinações também oscilarão e sua crença
igualmente. O médico, quando quer ver o estado do doente, a primeira coisa que
faz é examinar os olhos e a língua. O sábio vê tudo que se refere ao homem
através de seus gestos, observando especialmente seu equilíbrio.

Muitos leitores do Ocidente que leram sobre a filosofia Oriental perguntaram-me:


“Por que razão seus adeptos do Oriente praticam acrobacias, sentam-se em
certas posições, sustentam-se numa perna só, ficam de cabeça para baixo,
sentam-se longo tempo com as pernas cruzadas numa só posição e fazem
outras coisas esquisitas que não poderíamos sequer pensar que uma pessoa
espiritual pudesse fazer? Que espiritualidade é essa que precisa ser obtida desta
maneira? Achamos que essas coisas devem ser feitas por acrobatas e atletas”.
Sempre respondo que tudo, os esportes e os exercícios, praticados por atletas
e acrobatas, constituem uma perda de energia, de tempo e de trabalho se são
feitos por mero passatempo: não se tira deles um benefício completo; mas os
adeptos, quando praticam esses exercícios, têm um objetivo em mira. Nada
existe no mundo que, praticado de maneira adequada, deixe de trazer benefícios
à realização espiritual.

Não pensem que o único caminho da realização espiritual seja ir à igreja ou ao


templo e oferecer preces ou sentar em silêncio com os olhos fechados. O que
nos ajudará na realização espiritual é dirigir tudo que fazemos diariamente para
a meta espiritual. Além disso, ir à igreja uma vez por semana é um trabalho
espiritual muito pequeno. Também é um trabalho espiritual diminuto fazer nossas
orações ao deitar. Durante todos os momentos do dia vivemos na ilusão. Tudo
que fazemos tem por efeito cobrir nossa visão espiritual e, por isso, devemos
transformar todos os momentos do dia numa concentração. Como podemos
fazê-lo se temos nossos negócios, indústrias, profissões, mil coisas para fazer
diariamente? A resposta é a seguinte: devemos transformar em prece tudo o que
fizermos. Assim, qualquer que seja nossa profissão, trabalho ou ocupação, todos
eles poderão ajudar-nos na realização espiritual. Todos os nossos atos assim se
transformarão em preces e os movimentos que fizermos para o sul, norte, este
e oeste serão dirigidos para a meta espiritual. Nem todos avaliam como
necessitam de equilíbrio na vida. Entre cem pessoas encontramos uma que
realmente seja equilibrada. Há também o equilíbrio espiritual, mas não
conseguiremos o equilíbrio espiritual sem primeiramente manter o equilíbrio do
corpo físico e de seus movimentos.

O terceiro aspecto de nossa existência física é o aperfeiçoamento da delicadeza


e da sensibilidade do corpo. Há o temperamento espiritual, que nos é dado
conhecer se analisarmos o corpo de uma pessoa. Há pessoas sensíveis, um
pouco nervosas talvez, e há outras insensíveis, densas, cuja aparência é
inteiramente diferente. Uma pessoa de sensibilidade, que aprecia música, que
se enternece com a beleza das linhas e cores, que aprecia plenamente o gosto
de um alimento, salgado e doce, ácido e amargo, que sente tanto o frio como o
calor, que percebe a fragrância, que distingue tudo isso, tal pessoa nasceu com
um temperamento espiritual. Quem não ama a música, não aprecia a fragrância,
não compreende a beleza das linhas e das cores, tal pessoa é densa e custará
bastante a se desenvolver. Portanto, não é pela materialidade que
experimentamos as alegrias e prazeres que a vida nos proporciona e sim pela
espiritualidade. Não é o indivíduo materialista que vive a vida plenamente e sim
o espiritualista.

Pergunta-se então: “Como explicar a atitude dos ascetas que passaram toda a
vida dentro de uma ermida, em solidão, que não comiam coisas comuns e que
sempre se mantiveram afastados do conforto e da beleza da vida?” A atitude
desses ascetas não deve ser adotada por qualquer um. É um engano criticá-las
também. São indivíduos que fazem experiências na vida, através de sacrifícios,
privando-se das alegrias e prazeres que a terra lhes pode dar. Vivendo na
solidão, fazem experiências, da mesma forma que os cientistas, que se fecham
nos laboratórios anos após anos. Esses ascetas, que abandonaram o que
possuíam no mundo, também adquirem certos conhecimentos que depois nos
são transmitidos. Não é um exemplo a ser seguido por qualquer um, pois a
espiritualidade não depende dessas coisas. Por que motivo os olhos nos foram
dados se não eram para apreciar o que é belo? Por que motivo fomos enviados
ao mundo se não podemos olhar o que existe na terra com medo de nos
chamarem de materialistas? Os que pensam que a espiritualidade tem alguma
coisa a ver com isso, fazem de Deus uma espécie de espectro, algo
atemorizante. A espiritualidade, na verdade, é a plenitude da vida.
Com relação ao quarto aspecto da nossa existência física, o homem
erroneamente se identifica com o corpo físico chamando-o de “meu”. Quando o
corpo físico está sofrendo, o homem diz: “Eu estou doente”, porque se identifica
com algo que lhe pertence mas que não é ele propriamente. A primeira lição a
ser aprendida no caminho espiritual é reconhecer que o corpo físico não é o
“nosso eu” e sim apenas um instrumento, um veículo, através do qual vivemos.
Esse instrumento, que chamamos de corpo, é de tal maneira equipado que
podemos experimentar por meio dele tudo que vale a pena ser experimentado
no mundo exterior e também no interior. Quando uma criança nasce e cresce,
sua primeira tendência é apreciar e experimentar tudo que existe no mundo
exterior. O homem em geral não tem oportunidade de experimentar o que existe
dentro de si, mas o corpo está equipado com instrumentos e possui os meios de
experimentar tanto a vida exterior como a vida interior. Se alguém deixar de usar
a mão ou a perna por muito tempo, esses membros perderão a vitalidade, a
energia, a vida e não servirão mais para exercer suas funções. Sabemos como
devemos usar as mãos e os pés que são partes externas do nosso mecanismo
físico, mas existem também partes internas e mais delicadas do nosso
mecanismo físico que os místicos chamam de centros. Cada um desses centros
serve a um objetivo especial: intuição, inspiração, impressão e revelação e todos
esses objetivos são realizados por meio dos centros.

Assim como os órgãos dos nossos sentidos podem viver a vida circundante, os
centros nervosos podem também viver a vida que existe dentro de nós. Quando,
porém, esses centros deixam de ser usados por muitos anos, ficam embotados.
Não se destroem, tornam-se embotados, e não podem mais usar-se para o fim
para o qual foram criados. Pessoas que fazem exercícios espirituais sob a
direção de um Mestre competente, começam a notar uma sensação no centro
da testa, como se ali qualquer coisa tivesse sido despertada. Depois de certo
tempo começam a notar uma esfera, notam-na cada vez mais, a qual até então
ignoravam completamente. Alguns passam a ter uma sensação no plexo solar,
o que não sentiam antes. Quando essa sensação é despertada as pessoas
naturalmente tornam-se mais intuitivas. Outros têm uma certa sensibilidade no
alto da cabeça ou no centro da garganta. À proporção que vão se
desenvolvendo, essas sensações aumentam cada vez mais. Entre essas
pessoas, sem dúvida, encontraremos as intuitivas por natureza.

A diferença que existe entre pessoas que possuem centros nervosos receptivos
e pessoas cujos centros nervosos não são receptivos, é a mesma que existe
entre a rocha e a planta. A rocha não é receptiva à simpatia, mas a planta é.
Assim, pois, as pessoas cujos centros intuitivos são despertados a um certo
ponto, começam a se sentir intuitivas e a seguir recebem inspiração e revelação.
Devemos ter sempre em mente, porém, que esses assuntos não devem ser
divulgados. Os que menos sabem são os que mais falam. Se os que ainda não
estão preparados para conhecer tais segredos se apoderam de uma ou outra
teoria desta natureza, começam a falar sobre o assunto com todo mundo e até
podem escrever um livro sobre suas concepções inexatas. Tais pessoas jamais
conseguirão obter a paciência, a perseverança e a direção certa que as ajudem
e muitas vezes ficam desnorteadas. Muitas prejudicam a saúde e perdem o
equilíbrio ao tentar despertar esses centros. Tratam levianamente um assunto
que é muito sério, muito sagrado, e que nos conduz à realização espiritual.
Outras pessoas recorrem à zombaria e em geral são pessoas cujas qualidades
deixam muito a desejar, que não conseguem vislumbrar a simpatia como a planta
consegue. Não encontram em si próprias quaisquer possibilidades e zombam
daqueles que percebem as coisas. Deste modo, uma ciência, que é a mais
elevada das ciências, tem sido alvo de abusos e gracejos.

No Oriente, um Mestre só toma sob sua direção um discípulo, quando tem plena
confiança nele, impedindo, assim, que o que é sagrado sirva de alvo a zombarias
e gracejos. Ao dar uma iniciação, o Mestre pede ao discípulo, jurar que não falará
sobre o assunto com pessoas que ignoram o seu valor, importância e santidade.
Somente depois desse juramento é que o discípulo começa a receber
orientação. Cada discípulo é guiado pelo Mestre individualmente.

Finalmente chegamos ao quinto aspecto da nossa existência física, que consiste


de duas coisas: sensação e exaltação. Sentimos o prazer através da sensação
e a alegria através da exaltação. Há diferença entre alegria e prazer. O prazer é
o que o homem está acostumado a sentir através do corpo físico: o prazer de
comer, de beber, de apreciar as coisas belas. Portanto, tudo que é reconfortante
o homem sabe que é experimentado pelos sentidos físicos; mas além disso,
existe uma alegria que não depende dos sentidos, que depende somente da
exaltação. Essa exaltação é também alcançada através do corpo.

Como alcançamos a exaltação? Existe a atividade e seus resultados e existe o


repouso e seus resultados. O resultado da atividade é o que chamamos de
sensação e o resultado do repouso é chamado de exaltação. Na “Masnavi”, o
poeta Rumi, considerado o mais maravilhoso dos poetas da Pérsia, escreveu o
seguinte sobre a bênção do sono: “Ó sono, não existe felicidade que possa ser
comparada a ti. No sono, os prisioneiros ficam livres das prisões e os reis não
possuem trono e coroa. Os doentes que sofrem se libertam das dores ou
tormentos e as tristezas são esquecidas”. Isto prova que o sono é uma forma de
repouso cumprida automaticamente, que nos ergue acima das ansiedades, dos
tormentos e dos desconfortos, acima das tristezas e aflições. Quando
conseguirmos chegar voluntariamente ao estado de repouso, teremos uma
experiência da maestria, pois aí não mais dependeremos do estado de repouso
automático. Se esse estado de repouso, que nos eleva acima dos tormentos,
das aflições, das tristezas, das ansiedades, das dores e dos sofrimentos, puder
ser criado dentro de nós, realizamos uma coisa notável. A maneira de realizá-Ia
é praticar o repouso. A primeira coisa que um adepto deve fazer na vida é obter
a maestria sobre os cinco aspectos diferentes da experiência através do corpo
físico, a saber: 1º a saúde, 2º o equilíbrio, 3º o aperfeiçoamento do corpo, 4º o
corpo físico não é o nosso “eu” e 5º sensação e exaltação. Dominando esses
cinco aspectos, o discípulo estará pronto para dar um novo passo no caminho
da realização espiritual.

VII
O CONTROLE DA MENTE
A tendência do ser humano de aborrecer-se por pouca coisa, ficar ansioso por
um nada, agitar-se e inquietar-se, amedrontar-se e confundir-se movimentar-se
sem motivo aparente, falar sem objetivo, entristecer-se sem razão, tudo isso é
causado pela falta de controle da mente. Além do efeito disso sobre a nossa
personalidade, traz outras consequências? Sim, as fraquezas, os erros e as
tolices que o homem comete contra a vontade, são causados pela falta de
controle da mente. Se o sucesso tem um segredo, a chave desse segredo está
no controle da mente. Quando a mente é controlada, a intuição, a inspiração e a
revelação aparecem. Quando não há controle mental surgem os aborrecimentos,
as ansiedades, os temores e as dúvidas.

O que é a mente? Parte da humanidade acha que a mente é uma coisa que não
pode ser explicada e outra parte considera a mente uma atividade do cérebro.
Convenhamos que é uma concepção bem limitada da mente. Se a voz, através
do éter, por meio do rádio, alcança pontos a milhares de milhas distantes, o que
dizer da mente que é muito mais delicada e possante do que a voz? A mente
não pode ficar limitada e restrita ao cérebro, embora os pensamentos se tornem
claros por meio dele. De acordo com o místico, a mente é o homem verdadeiro
e o corpo apenas a roupa que ele usa. A palavra mente origina-se do Sânscrito,
onde é chamada de “mana” daí derivando-se a palavra “manu”, que é quase a
mesmo em inglês – “man”. Em outras palavras, a palavra “man” (homem)
significa mente. Podemos constatar essa verdade observando alguém chamar
outro de triste ou desanimado, corajoso, entusiasta ou bem equilibrado, pois
esses atributos pertencem à mente. O homem não é o seu corpo e sim a sua
mente. Há o ditado: “O que você é, fala mais alto do que o que você diz”, o que
significa que a voz da mente tem um alcance mais amplo do que a palavra falada
e um efeito muito maior.

É a mente que cria a atmosfera. Às vezes ficamos admirados porque nos


sentimos inconfortáveis na presença de uma determinada pessoa que nenhum
mal nos fez, ou ficamos excitados na presença de certas pessoas. Na presença
de outras pessoas saímos do nosso ritmo, ficamos cansados ou confusos. Por
que isso acontece? É o efeito que nos causa a mente da pessoa com quem
entramos em contato. A mente que vive numa atmosfera de fogo cria o fogo e
qualquer um de nós que esteja dentro dessa atmosfera acaba queimando-se no
mesmo fogo. A mente que vive numa atmosfera de quietude, em paz, transmite
quietude e paz àqueles que estão dentro da atmosfera dessa mente.

Certa vez perguntei ao meu Mestre espiritual como se reconhecia o homem


piedoso e ele me respondeu: “Não o reconhecerás pelo que diz e nem pelo que
parece ser e sim pela atmosfera que sua presença cria. Esta é a evidência,
porque ninguém pode criar uma atmosfera que não pertence ao seu espírito”.

Diz a Bíblia que primeiro a terra foi criada, depois da terra o céu, o que significa
que primeiro foi feito o corpo e depois a mente. A criança nasce, digamos, com
uma visão da mente, um esqueleto da mente, e depois então é que são
colocadas a carne e a pele.

Não existe mente sem corpo, isto é, antes do corpo ser feito a mente era somente
um “Akasha”, uma acomodação. A experiência do “Akasha” através do corpo
que lhe serviu de veículo tornou-se seu conhecimento e é o conhecimento que
faz a mente. O “Akasha” que se tornou mente, depois que o corpo nasceu na
terra, já tinha recolhido alguns conhecimentos indistintos de diversas mentes que
encontrou no trajeto para a terra, tendo talvez recolhido mais conhecimentos de
uma mente do que de outras. Nesse caso, adquiriu as características principais
de um indivíduo que havia deixado a terra. Há ainda a acrescentar que esse
“Akasha”, através de seus pais, adquiriu os conhecimentos ou a mentalidade de
seus ancestrais, de sua pátria, de sua raça e adquiriu também o grau de
desenvolvimento de toda a humanidade da sua época.

Alguns alegam que os animais não têm mente. É uma concepção errônea. Onde
existe um corpo existe uma mente. Até a árvore tem mente. Luther Burbank
disse-me uma vez a favor deste argumento: “Deveis observar a tendência de
uma planta, ver a sua índole, pois se não fizerdes isso, essa planta não crescerá
como deve. Trato as plantas como se fossem seres vivos. Elas falam comigo e
eu com elas”.

A primeira coisa a aprender sobre a mente é que ela é independente do corpo


do ponto de vista de vivência. A mente é enriquecida com a experiência do
homem através dos sentidos. Não há dúvida alguma que a mente está dentro do
corpo, mas a mente também está fora do corpo, como acontece com a luz, que
está tanto dentro da lanterna como fora dela. O corpo é a lanterna onde há luz,
mas a lanterna não obscurece a luz. A luz não depende da lanterna, brilha apesar
da lanterna. O mesmo acontece com a mente. O cérebro não é a mente, da
mesma forma que o coração não é um pedaço de carne dentro do peito. Apenas
no peito é que sentimos mais profundamente e no cérebro é que pensamos mais
claramente. Em outras palavras, os óculos não são os olhos, apenas permitem
ver mais nitidamente, mas a visão não depende dos óculos, enquanto que os
óculos dependem da visão. O corpo, pois, depende da mente, mas a mente não
depende do corpo. O corpo não pode existir sem mente, mas a mente pode
existir sem o corpo. A mente é o ser invisível do corpo. Está colocada no ser
físico e o lugar onde está a mente é que chamamos de cérebro. Chamamos de
coração o lugar onde os sentimentos estão colocados.

Tudo que os sentidos podem perceber está no exterior e tudo que a mente pode
perceber está no interior, o que significa que a imaginação provém da mente e a
mente pode percebê-la. Os sentimentos, a memória, a concentração e a razão
são percepções da mente. Podemos dizer que a mente é mais o ser do homem
do que o corpo. Quando comparamos, o corpo é como a roupa que usamos.

A mente tem cinco aspectos diferentes. O primeiro é o poder de pensar. O pensar


pode ser dividido em duas partes: imaginação, que é um resultado da atividade
automática da mente, e o pensamento, que é um resultado do pensamento
intencional. Um ser pensativo, pois, não é necessariamente um ser imaginativo,
nem um imaginativo é um pensativo. Essas duas qualidades ocupam lugares
diferentes. Uma pessoa que está acostumada a pensar mas não consegue ter
imaginação, está muito longe de compreender a beleza que existe na poesia e
na música, porque tanto a poesia como a música vêm da imaginação. Quando a
mente é livre para fazer o que quer, dança livremente e seus movimentos criam
uma imagem que chamamos de arte, poesia ou música. Qualquer que seja a
forma da mente se expressar, cria beleza.

Há pessoas que acham graça num homem de imaginação dizendo: “Este sujeito
anda nas nuvens, vive sonhando”. Todas as obras de arte, da música e da poesia
nasceram da imaginação, porque a imaginação nada mais é que o fluxo livre da
mente quando lhe é permitido trabalhar espontaneamente. A mente então cria a
beleza e a harmonia que possui. Quando, porém, a mente é coagida por certos
princípios ou regras, não consegue trabalhar livremente. Encontramos sem
dúvida, entre artistas e músicos, muitos sonhadores e seres pouco práticos, mas
isso não significa que sejam menos dotados. Talvez, de uma certa forma, por
serem pouco práticos, isso os ajuda a realizar algo que pessoas práticas não
conseguiriam. Não devemos seguir o exemplo deles, mas podemos apreciá-los.
Além disso, se não fosse o auxílio da imaginação, ninguém teria acreditado em
Deus, ninguém teria amado Deus e chegado à Sua presença. Os que discutem
com o crente e perguntam: “Mas onde está Deus? Podeis mostrar-me Deus?
Como concebeis Deus? Como explicais Deus?” são seres sem imaginação e
ninguém pode dar a eles uma imaginação que não possuem. Podemos acreditar
na crença dos outros? Se alguém pode acreditar em alguma coisa deve fazê-lo
por si próprio. De que é formada a crença? Da imaginação. Há um ditado: “Se
não tens um Deus, cria um”. Ninguém jamais teria encontrado Deus se não
tivesse sido capaz de criar um Deus. Os que se preocupam com o Deus abstrato,
não têm um Deus; apenas usam a palavra Deus. Conhecem a verdade, mas não
têm um Deus.

A verdade sem Deus não satisfaz. Precisamos encontrar a verdade através de


Deus. Aí é que está a satisfação. Se o sustento dos alimentos nos fosse dado
em pílulas, é certo que nos conservaríamos vivos, mas não conheceríamos o
prazer de comer. Se tomássemos a pílula da verdade, talvez uma parte do nosso
ser ficasse satisfeita, mas não seria a verdadeira satisfação. A idéia de Deus
alimenta o ser humano, mas é preciso que ele primeiro crie essa idéia dentro de
si, com sua imaginação. Se não quiser usar a imaginação, se apenas esperar
que Deus venha a ele, terá que esperar muito tempo.

Quando pensamos, outra espécie de atividade entra em função. Nesse exato


momento, controlamos a mente, consciente ou inconscientemente, e a dirigimos
de acordo com a nossa vontade. Tornamo-nos razoáveis, exatos e pensativos.
O indivíduo que tem imaginação ou o que pensa, todos os dois podem chegar
aos extremos e regredir, mas se mantiverem o equilíbrio, conseguirão os
resultados almejados. O pensativo pode também pensar tanto a ponto de se
confundir, devido aos próprios pensamentos. Há pensativos que pensam tanto
que acabam não tendo mais pensamentos.

O segundo aspecto da mente é a memória. A função da memória não é criativa


e sim receptiva. A função da memória é receber impressões e guardá-las. Dizem
certos cientistas que as células do cérebro gravam todas as impressões
transmitidas pelos sentidos. Essas impressões são armazenadas no cérebro e
vêm a lume quando quisermos. Entretanto, não é bem assim, embora essa
explicação seja aceita simbolicamente. O cientista descreveu o que existe no
plano interior, mas como não reconhece o plano interior, deu uma explicação em
termos físicos, usando a expressão células cerebrais. Essa explicação é
verdadeira na essência, mas não se trata do cérebro e sim da mente.

A memória pode ser comparada a uma chapa fotográfica: as impressões que


recebe permanecem ali e quando queremos lembrar de alguma coisa, essa
faculdade – a memória – nos ajuda, está ao nosso alcance. Quando desejamos
recordar uma certa experiência basta colocar, por assim dizer, a mão na chapa
que recebeu a impressão de tal experiência. Não se perde nenhuma experiência
recebida pelos olhos, pelo olfato, pelo ouvido, pelo tato ou pelas palavras.
Quando alguém diz: “Minha memória não é boa, não consigo lembrar das coisas,
minha mente está longe”, é sinal de que perdeu o controle da memória, mas as
impressões estão gravadas da mesma forma nela. Frequentemente, ouvimos
dizer: “Sei disso, mas não consigo trazer essa recordação à minha memória”.
Em outras palavras, a pessoa sabe mentalmente, mas o que sabe ainda não
está claro no seu cérebro. Por exemplo, há casos em que um indivíduo não
consegue lembrar do nome ou da fisionomia de outro e diz: “Acho que o conheço,
mas não consigo, no momento, saber de onde”. Isto significa que a mente sabe
que conhece, sabe que essa impressão está nela, mas não consegue torná-la
clara no cérebro.

A memória também pode ser dividida em duas partes. Há certas coisas que não
precisamos procurar, porque estão sempre nítidas na memória. Precisamos tão
somente esticar o braço e apanhá-las. São as imagens, os nomes e as
fisionomias das pessoas que conhecemos. Podemos lembrarmo-nos delas
sempre que quisermos, pois estão vivas na nossa memória. Existe, porém, a
segunda parte da memória que, às vezes, é chamada de mente subconsciente,
embora seja realmente a parte mais profunda da memória. Nessa parte da
memória está fotografado tudo que vimos, conhecemos ou ouvimos, mesmo que
tudo isso tenha sido visto, conhecido ou ouvido de relance e lá permanece. É
nesse lugar da memória que podemos encontrar o que queremos a qualquer
momento, com dificuldade ou facilmente, dependendo do caso.

Além desses dois aspectos da memória, existe um plano mais profundo com o
qual nossa memória se acha ligada. Esse plano é a memória universal; em
outras palavras, é a Mente Divina, onde não só nos lembramos do que vimos,
ouvimos ou conhecemos, mas também onde podemos até entrar em contato
com coisas que nunca aprendemos, ouvimos, conhecemos ou vimos. Tudo isso
pode ser encontrado nesse plano, mas para tal é necessário que as portas da
memória estejam abertas.

O terceiro aspecto da função da mente é o controle mental, o poder mental, o


poder de concentração, que é feito de duas maneiras a saber: com o auxílio da
memória e com a ajuda da mente. A concentração feita com o auxílio da memória
é uma concentração negativa ou passiva. A concentração feita com o auxílio da
memória requer pouco esforço. Os Hindus ensinavam essa concentração
colocando diante de uma pessoa estátuas de certos deuses e deusas, com a
recomendação de olhar, depois fechar os olhos e pensar neles. Fitando um
determinado objeto, a memória da pessoa refletia-o e esse reflexo era a
concentração.

Entretanto, os que não praticam a concentração automática, retêm coisas de


grande interesse, coisas que mais impressionaram suas mentes. É este o motivo
de muitas pessoas carregarem pela vida afora um medo que talvez tenha vindo
da infância. Carregam esse medo sempre consigo. Algumas conservam uma
triste impressão de desaponto enquanto vivem. Retêm na mente essa
impressão. A mente conserva viva uma impressão revivificando-a, seja uma
impressão de vingança ou uma impressão de gratidão, sucesso, fracasso, amor
ou admiração. A impressão é conservada na mente e as células mentais a
alimentam para que se conserve viva. Às vezes isso é benéfico, mas outras
vezes é prejudicial. Hoje em dia, o psicólogo chama essa impressão de idéia fixa
e está sempre propenso a chamá-la de uma forma de loucura, mas a loucura só
advém quando abusam dessa faculdade. Qualquer faculdade usada
abusivamente pode transformar um ser humano num desequilibrado.

Há a concentração positiva, que é criadora. Essa concentração é feita por meio


do pensamento. Quando pensamos numa árvore ou numa flor, a mente precisa
criar átomos para produzir a forma da árvore ou da flor. É, portanto, uma
concentração positiva. É necessário força de vontade, uma maior atividade da
mente, para nos concentrarmos num objeto que a mente tem que criar. A mente
precisa trabalhar. Não se trata somente de uma concentração, mas de uma
criação e concentração.

Há certas pessoas que possuem poder de concentração natural e há outras que


não. Entretanto, o mistério do sucesso obtido em todas as atividades da vida e
o segredo do progresso, podem ser encontrados no poder da concentração. O
resultado da concentração não é somente o progresso e o sucesso obtidos, mas
também a realização espiritual. Às vezes vemos o esforço de certas pessoas em
se concentrar – não conseguem realmente chegar à concentração, e vemos
outras pessoas que não sabem que estão se concentrando, mas concentram-se
da mesma forma. A prece e a meditação, bem como várias práticas religiosas ou
espirituais, têm a finalidade de desenvolver o poder da concentração.

Nas mesquitas orientais é hábito um homem conduzir as preces e os fiéis ficarem


atrás dele. Antes de os fiéis oferecerem as preces, focalizam suas mentes e
aderem ao pensamento do líder. Havia um grande místico que não ia à mesquita
rezar. Estava sempre rezando e para isso não precisava ir à mesquita. Naquele
tempo reinava um rei ortodoxo que decretara que todos eram obrigados a assistir
às preces nas mesquitas. O místico foi obrigado pelas autoridades a frequentar
a mesquita e reuniu-se aos fiéis, mas retirou-se no meio da cerimônia, o que era
considerado crime. Quando compareceu à corte para ser julgado declarou: “Não
pude evitá-lo. O líder, em pensamento, foi à casa dele, porque esquecera-se das
chaves. Assim, enquanto rezava, fiquei sem um líder na mesquita e fui embora”.
Isto é uma prova de que enquanto existe espírito atrás de uma forma religiosa,
essa forma é bela e tem vida, mas se não existe espírito atrás da forma, por mais
bela que seja a forma, de nada vale. Este é o significado daquela citação da
Bíblia: “É o espírito que vivifica, a carne nada aproveita”.

O quarto aspecto da mente é o raciocínio. É uma faculdade matemática, uma


faculdade que pesa, que mede e vê os ângulos, se estão certos ou errados. Essa
faculdade torna o homem responsável por seus atos. Se o homem não é um
indivíduo, nada mais é do que um átomo que se move de acordo com as
influências. Se o indivíduo é movido por condições, por influências climáticas ou
influências pessoais, nada mais é do que um instrumento, mas se é responsável
por seus atos é um homem e deve isso à faculdade da mente que pesa, que
mede e raciocina sobre os fatos. No entanto, o raciocínio de um, não é igual ao
raciocínio do outro e a nossa razão de hoje não é a razão de amanhã. Se hoje
pensamos que uma coisa está certa, amanhã podemos pensar que não está,
pois amanhã o raciocínio pode ser diferente. Os que discutem o raciocínio
discutem em vão, pois cada raciocínio é diferente e o raciocínio de cada um é
bom na ocasião em que está sendo expressado. É inútil insistir e forçar alguém
a raciocinar pela mente dos outros. A melhor forma de educar é desenvolver o
raciocínio de alguém e nunca insistir que adote o nosso raciocínio, o que muitos
fazem.

É fascinante observar as astúcias da faculdade de raciocinar. Quando alguém


comete uma má ação, diz a razão: “Fulano é mau, já cometeu certas maldades
antes e com certeza agora está fazendo mais uma”. Quando a própria pessoa é
quem age mal, diz a razão: “Fiz isso porque não podia agir de outra maneira.
Não pude evitar”. A razão toma o partido do ego. A razão é escrava e serva da
mente: a um sinal dado, obedece. Basta a mente dirigir-se à razão para que ela
tome a posição de uma escrava obediente. Pode não ser muito correto, mas é o
que acontece.

A razão é uma das coisas mais valiosas que existem, mas não tem valor quando
se torna escrava da mente. Dá à mente motivo para fazer tanto o que é certo
como o que é errado. Se procurarmos os criminosos numa prisão e lhes
perguntarmos por que agiram mal, cada um deles apresentará uma razão. Se
olharmos mais de perto a razão, verificaremos que ela nada mais é que um véu,
uma série de véus, um sobre o outro. Se todos os véus forem retirados, assim
mesmo, ainda haverá uma razão. À medida que avançamos, encontramos a
mais completa e a mais substancial das razões. A superfície da razão não é
digna de confiança, mas o fundo é mais interessante, pois o fundo da razão é a
essência da sabedoria. Quanto mais compreendermos a razão, menos a
procuraremos, porque não mais teremos necessidade dela, já a conhecemos. O
homem pouco razoável sempre acusa a razão alheia. Quanto mais razoável é
uma pessoa, melhor compreende a razão dos outros e é por este motivo que o
sábio pode viver tanto com um sábio como com um tolo, mas o tolo não pode
viver nem com o tolo nem com o sábio.

Não há dúvida que existe sempre uma razão atrás da razão, uma razão mais
elevada, e ao atingirmos essa razão mais alta, começamos então a desaprender,
como dizem os místicos, tudo aquilo que aprendemos. Desaprendemos e
começamos a ver justamente o oposto. Em outras palavras, principiamos a
compreender que não há coisa boa que não tenha seu lado mau e não há mal
que não tenha seu lado bom. Ninguém pode levantar-se sem antes ter caído e
ninguém cai sem a promessa de se levantar. Vemos a morte no nascimento e o
nascimento na morte. Isso soa estranhamente, é uma idéia singular, mas de
qualquer forma é um estágio. Se elevarmo-nos acima do que é chamado razão,
alcançaremos a razão que também parece ser contraditória, o que explica a
seguinte atitude de Cristo: um criminoso foi levado à presença de Cristo e a
atitude dele para com o criminoso foi a atitude de quem perdoa. Não viu nenhum
mal no criminoso, viu o que vê um ser, quando atinge uma razão mais elevada.
Se penetrarmos nos mil véus da razão, atingiremos a razão das razões e
adquirimos uma compreensão que as razões exteriores não nos podem dar.
Podemos, assim, compreender todos os seres: os que agem certo e os que não
agem certo. Conta-se que os Apóstolos, de repente, sentiram-se inspirados e
falaram em diversas línguas. Não era a língua inglesa, nem a do Hindustão ou
da China: era a língua das almas. Quando um ser chega ao estágio mental em
que penetra na essência da razão, passa a comunicar-se com todas as almas.
Não é preciso conhecer 30 línguas. Podemos conhecer muitas línguas, mas se
não conhecermos o coração humano, nada conhecemos.

O coração tem uma língua. O coração fala com os outros corações e essa
comunicação torna a vida interessante. Duas pessoas podem não falar uma com
a outra, mas o simples fato de sentarem-se juntas pode resultar num intercâmbio
sublime de ideal e de harmonia. Quando fui iniciado por meu Mestre espiritual
na Índia, estava ávido, como todo homem, para assimilar, para aprender o
máximo possível. Dia após dia, avistei-me com meu Murshid (Mestre), mas
nenhuma vez falou-me de assuntos espirituais. Falava às vezes sobre ervas e
plantas, às vezes sobre leite e manteiga. Estive com ele diariamente durante 6
meses, tentando ouvir alguma coisa sobre espiritualidade. Decorridos 6 meses,
o Mestre falou sobre os dois lados da personalidade: o lado exterior e o lado
interior. Fiquei muito entusiasmado. Logo que começou a falar tirei do bolso um
caderno e um lápis. Imediatamente o Mestre mudou de assunto e falou de outras
coisas. Compreendi o que queria dizer com aquela atitude: em primeiro lugar,
que o ensinamento dado pelo coração deve ser assimilado pelo coração e que
o coração é o caderno de notas apropriado. Se esse ensinamento é anotado em
outro caderno fica no bolso do discípulo, mas se é anotado no coração fica na
alma. O discípulo precisa também aprender a lição da paciência, saber esperar,
pois todos os conhecimentos têm que vir no devido tempo. Perguntei a mim
mesmo se valia a pena ter ido ver o Mestre diariamente, fazendo longa
caminhada, durante 6 meses, para ouvir falar apenas de árvores e manteiga e
no mais fundo do meu ser, ouvi a resposta: sim, como valeu a pena, pois não há
no mundo coisa mais preciosa do que estar na presença de um santo. Seus
ensinamentos podem não ser dados teoricamente, mas estão na atmosfera do
santo. São ensinamentos que têm vida, que nos elevam realmente.

A essência da razão é o conhecimento de Deus. Assim, pois, se quisermos


procurar o conhecimento divino, encontrá-lo-emos na essência da razão.

O quinto aspecto da mente é o sentimento. Se as portas desta faculdade não


forem abertas, por mais sábio e inteligente que seja um indivíduo será sempre
um homem incompleto, porque não vive. A mente só começa a viver depois que
nela é despertada o sentimento. Multos usam a palavra sentimento, mas são
poucos os que o conhecem. Quanto mais conhecemos o sentimento, menos
falamos nele. Abrange tantas coisas que, se há um sinal de Deus, iremos
encontrá-lo no sentimento.

Atualmente faz-se distinção entre intelectualidade e sentimento, mas, na


realidade, não há intelectualidade perfeita se não houver sentimento. Sem um
constante transbordamento do sentimento, a força do pensamento e do
raciocínio não pode ser alimentada. Nesta época, em que impera o materialismo,
parece que o homem desconhece o valor do sentimento. Fala-se em coração,
mas não se dá a ele a importância que tem, embora o coração seja a causa
primordial, a raiz da planta da vida. O sustentáculo da vida é o coração. A virtude,
a sinceridade, o apreço, todas essas qualidades vêm do coração. Se um homem
não tem coração, não pode apreciar, ter gratidão, não é capaz de expressar o
que lhe vai na alma nem receber o bem e auxílio do próximo. Uma pessoa sem
coração torna-se egoísta, um egoísta tolo. Se fosse um egoísta sábio, valeria a
pena.

Há pessoas que às vezes alegam não ter tempo para mostrar seu coração, não
têm tempo para desenvolver as virtudes do coração. São pessoas ocupadas,
mas embora estejam ocupadas da manhã à noite podem muito bem fazer suas
tarefas usando o coração, dando expansão ao que está dentro dele. Quando
excluímos o coração da nossa vida, tudo que fizermos não terá vida. Como o
sentimento é importante em nossa vida! Nossa vida depende inteiramente do
sentimento. Perdemos o entusiasmo se estamos desanimados; perdemos
completamente a confiança se tivermos sido enganados; se nosso coração
algum dia sofreu um desengano, perdemos a autoconfiança pelo resto da vida.
Se tivermos fracassado, levamos a impressão desse fracasso pela vida a fora.

Os povos do Oriente gostam de apreciar brigas de galo. Dois homens trazem


seus galos para a arena e logo que um vê que o galo adversário vai ganhar,
retira o que lhe pertence, enquanto está lutando, antes que seja derrotado.
Prefere admitir a derrota enquanto os galos lutam a permitir que o animal se
impressione com a derrota, porque se o galo ficar com essa impressão, nunca
mais lutará. Este é o segredo de nossa mente e se aprendermos a tomar conta
dela, como acontece no caso dos galos, é melhor fazer qualquer sacrifício do
que dar à mente uma má impressão, tirando, assim, da vida, grande proveito.

Pela leitura dos livros sobre a vida dos grandes heróis e personalidades,
notamos que passaram por grandes dificuldades, tristezas e aborrecimentos e,
não obstante, tentaram sempre conservar o coração longe das humilhações.
Disso tiraram a força de que necessitavam. Sempre evitaram as humilhações.
Estavam preparados para morrer, para lutar, suportar os sofrimentos e a
pobreza, mas não estavam preparados para a humilhação. Quando estive certa
vez no Nepal precisei de um criado. Mandei buscar um, que pertencia à casta
dos guerreiros, dos “kshatrias”, bravos guerreiros das montanhas. Quando
perguntei o serviço que queria fazer respondeu-me: “Faço qualquer trabalho que
o Sr. desejar, o que quiser”. Perguntei-lhe então: “Quanto deseja ganhar?” “O
que o Sr. quiser me dar” respondeu. Estava-me divertindo imensamente, pois
encontrara um homem disposto a fazer qualquer serviço que eu quisesse e
aceitar qualquer pagamento, a meu critério. “Bem” disse-lhe eu, “não há
condições a estipular?” Respondeu-me: “Há uma condição. O Sr. jamais me dirá
uma palavra áspera”. Esse homem estava disposto a aceitar qualquer salário, a
executar qualquer trabalho, mas não queria ser humilhado. Apreciei aquele
espírito. Foi esse espírito que fez dele um guerreiro.

Há alguém neste mundo capaz de confessar que não tem sentimentos? Mas
existem corações de rocha, de ferro, de terra e há corações de diamante, prata,
ouro, cera e papel. Há tantas espécies de corações neste mundo, como existem
objetos. Há certos objetos que retêm o fogo por mais tempo e há outros que
queimam instantaneamente. Alguns objetos ficam quentes e imediatamente
esfriam. Outros desaparecem logo que são tocados pelo fogo e ainda há outros
que derretem os demais, transformando-os em peças ornamentais. O mesmo
acontece com o coração. Pessoas diferentes possuem também corações
diferentes e aquele que conhece o coração dos homens, lidará com cada um
deles de maneira diferente. Consideramos os homens iguais, justamente por não
levar essa diferença em consideração. Embora cada nota seja um som, as notas
são diferentes em grau, em vibrações. Assim, os homens são diferentes em grau,
em vibrações do coração. De acordo com as vibrações do coração, o homem é
um espiritualista ou um materialista, um nobre ou uma pessoa vulgar. O homem
é pequeno ou grande de acordo com as vibrações do coração e não pelo que
faz ou possui no mundo.

Durante toda minha vida tive grande respeito pelas pessoas que trabalhavam,
que lutaram neste mundo, e alcançaram certa eminência. Sempre considerei
uma coisa muito sagrada estar na presença dessas pessoas. Sendo isso de
grande interesse para mim, comecei, primeiro no Oriente, a fazer romarias aos
lugares onde viviam seres de grande alma e entre eles havia escritores, sábios,
filósofos e santos. Uma vez, entretanto, encontrei-me com um grande lutador.
Esse homem, que tinha a aparência de um gigante, com um corpo
monstruosamente muscular, possuía um temperamento tão expansivo e
compassivo, possuía tal simplicidade e delicadeza que me surpreendeu
profundamente. Pensei: “Não foi o tamanho e a força que o tornaram grande e
sim o que nele se fundiu e o transformou num ser cheio de doçura. Foi isso que
o fez grande”.

Sentimento é vibração. Se olharmos a vida mais profundamente, notaremos que


o coração cria fenômenos, porque é um veículo, um instrumento do sentimento.
Se infligirmos sofrimento aos outros, esse sofrimento ser-nos-á devolvido; se
causarmos prazer, este também nos será devolvido; se distribuirmos amor, esse
amor nos será restituído e se odiarmos, o ódio recairá sobre nós. De uma forma
ou de outra tudo nos será restituído: em sofrimento, doença, saúde, sucesso,
alegria e felicidade. De qualquer maneira, isso acontecerá, jamais falha. De um
modo geral ninguém pensa sobre isto. Quando um indivíduo chega a uma certa
posição na vida em que pode dar ordens aos outros e lhes fala secamente, nunca
pensa no efeito que pode ter essa maneira de agir. Todo sentimento, por menor
que seja, que brota do nosso coração e dirige-nos os atos, as palavras e os
movimentos, têm certa ação e repercussão, é questão de tempo. Pensamos ser
possível odiar alguém e que esse sentimento não nos será devolvido? Não
pensemos assim. O ódio, algum dia, nos será devolvido; é uma coisa certa. Aliás,
se possuirmos o sentimento de simpatia, de amor e de afeição, todos os bons
sentimentos, não precisamos contar a ninguém, pois eles nos serão devolvidos
de uma forma ou de outra.

Uma pessoa veio visitar-me e disse o seguinte: “Já fui muito compassiva, mas
acabei ficando endurecida. Qual a razão?” Respondi-lhe: “Você tentou tirar água
do fundo da terra, mas ao invés de cavar fundo, cavou na lama e ficou
desapontada. Se tivesse tido paciência de cavar até encontrar água, não teria
ficado desapontada”.

Às vezes uma pessoa pensa que possui sentimentos, que tem compaixão, mas
se os tivesse seria o mestre de sua vida e não precisaria de mais nada. Quando
a fonte que está no coração do homem começa a jorrar, o homem torna-se auto-
suficiente e afasta para longe a constante tragédia que as almas enfrentam na
vida. Essa tragédia é a limitação. Muitas vezes a ausência de sentimento é que
paralisa os outros quatro aspectos da mente. Uma pessoa sem sentimentos é
incapaz de pensar livremente. O que nos faz pensar é o sentimento. Um
indivíduo pode ter uma mente poderosa, mas se não tem sentimentos o poder
de sua mente será limitado, pois o verdadeiro poder está no sentimento e não
no pensamento.

Às vezes procuram-me e me dizem: “Pensei em determinada coisa e a desejei,


mas nunca consegui nada”. Minha resposta é: “Você jamais desejou tal coisa.
Se a tivesse desejado realmente, tê-la-ia conseguido”. Não me acreditam e
continuam a pensar que desejaram tal coisa. Pode ser, mas desejar
intensamente uma coisa não é bem assim. Se alguém ficar em frente de um
banco e disser: “Quero que todo o dinheiro desse banco seja meu”, isso
acontecerá? Essa pessoa imagina que deseja o dinheiro mas duvida, não
acredita que vai obtê-lo. Se acreditasse, teria esse dinheiro. A dúvida é um
elemento destrutivo que pode ser comparada à sombra. A sombra produz
umidade e esconde o sol, o qual não pode penetrar no lugar encoberto pela
sombra.

Há uma história muito conhecida na Pérsia a respeito de um homem e uma


mulher – Shirin e Farhad. Um lapidador chamado Farhad estava trabalhando
numa encomenda quando um dia viu uma senhora, a futura rainha, e disse-lhe:
“Amo-a”. Esse homem era um lapidador, um trabalhador de rua, e declarava-se
a uma senhora que estava destinada a ser a futura rainha. Esse homem não
raciocinava bem, mas não era sem sentimento. O sentimento estava dentro dele
e a pretensão foi provocada pelo sentimento. A senhora respondeu: “Muito bem,
esperarei e vou ver se sua pretensão é verdadeira. Direi ao Xá da Pérsia para
esperar”. Para experimentá-lo, a senhora pediu que ele abrisse uma estrada nas
montanhas. O homem partiu com um martelo e um formão. Não quis saber se
podia ou não fazer a estrada. Razão não havia, havia somente sentimento. Fez
uma estrada que mil homens não teriam feito num ano. Toda vez que martelava
a rocha, dizia o nome de Shirin, daquela que amava. Depois de pronta a estrada,
o rei soube e comentou: “Agora perdi minha oportunidade. O que farei?” Uma
pessoa presente disse ao rei: “Vou ver o que posso fazer”. Procurou Farhad, o
lapidador, e disse-lhe: “Seu amor e sua devoção são maravilhosos. Tudo o que
fez é fenomenal, mas você não ouviu dizer que Shirin morreu?” “Está morta?”
perguntou ele; “então não posso continuar a viver” e caiu morto.

Esta história focaliza a força do sentimento. O que falta hoje em dia é justamente
essa qualidade-sentimento. Todos querem pensar com o cérebro, trabalhar com
a cabeça e não com o coração. Se não houver sentimento por trás do que
fizermos, não será possível imaginar e criar uma bela obra de arte, nem pensar
e realizar coisas maravilhosas, conservar na memória alguma coisa bonita, nem
tampouco reter pensamentos quando nos concentramos. Além do mais, se não
houver sentimento, palavras como gratidão, agradecimento, apreço, não terão
sentido, tornando-se palavras ditas por mera polidez. Atualmente a delicadeza é
muito mal compreendida. Os homens aprenderam apenas o seu aspecto
exterior. Se houvesse sentimento por trás de tudo que os homens dizem, a vida
valeria bem mais a pena de ser vivida.

Se a mente está atormentada, torna-se confusa e nela nada é refletido. A


quietude da mente é que nos permite receber as impressões e refleti-las. Na
língua persa, a mente é chamada de espelho. Tudo que é colocado defronte de
um espelho aparece nele, mas logo que retiramos o colocado diante do espelho,
ele volta ao normal, nada permanece nele. Só enquanto o espelho focaliza o
objeto à sua frente é que este permanece no espelho e é isso que acontece com
a mente.

A qualidade que a mente possui de às vezes ficar quieta e outras vezes ativar-
se, de em certas ocasiões refletir o que vê e em outras ocasiões, evitar qualquer
reflexo, para que nenhum reflexo venha tocá-la, é desenvolvida pela
concentração, pela contemplação e pela meditação. A mente é treinada pelo
treinador-mestre, que a leva a mergulhar fundo, a voar alto, a expandir-se
largamente e a centralizá-la numa idéia. Logo que a mente é domada, o ser
humano passa a ser o mestre da vida. A alma, desde o momento que nasce,
assemelha-se a uma máquina, e está sujeita a todas as influências, influências
do tempo e influência do que realiza através dos cinco sentidos. Por exemplo, é
impossível passar por uma rua e não ver os cartazes e anúncios. Os olhos
humanos são obrigados a ver o que está à sua frente. O homem não tem a
intenção de olhar, mas tudo que existe exteriormente obriga-o a olhar. O homem,
pois, está constantemente sob a influência das coisas que existem no mundo
exterior, que o governam sem se aperceber. Um indivíduo afirma: “Sou um
homem livre, faço o que quero”, mas nunca faz o que quer, o que faz muitas
vezes é justamente o de que não gosta. Os ouvidos sempre estão sujeitos a
ouvir coisas que chegam ao seu alcance, sejam coisas harmoniosas ou
dissonantes e os olhos não podem resistir ao que vê. Assim sendo, um homem
está sempre sob a influência da vida.

Existem ainda as influências planetárias e as influências da vida das pessoas


que nos cercam e mesmo assim o homem diz: “Tenho livre-arbítrio, sou um
homem livre”. Se o homem soubesse como é pouco livre, ficaria amedrontado,
mas há um consolo: há no homem uma centelha escondida em alguma parte do
seu coração e só ela é que pode ser chamada de fonte do livre-arbítrio. Se essa
centelha for tratada com carinho, o homem terá maior vitalidade, maior energia
e maior poder. Tudo que pensar tornar-se-á realidade, tudo que disser causará
uma impressão, tudo que fizer terá um efeito. O que faz um místico? Sopra essa
centelha a fim de transformá-la numa chama, até que se transforme numa
labareda. Isso dá ao místico inspiração, a força que lhe permite viver neste
mundo uma vida de livre-arbítrio. Esta centelha é que pode ser chamada de
herança divina do homem, na qual ele vê o poder divino de Deus, a alma do
homem. Ser espiritual é soprar essa centelha que está no coração, extrair dela
luz e ver toda a vida nessa luz. Transformando a luz interior numa labareda,
aumenta a nossa capacidade de pensar, de sentir e de agir.

VIII
A FORÇA DO PENSAMENTO
Há seres que aprenderam, pelas experiências da vida, que o pensamento possui
uma força e outros admiram-se quando se fala nisso e perguntam se é verdade.
Há outros que têm idéia preconcebida sobre o pensamento e alegam que,
mesmo se o pensamento tivesse uma certa força, seria limitada. Entretanto, não
seria exagero dizer que o pensamento tem uma força ilimitada e para provar isso
não é preciso ir muito longe. Tudo que vemos neste mundo nada mais é do que
um fenômeno do pensamento. Vivemos neste fenômeno vêmo-lo de manhã à
noite e, mesmo assim, ainda duvidamos dele, o que prova que o belo mundo que
habitamos é responsável pelo nosso orgulho e vaidade em crer que
compreendemos as coisas melhor do que realmente as compreendemos.
Quanto menos acreditamos na força do pensamento, mais enraizados ficamos
na terra. Apesar disso, sentimos, consciente ou inconscientemente, que somos
limitados e começamos a procurar algo que fortaleça nossa fé no pensamento.

O pensamento pode ser dividido em cinco aspectos diferentes a saber:


imaginação, pensamento, sonho, visão e materialização. Imaginação é ação
automática da mente. De manhã à noite, se trabalhamos ou repousamos, a
mente funciona da mesma forma através da imaginação. O pensamento é o ato
de pensar com força de vontade. Desta forma é que podemos distinguir o homem
imaginativo do homem pensativo. Esses dois tipos de homens não devem ser
confundidos, pois um é imaginativo, o que quer dizer que seu pensamento não
tem força e funciona automaticamente, e o outro é um pensativo, o que quer
dizer que seu pensamento é potente.

Quando essa ação automática da mente funciona durante o sono, chama-se


sonho. É diferente da imaginação, pois quando o homem imagina, seus sentidos
estão abertos para o mundo objetivo e assim sua imaginação não toma uma
forma concreta. Quando, porém, essa mesma ação automática da mente
continua no sonho, não há nenhum mundo objetivo para ser comparado com ela.
O místico sempre vê o estado da mente de um homem pelo que ele sonha, pois
durante o sonho o trabalho automático da mente humana é muito mais concreto
do que sua imaginação.

Há pessoas capazes de conhecer o caráter ou o futuro dos outros, quando


sabem o que imaginam. Tais pessoas, a primeira coisa que pedem aos outros é
o nome de uma flor, de uma fruta, o nome de uma coisa que ame ou de que
gostem, para poderem conhecer o curso de sua imaginação. Descobrem, por
meio do curso da imaginação de uma pessoa, o seu caráter e gênero de vida.
Pela maneira de vestir e pelo que cerca um homem, podem-se saber seus
pensamentos e o que imagina. Se sonhar permite à mente expressar-se de uma
forma mais concreta, o sonho é a melhor maneira de compreender o estado
mental de uma pessoa. Quando chegamos a compreender isso, não temos mais
motivo para duvidar que o sonho tem efeito sobre a vida e o futuro de um homem.
Verdadeiramente falando, o homem não sabe nem pode imaginar quanto o
pensamento influencia sua vida.

Pode-se dizer que a visão é um sonho vivido em estado de vigília. Um homem


de imaginação, capaz de imaginar, tem capacidade para criar um pensamento.
Quando o pensamento criado pelo homem transforma-se num objeto no qual a
mente é focalizada, aí então todas as outras coisas se escondem do homem e
somente permanece à sua frente, como um quadro, a imaginação desse objeto.
O efeito dessa visão é, portanto, maior do que o efeito de um sonho. A razão
disso está na imaginação, que pode ficar defronte da mente enquanto o homem
está acordado e, naturalmente, é mais possante do que a imaginação que estava
ativa enquanto o homem dormia.

O quinto aspecto do pensamento é a materialização. Estudando este assunto,


encontramos o segredo maior da vida. Não há dúvida que todos aceitam
prontamente o fato de que um belo edifício é construído devido à imaginação do
arquiteto e que um lindo jardim deve-se à imaginação do jardineiro. No entanto,
quando falamos em matéria e nas coisas relacionadas com ela, o homem não
sabe até que ponto a imaginação ou o pensamento influencia com seu poder, a
matéria. Atualmente, a psicologia começa a ser difundida no mundo ocidental e
os homens, pelo menos, ouvem pacientemente quando alguém fala neste
assunto. Por outro lado, entretanto, há pessoas que tomam remédios com
grande fé, mas se lhes dissermos que um pensamento é capaz de curá-las,
sorriem e não acreditam. É uma prova de que, apesar do progresso que a
humanidade parece ter conseguido, houve um retrocesso numa direção, no que
se refere ao pensamento mais elevado, pois o homem atual geralmente não crê
na força do pensamento e muito menos crê no que chama de emoções.

De fato, se quisermos falar na alma do pensamento, é melhor dizer que essa


alma é o sentimento que se encontra atrás do pensamento. Nota-se que há
pessoas que ficam confusas quando ouvem palavras e não encontram atrás
delas nenhum sentimento. O que torna convincente um pensamento é a força
que está atrás dele e essa força é o sentimento. A tendência geral é deixar de
lado o que se chama de imaginação. Quando se diz que um homem imagina
alguma coisa, o que se quer dizer é que ele está brincando. Dizem-lhe: “Ora,
você imagina, simplesmente. Na realidade isso não existe”. O que realmente
acontece é que, quando alguém imaginou uma determinada coisa, a imaginação
de tal coisa é criada e o que é criado uma vez, existe. Se o que foi criado é um
pensamento, tem vida mais longa, porque o pensamento é mais forte que a
imaginação. Desta forma, o homem atual ignora essa força, que é a única e a
maior das forças existentes e chama-a de sentimentalismo, palavra que não
significa coisa alguma. Foi esta a força usada pelos heróis para vencer as
guerras e se houve alguém no mundo que um dia realizou um grande feito, esse
alguém usou a força do coração e não a força do cérebro. A música dos maiores
compositores, a poesia dos grandes poetas, vieram do fundo de seus corações
e não de seus cérebros. Se fecharmos as portas ao sentimento, à imaginação e
ao pensamento, fechamos simplesmente as portas para a vida.

O Sufi vê no homem tanto o Criador como a criação. A criação é o lado limitado


do homem e o Criador é o lado mais interiorizado do ser humano. Se isso é
verdade, o homem tanto é limitado como ilimitado. Se quiser ser limitado torna-
se cada vez mais limitado e se quiser ser ilimitado torna-se cada vez mais
ilimitado. Se cultivar em si mesmo a ilusão de que é uma criação, pode ser essa
criação sempre e sempre, mas se cultivar dentro de si o conhecimento do
Criador, pode também ter esse conhecimento cada vez mais.

Sobre os diversos tipos de fraqueza, de doença, de miséria, quanto mais nos


entregamos a eles mais acabrunhados ficamos. Às vezes isso acontece e
chegamos ao extremo de ver o mundo inteiro desabar sobre nós e ficarmos
soterrados. Outros, porém, procuram elevar-se acima das contingências da vida.
É difícil, mas é possível. Pouco a pouco, com coragem e paciência, podemos
erguer-nos e enfrentar o mundo, pois se não agirmos assim, mundo acabará
esmagando-nos. No primeiro exemplo, homem está caindo e no segundo está
subindo. O homem que cai e o homem que sobe, dependem ambos da atitude
da mente; e modificar a atitude da mente é a coisa principal na vida, quer do
ponto de vista material, quer do ponto de vista espiritual. Tudo que é ensinado
nas classes esotéricas Sufi e nas práticas Sufi, tem a finalidade de ensinar o
discípulo como chegar, pouco a pouco, gradualmente, à realização do que é
chamado de maestria, o aperfeiçoamento.

A maestria vem da evolução da alma e o sinal dela é quando conquistamos tudo


que nos causa revolta. Essa é a verdadeira tolerância. As almas que atingiram
essa maestria espiritual, não a mostram só com os seres humanos, mas
também, e até, com os alimentos. Não há coisa alguma que a alma que possui
a maestria não posa tocar, embora não goste ou não aprove.

Todos os métodos adotados pelos Yogas, especialmente os Hatha Yogas,


baseiam-se na familiarização das coisas com as quais suas naturezas se
revoltam. Não há dúvida que, assim procedendo, às vezes vão muito longe e se
torturam, se atormentam e tais extremos não dão certo, mas em todo o caso é o
princípio deles.

Não é o calor que mata um homem, mas a aceitação do calor. O mesmo


acontece com os alimentos e remédios, pois por trás de todas as coisas está o
pensamento. Até hoje existem iogues que podem pular dentro do fogo e não se
queimam. Descobriremos que as almas intolerantes são as mais infelizes, pois
tudo no mundo as magoa. Por que são assim – desconfortadas no lar e inquietas
fora dele? Devem isso à tendência que têm de se desgostarem, de rejeitar as
coisas, por causa de seus preconceitos. Essa tendência precisa ser vencida e
quando a tivermos subjugada, obteremos uma grande maestria.

Lembro-me de meu Mestre na escola, explicando que as folhas da árvore “Nim”


possuíam grandes qualidades curativas. Isso não me interessou muito, o que me
interessou foi o que também nos contou, que as folhas dessa árvore eram tão
amargas que ninguém podia beber uma mistura feita com elas. A primeira coisa
que fiz foi apanhar algumas folhas e ninguém compreendeu por que, mas fiz um
chá com as mesmas e bebi. Para minha grande alegria nem fiz uma cara feia!
Continuei a beber o chá durante 4 ou 5 dias e depois esqueci-me do assunto.
Lutando contra as coisas que não podemos fazer é que chegamos à maestria,
mas em geral não procedemos assim. Lutamos contra as coisas que nos
impedem obter o que desejamos. O homem devia lutar apenas consigo mesmo,
lutar contra a tendência de rejeitar as coisas, e isso o levaria à maestria, ao
aperfeiçoamento. Um dos princípios generalizados é que na vida não adianta
forçar as coisas, mas se nos queremos treinar isso é outra coisa. É um processo
e não um princípio.

Pode-se alegar que é um grande esforço. Sim, é um esforço, mas tanto o cair
como o levantar é um esforço. É muito melhor esforçar-se e levantar-se do que
esforçar-se e cair. Quando o homem cai, é sinal de que seu pensamento está
fraco. Por que está fraco em pensamento? Porque está fraco em sentimento. Se
o sentimento protege o pensamento e se o pensamento permanece firme;
quaisquer que sejam as dificuldades da vida, serão vencidas.
IX
CONCENTRAÇÃO
O conhecimento da concentração requer não só estudo como equilíbrio. Antes
de falar no assunto, gostaria, em primeiro lugar, de explicar o motivo que existe
atrás da concentração. A vida tem dois aspectos, a saber: a vida audível e a vida
silenciosa. Quando falo em vida audível refiro-me às experiências, a todas as
sensações que experimentamos através dos cinco sentidos. É diferente da vida
que chamo de vida silenciosa. Quando perguntam qual o benefício auferido com
a vida silenciosa, respondo que esse benefício é tão abstrato como é abstrata a
vida silenciosa. A vida de sensações é clara, seu benefício é claro e, não
obstante, a vida de sensações é limitada e seus benefícios também são
limitados. Esta é a razão por que no fim das nossas experiências, descobrimos
que elas têm pouco valor. A importância das nossas experiências duram o tempo
que levamos para vivê-las, mas depois a importância da vida de sensações
desaparece.

O valor da vida silenciosa é independente. É nosso feitio dar valor a alguma coisa
que diz respeito à vida exterior. A vida silenciosa não proporciona nenhum
benefício especial e sim um benefício geral. Em outras palavras, se temos um
pequeno ferimento no corpo, o uso externo de determinado remédio pode curá-
lo, mas existem outros remédios menos espetaculares que podem curar todo o
organismo, o que é melhor do que curar um ferimento externo.

Não se pode dizer exatamente qual o lucro que se obtém com a concentração,
mas realmente se obtém diversos tipos de lucro por meio da concentração, em
todas as direções. Há duas espécies de concentração: a concentração
automática e a concentração intencional. A concentração automática é feita por
muitas pessoas que ignoram o fato de se estarem concentrando, mas
concentram-se. Concentram-se automaticamente, alguns com desvantagem e
outros com vantagem. Quem tira vantagem dessa concentração são as pessoas
cujas mentes estão fixadas nos seus negócios, na sua arte ou em qualquer outra
ocupação; são os que, devido à concentração, podem trabalhar com grande
sucesso, quer sejam compositores, escritores ou músicos. O sucesso dessas
pessoas está relacionado com o seu poder de concentração. Certa vez tive o
prazer de ouvir Paderewski em sua residência. Começou a tocar suavemente.
Cada nota que tocava transportava-o mais para o fundo do mar da música. As
pessoas meditativas podiam ver claramente que ele estava tão concentrado no
que tocava que não sabia onde se encontrava. As obras dos grandes
compositores, cuja vida é eterna, as quais conquistaram o coração dos homens,
de onde vieram? Da concentração. O mesmo acontece com um poeta, com um
artista. É a concentração que faz o pintor usar as cores e traçar as linhas que
fazem o quadro. Naturalmente, se não houver concentração, um artista ou um
escritor, um músico ou um poeta, ou quem trabalhe no comércio ou na indústria,
jamais terá sucesso.

Às vezes, a concentração traz desvantagens. Há homens que pensam


constantemente que não têm sorte, que tudo que fazem não sai certo, que
pensam que todos os detestam e odeiam. Assim, alguns começam a pensar que
não têm competência para coisa alguma, que são incapazes e inúteis. Outros,
além da autopiedade, julgam-se doentes. Assim, mesmo que não estejam
doentes, criam a doença. Algumas pessoas alimentam as doenças pela
concentração, pensando sempre nelas. Nenhum médico terá sucesso com
essas pessoas. Um velho médico disse certa vez: “Existem muitas doenças, mas
existem muito mais doentes do que doenças”. É difícil curar um homem que se
tornou doente através da concentração. Existem muitos casos de concentração
automática com desvantagem para o homem.

A concentração intencional é ensinada por pensadores, filósofos e meditativos.


Todo misticismo, todo esoterismo, é baseado na concentração. Essa
concentração mística pode ser dividida em quatro graus diferentes. O primeiro é
a concentração, o segundo a contemplação, o terceiro é a meditação e o quarto
a realização.

O primeiro grau pode ser definido pela fixação do pensamento num objeto. Não
se deve concentrar em qualquer objeto que apareça, porque o objeto da
concentração tem efeito sobre a pessoa que está se concentrando. Quando se
concentra num objeto morto, o efeito é amortecer a alma. Quando se concentra
num objeto vivo, o efeito naturalmente é vivificador. O segredo dos ensinamentos
dos profetas e místicos deve ser encontrado nisso.

Chega-se a essa concentração por três caminhos diferentes. O primeiro é pela


ação. Fazemos um certo movimento ou realizamos um ato que ajuda a mente a
se concentrar num determinado objeto. Outro caminho é com o auxílio de
palavras. Repetindo certas palavras aprendemos a pensar automaticamente em
um determinado objeto. O terceiro caminho é com o auxílio da memória. A
memória é semelhante ao depósito do construtor. Desse depósito o construtor
retira o que quer: telhas, colunas, tijolos, o que quiser. O homem que se
concentra assim, faz o mesmo que as crianças, que têm tijolos para construir
suas casas de brinquedo. Esse homem coleciona coisas na memória e com elas
fabrica objetos para concentrar no que deseja.

Sobre a contemplação, somente quando uma pessoa está suficientemente


desenvolvida é que deve usá-la, porque não se contempla um objeto e sim uma
idéia. Sem dúvida, há homens que pensam estar em condições de fazer qualquer
coisa, e que após a concentração pensam que podem usar a contemplação, mas
a natureza da mente é tão complicada que ela foge ao nosso controle no
momento que tentamos segurá-la. Assim, antes de uma pessoa começar
realmente a pensar, a mente já arremessou longe o objeto da concentração,
como faz um cavalo bravio com o homem que o quer amansar. A mente não é
sempre assim indomável. Mostra-se indomável quando queremos domá-la. É
como o corpo: sentimo-nos tranquilos, sentados naturalmente, mas logo que
ficamos completamente imóveis por cinco minutos, o corpo começa a ficar
inquieto. É ainda mais difícil fazer a mente obedecer. Os místicos, pois, arranjam
uma corda para atar a mente num determinado lugar onde não se possa mover.
Que corda é essa? Essa corda é a respiração. Por essa corda os místicos
amarram a mente e a obrigam a ficar onde desejam. É como o pássaro, que usa
a saliva para fazer o ninho. O místico, com a respiração, cria a atmosfera, cria a
luz e o magnetismo, nos quais vive.

Uma das características da mente é que ela se parece com um disco de vitrola:
tudo que é gravado no disco ele pode reproduzir. Outra característica da mente
é que não só reproduz mas também cria o que nela for gravado. Se a feiúra
pudesse ser gravada, produziria desavenças, desarmonia. A ciência da
concentração limpa o disco da mente, faz com que ele reproduza o de que
gostamos e não o que surge automaticamente. Neste mundo, estamos sempre
receptivos às impressões. Caminhamos com os olhos e os ouvidos abertos, mas
não só os olhos e os ouvidos é que estão abertos, os lábios também estão, para
revelar as impressões que os olhos e os ouvidos receberam e esse é o lado
perigoso.

A terceira parte da concentração é a meditação. Neste estágio o homem fica


comunicativo, comunica-se com a vida silenciosa e, naturalmente, comunica-se
também com a vida exterior. O homem então começa a compreender que tanto
a vida exterior como a vida interior, tudo, enfim, é comunicativo. O homem
começa, pois, a aprender o que jamais pode ser aprendido estudando ou lendo
livros: que a vida silenciosa é o maior mestre, que tudo sabe. A vida silenciosa
não somente ensina, também traz a paz, a alegria, a força e a harmonia que faz
da vida uma coisa bela.

Ninguém pode considerar-se meditativo, porque um meditativo não precisa dizer


o que é com os lábios. A. atmosfera que cerca o meditativo é que pode dizer se
ele é ou não um verdadeiro meditativo. Perguntei um dia ao meu Mestre
espiritual sobre o sinal pelo qual podíamos reconhecer os homens que
conheciam Deus e ele me respondeu: “Não são os que chamam o nome de
Deus, são aqueles cujo silêncio proclama o nome de Deus”. Muitos seguem na
vida, olhando, procurando alguma coisa que valha a pena, algo maravilhoso,
mas se esquecem de que não há nada mais maravilhoso no mundo do que a
alma humana.

A realização é o resultado dos três outros graus. No terceiro tipo de experiência,


o homem é que perseguiu a meditação, mas na realização, a meditação é que
persegue o homem. Em outras palavras, não é mais o cantor que canta a
canção, a canção é que canta o cantor. Este quarto grau é uma espécie de
expansão da consciência, é o desdobramento da alma, é o mergulho dentro de
nós mesmos, é a comunicação com os átomos da vida que existem no mundo
inteiro, é a realização do “eu” verdadeiro, em cuja realização encontramos o
objetivo da vida.

X
VONTADE
As palavras querer, desejar, amar, e outras idênticas têm mais ou menos o
mesmo significado, mas a palavra “vontade” tem uma importância muito maior
que qualquer outra. Vontade é a vida propriamente dita. Na Bíblia, Deus é
chamado de amor. Amor em que sentido? Amor no sentido de vontade. De que
se serviu o Criador para fazer o universo? Do amor? Da vontade; o amor veio
depois. O amor, quando é reconhecido por sua manifestação, é vontade. É
chamado então de amor mas, no princípio, é vontade. Por exemplo, o grande
mausoléu existente em Agra, o Taj Mahal, dizem que foi construído como prova
de amor do rei à sua amada. No entanto, se olharmos esse monumento com
objetividade, não o classificaremos como expressão de amor. Podemos dizer
que ele é muito mais um fenômeno da vontade. Foi, pois, um fenômeno da
vontade do imperador que deu origem a essa construção, que impulsionou a
obra. Depois de concluída, podemos então classificá-la de expressão de amor.
Quando alguém diz “desejo isto e aquilo”, “eu quero isto e aquilo”, a sua vontade
é incompleta, é vontade que não tem consciência de seu poder, é vontade que
não tem certeza do que deseja. Neste caso a vontade é chamada desejo, querer,
mas quando o homem diz: “Terei isto e aquilo” significa uma coisa definitiva. Um
homem que nunca pode dizer “terei isto e aquilo” não tem vontade.

Assim sendo, concluímos que a vontade é a fonte e a origem de todos os


fenômenos. Os Hindus dizem que a criação é o sonho de Brahma, o Criador,
mas o sonho é um fenômeno da vontade inconsciente, quando a vontade
funciona automaticamente.

A vontade é a atividade da alma. Podemos também chamar a alma o “eu” da


vontade. A diferença que existe entre a vontade e a alma é a mesma que existe
entre uma pessoa e seus atos.

Há uma diferença entre o homem que pensa e o homem que imagina, pois um
pensa com vontade e o outro pensa sem vontade. Uma vez que o homem tenha
conhecimento do valor da vontade, compreende que não há na vida nada mais
precioso do que ela. Surge na mente humana, naturalmente, na mente do
homem pensativo, a seguinte pergunta: “Tenho vontade? Minha vontade é forte
ou tenho uma vontade fraca?” e a resposta é: não pode existir ninguém sem
vontade, todos têm vontade.
A mente quando trabalha automaticamente, gera imaginação e o valor da
imaginação depende da cultura da mente. Se a mente for sintonizada para um
grau mais elevado, a imaginação, naturalmente, chegará a um grau maior, ao
apogeu, mas se a mente não for sintonizada para um grau mais elevado, é
natural que a imaginação não chegue ao apogeu.

A imaginação tem seu lugar e seu valor, mas quando? Quando o coração for
sintonizado a um tal grau que a imaginação não poderá ir a outro lugar senão ao
paraíso. O coração assim sintonizado pelo amor, pela harmonia e pela beleza,
sem querer começa a flutuar automaticamente e com esse movimento
automático reage a tudo em que toca ou expressa de alguma forma as coisas
em que toca. Quando se expressa em forma de linha, de cor ou de notas, produz
arte, pintura, música ou poesia e é então que a imaginação tem valor. Quando
chega a vez dos negócios, da ciência e de todas as coisas relacionadas com
nossa vida cotidiana e com o mundo, o melhor é deixar de lado a imaginação e
trabalhar com o pensamento.

Assim como a noite e o dia são úteis e o descanso e a atividade são necessários,
também o pensamento e a imaginação têm um lugar em nossa vida. Por
exemplo, se um poeta usasse a vontade para dirigir a imaginação, a imaginação
transformar-se-ia num pensamento, num pensamento rígido. O que o poeta deve
fazer é deixar a mente flutuar no espaço e permitir que seu coração expresse
tudo que a mente vier a tocar. O que o coração expressa é a inspiração. Quando
precisamos tratar de um negócio, devemos deixar o coração flutuar no ar.
Devemos pensar nas coisas terrenas e nas cifras com muito cuidado.

Falemos agora da maneira de conservar a vontade, Nosso modo de vida priva-


nos da vontade, pois ela vai-se enfraquecendo não só devido às dificuldades que
temos que enfrentar, como também pelas lutas que travamos com nosso próprio
“eu”, com nossos pensamentos, com nossos desejos, nosso querer e nossas
motivações. Quem sabe como nosso ser está relacionado com a Vontade
Perfeita, descobre que as experiências por que passamos na vida são as
responsáveis pelo enfraquecimento, pela estreiteza e pela limitação da nossa
vontade. As alegrias privam-nos da vontade, bem como as tristezas. Os prazeres
são os responsáveis pela perda da vontade tanto quanto os sofrimentos e a única
maneira de manter o poder da vontade é estudar a sua existência e analisar,
entre tudo que existe dentro de nós, o que é a vontade.

Pode parecer que a motivação aumente o poder da nossa vontade, mas no fim,
sem dúvida, descobrimos que não aumenta e sim rouba o nosso poder da
vontade. A motivação é uma sombra sobre a inteligência, embora saibamos que
quanto mais elevada é a motivação maior é a alma e quanto maior é a motivação,
maior é o homem. Quando a motivação está aquém do ideal, resulta na queda
do homem e quando a motivação do homem é seu ideal, o resultado é a elevação
do homem. Se a motivação do homem é ampla, sua visão alarga-se. A grandeza
do homem depende da força de sua motivação.

Há um ditado: “O homem propõe e Deus dispõe”. Sempre nos defrontamos com


uma força maior do que nós, que nem sempre apóia nossos desejos.
Naturalmente, um homem de vontade, quando se defronta com uma força maior,
mais cedo ou mais tarde cede e nele fica impressa a perda da sua vontade. Isto
é apenas um exemplo, mas centenas de exemplos podem ser dados, mostrando
como somos roubados da nossa vontade sem, às vezes, nos apercebermos.
Muitas vezes o homem pensa que, por ser ativo ou determinado, conserva a
vontade e por ser passivo perde-a, mas não é bem assim. Onde há uma batalha
há um avanço e um recuo. Quando recuamos não fomos vencidos e quando
avançamos nem sempre vencemos. Um homem quando exerce a vontade
constantemente, acaba por forçá-la e esgotá-la muito cedo. É o mesmo que
estarmos muito seguros de uma corda que temos na mão, enquanto a
esfregamos na borda de uma pedra aguçada. Às vezes, pessoas que exercem
grande poder da vontade, fracassam muito mais cedo do que as que não o
exercem.

Há sempre luta entre o poder da vontade e a sabedoria e a primeira coisa a fazer,


a mais sábia, é criar harmonia entre o poder da vontade e a sabedoria. Quando
dizemos: “Desejo fazer isto, farei isto” e no entanto os sentidos dizem: “Não, não
posso fazer isto, não devo fazer isto”, mesmo usando todo o poder da nossa
vontade não podemos fazer as coisas e se as fizermos contrariamos nossa
maneira de pensar.

Isso vem também mostrar a vida sob um outro aspecto: aqueles que têm
sabedoria mas não têm vontade são tão fracos, como os que têm o poder da
vontade e não têm sabedoria. Não há vantagem alguma em colocarmos a
sabedoria na frente e o poder da vontade atrás e nem há vantagem em pôr o
poder da vontade na frente e a sabedoria atrás. O que é preciso é fazer do poder
da vontade e da sabedoria uma coisa só e isso pode ser feito se tivermos
consciência da atividade de ambas em tudo que fazemos. Podemos, ao mesmo
tempo, pôr isso em prática na nossa vida cotidiana se nos privarmos do que
gostamos. Se o homem possui o que deseja ter, sem dúvida estragará sua
vontade, porque a sua vontade não reagirá.

Estimulamos a vontade, quando nos privamos do que desejamos, pois, assim, a


vontade passa a ter consciência de si mesma, torna-se viva, admira-se por só
saber disso naquele instante. Por exemplo, alguém gosta de pêssegos e, ao
mesmo tempo, tem grande atração pela flor do pessegueiro. Pensa: “a flor é
linda”. Surge então a idéia: por que não deixar a flor na árvore? e, assim, decidiu
não colher a flor. Com isso recebeu um estímulo pois, primeiramente, o desejo
quis ter a flor e depois a razão agiu contra essa idéia. Assim como a luz surge
da fricção, também a vontade surge da fricção.
O poder da vontade é saber controlar, é contrastar com a imaginação que age
sem controle, pois se quisermos controlá-la acabamos por estragá-la. Nada no
mundo, quer no plano mental quer no plano físico, move-se sem o poder da
vontade, mas no plano mental, o poder da vontade reside no controle absoluto e
no plano físico funciona automaticamente.

Há um outro inimigo do poder da vontade: é o poder do desejo, que algumas


vezes rouba o poder da vontade. Às vezes o poder da vontade fortalece-se em
conflito com o desejo. A autonegação ensinada na Bíblia significa geralmente o
aniquilamento dos desejos. Não deve ser tomada como um princípio, mas como
um processo. Os que adotaram a autonegação como um princípio, nada
ganharam e os que a adotaram como um processo, saíram ganhando.

O inimigo da razão, da sabedoria, é a intranquilidade da mente. Se a mente está


tranquila produz pensamentos corretos e a sabedoria, naturalmente, jorra como
uma fonte. É por este motivo que os Sufis ensinam diversos exercícios, físicos e
meditativos, para dar tranquilidade à mente, a fim de que a sabedoria nela
existente possa jorrar como uma fonte. Não podemos ver o reflexo de nossa
imagem na água revolta. É na água parada que podemos vê-la. Nosso coração
assemelha-se à água e quando está tranquilo, a sabedoria brota
espontaneamente. A sabedoria e a vontade, quando trabalham juntas, criam o
sucesso.

O poder da vontade é sistematicamente desenvolvido, primeiro pela disciplina


do corpo. O corpo deve sentar na postura adequada, deve ficar na posição que
lhe for recomendada. Não deve ficar inquieto ou cansado com o que se exige
dele e sim atender o que o seu dono pedir. Logo que um Sufi começa a disciplina
do corpo, nota como ele foi sempre indisciplinado. Verifica, então, que o corpo,
que sempre chamou de seu, e para cujo conforto fez tudo o que podia, esse
corpo infiel, parece ser o mais desobediente e o mais desleal.

A seguir vem a disciplina da mente, que é feita pela concentração. Se a mente


tem um determinado pensamento e desejamos que ela pense noutra coisa,
torna-se inquieta, não quer fixar-se, pois sempre viveu sem disciplina. Logo que
a mente é disciplinada, age como um cavalo bravo que precisa ser domado. As
dificuldades começam, quando tentamos concentrar-nos. A mente começa a dar
saltos e às vezes somente passeia. Isto acontece porque a mente é uma
entidade. Sente, como deve sentir um cavalo bravo: “Por que devo ser
perturbado por você, meu cavaleiro?” A obrigação da mente, porém, é servir,
obedecer, assim como o dever do corpo é ser uma máquina obediente para
podermos com ela ter experiência da vida. Se o corpo e a mente não estão em
ordem, se não agem como desejamos, aí então, não podemos ter esperança de
alcançar a felicidade verdadeira, o verdadeiro conforto na vida.

A vontade pode-se tornar tão forte a ponto de controlar o corpo, transformando-


o num corpo perfeitamente são. Mas então, pergunta alguém: e a morte? A morte
não é coisa estranha ao poder da vontade. Até a morte é causada pelo poder da
vontade. Pensamos que não convidamos a morte a nos visitar. Com efeito, não
a convidamos propriamente, mas quando nossa vontade se enfraquece a
Vontade maior penetra na nossa vontade enfraquecida, tomando-a para si, pois
a vontade menor pertencerá à Vontade maior. Os Sufis chamam KADR à
vontade menor e KAZA à Vontade maior. A KAZA reflete uma ordem na KADR
e ela inconscientemente obedece. Um homem, externamente, pode dar a
impressão de que deseja ainda viver, mas no fundo do seu ser já se resignou
com a morte. Se o homem não se resignasse a morrer, não morreria. No fundo
do seu ser ele já se resignou, antes que a vida lhe seja tirada.

A resignação da vontade humana à Vontade Divina é a verdadeira crucificação.


Depois da crucificação vem a ressurreição. Podemos chegar a isso, procurando
o prazer de Deus, o que não é difícil se começarmos a procurar o que é esse
prazer de Deus. Só se não tentarmos é que não descobriremos o prazer de
Deus. Há uma outra lição dada pelos Sufis: procurar o prazer de nossos
semelhantes. É o que de hábito o homem recusa fazer. O homem está quase
sempre disposto a fazer o que dá prazer a Deus, mas se lhe pedirmos para
procurar o prazer do próximo, recusa.

De qualquer maneira, entretanto, estamos procurando o prazer do único e


mesmo Ser. Começamos com a resignação, mas assim que aprendemos a nos
resignar e a nos sintonizar com a Vontade Divina, não mais precisamos resignar-
nos, pois nosso desejo será o Impulso Divino.

XI
RELAX MÍSTICO (1)
Uma das coisas mais importantes na vida é o relax místico. A cultura
espiritualista é baseada e foi fundada visando esse objetivo. No entanto, muito
pouco se fala e se escreve sobre o assunto. O relax místico foi objeto de
experiências e estudos por parte dos pesquisadores da Verdade em todos os
tempos e foi pela perfeita compreensão do relax místico que esses
pesquisadores alcançaram o poder mais alto e a inspiração.

Vida é ritmo. Esse ritmo pode ser dividido em três estágios e em cada um deles
o ritmo muda a natureza e as características da vida. Um ritmo é móvel, o outro
é ativo e o terceiro é caótico. O ritmo móvel é criativo, produtivo, construtivo e,
por seu intermédio, alcançamos o poder total e a inspiração, adquirindo paz. O
segundo estágio deste ritmo, o ritmo ativo, é a fonte do sucesso, da perfeição,
do progresso e do desenvolvimento, e é também a fonte da alegria e da
realização. O terceiro estágio deste ritmo, o ritmo caótico, é a fonte do fracasso,
da morte, da doença e da destruição, a origem de todos os sofrimentos e
tristezas.
O ritmo móvel é vagaroso, o ritmo ativo é mais acelerado e o ritmo caótico é mais
acelerado ainda. A direção do ritmo móvel é para a direita, do ritmo ativo para a
esquerda e do ritmo caótico é um zigue-zague. Quando se diz que um homem é
sábio e pensador, ele está no primeiro ritmo, o ritmo móvel. Quando se diz que
é perseverante e bem-sucedido na vida, está no segundo ritmo, o ritmo ativo, e
quando se diz que perdeu a cabeça e se extraviou está no terceiro ritmo, ou no
ritmo caótico. Está cavando sua própria sepultura ou a sepultura de seus
negócios. É inimigo de si próprio. Tudo que quer realizar, por mais vontade que
tenha de avançar ou progredir, não consegue; tudo destrói, porque seguiu o
terceiro ritmo, o ritmo caótico e destruidor. Portanto, nós é que temos que nos
sintonizar com o ritmo que desejamos e se escolhermos o ritmo móvel, o ativo
ou o caótico, nossa posição na vida será de acordo com essa escolha.

E as influências planetárias? Não têm nada a ver com nossa vida? Sim, têm,
mas como agem em nós as influências planetárias? Essas influências, se nós
nos colocarmos num determinado ritmo, não exercerão nenhum poder sobre o
sucesso ou sobre o fracasso. Se vivermos somente nesse ritmo, o resultado será
o mesmo, isto é, essas influências não exercerão poder sobre nós e sobre as
coisas que nos rodeiam. Se o nosso ambiente for favorável ou desfavorável,
natural ou antinatural, tudo isso significa que nos colocamos no ritmo em que tais
ambientes se situam. Se conseguirmos sucesso, se nossa sorte for boa ou má,
será em consequência do ritmo que adotarmos.

Onde encontrar esse poder e como podemos obtê-lo? Se o homem pensar nisso,
conseguirá muito facilmente obter esse poder quer no plano físico, quer no plano
mental ou espiritual. Há ocasiões em que o corpo está perfeitamente calmo e há
outras em que está excitado, quando a respiração perdeu o ritmo e o
funcionamento do corpo se torna irregular, desigual, enfim, seu estado é caótico.
Quando a circulação do corpo é regular, o ritmo é adequado e a respiração é
uniforme, o homem é capaz de fazer tudo, de realizar as coisas que quiser.
Quando o corpo está repousado, confortável e relaxado, aí então é que podemos
pensar. As inspirações e as revelações começam a aparecer, sentimo-nos
tranquilos, ficamos entusiasmados e adquirimos poder. Em Sânscrito primeiro
ritmo – ritmo móvel – é chamado de “Sattwa”, o segundo – o ritmo ativo – de
“Rajas”, e o terceiro – o ritmo caótico – de “Tammas”. Do ritmo intermediário é
que surgiu a palavra “Raja”, que significa “aquele que preservou com a espada
e construiu um reino”. Seu ritmo é o intermediário, o ritmo ativo. O primeiro ritmo
– o ritmo móvel – às vezes é chamado de “Sand”, que nos faz lembrar a palavra
santo. Deste ritmo é que vem a bondade.

Em nossa vida há um período em que o primeiro ritmo – o ritmo móvel –


predomina; em outro período, predomina o segundo – o ritmo ativo – e ainda em
outro período, o terceiro ritmo – o ritmo caótico. Entretanto, em nossa vida, um
ritmo predomina em todas as mudanças, quer estejamos no terceiro, no segundo
ou no primeiro ritmo.
O homem que vive no primeiro ritmo – o ritmo móvel – possui sempre o poder
de realizar. O que acontece com o corpo, acontece com a mente. O corpo e a
mente estão tão intimamente ligados que qualquer ritmo que a mente adote, o
corpo também adota e o ritmo que predomina no corpo e na mente é o ritmo que
predominará em nossa alma.

Havia um rei que sempre dizia, quando seus ministros lhe traziam algum
problema: “Leia novamente” e o ministro relia. Às vezes, depois de lidas as
quatro primeiras linhas, o rei interrompia a leitura e dizia: “Leia novamente”.
Depois de ouvir três vezes a mesma coisa a resposta do rei era perfeita.
Entretanto, quando conversamos, o que muitas vezes fazemos? Respondemos
antes de a pessoa acabar de falar. Ficamos tão impacientes, ansiosos e
excitados para responder! Apenas uma pessoa entre cem, fica calada e ouve o
que a outra tem a dizer.

O ritmo errado, o ritmo caótico, é que traz resultados caóticos. O que produz a
guerra? A atividade caótica. As nações envolvem-se na guerra devido a essa
atividade caótica do mundo. É por isso que o mundo inteiro pode ser levado à
guerra. Há homens que duvidam da crença religiosa de que Cristo salvou a
humanidade; não podem compreendê-la. Dizem que o homem se salva por si
mesmo. Não compreendem que um homem pode arruinar o mundo inteiro e que
um homem pode também salvá-lo. O homem salva o mundo pelo ritmo. Quando
há uma influência caótica, milhares de pessoas são afetadas como se
estivessem sob a ação de uma bebida intoxicante e essa influência age como os
germes das doenças, passando de pessoa para pessoa até atingir o país inteiro.
Se isto é verdade mecanicamente, psicologicamente pode muito bem ser
verdade que um homem é capaz de levar o mundo inteiro ao desespero, embora
seja difícil às pessoas comuns, compreenderem essa verdade.

A Turquia estava debaixo de uma tremenda depressão e as guerras fizeram de


um país rico, um país muito pobre. Vivendo de desaponto em desaponto, a
nação afundava cada vez mais. Apareceu então um homem, Kemal Pasha, e o
ritmo desse homem deu vida a milhares e milhares de almas que estavam mortas
à espera de alguma coisa, que estavam famintas, sem alimento, desapontadas
com os esforços já feitos. Foi assim que um homem animou o povo e levantou o
país. Vejamos o que aconteceu na Itália, onde todos os esforços eram inócuos
devido às idéias e partidos diferentes. Não havia esforço unido, nenhuma
concentração. Depois do cansaço da guerra, surgiu um homem, Mussolini, que
reergueu a nação inteira. Isto é apenas o que acontece no plano exterior. No
plano espiritual, o efeito é ainda muito mais forte, só que os que trabalham no
plano espiritual não dão qualquer demonstração. Sabemos o que acontece no
mundo da política, mas no mundo espiritual acontecem grandes coisas que não
são conhecidas e cuja influência é muito poderosa devido ao ritmo.
Prova disso, é a vida de Napoleão. Alguns apreciam Napoleão e outros não, mas
nas guerras ele era a inspiração, a força e o esteio do país inteiro, tudo girava
em torno do espírito napoleônico. Napoleão tinha momentos de silêncio, mesmo
durante os dias de grande ansiedade da guerra, muitas vezes até em cima do
cavalo. Enquanto ficava imerso em silêncio, recuperava as energias perdidas
com as contínuas responsabilidades e se sentia reanimado depois de ter fechado
os olhos. O que acontecia? Napoleão possuía a chave do relax, que é uma
sintonização com o ritmo desejado.

Não se deve ficar surpreso ou rir dos sábios que mantém uma das mãos
levantadas ou talvez coloquem a cabeça no chão e os pés para cima, e sentam-
se numa certa postura longo tempo. Há um motivo para assim agirem. Os artistas
que conhecem as diversas formas da arte do relax, sabem criar o relax do corpo
e da mente. Eu mesmo, pelo espaço de doze anos, tive apenas tempo para
dormir três horas à noite e às vezes nem mesmo isso. Durante esses doze anos,
jamais estive doente. Possuía a força necessária e me sentia perfeitamente bem,
devido aos exercícios de relax.

A pergunta é: como praticar o relax? Não é sentar em silêncio e fechar os olhos,


pois quando a mente dá atenção ao corpo, pensando ou sentido, o corpo não se
relaxa porque a mente tortura o corpo. Quando os sentidos dão atenção à mente,
a mente então é que é torturada e essa tortura, mesmo que os olhos estejam
fechados e mesmo se estivermos sentados numa certa posição, não traz bons
resultados. Quando relaxarmos, devemos levar em consideração três pontos de
vista: o ponto de vista do corpo físico, o ponto de vista da mente e o ponto de
vista do sentir. O ponto de vista do corpo físico é nos acostumarmos a ter poder
ou influência sobre a circulação do sangue e sobre a pulsação e conseguimos
isso, usando a força do pensamento e o poder da vontade, juntamente com a
respiração. Com o poder da vontade podemos criar no nosso corpo condições
que permitam um certo ritmo da circulação, que será diminuído de acordo com
a nossa vontade. Podemos fazer o mesmo se quisermos regular as pulsações,
usando o poder da vontade. Logo que a vontade regularize a circulação e as
pulsações do corpo, a vontade, então, dispõe de horas de meditação. Por este
motivo é que os santos podem meditar de pé durante horas, pois controlam a
circulação do corpo. Respiram à vontade, mais devagar ou mais depressa.
Quando não há mais nenhuma tensão no sistema nervoso ou muscular,
conseguimos um repouso que 10 dias de sono não nos podem dar. Assim, pois,
relaxar não quer dizer ficar sentado sossegadamente. É conseguir remover a
tensão do nosso sistema – da circulação, da pulsação, dos nervos e dos
músculos.

Como relaxar a mente? O método para o relax da mente é, em primeiro lugar,


cansá-la. Aquele que desconhece o exercício para cansar a mente, jamais
conseguirá relaxá-la. A concentração é a maior atividade que podemos dar à
mente, porque pela concentração a mente se mantém e se fixa numa
determinada coisa. Depois, a mente se relaxa naturalmente e relaxando-se
adquire força.

O relax dos sentidos é obtido sentindo-se profundamente. Os Sufis Orientais


tocam música, enquanto meditam, o que os emociona de tal forma que o poema
que ouvem torna-se realidade e daí vem a reação, que é o relax. Tudo que estava
obstruído, tudo que estava congestionado se liberta e surge a inspiração, a força,
o sentimento de alegria e a exaltação.

Por meio das três formas de relax ficamos preparados para atingir o relax mais
elevado, que é o relax de todo o ser: o corpo em repouso, a mente em descanso
e o coração em paz. Essa experiência é que é chamada Nirvana, o ideal dos
pensadores e das almas meditativas. O ideal deles é chegar a esse relax, pois
nele existe tudo. Nesse estágio, o homem é como uma gota assimilada ou
submersa na sua origem. Submergir por um momento, significa que tudo que
pertence à origem é atraído por essa gota, porque a origem é a essência de
todas as coisas. A gota tirou da sua origem tudo que possui na vida. Recebeu
nova carga ao submergir e tornou-se outra vez iluminada.

XII
O RELAX MÍSTICO (II)
Realmente o relax místico é o mesmo que meditação. Às vezes o homem fica
perplexo, diante da palavra meditação, porque é usada por muitos que têm dela
uma idéia completamente diferente. Chamando a meditação de relax místico,
seu significado é simples e claro.

Do ponto de vista físico, existem exercícios para contrair e distender, o que


possibilita ao homem trazer sua vitalidade interior para o exterior, mas o relax é
uma atividade oposta. A energia ou é conduzida para o plano exterior ou repousa
em seu estado natural, no seu estado normal. Quando levantamos um grande
peso ou fazemos alguma coisa com determinação, usamos a carga de energia
existente dentro do nosso corpo, a qual se expressa por meio dos músculos e
dos nervos. Quando adormecemos, essa energia fica em repouso. Essa energia
é valiosa e preciosíssima. Quando é usada externamente, traz benefícios
externos e quando é usada internamente, traz conhecimentos interiores.

A meditação é feita por meio de dois estágios preliminares. O primeiro estágio é


a concentração e o segundo a contemplação. Depois destes dois estágios vem
o terceiro, que é a meditação. A seguir vem a realização.

Nada no mundo pode ser inteiramente realizado sem a concentração, quer se


trate de negócios, profissões ou trabalho espiritual. Os que não foram bem-
sucedidos nos negócios ou nas profissões, devem isso ao fato de não fazerem
uma concentração correta e muitos homens que alcançaram sucesso na vida
fizeram boas concentrações. Podem não saber disso. No Ocidente há grandes
inventores que criaram coisas maravilhosas, mas ignoram que foram capazes
de inventá-las pelo poder de suas concentrações. Alguns nascem com esse dom
como uma dádiva natural e esse é o motivo de terem sucesso em tudo que
fazem. Se é um artista, produz obras maravilhosas com o auxílio da
concentração, se é um cientista, pode alcançar enormes resultados com a
ciência, se é um poeta, facilmente fará poesias, se é um místico, a inspiração
mística jorra, mas sem concentração, por mais qualificado que seja um homem,
não será capaz de fazer bom uso de suas qualificações e mal se pode dizer que
é um homem qualificado. Somente usando o poder da concentração o homem
pode expressar-se plenamente.

A concentração é o início da meditação e a meditação é o fim da concentração.


Uma vez que nos conseguimos concentrar plenamente, torna-se fácil meditar.

Sob o ponto de vista metafísico, a concentração pode ser considerada como


tendo 3 aspectos: refletir, construir e improvisar. O primeiro aspecto da
concentração é refletir qualquer objeto que esteja colocado à nossa frente. Esta
é a qualidade-espelho da mente, que permite que nos concentremos dessa
forma. Quando nos impressionamos com determinada coisa que vimos
externamente, tentamos concentrar-nos nela, conservá-la na mente. Em outras
palavras, focalizamos a mente no objeto que nos impressionou e nossa mente
nada mais faz do que refleti-lo.

O outro aspecto da concentração é construir ou compor. Por exemplo, é quando


dizemos a um artista que faça um quadro fantástico e ele cria na mente uma
criatura com cara de homem, chifres de búfalo e asas de pássaro. O material
está na mente do artista, o que ele fez foi juntar o material para criar uma
determinada forma. É uma concentração construtiva, é uma visualização; em
outras palavras, é fazer a mente criar alguma coisa sob o comando da vontade.

Tudo o que o homem vê ou pensa, vê em seu pensamento. O homem, com o


pensamento, pode criar um anjo ou um demônio, pode criar um Deus com o
pensamento. A construção da Torre de Babel é produto da mente. O pensamento
humano tem um poder enorme e quando o homem chega à compreensão de
que tudo vem de uma só fonte e que tudo caminha em direção a um objetivo,
começa a ver que a fonte e o objetivo nada mais são do que Deus. Aí então
compreende que o mundo de variedades não é mais uma variedade para ele e
sim uma unidade: é um só.

O terceiro aspecto da concentração é a improvisação. Se pedirmos a um poeta


que escreva uma poesia sobre um botão de rosa, ele começa a improvisar. Fala
numa gota de orvalho e cria o quadro do amanhecer. De um tranquilo curso
d’água cria um belíssimo poema. Este é o terceiro aspecto da concentração.
Às vezes, pensamos que concentrar-nos é fechar os olhos e sentar imóvel numa
igreja apenas uma vez por semana e quando fazemos isso, embora estejamos
na Igreja, não sabemos onde está nossa mente.

Quando alguém permite que seja perturbado, é uma prova de que sua
concentração não é boa e se sua concentração não é perfeita é sinal de que lhe
falta o poder da vontade. A melhor maneira, pois, de nos protegermos e não
sermos perturbados, é desenvolver o poder da concentração, a fim de
desenvolver naturalmente o poder da vontade, permitindo-nos suportar tudo o
que nos perturba e que aparece, quando vivemos no meio da multidão.

O melhor remédio para a mente que vagueia é a concentração natural, quer


dizer, não forçar a mente. Devemos primeiro deixar a mente trabalhar
naturalmente, pensando em coisas que desejamos pensar. Por que razão
deveríamos pensar numa coisa em que não desejamos pensar? Não é natural,
é como se comêssemos uma coisa de que não gostamos, que não seria
assimilada e nem daria bons resultados. Devemos pensar em qualquer coisa
que amamos e aí então aprendemos a nos concentrar.

Às vezes dizemos que uma pessoa perdeu a razão, quando não controla a
mente, o que significa que a mente dessa pessoa trabalha mecanicamente, a
vontade não exerce nenhum controle sobre a mente. A vontade é a rainha e a
razão é seu ministro. Quando a vontade e a razão trabalham juntas, a mente é
controlada. Quando a razão não ajuda, quando a vontade perde o controle, a
mente não mais pertence à pessoa e podemos então dizer que essa pessoa está
fora de seu juízo.

Acontece que, se a mente de um homem não for suficientemente poderosa para


reter o objetivo que deseja alcançar, a mente se extravia e às vezes, o corpo não
está em condições perfeitas para retê-la. Entretanto, esse objetivo, quando não
é alcançado, é inatingível somente em consequência do que pensa a mente
humana. De acordo com o esquema da natureza, a mente morreu de morte
natural, pacificamente.

A Bíblia refere-se à autonegação. O homem, em geral, pensa que autonegação


é não comer, não beber, desistir de tudo o que é belo e bom na vida, ir para
algum lugar onde encontre solidão e lá ficar. É uma interpretação errada de um
ensinamento verdadeiro. Autonegação é auto-apagamento. Vem do auto-
esquecimento. Se estudarmos o que se passa ao nosso redor, verificaremos que
as pessoas felizes são as que pensam pouco em si. Uma pessoa, quando pensa
pouco em si, é mais tolerante, e é intolerante quando está sempre pensando em
si. Há muita miséria no mundo, mas a pior miséria é a auto-piedade. A pessoa
que a tem, pesa mais do que uma rocha, é um peso para si e para os outros.
Ninguém aguenta com ela e ela não pode se carregar sozinha.
Não é fácil esquecer de nossa pessoa, mas se conseguirmos fazê-lo, como será
maravilhosa a força que criamos dentro de nós! É um grande mistério, é um
poder sobre o céu e o inferno. Omar Khayyam disse no “Rubayat”: “O céu é a
visão do desejo realizado. O inferno é a sombra de uma alma em fogo”. Onde
está essa sombra? Onde está essa visão? Não está dentro de nós? Nós é que
as retemos. Assim sendo, o céu e o inferno somos nós que os criamos e só
podemos mudá-los pela concentração.

A concentração, entretanto, tem ainda uma maior significação, pois é a força


criadora que o homem possui e é como se fosse uma herança de Deus. Essa
força criadora começa por operar prodígios. Por exemplo, um homem pensa:
“Gostaria de comer peixe no jantar” e quando chega em casa, vê que a
empregada preparou peixe para aquela noite. É um fenômeno da concentração.
Pode o homem ignorá-lo, mas o fenômeno aconteceu de qualquer maneira, pois
o pensamento do homem atingiu a mente da empregada e esta preparou o peixe.
Imaginem o imenso poder que isso representa! Não precisamos nem mesmo
pensar em nossos desejos, o simples fato de desejar é suficiente. A
concentração completa e materializa o desejo.

É assim o poder da concentração. Há muitas estórias no Oriente sobre faquires,


derviches, santos e mahatmas. Muitas pessoas duvidam que sejam verdadeiras
e, se são verdadeiras realmente, como puderam acontecer. Querem uma
explicação científica e pode ser que um dia a ciência dê essa explicação.
Encontramos nessas estórias, entretanto, tanto a mentira como a verdade, pois
tudo pode ser falsificado. Há o ouro e há a imitação do ouro, há a prata e sua
imitação e há também a imitação da verdade. O que parece ser maravilhoso e
surpreendente pode não ser tão maravilhoso assim, mas ao contrário há coisas
mais maravilhosas do que podemos imaginar e todas elas pertencem ao poder
mental. De onde vem ele? Da fonte de todas as coisas; é o poder de Deus.

É a concentração que auxilia até mesmo a realização da união com Deus. O


estigma que aparece em alguns santos é resultado da concentração. Se não
fosse assim, qual seria o significado e uso da concentração? Parece coisa fora
do comum, porque são muito poucos os que conhecem o significado da
concentração verdadeira. O homem que tem domínio sobre a concentração não
precisa caminhar muito mais; seu próximo passo será o objetivo pelo qual se
concentrou.

A contemplação é o segundo estágio da concentração. Contemplar é repetir uma


determinada idéia e essa repetição materializa a idéia. As pessoas que
realizaram grandes obras no mundo, eram contemplativas. Muitas vezes
ignoravam isso. A contínua repetição de uma idéia cria a idéia, dando-lhe vida
no mundo físico. Por exemplo, as pessoas que contemplam a saúde podem criar
a saúde que nenhum remédio ou outra coisa qualquer proporcionam. Os que
contemplam a inspiração, terão grandes inspirações, os que contemplam a força
e o poder, desenvolverão força e poder. Não se chega a esse estágio sem
primeiro alcançar a concentração, porque a concentração é o primeiro estágio e
deve-se avançar gradativamente em direção ao estágio da contemplação. A
idéia de Coué de dizermos: “Todos os dias estou melhorando, cada vez
melhorando mais, em todos os sentidos” é conhecida pelos pensadores há
milhares de anos e nisso é que se baseia toda a estrutura do misticismo. Coué,
porém, omitiu a primeira parte, a concentração. O que prescreve é a
contemplação, a segunda parte.

Alguém pode perguntar até que ponto a contemplação ajuda. Nada na vida é
impossível obter a um homem que pratica a contemplação, se ele souber como
deve contemplar. Não há dúvida que é uma coisa incompreensível para quem
não entende do assunto. Há pessoas que não sabem qual é a relação da mente
humana com os negócios do mundo exterior. Talvez alguém possa curar-se de
uma doença, mas se existir um negócio que não esteja indo bem, um assunto
de dinheiro ou uma transação, que relação tem com a mente? A resposta é que
tudo o que existe, quer se trate de negócios ou outra coisa qualquer, tudo que é
visível ou invisível, parece uma coisa existente exteriormente, mas na realidade,
está no interior de nossa mente. Está no exterior, porque nossos olhos vêem a
coisa exteriormente, mas está dentro de nós, porque está cercada pela mente.
A mente é uma acomodação do mundo exterior.

Um poeta do Hindustão descreveu isso maravilhosamente: “A terra e o céu não


são grandes demais para que o homem não possa acomodá-los em seu
coração”. Em outras palavras, o coração humano é maior do que o universo. Se
houvesse milhares de universos, o coração humano poderia acomodá-los. O
homem, porém, desconhecendo seu ser interior e levado pela limitação exterior,
fica com a impressão de que é fraco, limitado e pequeno, e isso priva o ser
humano de usar o grande poder que existe dentro de si, a grande luz com a qual
pode ver a vida com o máximo de clareza. Isso acontece, unicamente, porque o
homem não se conhece.

O terceiro estágio é a meditação, o qual nada tem a ver com a mente. É a


experiência da consciência. Meditar é mergulhar profundamente dentro do
próprio ser e alçar vôo para as esferas mais elevadas, expandindo-se além do
universo. É nessas experiências que se alcança a felicidade de meditar.

O homem deve fazer de todos os dias de sua existência, uma meditação.


Qualquer trabalho que faça, deve fazê-lo, meditando ao mesmo tempo. Chegará,
assim, ao conhecimento do significado secreto do seu trabalho e desta forma
transformará sua vida mundana numa vida espiritual. Isso aplica-se a todos os
homens, quer trabalhem num jardim, numa fábrica ou noutro lugar qualquer.
Assim que o homem aprende a meditação apropriada para o trabalho que
executa, começa a desenvolver-se e todo o trabalho que fizer será uma
meditação. Se conseguir isso, o salário que recebe não é nada comparado com
a recompensa que terá.

Quando a mente está concentrada, executamos muito melhor nosso trabalho e


até melhor que os outros. Numa estação em Rajputana vi uma vez um
funcionário telegráfico receber telegramas. Enquanto recebia os telegramas,
meditava. Quando chegou a minha vez, disse-lhe: “Vim trazer este telegrama,
mas estou maravilhado com o Sr. É uma beleza como pode meditar enquanto
trabalha”. Olhou-me e sorriu. Tornamo-nos amigos.

Se não fosse o espírito do trabalho, seria um aborrecimento trabalhar numa


época em que são enormes as necessidades da vida e as pessoas têm tão
pouco tempo para descansar. Assim, a melhor coisa que se tem a fazer é meditar
no dia-a-dia de nossa vida. Se essa meditação foi feita devidamente, obteremos
com ela benefício tanto da terra como do céu. Meditar significa o esforço que a
alma faz para chegar ao desvendamento espiritual e esse esforço pode ser feito
de maneiras diferentes, adaptáveis ao tipo de profissão e trabalho.

Sempre há perguntas sobre o benefício que pode ser obtido. Os homens hoje
em dia estão mais interessados em benefícios do que nunca. Nunca, em época
alguma, estiveram os homens tão ansiosos para obter lucros como agora e darão
a vida para obtê-los, Não quer isso dizer que os homens de hoje estejam menos
propensos a fazer sacrifícios como há milhares de anos passados; estão até
dispostos a se sacrificar mais, só que querem estar seguros do que obterão se
fizerem tais sacrifícios. Estão tão interessados nos lucros, que têm sempre o
lucro na mente. Mesmo se houver uma coisa que não mostre um lucro imediato
e quando não sabe bem qual o lucro e quanto lucrará, o homem pensa: “Bem,
isso talvez seja uma coisa que eu possa obter sem sacrifício”. É estranho.
Quando as pessoas procuram um professor de canto para aperfeiçoar a voz,
trabalham durante seis ou nove anos e ouvem tudo o que o professor diz. Tudo
farão para aperfeiçoar a voz, mas quando procuram um mestre espiritual,
perguntam-lhe se lhes pode dizer alguma coisa sobre concentração, mesmo se
estiverem tomando chá. Perguntam-lhe também, “o que tem a dizer a respeito
da meditação?” Querem a resposta numa frase só!

Tais coisas não são obtidas assim. O conhecimento delas é obtido de acordo
com o ideal da pessoa. Esse conhecimento é maior do que a religião, mais
sagrado do que outra coisa qualquer no mundo. O auto-conhecimento é
semelhante à união com Deus. A auto-realização é o conhecimento espiritual.
Podem ser obtidos quando se tem uma concepção superficial? É o que há de
mais profundo que se pode obter, a coisa mais valiosa que se pode atingir. Por
esta razão é que no Oriente não se procura isso nos livros nem um verdadeiro
mestre escreve um livro sobre tais coisas. Escreverá sobre filosofia, preparará
as mentes para apreciar seus ensinamentos, mas não diz como fazer.
Com grande surpresa, vi nas minhas viagens no Ocidente, pessoas procurando
livros desta natureza, querendo comprar livros sobre Yoga, sobre os Yoguis e
sobre conhecimentos espirituais. Muitas delas perderam a razão lendo tais livros,
não puderam manter o equilíbrio. Tentar fazer o que consta dos livros é o mesmo
que ir à farmácia e comprar pílulas de Yoga para a espiritualidade. Há outros que
fitam um espelho para se tornarem clarividentes, que fixam o olhar numa bola de
cristal para ver o que há nas profundezas da vida. Fazem pouco de coisas muito
elevadas, sublimes e sagradas.

Este caminho só pode ser trilhado por pessoas sérias. Os que vão primeiro a
uma sociedade, depois a um instituto, a um grupo de ocultistas, não sabem o
que fazem nem o que procuram. O alto conhecimento não se obtém indo a 20
lugares e essas pessoas no fim ficam desapontadas, porque trataram deste
assunto frivolamente.

Há a estória de um Brahmin, a quem disse um muçulmano: “Sou um adorador


do Deus que não tem forma é estais aí orando a esse ídolo de Deus”. O Brahmin
respondeu: “Se eu tiver fé neste ídolo ele me responderá, mas se não tiveres fé,
mesmo teu Deus no céu não te ouvirá”. Se não tratarmos dessas coisas
seriamente, elas rir-se-ão de nós. Mesmo com relação às coisas mundanas, se
as tratarmos com seriedade os resultados serão sérios.

Não pode haver nada mais sério do que o conhecimento espiritual. Se alguém
tratar tal assunto levianamente, não sabe o que está fazendo. É melhor nunca
entrar nesse assunto do que entrar e sair com as mãos vazias. Sair do caminho
espiritual desapontado antes de chegar à meta final é a pior coisa que pode
acontecer. Falir financeiramente não é muito importante, pois podemos
recuperar o que tivermos perdido, mas o homem que percorreu o caminho
espiritual e voltou é que deve ser lamentado. É a maior das perdas, da qual
jamais nos recuperamos.

XIII
MAGNETISMO
Não existe grande diferença entre magnetismo e a corrente elétrica. Os cientistas
nunca foram capazes de dizer realmente o que é eletricidade, mas pode-se dizer
que eletricidade, até um certo ponto, é magnetismo e que magnetismo é
eletricidade. O poder de atrair é magnetismo, o poder que dá força e energia é
eletricidade. É essencialmente o mesmo o poder do magnetismo e o poder da
eletricidade. Assim, pois, o assunto magnetismo é muito interessante sob o ponto
de vista científico e é ainda mais interessante sob o ponto de vista místico.

Um magneto e qualquer coisa que a ele seja atraída, têm um parentesco. O


magneto representa a essência, parte da qual é segura pela objeto que é atraído,
mas de qualquer maneira lá está a essência e é este o motivo lógico de ser
atraída.

Os antigos diziam que o parentesco entre duas pessoas do mesmo sangue era
influenciado por esse magnetismo e um estudo profundo da matéria mostrará
que, de fato, existe uma atração desconhecida entre duas pessoas aparentadas
pelo sangue. Um incidente ocorrido ultimamente é um exemplo. Um homem de
Estocolmo estava visitando Londres, onde pensava que não tinha nenhum
parente e, se tivesse, teria ido para lá há um século. Um dia, na rua, alguém
chamou-o pelo sobrenome. Voltou-se e o homem que o havia chamado pediu
desculpas e lhe disse: “Peço-lhe perdão, enganei-me”. Mas perguntou o
norueguês: “Como o Sr. sabia o meu nome? O nome que pronunciou é o meu”.
Depois de conversarem descobriram que eram primos, embora distantes.

Quanto mais prestarmos atenção a este assunto, mais provas teremos de que
um elemento é atraído pelo seu elemento semelhante. “Sa’di” disse o seguinte:
“O elemento atrai o elemento como uma pomba é atraída por outra pomba e uma
águia por outra águia”. Não presenciamos o mesmo na vida cotidiana? Um
jogador quando visita outro país, dentro de pouco tempo atrai outro jogador, não
se sabe como. Não é só quando duas pessoas de elementos semelhantes se
encontram que são atraídas uma pela outra, até as circunstâncias, a vida em si,
concorreu para que se encontrem. A própria vida se encarrega de aproximá-las.
É, pois, natural que um homem que está muito triste atraia um miserável para
juntar-se a ele. O homem alegre, feliz, atrai naturalmente a felicidade. O
magnetismo trabalha desta maneira em toda a criação e vereis o fenômeno do
magnetismo em todos os aspectos, tanto no plano físico como nas esferas
mentais. Naturalmente, não se pode dizer que um elemento atrai sempre o
mesmo elemento, pois o elemento atrai também o que lhe está faltando, o
oposto. Quando pensamos na amizade, notamos que estamos prontos a fazer
amizade com algumas pessoas, mas com outras preferimos ficar afastados. O
interessante é que as pessoas com quem não queremos fazer amizade
encontram outras a quem atraem e se tornam amigas. Isso nos revela a verdade
em que se baseia a harmonia da música: que duas notas têm uma relação entre
si e a combinação delas cria uma harmonia.

Falemos agora do emprego prático do magnetismo, quer estejamos envolvidos


em negócios ou indústrias, em trabalhos domésticos ou assuntos políticos, em
qualquer posição. Verificamos sempre que o magnetismo é o segredo do nosso
progresso na vida. Quanto às qualificações de uma pessoa, às quais damos tão
grande importância, verificamos que inúmeras, altamente qualificadas, não
progridem na vida por não possuírem magnetismo. Muitas vezes acontece que
um homem, altamente qualificado, ir entrevistar-se com outro e, antes de falar
sobre suas qualificações, o outro já ter se fartado dele. A personalidade tem um
lugar tão importante na vida que, mesmo não tendo qualificações, toleramos um
indivíduo quando sua personalidade é magnética. Nos tempos atuais, em que
vemos o materialismo em franca ascensão, a sociedade dá muito menos
importância à personalidade, e quando não há nenhum lugar para o heroísmo
na vida, o magnetismo trabalha automaticamente, o que prova que é a coisa
mais essencial da vida; mesmo agora e sempre provará sua indispensabilidade.
O homem, de um modo geral, não se aprofunda no assunto do magnetismo e só
reconhece o magnetismo pela atração que sente.

Ao levarmos em consideração o magnetismo pessoal, devemos dividi-lo em 4


classes diferentes.

Um dos magnetismos, o magnetismo comum, está relacionado com o plano


físico e esse magnetismo tem muita coisa a ver com alimentação, higiene, vida
regular, respiração correta e regularidade das atividades e do repouso. Este
magnetismo também depende da idade, como as notas ascendentes e
descendentes numa oitava. Parece-se com a primavera, que vem e vai. Este
magnetismo, outrossim, depende de tudo que pertence ao mundo físico, pois é
um magnetismo físico.

Outra forma de magnetismo é o que podemos chamar de magnetismo mental.


Um homem de inteligência brilhante naturalmente passa a ser o expoente da
sociedade que frequenta. O homem espirituoso e que é dono de uma percepção
profunda, que sabe expressar-se bem, que compreende rapidamente as coisas,
esse homem sempre atrai os que o rodeiam e é apreciado por todos. Aquele que
conhece a natureza humana, que sabe das coisas e das condições,
naturalmente tem grande poder de atração. Se existem qualificações, esta é uma
delas e sem ela nenhuma outra qualificação será de grande proveito. O homem
nasce com esse tipo de inteligência brilhante. É ele que se transforma num gênio,
é ele que realiza e é ele que ajuda os outros a realizar alguma coisa, pois esses
outros dependem da sua mente. Com os pensamentos de igualdade em que
estamos tão absorvidos, constatamos que é esse homem que vencerá a batalha
da vida e permanecerá acima das massas, liderando, e sem ele muitos se
perderão.

Podeis perguntar: como este magnetismo pode ser desenvolvido?


Desenvolvemos esse magnetismo pelo estudo, pela concentração, por uma
profunda observação da vida e pelos conhecimentos sobre a maneira de
repousar. Por ignorarem a maneira correta de se concentrar e repousar, muitos
homens inteligentes, com o tempo, ficam com a inteligência embotada, porque
existe um certo fundo de energia que é preservado e limitado e se houver
pressão demasiada sobre tal energia, o que pode acontecer? O homem torna-
se cada vez menos inteligente e sua força mental diminui dia a dia. Quando virem
um homem muito inteligente que está ficando cada dia mais estúpido, é sinal de
que a carga de energia que possuía esgotou-se. Portanto, é preciso saber
preservar as energias pelo repouso, a maneira de concentrar e aguçar o
intelecto, para que esse magnetismo permaneça em nós, como deve. O que
geralmente acontece é cair sobre uma pessoa inteligente uma grande
responsabilidade. Exige-se dela muito mais do que os outros que não são
inteligentes. Se tal pessoa não der repouso à mente e souber descansar, se não
se concentrar e aguçar seu intelecto, ficará cega, como acontece naturalmente
com uma faca que é constantemente usada. O uso continuado do intelecto, como
é muito natural, faz com que essa pessoa fique com insuficiência de palavras.

O terceiro aspecto do magnetismo é uma forma mais elevada do que as duas


descritas acima, pois esse magnetismo é mais profundo e afeta uma outra
pessoa mais profundamente. É o magnetismo do amor, da simpatia, da amizade.
Um homem que é bom por natureza, que sabe tolerar, que esquece, que perdoa,
um homem que não tem na mente amargura ou malícia para com seus
semelhantes, que admira e aprecia a beleza, que ama o belo na arte, na
natureza, em todas as sua formas, e que se harmoniza com o amigo e o inimigo,
com o conhecido ou o estranho, com todos, que pode suportar e sofre e tem
dentro de si o poder de ter paciência em todas as circunstâncias da vida, que
sente as dores dos outros no seu coração e que está sempre pronto a se tornar
amigo – esse homem, temos certeza, possui um magnetismo que é maior do
que qualquer outro. Não precisamos ir muito longe para comprovar isso. Entre
as pessoas que nos rodeiam encontramos muitas em quem podemos apreciar
essas qualidades.

Uma vez, um homem que tinha viajado muito, encontrou um místico Hindu e lhe
disse: “Ouvi falar e li tanto sobre santos e sábios, Mahatmas e Mestres que vivem
na Índia, mas quando lá estive, não encontrei nenhum”. O místico confidenciou:
“Não era preciso ir tão longe. As almas dignas, as almas que amam umas às
outras, os santos e os sábios, podem ser encontrados em qualquer lugar”.

Se somos capazes de apreciar essas qualidades, podemos encontrá-las, mas


se não as apreciamos, mesmo se um anjo aparecesse não poderíamos
encontrar essas qualidades nele. Não obstante, quer demos a essas almas o
nome de santos ou sábios, de profetas ou de Mahatma, o que atrai o homem é
o elemento amor que transborda dessas almas,

Podeis perguntar: como pode essa qualidade, o amor, ser desenvolvida? A


resposta é a seguinte: “Apenas uma coisa é necessária: ser bondoso, estudar,
conhecer, praticar e viver a vida de um amigo, contemplando este pensamento
de manhã à noite: com todas as pessoas que me encontrar, com todos aqueles
que me odeiam, colocarei em prática esse sentimento de amizade, essa torrente,
esse derramamento de simpatia e amor.” Além do magnetismo resultante dessa
atitude, quando considerarmos a vida como ela é, com todas as limitações, todos
os sofrimentos, aborrecimentos e responsabilidades que ela nos traz, notaremos
que se há alguma coisa digna de consideração é o pensamento e a impressão
de que fizemos o possível para ser gentis, para ser delicados com as pessoas
com quem nos encontramos na vida. Se existe alguma oração, se há alguma
adoração, consistem elas em nossa atitude para com nossos semelhantes, pois
no mundo além da morte, não há ninguém a quem agradar. Se há alguém a
agradar e cujo prazer vale a pena satisfazer, está aqui na terra, é o homem. Se
compreendermos isso, ficamos sabendo que é no prazer do homem que reside
o prazer de Deus.

O quarto aspecto do magnetismo é o próprio magnetismo. A ausência de


magnetismo significa que ele está oculto. Este magnetismo é a alma humana.
Para definir o que é a alma, podemos dizer que a alma é o “eu” do homem, mas
que “eu”? O “eu” que desconhecemos. Há uma estória humorística na Índia a
respeito de alguns camponeses que estavam viajando pela primeira vez.
Estavam preocupados uns com os outros e resolveram, na manhã seguinte,
contar e verificar se todos estavam presentes. Depois da contagem, ficaram
aborrecidos porque contaram 19 e eram 20 os que haviam partido. Assim, cada
um dos camponeses contou e disse: “Somos 19”. Não encontravam o que
faltava, pois todos estavam presentes. Finalmente descobriram que todos que
contavam se esqueciam de contar sua pessoa.

Este é o estado da alma: vê todos os “eus” mas não vê o seu “eu”. No dia em
que a alma chega à realização, nesse dia começa uma nova vida, um novo
nascimento. É a alma auto-realizada que cresce, que se expande. Enquanto a
alma não se realiza não se desenvolve, não cresce. Assim, pois, no momento
em que a alma se realiza é que o homem realmente começa a viver no mundo,
mas é preciso compreender que o magnetismo da alma auto-realizada é maior
do que qualquer outro magnetismo que se possa imaginar. É poder, é sabedoria,
é paz, é inteligência, é tudo. É esse magnetismo que cura, que cura os corpos e
as mentes, que ergue os que caíram devido às dificuldades, aos padecimentos
e tristezas. É este magnetismo que tira os homens das confusões e da escuridão.
É por meio deste magnetismo que as almas iluminadas espalham o seu amor,
atraindo todos os seres. Foi deste magnetismo que Cristo tirou as palavras ditas
aos pescadores: “Segui-me. Farei de vós pescadores de homens”. Foi este
magnetismo que grandes homens como Buda, Moisés, Cristo, Maomé usaram
para atrair a humanidade, e a humanidade, passados tantos anos, não se
esqueceu deles. Foi o magnetismo dessas almas que, depois de deixarem a
terra, manteve milhões de pessoas numa cadeia de fraternidade, simpatia e
amizade. O imenso poder do magnetismo da alma é uma prova de que é o
magnetismo divino. É uma prova de que existe alguma coisa atrás do mundo
visível.

XIV
O PODER INTERIOR
Há livros publicados no Oriente que fazem referência a diversos milagres feitos
por grandes santos, e muitas pessoas têm dúvidas sobre a veracidade deles.
Ouve-se frequentemente dizer que há homens que prevêem o que está por
acontecer, enviam o pensamento a longas distâncias, são capazes de criar, de
produzir coisas num minuto sem ter material à mão, fazem objetos desaparecer,
etc. Temos lido, e mesmo ouvido, que existem seres que emitem uma ordem e
fazem chover, conseguem que uma multidão se movimente a um simples aceno,
inspirem uma grande aglomeração num segundo, previnem as pragas e, na
guerra, fazem prodígios.

Entre tais pessoas, é verdade, encontramos grandes mistificadores. Onde há a


verdade, vê-se do outro lado os incrédulos prontos para refutá-la, mas a verdade
sempre prevalece. Há estórias maravilhosas de fenômenos ocorridos no Oriente.
Muitas delas, sem dúvida, referem-se a trapaceiros, que fazem coisas
maravilhosas usando destreza manual ou influência hipnótica. Outras estórias,
porém, são verdadeiras. Há homens que fazem prodígios na vida presenciados
pelo povo. Os que na verdade fazem esses prodígios nunca dizem que podem
fazê-los e tampouco procuram obter um poder que lhes permita realizar coisas
espetaculares, pois o poder que possuem lhes veio de maneira natural. De um
modo geral, o homem não tem consciência do poder que possui. Se tivesse
consciência dele, poderia fazer coisas que o comum das pessoas jamais poderia
realizar.

Há dois poderes: um é chamado pelo Sufis de “Kaza” e o outro de “Kadr”. Um


poder é individual e o outro é o poder de Deus. O poder individual, o “Kaza”, faz
e realiza as coisas se trabalhar em harmonia com o poder de Deus, mas logo
que o poder individual começa a agir em desacordo com o poder Divino, o
homem imediatamente nota que suas forças estão diminuindo e que não
consegue fazer mais nada. Portanto, a primeira coisa que os Mestres procuram
fazer é saber qual é o prazer de Deus, para agirem em harmonia com a vontade
do Todo-Poderoso. Quando aprendemos um jogo ou qualquer tipo de esporte,
somos ensinados a praticá-los corretamente. Assim, o homem que está
constantemente pensando em fazer as coisas de acordo com a Vontade de
Deus, é ajudado pela Vontade Divina.

Às vezes, o homem não interpreta bem a Vontade de Deus. Pensa que o que
acha bom é a Vontade de Deus e o que considera mau não é a Vontade de Deus.
A concepção humana do bem e do mal, porém, nada tem a ver com o poder de
Deus, pois a concepção de Deus é diferente da do homem: enquanto o homem
vê apenas o que lhe está próximo e deixa de ver o que está mais longe, Deus vê
tudo.

Pensamos, às vezes: se todos nós fazemos parte do corpo de Deus, se somos


átomos do Seu Ser, por que razão não compreendemos e sabemos de imediato
o que está ou não está em harmonia com a Vontade de Deus? A resposta é:
cada átomo do nosso corpo tem consciência de si próprio. Se um dedo da mão
dói, o ouvido não sente; se o dedo do pé dói o nariz não sente; só o dedo do pé,
mas em ambos os casos o homem sente a dor, porque o homem é o dono do
corpo inteiro.

O homem vive num mundo estreito construído por ele. De acordo com o mundo
que criou, vê o certo e o errado e disso depende seu interesse na vida. Assim, o
homem nem sempre pode agir em harmonia com a Vontade de Deus, a não ser
que crie o hábito de agir de acordo com a Vontade Divina.

O que é o homem? É constituído apenas do seu corpo? Não, o homem é a


mente, o homem é a alma. Assim, pois, o poder do homem é maior do que o
poder do sol, porque o sol que vemos é apenas um corpo e o homem é corpo, é
mente e é alma. Logo que o homem tem consciência de seu corpo, de sua mente
e de sua alma, seu poder aumenta, poder esse que é maior do que o do sol, pois
o sol é uma manifestação material da luz, enquanto que o homem possui todas
as luzes dentro de si. O corpo humano é resplandecente, possui um brilho tão
grande que todos os seres invisíveis que habitam o espaço ficam ocultos pelo
fulgor da forma humana. Não existem coisas invisíveis, apenas uma coisa mais
visível esconde outra que não é tão visível. É o brilho e o resplendor do corpo
humano que ofuscam os seres do espaço e fazem com que eles pareçam
invisíveis. Na realidade, são todos seres visíveis, mas o resplendor da figura
humana sobrepuja e esconde tudo o que é menos visível comparado com ela.
Se olharmos a vida por este ponto de vista, notamos que não há nada invisível.
O que acontece é que existem coisas que nossos olhos não podem enxergar, o
que não quer dizer que não tenham formas.

Outrossim, a mente humana possui um poder ainda maior: é o poder da vontade,


da mente, capaz de modificar as condições de nossa vida e o ambiente em que
vivemos. Esse poder pode ser exercido sobre a matéria, objetos, negócios, e
age de maneira tão maravilhosa que é difícil de ser explicada. O poder da mente
pode ser exercido sobre uma multidão, como prova a seguinte estória sobre
Maomé: numa das grandes batalhas em que o Profeta tomou parte, seu exército
tinha capitulado. Ao redor do Profeta ficaram apenas 10 ou 15 amigos. Os
demais debandaram, morreram ou estavam feridos. Maomé olhou seus amigos
e viu que tinham o coração partido e estavam desesperados. Disse-lhes então:
“Vejam, à nossa frente está um exército e aqui restamos nós, apenas 15 homens.
Vocês não têm mais esperanças, devem bater em retirada. Eu fico aqui, porque
ou volto vitorioso ou sucumbo aqui neste campo de batalha. Agora partam.”
“Não, Profeta, se vossa vida deve terminar aqui neste campo de batalha,
daremos nossas vidas primeiro que vós. O que é a nossa vida afinal de contas?
Daremos nossas vidas juntamente com a vossa, Profeta. Não tememos o
inimigo”. O Profeta arremessou longe a espada que tinha na mão, curvou-se,
apanhou alguns seixos do chão e arremessou-os contra os soldados inimigos,
que começaram a fugir. Os soldados não sabiam o que estava sendo atirado
sobre eles. Eram seixos, mas o que viram foram projéteis enormes e fugiram.
Isto é o que se chama poder, o poder do homem. O homem não tem poder
apenas sobre objetos, tem poder também sobre os seres. O domador de circo
emprega apenas uma pequena parcela do seu poder para obrigar os elefantes
a trabalhar e fazer com que tigres e leões dancem. À proporção que o poder do
domador aumenta, basta ele olhar para os animais e eles fazem o que o domador
quiser.

Na vida de Daniel há um episódio em que ele entra na cova dos leões e faz com
que se deitem mansos aos seus pés. Vemos aí novamente o poder espiritual,
uma prova do poder do homem. Entretanto, desconhecendo o homem este
poder, não tendo consciência de que o possui, não procura desenvolvê-lo, priva-
se deste grande privilégio e felicidade que Deus lhe deu e exerce seus poderes
limitados para obter dinheiro. No fim de tudo, não fica com o dinheiro e não toma
conhecimento do poder que possui. O poder depende grandemente da
consciência e da atividade da mente. Uma consciência culpada pode transformar
leões em coelhos, pois os leões sentem-se culpados e perdem o seu poder, o
mesmo acontecendo com o homem. Quando o homem se impressiona com o
que os outros pensam, seja uma impressão de desaponto, de aflição ou de
vergonha, seu poder diminui, mas quando é inspirado por um pensamento, por
um sentimento ou uma ação, torna-se poderoso.

O poder da verdade fortalece o homem. Não me refiro aos que já conhecem a


verdade. Mesmo os que ainda não conhecem a verdade adquirem um certo
poder se pensarem corretamente e tal poder é o poder da sinceridade. Poucos
compreendem o poder que a sinceridade pode dar ao homem. Um indivíduo
falso, embora seja fisicamente forte ou possua grande poder de vontade,
fracassa devido à sua falsidade, falsidade essa que lhe impede de se elevar e
que acaba por devorá-lo. É um degenerado. Os homens que realizaram muito
na vida, em qualquer setor, usaram o poder da verdade juntamente com o poder
da sinceridade, do zelo e da convicção. Quando esses atributos não existem, há
falta de poder. O que rouba o poder do homem é a dúvida. Logo que o homem
começa a pensar: Isto é assim ou não? Será ou não será? Está certo ou errado?
perde o poder. É coisa tão contagiosa que é captada pelas outras mentes. Tanto
é assim que, se estivermos com uma pessoa que vive em dúvida, mesmo que
estejamos muito entusiasmados e esperançosos, essa pessoa nos influenciará
tão negativamente que, por fim, acabamos náufragos do mesmo barco. A dúvida
faz o homem perder a coragem, a esperança e o otimismo.

Há três graus de desenvolvimento do ser humano que em Sânscrito chamam-se


ATMA, MAHATMA e PARAMATMA ou um santo, uma alma divina e uma alma
toda-poderosa. No caso do ATMA, uma alma iluminada mostra 5 poderes
diferentes, todos eles magnéticos. O 1º é o poder de revivificar o corpo físico, o
2º o poder de vivacidade da inteligência, o 3º o poder de aprofundar no coração
o elemento amor, o 4º o poder de eterizar e aprofundar a introspecção, ou a visão
interior, e o 5º é o poder de unir-se a Deus. Com o 5º aspecto, a alma iluminada
conhece o maior de todos os poderes.

O poder é também dividido em duas partes: o poder da visão interior (da


introspecção) e o poder da vontade. O poder da introspecção não constrói, não
faz nada, apenas vê, é um poder passivo. O homem que possui o poder da visão
interior, pode ver o que existe no âmago da natureza humana. Vê o que há no
fundo do coração alheio, na alma dos outros, na vida que levam, nos negócios
que fazem e sabe tudo a respeito do passado, do presente e do futuro dessas
pessoas. O que inspira o homem a fazer isto? O que vê ele? Parece
compreender a linguagem da natureza, a linguagem da vida. Parece ler pela
forma, pelo feitio, pelo movimento, pela atmosfera, pelo pensamento e pelo
sentimento, porque todas as coisas emitem uma certa vibração, mostram certas
tendências. Assim, pois, ter visão interior é conhecer a linguagem da vida e o
homem que possui essa visão enxerga tão bem o interior de outra pessoa que
ela não sabe tanto a seu respeito como esse homem. Quando estão em jogo os
próprios interesses, todos nós ficamos cegos. Quando dizemos a alguém que
está cego, esse alguém toma consciência disso, mas se não lhe dissermos nada,
continua ignorando. Parece que o conhecimento do seu próprio ser está
enterrado dentro dele.

De onde vem esta ciência? Vem também do conhecimento da visão interior, pelo
menos no começo. Outras coisas beneficiam-se com esta ciência, mas a que
começa com a intuição é a ciência da visão interior ou introspecção. Os grandes
inventores têm uma visão interior das coisas. Pode ser que não acreditem nessa
visão, mas a possuem. Sua visão penetra no objeto e nos seus objetivos e
utilizam-na para o fim que têm em mente. Assim usam a visão interior nas suas
invenções científicas. Se soubessem que possuem essa visão interior, poderiam
usá-la mil vezes melhor.

Os Mahatmas são diferentes. Não possuem somente poder magnético, mas


também instinto divino, divina inspiração. Fala-se de casos em que os Mahatmas
usaram o poder construtivo. Um deles é muito interessante e mostra o que pode
fazer o poder construtivo.

Um príncipe foi banido de seu país porque o pai desaprovara-lhe a conduta.


Viveu na floresta longo tempo sob treinamento de um Guru, um Mestre. Evoluiu
espiritualmente. Quando chegou a ocasião de receber iniciação para alcançar
um poder mais alto, o Guru lhe perguntou: “Meu chela (discípulo) tens parentes?”
“Sim”, respondeu ele, “tenho pai e mãe”. Disse-lhe então o Mestre: “Vai vê-las e
pergunta-lhes se te autorizam a receber iniciação, pois do momento em que a
receberes, terás que viver em solidão”. O Mestre achou melhor que ele fosse
para o meio do seu povo e visse o que a vida mundana lhe podia proporcionar.
Se não quisesse levar tal vida, poderia voltar. O discípulo tinha evoluído tanto
que não queria voltar ao reino e ver seus pais novamente, mas como o Mestre
lhe ordenou, partiu. Ao chegar ao seu país, foi ao jardim do palácio em que vivera
e encontrou-o abandonado. Nada restava do jardim. Entrou, sentou-se e ficou
muito triste por ver seu jardim tão abandonado. Apanhou água num balde e
derramou-a no jardim. Tudo começou a florescer. Todo o reino soube que um
santo havia chegado, que o lugar em que ficara poucos dias tinha começado a
florir. A estória finaliza dizendo que o rei soube que seu filho tinha chegado, foi
vê-lo e pediu-lhe que tomasse conta do país, que trabalhasse pelo país, mas o
filho não aceitou e partiu.

Esta estória é um exemplo do poder construtivo do santo, uma prova de como é


construtiva a alma do Mahatma. Não é verdade que os Mahatmas são
encontrados somente nas cavernas do Himalaia e que ninguém os vê vivendo
no mundo dos homens. Os Mahatmas podem ser encontrados em qualquer
parte, são encontrados num palácio, no meio de riquezas, do conforto, e em
lugares remotos; podemos encontrá-los em qualquer situação, em qualquer
posição. O que os Mahatmas transmitem e uma influência construtiva que se
espalha sem cessar. Protegem o povo contra os males e pragas, as guerras e
os desastres. Seu poder construtivo trabalha e ajuda o povo a prosperar. Hoje
em dia, o homem prontamente acredita na grande ajuda de um Primeiro Ministro,
de um bom estadista, para levantar o país, pôr em ordem as finanças e proteger
a nação contra os inimigos, mas uma alma que se esconde, que não é
conhecida, pode ter uma influência muito maior sobre o país inteiro. A influência
dessas almas ficou sendo conhecida e foi sentida por milhares de pessoas, no
Oriente, em épocas diferentes, pois essas almas divinas influenciaram os países
em que viveram e os levantaram.

O 3º aspecto do santo é o Paramatma, o Todo-Poderoso, que está num grau


mais elevado ainda, não é mais uma pessoa, é um consciente de Deus. Todos
nós somos aquilo que temos consciência de ser. Um homem preso tem
consciência de que está preso. Quem tem muito dinheiro no banco e não tem
consciência disso é pobre, apesar de sua riqueza. Somente possuímos o que
temos consciência de possuir. Assim, pois, nossa grandeza e nossa
insignificância dependem de nossa consciência. Mesmo para nos
transformarmos numa alma iluminada é somente uma diferença de consciência,
não depende do bem que uma pessoa tenha feito. Há muitas pessoas que nem
sempre sabem o que são.

Além disso, há os que crêem em Deus, os que amam Deus e os que se perdem
em Deus. Os que crêem em Deus acham que estão na terra e Deus no céu. Os
que amam Deus, Deus está diante deles, estão face-a-face com o Senhor. Os
que se perdem em Deus, ganharam seu “eu” verdadeiro. São Deus. Conheci
uma alma consciente de Deus que, certa vez, estava passeando em Baroda, na
Índia, onde a lei proibia que se ficasse na rua depois das 10 horas da noite.
Aquele santo homem estava andando e não tinha consciência das horas.
Perguntou-lhe um policial: “Onde vai?” mas ele não ouviu. Talvez estivesse bem
longe do lugar em que estava, mas ouviu quando o policial lhe perguntou
novamente: “És um ladrão?” Sorriu e respondeu: “Sim”. O policial levou-o para a
delegacia e lá ele ficou a noite inteira. De manhã chegou o oficial e perguntou ao
policial: “Há alguma novidade?” “Prendi um ladrão”, respondeu ele “que
encontrei na rua”. Quando o oficial foi ver o ladrão, viu logo que se tratava de
uma grande alma, de um santo muito respeitado pelo povo e pediu-lhe
desculpas. “Mas”, disse o oficial, “quando o soldado lhe perguntou, por que o
senhor disse que era um ladrão?” O santo homem respondeu: “O que é que eu
não sou? Sou tudo”.

Tentamos ser espiritualistas, elevar nossa consciência, mas quando somos


insultados não gostamos. Enquanto somos lisonjeados ficamos contentes,
porque nos atribuem certas virtudes, mas logo que nos atiram um insulto não
gostamos e dizemos: “Isso não é comigo”. O Paramatma, a alma elevada, está
unida a Deus, é um ser consciente de Deus, consciente de tudo. Todos são como
se fosse ele próprio; quer seja uma boa ou má pessoa, uma pessoa correta ou
não, considera todas essas pessoas como sendo ele. Olha todos como olha para
si mesmo. Se lhe chamarem de ladrão dirá: “Sim, sou ladrão, todos os nomes
são meus nomes”.

Concluindo, espiritualidade não é ter um determinado conhecimento.


Espiritualidade é a expansão da consciência. Quanto mais a consciência se
expande, maior será a visão espiritual de uma pessoa e quando a consciência
se expande a tal ponto, que abrange o universo inteiro, o homem então chegou
ao que se chama de perfeição divina.

XV
O SEGREDO DA RESPIRAÇÃO
É evidente que mesmo as pessoas que nada sabem de medicina não ignoram
que o mecanismo do corpo pára de funcionar se não puder respirar, o que quer
dizer que, por mais perfeito que seja o mecanismo do nosso corpo, sem a
respiração, deixará de existir. Em outras palavras, o que está vivo no corpo, ou
o que faz o corpo viver, é a respiração. No entanto, poucas pessoas
compreendem isso. Vivemos dia após dia trabalhando, ocupados com nossa
vida cotidiana, absorvidos em nossos pensamentos, tratando de negócios,
perseguindo objetivos, mas ignoramos o princípio sobre o qual a vida se baseia.
Se dissermos: “A oração é uma coisa importantíssima”, as pessoas pensam:
“Sim, talvez”; se outra pessoa disser: “A meditação é de grande efeito”, dirão:
“Sim, é alguma coisa”, mãe quando dizemos: “A respiração é um grande
segredo” a reação é: “Por quê? Nunca pensei nisso. O que é realmente a
respiração?”
Tanto quanto sabemos pela explicação científica, a respiração é o ar que
aspiramos e o ar que expiramos. Quando o ar é aspirado enche os pulmões com
o oxigênio do espaço e quando é expirado, joga no espaço, ácido carbônico. Se,
porém, fizermos uma análise mais profunda, verificaremos que a respiração
mantém o funcionamento dos pulmões e dos órgãos respiratórios, atrai os gases
digestivos e assim o poder digestivo torna-se maior. Baseada neste princípio, a
humanidade começou a usar a respiração nos exercícios físicos com a finalidade
de tornar o corpo mais saudável. Depois de muitos anos, os cantores agora dão
maior importância à respiração. Verdadeiramente, a própria respiração é a voz
e a educação da voz depende da respiração. Assim foi que certos médicos
começaram a observar que muitas doenças nervosas, pulmonares ou dos
diversos centros nervosos, podem ser curadas pela respiração. Parece que a
humanidade agora despertou para a ciência da respiração. Os que usam a
respiração na cultura física ou com o objetivo de melhorar o estado geral de
saúde, as fraquezas, vêm obtendo excelentes resultados. Este é o ponto a que
chegou a ciência da respiração.

Quando chegamos, porém, ao mistério que envolve a respiração, entramos num


campo novo. A respiração perceptível e que as narinas sentem como ar que
entra e que sai, é apenas um efeito da respiração, não é a respiração
propriamente dita. A respiração, para o místico, é uma corrente que leva o ar
para dentro e para fora. O ar é perceptível, mas a corrente não, é imperceptível,
é uma espécie de magnetismo etéreo, uma espécie de eletricidade mais
delicada. Esta é a definição dessa corrente que entra e sai e faz o ar funcionar.
Os místicos chamam essa corrente de “Nafs”, que significa “eu”. A respiração é
o “eu” verdadeiro do homem. A palavra “Atma” também significa alma e em
alemão a mesma palavra é usada para designar respiração, o que é uma prova
de que, se quisermos encontrar traços da alma, podemos encontrá-los na
respiração.

Sendo a respiração o “eu” do homem, naturalmente não é apenas o ar que


respiramos mas uma corrente que, de acordo com os místicos, passa através do
corpo e chega a um plano mais íntimo do ser humano. É uma corrente que
atravessa o corpo, a mente e a alma, toca na parte mais interiorizada da vida e
volta. É uma corrente contínua que está sempre movendo-se para dentro e para
fora. Aí está uma explicação bem diferente para a respiração e que demonstra a
sua importância, mas são poucos os que consideram a respiração importante.
Assim sendo, podemos compreender que o mais importante para o ser humano
é a respiração, a qual atinge não só a parte mais profunda e íntima da vida como
também a parte exterior, ou por outra, o plano físico. A direção da respiração tem
uma dimensão que a ciência moderna ainda não reconheceu mas que os
místicos conhecem e chamam de dimensão interior, do “eu” interior.

Estava em Londres, fazendo uma conferência e entre os presentes achava-se


um cientista bastante conhecido. Após a conferência procurou-me e disse:
“Estou muito interessado, mas há uma coisa que me intriga. Não consigo
compreender a palavra “interior”. O que quer dizer? Interior, quer dizer dentro do
corpo? Nós, cientistas, só compreendemos o que existe dentro do corpo”. Ele
não podia compreender o que chamamos de “eu” interior do homem. Isto mostra
a dificuldade de compreensão entre a ciência e o misticismo, dificuldade essa
que, não há dúvida alguma, um dia desaparecerá. É uma dificuldade temporária.

Para explicar esta dimensão, podemos dar o exemplo dos olhos. O que há com
nossos olhos que abrangem um horizonte de milhares de milhas? O tamanho
dos olhos é muito pequeno, mas os olhos podem acomodar um vasto horizonte.
Onde acomodam o horizonte? Dentro dos próprios olhos. Este é o único exemplo
que se pode dar. Trata-se de uma dimensão que não pode ser medida mas que
se acomoda, é uma acomodação. A acomodação dos olhos não é uma dimensão
reconhecida mas não deixa de ser uma dimensão. Existe igualmente uma
dimensão da mente. Podemos pensar profundamente e também sentir
profundamente, podemos estar conscientes da vida e ter dela uma consciência
ainda mais profunda, mas não podemos medir nada disso por se tratar de
dimensão abstrata. Só achamos uma palavra para designá-la: dimensão de
“dentro” (interior). Através dessa dimensão, uma corrente flui do plano mais
íntimo do ser humano até o plano físico e ali mantém o sopro da vida. Por este
motivo é que se diz que a respiração é a alma e a alma é a respiração. O
importante é compreender que o ar que aspiramos não entra e sai em linha reta
na mesma direção como imaginamos. O que acontece realmente é que o ar se
move como a roda, o círculo, isto é, a respiração sai das narinas, faz um círculo
e retorna às narinas.

O terceiro ponto a compreender a respeito da respiração é que ela produz uma


incandescência como o fio elétrico. Assim como o calor e a luz não ficam
confinados nessa incandescência, mas estão também na periferia, igualmente a
incandescência do círculo da respiração atravessa o corpo e toca em cada parte
dele.

Outra regra a ser observada é que, qualquer direção que a corrente respiratória
tome, dará causa a uma atividade diferente e também um resultado diferente.
Por exemplo, o ato de contrair, de distender, de pestanejar, todas essas
atividades são feitas pela respiração quando se move em diferentes direções. O
mesmo acontece diariamente com as nossas atividades naturais. Tossir,
bocejar, dar um suspiro profundo, tudo isso são atividades diferentes da
respiração. Além disso, a habilidade de comer e de beber, a habilidade de expelir
tudo o que temos no corpo, são resultados das direções diferentes através das
quais a respiração trabalha. Se a respiração não trabalhar numa direção, aí
então essa atividade especial do corpo cessa. É uma ciência que ainda está para
ser explorada pelos cientistas e médicos. Quanto mais for explorada, menor
necessidade haverá de operações, e os médicos não serão mais obrigados a
fazer coisas desagradáveis com seus clientes e nem receitar-lhes
medicamentos. Quando a ciência da respiração for melhor compreendida pelos
cientistas e for por todos praticada, serão evitadas as doenças pulmonares, as
dores do parto e a morte prematura.

Se quisermos retratar Deus e as almas, olhemos para o sol e seus raios. Os


raios não são diferentes do sol, o sol não é diferente dos raios. No entanto, existe
um único sol e muitos raios. Os raios não têm existência própria, são apenas
uma atividade do sol. Os raios não estão separados do sol e, no entanto,
parecem ser muitos raios diferentes. O sol único dá uma idéia de um único centro
e o mesmo acontece com Deus e o homem. O que é Deus? É o Espírito que
projeta raios diferentes e cada raio é uma alma. Por isso, a respiração é uma
corrente, um raio, raio esse que vem do Sol que é o Espírito de Deus. Esse raio
é o sinal da vida. O que é o corpo? É apenas um invólucro que cobre esse raio.
Quando o raio deixa o invólucro, o corpo morre.

Há um outro invólucro que é a mente. A diferença entre a mente e o coração é a


mesma que existe entre a superfície e o fundo. A superfície do coração é que é
a mente e o fundo da mente é o coração. A mente expressa a faculdade de
pensar. O coração a faculdade de sentir. A mente é uma roupa interna, uma
veste usada pelo que chamamos de respiração. Portanto, o raio que é a
respiração continua existindo depois que se retira do corpo, pois possui outra
roupa, uma veste interior. A roupa exterior era o corpo, a roupa interior é a mente.
A respiração continua a existir e se extraviar-se na roupa que chamamos de
mente, ainda haverá outra roupa mais delicada chamada alma, porque a
respiração atravessa o corpo, a mente e a alma.

De acordo com este ponto de vista, compreendemos que o homem jamais se


separou de Deus, que toca em Deus toda a vez que respira. Está ligado a Deus
pela corrente da respiração, da mesma forma que tiramos água de um poço: a
corda está na mão e o balde dentro do poço. O balde contém a água, mas a
corda está presa na mão. O mesmo acontece com nossa alma: está ligada ao
Espírito de Deus, é o raio do Sol Divino e a outra extremidade é o que chamamos
de respiração. Vêmo-la atingir um certo ponto e não mais longe, porque é
somente a parte mais elevada do corpo físico que toca os diferentes planos. A
respiração atinge esses planos, mas não vemos a ação da respiração. A ação
da respiração em nosso corpo é limitada, mas essa corrente, a respiração, na
realidade liga nosso corpo ao Espírito Divino, unindo Deus e o homem numa só
corrente.

A corrente central de nossa mente também é respiração e, assim sendo, nós não
só respiramos através do corpo, como através da mente e também através da
alma. Além do mais, a morte nada mais é do que o corpo que se afasta dessa
corrente principal a que damos o nome de respiração. Quando o corpo se afasta
da corrente, a mente ainda fica presa a ela e enquanto a mente vive, o homem
vive. Esta é a prova de que há uma outra vida além da morte. Há pessoas que
comentam: “Não deve ser nada interessante viver depois da morte como mente
e não como indivíduo, como um corpo!” Acontece que a mente é que fez o nosso
corpo, esta nossa mente que é muito mais auto-suficiente do que se imagina. A
mente está num plano onde tem seu próprio corpo, da mesma maneira que o
nosso corpo físico pertence ao plano físico. O corpo mental é tão auto-suficiente
e é mais concreto ainda do que o corpo que usamos no mundo físico, porque o
corpo físico é muito limitado e está sujeito à morte e à decadência. O corpo
mental é etéreo, vive mais tempo, porque depende menos de alimentos e de
água do que o corpo físico. Vive mais pela respiração do que por outra coisa
qualquer. O que nos mantém vivos no mundo físico é principalmente a
respiração, embora reconheçamos como nosso sustento apenas o pão, a água
e outros alimentos. Se apenas compreendêssemos que o pão e a água não
constituem absolutamente uma centésima fração do nosso sustento, quando
comparados com o sustento que tiramos da respiração! Não podemos viver mais
do que cinco minutos sem respirar. Podemos viver alguns dias sem comer.

Uma vez que a respiração é tão importante, é coisa primordial, é claro que é o
meio de que dispomos para aperfeiçoar e harmonizar o corpo e a mente, para
harmonizar a mente com o corpo e o corpo e a mente com a alma. É o
desenvolvimento da respiração, o conhecimento da respiração, os exercícios
respiratórios que nos ajudam a manter o equilíbrio, que nos colocam em sintonia,
que trazem ordem ao nosso ser. Há pessoas que fazem exercícios respiratórios
sem orientação e conhecimentos adequados. Precisamos ser extremamente
cautelosos, devemos fazer corretamente esses exercícios respiratórios ou então
não fazê-los nunca.

Não se pode falar abertamente sobre as coisas que um homem pode realizar
com a ajuda da respiração, mas há homens que vivem neste mundo e que,
embora vivam na terra, estão cientes dos planos mais íntimos da existência; há
outros que realmente se comunicam com as esferas mais elevadas; há outros
também que chegam à convicção de que existe uma outra vida além da morte e
como será essa vida. Esses homens são os que conseguiram aprender tudo
sobre a respiração, são os mestres da respiração, e não são os estudantes de
livros intelectualizados que chegam a esse estágio.

Os Yoguis aprenderam com a serpente muitas coisas sobre o segredo da


respiração. Este é o motivo por que consideram a serpente o símbolo da
sabedoria. Shiva, o Senhor dos Yoguis, tem uma serpente enrolada no pescoço
com um colar. É o signo do mistério, da sabedoria. Existem cobras nas florestas
dos países tropicais, especialmente na Índia, que dormem 6 semanas e um dia,
despertam e respiram porque têm fome e querem comer. Os pensamentos das
cobras atraem o alimento onde ele estiver, trazem esse alimento de longe por
meio do pensamento. A respiração da cobra tem tal magnetismo que o alimento
é atraído inevitavelmente. Uma ave, uma corça ou outro animal qualquer, é
atraído para mais perto da cobra e é atraído tão fortemente que, às vezes, cai
do alto na boca da cobra e para isso ela não faz nenhum esforço, somente
respira, abre a boca e o alimento lhe vem. Depois a cobra dorme outras 6
semanas.

A serpente também tem uma constituição tão forte que voa apesar de não ter
asas e anda sem ter pés. Se há um ser que podemos dizer que é o mais saudável
dos animais é a serpente. Jamais adoece. Antes que adoeça morre, mas a
serpente vive muito tempo. Os que vivem nos países tropicais contam que as
cobras são capazes de se vingar depois de 12 anos, às vezes. Se você bater
numa cobra, ela jamais se esquecerá, o que vem provar que ela possui memória,
mente. A cobra também se enternece com a música, como os homens
inteligentes. Quanto menos inteligente for o homem, menos se enternecerá com
a música. A música está estreitamente ligada à inteligência. Temos aí uma prova
de que podemos encontrar na cobra todos os sinais de inteligência, de sabedoria
e de poder.

Os místicos estudaram a vida das cobras e encontraram duas coisas


maravilhosas: uma é que as cobras não gastam energia. Os pássaros voam até
cansar, os animais correm de um lado para o outro, a cobra não faz nada disso:
faz um buraco onde vive e dorme. Conhece a melhor maneira de repousar, um
repouso que pode prolongar pelo tempo que quiser. Nós não podemos fazer isso.
Nós, os seres humanos, dentre todas as criaturas, somos os que menos
sabemos repousar. Damos a maior importância ao trabalho e jamais ao repouso.
Isso acontece porque nada encontramos no repouso e encontramos tudo no
trabalho. Não vemos o trabalho que há no repouso.

Além disso, não se encontra em nenhuma outra criatura a enorme capacidade


natural de respirar que tem a cobra, capacidade essa que segue uma linha reta
através do corpo. A corrente, a respiração, que a cobra absorve do espaço e que
lhe passa através do corpo, dá-lhe ligeireza e energia, radiação e poder. As
demais criaturas, quando comparadas com a cobra, são desajeitadamente
constituídas. A pele da cobra é muito macia e sedosa e de repente a cobra se
desembaraça dela e a substitui por uma nova, como se renascesse. Os místicos
aprenderam uma lição observando esse fato e dizem: “Devemos desembaraçar
do corpo como faz a cobra, quando sai da pele. Devemos sair dos nossos
pensamentos, das idéias, dos sentimentos, tal como faz a cobra com a pele”.
Dizem também: “É preciso que respiremos ritmicamente, que controlemos a
respiração, como a cobra. Precisamos repousar e relaxar da mesma maneira
como faz a cobra e então podemos obter tudo que desejamos”. É como disse
Cristo: “Buscai primeiro o Reino de Deus e todas as coisas vos serão
acrescentadas”. As coisas que são acrescentadas à cobra, tudo o de que
necessita, também poderiam ser acrescentadas ao homem se ele não se
preocupasse tanto com elas. O poeta Sa’di disse: “Meu eu, tu te preocupas tanto
com as coisas de que necessitas mas sabe que Aquele que trabalha para prover
tuas necessidades está continuamente trabalhando neste sentido. Entretanto, tu
te preocupas com isso porque trata-se de uma doença e de uma paixão tua, que
fazem com que vivas preocupado eternamente!”

Quando observamos a vida que levamos com mais cuidado, verificamos que
conosco acontece o mesmo. A preocupação com as coisas parece fazer parte
da nossa natureza, do nosso caráter, pois não conseguimos evitar as
preocupações. De tal forma isso faz parte de nossa natureza que, se não
tivéssemos preocupações, duvidaríamos de estar realmente vivendo! Os
místicos, portanto, há milhares de anos praticam exercícios para o controle da
respiração, com a finalidade de equilibrá-la, ritmá-la, expandi-la, prolongá-la,
alargá-la e centralizá-la. Foi assim que realizaram grandes fenômenos. Os Sufis
da Pérsia, do Egito, da índia, foram todos grandes mestres da respiração. Há
muitos mestres que têm consciência de sua realização espiritual pela respiração,
ao aspirar e expirar. A consciência do plano dessa realização advém de cada
respiração.

Uma pessoa que saiba realmente a maneira de respirar e se não for preguiçosa,
não haverá nada que não possa conseguir. Não pode dizer que uma
determinada coisa é impossível. É apenas uma questão de esforço. Não é
somente, uma questão de conhecer a teoria da respiração, é preciso
compreendê-la. Os adeptos, os místicos, pois, não consideram a respiração
apenas uma ciência ou um exercício: consideram-na a coisa mais sagrada, tão
sagrada como a religião e para o aperfeiçoamento da respiração uma disciplina
é prescrita por um mestre.

Existe, porém, uma grande dificuldade. Verifiquei algumas vezes em minhas


viagens que, quando falava desses assuntos, as pessoas tinham idéias
preconcebidas. Estavam dispostas sempre a aprender, mas não queriam saber
de disciplina. No entanto, há disciplina no exército, na fábrica, no escritório, nos
estudos, nas universidades, enfim há disciplina em toda parte, mas em coisas
espirituais as pessoas não aceitam a disciplina. Quando chega a vez da
espiritualidade, criam dificuldades à disciplina. Pensam muito pouco sobre o
assunto, não querem fazer nenhum sacrifício, porque desconhecem até onde
pode levá-las a disciplina; não têm fé. Além disso, existem falsos métodos
ensinados aqui e acolá e há pessoas que comercializam o que há de mais
sagrado. Desta forma, o mais elevado dos ideais desce ao nível mais baixo. É
tempo da verdadeira respiração ser conhecida, estudada seriamente,
experimentada e realizada pela prática.

XVI
O MISTÉRIO DO SONO
É difícil dizer exatamente qual o estado que pode ser chamado de sono, pois se
pensarmos neste assunto, verificamos que o homem está sempre dormindo e
está sempre acordado. A diferença está na esfera ou plano de consciência em
que o homem se encontrar ao acordar: num plano ele pensa: “Estou acordado”
e quando esse plano não está diante de sua consciência e ele está noutro plano,
pensa: “Estou dormindo”. Na verdade, o sono e a vigília nada mais são do que a
consciência transferindo-se de um lado para o outro, mudando-se de uma esfera
ou plano para outro. Assim, de acordo com a idéia dos místicos, o homem nunca
dorme. Embora a alma esteja num plano muito mais elevado do que o corpo
físico, o corpo físico expressa o caráter e a natureza da alma.

Quando um homem olha para um lado, não tem consciência do outro lado, o que
prova que a faculdade de ver e de estar consciente daquilo que se vê, somente
se preocupa com uma coisa de cada vez. Os orientais há muito tempo defendiam
sua concepção de som musical e hoje essa concepção é aceita pelos cientistas
ocidentais: o ouvido humano consegue apenas ouvir plenamente um som de
cada vez; não dois ou três. Isto indica a capacidade que tem cada um dos
sentidos de olhar somente para um lado, ficando o outro lado fora da consciência
dos sentidos. Se quisermos ver um lado, precisamos voltar o rosto para esse
lado, em outras palavras, temos que levar nossa visão para aquele lado.

Não é só o corpo que é assim, a mente também. A mente não pode pensar em
duas coisas ao mesmo tempo. Quando a mente trabalha e está completamente
absorvida com um certo pensamento, com uma certa imaginação, os sentidos
externos podem estar alertas mas não funcionam integralmente. Quando um
poeta pensa num verso, o verso está diante de sua mente. Os olhos do poeta
estão abertos mas ele nada vê e se vê por acaso alguma coisa, quando está
pensando, é como se visse um filme cinematográfico: muitas imagens diferentes
vindo umas após as outras e que parecem contínuas. Quando a mente pára de
funcionar, os olhos trabalham e quando os olhos trabalham, a mente pára. No
fim, parece ser uma só imagem, mas na realidade é uma atividade isolada da
mente e dos sentidos. É realmente verdade que cada indivíduo tem seu próprio
estado de vigília, diferente e peculiar. Um está imerso no que chamamos de sono
pesado, num sono profundo, outro está semi-adormecido, outro sabe o que se
passa à sua volta mas está dormindo. É prova de que há um grau de sono
diferente para cada experiência e ninguém pode chamar esses graus diferentes
de sono.

A vigília também é diferente de indivíduo para indivíduo. Há pessoas que se


sentam numa mesma sala; algumas têm mais consciência do que se passa na
sala do que outras. Cinco pessoas ouvem a mesma música e cada uma tem uma
consciência diferente daquilo que ouve. Cada pessoa apreciará e sentirá a
música de maneira diferente. É uma prova de que o corpo e a mente são veículos
ou instrumentos através dos quais a alma vive a experiência da vida, essa alma
que faz parte do nosso ser e que é capaz de se conscientizar, usando a mente
e o corpo. Para o místico, portanto, é essa parte do nosso ser, a alma, que
experimenta a vida por meio dos veículos da mente e do corpo, é essa parte que
constitui o ser verdadeiro e que ele chama de “eu” ou alma. Na terminologia Sufi
a alma é chamada de “Ruh” e em Sânscrito e na língua dos Vedantas chama-se
“Atman”, o ser verdadeiro do homem. Vivendo as experiências da vida, ajudado
pela mente e pelo corpo, o “Atman”, ou alma, acaba iludindo-se e essa ilusão faz
com que ela perca a consciência do seu “eu” puro, como acontece com um
homem que por estar pobremente vestido pensa que é pobre. Não pensa que o
que é pobre é apenas a sua roupa. Se estiver passeando num bonito palácio,
pensará que é um grande homem, mas não pensará que o palácio é que é
grande e não ele, o homem.

Isto demonstra que o que conta não é o que o homem é, e sim o que ele acredita
ser. A alma nunca adoece, mas se o homem tem consciência da doença do
corpo diz: “Estou doente”. A razão é que o homem não pode mostrar à sua
consciência o seu ser verdadeiro, a alma. Assim como os olhos não podem ver
os próprios olhos, embora possam ver o mundo inteiro, a alma não se pode ver,
exceto quando está consciente de tudo que nela se reflete. A alma não é pobre
nem rica, não é triste nem alegre. Tudo isso são reflexos que incidem sobre a
alma. Como a alma não pode realizar-se por si mesma, acha que é aquilo que
está refletido nela e, portanto, o homem vive a vida em sua consciência. O
homem está consciente em todos os momentos de sua vida. Se está num
ambiente alegre, fica contente, se está num ambiente de miséria, fica triste.
Nenhuma tristeza ou alegria pode causar uma impressão duradoura na alma,
porque a natureza da alma é como um espelho: enquanto houver um objeto
defronte do espelho esse objeto é refletido nele, nada mais pode ser refletido;
mas quando o que estava defronte do espelho é retirado, este torna a ficar
límpido. O mesmo acontece com a alma.

Por conveniência, os místicos dividiram as experiências da consciência em 5


fases diferentes. A fase principal com a qual a consciência está mais
familiarizada é a vigília, quando há a experiência da alma por meio da mente e
do corpo. Este estado de vigília é chamado pelos Sufis de “Nasut” e na
terminologia Vedântica de “Jagrat”. A alma só leva em consideração o que
experimenta pelos sentidos com o auxílio da mente, e a razão de muitas pessoas
não estarem ainda prontas para crer na alma, na vida além da morte ou em Deus,
é porque a alma está familiarizada apenas com um plano, o plano que ela
experimenta com a ajuda do corpo e da mente.

Um intelectual desenvolve também a consciência de outro plano chamado


“Malakut” pelos Sufis, e “Swapna” pelos Vedantas. Este plano tem duas espécies
de experiência: quando um homem está absorvido em seus pensamentos e
quando não está consciente do que o rodeia. Tudo que sabe nesse momento é
sobre o pensamento ou a imaginação em que está absorto. Este estado não
depende do corpo para ter prazer ou experimentar a tristeza.
Uma pessoa que experimenta a alegria e a tristeza, elevando sua consciência a
esses planos, pode criar o céu dentro de si. Os grandes poetas, pensadores,
escritores que viveram sempre com dificuldades, na pobreza, em circunstâncias
que outros jamais puderam compreender e que foram combatidos e até
desprezados, levaram uma vida feliz, porque souberam elevar-se a um plano
onde podiam gozar de uma beleza, de um conforto e de uma alegria que o
comum dos homens só goza, se isso lhe for dado no plano físico. Quando o
homem encontra a chave deste plano, transforma-se no mestre de sua vida
futura.

Quando a consciência de um homem reflete o céu, esse homem vive num céu e
quando sua consciência reflete a tortura, a dor e o sofrimento, vive no plano dos
sofrimentos. O homem é quem constrói seu céu ou seu inferno. Quantas pessoas
encontramos na vida que alimentam males pensando neles a todo momento,
colocando neles a consciência. Vemos que muitas dessas pessoas poderiam ter
ficado boas depois de sofrerem anos a fio, caso não tivessem mantido a
consciência na dor que elas próprias alimentaram, não como algo novo mas
como alguma coisa que esteve sempre com elas.

Nada pertence ao homem a não ser que o homem esteja disposto a conservar o
que tem. Quando o homem acostuma-se com um determinado reflexo sem tentar
conhecer a sua natureza, com o tempo tornar-se escravo desse reflexo e não
mais o seu dono. O mesmo acontece com os aborrecimentos, as ansiedades e
as tristezas que o homem traz na mente. Muitos dizem: “Não consigo
esquecer...” porque pensam que não podem esquecer. Isso não quer dizer que
não podem esquecer e sim que se apegam a alguma coisa que não querem
abandonar. Se o homem compreendesse que ninguém está segurando um
obstáculo à sua frente e que é ele mesmo que o segura! Uma lembrança, uma
coisa desagradável, uma tristeza, uma dor grave, uma ansiedade, um
aborrecimento, tudo isto o homem guarda consigo e reflete na consciência. A
natureza de sua alma está acima de todas essas coisas. Tudo isso não passa
de uma ilusão, que lhe mora o fundo da alma e não vem à superfície, a não ser
que o homem, com suas próprias mãos, resolva erguê-la e olhá-la de frente.

Quando psicologicamente analisamos o fracasso e o sucesso, notamos que um


fracasso é seguido de outro fracasso. Por quê? Porque a consciência que reflete
o sucesso está cheia de sucesso e a atividade dessa consciência cria uma
atividade produtiva. Se a consciência tem à frente o sucesso, o que se reflete
nela é o sucesso e esse reflexo trabalhará e produzirá outro sucesso, mas
quando a consciência tem diante de si a impressão do fracasso, o fracasso
reflete-se na consciência e esse reflexo trabalhará continuamente, produzindo
fracassos sobre fracassos.

Frequentemente pessoas pessimistas agem contra o que desejam. Desejam


fazer alguma coisa, mas dizem: “Vou fazer isso mas acho que não serei bem
sucedido”. Tais pessoas colocam pedras no próprio caminho. O homem ignora
que todo pensamento fica impresso na consciência e também no ritmo em que
trabalha a consciência. De acordo com o ritmo da consciência, o reflexo levado
a ela torna-se verdadeiro e é assim que o homem se transforme no seu próprio
inimigo, porque ignora tais coisas. O erro do impulso de um momento cria uma
espécie de obstáculo no caminho de uma pessoa durante toda a existência.

Este estado de consciência é também experimentado no sonho, pois o sonho é


uma reação das experiências humanas, quando em vigília. O mais extraordinário
e que pode servir de estudo ao homem, é que o sonho tem uma linguagem; um
conhecimento verdadeiro das experiências do sonho nos ensina que cada
indivíduo tem uma linguagem para seu sonho e que é peculiar à sua natureza.
São diferentes os sonhos do rei, do homem pobre, do poeta. Há muitas
diferenças e não é possível dar a mesma interpretação do sonho a todas as
pessoas, sem primeiro saber quem é a pessoa que teve o sonho. O sonho não
deve ser interpretado por si mesmo, a pessoa que sonhou é que se deve
conhecer e a interpretação deve ser dada de acordo com a evolução dela, com
suas ocupações, ambições e desejos, o presente, o passado e o futuro e também
suas aspirações espirituais.

Assim, pois, a linguagem do sonho é diferente para cada indivíduo, mas


devemos ficar avisados de que no estado de vigília, o homem fica receptivo às
impressões exteriores. Por exemplo, há momentos em que a mente fica
receptiva e há outros momentos em que a mente é expressiva. Durante os
momentos receptivos da mente, a impressão de qualquer pessoa é refletida na
consciência. Às vezes sentimo-nos deprimidos e não encontramos razão para
isso. Sentimo-nos cheios de alegria e também não encontramos um motivo. Logo
que uma pessoa tem uma certa sensação, imediatamente quer achar um motivo
para ela e a razão está sempre pronta a lhe responder, certa ou erradamente.
Logo que pensamos: “O que me fez rir?” a razão arranja um motivo para nos
oferecer. Na realidade, tal impressão veio de uma outra pessoa, mas pensamos
que o motivo é outro muito diferente. Assim, muitas vezes, no sonho acontece
que a faculdade de raciocinar atende os pedidos da mente indagadora,
estruturando e dando forma aos pensamentos e à imaginação, os quais voam à
vontade, quando o poder da vontade não controla a mente durante o sono. O
comportamento da mente nessa ocasião é semelhante ao do ator no palco, livre,
sem nenhum controle da vontade. Quando isso acontece, há um momento em
que a mente está num estado receptivo, é quando recebe impressões dos outros,
de pessoas amigas ou inimigas, de qualquer um que pensar na pessoa que está
sonhando ou com quem ela tenha qualquer tipo de ligação.

Os que têm inclinações espirituais ou que estão ligados a almas que já deixaram
o mundo, também sentem as impressões que suas almas refletem, às vezes em
forma de influências a lhes guiar na vida, algumas vezes como advertências,
outras como instruções. Também experimentam o que chamamos de iniciação
e às vezes têm experiências ilusórias, confusas, mas tudo tem o seu lugar no
plano especial onde a consciência está tendo sua experiência da vida,
independentemente do corpo físico e dos sentidos.

A terceira experiência da consciência é chamada de “Jabarut” pelos Sufis e de


“Sushupti” na terminologia Sânscrita e Vedântica. Neste plano, onde a
consciência não está ainda muito ligada ao mundo, não traz ela suas
experiências para ele, a não ser por um sentimento de alegria ou renovada força
ou saúde e depois desta experiência, tudo que se pode dizer é: “Tive um sonho
muito bom e me sinto muito melhor”. Realmente, a consciência livrou-se da dor,
da ansiedade e de qualquer atividade ou limitação imposta pela vida. Até os
prisioneiros podem ter a bênção deste estado, quando estão completamente
adormecidos. Não distinguem se estão num palácio ou numa prisão. Vivem as
experiências desse plano, que são melhores do que se vivessem num palácio.

O homem não compreende o valor deste estado de consciência até que chega
um dia em que, por uma ou outra razão, fica incapacitado de receber essa
bênção. Não consegue dormir e começa então a pensar que daria tudo para
poder dormir profundamente, o que vem provar que o homem não precisa só do
sono mas de uma bênção que acompanhe o sono. É algo que a alma tocou e
que é muito elevado e profundo, pois esta experiência tem um valor muito maior
do que podemos imaginar. Nesta experiência, a consciência toca num plano
onde não recebe quaisquer impressões, quer de nomes quer de formas. As
impressões que recebe são em forma de sensação, de uma sensação de
iluminação, de vida, de júbilo. Que mensagem transmite? Transmite uma
mensagem de Deus, cuja mensagem atinge diretamente todas as almas. Que
mensagem é essa? Deus diz à alma: “Estou contigo, Sou teu próprio ser, Estou
acima das limitações, Sou a Vida e tu estás mais seguro, mais vivo, mais feliz e
mais em paz com este conhecimento que Te dei do que com qualquer outra
coisa do mundo”.

Além destas três experiências há uma quarta, uma quarta experiência para as
pessoas que queiram procurá-la. Por que não é ela dada a todos? Não é que
não seja dada a todos, mas o fato é que nem todos podem retê-la. É uma
experiência que vem e volta e a pessoa não sabe quando ela vem nem quando
volta. Na vida de todos os homens há um momento, quando estão em vigília, em
que se elevam acima de todas as limitações impostas pela vida, mas esse
momento vem e vai tão rapidamente, num piscar de olhos, que os homens não
conseguem retê-lo, não podem realizá-lo.

É como um pássaro que pousou e voou e do qual apenas ouvimos o bater das
asas. Os que querem agarrar esse pássaro, que desejam saber para onde voou,
que querem saber quando ele virá ou partirá, começam a procurá-lo, sentam-se
e esperam pela hora de ele chegar. Esta vigília chama-se meditação. Meditação
não é fechar os olhos e sentar-se. Qualquer um pode fechar os olhos e sentar-
se, pode ficar sentado horas a fio ou sentar-se a vida toda e ignorar o que chegou
e o que partiu. É preciso ficar à espreita do que vai chegar e não simplesmente
espreitar, é preciso ficar preparado para o que vai chegar e apurar os sentidos,
fazendo do corpo e da mente um receptáculo para captar as vibrações, a fim de
que, quando o pássaro emitir uma vibração, sinta-se que ele chegou.

Este é o simbolismo da pomba dos Cristãos, em outras palavras, é o momento


em que nossa consciência se aproxima rapidamente de tal felicidade e tocamos,
por assim dizer, as profundezas da vida total, pairamos acima do plano da
atividade, acima mesmo do plano do sentimento. Dirá alguém: “Mas com isso, o
que recebe nossa consciência?” Recebe uma espécie de iluminação, que é
como se fosse uma tocha que acendesse uma outra luz. Essa vida vivida
interiormente, quando atinge o plano da consciência, produz uma espécie de
iluminação que clareia a vida humana. Cada momento, após esta experiência, é
um desvendamento devido a este momento de felicidade. A vida do homem
recebe nova carga e nova luz. Por este motivo é que os Yoguis Orientais sentem-
se em Samadhi, numa determinada posição, durante horas e horas ou vão à
floresta e se sentam em solitude. Fazem sempre isso para reter essa luz, que é
simbolizada pela pomba.

Há um passo para um plano mais alto do que este e que os Sufis chamam de
“HAHUT” ou “Samadhi” como é chamado pelos Vedantas, um 5º plano que a
consciência experimenta. Neste plano a consciência atinge o que há de mais
profundo e mais íntimo no seu ser. É como se a consciência tocasse os pés de
Deus. Essa é a comunhão de que fala o simbolismo cristão. É como se a
consciência tocasse a Presença de Deus, é quando a consciência torna-se tão
leve, tão livre e tão liberada que consegue elevar-se, mergulhar e tocar no mais
profundo do seu próprio Ser.

Este é o segredo de todo misticismo, de todas as religiões e de toda filosofia. O


processo desta experiência é o mesmo da alquimia que não é divulgado e é
ensinado somente àqueles que estão preparados para recebê-lo e que sentem
que há algo de verdade nele. Leva tempo para alguém familiarizar-se com
assunto desta natureza ou mesmo pensar que há algo de verdade nele, que não
se trata apenas de conversa e imaginação. Mesmo a pessoa que já conhece a
verdade do plano místico, pode duvidar e pensar se valerá a pena prosseguir,
mas se decidir prosseguir deve aceitar a orientação de alguém que tenha
conhecimento do assunto, de alguém com quem se sinta seguro e em quem
possa confiar. Devemos, porém, compreender que o caminho do aprendizado
ou o caminho da iniciação não é aquele em que o Mestre transmite alguns
conhecimentos ao discípulo, fala-lhe de coisas novas sobre as quais não ouviu
nunca falar ou mostra-lhe algum milagre. O mestre que fizer isso não é um
verdadeiro Mestre. O homem na realidade é que é seu próprio mestre, tem
dentro de si o segredo do seu ser. As palavras do Mestre servem apenas de
ajuda para que o homem se encontre a si mesmo. Nada que pode ser aprendido
nos livros, nada que pode ser explicado por palavras, nada que pode ser
apontado com o dedo, é a verdade. Se um homem está seguro de si pode
prosseguir, mas se está confuso não consegue prosseguir e nenhum Mestre
poderá ajudá-lo. Assim, pois, embora para trilhar este caminho, um Mestre seja
necessário e sua ajuda seja valiosa, o essencial é a pessoa ajudar-se a si
própria. O homem que está preparado e pode compreender sua própria
natureza, o homem que aprende por si mesmo, é o verdadeiro iniciado. Partindo
dessa iniciação, o homem segue à frente, passo a passo, ao encontro da
realização e da convicção que procura. Tudo o que alcançar no decorrer de sua
existência, contribuirá para aprofundar e compreender essa verdade.

XVII
O SILÊNCIO
Há o seguinte ditado: as palavras são valiosas mas o silêncio ainda é mais
precioso. Este ditado será sempre uma verdade. Quanto mais compreendermos
o seu significado, mais compreendemos a verdade que ele encerra. Quantas
vezes, durante o dia, notamos que dissemos alguma coisa mas que seria melhor
se tivéssemos ficado calados! Quantas vezes perturbamos a paz do nosso
ambiente, sem querer, porque não soubemos ficar em silêncio! Quantas vezes
mostramos nossas limitações, nossa estreiteza, nossas fraquezas, quando
poderíamos muito bem tê-las escondido e porque não soubemos calar! Quantas
e quantas vezes, embora quiséssemos respeitar os outros, não o fizemos,
porque não ficamos silenciosos! Um grande perigo espreita o homem na vida: o
perigo de confiar em alguém em quem ele não deseja confiar. Corremos esse
perigo, porque não nos mantemos em silêncio. O grande intérprete da vida, o
poeta Persa Sa’di, disse o seguinte: “De que vale o bom senso se não vier em
nosso auxílio antes de pronunciarmos uma palavra?” É uma demonstração de
que, apesar do grau de sabedoria do homem, ele pode cometer um erro se não
souber controlar as palavras. Podemos com muita facilidade encontrar exemplos
desta verdade: os que falam muito possuem uma força inferior à dos que falam
pouco, pois uma pessoa tagarela talvez não seja capaz de expressar uma idéia
com mil palavras, enquanto que os mestres do silêncio expressam a mesma
idéia apenas com uma palavra. Todos podem falar, mas nem todas as palavras
possuem a mesma força. Além disso, uma palavra pode dizer menos do que o
silêncio é capaz de exprimir. O silêncio é a tônica de uma vida harmoniosa.

Na vida cotidiana o homem se defronta com mil e uma complicações e para


enfrentá-las não está ainda suficientemente evoluído. Assim, só o silêncio pode
ajudar o homem. Se existe uma religião e se existe uma maneira de praticar a
religião, é levar sempre em consideração o prazer de Deus, pensando no prazer
do homem. A essência da religião é a compreensão. Não podemos viver essa
religião sem ter o domínio sobre a palavra, sem compreender o poder do silêncio.
Muitas e muitas vezes nos arrependemos por ter magoado os amigos, o que
poderia ter sido evitado se tivéssemos controlado as palavras. O silêncio é o
escudo do ignorante e a proteção do sábio, pois o ignorante não demonstra sua
ignorância se ficar calado e o sábio não atira pérolas aos porcos, como se diz,
pois sabe o valor do silêncio.

O que nos dá o poder sobre as palavras? O que nos dá o poder que pode ser
obtido pelo silêncio? A resposta é a seguinte: é o poder da vontade que exerce
o controle sobre as palavras. É o silêncio que nos dá o poder do silêncio. É
inquietante ouvir uma pessoa falar demais. Quanto mais palavras usamos para
exprimir uma idéia, menos poderosas serão as palavras. É uma pena que o
homem esteja constantemente pensando em economizar dinheiro e nunca
pense em economizar palavras. É o mesmo que poupar os seixos e jogar fora
as pérolas. Vejam o que escreveu um poeta Hindu: “Concha, quem lhe dá suas
preciosas pérolas?” “O silêncio; durante anos meus lábios ficaram fechados”.

No princípio travamos uma luta interna, precisamos controlar os impulsos, mas


depois isso se transforma numa força.

Falemos agora da explicação mais científica e metafísica do silêncio. Quando


proferimos as palavras, gastamos uma certa energia e a nossa respiração, que
tem que trazer uma nova vida para o corpo, fica impedida de usar o seu ritmo
regular, quando falamos muito tempo. Não é que uma pessoa nervosa fale
demais, o que a põe nervosa é ouvir falar muito. De onde vem o grande poder
dos Yoguis e faquires? Obtiveram esse poder, aprendendo e praticando a arte
do silêncio. Este é o motivo porque no Oriente, nos lugares onde os faquires
meditam e mesmo nos tribunais, faz-se silêncio. Houve épocas, em diferentes
civilizações, em que se ensinava ao povo guardar silêncio por um certo tempo
sempre que se reunissem para uma festa. É uma grande pena que as atuais
gerações tenham negligenciado uma coisa tão importante. Pensamos muito
pouco sobre isso. É uma coisa que afeta a saúde, que diz respeito à alma, ao
espírito e à vida. Quanto mais pensarmos neste assunto, mais notamos que
estamos sempre envolvidos em qualquer espécie de atividade. Onde nos conduz
essa atividade e qual o seu resultado? Até onde podemos saber, ela nos conduz
a uma luta maior, a competições e desilusões!... Se pensarmos nos seus
resultados, notamos que essa atividade nos conduz a maiores cuidados,
ansiedades e lutas na vida. Há um ditado Hindu: “Quanto mais procuramos a
felicidade, mais infelicidades encontramos”. O que acontece é que, quando
procuramos a felicidade num lugar errado, isso nos leva à infelicidade. Nossa
experiência da vida nos ensina isso, mas a vida é tão intoxicante, absorve-nos
com tantas atividades que nunca temos tempo para parar e pensar.

Parece que o mundo está despertando para as idéias espirituais, mas apesar
disso existe cada vez mais atividade, não só atividade exterior como atividade
mental. Na realidade, a humanidade tem os nervos em frangalhos, porque não
observa a lei do silêncio, porque exige do corpo e da mente uma atividade
excessiva. Quando o corpo repousa, o homem chama isso de sono, mas a sua
mente continua a funcionar no sono do mesmo modo como durante o dia. Neste
mundo cheio de competições, o homem está sempre ocupado, mais ocupado do
que nunca. Naturalmente que sua vida precisa de descanso, de quietude e de
paz, precisa muito mais disso do que as pessoas que vivem nas florestas e que
podem chamá-las de “minhas florestas”. Quando estamos vendo a atividade
aumentar e a arte do silêncio ser negligenciada, o que podemos esperar disso?

Onde podemos aprender a fazer a meditação profunda? No silêncio. Onde


podemos praticar a arte da paciência? No silêncio. O silêncio praticado na
meditação é uma coisa à parte, mas silêncio significa a consideração que
devemos dar a cada uma de nossas palavras e a cada um dos nossos atos. Esta
é a primeira lição a ser aprendida. Se encontramos uma pessoa que sabe
meditar é porque aprendeu a usar o silêncio de uma maneira natural na vida
cotidiana. Quem na vida cotidiana aprendeu a silenciar, já sabe como meditar.
Uma pessoa pode reservar meia hora por dia para meditar, mas quando tem
meia hora de meditação e 12 ou 15 horas de atividade, a atividade carrega toda
a força da meditação. Portanto, as duas coisas – meditação e atividade – devem
andar juntas. A pessoa que quer aprender a arte do silêncio deve, embora tenha
muito trabalho para fazer, decidir-se a manter na mente o pensamento do
silêncio. Quando não se leva isso em consideração, não se colhe o benefício
total da meditação. É como uma pessoa que vai à igreja uma vez por semana e
nos outros 6 dias conserva a igreja o mais longe possível do seu pensamento.

O Primeiro Ministro de um Rei Persa muito devoto, perguntou-lhe um dia: “Vossa


Majestade passa a maior parte da noite meditando e durante o dia trabalha.
Como consegue fazer isso?” Respondeu-lhe o Xá: “Durante a noite ando atrás
de Deus, durante o dia Deus me segue”. O mesmo acontece com o silêncio: o
homem que procura o silêncio, o silêncio passa a segui-lo. Assim acontece com
todas as coisas que desejamos: quando as procuramos com tenacidade, elas,
com o tempo, passam a nos seguir espontaneamente.

Há pessoas que pouco se importam se estão magoando os outros, contanto que


pensem que estão dizendo a verdade. Sentem-se justificadas e não se
incomodam se os outros choram ou riem. Existe, portanto, uma diferença entre
o fato e a verdade. O fato é o que pode ser dito, a verdade é o que não se pode
expressar com palavras. A justificativa de certas pessoas, quando afirmam: “Eu
digo a verdade” cai por terra, quando compreendemos a diferença que existe
entre o fato e a verdade. Há pessoas que discutem sobre dogmas, crenças e
princípios de moral baseadas no que sabem sobre esses assuntos, mas há um
momento na vida do homem em que ele conhece a Verdade, sobre a qual não
se pode expressar com palavras. Quando chega esse momento, acabam-se
todas as controvérsias, discussões e argumentos e o homem diz: “Se você agiu
mal ou se eu agi mal, pouco importa. O que desejo agora é endireitar o que
estiver errado”. Há uma ocasião em que uma pergunta constante que está
sempre a martelar a mente ativa: o que é? quem é? chega a um fim, pois a
resposta brota da alma e é ouvida em silêncio.

Em geral, a atitude do homem é ouvir tudo que vem do exterior e não é só o


ouvido que está aberto para o mundo exterior, o coração também, o qual está
ligado ao ouvido. O coração que ouve as vozes do mundo exterior, deve voltar
as costas para tudo que vem desse mundo e esperar pacientemente até ser
capaz de ouvir a voz que vem do íntimo do próprio ser.

Há voz audível e voz inaudível dos que vivem e dos que não vivem, de todas as
formas de vida. O que o homem diz com palavras exprime muito pouco. É
possível falar-se da gratidão, da devoção, da admiração? Jamais, haverá
sempre carência de palavras. Todo sentimento profundo tem uma voz própria,
não pode ser expressado externamente por meio de palavras. Essa voz vem de
cada alma e cada alma torna-se audível somente para o coração. Como é
preparado o coração? Através do silêncio.

Não nos devemos surpreender se há pessoas que escolheram viver nas


montanhas e florestas, preferindo a selva a uma vida social. Estavam à procura
de algo de muito valor, seguiram seu caminho com alguma coisa da experiência
que tiveram ao fazer esse sacrifício. Não é necessário, entretanto, segui-las na
floresta ou na caverna da montanha. Podemos aprender a arte do silêncio em
qualquer lugar. Podemos manter silêncio no meio de uma vida atarefada.

O silêncio é uma coisa que procuramos obter consciente ou inconscientemente


em todos os momentos da vida. Procuramos o silêncio e fugimos dele, fazendo
as duas coisas ao mesmo tempo. Onde se ouve a palavra de Deus? No silêncio.
Os videntes, os santos, os sábios, os profetas e os mestres ouviram a voz que
veio do seu íntimo, quando ficaram silenciosos. Não quero com isso dizer que o
fato de uma pessoa ficar em silêncio ouvirá a palavra que constantemente vem
do seu íntimo. Quando a mente está tranquila, é possível alguém comunicar-se
com todos com quem se encontrar: não precisa usar muitas palavras, basta que
os olhos se encontrem e haverá compreensão. Duas pessoas podem falar e
discutir a vida toda e jamais se entenderem e duas outras pessoas com mentes
tranquilas, olham uma para a outra e num instante estabelece-se uma
comunicação entre elas.

De onde vêm as diferenças que existem entre as pessoas? Do seu íntimo, de


suas atividades. E como se chega a um acordo? Pela tranquilidade da mente. O
barulho é que nos impede de ouvir uma voz transmitida de certa distância e as
águas revoltas é que nos impedem de ver a nossa imagem refletida na água.
Quando a água está parada o reflexo é claro e quando nossa atmosfera está
tranquila é que podemos ouvir a voz que constantemente vem do nosso coração.
Procuramos uma diretriz na vida; todos nós buscamos a Verdade e procuramos
o mistério. O mistério está dentro de nós, a diretriz em nossa própria alma.
Muitas vezes encontramo-nos com uma pessoa que nos faz ficar inquietos,
nervosos. A razão é que essa pessoa é inquieta, não é tranquila, e não é fácil
ficarmos calmos e manter a tranquilidade na presença dela, pois está sempre
intranquila e agitada. O ensinamento de Cristo diz: “Não resista ao mal” o que
quer dizer: “Não responda às condições perturbadoras de uma pessoa inquieta”.
Seria o mesmo que compactuar com o fogo que nos quer queimar.

O processo de desenvolver o autopoder para suportar todas as influências que


perturbam a nossa vida cotidiana, é aquietarmo-nos através da concentração.
Nossa mente é muito semelhante a um navio na água, levado pelas ondas e sob
o efeito dos ventos. As ondas representam nossas emoções e paixões, nossos
pensamentos e imaginação, e os ventos representam as influências exteriores
contra as quais lutamos. Para parar o navio, usamos uma âncora, uma âncora
que permita que o navio fique imobilizado. Agora vejamos: a âncora é o objeto
em que nos vamos concentrar. Se a âncora for pesada, bastante pesada, o navio
ficará parado, mas se for leve, o navio continuará a mover-se e não ficará imóvel,
pois ficará com uma parte na água e outra parte fora.

Desta maneira, apenas controlamos o navio. Utilizar o navio é outra coisa. O


navio não foi construído para ficar imóvel, foi feito para um fim determinado.
Parece que nós todos não sabemos disso, mas a finalidade do navio, ao ser
construído, foi ir de um porto a outro e para que o navio navegue há várias regras
que devem ser cumpridas. Por exemplo: a carga não deve ultrapassar à
capacidade do peso do navio. Assim, o nosso coração também não deve ser
carregado com o peso excessivo das coisas às quais estamos ligados, porque
senão o navio não flutuará. O navio não deve ficar retido num porto só, porque
então fica na retaguarda e não vai ao porto a que se destina.

Além disso, o navio deve obedecer ao comando dos ventos que o levarão ao
porto de destino. Esta é a sensação que a alma tem do lado espiritual da vida.
Essa sensação, esse vento, ajuda-nos a avançar para o porto ao qual todos nós
nos destinamos. Depois que a mente está sob completo controle, torna-se
semelhante a uma bússola num navio, sempre apontando na mesma direção.
Um homem cujo interesse segue mil direções diferentes, não está preparado
para viajar neste navio. O homem que tem somente uma coisa na mente e que
considera todas as outras coisas secundárias, é que pode viajar deste porto para
um outro porto. Esta é a jornada que se chama misticismo.

XVIII
SONHOS E REVELAÇÕES
Embora todos saibam o que é o sonho, o estudo do fenômeno do sonho leva o
homem ao lado mais profundo da vida. Começando pela significação dos
sonhos, vamos compreender duas coisas: que ainda há atividade embora o
corpo esteja adormecido e que uma pessoa que é capaz de pensar
profundamente tira deste fato a fé na existência de outra vida após a morte. O
sonho é uma prova de que, embora o corpo não esteja em atividade, enquanto
está adormecido, continua ativo da mesma maneira. Parece que o homem não
é menos ativo no sonho do que quando seu corpo físico está em movimento. Se
alguma diferença existe é uma questão de tempo, porque, no sonho, o homem
pode viajar de um país para outro rapidamente, ao passo que levaria um mês se
usasse outro meio de transporte. Não há nenhum impedimento no sonho como
há no plano físico. No sonho o homem voa.

São muito grandes as facilidades que o plano dos sonhos oferece. Se estamos
doentes, não há dificuldade alguma em mudarmos nosso estado de doentes para
o estado das pessoas saudáveis e num momento substituímos o fracasso pelo
sucesso. Alega-se que se trata apenas de uma questão de imaginação, de uma
função da mente, mas o que é a mente? A mente é uma parte do nosso ser,
onde o mundo se reflete. O céu e a terra são acomodados dentro da mente. É
pouco? O que é o corpo físico comparado com a mente, com a mente que
comporta um mundo dentro de si? O corpo físico não é mais do que uma gota
num oceano.

Somente por ignorância, não quer o homem conhecer o império que o ser
humano encerra dentro de si. Por que razão o homem não tem consciência
disso? Porque o homem sempre deseja agarrar alguma coisa e somente
agarrando é que essa coisa passa a existir para ele. O homem não quer admitir
que o sentimento existe, diz que o sentimento não é uma coisa importante, não
existe. Diz o mesmo do sonho, diz que o sonho é apenas imaginação, não existe.
No entanto, a ciência e a arte vêm da imaginação, da mente, e não da rocha ou
do corpo físico. A fonte de onde jorram todos os conhecimentos é a mente, tais
conhecimentos não são transmitidos por um objeto. A mente significa o “eu”, a
mente é quem identifica; o corpo é uma ilusão. Se a mente está deprimida, o
homem diz: “Estou triste”, mas o que está deprimido não é o corpo, é a mente.
Assim, a verdadeira identificação é feita pela mente e não pelo corpo.

Se no sonho o homem pode ver-se, o que significa isso? Significa que, depois
do que chamamos morte, o homem não perde ainda a sua forma humana, quer
dizer que com a morte não se perde nada, ao contrário, ganha-se a liberdade
que se havia perdido. A falta destes conhecimentos é responsável pelo medo
que o homem tem de perder o corpo físico e faz com que tenha horror à morte.
O que é a morte? A morte nada mais é que um sono, um sono do corpo que era
um manto. Pode-se retirar este manto e, no entanto, continuar vivendo. O
homem compreenderá, depois de ouvir tudo que se diz sobre a morte, que
continuará vivo, que não perderá nada, mas ganhará. O ser humano veio ao
plano físico para aprender e o sonho ensina que há uma lei em vigor, que tudo
que parece surpreendente, acidental, um acontecimento repentino, não é tão
repentino nem acidental como se pensa; está prescrito na lei mas não está
dentro das expectativas do homem.

Nada que acontece deixa de passar primeiramente pela mente. O homem


despreza esse princípio e volta os olhos apenas para a manifestação. Quando a
guerra estourou, muitos disseram: “Não sabíamos que ia haver uma guerra”. Só
não sabiam os que estavam dormindo, mas os que estavam acordados viram os
preparativos. É desta maneira que vemos tudo na vida. Qualquer acidente,
agradável ou desagradável, é precedido de longos preparativos. Primeiramente
existe na mente e depois passa a existir no plano físico.

Um sonho mostra-nos as profundezas da vida. Vemos através do sonho. Todo


sonho tem um significado? Sim, mas assim como num país há sempre pessoas
que não conhecem a língua do país, o mesmo acontece com as mentes. Certas
mentes não conseguem expressar-se, sendo assim, os sonhos dessas mentes
só podem ser confusos: vêem um bode, por exemplo, com orelhas de elefante.
O desejo da mente é expressar-se. Há sentido no que quer dizer a criança,
quando começa a falar, mas como não sabe ainda falar, faltam-lhe as palavras.
A criança chora e emite sons, o que tem uma significação. O mesmo acontece
com os sonhos que às vezes não são bem concatenados. Tudo tem uma
significação. O que nos faz pensar que as coisas não têm um significado é
apenas nossa falta de compreensão.

Como explicar os sonhos que às vezes temos, completamente sem significado?


O estado da mente é responsável por esses sonhos. Se a mente não estiver
harmoniosa, se seu ritmo for irregular, o sonho será de tal maneira confuso que
não será possível interpretá-lo. É como se escrevêssemos uma carta no escuro
e não pudéssemos ver o que escrevemos, mas de toda maneira é uma carta
com uma idéia a impulsioná-la. Mesmo que quem escreveu a carta não a possa
ler, não deixa de ser uma carta. Se alguém não pode compreender o significado
do seu sonho, não quer dizer que o sonho não tenha um significado e sim que
sua própria letra é tão confusa que nem ele consegue decifrar.

A seguinte pergunta pode ser feita: como pode a mente aprender a expressar-
se? A mente deve ser ela mesma: autêntica. Às vezes a mente está perturbada,
não consegue harmonizar-se; está inquieta. O bêbado quer dizer sim e diz não,
e a mente, quando não está no seu estado natural, expressa-se da mesma
maneira, no sonho. É lindo o estudo da ciência dos sonhos. O que é maravilhoso
é que o sonho do poeta é poético, o de um músico tem harmonia. Por quê?
Porque a mente deles está treinada, tornou-se individual. Essas mentes se
expressam no plano que dominam. Muitas vezes nos maravilhamos com o que
nos contam sobre os sonhos de algumas almas poéticas. Notamos que há uma
sequência do primeiro ao último ato e que cada ato, por menor que seja, tem
sempre um significado.
Mais interessante ainda é o sonho simbólico, cujo significado tentamos
descobrir. É maravilhoso pensar que um sonho simples é sonhado por uma
pessoa simples, mas se uma pessoa é confusa, o sonho também será confuso.
Podemos saber muito sobre uma pessoa pela maneira de sonhar, se em sonhos
é correta, medrosa, alegre ou triste. Tais sonhos então não parecem sonhos,
tornam-se tão reais como a vida no plano físico. Esta vida, porém, não é um
sonho? Os olhos não estão fechados? No sonho aparece um rei, que se
esqueceu do palácio e dizemos: “Ora, foi apenas um sonho, não foi nada”, mas
este sonho pode mostrar toda a nossa vida passada, pode mostrar o nosso
futuro. Só no plano físico é que é sonho. Tornou-se sonho devido ao estado de
nossa mente.

Dizemos ainda: “Bem, mas ao acordarmos o que encontramos é uma casa e isso
é uma realidade. Se sonharmos com um palácio, ao acordar, não encontraremos
nenhum palácio”. É verdade e não é verdade. Os palácios que construímos no
mundo dos sonhos, são nossos, bem nossos realmente. Quando o corpo morre,
esses palácios permanecem, ficam onde estão. Se tivemos prazer no sonho o
prazer virá, se o sonho foi de luz, de amor, tudo isso lá estará. É um tesouro com
o qual podemos contar e que a morte não pode levar. A Bíblia nos dá uma idéia
disso, quando diz: “Onde estiver vosso tesouro aí estará também o vosso
coração”. Essa idéia também pode ser encontrada na comparação dos sonhos
com o estado de vigília. O que quer que queiramos reter, quanto mais tempo o
retivermos, mais firmemente o agarraremos e assim criamos um mundo onde
viveremos. É este o segredo da vida. Como tal coisa pode ser explicada por
palavras?

Outra forma do sonho é a visão. Por ela, uma pessoa pode ver claramente o que
vai acontecer ou o que aconteceu, talvez há muitos anos. É como se tivesse uma
luz. Quando obtemos isso? Quando o coração está focalizado com a Mente
Divina, pois tudo aparece na tela do coração como um filme cinematográfico.
Havia um poeta na Pérsia chamado Firdausi, a quem o rei pediu que escrevesse
sobre a história do país. O rei prometeu-lhe uma moeda de ouro para cada verso
que compusesse. Firdausi foi para um lugar solitário e escreveu sobre as
tradições dos séculos passados. Viu como num filme o caráter, a vida e os feitos
do seu povo e colocou tudo em versos. Quando voltou à corte, o rei ficou muito
impressionado, achou seus versos maravilhosos, mas há sempre no mundo
pessoas que não aceitam certas coisas; a verdade é somente aceita por poucos
e, assim, o poeta foi muito criticado e muitos mostraram seu ceticismo. As coisas
chegaram a tal ponto que disseram ao rei que tudo não passava de imaginação
de Firdausi, ficando este terrivelmente magoado. O poeta aproximou-se de uma
pessoa que criticara muito a sua obra, colocou-lhe a mão sobre a cabeça e disse:
“Agora, feche os olhos e veja”. O que essa pessoa viu apareceu como num filme
cinematográfico e então exclamou: “Eu vi”. O poeta, porém, estava muito
magoado e não aceitou as moedas de ouro.
Como definir a mensagem transmitida pelas grandes almas, profetas, mestres,
por Rama e Krishna? Não foi um produto da imaginação. Deixaram um registro
do que pode ser encontrado se o homem se dispuser a cavar até o fundo do seu
ser, uma profecia que deram ao mundo como uma lição e que é uma coisa viva
como uma escritura. Essa é a comunicação direta pregada por todos os mestres.

Uma visão torna-se mais nítida quando estamos adormecidos do que quando
estamos acordados. A razão disso é que, quando estamos adormecidos,
vivemos no nosso mundo e quando estamos acordados estamos apenas
parcialmente no nosso mundo e na maior parte das vezes no mundo exterior.
Todo fenômeno precisa de adaptação. Não é só o som que é audível, os ouvidos
também nos possibilitam ouvir o som. A mente se acomoda para receber as
impressões, tal qual os ouvidos, que se acomodam para receber o som. Por este
motivo, o estado natural do sono assemelha-se a uma concentração profunda, a
uma meditação profunda e, assim, tudo o que aparece no sonho tem uma
significação.

Finalmente, há ainda outro passo mais avançado: a revelação. É preciso


chegarmos a um certo grau de espiritualidade para crer que existe o que se
chama revelação. A vida é uma revelação, a natureza é uma revelação e assim
é Deus. É por isso que os Persas chamam Deus de “Khuda”, que significa auto-
revelação. Todas as ciências, todas as artes e culturas, conhecidas dos homens,
tiveram sua origem na revelação e assim continua a ser até hoje. Em outras
palavras, o homem não aprende somente estudando, adquire conhecimentos
também da humanidade. Uma criança herda as qualidades dos pais e
antepassados e herda também as qualidades da raça e da sua nação. Pode-se
dizer que o homem herda as qualidades de toda a raça humana. Se o homem
conhecesse a fundo o armazém de conhecimentos que existe atrás do véu que
cobre tais conhecimentos, veria que tem direito a essa herança. Isso dá ao
homem uma chave, uma chave para abrir a porta da compreensão do segredo
da vida: que tais conhecimentos não são adquiridos somente no exterior mas
também no interior do ser humano. Assim, pois, podemos chamar de saber o
conhecimento que adquirimos do mundo exterior, mas o conhecimento que
adquirimos do nosso ser interior, chamamos revelação.

A revelação vem do íntimo do ser humano e o coração torna-se auto-revelador,


é como se a alma tivesse renascido. Quando o homem chega a esse plano,
todas as coisas e todos os seres tornam-se vivos. Uma rocha, uma árvore, o ar,
o céu, as estrelas, tudo isso tornar-se vivo. Aí então o homem passa a se
comunicar com todas as coisas e com todos os seres. Onde pousar o olhar – na
natureza, nos caracteres – lê sua história e vê seu futuro. Ao encontrar-se com
qualquer pessoa, mesmo antes de ter trocado qualquer palavra, passa a
comunicar-se com a alma dessa pessoa. Antes de qualquer pergunta, a alma
começa a contar sua própria história. As pessoas e os objetos defronte desse
homem são como um livro aberto. Cessa, então, de existir aquele eterno “Por
quê?” que ouvimos constantemente de certas pessoas. Não mais existe esse
“Por quê?” porquanto o homem encontrará a resposta para cada pergunta dentro
de si mesmo. Enquanto o homem não criar essa resposta, apesar de todo o
saber transmitido a ele neste mundo, o “Por quê?” continuará a existir.

Novamente temos a pergunta: “Como chegaremos a essa revelação?” A


resposta é a seguinte: não existe nada, no universo inteiro, que não seja
encontrado no homem se ele apenas quiser ter o trabalho de descobrir. Se o
homem, porém, não se esforçar por descobrir, ninguém lhe dirá, pois a Verdade
não se aprende, descobre-se.

Baseados nessa crença é que sábios partiam para um lugar solitário e sentavam-
se em meditação, a fim de dar oportunidade à revelação de aparecer. Não há
dúvida alguma que a vida moderna dificilmente proporciona ao homem
oportunidades de viver em solidão, mas não é por isso que o homem deve
ignorar o melhor que existe dentro de si, pois todos os tesouros da terra, quando
comparados com a grande felicidade que é a revelação, nada representam. Não
há comparação possível. A revelação é a lâmpada mágica de Aladim. Uma vez
descoberta, projeta luz para a direita e para a esquerda e todas as coisas tornam-
se claras.

XIX
INTROSPECÇÃO OU VISÃO INTERIOR (1)
A introspecção, ou visão interior, pode ser comparada ao que vemos pelo
telescópio. A uma longa distância, podemos ver um vasto horizonte, mas quando
chegamos perto das coisas, temos um horizonte limitado. Se olharmos por esse
horizonte menor, as coisas ficam mais claras, porque são vistas em detalhe. Se
olharmos pelo horizonte maior, as coisas não serão vistas em detalhe, mas
podemos ter uma visão geral. A mesma lei é aplicada à introspecção. Quando
olhamos para alguém, temos uma idéia do seu caráter e quando olhamos para
uma assembléia, temos uma sensação de reunião.

O coração é o telescópio da alma e os olhos são o telescópio do coração. A


mesma coisa acontece quando vemos através dos óculos: são os olhos que
vêem e não os óculos. Assim, quando vemos através do coração e dos olhos, o
que vemos é a alma. Os olhos não possuem o poder de ver, o poder dos olhos
é apenas ajudar a alma a ver. Do momento que a alma se afasta, os olhos não
vêem. Assim, até o coração é um telescópio que nos auxilia a perceber e
conceber tudo que procuramos mas, ao mesmo tempo, o coração não vê, é a
alma que vê.

Assim como existem pessoas de pouca visão e há outras que possuem visão
muito grande, também existem algumas que enxergam as coisas a uma longa
distância com os olhos da mente, mas que não podem ver o que lhes está perto.
Possuem vista longa, enquanto que há outras cuja visão é curta, que enxergam
tudo o que está perto mas não podem ver à longa distância. Dizem que existe
um terceiro olho que enxerga. É verdade, mas às vezes esse terceiro olho vê
através dos dois olhos e aí os olhos enxergam as coisas muito mais nitidamente
do que enxergariam de outra maneira. Com o auxílio do terceiro olho, os nossos
dois olhos podem atravessar o muro da existência no plano físico e ver o interior
da mente humana, ver o que há dentro das palavras e até mais além. Quando
começamos a ver, o que primeiramente acontece é que tudo que nossos olhos
vêem tem um significado mais profundo, uma maior significação que não
conhecíamos anteriormente. Cada movimento do homem, cada gesto, sua
forma, feições, voz, palavras, expressão, sua atmosfera, tudo isso revela sua
natureza e caráter. Como não conhecem este segredo, certas pessoas desejam
estudar fisiognomia ou frenologia, grafologia ou quiromancia, mas todas essas
ciências são limitadas quando comparadas com a visão clara. Essas diferentes
ciências significam muita coisa, mas se compararmos essas ciências limitadas,
com a introspecção do homem, notamos que sua importância é bem menor.
Além disso, não aprendemos a ler o caráter de uma pessoa, descobrimo-lo. É
um sentido que é despertado em nós. Não precisamos aprender, sabemos.

Essa é uma espécie de introspecção. Existe uma outra que é a introspecção nos
negócios. Quando a introspecção é clara, é válida, quer se trate de um negócio
comercial ou um negócio profissional, pois o que torna certas coisas difíceis na
vida é justamente a falta de conhecimento, de clareza. Pode ser um pequeno
problema, mas se não o conhecemos, ele se transformará no mais pesado e no
pior dos problemas, porque não conseguimos compreendê-lo. Podemos analisar
e discutir um problema, mas se não usarmos a introspecção, ele será sempre
um enigma. O desenvolvimento da introspecção é que nos dá uma visão clara
dos negócios, das condições e problemas da vida.

A faculdade de enxergar precisa ser dirigida. Por exemplo, para olhar à direita
ou à esquerda, para a frente ou para trás, temos que dar uma direção aos olhos
e essa direção é um trabalho da vontade. Nas 24 horas entre o dia e a noite
vemos talvez 5 ou 15 minutos, quando muito, sob a direção da vontade; o resto
do tempo vemos as coisas automaticamente. Em outras palavras, nossos olhos
estão abertos, nosso coração vê tudo que pode ser visto e, sem nos
apercebermos, captamos diversas coisas que atraem nossos olhos e nossa
mente. Tudo o que vemos durante o dia e à noite, não é o que tencionávamos
ver e sim o que somos obrigados a ver de acordo com a vida à nossa volta. Por
esta razão é que os antigos pensadores e sábios do Oriente usavam um manto
cobrindo a cabeça para não ver as coisas que os rodeavam nem as pessoas,
podendo, assim, controlar a visão. Os antigos Sufis também costumavam cobrir
a cabeça da mesma forma por muitos anos e assim procedendo desenvolviam
tantos poderes que um simples olhar deles podia penetrar nas rochas e nas
montanhas. Isto nada mais é do que o controle da visão. Em todas as épocas os
Yoguis trabalharam não só com a mente mas também com os olhos,
conseguindo tal estabilidade no olhar que podiam dirigir a visão para tudo que
quisessem examinar ou penetrar. Os olhos, portanto, representam a alma na
superfície e falam com as pessoas com muito mais clareza do que as palavras.
Para aquele que pode ler, os olhos mostram o grau de evolução de uma pessoa.
Não é preciso uma pessoa falar com a outra, os olhos dizem à outra pessoa se
está contente ou triste, se tem boa vontade ou má vontade, se sua predisposição
é favorável ou desfavorável. Tudo pode ser visto nos olhos: o amor, o ódio, o
orgulho ou a modéstia. Até a sabedoria e a ignorância e tudo o mais
manifestando-se através dos olhos. O homem que pode perceber, através dos
olhos, as condições e caráter de um outro homem, entra, sem dúvida alguma,
em comunicação com a alma desse homem.

Há pouco tempo, havia um discípulo em Hyderabad, um intelectual, que gostava


de falar. Seu Mestre estava interessado nas perguntas inteligentes que fazia e o
encorajava a falar, embora no Oriente seja hábito o discípulo ficar silencioso
diante do Mestre. Um dia, o Mestre estava num dos seus momentos de exaltação
espiritual e o discípulo, como acontecia sempre, queria discutir e arguir, o que
não agradava ao Mestre na ocasião. Pronunciou o Mestre a palavra “Khamush”
que em persa significa silêncio e o discípulo emudeceu. Foi para casa,
permaneceu mudo e ninguém mais ouviu-o falar, nem os de casa nem os
estranhos. Nunca falava, em lugar algum. Passaram-se os anos e o homem se
conservava mudo, mas chegou uma ocasião em que o silêncio dele começou a
falar alto. Seu pensamento silencioso passou a manifestar-se e tudo que ele
desejava lhe era concedido. Seu olhar silencioso curava, seu olhar silencioso
também inspirava. Seu silêncio tornou-se vivificante. O que o mantivera morto
durante todo esse tempo eram as palavras que proferia. Do momento em que
seus lábios emudeceram, o silêncio começou a viver. Sua presença era
vivificante. O povo de Hyderabad chamava-o de Shaikh Khamish, o rei do
silêncio, ou o rei silencioso. Com este episódio desejo mostrar que todos nós
temos olhos, mas fazer os olhos viver leva algum tempo, pois os olhos enxergam
até um certo limite e não vão mais além. O coração, juntamente com os olhos, é
que enxerga mais longe e se a alma puder ver através dos dois ainda enxergará
mais longe.

Um assunto completamente diferente é a maneira de focalizar os olhos. Se


quisermos ver a lua, devemos olhar para o céu ao invés de olhar para a terra.
Assim, pois, se quisermos procurar o céu, devemos mudar a direção dos olhos
e aí é que muitos cometem um erro. Atualmente no Ocidente, onde existe um
grande número de estudantes avidamente à procura da Verdade, muitos estão
enganados a este respeito. Para enxergar o que pode ser visto interiormente,
eles procuram olhar o que está no exterior, o que não deixa de ser uma tendência
natural. Assim como o homem procura exteriormente o que deseja, é natural que
queira procurar também exteriormente o conhecimento interior.
Como pode-se olhar para o interior e o que se vê? Em primeiro lugar, para um
materialista, o “interior”, o que chamamos de “dentro” é uma coisa que está
dentro do corpo. Na realidade – “dentro” – significa não só dentro mas também
fora do corpo. Isto pode ser compreendido, observando a luz dentro de uma
lâmpada: a luz está dentro do globo e está também fora dele. Assim acontece
com a alma: está dentro e também está fora. O mesmo ocorre com a mente: está
dentro e fora, não está confinada dentro do corpo. Em outras palavras, o coração
é maior do que o corpo e a alma é ainda maior e, ao mesmo tempo, a alma está
acomodada dentro do coração e o coração está acomodado dentro do corpo.
Este é um dos maiores fenômenos que existem e difícil de ser explicado com
palavras. Existem centros intuitivos e, a fim de enxergar dentro desses centros,
precisamos volver os olhos para trás, voltar os olhos para dentro. Assim, os olhos
que podem enxergar externamente são capazes de ver interiormente, mas é
apenas uma fase da faculdade da visão. A outra fase dessa faculdade de ver
internamente, não é função dos olhos: é o coração que vê. Quando tivermos
capacidade de ver desta maneira, a dor e o prazer, a alegria e a tristeza de todos
os homens com quem nos encontramos manifestar-se-ão ao nosso coração.
Podemos na verdade ver isso e com muito mais clareza do que se víssemos com
os nossos olhos. Esta é a linguagem do coração que os olhos não conhecem.

Os sábios do Oriente eram chamados de “Balakush”, que significa “Aquele que


bebe um gole de todas as dificuldades”. Esses sábios achavam que as
dificuldades da vida eram um vinho para ser bebido e logo que o bebêssemos,
as dificuldades desapareceriam. Não tinham medo das dificuldades, não se
mantinham afastados delas e diziam: “Se nós conseguirmos afastar das
dificuldades agora, na próxima vez elas nos acharão; na certa vamos encontrá-
las, um dia. Se escaparmos uma vez, noutra ocasião não escaparemos. Assim,
deixemos que venham as dificuldades tal como são e bebamo-las como um
vinho”. Os princípios do Mahadeva, dos Dervishes, dos grandes faquires de
todas as eras são o mesmo: beber as dificuldades como um vinho. Aí então não
haveria mais dificuldades. Quando estamos sintonizados com a vida, ela se
revela a nós, pois aí somos amigos da vida. Antes éramos estranhos para a vida.
A atitude faz uma grande diferença. A diferença de atitude é que faz de um
homem um espiritualista ou um materialista. Não é preciso modificar mais nada,
apenas a atitude.

A lição que aprendemos, quando desenvolvemos a percepção, não nos deve


tornar excitados com qualquer influência que nos queira colocar fora do nosso
ritmo, ao contrário, devemos manter o nosso ritmo em todas as circunstâncias
da vida, manter nosso equilíbrio, nossa tranquilidade, em todas as ocasiões. Às
vezes é difícil conservar o equilíbrio, quando as influências da vida nos sacodem,
mas é preciso manter-nos equilibrados apesar de tudo o que acontece. Em face
de influências antagônicas, é difícil mantermos uma atitude amigável. Entretanto,
por ser difícil é uma grande aquisição se conseguirmos isso. Para obtermos algo
valioso e que valha a pena ser obtido, temos que passar por certas dificuldades.
Não pagamos, aprendemos sem pagar. Isso é uma coisa que podemos praticar
na vida cotidiana, pois de manhã à noite vivemos constantemente entre os
efeitos dissonantes de todos os lados. Há muitas oportunidades de praticar a
lição de manter uma atitude amigável em relação aos nossos semelhantes, de
enfrentar as situações corajosamente e de contrabalançar as influências que
surgirem à nossa frente. Desta maneira adquirimos uma percepção maior da
vida.

Se existe alguma coisa que possa esclarecer nossa compreensão é a razão de


um lado e o sentimento do outro. Um homem cujo sentimento ainda não
despertou, está acordado e ao mesmo tempo está adormecido. O que está vivo
é o sentimento e não a razão. Muitas pessoas pensam que quando o cérebro
está trabalhando é algo de tangível. Não notamos o cérebro trabalhar no
sentimento, mas, na realidade, o sentimento faz o papel do engenheiro e o
cérebro o do mecanismo. O mecanismo não pode funcionar sem o engenheiro,
assim como o cérebro não pode trabalhar sem o apoio do sentimento. As duas
coisas são necessárias para que o conhecimento se torne mais claro. Quando
uma pessoa não se compreende, não compreende profundamente sua própria
imaginação e seus problemas, então como quer compreender o problema dos
outros? Neste caso, não há nenhuma comunicação entre uma pessoa e outra.
Hoje em dia, às vezes, a amizade significa apenas um interesse profissional. As
relações humanas se baseiam em certos interesses, em interesses sociais. Por
este motivo, o homem desconhece o sentimento. As alianças entre as nações,
os sindicatos de trabalhadores, tudo isso tem por base o interesse. É o mesmo
que dizer: sou seu amigo se você defender meus interesses! Assim, pois, quando
o sentimento – que é unicamente divino no ser humano, que é a prova e o sinal
do Espírito, e que é uma herança divina – é relegado a um segundo plano, então,
como é natural, qualquer que seja a vida que levarmos, não poderá ser chamada
de civilização, mesmo que a queiramos taxar de civilizada.

Dia virá em que o homem poderá viver uma vida mais plena, uma vida mais cheia
de ideais elevados e altos princípios, quando o sentimento humano tiver sido
despertado ao nível da razão. Quando chegar esse dia, o conhecimento será o
conhecimento espiritual, que não se aprende nos livros. Nesse dia, poderemos
sentir em qualquer lugar, seja nas universidades, na sociedade, nos clubes, em
qualquer profissão, que cada homem está procurando, direta ou indiretamente,
adquirir algum conhecimento. O homem sente que existe um conhecimento mais
verdadeiro. Todos parecem estar desapontados com as suas experiências da
vida. Podem ter tido o maior dos sucessos no mundo, não importa, podem ser
ricos, podem ocupar altas posições, mas estão desapontados, almejam alguma
coisa que lhes possa satisfazer. O que é? O que desejam não está no exterior e
sim dentro do homem e ele encontrará o que almeja quando despertar para a
realidade da vida. Uma vez a alma despertada para essa realidade da vida, todas
as outras coisas passam a significar pouco, nada mais tem importância, o que
importa é o homem compreender distintamente que o que lhe satisfará está no
seu íntimo.

Além disso, quando o coração começa a viver, um outro mundo abre-se para
suas experiências, pois geralmente o que experimentamos na nossa vida
cotidiana é somente aquilo que os sentidos podem perceber e nada mais do que
isso. Quando, entretanto, o homem começa a sentir e a experimentar os sutis
sentimentos do coração, passa a viver num outro mundo, embora caminhando
na mesma terra e vivendo sob o mesmo sol. Portanto, não se surpreendam se
encontrarem seres que vivem num outro mundo, embora caminhem nesta terra.
É coisa tão natural como é possível ao homem viver no seu coração ao invés de
viver somente na terra. O povo do Oriente chama este estado de “Saheb-e-dil”,
isto é, a mente-mestra.

Se o homem mergulhar ainda mais fundo no seu íntimo, passa a viver na alma.
A inspiração, a intuição, a visão e a revelação passarão a ser coisas naturais
para ele. A alma começa a ter consciência de seus domínios, que é o reino de
que fala a Bíblia: “Procure primeiro o reino de Deus...” É a alma que começa a
ver.

O homem pode enxergar ainda mais longe. O que permite o homem atingir esse
estágio mais alto é o caminho da meditação sob a liderança de um Mestre
competente.

A primeira coisa a fazer é controlar o olhar. A segunda é controlar os sentimentos


e a terceira é o controle da consciência. Se essas três coisas forem alcançadas,
o homem começará a olhar para o interior. Olhar para o interior ajuda
extraordinariamente o homem a olhar externamente. O mesmo poder com que
o coração e os olhos estão carregados começa a se manifestar externamente.
O homem que olhar para o interior encontrará, ao olhar para o exterior, que tudo
o que existe no interior se manifestará no exterior. Sua influência será curativa e
consoladora, elevará o homem e o acalmará. Sua visão também tornar-se-á
penetrante e tanto os seres humanos como os objetos, começarão a lhe revelar
sua natureza, caráter e segredo.

XX
INTROSPECÇÃO (2)
A introspecção tem vários aspectos a saber: impressão, inspiração, sonho e
revelação.

Como são recebidas as impressões? Todas as impressões chegam ao cérebro


através dos centros nervosos. A maior parte das impressões são recebidas pela
respiração, mas não se trata da respiração nasal. Quem é capaz de captar uma
impressão de outra pessoa, não precisa esperar que essa pessoa se volte para
ele, sabe imediatamente. Às vezes, à primeira vista, sentimos se uma pessoa
vai ser nossa amiga ou vai ter uma atitude inamistosa para conosco.

Quando uma pessoa chega e me diz: “Estou muito interessada na sua filosofia,
mas antes de adotá-la queria estudá-la”, pode estudá-la anos a fio mas não
conhecerá a introspecção. O que tem que acontecer acontece no primeiro
momento em que nos encontrarmos: você será meu amigo ou não será. Quando
dois seres se encontram, logo se estabelece uma corrente de confiança entre
eles. Não precisamos de anos para desenvolver uma amizade.

Todos recebem uma impressão quando se avistam com uma determinada


pessoa ou quando examinam certas situações. Podemos não acreditar nessa
impressão, mas ela existe quer queiramos ou não. A primeira impressão dirá a
uma pessoa se ela será ou não bem-sucedida, se o outro é correto e se haverá
ou não amizade entre eles. Quando essa faculdade estiver suficientemente
desenvolvida, poderemos receber impressões de um lugar, de outras pessoas e
das condições da vida. Os que possuem uma mente tranquila são os que
recebem as impressões. Os que estão com a mente sempre ativa não recebem
impressões, porque a mente é como a água: quando a água do tanque está
agitada, nada se reflete nela. É preciso manter a pureza da mente. Em que
sentido? Tudo o que é chamado de errado não é precisamente tão errado assim.
Muitas coisas são chamadas de erradas sob o ponto de vista de uma certa moral,
de um certo princípio, princípios esses oriundos da ação mecânica da mente.
Quando a mente se mantém pura, apesar das atividades que a agitam, ela se
torna igual à água pura. Muitas vezes a água da mente está poluída, mas se a
mente estiver em seu estado original de pureza, naturalmente receberá
impressões.

A mente pode ser comparada a uma chapa fotográfica. Se diversas impressões


forem gravadas na mente, ela não poderá receber outras impressões, Por esta
razão é que a mente deve conservar-se pura, sem impressões indesejáveis, para
que cada impressão possa ser a mais nítida possível.

A intuição é ainda mais profunda, pois pela intuição recebemos sempre um aviso.
Instintivamente sentimos e pensamos: esta pessoa vai me enganar um dia ou
voltar-se-á contra mim, ou então, esta pessoa me será fiel sincera, digna de
confiança, ou ainda, neste negócio todo especial, serei bem-sucedido ou
fracassarei. Sabemos disso, mas a dificuldade é distinguir qual é a intuição certa.
Aí é que está a grande dificuldade, pois logo que temos intuição aparece a razão,
que compete com ela, e diz: “Não, não é assim”. Há um conflito na mente e há
dificuldade em se distinguir, porque existem dois sentimentos ao mesmo tempo.
Se tivermos o hábito de agarrar a primeira intuição e salvá-la para que não seja
destruída pela razão, neste caso a intuição será a mais forte e seremos
beneficiados. Há muitas pessoas intuitivas, mas não podem sempre distinguir a
intuição da razão e não raras vezes misturam as duas, porque frequentemente
o segundo pensamento, por ser o último, é mais claro do que o primeiro. Neste
caso, a intuição é esquecida e a razão lembrada. Chama-se a razão de intuição,
o que não é absolutamente certo. Razão e intuição são duas competidoras e,
não obstante, ambas têm seu lugar, importância e valor. A melhor coisa a fazer
seria, em primeiro lugar, tentar agarrar a intuição, distingui-la, conhecê-la e
reconhecê-la como intuição. Discuti-la depois.

Além disso, os que duvidam da intuição, a intuição duvida deles. Em outras


palavras, a dúvida levanta uma barreira entre eles e sua faculdade intuitiva. Tem
lugar então uma ação psicológica: logo que a intuição surge, a dúvida e a razão
também aparecem e a visão fica toldada. Precisamos desenvolver a
autoconfiança. Mesmo se verificarmos que estamos errados uma, duas ou três
vezes, assim mesmo, devemos prosseguir. Com o tempo, desenvolveremos a
confiança na nossa intuição e aí então ela ficará cada vez mais nítida.

As mulheres são mais intuitivas do que os homens. É porque, por sua natureza,
a mulher é mais receptível e mais compassiva que os homens. As mulheres,
portanto, percebem a intuição com maior nitidez. Muitas vezes um homem
raciocina, pensa e não chega a uma conclusão, a uma compreensão nítida,
enquanto uma mulher ou uma outra pessoa mais intuitiva, num instante, fica
esclarecida sobre um certo assunto, sobre um determinado ponto. Isso vem da
intuição, que é uma faculdade do coração, que sente profundamente, quer se
trate de um homem como de uma mulher. A qualidade-intuição pertence a um
coração compassivo.

A intuição dos cães, gatos e cavalos muitas vezes parece ser mais clara do que
a do homem. Sabem quando vai haver um acidente, quando vai morrer alguém
na família. Sabem com antecedência e avisam, mas as pessoas estão tão
atarefadas com seus afazeres que não percebem a intuição dos animais. O povo,
no Oriente, acredita que pequenos insetos sabem o que vai acontecer e dão
aviso às pessoas capazes de compreendê-los. É verdade. Os pássaros também
dão sempre aviso da tempestade e do vento, da chuva e também quando há
falta de chuvas. A espécie humana tem maior capacidade de intuição, mas
estando a sua mente sempre absorvida por centenas de coisas, seus
sentimentos profundos se tornam completamente embotados com a vida
cotidiana, motivo pelo qual o homem ignora a existência da intuição ou
inspiração. Assim, a intuição vai ficando enfraquecida e o homem acaba sentindo
e sabendo menos que os animais. O corpo humano é um veículo, um telescópio,
um instrumento pelo qual podemos ter conhecimento do nosso ser interior, das
condições em que os outros se encontram e conhecer tudo o que existe no
exterior.

A questão é a seguinte: como desenvolver a faculdade da intuição? A primeira


coisa é ter confiança em si próprio. Quando a autoconfiança não existe, não é
possível desenvolver a faculdade da intuição, porque quanto mais acreditarmos
na intuição mais ela aparecerá. Quando alguém duvida e diz: “Isto é uma
intuição, vai ajudar-me realmente ou serei iludido por minha própria intuição?”
neste caso, naturalmente, a razão faz uma confusão na mente e destrói a
intuição. Há muitas pessoas intuitivas, cuja intuição foi destruída apenas pelas
dúvidas surgidas em suas mentes, porque não sabiam se a sua intuição estava
certa ou errada e perderam a faculdade da intuição. Toda faculdade precisa ser
alimentada, pois se não for alimentada ficará fraca e será destruída. Uma pessoa
pode subestimar o valor desta faculdade na vida e, assim, acaba por destruí-la.
Esta faculdade pode também desaparecer pela atividade demasiadamente
rápida da mente. Quando o homem pensa mil coisas num curto espaço de
tempo, a mente se torna demasiadamente ativa e ele não percebe a intuição, a
qual necessita de um certo ritmo, de uma certa concentração.

Outro aspecto da introspecção é a inspiração. A diferença entre a inspiração e o


instinto é que, o que reconhecemos como instinto, na criação inferior, é a mesma
coisa que trabalha por meio da mente humana como intuição ou inspiração.
Podemos dizer que, sob o ponto de vista biológico, as criaturas inferiores nascem
com um certo instinto, a saber: a tendência de voar, de defender-se com os
chifres ou morder com os dentes. Todas as faculdades que possuem, já
nasceram com elas e tais faculdades não são somente herança de seus
antepassados, não pertencem apenas à sua família, são propriedade do espírito.
Todos os seres vivos recebem orientação do espírito na forma de tendências. O
que reconhecemos como instinto nas criações inferiores, nos seres humanos é
inspiração. Hoje, quando a ciência tem progredido tanto e, no entanto, o que
prevalece é o materialismo, o homem tem esquecido da sua herança espiritual
e atribui todo o conhecimento e experiências à existência material do mundo
físico. Desta maneira, o homem se priva dos presentes que lhe são oferecidos e
que pode chamar de seus, sem os quais não pode viver uma vida de plenitude.

Os poetas, os escritores, os cientistas, todos eles recebem inspirações. De onde


vem a inspiração? Qual é a fonte da inspiração? Por que a inspiração do músico
não vem a um poeta, por que a inspiração de um poema não vem a um músico?
Por que a inspiração vem à pessoa a que é destinada? A razão disso é que
existe uma mente atrás de todas as mentes, há um coração que é a fonte de
todos os corações e existe um Espírito que recolhe e acumula todos os
conhecimentos adquiridos por todos os seres vivos. Nenhum conhecimento
adquirido ou qualquer descoberta que for feita se perderão, ficam armazenados
na mente como se ela fosse um reservatório eterno. É isso que os videntes
reconhecem como a Mente Divina. Dessa mente é que vêm todas as visões. O
poeta tem uma mente exaltada por natureza, pois é iluminada pela Mente Divina.
Da Mente Divina é que tudo que é necessário se manifesta. Acontece às vezes
um poeta trabalhar num poema por seis meses sem inspiração e isso não traz
satisfação a ele e a ninguém, pois sabem que o poema foi feito mecanicamente.
Um outro poeta recebe a inspiração instantaneamente e escreve o poema.
Jamais corrige o que escreveu, nunca poderá fazê-lo e ninguém poderá
modificá-lo também. Se o poema for alterado estragar-se-á, porque surgiu num
momento de inspiração e é perfeito, é uma obra de arte, é um modelo de beleza
que foi criado facilmente. Isso é o que se chama inspiração.

Muitos tentam imitar as pessoas inspiradas na poesia ou nas invenções


científicas. Tentam imitá-las mas nunca atingem à perfeição, a qual surge
repentinamente pela inspiração. Os inspirados nunca procuram a inspiração: ela
vem por uma disposição de espírito. Tudo que vem da inspiração é vivificante,
tem sempre valor. No Oriente, existem obras de poetas como Rumi, da Pérsia,
e Kalidasa, da Índia, e até hoje, decorridos tantos anos, seus poemas são lidos
pelo povo. Essas obras nunca envelhecem e o povo nunca se cansa de lê-las.
O mesmo acontece com Shakespeare. Criou um mundo vivo. Quanto mais
passam os anos mais ele vive, cada vez mais é apreciado. Viverá eternamente.
Este é o caráter da inspiração, que surge só na mente dos que estão tranquilos
e cujo pensamento esteja inteiramente absorvido na beleza do trabalho que
contemplam. A mente do músico, que conhece muito pouco do mundo, mas
conhece tudo sobre música, concentra-se e focaliza-se na beleza de sua arte e
assim recebe inspiração. O mesmo acontece com o poeta. Quando, porém, a
mente está absorvida com milhares de coisas não pode focalizar e, assim, não
recebe inspiração.

Como podemos desenvolver a inspiração? Pela concentração. Um poeta


inspirado é aquele que fixa a mente inteiramente na idéia que quer expressar.
Por assim dizer o poeta flutua na beleza da idéia. Sua mente começa a focalizar
e a inspiração vem mecanicamente. Uma pessoa que se preocupa com a
inspiração, que quer atraí-la, nada consegue. A inspiração não lhe pertence.
Para conseguir inspiração essa pessoa deve flutuar na idéia que deseja
expressar, deve mergulhar o coração na beleza da idéia, deve focalizar de uma
maneira positiva esse espírito de beleza para que a inspiração possa inundar
com naturalidade o seu íntimo.

O sonho ou a visão é um outro aspecto da introspecção. Muitas vezes


consideramos o sonho uma atividade automática da mente, mas nem sempre é
assim. Na mente não existe nenhum movimento sem significação. Todo
movimento e toda atividade têm um significado atrás de si; todo movimento é
dirigido para alguma coisa, intencionalmente ou não. Não existe nenhum
movimento, nenhuma atividade que não seja dirigida de uma fonte ou de outra.

Existem três tipos de sonhos. No primeiro, o homem vê sua mente trabalhar da


mesma maneira como durante o dia e transportar-se ao mesmo tempo ao
passado, ao presente ou ao futuro. Noutro sonho, a mente humana vê tudo
justamente ao contrário do que vai acontecer e há um terceiro tipo de sonho em
que a mente vê acontecer alguma coisa do passado ou vê o que vai acontecer
no futuro. É uma prova de que tudo no plano físico é formado primeiramente no
plano interior e mais tarde registrado na mente durante o sonho. Quando nos
concentramos, vemos o que está acontecendo com muito mais clareza.

Há também um sonho no qual temos visões. Isso acontece quando estamos em


meditação. Uma visão é mais comunicativa, mais expressiva. Pode ser um aviso
dado sobre qualquer coisa no futuro ou sobre um acidente ocorrido no passado
que se fez conhecido. Na visão podemos ir ainda mais além e entrar em
comunicação com o mundo invisível. Uma visão, porém, somente aparece
àqueles que nasceram com a faculdade de ter visões ou àqueles que a
desenvolveram na mente e conseguiram uma completa concentração.

Um sonho pode ser simbólico. É o tipo de sonho mais interessante. Quanto mais
evoluído for o homem, mais sutil será o simbolismo do seu sonho. Quando o
homem é grosseiro, o simbolismo do sonho também é grosseiro. Se o homem
for muito evoluído o sonho será mais delicado, artístico e sutil. Por exemplo, o
poeta sonhará com símbolos poéticos e o sonho de um músico será de símbolos
musicais. O artista sonhará com símbolos de arte.

No sonho realista, vemos de fato o que vai acontecer. Tudo que chamamos de
acidente é pura concepção nossa. Não tivemos conhecimento dele antes e por
isso chamamo-lo de acidente. Isto faz com que tenhamos também uma visão
interior do que chamamos destino. Há, porém, um plano que é todo ele planejado
e que o espírito e os que sabem conhecem com antecedência. Existem certos
sábios que sabem de sua morte com um ano de antecedência. O que chamamos
de acidente não existe. Quando não sabemos é porque não vemos, mas tudo foi
planejado.

A grandeza da revelação é ainda maior. É a perfeição da introspecção. Quando


o homem recebe uma revelação é porque seu desenvolvimento é mais elevado.
A revelação surge quando o homem se sente sintonizado e afinado com todas
as pessoas, com todas as coisas e com todas as condições, mas para chegar a
esse estágio é preciso que o homem se desenvolva convenientemente. O
coração deve ser afinado no plano e no grau em que o homem se sente em
harmonia com as pessoas, os objetos e as condições. Por exemplo, quando não
suportamos um clima, isso significa que não estamos em harmonia com ele.
Quando não podemos conviver com as pessoas, é sinal de que não estamos em
harmonia com elas. Quando não conseguimos tratar de certos assuntos, não
estamos harmonizados com os mesmos. Se as condições de vida nos parecem
difíceis é uma prova de que não estamos em harmonia com essas condições.

Os Santos e Salvadores da humanidade tiveram revelações. Não é lenda


ouvirmos que os Santos falavam com as árvores e plantas na floresta; que uma
voz veio do mar e os Santos a ouviram e que os Mestres falavam com o sol, com
a lua e as estrelas, e quanto mais fundo uma pessoa mergulha no mar da vida,
mais convencida fica de que tudo tem vida: os seres, os objetos, a arte, a
natureza, tudo que vê, tudo que percebe através dos sentidos, tudo que puder
tocar, tudo que não lhe parece inteligível. Tudo isso pode não ser visto e pode
não ser conhecido do homem, mas é comunicativo. Logo que o homem começa
a se comunicar com a natureza, com a arte, tem prova disso, pois tudo começa
a falar com ele. É como escreveu o grande poeta persa Sa’di: “Cada folha de
árvore torna-se uma página do Livro quando o coração se abriu e aprendeu a
ler”.

Quando a revelação surge, o homem não precisa mais conversar. Antes de falar
sabe o que os outros querem dizer. As condições em que se acham as pessoas
ou a pessoa à sua frente lhe são reveladas. É como se estivesse lendo uma
carta. A pessoa pode falar com ele, mas se não falar, ele sabe. Não se trata de
ler o pensamento, não é telepatia nem psicometria ou clarividência, como todos
pensam. A revelação é uma reunião de todos os fenômenos existentes. O que é
a revelação? É um desenvolvimento mais completo da inspiração. Quando a
faculdade da intuição está completamente desenvolvida, o homem começa a
receber revelações. As criaturas mudas e as coisas silenciosas começam a falar.
Para que servem as palavras? Não servem para encobrir as idéias? Nenhum
sentimento pode jamais ser expresso por palavras, nenhuma idéia pode ser
colocada inteiramente num verso. O reflexo verdadeiro das idéias e dos
sentimentos só pode ser visto no plano do próprio sentimento.

A revelação depende da pureza da mente. Muitas vezes um homem possuidor


de uma sabedoria mundana não é um sábio. Intelectualidade é uma coisa e
sabedoria é outra. A sabedoria não é o conhecimento adquirido em livros ou o
conhecimento oriundo das experiências do mundo em que vivemos e que são
recolhidos pela mente em forma de saber. Quando a luz interior projeta-se sobre
esses conhecimentos, então os conhecimentos adquiridos na vida exterior e a
luz que emana do interior, criam uma sabedoria perfeita. É esta sabedoria
perfeita que guia o homem no caminho da vida.

Os que receberam revelações deixaram para a posteridade Livros Sagrados


como a Bíblia, o Alcorão, o Bhagavad Gita. Centenas e milhares de anos já se
passaram e os ensinamentos sagrados desses livros permanecem vivos até
hoje. Devemos também lembrar que o que nos foi transmitido em forma de
sermões e ensinamentos, é a interpretação da sabedoria viva que não pode ser
expressa inteiramente por meio das palavras. Podemos conhecer esse
conhecimento vivo somente quando o tivermos experimentado em nós mesmos,
quando abrirmos o nosso coração. Ai, então, é que se realiza o objetivo da vida.

XXI
A EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA
Consciência é a inteligência, a inteligência é a alma, a alma é o espírito e o
espírito é Deus. Assim sendo, a consciência é o elemento divino, é uma parte de
Deus em nosso ser. Através da consciência tornamo-nos pequenos ou grandes
e também elevamo-nos e caímos. Através da consciência, estreitamo-nos ou nos
expandimos. Na simbologia mística dos Gregos e em outras simbologias,
encontramos as asas da águia e este símbolo representa a consciência. Se as
asas estão abertas, significa expansão da consciência, expansão essa que
também pode ser chamada de desdobramento da alma. Qualquer caminho que
seguirmos quando quisermos avançar na jornada espiritual, seja em religião, no
ocultismo, na filosofia ou no misticismo, nos conduzirá à expansão da
consciência.

O que é consciência? Quando dizemos que uma espingarda está carregada,


queremos dizer que há uma bala nela. Consciência significa uma inteligência
carregada, uma consciência carregada de conhecimentos, de impressões
impregnadas de idéias. Quando nos referimos aos filmes cinematográficos,
pensamos: onde estão os filmes? Estão na tela, não vemos a tela mas vemos o
filme. A consciência é a inteligência pura impregnada de alguma idéia,
consciente de alguma coisa. O que é inteligência? É a alma. Não se pode
encontrar rastro da alma a não ser na inteligência. Muitas vezes quem não
compreende, diz que a alma mora no coração, no lado direito ou esquerdo do
corpo humano, mas há algo realmente mais expressivo do que qualquer dos dois
lados do corpo: é a inteligência.

Há uma estória que dá uma idéia da consciência universal, que é completamente


separada da consciência individual. Havia um mágico que pensava ser um fluido
que se movia, subia, descia e entrava no mar. Assim, imaginava o mágico: “Sou
agora um corpo sólido”. Os átomos, quando estão agrupados congelam-se e
transformam-se em gelo e o mágico pensava: “Não sou muito frio. Posso tentar
permanecer estável e não me derreterei” e virou pedra. A seguir disse: “Agora
quero mudar, não desejo permanecer mais como pedra” e transformou-se numa
árvore. “Mas”, disse ele, “ainda não me posso mover, não posso trabalhar”.
Contorceu-se, moveu-se e transformou-se num inseto. O mágico, porém,
pensou: “Como é horrível a vida de um inseto! Gostaria de brincar e cantar” e
transformou-se num pássaro. Então falou: “Desejo ser mais volumoso, mais
denso, sentir-me mais inteligente” e transformou-se num animal. Finalmente
disse: “Quero ficar em pé com pernas trazeiras para poder estender a espinha”
e transformou-se num homem.

Este é o fenômeno que aconteceu com o mágico, que quis e que imaginou
alguma coisa e acabou transformando-se no que desejava. Achamos esta idéia
também nas Escrituras. No Alcorão está escrito: “Seja e aconteceu”. Foi esse o
trabalho do mágico: transformou-se no que tinha consciência de que poderia ser.
Primeiramente, havia a consciência, depois a idéia que a consciência reteve
transformou-se em alguma coisa.
Há, porém, uma outra questão: se o mágico era tão poderoso a ponto de pensar
e se transformar no que queria, então por que ele próprio se tornou tão obscuro?
A resposta é a seguinte: quando um homem diz: “Gostaria tanto de repousar, de
ir dormir” naturalmente perde sua atividade. O mágico transformando-se em
alguma coisa fez com que a consciência divina ou universal ficasse limitada e
essa limitação privou-o de sua própria consciência. Este é um dos pontos mais
profundos da metafísica. Por exemplo: quando a consciência teve o pensamento
– “Vou transformar-me numa rocha, sou uma rocha” – transformou-se numa
rocha. A consciência não perdeu a substância fluida mas a inteligência perdeu a
consciência de sua própria existência. Entretanto, quando o mágico pensou:
“Vou transformar-me numa rocha”, o que foi que penetrou na rocha? Justamente
um pequeno pensamento do mágico, só que, devido a esse pensamento, o
mágico não podia expressar-se nem sentir como sentia no estado de mágico.
Quando transformou-se numa rocha o mágico não sentiu mais nada, o
pensamento de ser rocha não permitiu que sentisse absolutamente nada.

Quanto mais pudermos compreender esta idéia, mais notaremos que devemos
considerar a consciência como tendo dois aspectos diferentes. Num dos
aspectos, a consciência fica sepultada sob as formas mais densas da criação
como as montanhas, rochas, árvores, plantas, terra e mar. A tendência da
consciência, mesmo através dessas formas densas, é sair e expressar-se.
Podemos ver essa tendência quando entramos em contato com a natureza. Por
exemplo, os que se sentam em frente de uma rocha, nas cavernas das
montanhas, no meio da floresta, os que entram em contato com a natureza e os
que possuem mentes livres de tormentos, de ansiedades e de aflições, obtêm
primeiramente uma espécie de paz e, depois de experimentarem a paz e o
descanso, o que lhes vem é uma espécie de comunicação entre eles e a
natureza. O que deseja a natureza expressar a esses homens? Cada ato da
natureza, o levantar e o cair das ondas, a tendência das montanhas de alcançar
o alto, o movimento dos graciosos ramos das árvores, o soprar do vento e o
balançar das folhas, cada pequeno movimento da natureza parece murmurar
alguma coisa ao ouvido desses homens. É a consciência que deseja emergir e
que anseia por se desenvolver e se expressar através das árvores, rochas, água
e plantas, porque a consciência não está morta, está viva, embora esteja
sepultada sob a rocha, a árvore, a planta, a água, a terra e o ar. Todo ser vivo
deseja fazer-se audível e inteligente, deseja comunicar-se, vem tentando anos e
anos abrir caminhos através da prisão que é a densidade da terra, emergir e
dirigir-se à sua fonte de origem, justamente como o mágico que queria abrir
caminho, sair e ver-se a si mesmo. No que se transformou ele? Num homem.

Há um ditado Sufi: “Deus adormeceu na rocha, Deus sonhou na árvore, Deus


tornou-se autoconsciente no animal, mas Deus buscou a Si mesmo e
reconheceu-Se no homem”. É uma demonstração clara do principal objetivo do
homem. Qualquer que seja a ocupação do homem, o que quer que lhe agrade,
o que quer que admire, há um motivo para isso, um único motivo que trabalha
para o seu desdobramento, que é sentir: “Como é grandioso e maravilhoso o que
fiz! Como é lindo reconhecê-lo e vê-lo”. Esta tendência age através de todas as
almas. Se uma pessoa deseja ou não deseja ser espiritual, não importa, pois
inconscientemente todas as almas lutam para seu desdobramento.

Quanto à consciência humana, naturalmente se ela se transformar em alguma


coisa, ficará limitada. Embora a consciência do homem esteja completamente
acordada, quando comparada com árvores e plantas, rochas e montanhas, nem
todo ser humano está desperto, muitos ainda são prisioneiros. Rumi escreveu
no “Masnavi”: “O homem está cativo, numa prisão”. Cada esforço, cada desejo
do homem é libertar-se a fim de conseguir inspiração, grandeza, beleza,
felicidade, paz, independentemente de todas as coisas do mundo.

Cada um de nós chegará a esse objetivo mais cedo ou mais tarde; a aspiração
é uma constante: o sábio, o tolo, todos lutam, consciente ou inconscientemente,
para atingir esse objetivo. Há pessoas que talvez estejam muito interessadas em
si próprias, na sua saúde, na sua mente, em seus pensamentos, em seus
sentimentos ou nos negócios. A consciência de tais pessoas não vai além desse
pequeno horizonte. Não quer dizer que não estejam certas agindo assim, mas o
interesse em todas essas coisas ocupa grande espaço na esfera da consciência.
Há outras pessoas que se esquecem de si e dizem: “Tenho minha família, meus
amigos, amo-os”, e assim a sua consciência é bem maior. Outras dizem:
“Trabalho para meus compatriotas, para meu país, para a educação das crianças
da minha pátria, para o bem-estar do povo da minha cidade”. A consciência
dessas pessoas ainda é muito maior. Não quer dizer que a consciência dessas
pessoas seja maior, mas tais pessoas ocupam um horizonte maior na esfera da
consciência. Portanto, não se espantem se um poeta como Nizami diz: “Se o
coração for suficientemente grande poderá comportar o universo inteiro”. A
consciência é tão grande que o universo é pequeno comparado com ela. A esfera
da consciência é o Absoluto.

Da consciência não foi cortado um: pedaço para o homem, mas o homem
ocupará um certo horizonte contanto que se expanda. Para o homem, o Absoluto
pode ser sua consciência. Exteriormente, o homem é um indivíduo, mas na
realidade não se pode dizer o que ele é.

Há alusão a esta idéia na Bíblia: “Sêde vós perfeitos como é perfeito o vosso Pai
que está nos céus”. O que significa? Que a Consciência absoluta é o sinal da
perfeição e que não estamos excluídos dela. Tudo se move e vive nela.
Ocupamos somente tanto horizonte quanto o que está dentro da nossa
consciência ou tanto quanto estamos conscientes de ocupar. É uma prova de
que cada indivíduo tem seu mundo próprio e o mundo de um indivíduo pode ser
tão pequeno como um grão de feijão e o de outro tão grande como o mundo
inteiro. Exteriormente, porém, todos os seres humanos são mais ou menos
semelhantes em tamanho, uns mais altos que os outros, mas no mundo de cada
indivíduo não há comparação, pois uma pessoa pode ser muito diferente das
outras! Há tantas variedades de mundos nos seres humanos, quantas são as
criaturas, desde a formiga ao elefante.

Há uma interrogação sobre o que as Escrituras chamam de céu e inferno. O que


são eles? O céu e o inferno são o nosso mundo, a nossa consciência, aquilo em
que vivemos dia após dia, ano após ano e que continua no outro mundo. Seja
qual for o mundo que criarmos para nós mesmos, estamos experimentando-o
agora e o que disseram os profetas – que depois da morte tudo terá sua
evidência – significa simplesmente que neste plano terreno, somos tão pouco
conscientes do mundo, estamos tão absorvidos no mundo exterior, que não
sabemos qual o mundo que criamos dentro de nós. Estamos de tal maneira
ocupados com o mundo exterior, com nossos desejos, ambições e lutas, que mal
conhecemos nosso próprio mundo, como acontece com o trabalhador: está
cansado à noite mas quando chega à casa, lê o jornal.

O mesmo acontece com todos nós. Na vida de cada um de nós, há muitas coisas
do mundo exterior que atraem nossa atenção o dia inteiro, centenas de
diversões, lojas cintilantes de luzes, mas chegará o dia em que nossos olhos
fechar-se-ão para o mundo exterior, isto que hoje ocupa toda nossa mente, e a
mente então tornar-se-á consciente do mundo interior. Esta é a significação das
palavras das Escrituras: “Encontrareis o que tiverdes feito”. Não é preciso, pois,
continuar a perguntar: “O que será de mim, amanhã?” Se o homem puder dirigir
a mente para o interior do seu ser, poderá ver o que existe dentro da consciência,
ver do que ela é composta, ver o que ela contém e, então, saberá agora o que
será a vida após a morte.

Os Sufis, em todas as eras, tentaram o máximo para treinar suas consciências.


Como treinavam? A primeira coisa que faziam era uma análise e a segunda uma
síntese. O esforço analítico tem por fim analisar e examinar a própria
consciência, fazer perguntas à consciência, dirigindo-se a ela da seguinte
maneira: “Minha amiga, toda a minha felicidade depende de ti e também minha
infelicidade. Se estás satisfeita, sou feliz. Agora dize-me com sinceridade: aquilo
de que gosto e de que não gosto merecem tua aprovação?” Devemos conversar
com a consciência, como quando procuramos um padre para confessar e dizer:
“Olhai para o que fiz.” “Talvez seja uma coisa errada, talvez seja certa. Tu sabes
e tens uma parte de responsabilidade nisto. A influência disto em ti e em teu
estado é meu estado, tua realização é a minha realização. Se estás feliz, só
então poderei ser feliz. Agora desejo fazer-te feliz. Como poderei fazê-lo?”
Imediatamente uma voz que nos guiará, virá da consciência: “Deves fazer isto e
não aquilo, dize isso e não aquilo. Deves agir assim e não de outra maneira”. A
consciência pode guiar-nos muito melhor do que qualquer mestre ou livro. A
consciência é um mestre vivo que despertou dentro de nós, é a nossa própria
consciência. O método adotado pelos Mestres, pelos Gurus, pelos Murshids é
acordar a consciência dos discípulos, tornando claro o que se tinha tornado
escuro, confuso.

Muitas vezes os Mestres adotam um método tão maravilhoso, tão gentil, que o
próprio discípulo não compreende. Certa vez, um homem procurou um Mestre e
perguntou-lhe: “Tomar-me-eis como discípulo?” O Mestre primeiramente olhou
para ele e depois respondeu: “Sim, com grande prazer”, mas o homem retrucou:
“Pensai sobre isso antes de me dar uma resposta afirmativa. Há uma série de
coisas más em mim”. Perguntou o Mestre: “Quais são essas coisas más?” O
homem respondeu: “Gosto de beber”. “Isso não tem importância” disse o Mestre.
“Mas” retrucou o homem “gosto de jogar” e o Mestre tornou a dizer “não importa”.
Então disse o homem: “Há muitas outras coisas, há um sem número de coisas”
e o Mestre mais uma vez disse: “Não tem importância”. O homem ficou contente.
“Mas” – disse-lhe o Mestre – “não tomei em consideração todas as coisas más
que você contou a seu respeito, mas gostaria que concordasse com uma
condição: não fazer na minha presença nenhuma dessas coisas que considera
erradas”. Respondeu o discípulo: “Isto é fácil” e saiu.

Dias e meses se escoaram. O discípulo, que era muito profundo, evoluído e


sagaz, procurou novamente o Mestre para agradecer. Estava radiante; sua alma
se revelava a todas as horas do dia e era feliz. Perguntou-lhe o Mestre: “Bem,
como passou?” “Muito bem” respondeu o discípulo. O Mestre fez-lhe nova
pergunta: “Fez suas preces como lhe aconselhei?” “Sim, fielmente”. Perguntou
o Mestre: “E sobre os hábitos de ir a diversos lugares?” “Bem”, disse o discípulo
“diversas vezes tentei jogar ou beber, mas em todos os lugares que ia, via a
vossa face defronte de mim e desistia”.

Esta é uma das maneiras gentis que os Mestres adotam com seus discípulos.
Nunca dizem “você não deve beber, não deve jogar”. Não agem assim. A
maneira maravilhosa do Mestre é ensinar sem palavras, corrigir uma pessoa sem
dizer coisa alguma. O que o Mestre deseja dizer, diz sem falar. Quando as
palavras são usadas, elas se perdem.

Chegamos agora à parte mais importante da expansão da consciência. Há duas


direções ou dimensões em que ela se expande. Uma é a dimensão exterior, a
outra é a dimensão interior. Uma dimensão é representada por uma linha
horizontal e a outra por uma linha vertical. As duas dimensões juntas formam
uma cruz, o símbolo da religião cristã, mas antes da religião cristã, a cruz já
existiu no Egito e no Tibet. Nas antigas pinturas simbólicas dos Budistas e dos
Tibetanos encontramos também o símbolo da cruz.

A fórmula para expandir a consciência interiormente é fechar os olhos e a mente


ao mundo exterior e ao invés de tentar atingir o que está no exterior, tentar
alcançar o que está no interior. A alma projeta-se para fora, para o alto, para a
frente, para os lados para trás ou em forma de uma elipse. É como o sol: sua luz
projeta-se em todas as direções, emitindo raios. Assim, a alma emite raios,
correntes de luz, através dos cinco sentidos. Quando os cinco sentidos estão
perfeitamente controlados, quando a respiração é conduzida pelo homem para
o interior, os ouvidos não ouvem mais e a boca não fala. Os cinco sentidos são
dirigidos então para o interior. Uma vez fechados os sentidos com a ajuda da
meditação, a alma, que estava acostumada a se projetar externamente, começa
a projetar-se internamente. Assim como obtemos experiência e poder através do
mundo exterior, também obtemos experiência e poder através do mundo interior.
A alma pode alcançar interiormente uma distância muito grande, cada vez
alcançará um ponto mais longe, até chegar à sua fonte de origem que é o Espírito
de Deus. É este o único caminho, o caminho para atingirmos o plano interior.

Há também um caminho para atingirmos o plano exterior. É a expansão que


surge se modificarmos nossas perspectivas. Somos seres limitados e por isso
nossas perspectivas são estreitas. Pensamos: “eu sou diferente, ele é diferente”
e criamos barreiras com nossas concepções. Se vivêssemos e nos
comunicássemos com as almas de todas as pessoas e de todos os seres, nosso
horizonte naturalmente se expandiria a tal ponto que poderíamos ocupar a esfera
invisível. Por este caminho é que se chega à perfeição espiritual. Em outras
palavras, a perfeição espiritual é a expansão da consciência.

Muitas vezes perguntamos: o que é consciência cósmica, qual a natureza desse


estado de consciência? É um estado que não pode ser muito bem explicado por
palavras. Se existe uma explicação que possa ser dada é dizer apenas que no
estado da consciência cósmica, se vemos, não ouvimos e se ouvimos
plenamente, não vemos. Desta forma, cada sentido executa totalmente suas
funções somente quando está ativo, isto é, quando estamos olhando alguma
coisa e alguém fala conosco não vemos muito bem. Conheci uma criança que
gostava imensamente de música. Fechava os olhos, quando tocavam uma
música. Só assim podia apreciar e ouvi-la bem. Ouvir música, porém, enquanto
tomamos um refresco ou um sorvete, é diferente.

O campo da meditação é diferente, não é limitado por regras. Na meditação cada


sentido é equilibrado igualmente, cada sentido está desperto e, não obstante,
cada sentido está adormecido. A experiência de fechar o nosso ser às influências
exteriores e, ao mesmo tempo, nos conservarmos acordados, não pode ser
explicada por meio de palavras, é uma experiência que deve ser vivida em cada
um de nós.

Os exercícios de meditação são dados individualmente. O exercício dado a um


pode não ser bom para outro. Há um símbolo oriental, uma espécie de
brinquedo, que são três macaquinhos: um cobre os olhos, o outro os ouvidos e
o terceiro a boca. É a chave da meditação, é uma chave que abre as portas do
nosso ser à expansão interior. Temos na vida diária um exemplo da moral que
este símbolo encerra: não ouvir o mal, não ver o mal e não falar mal. Se
pudermos assumir este compromisso, ele nos ajudará muitíssimo. Se essas três
coisas – nunca falar de ninguém, nunca ouvir o que disserem de mal dos outros
e nunca ver o mal – forem praticadas na vida cotidiana, poderão levar-nos muito
longe no caminho espiritual. Se fecharmos os olhos sem fechar os ouvidos ou
os lábios, nada realizaremos.

A seguinte pergunta poderá ser feita: o desenvolvimento da consciência interior


é uma tendência para o isolamento pessoal, para o afastamento do mundo?
Vivemos neste mundo, portanto, embora tentemos fugir dele para viver nas
esferas espirituais, somos arremessados à terra novamente. Estaremos presos
à terra enquanto tivermos este corpo físico. Assim, o melhor a fazer é usar um
outro método: conseguir que a consciência interior se expanda. Sem dúvida
alguma, quando começarmos a viver a vida interior, devemos fechar as portas
ao mundo exterior, mas devemos também nos esforçar para expandir a
consciência exterior. Desta forma, haverá equilíbrio entre a expansão interior e
a expansão exterior.

As pessoas que evoluem apenas espiritualmente, tornam-se unilaterais.


Expandem somente a consciência interior, deixando de lado a expansão da
consciência exterior. Desequilibram-se. Talvez consigam obter extraordinários
poderes espirituais, mas não possuirão o necessário equilíbrio. Por este motivo
é que há pessoas que consideram um espiritualista um homem que tem algo de
errado no cérebro. Se é assim que o mundo compreende um espiritualista,
devemos ser mais conscienciosos para não dar uma impressão errada ao
mundo. Se tivermos uma profissão, se formos donos de um negócio, de uma
indústria, precisamos executar nossas tarefas muito bem, mostrando ao mundo
que um espiritualista pode ser tão prático como qualquer outra pessoa, mostrar
também que sabemos o que é economizar e manter uma certa regularidade em
todos os sentidos, que podemos ser sistemáticos, perseverantes e entusiastas.
Devemos, pois, mostrar ao mundo que possuímos todas essas qualidades e que
também evoluímos espiritualmente. São essas qualidades uma prova de nossa
espiritualidade.

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