Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A MENSAGEM
SUFI-III
A Formação do Caráter
A Arte da Personalidade
Purificação Mental
UNIVERSALISMO
Sumário
O Mensageiro
Que é um Sufi
O Emblema Sufi
A Tradição do Sufismo
Mensagem Sufi
Máximas Sufis
Característicos do Sufi
Pensamentos do Sufi
Prefácio
III – Autocontrole
V – Sutileza
VI – Pessimismo – Otimismo
VIII – Curiosidade
IX – Maledicência
X – Generosidade
II – Gratidão
IV – Persuasão
V – Vaidade
VI – Dignidade
VII – A Palavra
IX – Justiça
X – Refinamento Interior
I – A Purificação Mental
II – A Mente Pura
III – Desaprender
VI – O Controle do Corpo
IX – Concentração
X – Vontade
XIII – Magnetismo
XV – O Segredo da Respiração
XVI – O Mistério do Sono
XVII – O Silêncio
Que é um Sufi? – É aquele que não se separa dos outros pela opinião ou dogma
e que compreende que o coração é o Sacrário de Deus.
O Movimento Sufi não interfere no ideal de ninguém nem na devoção que cada
um tem ao seu Mestre. Seria isso um absurdo tão grande como se pensássemos
que uma criança pode amar mais a mãe de uma outra criança do que a sua
própria mãe. Tem alguém o direito de comparar e colocar em determinado lugar
os grandes Mestres ou as Escrituras? Ninguém. Onde podemos colocar o nosso
ideal é na devoção de nosso coração ao ideal que adoramos e isso é assunto
que só a nós diz respeito. Ninguém pode interferir.
Certa vez algumas meninas brincavam e diziam: “Minha mãe é a melhor das
mães”, ao que outras retrucavam: “Não, a minha mãe é a melhor”. Todas
apresentavam argumentos, mas uma delas, que tinha mais sabedoria do que as
outras, disse: “Não é nada disso, o que é adorável é a mãe, seja ela a sua mãe
ou a minha mãe”.
Interfere o Movimento Sufi na devoção das pessoas aos seus Mestres? Nunca,
mas convida as almas a ver que a fonte e a meta de todas as sabedorias é uma
só, e que todas as bênçãos que as almas almejam vêm da mesma fonte, pois a
verdade é que existe uma só e única fonte.
As preces Sufi “Saum” e “Salat” não são preces feitas pelo homem. São preces
enviadas do Alto, foram transmitidas da mesma forma que, em cada período de
reconstrução espiritual da humanidade, foram transmitidas as demais preces.
Essas preces têm poder e trazem bênçãos, especialmente para aqueles que
crêem.
A Mensagem de Deus tem sido enviada à terra aonde quer que o clamor da
humanidade chegue a um certo ponto, e tem sido outorgada numa forma
apropriada às necessidades do tempo; mas, em essência, é a mesma
eternamente. “Deus fala a seus filhos através dos lábios do homem”. Seus
Mensageiros Divinos têm sido muitos, e incluem Rama, que trouxe a Mensagem
da Sabedoria; Buda com a Mensagem da Compaixão; Zoroastro deu a
Mensagem da Pureza; Moisés, a Mensagem da Lei; Cristo foi portador da
Mensagem do Sacrifício de Si Mesmo, e Maomé deu a Mensagem da Unidade.
O Movimento Sufi tem crescido rapidamente durante os ultimas anos, sendo hoje
uma organização internacional com a sua sede em Genebra.
Máximas Sufis
Espiritualidade quer dizer coração afinado; não podemos obtê-la nem por
estudo nem por devoção.
Aprender a lição de como viver é mais importante do que todo e qualquer treino
psíquico, ou de ocultismo.
O que nos faz felizes, ou infelizes, não é nossa situação na vida, mas a nossa
atitude para com a vida.
Para uma alma vigilante, o Dia do Juízo não vem depois da morte, mas hoje
mesmo.
A alma Iluminada encontra seu caminho nas trevas, tanto no interior como fora
de si mesma.
A alma chega a um estado de realização onde a Vida toda se torna uma visão
sublime da Imanência de Deus.
Na verdade, aquele que busca o mundo herdará o mundo, mas a alma que
procura Deus alcançará a Presença de Deus.
5. Existe uma lei, a lei da reciprocidade, que pode ser observada por uma
consciência sem egoísmo conjuntamente com um senso de vigilante justiça.
Assim como a natureza na sua totalidade foi criada por Deus, assim a natureza
de cada um é criada por ele mesmo (“Gâyan”).
Nela se refletem as impressões que ele recolhe. Desde as épocas mais remotas
e, durante toda a vida, cada indivíduo forma sua natureza pelas impressões
recebidas, tornando-se elas seus atributos e suas qualidades. “A única coisa que
é criada através da vida é a natureza do indivíduo” (“Gâyan”).
O homem pode criar sua natureza tão bela quanto ele queira.
Formação do Caráter
I
O PODER DA VONTADE – O VERDADEIRO
EU E O FALSO EU
A força de vontade exerce grande influência na formação do caráter. Ela se torna
fraca quando alguém cede a qualquer tendência, inclinação ou capricho que
tenha, e, quando se combate qualquer tendência, inclinação ou capricho, se
aprende a lutar contra si mesmo, desenvolvendo assim a força de vontade.
Quando as tendências, inclinações e caprichos de uma pessoa sobrepujam a
força de vontade, ela tem na vida a sensação dos diversos inimigos que existem
em si mesma e encontra dificuldade em combatê-los. Pois tendências,
inclinações e caprichos, quando se tornam poderosos, impedem a força de
vontade de agir contra eles. Se existe alguma coisa a que se pode chamar de
auto-abnegação, é a prática de exercitar a força de vontade e, assim fazendo,
adquire-se com o tempo uma força que pode ser chamada autocontrole.
A vida é uma luta contínua. O homem luta com coisas alheias ao seu espírito,
dando assim campo livre aos inimigos que existem no próprio ser. Por
consequência, a coisa mais necessária na vida, é dar uma trégua às
preocupações exteriores, preparando-se para a batalha que se travará
interiormente no espírito. Uma vez alcançada a paz interna, é fácil adquirir força
e poder suficientes para serem empregados na luta da vida exterior e interior. A
autopiedade é a pior pobreza. Quando uma pessoa diz: “Sinto isto, sinto aquilo”,
lastimosamente, diminui a metade do seu valor antes de prosseguir e o que ela
disser a mais, aniquila-a totalmente. Há tantas coisas no mundo de que nos
podemos compadecer e que seria de direito fazê-lo; se, porém, estamos sempre
preocupados conosco, não temos tempo de pensar nos outros. A vida é uma
longa jornada, e quanto mais para trás deixarmos o ser egoísta tanto mais
teremos avançado em direção ao objetivo a alcançar.
II
COMO ENCARAR O MUNDO – A VIDA É
UMA SINFONIA
Na formação do caráter, o de que mais se necessita aprender é a maneira de
encarar o mundo; o mundo, onde se encontram tristezas e tormentos, prazeres
e dores.
Para uma pessoa dotada de sabedoria, a vida é uma sinfonia na qual ela tem de
executar certa parte. Se alguém se sentisse tão deprimido, que o coração
emitisse sons mais graves e a vida requeresse nesse momento sons mais
agudos, uma falha seria notada nessa sinfonia, na qual cada um tem que
executar a sua parte com segurança. É o meio pelo qual se pode distinguir a
alma inexperiente da alma experiente. A alma inexperiente mostrará qualquer
sentimento, ao passo que a alma experiente atingirá o grau mais elevado a
despeito de qualquer dificuldade.
III
AUTOCONTROLE
Durante a conversação e nos atos diários, é de grande importância o
autodomínio quanto à maneira de falar ou de agir, porque, às vezes, escapa
automaticamente por um impulso interior uma palavra ou outra que achamos não
deveria ser proferida ou talvez, pudéssemos dizer de outro modo. O mesmo
acontece com a ação. Pensa-se: “Eu não deveria ter agido assim”, depois de
fazer alguma coisa; ou, pensamos: “Deveríamos ter feito isso de outra forma”;
mas uma vez isso realizado, é demasiado tarde para agir de outro modo. Na
natureza humana existe certa pressa interior em nos manifestarmos e, assim,
deixamos escapar as palavras antes que tenhamos tempo de refletir e tudo isso
evidencia a falta de autocontrole.
É também uma condição nervosa. Muitas vezes, uma pessoa se esforça para
responder a alguém que ainda não acabou de falar; antes de concluída a frase,
a resposta está dada. Uma resposta semelhante, dada a uma idéia incompleta,
nem sempre é correta. O que acontece, geralmente, em tais casos, é que
tomamos muito a sério aquilo que ouvimos e permitimos, assim, que as coisas e
influências exteriores penetrem no nosso íntimo mais do que deveriam. Desse
modo nos tornamos sensíveis demais, provindo, então, o nervosismo.
A independência se completa com a indiferença. Isso não quer dizer que não
devemos prestar atenção ao que alguém diz ou faz, porém, que devemos
distinguir as coisas importantes das insignificantes na vida diária; que todas as
coisas necessárias e desnecessárias não devem exigir a mesma atenção, o
mesmo pensamento ou sentimento. A economia política tornou-se uma parte da
educação mas, em religião, a economia espiritual é a coisa essencial. Tudo que
se diz e faz, tudo que se pensa e sente, exerce certo esforço da parte do espírito.
É prudente evitar qualquer ocasião de perder o equilíbrio. É preciso mantermo-
nos em paz, porém, firmes contra todas as influências que perturbam a vida. Há
uma propensão para responder em defesa própria, mas com isso se perde o
equilíbrio mental. Por conseguinte, o autocontrole é a chave de todo êxito e de
toda felicidade.
IV
RELACIONAMENTO COM O PRÓXIMO
É coisa muito importante, na formação do caráter, a pessoa se tornar consciente
das próprias relações, da obrigação e deveres relativos a cada ser e não
confundir esse elo e parentesco estabelecido entre si mesma e outra pessoa,
com uma terceira.
Deve-se pensar que tudo que é confiado a alguém, por quem quer que seja, é
por confiança própria, e corresponder com sinceridade à confiança de todos é
um dever sagrado. Desse modo a relação harmoniosa está estabelecida com
qualquer pessoa e é a harmonia estabelecida com todos que sintoniza a alma
com o infinito.
Isso requer grande estudo sobre a natureza humana, além de um tino especial,
conservando-nos em termos harmoniosos com todos. Quando temos admiração
ou rancor por alguém, é melhor nos dirigirmos a esse alguém em vez de propalar
isso, entre nossos conhecidos, pessoas de nossas relações. Excetuando os
amigos, mesmo com relações comuns, essa consideração é necessária: guardar
carinhosamente o fio tênue que une duas almas, qualquer que seja a estima que
dediquemos a cada um ou o seu grau de cultura.
V
SUTILEZA
Sutileza no caráter indica inteligência. Quando a sabemos empregar
corretamente, podemos praticar o bem como essa riqueza de inteligência, mas,
se tomarmos uma direção errada, abusaremos dessa grande faculdade. O
homem sutil por natureza, comparado a uma personalidade desprovida de
sutileza, é como um rio e uma montanha. A personalidade sutil é tão límpida
como a água corrente; tudo que aparece diante dela se reflete tão claramente
como a imagem na água pura. A personalidade semelhante à rocha, isto é,
desprovida de sutileza, é como a montanha, nada reflete. Muitos admiram a
linguagem franca, porque não compreendem a beleza que existe na fina sutileza.
Podem todas as coisas ser expressadas por palavras? Nada há mais belo, mais
sutil do que aquilo que dizemos? Quem pode ler nas entrelinhas, faz de uma
carta um livro. Sutileza de percepção e sutileza de expressão são insígnias do
sábio. Sábio e ignorante, distinguem-se pela fineza de um e rudeza do outro. O
homem desprovido de sutileza quer que a verdade se transforme em pedra, mas
o sutil transforma até a pedra em verdade.
Além do mistério da vida, nas pequenas coisas da vida diária, quanto menos
palavras forem empregadas, tanto mais nítidas serão as idéias. Julgais que
maior número de palavras explica melhor? Certamente que não. Demonstra isto,
unicamente, nervosismo da parte daqueles que dizem um cento delas para
expressar alguma coisa que pode ser explicada perfeitamente em dois
vocábulos; quanto ao ouvinte, é falta de inteligência se ele necessita de muitas
palavras para compreender o que pode ser explicado com uma palavra apenas.
Várias pessoas pensam que muitas palavras explicam melhor, mas ignoram, na
maioria das vezes, que quanto maior é o discurso tanto mais denso é o véu que
envolve a idéia. Saímos, finalmente, pela porta por onde entramos.
Onde está então a verdade que dá paz, que acalma, que é conforto para cada
coração e cada alma; aquela verdade que eleva a alma, que é criadora de
harmonia e de beleza... de onde proveio? Essa verdade proveio da sutileza da
inteligência no pensamento, na linguagem e na ação; da sutileza que traz prazer,
conforto, beleza e paz.
VI
PESSIMISMO – OTIMISMO
Há duas atitudes que dividem o povo em dois perfis: a primeira atitude é uma
contínua queixa, a outra um constante sorrir. A vida é a mesma, se a chamarmos
boa ou má, correta ou incorreta; ela é o que é, e não pode ser de outro modo.
Um indivíduo para obter a simpatia de outrem, mostrar-lhe suas boas
características e, algumas vezes, mostrar-se mais inteligente, justo e correto,
lamenta-se. Ele se queixa de tudo: dos amigos, dos inimigos, daqueles que ama
e, muito mais, daqueles que odeia. Lastima-se desde a manhã até a noite; nunca
têm fim suas lamentações. Isso atinge a tal extensão que ele se queixa do bom
e do mau tempo, da influência atmosférica; é contra a terra e contra o céu e acha
mal feito tudo aquilo que os outros fazem; finalmente, esse estado se desenvolve
a tal ponto, que ele começa a ter aversão ao próprio trabalho, acabando por se
desgostar de si mesmo. Dessa forma, vira-se contra os outros, contra as
condições e, finalmente, contra si próprio.
A atitude de ver tudo com um sorriso, é indício de uma alma santa. Um sorriso
dispensado a um amigo, um sorriso para um inimigo mesmo, vencerá finalmente,
pois essa é a chave que abre o coração do homem. Como a claridade do sol
exterior ilumina o mundo inteiro, assim a claridade do sol interior, se ele se
externasse, iluminaria a vida toda, apesar de todos os erros aparentes, apesar
de todas as limitações. Deus é felicidade; a alma é felicidade, o espírito é
felicidade. Não há lugar para tristezas no reino de Deus. Aquele que priva o
homem da felicidade, o priva de Deus e da Verdade.
Pode-se começar a aprender a sorrir, apreciando as pequeninas coisas boas
que se introduzem pelo caminho de nossa vida e não prestando atenção a cada
coisa má que não gostamos de ver.
VII
INQUIETAÇÃO – DISCRIÇÃO –
TRANQUILIDADE
O melhor meio de agir em todas as direções da vida, no interior de nossa casa
ou fora, é silenciosamente; coisa tão pouco compreendida por muitos e tão
necessária para desenvolver a ordem, a harmonia e a paz na existência.
Trabalha-se pouco e fala-se muito, geralmente. Por qualquer coisa que se faz,
há logo alarido e, dessa forma, em vez de terminar a obra com êxito, atraem-se
dificuldades.
Conta-se que alguém começou a falar diante de pessoa conhecida havia pouco
tempo, a respeito dos antepassados e falou tanto, que esgotou inteiramente a
paciência do ouvinte. Acabando a história declarou à pessoa que lhe falava: “Se
eu não me interesso em saber a história dos meus antepassados, que interesse
posso ter em saber a dos seus?” Há muita gente que tem grande entusiasmo em
contar aos vizinhos qualquer resfriado ou tosse que tenha, qualquer perda ou
lucro, embora mínimo, e sente-se feliz em anunciar tudo ao rufo de tambores e
toque de cornetas. Isso é uma característica infantil. Essa tendência mostra uma
alma pouco desenvolvida. Algumas vezes, essa tendência amedronta os amigos
e auxilia os inimigos. Quem trabalha ruidosamente, realiza pouco, pois atrai pelo
barulho mais dez pessoas para intervirem e estragarem o trabalho que uma só
pessoa poderia fazer com facilidade.
Conta-se como fábula que um burro se dirigiu a um camelo e disse: “Tio, sejamos
amigos, vamos pastar juntos”. O camelo respondeu: “Menino, gosto mais de
passear só”. Acrescentou ainda o burro: “Estou impaciente por acompanhá-lo,
tio”. O pacato camelo consentiu e partiram juntos. Muito antes de o camelo
acabar de pastar, já o burro tinha acabado e estava inquieto para se manifestar
e continuou: “Tio, eu gostaria de ‘cantar’ se isso não o incomoda”. O camelo
respondeu: “Não faças tal coisa, pois será terrível para nós ambos; ainda não
terminei o meu jantar”. O burro não teve paciência, não pôde conter a sua alegria
e começou a cantar. O lavrador atraído por esse ‘canto’ veio com um bambu
comprido. O burro correu e toda a sova caiu sobre as costas do camelo. Quando,
na manhã seguinte, o burro foi outra vez convidar o Tio Camelo, este disse: “Eu
estou muito doente; sua maneira de agir é diferente da minha. De hoje em diante
temos de nos separar”.
VIII
CURIOSIDADE
Existe algo que pertence à natureza humana e sua origem está na curiosidade;
curiosidade essa que provoca a vontade de saber. Quando se abusa dessa
tendência, ela se desenvolve e se torna indiscrição. É curioso como a origem de
todas as imperfeições é uma tendência boa e é o abuso dessa tendência boa
que a transforma em defeito. Se refletíssemos no pouco tempo que temos para
viver neste mundo, veríamos cada momento de nossa existência tão precioso
que deveria ser empregado em coisas realmente muito aproveitáveis. Quando o
tempo é gasto com a indiscrição de querermos saber da vida alheia, perdemos
oportunidade que poderia ter sido aproveitada para um fim superior. Na vida há
tantas responsabilidades e tantos deveres, tanto que se corrigir em si próprio;
tanto que desfazer no que já se fez, tanto que cuidar nas próprias ocupações e
regularizar, que esse desperdício de tempo se assemelha a quem, estando
intoxicado, abandonasse todas as suas responsabilidades e deveres para
ocupar o espírito e os ouvidos com indagações frívolas.
Além de que, não se deve mostrar a menor tendência de saber mais do que é
devido, como uma prova de respeito para com as pessoas idosas e também para
com aquelas que desejamos considerar. Assim em parentesco próximo, como
pais e filhos, quando a intimidade é respeitada por uns e por outros, eles dão
certamente prova de grande virtude.
Querer saber da vida alheia, é geralmente uma falta de confiança. Aquele que
confia, não precisa desvendar seja o que for; ele não tem necessidade de
descobrir o que está encoberto. Quem deseja desvendar alguma coisa deseja
descobri-la e, se há alguma coisa que deva ser descoberta é, antes de tudo, o
verdadeiro eu. O tempo que se desperdiça indagando da vida, das faltas e
fraquezas dos outros, poderia ser justamente empregado em desvendar a
própria alma. O desejo de saber tem origem na alma. O homem apenas deve
discernir o que precisa saber, o que é digno de ser sabido. Existem muitas coisas
que não são dignas de interesse. Quando se dedica o tempo e pensamento,
procurando saber aquilo que não se deve, perde-se a oportunidade que a vida
oferece para descobrir a natureza e o segredo da alma, que é a base para a
realização do objetivo da vida.
IX
MALEDICÊNCIA
Devemos lembrar que o gosto pelo mexerico denota falta de nobreza de caráter.
Isso é muito comum, mas é grande falta de caráter acalentar a tendência de falar
dos outros. Além de que, é um excesso de fraqueza fazer observações relativas
a alguém na sua ausência. Primeiramente, é contrário ao que se pode chamar
franqueza e é também julgar o próximo, o que é incorreto relativamente à
doutrina de Cristo, que diz: “Não julgueis os outros para que não sejais julgados”.
Quando alguém permite que essa tendência permaneça em si mesmo,
desenvolve o gosto de falar dos outros. É um defeito que comumente existe e,
quando duas pessoas que têm a mesma tendência se encontram, começam a
tagarelar e completam a intriga. Uma ajuda a outra, uma da coragem à outra e,
quando alguma coisa é sustentada por duas pessoas, torna-se forçosamente
uma virtude, embora seja uma virtude momentânea.
Quantas vezes o homem esquece que dizendo mal de alguém, mesmo na sua
ausência, ele está falando na presença de Deus. Deus ouve tudo e sabe tudo. O
Criador conhece Suas criaturas com suas virtudes e suas faltas. Deus fica
descontente ouvindo falar mal da Sua criatura, assim como um artista não ficaria
satisfeito ouvindo observações pouco elogiosas, feitas por qualquer um, sobre
sua arte. Embora o artista reconheça a imperfeição de sua obra, ainda assim,
preferiria ele mesmo descobri-la e não outro qualquer. Quando uma pessoa fala
contra outra, as palavras da primeira não atingem a segunda, mas os
sentimentos chegam até lá. Se ela for sensível e perspicaz, saberá que alguém
falou mal de si, e, vendo essa pessoa que falou, lerá naquele rosto tudo quanto
foi dito. Este mundo é uma galeria de espelhos, o reflexo de um reproduz o outro.
Neste mundo em que tantas coisas parecem ocultas, na realidade nada assim
é; tudo se eleva à superfície mais ou menos demoradamente e manifesta-se à
vista.
Como poucos neste mundo sabem qual o efeito causado por um indivíduo que
diz mal de outrem e qual a influência que tem sobre a sua alma! O “eu” do
homem, seu “eu” interior, não é somente como uma cúpula, onde tudo quanto
ele diz se repete em eco, esse eco é mais ainda; é criador e produtor do que
ficou dito. Todo o bem e o mal se desenvolve na vida de uma pessoa conforme
o interesse que ela toma por isso. Cada falta, quando pequena, não se percebe
e, assim, se desenvolve até resultar em desapontamento. A vida é tão preciosa
e tem tanto mais valor, quanto mais prudentes nos tornamos; cada momento da
vida pode ser empregado para um fim muito mais elevado. A vida é uma
oportunidade e, quanto mais nos compenetrarmos disso, tanto mais tiraremos
proveito dessa oportunidade que ela nos oferece.
X
GENEROSIDADE
O espírito de generosidade em uma natureza, constrói um caminho em direção
a Deus, porque generosidade é expansão própria, é espontaneidade; sua
natureza é dirigir-se para um horizonte largo. A generosidade pode, portanto, ser
chamada a caridade do coração. Não é necessário que o espírito de
generosidade se demonstre sempre pelo dispêndio de dinheiro; ele se pode
apresentar nas pequeninas coisas. Generosidade é uma atitude que se mostra
em qualquer ação pequena que se faça para com as pessoas em cujo contato
estamos na nossa vida diária. Pode-se mostrar generosidade por um sorriso, um
olhar amável, um aperto de mão caloroso, acariciando o mais inexperiente como
sinal de coragem, denotando apreciação, expressando afeição. Pode-se mostrar
generosidade reconciliando os semelhantes, dando-lhes as boas-vindas ou
despedindo-se de um amigo. Em pensamentos, palavras e obras, de qualquer
modo e forma, se pode mostrar esse espírito generoso, sinal de pessoa caridosa
e caritativa.
Não é a riqueza terrestre que torna o homem rico. A Riqueza vem pela
descoberta da mina de ouro que está oculta no coração humano, da qual vem o
espírito de generosidade. Alguém perguntou ao profeta qual a maior virtude, se
a da alma piedosa que reza continuamente, se a do viandante que caminha para
fazer a sagrada peregrinação, se a daquele que jejua dias e noites, ou ainda, se
a daquele que aprende a Sagrada Escritura de cor. “Nenhuma delas” respondeu
o Profeta: “É tão grande quanto sua alma, aquele que através da vida, mostra
caridade de coração”.
CAPÍTULO 2
A Arte da Personalidade
I
DANÇAR NA CORTE DE INDRA
É uma coisa ser homem e, a outra, é tornar-se um homem, aperfeiçoando a sua
individualidade, na qual está oculto o objetivo da vinda do ser humano à terra.
Os anjos foram criados para cantar louvores ao Senhor, os “Jinnss” ou os gênios
para imaginar, sonhar, meditar, mas o homem foi criado para mostrar
humanidade no caráter. É isso que o faz um homem. Há muitas coisas difíceis
na vida, a mais difícil de todas, porém, é aprender, conhecer e praticar a arte da
personalidade. A natureza, dizem, foi criada por Deus e a arte pelo homem, mas,
na verdade, é Deus Quem completa sua arte divina na formação da
personalidade. Não é o que Jesus Cristo ensinou que faz com que seus devotos
O amem; eles discutem essas coisas em vão. O que faz com que Cristo seja
amado é o que Ele próprio foi. Isso, é o que O faz amado e admirado por seus
devotos. Quando Jesus Cristo disse aos pescadores: “Sigam-me e eu vos
ensinarei a serem pescadores de homem”, que significam essas palavras?
Essas palavras significam: “Eu vos ensinarei a arte da personalidade, a qual será
como uma rede neste mar da vida”, pois todo coração, seja qual for seu grau de
evolução, será atraído pela beleza da arte da personalidade. Que procura a
humanidade em seu semelhante? Que espera o homem de seu amigo? Deseja
que ele seja rico, que tenha posição elevada, que seja possuidor de grandes
poderes, de qualidades maravilhosas, de influência muito grande mas, além
disso e acima de tudo, ele espera de seu amigo a qualidade humana, que é a
arte da personalidade. Se a seu amigo faltar essa arte, todas as coisas
supraditas serão de pouca utilidade e de mínimo valor. Muitos perguntam: “Como
podemos aprender tal coisa?” Pelo amor à arte, pela apreciação da beleza em
todos os seus vários aspectos. O artista aprende a arte, admirando o belo.
Quando alguém possui conhecimento introspectivo da beleza, então aprende a
arte das artes que é a arte da personalidade. O homem pode possuir mil títulos,
posições ou condições sociais, todos os bens da terra, mas se não possuir a arte
da personalidade, ele é realmente pobre. É por essa arte que o homem denota
nobreza, essa nobreza que pertence ao reino de Deus.
A arte da personalidade não é um título honorífico, é o fim para o qual o homem
foi criado e que o conduz ao propósito que deve cumprir para alcançar sua plena
satisfação. Pela arte da personalidade, o homem não só se satisfaz como agrada
a Deus. Essa fantasmagoria representada na terra, é produzida para prazer do
Rei do Universo, a Quem os Hindus chamaram Indra e perante o Qual os
“Gandharvas” cantavam e os “Upsaras” dançavam.
II
GRATIDÃO
A gratidão no caráter é como o perfume na flor. Qualquer pessoa, por mais
inteligente e apta que seja no seu trabalho, se tem falta de gratidão, está
desprovida da beleza de caráter que torna a personalidade atraente. Se
apreciarmos o menor ato de bondade de que somos alvo, desenvolveremos o
espírito de gratidão em nossa natureza; e, aprendendo isso, nos elevamos ao
nível em que começamos a compreender a bondade de Deus para conosco, e
nunca poderemos ser bastantes gratos pela sua divina compaixão.
O grande poeta entre os Sufis, Saadi, ensina gratidão como meio de atrair os
favores, o perdão e a misericórdia de Deus sobre nós, para a salvação de nossas
almas. Há muito no mundo pelo que nos podemos mostrar gratos, apesar de
todas as dificuldades e perturbações da vida. Saadi diz: “O sol e a lua, a chuva
e as nuvens, tudo está ocupado em preparar vosso alimento. Portanto, é
realmente injusto se não apreciarmos isso reconhecidos”.
A bondade de Deus é algo que não se pode aprender de uma vez, é preciso
tempo para compreendê-la. Os pequenos atos de bondade que recebemos
daqueles que nos cercam não nos devem passar despercebidos, mas devemos
ser a eles bem reconhecidos. Desse modo, o homem começa então a
desenvolver o sentimento de gratidão e exprime-o em pensamentos, palavras e
atos, como modelo de perfeita beleza. Enquanto alguém pensa e diz: “O que fiz
por você e o que você fez por mim”, e “como tenho sido bom para você e como
você tem sido bom para mim”, perde seu tempo, discutindo sobre aquilo que não
pode ser explicado em palavras, além de que fecha assim essa fonte de beleza
que brota do âmago de nosso coração, A primeira lição que devemos aprender
no caminho da gratidão, é esquecer absolutamente o que fazemos para os
outros e lembrar somente o que os outros fazem por nós. Ao longo da jornada,
no caminho espiritual, o mais importante a realizar é esquecer o nosso falso ego,
para que algum dia possamos chegar à compreensão do Ser a Quem chamamos
Deus.
Conta-se que um escravo, chamado Ayaz, foi trazido à presença do rei com mais
outros nove, para que o soberano escolhesse um deles para seu servidor
particular. O sábio rei deu na mão de cada um dos dez, um copo de vinho e
ordenou-lhes que os atirassem por terra. Todos obedeceram à ordem. Então, o
rei perguntou a cada um deles: “Por que fizeste semelhante coisa?” Nove
responderam: “Porque Vossa Majestade assim ordenou” Era a pura verdade;
chegando, porém, a vez do décimo, Ayaz, este pensou que dizer ao rei “Por que
vossa Majestade assim ordenou”, com isso, nada de novo lhe diria, e respondeu:
“Sinto imenso, desculpai-me”. A beleza dessa expressão cativou o soberano,
que assim o escolheu para seu servo particular.
Pouco tempo depois, Ayaz ganhou o crédito e a confiança do rei, que lhe confiou
seu tesouro, no qual jóias preciosas estavam guardadas. Pela súbita ascensão
de Ayaz, de escravo a tesoureiro, houve muitos invejosos. Assim que o povo
soube que Ayaz tinha se tornado o favorito do rei, começou a fazer circular
numerosos boatos, a fim de o levar ao descrédito. Um deles, foi que Ayaz ia
diariamente ao quarto onde se achavam as jóias fechadas no cofre e as ia
roubando todos os dias, pouco a pouco. O soberano respondeu: “Não, não posso
acreditar em semelhante coisa, provem o que estão dizendo”.
Logo que Ayaz entrou no quarto, trouxeram o rei e o fizeram ficar de pé onde
havia uma pequena abertura dando para o quarto, a fim de ver o que lá se
passava. O rei viu Ayaz abrir a porta do cofre. Que tirou ele dali? Suas velhas
roupas, rasgadas, que usara enquanto escravo. Beijou-as, levou-as aos olhos e
colocou-as em cima da mesa. Aí, queimava incenso e o que Ayaz estava fazendo
era considerado por ele mesmo como sagrado. Em seguida vestiu as roupas
velhas e mirou-se no espelho, dizendo como se fosse uma prece: “Ouve, Ayaz,
vê o que já foste um dia. Foi o rei quem te fez, quem te confiou o encargo desse
tesouro. Portanto, cuida dele como do mais sagrado dever e dessa honra como
teu privilégio, como ato de amor e bondade do rei. Reflete que não foi o teu
mérito que te elevou a tal posição, mas a grandeza, bondade e generosidade do
rei, que fechou os olhos a tuas faltas e te concedeu esse lugar e essa posição,
pelos quais estás sendo, agora, honrado. Por conseguinte, nunca te esqueças
do primeiro dia, do dia em que vieste a esta cidade; é a lembrança desse dia,
que te conservará em teu próprio lugar”.
III
IMPULSIVIDADE – DELICADEZA
Todo impulso tem sua influência na palavra e na ação. Sendo assim,
naturalmente, cada impulso exerce pleno poder através das palavras e ações a
não ser que seja reprimido. Há dois tipos de pessoas: as que adquiriram poder
de reprimir palavras e atos, quando esses exercem sua força total, expressando-
se rudemente; e as que, mecanicamente, permitem que o impulso natural
interfira em suas palavras e ações, sem lhes prestar a mínima atenção. O
primeiro tipo é por conseguinte delicado, e o último rude. Delicadeza é a principal
coisa na arte da personalidade. Pode-se ver como a delicadeza age como fator
principal em qualquer arte. Pintando-se, desenhando-se, em linhas e cores, é a
delicadeza que mais atrai a alma. Veremos o mesmo na música. Um músico
pode ter aptidão suficiente para tocar com agilidade e gosto, pode conhecer toda
a técnica, mas, o que produz beleza, é sua execução delicada. Na delicadeza
está todo o apuro.
Nas condições atuais do mundo, parece que a arte da personalidade tem sido
bastante descuidada. O homem, intoxicado pela cupidez e pelo espírito de
rivalidade que o cerca, acorrentado pelo comercialismo diário, fica atarefado na
aquisição do que lhe é necessário para viver, perdendo de vista a beleza, que é
a necessidade da alma, o interesse do homem em todas as coisas da vida:
ciência, arte, filosofia, ficam incompletas sem a arte da personalidade. Como foi
acertada a distinção feita na língua inglesa: homem e cavalheiro (“man” e
gentleman!)
IV
PERSUASÃO
Há uma tendência oculta no impulso humano, a qual pode ser chamada
tendência persuasiva e que se manifesta de forma rude ou polida. No primeiro
aspecto é um erro e no último, um engano. Quando a tendência persuasiva se
manifesta rudemente, o indivíduo insiste com o outro para concordar com ele,
atendê-lo ou fazer o que ele quiser, discutindo, insistindo e tornando-se
desagradável. Frequentemente, tal indivíduo, pela força de vontade ou por sua
melhor posição na vida, consegue o que deseja. Isso lhe dá coragem para
continuar com o mesmo método até se convencer de que o resultado não é
satisfatório, se é que o percebe.
V
VAIDADE
Toda manifestação é o meio pelo qual se exprime o espírito do Logos que, em
termos “SUFI” é chamado Kíbria. Esse espírito se manifesta através de todos os
seres em forma de vaidade, orgulho ou presunção. Vaidade expressada
rudemente é chamada orgulho. Se não fosse por esse espírito que age em cada
ser como o tema central da vida, não existiria no mundo o bem nem o mal, nem
haveria o grande nem o pequeno. Todas as virtudes e todos os vícios são frutos
desse espírito. A arte da personalidade é cortar as pontas agudas desse espírito
de vaidade que fere e perturba aqueles que encontramos na vida. Quem diz:
“EU”, quanto mais fala sobre isso, tanto mais perturba a mente dos seus
ouvintes.
A vaidade pode ser comparada a uma planta mágica. Se alguém a vir crescendo
no jardim e a corta, ela crescerá em outro lugar, no mesmo jardim, como árvore
frutífera e, se a retirarem, ela surgirá aí, ainda, em outro lugar como roseira
fragrante, espalhando felicidade por aqueles que nela tocarem. Por conseguinte,
a arte da personalidade não ensina a desarraigar a semente da vaidade, a qual
não pode ser desarraigada, enquanto o homem viver, mas a sua rude aparência
exterior pode ser destruída a fim de que, após várias mortes, ela se manifeste
como a planta dos desejos.
VI
DIGNIDADE
A dignidade que, em outras palavras pode ser chamada respeito próprio, não é
uma coisa que se deve desprezar, considerando a arte da personalidade.
Quando alguém perguntar: qual esse princípio e como deve ser praticado, a
resposta é que qualquer maneira leviana e que tenda para a frivolidade deve ser
extirpada da natureza para manter essa dignidade que nos é tão preciosa.
Aquele que não se interessa por tal idéia, não precisa se preocupar com ela; isso
existe unicamente para quem vê algo no respeito próprio. A pessoa que respeita
a si mesma, será respeitada pelos outros, não obstante seu poder, posses,
posição ou grau social que tenha; em qualquer posição ou situação na vida, essa
pessoa imporá respeito.
Surge então a pergunta: a leviandade tem ou não tem algum lugar na vida, é ou
não de qualquer modo necessária? Tudo é necessário, porém, tudo tem seu
tempo. Dignidade não consiste em mostrar um semblante sombrio; respeito não
é mostrar-se severo; não é franzindo a testa nem por uma atitude rígida que se
mostra dignidade. Dignidade não é estar triste ou deprimido; consiste em agir
convenientemente e de acordo com as circunstâncias. Há ocasiões para
hilaridade e outras para seriedade. A pessoa que ri constantemente, perde o
poder do riso; a que é sempre leviana não impõe o respeito necessário na
sociedade. Além de que, leviandade constante faz com que, muitas vezes, se
ofenda os outros, sem intenção.
Aquele que não tem respeito por si próprio, não o tem pelos outros. Pode pensar,
no momento, que é indiferente às convenções e livre na expressão e no
sentimento, mas não sabe que isso o torna tão insignificante como uma tira de
papel, movendo-se por aqui e por ali, no espaço, levado pelo vento. A vida é um
mar e, quanto mais para além se viaja, tanto mais seguro deve ser o navio.
Assim, nesse mar da existência, para que o homem inteligente possa vencer na
vida, há um certo grau de ponderação exigido que dá equilíbrio à personalidade.
A sabedoria dá essa ponderação. Sua ausência é sinal de incapacidade. O
cântaro cheio d’água é pesado; a ausência d’água no cântaro é que o torna leve,
assim como o homem destituído de sabedoria se torna vazio, fútil.
VII
A PALAVRA
A pessoa de sentimentos nobres deixa ver algo de natural em seu caráter: a
estima de sua palavra, que é chamada palavra de honra. Para essa pessoa, sua
palavra é ela própria e isso pode chegar a tal ponto que até a própria vida será
sacrificada por essa palavra. Quem atingiu a esse grau não está longe de Deus,
pois nas Escrituras lê-se frequentemente: “Se quiserdes ver-Nos, vêde-Nos em
nossas palavras”. Se Deus pode ser visto em Suas palavras, a verdadeira alma
também pode ser vista através de sua palavra. Prazer, desgosto, doçura,
amargura, honestidade, desonestidade, tudo isso se observa nas palavras que
o homem diz; porque a palavra é a expressão do pensamento e o pensamento
é a expressão do sentimento. E que é o homem? O homem é seu próprio
pensamento e sentimento. Assim, que é a palavra? A palavra é a expressão do
homem e a expressão de sua alma.
O homem em cujas palavras se pode confiar, é digno de confiança. Nenhuma
palavra no mundo pode ser comparada à palavra de honra. Todo aquele que diz
o que pensa, prova com essa virtude, espiritualidade. Para quem preza a
verdade, voltar atrás com a palavra, é pior do que a morte, pois é retroceder em
vez de progredir. Toda alma caminha e progride para a finalidade e quem
realmente caminha para a finalidade, demonstra-o em suas palavras.
Atualmente, quando são necessários tantos tribunais e tantos advogados,
obrigando à manutenção de inúmeras prisões, que aumentam dia a dia, eis aí
uma demonstração da falta dessa virtude, que é a palavra de honra, e que foi
sempre avaliada pelos nobres de pensamento, desde o princípio da civilização,
porque com tal qualidade o homem mostra a virtude humana, qualidade que não
pertence aos animais nem é atribuída aos anjos. Que é religião? Religião, no
verdadeiro sentido da palavra, não pode ser explicada. É um fio tênue, delicado
ao tato, pois é excessivamente sagrado para ser tocado. É o ideal que pode ser
desfeito se for tocado e que pode ser encontrado na sensibilidade que, em outras
palavras, pode ser chamada espiritualidade, respeito pela palavra.
Muitos neste mundo têm vivido através de sacrifícios; dores e sofrimentos lhes
têm sido infligidos, mas, unicamente para pôr à prova a virtude de sua palavra
pois, como é sabido, qualquer virtude tem de ser submetida à prova de fogo.
Quando a virtude é provada por meio de experiências, torna-se sólida. Isso pode
ser praticado em qualquer coisa que se faça na vida diária. Quem diz agora uma
coisa e daí a pouco outra, até o seu próprio coração começa a desacreditá-lo.
Os grandes que têm vindo à terra de tempos em tempos e que têm mostrado
muitas virtudes elevadas, entre eles a “palavra de honra” tem tido a mais alta
consideração. Maomé, antes de se apresentar ao mundo como profeta, era
chamado Amin por seus companheiros, o que significa digno de confiança. A
estória de Haria Chandra é conhecida pelos Hindus através dos séculos; o
exemplo que ele deu está gravado no pensamento da raça inteira.
A estória de Hatim, um Sufi que viveu há muitos anos, foi uma grande inspiração
para o povo da Pérsia. Em qualquer parte do mundo e em qualquer época,
segundo pensadores profundos e idealistas, a “palavra de honra” deve ser
prezada ao máximo.
VIII
ECONOMIA ESPIRITUAL
Existe um senso e uma tendência de economia qualquer, mais ou menos em
todo ser e, quando essa tendência se manifesta naqueles que nos cercam e com
quem convivemos, desenvolve-se a nossa personalidade. A vontade de poupar
a outrem a paciência em vez de submetê-la a uma prova extrema, é tendência
de economia, de elevadíssima compreensão de economia. Procurar poupar a
quem quer que seja o emprego de sua energia, é acrescentar beleza à própria
personalidade. Aquele qua ignora isso, torna-se com o tempo um estorvo para
os outros. Ele pode ser inconsciente, mas torna-se um obstáculo, porque não
tem consideração pela sua própria energia nem atenção para com a dos outros.
Sem nos referirmos ao que falamos, mesmo ouvir os outros falarem é uma
tensão contínua; rouba o tempo e a energia do indivíduo. Quando alguém não
compreende ou não se esforça por compreender o que foi dito com uma palavra
e quer pôr numa frase o que podia ser dito nessa única palavra, não tem,
certamente, idéia de economia; pois a economia do próprio dinheiro é menos
importante do que a de sua vida, de sua energia e da vida e energia dos outros.
Por amor ao belo, à graça e ao respeito, tratando-se com outrem, pode-se ir bem
longe, mas nunca demais. Não se pode tratar do mesmo modo um amigo, um
conhecido e um estranho. Aí, ainda a questão de economia deve ser
considerada. Experimentar a tal ponto a bondade, a benevolência, a
generosidade e paciência sem idéia de economia, é transformar, afinal, a
experiência em desvantagem para todos. Aquele que é bastante sensato para
guardar seus interesses na vida, pode ser chamado capaz, mas aquele que zela
melhor pelo interesse alheio do que pelo seu próprio, é sábio, pois agindo assim,
sem consciência, ele o faz também em interesse próprio. É o mesmo sentido de
economia que se emprega em pequenos detalhes da vida diária, íntima e na de
negócios; o mesmo sentido de economia empregado de modo mais elevado,
assim como a solicitude e a consideração, torna o homem mais capaz de servir
a outrem, o que é a religião das religiões.
IX
JUSTIÇA
Depois de adquirir o refinamento de caráter, das virtudes e dos méritos que são
necessários na vida, a personalidade pode-se tornar completa pelo despertar do
sentimento de justiça. A arte da personalidade esculpe estátuas, belos modelos
de arte, mas quando o sentimento de justiça é despertado, essas estátuas
adquirem vida, porque no sentimento de justiça está o segredo da evolução da
alma. Todos conhecem o nome de justiça, mas raramente se pode encontrar
alguém que seja realmente justo por natureza, em cujo coração tenha sido
despertada a sensação da justiça.
O que acontece, geralmente, é que cada um pretende ser justo, apesar de estar
longe de sê-lo. O desenvolvimento da justiça está no desinteresse; não se pode
ser justo e egoísta ao mesmo tempo. O egoísta pode ser justo, mas só para si.
Ele tem sua própria lei, uma lei que melhor lhe convém e que pode ser modificada
à sua vontade, e o raciocínio o ajudará a assim fazer, a fim de satisfazer as
próprias exigências da vida. Uma centelha de justiça pode ser encontrada em
todos os corações, em todas as pessoas, seja qual for o estado de evolução na
vida, mas, aquele que ama a justiça, sopra, digamos assim, essa centelha,
transformando-a numa chama, à luz da qual a vida se torna para ele mais
compreensível.
Aqueles que aprendem realmente a ser justos, sua primeira lição é a que Cristo
ensinou: “Não julgueis o próximo para que não sejais julgados”. Pode-se então
perguntar: “Como aprender a ser justo se não se deve julgar?” Aquele, porém,
que julga a si mesmo, pode conhecer a justiça e não aquele que se entretém
julgando os outros. Nesta vida de limitações, se alguém julgou unicamente a si,
encontrará no próprio íntimo tantas e tantas faltas e fraquezas e, quando tratando
com outros, tanta deslealdade que, para aquele que realmente deseja conhecer
a justiça, a própria vida será matéria suficiente para apreendê-la.
X
REFINAMENTO INTERIOR –
HARMONIA – BELEZA
A arte da personalidade é semelhante à arte da música; requer ouvido educado
e cultura de voz. Para aquele que conhece a música da vida, a arte da
personalidade vem naturalmente, pois não só é antiartístico como discordante
aquele que demonstra falta dessa arte na personalidade. Quando o homem
considera cada indivíduo como um som musical e aprende a reconhecer se esse
som é forte ou fraco, grave ou agudo e a que tom pertence, torna-se então
conhecedor da humanidade e sabe como tratar a todos. Ele apresenta a arte nas
próprias ações, na linguagem; harmoniza-se com o ritmo da atmosfera, com o
timbre da pessoa, com o tema do momento. Tornar-se apurado é tornar-se
musical; é a alma musical que é artística na sua personalidade. A mesma palavra
dita em diferentes tons, muda de significação. Uma palavra dita no momento
apropriado ou contida a tempo, completa a harmonia da vida.
XI
CORDIALIDADE E LARGUEZA DE VISTAS
Uma atitude amiga, expressa em pensamentos, palavras e atos simpáticos, é a
coisa principal na arte da personalidade. Há um horizonte ilimitado para mostrar
essa atitude e, embora a personalidade esteja muito desenvolvida, nunca está
demais nesse sentido. Espontaneidade, a tendência de dar, dar aquilo que faz
prazer a alguém, eis aí a atitude amável. A vida tem inúmeras obrigações para
com amigos e inimigos, conhecidos e estranhos. Nunca somos demasiado
conscienciosos relativamente às próprias obrigações. Nunca se faz demais, para
cumpri-las. Fazer mais do que se pode, vai talvez além das forças de cada um;
fazendo, porém, o que se deve, cumpre-se o dever da vida.
Em todo caso, nessa luta contínua, o que lhe pode parecer a princípio uma
perda, será um lucro finalmente, pois o homem se encontrará face-a-face com
seu Senhor, que está sempre vigilante. Os olhos do homem que não cumpre seu
dever para com o semelhante, absorvido na intoxicação da vida, devem-se tornar
certamente ofuscados e a sua mente exausta, perante Deus. Isso não quer dizer
que certa alma seja destituída da visão divina, apenas significa que, aquele que
ainda não aprendeu a abrir bem os olhos, não usufruirá da visão de Deus
enquanto seus olhos estiverem fechados. Todas as virtudes vêm de um largo
horizonte na vida. Por conseguinte, a nobreza de alma, está resumida na
amplidão da atitude que o homem toma na vida.
CAPÍTULO 3
Purificação Mental
I
A PURIFICAÇÃO MENTAL
Devemos limpar e purificar o corpo e devemos também – talvez seja ainda mais
necessário – manter mente limpa e pura. A causa das doenças está nas
impurezas, que também são responsáveis pela irregularidade no funcionamento
do sistema físico. Com a mente acontece o mesmo: há impurezas na mente que
causam diversos males. Se limparmos a mente, ajudaremos a conservar a saúde
tanto do corpo como da mente. Quando falo na saúde, refiro-me ao estado
natural do ser humano. O que é espiritualidade? É ser natural.
Poucos pensam deste modo. Há pessoas que julgam que ser espiritual é ter
capacidade para operar maravilhas, poder ver coisas estranhas, fenômenos
espetaculares e são poucos os que sabem como é simples ser espiritual, que
ser espiritual quer dizer ser natural.
Esse estado de quietude da mente é obtido pela prática do repouso físico. Sentar
numa determinada posição traz um determinado efeito. A ciência dos místicos
ensinou-nos as maneiras diferentes de sentar em silêncio e cada uma delas tem
um significado diferente. Não pensem que esse significado é pura imaginação.
As diversas posições de sentar produzem determinados resultados.
Pessoalmente, e por intermédio de outras pessoas, sei por experiência como a
atitude da mente é modificada, quando sentamos de uma determinada maneira.
Os antigos sabiam disso e descobriram novas posturas para determinadas
pessoas. Há a maneira de sentar do guerreiro, do trabalhador, do estudante,
daquele que medita, do homem de negócios, do advogado, do juiz e do inventor.
Podemos imaginar como foi maravilhoso os místicos fazerem essa descoberta e
a terem experimentado durante anos – a descoberta do grande efeito que uma
pessoa tira, especialmente sua mente, em sentar-se numa determinada posição.
Vivemos essa experiência em nossa vida cotidiana, só que não lhe prestamos
atenção. Às vezes sentamos de uma certa maneira e ficamos inquietos. Quando
sentamos de outra maneira, ficamos calmos. Se sentamos numa determinada
posição ficamos inspirados e se sentamos de outra maneira ficamos sem
energia, sem entusiasmo. Com a ajuda de uma determinada postura,
acalmamos a mente e a purificamos.
A terceira maneira é purificar a mente pela atitude. É preciso adotar uma atitude
correta em relação à vida. É o caminho moral e a estrada real da purificação.
Podemos respirar e sentar em silêncio em centenas de posições, mas se não
temos uma atitude correta em relação à vida, jamais nos desenvolveremos. Essa
atitude é o principal. Perguntareis: “Qual deve ser a atitude correta?” A atitude
correta depende da maneira de interpretar nossos defeitos. Estamos muitas
vezes prontos a defender os nossos defeitos e erros e somos propensos a
considerar como um bem o que fazemos de mal. No entanto, não usamos a
mesma atitude em relação aos outros. Achamos que devemos censurar quando
chega a nossa vez de julgar os nossos semelhantes. É tão fácil desaprovar o
que os outros fazem! É ainda mais fácil antipatizar com as pessoas e não é de
todo difícil dar um passo mais à frente e odiar. Quando agimos assim, pensamos
que não estamos causando mal algum. Embora esses sentimentos se
desenvolvam internamente, somente os notamos exteriormente. Vemos nos
outros toda a maldade acumulada no nosso íntimo. O homem, assim, vive
sempre iludido: está sempre contente consigo e culpa constantemente os outros.
O extraordinário é que sempre o homem mais censurável é o que mais censura.
É melhor explicá-lo de outra maneira: é justamente porque culpamos demais os
outros que nos tornamos mais culpados.
A beleza existe na forma, na cor, nos traços, nas maneiras e no caráter. Certas
pessoas não possuem beleza e outras possuem beleza demais. Somente a
comparação é que nos leva a pensar que uma pessoa é melhor do que outra.
Se não comparássemos, notaríamos que todas as pessoas são boas. A
comparação é que nos faz pensar que determinada coisa é mais bonita que
outra, mas, se olhássemos com mais atenção, poderíamos ver a beleza que
também existe nos outros. Às vezes não somos justos em nossas comparações
pelo simples fato de que, embora hoje a nossa mente determine o que é bom e
belo, dentro de um mês ou um ano, estamos sujeitos a mudar de concepção.
Isto é uma prova de que, quando olhamos alguma coisa, apreciamo-la se sua
beleza se manifestar aos nossos olhos.
II
A MENTE PURA
A mente pura não gera fenômenos, porque é ela própria um fenômeno.
Havia um homem que desejava ter uma certa estante para a sala e não sabia
onde encontrá-la. Tinha em mente, porém, uma idéia bem definida da estante
que queria. Logo que chegou à cidade e avistou a primeira loja, os olhos caíram
na estante de seus sonhos. Talvez não encontrasse outra estante igual em toda
a cidade. A mente conduziu-o ao objeto que desejava. De onde parte essa
intuição? Da pureza da mente.
A mente pode ser comparada à água. Apreciar um curso d’água fluindo em toda
sua pureza é uma das maiores alegrias que podemos ter, assim como beber
água pura. O mesmo acontece com a mente. O contato com seres de mente
pura é um dos maiores prazeres, quer esses seres falem ou não conosco.
Emana deles uma tal pureza, uma pureza tão natural, que não é produzida pelo
homem mas pertence à alma e que nos proporciona o maior prazer e alegria. Há
outros seres que aprenderam como falar aos outros e entretê-los. Têm maneiras
polidas, sua sagacidade é exagerada e usam uma linguagem artificial. Que valor
têm essas coisas? Se não houver pureza de mente nada disso poderá
proporcionar a alegria que todas as almas desejam.
Vulgarmente se diz que quem possui mente pura, às vezes parece ser bom
demais para viver, dando a impressão de não possuir senso comum. Parece
também que não pertence a este mundo. É verdade, mas a culpa não é do
indivíduo de mente pura. A culpa é do mundo que é mau. O mundo está indo de
mal a pior. O indivíduo que possui a mente pura começa a ser posto de lado
como um banido, e a ser considerado incapaz de fazer qualquer coisa que venha
a tentar. O que importa? Um homem pode ser um puro mentalmente e ser ao
mesmo tempo um sábio. O puro mental pode também tratar de assuntos
mundanos tão bem, com tanta capacidade como um homem comum. O que
possui uma mente impura é capaz de alcançar sucesso na vida, mas tal sucesso
não será duradouro.
O efeito da pintura era tão forte que quem olhasse aqueles quadros, sofreria a
mesma influência. Quando temos pureza mental, criamos pureza. Em tudo que
fazemos – arte, política, negócios, música, indústria – deixamos extravasar a
pureza de nossa mente a tal ponto que até os que nos rodeiam, os estranhos e
os amigos tomam parte em nossas alegrias. Costumamos dizer que as moléstias
são infecciosas. A pureza da mente também é contagiosa. Seu efeito é criar
pureza nos outros. Alguns conservam essa pureza por muito tempo, outros por
pouco tempo, dependendo da mente.
São assim as coisas. Tudo que existe na mente, as coisas que jamais havíamos
pensado, coisas que nunca nos preocuparam, ficam armazenadas. Quando
dispomos de tempo, no intervalo de nossas ocupações sociais, essas coisas se
tornam vivas.
A morte traz o repouso. Depois da morte, a mente passa a ter mais vida, uma
vida mais real do que a vida na terra. A morte ergue os véus, a morte é a remoção
de uma capa. Depois da morte, a alma passa a conhecer muitas coisas sobre
sua própria existência e sobre todo o universo, coisas que até então se achavam
ocultas. Portanto, na vida além da morte, ser-nos-á dado compreender o que nos
foi dito sobre o céu e o inferno e fomos acumulando na mente. Hoje a nossa
mente está em nós; na outra vida, nós é que estaremos em nossa mente. Essa
mente, pois, que agora é mente, na vida além da morte será o mundo! Se for
céu, será céu, se for outro lugar será esse outro lugar. Será o que pensarmos.
Ninguém será atraído e lá colocado. Nós é que o fizemos para nós mesmos,
para nossa própria conveniência.
III
DESAPRENDER
É muito difícil esquecer o que se aprendeu. Aprender é uma coisa, desaprender
é outra. Chegamos à realização espiritual por meio do desaprender. Há pessoas
que consideram crença, sua religião. Na verdade a crença é um degrau para a
religião. Se eu definisse a crença diria que ela é justamente como uma escada
que nos leva a uma realização mais alta. Entretanto, ao invés de subir essa
escada o que fazemos é permanecer nela. É o mesmo que aconteceria à água
corrente, caso ela não mais corresse. Há indivíduos que fizeram de sua crença
algo rígido e assim, ao invés de se beneficiarem, prejudicam-se. Se não fosse
assim, pensaríamos que todos que acreditam em Deus, na verdade, e na vida
além da morte seriam melhores do que os que não crêem, mas acontece é que
são piores, porque estão escravizados pela crença que adotaram.
Muitas vezes fico numa posição difícil, em que pouco posso dizer, especialmente
quando alguém me procura com idéias preconcebidas e deseja que eu lhe dê
orientação espiritual. Ao agir assim, tem em mira verificar se seus pensamentos
coincidem com os meus e se eles se adaptam aos seus. Esse indivíduo não se
quer escravizar para seguir a orientação que lhe for dada. Sua intenção ao me
procurar não foi seguir meus pensamentos; foi, sim, ter uma confirmação de que
suas idéias estão certas. Entre cem pessoas que aparecem para receber
orientação espiritual, noventa e nove têm essa intenção. Qual a significação?
Não querem desistir das próprias idéias. O que desejam é confirmar se suas
idéias estão corretas.
Purificação mental significa que impressões tais como o bem e o mal, o certo e
o errado, o lucro e a perda, o prazer e o sofrimento, esses estados antagônicos
que bloqueiam a mente, podem ser compreendidos se olharmos o oposto de tais
coisas. Veremos então o inimigo no amigo e o amigo no inimigo. Quando
reconhecermos o veneno no néctar e o néctar no veneno, chegou o momento de
compreendermos também que a morte e a vida são uma só. Os antagônicos
para nós deixaram de ser antagônicos. Chama-se a isso purificação mental. Os
que chegam a esse estágio são os que vivem como sábios.
O terceiro passo na purificação mental é a identificação com o que não somos.
Por este processo, purificamos a mente das impressões de nossa própria
identidade falsa.
Dar-lhes-ei outro exemplo: certa ocasião tentei ajudar uma pessoa doente, que
sofria de reumatismo há 20 anos. Tratava-se de uma senhora que vivia na cama
e não podia mexer as articulações. Fui vê-la e lhe disse: “De hoje em diante a
senhora fará o que lhe recomendei. Voltarei daqui há duas semanas”. Decorridas
as duas semanas voltei e vi que ela tinha começado a movimentar-se. “Voltarei
dentro de 6 semanas”, disse-lhe. Nessas 6 semanas, ela se levantou e estava
cada vez mais esperançosa de ficar curada. A paciência dela, porém, não era
tão grande como deveria ser. Estava deitada na cama um dia e começou a
pensar: “Ficarei boa algum dia?” No momento em que este pensamento lhe
ocorreu voltou à situação primitiva, porque sua alma identificou-se com uma
pessoa doente. Não lhe era possível ver o próprio bem-estar, não podia ver com
os próprios olhos que as articulações estavam começando a funcionar, não podia
imaginar que ficaria completamente curada. Simplesmente não tinha fé.
Há pessoas que estão fisicamente bem, mas suas mentes não estão normais.
Muitas vezes agarram-se a uma doença, quando podiam livrar-se dela. O mesmo
acontece com a miséria. Há pessoas que têm consciência da miséria e atraem
misérias. São a própria miséria. Não é que a infelicidade esteja interessada
nelas, elas é que estão interessadas na infelicidade. A infelicidade não escolhe
as pessoas, as pessoas é que a escolhem. Agarram-se ao pensamento de
infelicidade e tal pensamento passa a ser seu. Quando alguém está convencido
de que está regredindo, retrocede. O pensamento ajuda-o a afundar.
IV
DISTINÇAO ENTRE O SUTIL
E O GROSSEIRO
Na Bíblia há o seguinte versículo: “O espírito é o que vivifica; a carne para nada
aproveita”. Assim, o que chamamos de vivo é sutil e o que chamamos de morto,
é grosseiro. Em outras palavras o que é espesso é grosseiro, o que delicado,
fino, é sutil
É verdade que, como dizem os Hindus, houve uma idade de ouro, depois uma
idade de prata, uma idade de cobre e uma idade de ferro. Não há dúvida alguma
de que estamos na idade de ferro. Nunca houve, em qualquer outro período da
história, tanta rudeza e grosseria como mostra hoje a humanidade. Isso é
consequência da lei da gravitação, pois quando a consciência do homem está
absorvida na matéria grosseira, a lei da gravitação impele-a para a terra e
quando a consciência liberta-se da matéria grosseira, voa para o céu.
Não quero dizer com isso que os seres humanos não tenham sido grosseiros há
dois ou três mil anos atrás, mas se pesquisarmos as tradições verificaremos que
possuíam também uma percepção muito delicada e sutil, maior do que a nossa
atualmente. Nossos contatos com a terra e as coisas terrenas aumentaram
nossa rigidez. Os antigos eram mais plácidos e se quisermos provas basta
estudar as línguas antigas como o Sânscrito, o Zenda, o Persa e o Hebraico,
reler os manuscritos dos tempos passados e ver a maneira como as coisas eram
explicadas. Todos esses documentos podem parecer estranhos à nossa
mentalidade e percepção atuais, mas a delicadeza neles contida é maravilhosa.
Parece que a humanidade está indo de mal a pior; a cada dia que se passa,
estamos ficando mais grosseiros. Se apenas pudéssemos perceber como
estamos longe do que se chama uma percepção delicada!
Este assunto tem também seu lado metafísico. Há dois campos de experiência
na vida, um deles é a sensação e o outro a exaltação e é através dessas duas
experiências que tentamos chegar à felicidade. Entretanto, o que
experimentamos através da sensação, ou na forma de sensação, não é
precisamente a felicidade, é o prazer. Pode parecer felicidade em certos
momentos, mas é apenas uma sombra da verdadeira felicidade.
Há graus diferentes de exaltação. Para Sufi a alma é uma corrente que une o
corpo físico à fonte de origem. A arte de repousar, como é natural, proporciona
à alma facilidade de experimentar a liberdade, a inspiração, o poder, pois a alma
liberta-se dos grilhões que a prendem ao corpo físico. Disse Rumi no MASNAVI:
“O homem é um prisioneiro na terra. Seu corpo e sua mente são as barras da
prisão. A alma inconscientemente almeja experimentar uma vez mais, aquela
liberdade que lhe pertencia originalmente”. A idéia de Platão de que devemos
chegar à fonte mais alta, quer dizer esta mesma coisa: que pela exaltação a
alma, por assim dizer, eleva-se acima dos grilhões que a prendem ao corpo
físico, por pouco tempo às vezes mas, nesses poucos momentos experimenta
uma liberdade que o homem jamais teve.
A fonte de origem é muito maior do que podemos explicar por palavras. Podemos
tentar concebê-la comparando-a a uma semente, que é a fonte da flor, das
folhas, da haste, dos galhos e da fragrância. Se segurarmos apenas a semente
não veremos tudo isso – a flor, as folhas, a haste, os galhos e a fragrância – mas
tudo isso sempre fez parte da semente. Por outro lado, não podemos realmente
sequer comparar a semente com a fonte, pois a semente depende do sol e da
água para se desenvolver, ao passo que a fonte eterna não depende de coisa
alguma. É o que há de mais forte e poderoso. Até o pensar na fonte está além
das palavras e acima da nossa limitada concepção, exceto que, quando
recebemos maior inspiração, paz, alegria e magnetismo, passamos a apreciar
as coisas muito melhor. Assim podemos compreender um pouco a
grandiosidade da fonte. É como disse o grande poeta hindu KHUSRAU: “Quando
eu me transformo em Ti e Tu em mim, nem Tu podes dizer que eu sou diferente,
nem Tu podes dizer que Tu és diferente”.
O que quero dizer ao falar em sensação é a impressão que nos causam as linhas
e as cores, a preferência que damos à delicadeza das formas, nossa apreciação
da fragrância e perfume, o prazer em saborear o que é doce, amargo e acre, a
alegria que sentimos ao ouvir um poema, um canto e uma música. Todas essas
experiências se manifestam no plano da sensação. O mundo das sensações é
um, o da exaltação é outro. Esses dois mundos foram criados para experiência
dos homens, para que vivam a vida terrena em toda a plenitude. No entanto,
apesar de haver tal possibilidade e oportunidade na vida, o homem continua a
levar uma vida de sensações, esquecendo-se de que existe outra vida também
no mundo da exaltação, uma vida cuja experimentação aqui na terra é qualquer
coisa que completa a experiência da vida.
Nos momentos de passar por essas experiências não vivemos na terra a sim
num outro mundo. É enorme a alegria que essas experiências proporcionam, as
quais podem ser feitas sem pagarmos coisa alguma, ao passo que as sensações
custam alguma coisa. Ir a um teatro, a toda sorte de divertimentos, custa
dinheiro, custa mais do que vale. A exaltação, pois, que está acima de qualquer
preço, nos é dada gratuitamente assim que tivermos mostrado disposição para
isso. É questão apenas de mudarmos de atitude.
Certa vez visitei um grande sábio em Bengala e lhe disse: “Que vida abençoada
a sua, dando prazer e felicidade a tantas almas!” e ele me respondeu: “Como
sou privilegiado por receber mil vezes mais prazer e felicidade!”
V
MAESTRIA OU ARTE DO APERFEIÇOAMENTO
O objetivo da vida é alcançar a maestria, ou a arte de alcançar o mais alto grau
da perfeição. Este é o propósito do espírito. Através desse motivo e apoiado nele
é que todo o universo foi criado. Os diversos estágios – do reino mineral ao reino
vegetal, do reino vegetal ao reino animal e do reino animal ao reino humano –
representam o despertar do espírito para a maestria. O homem, ao usar o que
existe nos reinos mineral e vegetal e ao controlar o reino animal para se servir
dele, prova em primeiro lugar que nele já está desperto o espírito pelo qual todo
o universo foi criado.
Embora pareça muito fácil não é tão fácil assim. Quando se chega a esse ponto,
ainda bem não fechamos os olhos para concentrar e logo mil e uma coisas
começam a surgir na nossa frente. Nosso corpo físico torna-se também indócil e
diz: “Este homem não tem consciência de mim que sou seu corpo”. Ficamos
nervosos, remexemo-nos e viramo-nos a fim de ter consciência do corpo. O
corpo não gosta de ninguém que não tenha consciência dele. Parece-se com o
cachorro ou o gato que gostam que tomemos conhecimento deles. Aí então
aparece uma espécie de movimento nervoso no corpo. Sente-se como se o
corpo estivesse em movimento, dando voltas, arranhando, ou qualquer outra
coisa. Logo que desejamos disciplinar o corpo, ele passa a não aceitar qualquer
disciplina.
Depois de entrar em contato com esta experiência, não nos será mais permitido
dizer que existe o que classificamos de acidente. Sabemos então que tudo que
acontece já estava destinado e preparado, quando o percebemos em estado
preparatório e antes mesmo de sua manifestação no plano terreno.
Existe, porém, uma outra prova, a prova moral: quando somos amigos quer do
sábio quer do tolo, do virtuoso e do pecador, e quando nos tornamos cada vez
mais amigos deles, é como se os atraíssemos. Não podemos impedi-lo. A
simpatia é um sentimento tão possante que até os inimigos se enternecem mais
cedo ou mais tarde. A história de Daniel que foi levado para uma caverna nas
montanhas e lá amansou os leões, não é uma fábula. Para ver este fenômeno
não é preciso ir às montanhas. No mundo há coisas piores do que leões: pessoas
com bom e mau caráter, fáceis e difíceis de lidar e se conseguirmos domesticá-
las ou amansá-las, realizamos um bom trabalho, pois para conseguir isso é
necessário uma força maior do que para amansar leões. Há ainda as pessoas
agitadas, antagônicas, embotadas, ignorantes, que têm falsos pensamentos, e
as ciumentas. Quantas armas e venenos existem neste mundo! Somente uma
força, a força da nossa simpatia, é que assimila todas as influências deletérias,
tira-lhes o veneno, tornando-as inofensivas. Podemos purificar essas influências
quando quisermos, revivificá-las, derretê-las, mudá-las e dirigi-las para o objetivo
da vida.
O terceiro aspecto é sentir da mesma maneira que os outros. Muitas vezes uma
pessoa é diferente do que aparenta ser e do que pensa ser. Às vezes age e fala
completamente em desacordo com seus sentimentos e se você, com seus
sentimentos, puder saber o que essa pessoa sente, será de grande proveito.
Quando os sentimentos de outrem podem-lhe dizer muito mais do que suas
palavras e atos, você passará a ter uma personalidade altamente desenvolvida.
Às vezes tais sentimentos fazem-no ter uma opinião sobre certa pessoa
completamente diferente da que teria se você a visse ou lhe falasse. Ao chegar
a este ponto, acaba o desenvolvimento humano e começa o desenvolvimento
divino. Sem dúvida alguma, adquire-se o poder de ver o que se passa no íntimo
do espírito do homem, se ele vai ou não ter sucesso, se vai ser feliz ou não, ou
o que pretende realizar, porque algo está-se passando dentro dessa pessoa,
preparando seus planos futuros. Você começa a ter contato com essa força e
começa a receber impressões, e essas impressões algumas vezes são tão
claras como coisas visíveis e audíveis podem ser.
Se você for mais além, então unir-se-á com tudo. Neste estado de consciência,
a distância não é mais distância. Se você puder expandir sua consciência,
fazendo-a tocar a consciência de outrem, os pensamentos desse alguém, assim
como o seu espírito, refletir-se-ão no seu espírito. O espaço não tem importância.
Sua consciência pode tocar qualquer parte do mundo e qualquer pessoa, a
despeito da distância em que se encontrem.
Se você for mais além ainda, compreenderá que está ligado a todos os seres,
que não existe nada ou ninguém dividido ou separado de você, e que não está
apenas preso por cadeias àqueles a quem ama, mas também está unido a todos
que conheceu e que ainda não conhece, está ligado por uma consciência que o
prende mais fortemente que qualquer cadeia. Começará com naturalidade a
perceber a lei que rege a natureza. Passará a ver que todo o universo é um
mecanismo que trabalha com um determinado objetivo. Assim, verá que a
pessoa correta e a incorreta, a boa e a má pessoa, todas elas trabalham numa
função que lhes foi reservada para chegar a um determinado resultado, quer
através de forças positivas ou de forças negativas, resultado este inevitável
porque é o objetivo da vida.
VI
O CONTROLE DO CORPO
Alguns acham que o físico pouco tem a ver com espiritualidade. Por que,
perguntam, não deixar de lado a idéia do físico e ser inteiramente espiritual? Se
o objetivo da vida pudesse ser cumprido sem a parte física, a alma não se teria
encarnado num corpo físico e o espírito não teria produzido o mundo físico. Um
poeta do Hindustão disse o seguinte: “Se o objetivo da criação pudesse ser
cumprido pelos anjos, que são essencialmente espirituais, Deus não teria criado
o homem”. É uma prova de que existe um grande objetivo a ser cumprido pelo
que chamamos de corpo físico. Se a luz de Deus pudesse brilhar diretamente,
não precisaria ter-se manifestado por intermédio do Cristo. Foi necessário, por
assim dizer, que Deus viesse à terra num corpo físico. A concepção de que o
corpo físico é produto do pecado – e que é o mais inferior dos aspectos da vida
– já ficou provado muitas vezes, ser uma concepção errada, porque é através do
corpo físico que se alcança o mais alto e o maior objetivo da vida. O indivíduo
que chama o corpo de físico, diz isso simplesmente por ignorância. Logo que
tiver conhecimento passará a ver que o corpo é o templo de Deus.
Pergunta-se então: “Como explicar a atitude dos ascetas que passaram toda a
vida dentro de uma ermida, em solidão, que não comiam coisas comuns e que
sempre se mantiveram afastados do conforto e da beleza da vida?” A atitude
desses ascetas não deve ser adotada por qualquer um. É um engano criticá-las
também. São indivíduos que fazem experiências na vida, através de sacrifícios,
privando-se das alegrias e prazeres que a terra lhes pode dar. Vivendo na
solidão, fazem experiências, da mesma forma que os cientistas, que se fecham
nos laboratórios anos após anos. Esses ascetas, que abandonaram o que
possuíam no mundo, também adquirem certos conhecimentos que depois nos
são transmitidos. Não é um exemplo a ser seguido por qualquer um, pois a
espiritualidade não depende dessas coisas. Por que motivo os olhos nos foram
dados se não eram para apreciar o que é belo? Por que motivo fomos enviados
ao mundo se não podemos olhar o que existe na terra com medo de nos
chamarem de materialistas? Os que pensam que a espiritualidade tem alguma
coisa a ver com isso, fazem de Deus uma espécie de espectro, algo
atemorizante. A espiritualidade, na verdade, é a plenitude da vida.
Com relação ao quarto aspecto da nossa existência física, o homem
erroneamente se identifica com o corpo físico chamando-o de “meu”. Quando o
corpo físico está sofrendo, o homem diz: “Eu estou doente”, porque se identifica
com algo que lhe pertence mas que não é ele propriamente. A primeira lição a
ser aprendida no caminho espiritual é reconhecer que o corpo físico não é o
“nosso eu” e sim apenas um instrumento, um veículo, através do qual vivemos.
Esse instrumento, que chamamos de corpo, é de tal maneira equipado que
podemos experimentar por meio dele tudo que vale a pena ser experimentado
no mundo exterior e também no interior. Quando uma criança nasce e cresce,
sua primeira tendência é apreciar e experimentar tudo que existe no mundo
exterior. O homem em geral não tem oportunidade de experimentar o que existe
dentro de si, mas o corpo está equipado com instrumentos e possui os meios de
experimentar tanto a vida exterior como a vida interior. Se alguém deixar de usar
a mão ou a perna por muito tempo, esses membros perderão a vitalidade, a
energia, a vida e não servirão mais para exercer suas funções. Sabemos como
devemos usar as mãos e os pés que são partes externas do nosso mecanismo
físico, mas existem também partes internas e mais delicadas do nosso
mecanismo físico que os místicos chamam de centros. Cada um desses centros
serve a um objetivo especial: intuição, inspiração, impressão e revelação e todos
esses objetivos são realizados por meio dos centros.
Assim como os órgãos dos nossos sentidos podem viver a vida circundante, os
centros nervosos podem também viver a vida que existe dentro de nós. Quando,
porém, esses centros deixam de ser usados por muitos anos, ficam embotados.
Não se destroem, tornam-se embotados, e não podem mais usar-se para o fim
para o qual foram criados. Pessoas que fazem exercícios espirituais sob a
direção de um Mestre competente, começam a notar uma sensação no centro
da testa, como se ali qualquer coisa tivesse sido despertada. Depois de certo
tempo começam a notar uma esfera, notam-na cada vez mais, a qual até então
ignoravam completamente. Alguns passam a ter uma sensação no plexo solar,
o que não sentiam antes. Quando essa sensação é despertada as pessoas
naturalmente tornam-se mais intuitivas. Outros têm uma certa sensibilidade no
alto da cabeça ou no centro da garganta. À proporção que vão se
desenvolvendo, essas sensações aumentam cada vez mais. Entre essas
pessoas, sem dúvida, encontraremos as intuitivas por natureza.
A diferença que existe entre pessoas que possuem centros nervosos receptivos
e pessoas cujos centros nervosos não são receptivos, é a mesma que existe
entre a rocha e a planta. A rocha não é receptiva à simpatia, mas a planta é.
Assim, pois, as pessoas cujos centros intuitivos são despertados a um certo
ponto, começam a se sentir intuitivas e a seguir recebem inspiração e revelação.
Devemos ter sempre em mente, porém, que esses assuntos não devem ser
divulgados. Os que menos sabem são os que mais falam. Se os que ainda não
estão preparados para conhecer tais segredos se apoderam de uma ou outra
teoria desta natureza, começam a falar sobre o assunto com todo mundo e até
podem escrever um livro sobre suas concepções inexatas. Tais pessoas jamais
conseguirão obter a paciência, a perseverança e a direção certa que as ajudem
e muitas vezes ficam desnorteadas. Muitas prejudicam a saúde e perdem o
equilíbrio ao tentar despertar esses centros. Tratam levianamente um assunto
que é muito sério, muito sagrado, e que nos conduz à realização espiritual.
Outras pessoas recorrem à zombaria e em geral são pessoas cujas qualidades
deixam muito a desejar, que não conseguem vislumbrar a simpatia como a planta
consegue. Não encontram em si próprias quaisquer possibilidades e zombam
daqueles que percebem as coisas. Deste modo, uma ciência, que é a mais
elevada das ciências, tem sido alvo de abusos e gracejos.
No Oriente, um Mestre só toma sob sua direção um discípulo, quando tem plena
confiança nele, impedindo, assim, que o que é sagrado sirva de alvo a zombarias
e gracejos. Ao dar uma iniciação, o Mestre pede ao discípulo, jurar que não falará
sobre o assunto com pessoas que ignoram o seu valor, importância e santidade.
Somente depois desse juramento é que o discípulo começa a receber
orientação. Cada discípulo é guiado pelo Mestre individualmente.
VII
O CONTROLE DA MENTE
A tendência do ser humano de aborrecer-se por pouca coisa, ficar ansioso por
um nada, agitar-se e inquietar-se, amedrontar-se e confundir-se movimentar-se
sem motivo aparente, falar sem objetivo, entristecer-se sem razão, tudo isso é
causado pela falta de controle da mente. Além do efeito disso sobre a nossa
personalidade, traz outras consequências? Sim, as fraquezas, os erros e as
tolices que o homem comete contra a vontade, são causados pela falta de
controle da mente. Se o sucesso tem um segredo, a chave desse segredo está
no controle da mente. Quando a mente é controlada, a intuição, a inspiração e a
revelação aparecem. Quando não há controle mental surgem os aborrecimentos,
as ansiedades, os temores e as dúvidas.
O que é a mente? Parte da humanidade acha que a mente é uma coisa que não
pode ser explicada e outra parte considera a mente uma atividade do cérebro.
Convenhamos que é uma concepção bem limitada da mente. Se a voz, através
do éter, por meio do rádio, alcança pontos a milhares de milhas distantes, o que
dizer da mente que é muito mais delicada e possante do que a voz? A mente
não pode ficar limitada e restrita ao cérebro, embora os pensamentos se tornem
claros por meio dele. De acordo com o místico, a mente é o homem verdadeiro
e o corpo apenas a roupa que ele usa. A palavra mente origina-se do Sânscrito,
onde é chamada de “mana” daí derivando-se a palavra “manu”, que é quase a
mesmo em inglês – “man”. Em outras palavras, a palavra “man” (homem)
significa mente. Podemos constatar essa verdade observando alguém chamar
outro de triste ou desanimado, corajoso, entusiasta ou bem equilibrado, pois
esses atributos pertencem à mente. O homem não é o seu corpo e sim a sua
mente. Há o ditado: “O que você é, fala mais alto do que o que você diz”, o que
significa que a voz da mente tem um alcance mais amplo do que a palavra falada
e um efeito muito maior.
Diz a Bíblia que primeiro a terra foi criada, depois da terra o céu, o que significa
que primeiro foi feito o corpo e depois a mente. A criança nasce, digamos, com
uma visão da mente, um esqueleto da mente, e depois então é que são
colocadas a carne e a pele.
Não existe mente sem corpo, isto é, antes do corpo ser feito a mente era somente
um “Akasha”, uma acomodação. A experiência do “Akasha” através do corpo
que lhe serviu de veículo tornou-se seu conhecimento e é o conhecimento que
faz a mente. O “Akasha” que se tornou mente, depois que o corpo nasceu na
terra, já tinha recolhido alguns conhecimentos indistintos de diversas mentes que
encontrou no trajeto para a terra, tendo talvez recolhido mais conhecimentos de
uma mente do que de outras. Nesse caso, adquiriu as características principais
de um indivíduo que havia deixado a terra. Há ainda a acrescentar que esse
“Akasha”, através de seus pais, adquiriu os conhecimentos ou a mentalidade de
seus ancestrais, de sua pátria, de sua raça e adquiriu também o grau de
desenvolvimento de toda a humanidade da sua época.
Alguns alegam que os animais não têm mente. É uma concepção errônea. Onde
existe um corpo existe uma mente. Até a árvore tem mente. Luther Burbank
disse-me uma vez a favor deste argumento: “Deveis observar a tendência de
uma planta, ver a sua índole, pois se não fizerdes isso, essa planta não crescerá
como deve. Trato as plantas como se fossem seres vivos. Elas falam comigo e
eu com elas”.
Tudo que os sentidos podem perceber está no exterior e tudo que a mente pode
perceber está no interior, o que significa que a imaginação provém da mente e a
mente pode percebê-la. Os sentimentos, a memória, a concentração e a razão
são percepções da mente. Podemos dizer que a mente é mais o ser do homem
do que o corpo. Quando comparamos, o corpo é como a roupa que usamos.
Há pessoas que acham graça num homem de imaginação dizendo: “Este sujeito
anda nas nuvens, vive sonhando”. Todas as obras de arte, da música e da poesia
nasceram da imaginação, porque a imaginação nada mais é que o fluxo livre da
mente quando lhe é permitido trabalhar espontaneamente. A mente então cria a
beleza e a harmonia que possui. Quando, porém, a mente é coagida por certos
princípios ou regras, não consegue trabalhar livremente. Encontramos sem
dúvida, entre artistas e músicos, muitos sonhadores e seres pouco práticos, mas
isso não significa que sejam menos dotados. Talvez, de uma certa forma, por
serem pouco práticos, isso os ajuda a realizar algo que pessoas práticas não
conseguiriam. Não devemos seguir o exemplo deles, mas podemos apreciá-los.
Além disso, se não fosse o auxílio da imaginação, ninguém teria acreditado em
Deus, ninguém teria amado Deus e chegado à Sua presença. Os que discutem
com o crente e perguntam: “Mas onde está Deus? Podeis mostrar-me Deus?
Como concebeis Deus? Como explicais Deus?” são seres sem imaginação e
ninguém pode dar a eles uma imaginação que não possuem. Podemos acreditar
na crença dos outros? Se alguém pode acreditar em alguma coisa deve fazê-lo
por si próprio. De que é formada a crença? Da imaginação. Há um ditado: “Se
não tens um Deus, cria um”. Ninguém jamais teria encontrado Deus se não
tivesse sido capaz de criar um Deus. Os que se preocupam com o Deus abstrato,
não têm um Deus; apenas usam a palavra Deus. Conhecem a verdade, mas não
têm um Deus.
A memória também pode ser dividida em duas partes. Há certas coisas que não
precisamos procurar, porque estão sempre nítidas na memória. Precisamos tão
somente esticar o braço e apanhá-las. São as imagens, os nomes e as
fisionomias das pessoas que conhecemos. Podemos lembrarmo-nos delas
sempre que quisermos, pois estão vivas na nossa memória. Existe, porém, a
segunda parte da memória que, às vezes, é chamada de mente subconsciente,
embora seja realmente a parte mais profunda da memória. Nessa parte da
memória está fotografado tudo que vimos, conhecemos ou ouvimos, mesmo que
tudo isso tenha sido visto, conhecido ou ouvido de relance e lá permanece. É
nesse lugar da memória que podemos encontrar o que queremos a qualquer
momento, com dificuldade ou facilmente, dependendo do caso.
Além desses dois aspectos da memória, existe um plano mais profundo com o
qual nossa memória se acha ligada. Esse plano é a memória universal; em
outras palavras, é a Mente Divina, onde não só nos lembramos do que vimos,
ouvimos ou conhecemos, mas também onde podemos até entrar em contato
com coisas que nunca aprendemos, ouvimos, conhecemos ou vimos. Tudo isso
pode ser encontrado nesse plano, mas para tal é necessário que as portas da
memória estejam abertas.
A razão é uma das coisas mais valiosas que existem, mas não tem valor quando
se torna escrava da mente. Dá à mente motivo para fazer tanto o que é certo
como o que é errado. Se procurarmos os criminosos numa prisão e lhes
perguntarmos por que agiram mal, cada um deles apresentará uma razão. Se
olharmos mais de perto a razão, verificaremos que ela nada mais é que um véu,
uma série de véus, um sobre o outro. Se todos os véus forem retirados, assim
mesmo, ainda haverá uma razão. À medida que avançamos, encontramos a
mais completa e a mais substancial das razões. A superfície da razão não é
digna de confiança, mas o fundo é mais interessante, pois o fundo da razão é a
essência da sabedoria. Quanto mais compreendermos a razão, menos a
procuraremos, porque não mais teremos necessidade dela, já a conhecemos. O
homem pouco razoável sempre acusa a razão alheia. Quanto mais razoável é
uma pessoa, melhor compreende a razão dos outros e é por este motivo que o
sábio pode viver tanto com um sábio como com um tolo, mas o tolo não pode
viver nem com o tolo nem com o sábio.
Não há dúvida que existe sempre uma razão atrás da razão, uma razão mais
elevada, e ao atingirmos essa razão mais alta, começamos então a desaprender,
como dizem os místicos, tudo aquilo que aprendemos. Desaprendemos e
começamos a ver justamente o oposto. Em outras palavras, principiamos a
compreender que não há coisa boa que não tenha seu lado mau e não há mal
que não tenha seu lado bom. Ninguém pode levantar-se sem antes ter caído e
ninguém cai sem a promessa de se levantar. Vemos a morte no nascimento e o
nascimento na morte. Isso soa estranhamente, é uma idéia singular, mas de
qualquer forma é um estágio. Se elevarmo-nos acima do que é chamado razão,
alcançaremos a razão que também parece ser contraditória, o que explica a
seguinte atitude de Cristo: um criminoso foi levado à presença de Cristo e a
atitude dele para com o criminoso foi a atitude de quem perdoa. Não viu nenhum
mal no criminoso, viu o que vê um ser, quando atinge uma razão mais elevada.
Se penetrarmos nos mil véus da razão, atingiremos a razão das razões e
adquirimos uma compreensão que as razões exteriores não nos podem dar.
Podemos, assim, compreender todos os seres: os que agem certo e os que não
agem certo. Conta-se que os Apóstolos, de repente, sentiram-se inspirados e
falaram em diversas línguas. Não era a língua inglesa, nem a do Hindustão ou
da China: era a língua das almas. Quando um ser chega ao estágio mental em
que penetra na essência da razão, passa a comunicar-se com todas as almas.
Não é preciso conhecer 30 línguas. Podemos conhecer muitas línguas, mas se
não conhecermos o coração humano, nada conhecemos.
O coração tem uma língua. O coração fala com os outros corações e essa
comunicação torna a vida interessante. Duas pessoas podem não falar uma com
a outra, mas o simples fato de sentarem-se juntas pode resultar num intercâmbio
sublime de ideal e de harmonia. Quando fui iniciado por meu Mestre espiritual
na Índia, estava ávido, como todo homem, para assimilar, para aprender o
máximo possível. Dia após dia, avistei-me com meu Murshid (Mestre), mas
nenhuma vez falou-me de assuntos espirituais. Falava às vezes sobre ervas e
plantas, às vezes sobre leite e manteiga. Estive com ele diariamente durante 6
meses, tentando ouvir alguma coisa sobre espiritualidade. Decorridos 6 meses,
o Mestre falou sobre os dois lados da personalidade: o lado exterior e o lado
interior. Fiquei muito entusiasmado. Logo que começou a falar tirei do bolso um
caderno e um lápis. Imediatamente o Mestre mudou de assunto e falou de outras
coisas. Compreendi o que queria dizer com aquela atitude: em primeiro lugar,
que o ensinamento dado pelo coração deve ser assimilado pelo coração e que
o coração é o caderno de notas apropriado. Se esse ensinamento é anotado em
outro caderno fica no bolso do discípulo, mas se é anotado no coração fica na
alma. O discípulo precisa também aprender a lição da paciência, saber esperar,
pois todos os conhecimentos têm que vir no devido tempo. Perguntei a mim
mesmo se valia a pena ter ido ver o Mestre diariamente, fazendo longa
caminhada, durante 6 meses, para ouvir falar apenas de árvores e manteiga e
no mais fundo do meu ser, ouvi a resposta: sim, como valeu a pena, pois não há
no mundo coisa mais preciosa do que estar na presença de um santo. Seus
ensinamentos podem não ser dados teoricamente, mas estão na atmosfera do
santo. São ensinamentos que têm vida, que nos elevam realmente.
Há pessoas que às vezes alegam não ter tempo para mostrar seu coração, não
têm tempo para desenvolver as virtudes do coração. São pessoas ocupadas,
mas embora estejam ocupadas da manhã à noite podem muito bem fazer suas
tarefas usando o coração, dando expansão ao que está dentro dele. Quando
excluímos o coração da nossa vida, tudo que fizermos não terá vida. Como o
sentimento é importante em nossa vida! Nossa vida depende inteiramente do
sentimento. Perdemos o entusiasmo se estamos desanimados; perdemos
completamente a confiança se tivermos sido enganados; se nosso coração
algum dia sofreu um desengano, perdemos a autoconfiança pelo resto da vida.
Se tivermos fracassado, levamos a impressão desse fracasso pela vida a fora.
Pela leitura dos livros sobre a vida dos grandes heróis e personalidades,
notamos que passaram por grandes dificuldades, tristezas e aborrecimentos e,
não obstante, tentaram sempre conservar o coração longe das humilhações.
Disso tiraram a força de que necessitavam. Sempre evitaram as humilhações.
Estavam preparados para morrer, para lutar, suportar os sofrimentos e a
pobreza, mas não estavam preparados para a humilhação. Quando estive certa
vez no Nepal precisei de um criado. Mandei buscar um, que pertencia à casta
dos guerreiros, dos “kshatrias”, bravos guerreiros das montanhas. Quando
perguntei o serviço que queria fazer respondeu-me: “Faço qualquer trabalho que
o Sr. desejar, o que quiser”. Perguntei-lhe então: “Quanto deseja ganhar?” “O
que o Sr. quiser me dar” respondeu. Estava-me divertindo imensamente, pois
encontrara um homem disposto a fazer qualquer serviço que eu quisesse e
aceitar qualquer pagamento, a meu critério. “Bem” disse-lhe eu, “não há
condições a estipular?” Respondeu-me: “Há uma condição. O Sr. jamais me dirá
uma palavra áspera”. Esse homem estava disposto a aceitar qualquer salário, a
executar qualquer trabalho, mas não queria ser humilhado. Apreciei aquele
espírito. Foi esse espírito que fez dele um guerreiro.
Há alguém neste mundo capaz de confessar que não tem sentimentos? Mas
existem corações de rocha, de ferro, de terra e há corações de diamante, prata,
ouro, cera e papel. Há tantas espécies de corações neste mundo, como existem
objetos. Há certos objetos que retêm o fogo por mais tempo e há outros que
queimam instantaneamente. Alguns objetos ficam quentes e imediatamente
esfriam. Outros desaparecem logo que são tocados pelo fogo e ainda há outros
que derretem os demais, transformando-os em peças ornamentais. O mesmo
acontece com o coração. Pessoas diferentes possuem também corações
diferentes e aquele que conhece o coração dos homens, lidará com cada um
deles de maneira diferente. Consideramos os homens iguais, justamente por não
levar essa diferença em consideração. Embora cada nota seja um som, as notas
são diferentes em grau, em vibrações. Assim, os homens são diferentes em grau,
em vibrações do coração. De acordo com as vibrações do coração, o homem é
um espiritualista ou um materialista, um nobre ou uma pessoa vulgar. O homem
é pequeno ou grande de acordo com as vibrações do coração e não pelo que
faz ou possui no mundo.
Durante toda minha vida tive grande respeito pelas pessoas que trabalhavam,
que lutaram neste mundo, e alcançaram certa eminência. Sempre considerei
uma coisa muito sagrada estar na presença dessas pessoas. Sendo isso de
grande interesse para mim, comecei, primeiro no Oriente, a fazer romarias aos
lugares onde viviam seres de grande alma e entre eles havia escritores, sábios,
filósofos e santos. Uma vez, entretanto, encontrei-me com um grande lutador.
Esse homem, que tinha a aparência de um gigante, com um corpo
monstruosamente muscular, possuía um temperamento tão expansivo e
compassivo, possuía tal simplicidade e delicadeza que me surpreendeu
profundamente. Pensei: “Não foi o tamanho e a força que o tornaram grande e
sim o que nele se fundiu e o transformou num ser cheio de doçura. Foi isso que
o fez grande”.
Uma pessoa veio visitar-me e disse o seguinte: “Já fui muito compassiva, mas
acabei ficando endurecida. Qual a razão?” Respondi-lhe: “Você tentou tirar água
do fundo da terra, mas ao invés de cavar fundo, cavou na lama e ficou
desapontada. Se tivesse tido paciência de cavar até encontrar água, não teria
ficado desapontada”.
Às vezes uma pessoa pensa que possui sentimentos, que tem compaixão, mas
se os tivesse seria o mestre de sua vida e não precisaria de mais nada. Quando
a fonte que está no coração do homem começa a jorrar, o homem torna-se auto-
suficiente e afasta para longe a constante tragédia que as almas enfrentam na
vida. Essa tragédia é a limitação. Muitas vezes a ausência de sentimento é que
paralisa os outros quatro aspectos da mente. Uma pessoa sem sentimentos é
incapaz de pensar livremente. O que nos faz pensar é o sentimento. Um
indivíduo pode ter uma mente poderosa, mas se não tem sentimentos o poder
de sua mente será limitado, pois o verdadeiro poder está no sentimento e não
no pensamento.
Esta história focaliza a força do sentimento. O que falta hoje em dia é justamente
essa qualidade-sentimento. Todos querem pensar com o cérebro, trabalhar com
a cabeça e não com o coração. Se não houver sentimento por trás do que
fizermos, não será possível imaginar e criar uma bela obra de arte, nem pensar
e realizar coisas maravilhosas, conservar na memória alguma coisa bonita, nem
tampouco reter pensamentos quando nos concentramos. Além do mais, se não
houver sentimento, palavras como gratidão, agradecimento, apreço, não terão
sentido, tornando-se palavras ditas por mera polidez. Atualmente a delicadeza é
muito mal compreendida. Os homens aprenderam apenas o seu aspecto
exterior. Se houvesse sentimento por trás de tudo que os homens dizem, a vida
valeria bem mais a pena de ser vivida.
A qualidade que a mente possui de às vezes ficar quieta e outras vezes ativar-
se, de em certas ocasiões refletir o que vê e em outras ocasiões, evitar qualquer
reflexo, para que nenhum reflexo venha tocá-la, é desenvolvida pela
concentração, pela contemplação e pela meditação. A mente é treinada pelo
treinador-mestre, que a leva a mergulhar fundo, a voar alto, a expandir-se
largamente e a centralizá-la numa idéia. Logo que a mente é domada, o ser
humano passa a ser o mestre da vida. A alma, desde o momento que nasce,
assemelha-se a uma máquina, e está sujeita a todas as influências, influências
do tempo e influência do que realiza através dos cinco sentidos. Por exemplo, é
impossível passar por uma rua e não ver os cartazes e anúncios. Os olhos
humanos são obrigados a ver o que está à sua frente. O homem não tem a
intenção de olhar, mas tudo que existe exteriormente obriga-o a olhar. O homem,
pois, está constantemente sob a influência das coisas que existem no mundo
exterior, que o governam sem se aperceber. Um indivíduo afirma: “Sou um
homem livre, faço o que quero”, mas nunca faz o que quer, o que faz muitas
vezes é justamente o de que não gosta. Os ouvidos sempre estão sujeitos a
ouvir coisas que chegam ao seu alcance, sejam coisas harmoniosas ou
dissonantes e os olhos não podem resistir ao que vê. Assim sendo, um homem
está sempre sob a influência da vida.
VIII
A FORÇA DO PENSAMENTO
Há seres que aprenderam, pelas experiências da vida, que o pensamento possui
uma força e outros admiram-se quando se fala nisso e perguntam se é verdade.
Há outros que têm idéia preconcebida sobre o pensamento e alegam que,
mesmo se o pensamento tivesse uma certa força, seria limitada. Entretanto, não
seria exagero dizer que o pensamento tem uma força ilimitada e para provar isso
não é preciso ir muito longe. Tudo que vemos neste mundo nada mais é do que
um fenômeno do pensamento. Vivemos neste fenômeno vêmo-lo de manhã à
noite e, mesmo assim, ainda duvidamos dele, o que prova que o belo mundo que
habitamos é responsável pelo nosso orgulho e vaidade em crer que
compreendemos as coisas melhor do que realmente as compreendemos.
Quanto menos acreditamos na força do pensamento, mais enraizados ficamos
na terra. Apesar disso, sentimos, consciente ou inconscientemente, que somos
limitados e começamos a procurar algo que fortaleça nossa fé no pensamento.
Pode-se alegar que é um grande esforço. Sim, é um esforço, mas tanto o cair
como o levantar é um esforço. É muito melhor esforçar-se e levantar-se do que
esforçar-se e cair. Quando o homem cai, é sinal de que seu pensamento está
fraco. Por que está fraco em pensamento? Porque está fraco em sentimento. Se
o sentimento protege o pensamento e se o pensamento permanece firme;
quaisquer que sejam as dificuldades da vida, serão vencidas.
IX
CONCENTRAÇÃO
O conhecimento da concentração requer não só estudo como equilíbrio. Antes
de falar no assunto, gostaria, em primeiro lugar, de explicar o motivo que existe
atrás da concentração. A vida tem dois aspectos, a saber: a vida audível e a vida
silenciosa. Quando falo em vida audível refiro-me às experiências, a todas as
sensações que experimentamos através dos cinco sentidos. É diferente da vida
que chamo de vida silenciosa. Quando perguntam qual o benefício auferido com
a vida silenciosa, respondo que esse benefício é tão abstrato como é abstrata a
vida silenciosa. A vida de sensações é clara, seu benefício é claro e, não
obstante, a vida de sensações é limitada e seus benefícios também são
limitados. Esta é a razão por que no fim das nossas experiências, descobrimos
que elas têm pouco valor. A importância das nossas experiências duram o tempo
que levamos para vivê-las, mas depois a importância da vida de sensações
desaparece.
O valor da vida silenciosa é independente. É nosso feitio dar valor a alguma coisa
que diz respeito à vida exterior. A vida silenciosa não proporciona nenhum
benefício especial e sim um benefício geral. Em outras palavras, se temos um
pequeno ferimento no corpo, o uso externo de determinado remédio pode curá-
lo, mas existem outros remédios menos espetaculares que podem curar todo o
organismo, o que é melhor do que curar um ferimento externo.
Não se pode dizer exatamente qual o lucro que se obtém com a concentração,
mas realmente se obtém diversos tipos de lucro por meio da concentração, em
todas as direções. Há duas espécies de concentração: a concentração
automática e a concentração intencional. A concentração automática é feita por
muitas pessoas que ignoram o fato de se estarem concentrando, mas
concentram-se. Concentram-se automaticamente, alguns com desvantagem e
outros com vantagem. Quem tira vantagem dessa concentração são as pessoas
cujas mentes estão fixadas nos seus negócios, na sua arte ou em qualquer outra
ocupação; são os que, devido à concentração, podem trabalhar com grande
sucesso, quer sejam compositores, escritores ou músicos. O sucesso dessas
pessoas está relacionado com o seu poder de concentração. Certa vez tive o
prazer de ouvir Paderewski em sua residência. Começou a tocar suavemente.
Cada nota que tocava transportava-o mais para o fundo do mar da música. As
pessoas meditativas podiam ver claramente que ele estava tão concentrado no
que tocava que não sabia onde se encontrava. As obras dos grandes
compositores, cuja vida é eterna, as quais conquistaram o coração dos homens,
de onde vieram? Da concentração. O mesmo acontece com um poeta, com um
artista. É a concentração que faz o pintor usar as cores e traçar as linhas que
fazem o quadro. Naturalmente, se não houver concentração, um artista ou um
escritor, um músico ou um poeta, ou quem trabalhe no comércio ou na indústria,
jamais terá sucesso.
O primeiro grau pode ser definido pela fixação do pensamento num objeto. Não
se deve concentrar em qualquer objeto que apareça, porque o objeto da
concentração tem efeito sobre a pessoa que está se concentrando. Quando se
concentra num objeto morto, o efeito é amortecer a alma. Quando se concentra
num objeto vivo, o efeito naturalmente é vivificador. O segredo dos ensinamentos
dos profetas e místicos deve ser encontrado nisso.
Uma das características da mente é que ela se parece com um disco de vitrola:
tudo que é gravado no disco ele pode reproduzir. Outra característica da mente
é que não só reproduz mas também cria o que nela for gravado. Se a feiúra
pudesse ser gravada, produziria desavenças, desarmonia. A ciência da
concentração limpa o disco da mente, faz com que ele reproduza o de que
gostamos e não o que surge automaticamente. Neste mundo, estamos sempre
receptivos às impressões. Caminhamos com os olhos e os ouvidos abertos, mas
não só os olhos e os ouvidos é que estão abertos, os lábios também estão, para
revelar as impressões que os olhos e os ouvidos receberam e esse é o lado
perigoso.
X
VONTADE
As palavras querer, desejar, amar, e outras idênticas têm mais ou menos o
mesmo significado, mas a palavra “vontade” tem uma importância muito maior
que qualquer outra. Vontade é a vida propriamente dita. Na Bíblia, Deus é
chamado de amor. Amor em que sentido? Amor no sentido de vontade. De que
se serviu o Criador para fazer o universo? Do amor? Da vontade; o amor veio
depois. O amor, quando é reconhecido por sua manifestação, é vontade. É
chamado então de amor mas, no princípio, é vontade. Por exemplo, o grande
mausoléu existente em Agra, o Taj Mahal, dizem que foi construído como prova
de amor do rei à sua amada. No entanto, se olharmos esse monumento com
objetividade, não o classificaremos como expressão de amor. Podemos dizer
que ele é muito mais um fenômeno da vontade. Foi, pois, um fenômeno da
vontade do imperador que deu origem a essa construção, que impulsionou a
obra. Depois de concluída, podemos então classificá-la de expressão de amor.
Quando alguém diz “desejo isto e aquilo”, “eu quero isto e aquilo”, a sua vontade
é incompleta, é vontade que não tem consciência de seu poder, é vontade que
não tem certeza do que deseja. Neste caso a vontade é chamada desejo, querer,
mas quando o homem diz: “Terei isto e aquilo” significa uma coisa definitiva. Um
homem que nunca pode dizer “terei isto e aquilo” não tem vontade.
Há uma diferença entre o homem que pensa e o homem que imagina, pois um
pensa com vontade e o outro pensa sem vontade. Uma vez que o homem tenha
conhecimento do valor da vontade, compreende que não há na vida nada mais
precioso do que ela. Surge na mente humana, naturalmente, na mente do
homem pensativo, a seguinte pergunta: “Tenho vontade? Minha vontade é forte
ou tenho uma vontade fraca?” e a resposta é: não pode existir ninguém sem
vontade, todos têm vontade.
A mente quando trabalha automaticamente, gera imaginação e o valor da
imaginação depende da cultura da mente. Se a mente for sintonizada para um
grau mais elevado, a imaginação, naturalmente, chegará a um grau maior, ao
apogeu, mas se a mente não for sintonizada para um grau mais elevado, é
natural que a imaginação não chegue ao apogeu.
A imaginação tem seu lugar e seu valor, mas quando? Quando o coração for
sintonizado a um tal grau que a imaginação não poderá ir a outro lugar senão ao
paraíso. O coração assim sintonizado pelo amor, pela harmonia e pela beleza,
sem querer começa a flutuar automaticamente e com esse movimento
automático reage a tudo em que toca ou expressa de alguma forma as coisas
em que toca. Quando se expressa em forma de linha, de cor ou de notas, produz
arte, pintura, música ou poesia e é então que a imaginação tem valor. Quando
chega a vez dos negócios, da ciência e de todas as coisas relacionadas com
nossa vida cotidiana e com o mundo, o melhor é deixar de lado a imaginação e
trabalhar com o pensamento.
Assim como a noite e o dia são úteis e o descanso e a atividade são necessários,
também o pensamento e a imaginação têm um lugar em nossa vida. Por
exemplo, se um poeta usasse a vontade para dirigir a imaginação, a imaginação
transformar-se-ia num pensamento, num pensamento rígido. O que o poeta deve
fazer é deixar a mente flutuar no espaço e permitir que seu coração expresse
tudo que a mente vier a tocar. O que o coração expressa é a inspiração. Quando
precisamos tratar de um negócio, devemos deixar o coração flutuar no ar.
Devemos pensar nas coisas terrenas e nas cifras com muito cuidado.
Pode parecer que a motivação aumente o poder da nossa vontade, mas no fim,
sem dúvida, descobrimos que não aumenta e sim rouba o nosso poder da
vontade. A motivação é uma sombra sobre a inteligência, embora saibamos que
quanto mais elevada é a motivação maior é a alma e quanto maior é a motivação,
maior é o homem. Quando a motivação está aquém do ideal, resulta na queda
do homem e quando a motivação do homem é seu ideal, o resultado é a elevação
do homem. Se a motivação do homem é ampla, sua visão alarga-se. A grandeza
do homem depende da força de sua motivação.
Isso vem também mostrar a vida sob um outro aspecto: aqueles que têm
sabedoria mas não têm vontade são tão fracos, como os que têm o poder da
vontade e não têm sabedoria. Não há vantagem alguma em colocarmos a
sabedoria na frente e o poder da vontade atrás e nem há vantagem em pôr o
poder da vontade na frente e a sabedoria atrás. O que é preciso é fazer do poder
da vontade e da sabedoria uma coisa só e isso pode ser feito se tivermos
consciência da atividade de ambas em tudo que fazemos. Podemos, ao mesmo
tempo, pôr isso em prática na nossa vida cotidiana se nos privarmos do que
gostamos. Se o homem possui o que deseja ter, sem dúvida estragará sua
vontade, porque a sua vontade não reagirá.
XI
RELAX MÍSTICO (1)
Uma das coisas mais importantes na vida é o relax místico. A cultura
espiritualista é baseada e foi fundada visando esse objetivo. No entanto, muito
pouco se fala e se escreve sobre o assunto. O relax místico foi objeto de
experiências e estudos por parte dos pesquisadores da Verdade em todos os
tempos e foi pela perfeita compreensão do relax místico que esses
pesquisadores alcançaram o poder mais alto e a inspiração.
Vida é ritmo. Esse ritmo pode ser dividido em três estágios e em cada um deles
o ritmo muda a natureza e as características da vida. Um ritmo é móvel, o outro
é ativo e o terceiro é caótico. O ritmo móvel é criativo, produtivo, construtivo e,
por seu intermédio, alcançamos o poder total e a inspiração, adquirindo paz. O
segundo estágio deste ritmo, o ritmo ativo, é a fonte do sucesso, da perfeição,
do progresso e do desenvolvimento, e é também a fonte da alegria e da
realização. O terceiro estágio deste ritmo, o ritmo caótico, é a fonte do fracasso,
da morte, da doença e da destruição, a origem de todos os sofrimentos e
tristezas.
O ritmo móvel é vagaroso, o ritmo ativo é mais acelerado e o ritmo caótico é mais
acelerado ainda. A direção do ritmo móvel é para a direita, do ritmo ativo para a
esquerda e do ritmo caótico é um zigue-zague. Quando se diz que um homem é
sábio e pensador, ele está no primeiro ritmo, o ritmo móvel. Quando se diz que
é perseverante e bem-sucedido na vida, está no segundo ritmo, o ritmo ativo, e
quando se diz que perdeu a cabeça e se extraviou está no terceiro ritmo, ou no
ritmo caótico. Está cavando sua própria sepultura ou a sepultura de seus
negócios. É inimigo de si próprio. Tudo que quer realizar, por mais vontade que
tenha de avançar ou progredir, não consegue; tudo destrói, porque seguiu o
terceiro ritmo, o ritmo caótico e destruidor. Portanto, nós é que temos que nos
sintonizar com o ritmo que desejamos e se escolhermos o ritmo móvel, o ativo
ou o caótico, nossa posição na vida será de acordo com essa escolha.
E as influências planetárias? Não têm nada a ver com nossa vida? Sim, têm,
mas como agem em nós as influências planetárias? Essas influências, se nós
nos colocarmos num determinado ritmo, não exercerão nenhum poder sobre o
sucesso ou sobre o fracasso. Se vivermos somente nesse ritmo, o resultado será
o mesmo, isto é, essas influências não exercerão poder sobre nós e sobre as
coisas que nos rodeiam. Se o nosso ambiente for favorável ou desfavorável,
natural ou antinatural, tudo isso significa que nos colocamos no ritmo em que tais
ambientes se situam. Se conseguirmos sucesso, se nossa sorte for boa ou má,
será em consequência do ritmo que adotarmos.
Onde encontrar esse poder e como podemos obtê-lo? Se o homem pensar nisso,
conseguirá muito facilmente obter esse poder quer no plano físico, quer no plano
mental ou espiritual. Há ocasiões em que o corpo está perfeitamente calmo e há
outras em que está excitado, quando a respiração perdeu o ritmo e o
funcionamento do corpo se torna irregular, desigual, enfim, seu estado é caótico.
Quando a circulação do corpo é regular, o ritmo é adequado e a respiração é
uniforme, o homem é capaz de fazer tudo, de realizar as coisas que quiser.
Quando o corpo está repousado, confortável e relaxado, aí então é que podemos
pensar. As inspirações e as revelações começam a aparecer, sentimo-nos
tranquilos, ficamos entusiasmados e adquirimos poder. Em Sânscrito primeiro
ritmo – ritmo móvel – é chamado de “Sattwa”, o segundo – o ritmo ativo – de
“Rajas”, e o terceiro – o ritmo caótico – de “Tammas”. Do ritmo intermediário é
que surgiu a palavra “Raja”, que significa “aquele que preservou com a espada
e construiu um reino”. Seu ritmo é o intermediário, o ritmo ativo. O primeiro ritmo
– o ritmo móvel – às vezes é chamado de “Sand”, que nos faz lembrar a palavra
santo. Deste ritmo é que vem a bondade.
Havia um rei que sempre dizia, quando seus ministros lhe traziam algum
problema: “Leia novamente” e o ministro relia. Às vezes, depois de lidas as
quatro primeiras linhas, o rei interrompia a leitura e dizia: “Leia novamente”.
Depois de ouvir três vezes a mesma coisa a resposta do rei era perfeita.
Entretanto, quando conversamos, o que muitas vezes fazemos? Respondemos
antes de a pessoa acabar de falar. Ficamos tão impacientes, ansiosos e
excitados para responder! Apenas uma pessoa entre cem, fica calada e ouve o
que a outra tem a dizer.
O ritmo errado, o ritmo caótico, é que traz resultados caóticos. O que produz a
guerra? A atividade caótica. As nações envolvem-se na guerra devido a essa
atividade caótica do mundo. É por isso que o mundo inteiro pode ser levado à
guerra. Há homens que duvidam da crença religiosa de que Cristo salvou a
humanidade; não podem compreendê-la. Dizem que o homem se salva por si
mesmo. Não compreendem que um homem pode arruinar o mundo inteiro e que
um homem pode também salvá-lo. O homem salva o mundo pelo ritmo. Quando
há uma influência caótica, milhares de pessoas são afetadas como se
estivessem sob a ação de uma bebida intoxicante e essa influência age como os
germes das doenças, passando de pessoa para pessoa até atingir o país inteiro.
Se isto é verdade mecanicamente, psicologicamente pode muito bem ser
verdade que um homem é capaz de levar o mundo inteiro ao desespero, embora
seja difícil às pessoas comuns, compreenderem essa verdade.
Não se deve ficar surpreso ou rir dos sábios que mantém uma das mãos
levantadas ou talvez coloquem a cabeça no chão e os pés para cima, e sentam-
se numa certa postura longo tempo. Há um motivo para assim agirem. Os artistas
que conhecem as diversas formas da arte do relax, sabem criar o relax do corpo
e da mente. Eu mesmo, pelo espaço de doze anos, tive apenas tempo para
dormir três horas à noite e às vezes nem mesmo isso. Durante esses doze anos,
jamais estive doente. Possuía a força necessária e me sentia perfeitamente bem,
devido aos exercícios de relax.
Por meio das três formas de relax ficamos preparados para atingir o relax mais
elevado, que é o relax de todo o ser: o corpo em repouso, a mente em descanso
e o coração em paz. Essa experiência é que é chamada Nirvana, o ideal dos
pensadores e das almas meditativas. O ideal deles é chegar a esse relax, pois
nele existe tudo. Nesse estágio, o homem é como uma gota assimilada ou
submersa na sua origem. Submergir por um momento, significa que tudo que
pertence à origem é atraído por essa gota, porque a origem é a essência de
todas as coisas. A gota tirou da sua origem tudo que possui na vida. Recebeu
nova carga ao submergir e tornou-se outra vez iluminada.
XII
O RELAX MÍSTICO (II)
Realmente o relax místico é o mesmo que meditação. Às vezes o homem fica
perplexo, diante da palavra meditação, porque é usada por muitos que têm dela
uma idéia completamente diferente. Chamando a meditação de relax místico,
seu significado é simples e claro.
Quando alguém permite que seja perturbado, é uma prova de que sua
concentração não é boa e se sua concentração não é perfeita é sinal de que lhe
falta o poder da vontade. A melhor maneira, pois, de nos protegermos e não
sermos perturbados, é desenvolver o poder da concentração, a fim de
desenvolver naturalmente o poder da vontade, permitindo-nos suportar tudo o
que nos perturba e que aparece, quando vivemos no meio da multidão.
Às vezes dizemos que uma pessoa perdeu a razão, quando não controla a
mente, o que significa que a mente dessa pessoa trabalha mecanicamente, a
vontade não exerce nenhum controle sobre a mente. A vontade é a rainha e a
razão é seu ministro. Quando a vontade e a razão trabalham juntas, a mente é
controlada. Quando a razão não ajuda, quando a vontade perde o controle, a
mente não mais pertence à pessoa e podemos então dizer que essa pessoa está
fora de seu juízo.
Alguém pode perguntar até que ponto a contemplação ajuda. Nada na vida é
impossível obter a um homem que pratica a contemplação, se ele souber como
deve contemplar. Não há dúvida que é uma coisa incompreensível para quem
não entende do assunto. Há pessoas que não sabem qual é a relação da mente
humana com os negócios do mundo exterior. Talvez alguém possa curar-se de
uma doença, mas se existir um negócio que não esteja indo bem, um assunto
de dinheiro ou uma transação, que relação tem com a mente? A resposta é que
tudo o que existe, quer se trate de negócios ou outra coisa qualquer, tudo que é
visível ou invisível, parece uma coisa existente exteriormente, mas na realidade,
está no interior de nossa mente. Está no exterior, porque nossos olhos vêem a
coisa exteriormente, mas está dentro de nós, porque está cercada pela mente.
A mente é uma acomodação do mundo exterior.
Sempre há perguntas sobre o benefício que pode ser obtido. Os homens hoje
em dia estão mais interessados em benefícios do que nunca. Nunca, em época
alguma, estiveram os homens tão ansiosos para obter lucros como agora e darão
a vida para obtê-los, Não quer isso dizer que os homens de hoje estejam menos
propensos a fazer sacrifícios como há milhares de anos passados; estão até
dispostos a se sacrificar mais, só que querem estar seguros do que obterão se
fizerem tais sacrifícios. Estão tão interessados nos lucros, que têm sempre o
lucro na mente. Mesmo se houver uma coisa que não mostre um lucro imediato
e quando não sabe bem qual o lucro e quanto lucrará, o homem pensa: “Bem,
isso talvez seja uma coisa que eu possa obter sem sacrifício”. É estranho.
Quando as pessoas procuram um professor de canto para aperfeiçoar a voz,
trabalham durante seis ou nove anos e ouvem tudo o que o professor diz. Tudo
farão para aperfeiçoar a voz, mas quando procuram um mestre espiritual,
perguntam-lhe se lhes pode dizer alguma coisa sobre concentração, mesmo se
estiverem tomando chá. Perguntam-lhe também, “o que tem a dizer a respeito
da meditação?” Querem a resposta numa frase só!
Tais coisas não são obtidas assim. O conhecimento delas é obtido de acordo
com o ideal da pessoa. Esse conhecimento é maior do que a religião, mais
sagrado do que outra coisa qualquer no mundo. O auto-conhecimento é
semelhante à união com Deus. A auto-realização é o conhecimento espiritual.
Podem ser obtidos quando se tem uma concepção superficial? É o que há de
mais profundo que se pode obter, a coisa mais valiosa que se pode atingir. Por
esta razão é que no Oriente não se procura isso nos livros nem um verdadeiro
mestre escreve um livro sobre tais coisas. Escreverá sobre filosofia, preparará
as mentes para apreciar seus ensinamentos, mas não diz como fazer.
Com grande surpresa, vi nas minhas viagens no Ocidente, pessoas procurando
livros desta natureza, querendo comprar livros sobre Yoga, sobre os Yoguis e
sobre conhecimentos espirituais. Muitas delas perderam a razão lendo tais livros,
não puderam manter o equilíbrio. Tentar fazer o que consta dos livros é o mesmo
que ir à farmácia e comprar pílulas de Yoga para a espiritualidade. Há outros que
fitam um espelho para se tornarem clarividentes, que fixam o olhar numa bola de
cristal para ver o que há nas profundezas da vida. Fazem pouco de coisas muito
elevadas, sublimes e sagradas.
Este caminho só pode ser trilhado por pessoas sérias. Os que vão primeiro a
uma sociedade, depois a um instituto, a um grupo de ocultistas, não sabem o
que fazem nem o que procuram. O alto conhecimento não se obtém indo a 20
lugares e essas pessoas no fim ficam desapontadas, porque trataram deste
assunto frivolamente.
Não pode haver nada mais sério do que o conhecimento espiritual. Se alguém
tratar tal assunto levianamente, não sabe o que está fazendo. É melhor nunca
entrar nesse assunto do que entrar e sair com as mãos vazias. Sair do caminho
espiritual desapontado antes de chegar à meta final é a pior coisa que pode
acontecer. Falir financeiramente não é muito importante, pois podemos
recuperar o que tivermos perdido, mas o homem que percorreu o caminho
espiritual e voltou é que deve ser lamentado. É a maior das perdas, da qual
jamais nos recuperamos.
XIII
MAGNETISMO
Não existe grande diferença entre magnetismo e a corrente elétrica. Os cientistas
nunca foram capazes de dizer realmente o que é eletricidade, mas pode-se dizer
que eletricidade, até um certo ponto, é magnetismo e que magnetismo é
eletricidade. O poder de atrair é magnetismo, o poder que dá força e energia é
eletricidade. É essencialmente o mesmo o poder do magnetismo e o poder da
eletricidade. Assim, pois, o assunto magnetismo é muito interessante sob o ponto
de vista científico e é ainda mais interessante sob o ponto de vista místico.
Os antigos diziam que o parentesco entre duas pessoas do mesmo sangue era
influenciado por esse magnetismo e um estudo profundo da matéria mostrará
que, de fato, existe uma atração desconhecida entre duas pessoas aparentadas
pelo sangue. Um incidente ocorrido ultimamente é um exemplo. Um homem de
Estocolmo estava visitando Londres, onde pensava que não tinha nenhum
parente e, se tivesse, teria ido para lá há um século. Um dia, na rua, alguém
chamou-o pelo sobrenome. Voltou-se e o homem que o havia chamado pediu
desculpas e lhe disse: “Peço-lhe perdão, enganei-me”. Mas perguntou o
norueguês: “Como o Sr. sabia o meu nome? O nome que pronunciou é o meu”.
Depois de conversarem descobriram que eram primos, embora distantes.
Quanto mais prestarmos atenção a este assunto, mais provas teremos de que
um elemento é atraído pelo seu elemento semelhante. “Sa’di” disse o seguinte:
“O elemento atrai o elemento como uma pomba é atraída por outra pomba e uma
águia por outra águia”. Não presenciamos o mesmo na vida cotidiana? Um
jogador quando visita outro país, dentro de pouco tempo atrai outro jogador, não
se sabe como. Não é só quando duas pessoas de elementos semelhantes se
encontram que são atraídas uma pela outra, até as circunstâncias, a vida em si,
concorreu para que se encontrem. A própria vida se encarrega de aproximá-las.
É, pois, natural que um homem que está muito triste atraia um miserável para
juntar-se a ele. O homem alegre, feliz, atrai naturalmente a felicidade. O
magnetismo trabalha desta maneira em toda a criação e vereis o fenômeno do
magnetismo em todos os aspectos, tanto no plano físico como nas esferas
mentais. Naturalmente, não se pode dizer que um elemento atrai sempre o
mesmo elemento, pois o elemento atrai também o que lhe está faltando, o
oposto. Quando pensamos na amizade, notamos que estamos prontos a fazer
amizade com algumas pessoas, mas com outras preferimos ficar afastados. O
interessante é que as pessoas com quem não queremos fazer amizade
encontram outras a quem atraem e se tornam amigas. Isso nos revela a verdade
em que se baseia a harmonia da música: que duas notas têm uma relação entre
si e a combinação delas cria uma harmonia.
Uma vez, um homem que tinha viajado muito, encontrou um místico Hindu e lhe
disse: “Ouvi falar e li tanto sobre santos e sábios, Mahatmas e Mestres que vivem
na Índia, mas quando lá estive, não encontrei nenhum”. O místico confidenciou:
“Não era preciso ir tão longe. As almas dignas, as almas que amam umas às
outras, os santos e os sábios, podem ser encontrados em qualquer lugar”.
Este é o estado da alma: vê todos os “eus” mas não vê o seu “eu”. No dia em
que a alma chega à realização, nesse dia começa uma nova vida, um novo
nascimento. É a alma auto-realizada que cresce, que se expande. Enquanto a
alma não se realiza não se desenvolve, não cresce. Assim, pois, no momento
em que a alma se realiza é que o homem realmente começa a viver no mundo,
mas é preciso compreender que o magnetismo da alma auto-realizada é maior
do que qualquer outro magnetismo que se possa imaginar. É poder, é sabedoria,
é paz, é inteligência, é tudo. É esse magnetismo que cura, que cura os corpos e
as mentes, que ergue os que caíram devido às dificuldades, aos padecimentos
e tristezas. É este magnetismo que tira os homens das confusões e da escuridão.
É por meio deste magnetismo que as almas iluminadas espalham o seu amor,
atraindo todos os seres. Foi deste magnetismo que Cristo tirou as palavras ditas
aos pescadores: “Segui-me. Farei de vós pescadores de homens”. Foi este
magnetismo que grandes homens como Buda, Moisés, Cristo, Maomé usaram
para atrair a humanidade, e a humanidade, passados tantos anos, não se
esqueceu deles. Foi o magnetismo dessas almas que, depois de deixarem a
terra, manteve milhões de pessoas numa cadeia de fraternidade, simpatia e
amizade. O imenso poder do magnetismo da alma é uma prova de que é o
magnetismo divino. É uma prova de que existe alguma coisa atrás do mundo
visível.
XIV
O PODER INTERIOR
Há livros publicados no Oriente que fazem referência a diversos milagres feitos
por grandes santos, e muitas pessoas têm dúvidas sobre a veracidade deles.
Ouve-se frequentemente dizer que há homens que prevêem o que está por
acontecer, enviam o pensamento a longas distâncias, são capazes de criar, de
produzir coisas num minuto sem ter material à mão, fazem objetos desaparecer,
etc. Temos lido, e mesmo ouvido, que existem seres que emitem uma ordem e
fazem chover, conseguem que uma multidão se movimente a um simples aceno,
inspirem uma grande aglomeração num segundo, previnem as pragas e, na
guerra, fazem prodígios.
Às vezes, o homem não interpreta bem a Vontade de Deus. Pensa que o que
acha bom é a Vontade de Deus e o que considera mau não é a Vontade de Deus.
A concepção humana do bem e do mal, porém, nada tem a ver com o poder de
Deus, pois a concepção de Deus é diferente da do homem: enquanto o homem
vê apenas o que lhe está próximo e deixa de ver o que está mais longe, Deus vê
tudo.
O homem vive num mundo estreito construído por ele. De acordo com o mundo
que criou, vê o certo e o errado e disso depende seu interesse na vida. Assim, o
homem nem sempre pode agir em harmonia com a Vontade de Deus, a não ser
que crie o hábito de agir de acordo com a Vontade Divina.
Na vida de Daniel há um episódio em que ele entra na cova dos leões e faz com
que se deitem mansos aos seus pés. Vemos aí novamente o poder espiritual,
uma prova do poder do homem. Entretanto, desconhecendo o homem este
poder, não tendo consciência de que o possui, não procura desenvolvê-lo, priva-
se deste grande privilégio e felicidade que Deus lhe deu e exerce seus poderes
limitados para obter dinheiro. No fim de tudo, não fica com o dinheiro e não toma
conhecimento do poder que possui. O poder depende grandemente da
consciência e da atividade da mente. Uma consciência culpada pode transformar
leões em coelhos, pois os leões sentem-se culpados e perdem o seu poder, o
mesmo acontecendo com o homem. Quando o homem se impressiona com o
que os outros pensam, seja uma impressão de desaponto, de aflição ou de
vergonha, seu poder diminui, mas quando é inspirado por um pensamento, por
um sentimento ou uma ação, torna-se poderoso.
De onde vem esta ciência? Vem também do conhecimento da visão interior, pelo
menos no começo. Outras coisas beneficiam-se com esta ciência, mas a que
começa com a intuição é a ciência da visão interior ou introspecção. Os grandes
inventores têm uma visão interior das coisas. Pode ser que não acreditem nessa
visão, mas a possuem. Sua visão penetra no objeto e nos seus objetivos e
utilizam-na para o fim que têm em mente. Assim usam a visão interior nas suas
invenções científicas. Se soubessem que possuem essa visão interior, poderiam
usá-la mil vezes melhor.
Além disso, há os que crêem em Deus, os que amam Deus e os que se perdem
em Deus. Os que crêem em Deus acham que estão na terra e Deus no céu. Os
que amam Deus, Deus está diante deles, estão face-a-face com o Senhor. Os
que se perdem em Deus, ganharam seu “eu” verdadeiro. São Deus. Conheci
uma alma consciente de Deus que, certa vez, estava passeando em Baroda, na
Índia, onde a lei proibia que se ficasse na rua depois das 10 horas da noite.
Aquele santo homem estava andando e não tinha consciência das horas.
Perguntou-lhe um policial: “Onde vai?” mas ele não ouviu. Talvez estivesse bem
longe do lugar em que estava, mas ouviu quando o policial lhe perguntou
novamente: “És um ladrão?” Sorriu e respondeu: “Sim”. O policial levou-o para a
delegacia e lá ele ficou a noite inteira. De manhã chegou o oficial e perguntou ao
policial: “Há alguma novidade?” “Prendi um ladrão”, respondeu ele “que
encontrei na rua”. Quando o oficial foi ver o ladrão, viu logo que se tratava de
uma grande alma, de um santo muito respeitado pelo povo e pediu-lhe
desculpas. “Mas”, disse o oficial, “quando o soldado lhe perguntou, por que o
senhor disse que era um ladrão?” O santo homem respondeu: “O que é que eu
não sou? Sou tudo”.
XV
O SEGREDO DA RESPIRAÇÃO
É evidente que mesmo as pessoas que nada sabem de medicina não ignoram
que o mecanismo do corpo pára de funcionar se não puder respirar, o que quer
dizer que, por mais perfeito que seja o mecanismo do nosso corpo, sem a
respiração, deixará de existir. Em outras palavras, o que está vivo no corpo, ou
o que faz o corpo viver, é a respiração. No entanto, poucas pessoas
compreendem isso. Vivemos dia após dia trabalhando, ocupados com nossa
vida cotidiana, absorvidos em nossos pensamentos, tratando de negócios,
perseguindo objetivos, mas ignoramos o princípio sobre o qual a vida se baseia.
Se dissermos: “A oração é uma coisa importantíssima”, as pessoas pensam:
“Sim, talvez”; se outra pessoa disser: “A meditação é de grande efeito”, dirão:
“Sim, é alguma coisa”, mãe quando dizemos: “A respiração é um grande
segredo” a reação é: “Por quê? Nunca pensei nisso. O que é realmente a
respiração?”
Tanto quanto sabemos pela explicação científica, a respiração é o ar que
aspiramos e o ar que expiramos. Quando o ar é aspirado enche os pulmões com
o oxigênio do espaço e quando é expirado, joga no espaço, ácido carbônico. Se,
porém, fizermos uma análise mais profunda, verificaremos que a respiração
mantém o funcionamento dos pulmões e dos órgãos respiratórios, atrai os gases
digestivos e assim o poder digestivo torna-se maior. Baseada neste princípio, a
humanidade começou a usar a respiração nos exercícios físicos com a finalidade
de tornar o corpo mais saudável. Depois de muitos anos, os cantores agora dão
maior importância à respiração. Verdadeiramente, a própria respiração é a voz
e a educação da voz depende da respiração. Assim foi que certos médicos
começaram a observar que muitas doenças nervosas, pulmonares ou dos
diversos centros nervosos, podem ser curadas pela respiração. Parece que a
humanidade agora despertou para a ciência da respiração. Os que usam a
respiração na cultura física ou com o objetivo de melhorar o estado geral de
saúde, as fraquezas, vêm obtendo excelentes resultados. Este é o ponto a que
chegou a ciência da respiração.
Para explicar esta dimensão, podemos dar o exemplo dos olhos. O que há com
nossos olhos que abrangem um horizonte de milhares de milhas? O tamanho
dos olhos é muito pequeno, mas os olhos podem acomodar um vasto horizonte.
Onde acomodam o horizonte? Dentro dos próprios olhos. Este é o único exemplo
que se pode dar. Trata-se de uma dimensão que não pode ser medida mas que
se acomoda, é uma acomodação. A acomodação dos olhos não é uma dimensão
reconhecida mas não deixa de ser uma dimensão. Existe igualmente uma
dimensão da mente. Podemos pensar profundamente e também sentir
profundamente, podemos estar conscientes da vida e ter dela uma consciência
ainda mais profunda, mas não podemos medir nada disso por se tratar de
dimensão abstrata. Só achamos uma palavra para designá-la: dimensão de
“dentro” (interior). Através dessa dimensão, uma corrente flui do plano mais
íntimo do ser humano até o plano físico e ali mantém o sopro da vida. Por este
motivo é que se diz que a respiração é a alma e a alma é a respiração. O
importante é compreender que o ar que aspiramos não entra e sai em linha reta
na mesma direção como imaginamos. O que acontece realmente é que o ar se
move como a roda, o círculo, isto é, a respiração sai das narinas, faz um círculo
e retorna às narinas.
Outra regra a ser observada é que, qualquer direção que a corrente respiratória
tome, dará causa a uma atividade diferente e também um resultado diferente.
Por exemplo, o ato de contrair, de distender, de pestanejar, todas essas
atividades são feitas pela respiração quando se move em diferentes direções. O
mesmo acontece diariamente com as nossas atividades naturais. Tossir,
bocejar, dar um suspiro profundo, tudo isso são atividades diferentes da
respiração. Além disso, a habilidade de comer e de beber, a habilidade de expelir
tudo o que temos no corpo, são resultados das direções diferentes através das
quais a respiração trabalha. Se a respiração não trabalhar numa direção, aí
então essa atividade especial do corpo cessa. É uma ciência que ainda está para
ser explorada pelos cientistas e médicos. Quanto mais for explorada, menor
necessidade haverá de operações, e os médicos não serão mais obrigados a
fazer coisas desagradáveis com seus clientes e nem receitar-lhes
medicamentos. Quando a ciência da respiração for melhor compreendida pelos
cientistas e for por todos praticada, serão evitadas as doenças pulmonares, as
dores do parto e a morte prematura.
A corrente central de nossa mente também é respiração e, assim sendo, nós não
só respiramos através do corpo, como através da mente e também através da
alma. Além do mais, a morte nada mais é do que o corpo que se afasta dessa
corrente principal a que damos o nome de respiração. Quando o corpo se afasta
da corrente, a mente ainda fica presa a ela e enquanto a mente vive, o homem
vive. Esta é a prova de que há uma outra vida além da morte. Há pessoas que
comentam: “Não deve ser nada interessante viver depois da morte como mente
e não como indivíduo, como um corpo!” Acontece que a mente é que fez o nosso
corpo, esta nossa mente que é muito mais auto-suficiente do que se imagina. A
mente está num plano onde tem seu próprio corpo, da mesma maneira que o
nosso corpo físico pertence ao plano físico. O corpo mental é tão auto-suficiente
e é mais concreto ainda do que o corpo que usamos no mundo físico, porque o
corpo físico é muito limitado e está sujeito à morte e à decadência. O corpo
mental é etéreo, vive mais tempo, porque depende menos de alimentos e de
água do que o corpo físico. Vive mais pela respiração do que por outra coisa
qualquer. O que nos mantém vivos no mundo físico é principalmente a
respiração, embora reconheçamos como nosso sustento apenas o pão, a água
e outros alimentos. Se apenas compreendêssemos que o pão e a água não
constituem absolutamente uma centésima fração do nosso sustento, quando
comparados com o sustento que tiramos da respiração! Não podemos viver mais
do que cinco minutos sem respirar. Podemos viver alguns dias sem comer.
Uma vez que a respiração é tão importante, é coisa primordial, é claro que é o
meio de que dispomos para aperfeiçoar e harmonizar o corpo e a mente, para
harmonizar a mente com o corpo e o corpo e a mente com a alma. É o
desenvolvimento da respiração, o conhecimento da respiração, os exercícios
respiratórios que nos ajudam a manter o equilíbrio, que nos colocam em sintonia,
que trazem ordem ao nosso ser. Há pessoas que fazem exercícios respiratórios
sem orientação e conhecimentos adequados. Precisamos ser extremamente
cautelosos, devemos fazer corretamente esses exercícios respiratórios ou então
não fazê-los nunca.
Não se pode falar abertamente sobre as coisas que um homem pode realizar
com a ajuda da respiração, mas há homens que vivem neste mundo e que,
embora vivam na terra, estão cientes dos planos mais íntimos da existência; há
outros que realmente se comunicam com as esferas mais elevadas; há outros
também que chegam à convicção de que existe uma outra vida além da morte e
como será essa vida. Esses homens são os que conseguiram aprender tudo
sobre a respiração, são os mestres da respiração, e não são os estudantes de
livros intelectualizados que chegam a esse estágio.
A serpente também tem uma constituição tão forte que voa apesar de não ter
asas e anda sem ter pés. Se há um ser que podemos dizer que é o mais saudável
dos animais é a serpente. Jamais adoece. Antes que adoeça morre, mas a
serpente vive muito tempo. Os que vivem nos países tropicais contam que as
cobras são capazes de se vingar depois de 12 anos, às vezes. Se você bater
numa cobra, ela jamais se esquecerá, o que vem provar que ela possui memória,
mente. A cobra também se enternece com a música, como os homens
inteligentes. Quanto menos inteligente for o homem, menos se enternecerá com
a música. A música está estreitamente ligada à inteligência. Temos aí uma prova
de que podemos encontrar na cobra todos os sinais de inteligência, de sabedoria
e de poder.
Quando observamos a vida que levamos com mais cuidado, verificamos que
conosco acontece o mesmo. A preocupação com as coisas parece fazer parte
da nossa natureza, do nosso caráter, pois não conseguimos evitar as
preocupações. De tal forma isso faz parte de nossa natureza que, se não
tivéssemos preocupações, duvidaríamos de estar realmente vivendo! Os
místicos, portanto, há milhares de anos praticam exercícios para o controle da
respiração, com a finalidade de equilibrá-la, ritmá-la, expandi-la, prolongá-la,
alargá-la e centralizá-la. Foi assim que realizaram grandes fenômenos. Os Sufis
da Pérsia, do Egito, da índia, foram todos grandes mestres da respiração. Há
muitos mestres que têm consciência de sua realização espiritual pela respiração,
ao aspirar e expirar. A consciência do plano dessa realização advém de cada
respiração.
Uma pessoa que saiba realmente a maneira de respirar e se não for preguiçosa,
não haverá nada que não possa conseguir. Não pode dizer que uma
determinada coisa é impossível. É apenas uma questão de esforço. Não é
somente, uma questão de conhecer a teoria da respiração, é preciso
compreendê-la. Os adeptos, os místicos, pois, não consideram a respiração
apenas uma ciência ou um exercício: consideram-na a coisa mais sagrada, tão
sagrada como a religião e para o aperfeiçoamento da respiração uma disciplina
é prescrita por um mestre.
XVI
O MISTÉRIO DO SONO
É difícil dizer exatamente qual o estado que pode ser chamado de sono, pois se
pensarmos neste assunto, verificamos que o homem está sempre dormindo e
está sempre acordado. A diferença está na esfera ou plano de consciência em
que o homem se encontrar ao acordar: num plano ele pensa: “Estou acordado”
e quando esse plano não está diante de sua consciência e ele está noutro plano,
pensa: “Estou dormindo”. Na verdade, o sono e a vigília nada mais são do que a
consciência transferindo-se de um lado para o outro, mudando-se de uma esfera
ou plano para outro. Assim, de acordo com a idéia dos místicos, o homem nunca
dorme. Embora a alma esteja num plano muito mais elevado do que o corpo
físico, o corpo físico expressa o caráter e a natureza da alma.
Quando um homem olha para um lado, não tem consciência do outro lado, o que
prova que a faculdade de ver e de estar consciente daquilo que se vê, somente
se preocupa com uma coisa de cada vez. Os orientais há muito tempo defendiam
sua concepção de som musical e hoje essa concepção é aceita pelos cientistas
ocidentais: o ouvido humano consegue apenas ouvir plenamente um som de
cada vez; não dois ou três. Isto indica a capacidade que tem cada um dos
sentidos de olhar somente para um lado, ficando o outro lado fora da consciência
dos sentidos. Se quisermos ver um lado, precisamos voltar o rosto para esse
lado, em outras palavras, temos que levar nossa visão para aquele lado.
Não é só o corpo que é assim, a mente também. A mente não pode pensar em
duas coisas ao mesmo tempo. Quando a mente trabalha e está completamente
absorvida com um certo pensamento, com uma certa imaginação, os sentidos
externos podem estar alertas mas não funcionam integralmente. Quando um
poeta pensa num verso, o verso está diante de sua mente. Os olhos do poeta
estão abertos mas ele nada vê e se vê por acaso alguma coisa, quando está
pensando, é como se visse um filme cinematográfico: muitas imagens diferentes
vindo umas após as outras e que parecem contínuas. Quando a mente pára de
funcionar, os olhos trabalham e quando os olhos trabalham, a mente pára. No
fim, parece ser uma só imagem, mas na realidade é uma atividade isolada da
mente e dos sentidos. É realmente verdade que cada indivíduo tem seu próprio
estado de vigília, diferente e peculiar. Um está imerso no que chamamos de sono
pesado, num sono profundo, outro está semi-adormecido, outro sabe o que se
passa à sua volta mas está dormindo. É prova de que há um grau de sono
diferente para cada experiência e ninguém pode chamar esses graus diferentes
de sono.
Isto demonstra que o que conta não é o que o homem é, e sim o que ele acredita
ser. A alma nunca adoece, mas se o homem tem consciência da doença do
corpo diz: “Estou doente”. A razão é que o homem não pode mostrar à sua
consciência o seu ser verdadeiro, a alma. Assim como os olhos não podem ver
os próprios olhos, embora possam ver o mundo inteiro, a alma não se pode ver,
exceto quando está consciente de tudo que nela se reflete. A alma não é pobre
nem rica, não é triste nem alegre. Tudo isso são reflexos que incidem sobre a
alma. Como a alma não pode realizar-se por si mesma, acha que é aquilo que
está refletido nela e, portanto, o homem vive a vida em sua consciência. O
homem está consciente em todos os momentos de sua vida. Se está num
ambiente alegre, fica contente, se está num ambiente de miséria, fica triste.
Nenhuma tristeza ou alegria pode causar uma impressão duradoura na alma,
porque a natureza da alma é como um espelho: enquanto houver um objeto
defronte do espelho esse objeto é refletido nele, nada mais pode ser refletido;
mas quando o que estava defronte do espelho é retirado, este torna a ficar
límpido. O mesmo acontece com a alma.
Quando a consciência de um homem reflete o céu, esse homem vive num céu e
quando sua consciência reflete a tortura, a dor e o sofrimento, vive no plano dos
sofrimentos. O homem é quem constrói seu céu ou seu inferno. Quantas pessoas
encontramos na vida que alimentam males pensando neles a todo momento,
colocando neles a consciência. Vemos que muitas dessas pessoas poderiam ter
ficado boas depois de sofrerem anos a fio, caso não tivessem mantido a
consciência na dor que elas próprias alimentaram, não como algo novo mas
como alguma coisa que esteve sempre com elas.
Nada pertence ao homem a não ser que o homem esteja disposto a conservar o
que tem. Quando o homem acostuma-se com um determinado reflexo sem tentar
conhecer a sua natureza, com o tempo tornar-se escravo desse reflexo e não
mais o seu dono. O mesmo acontece com os aborrecimentos, as ansiedades e
as tristezas que o homem traz na mente. Muitos dizem: “Não consigo
esquecer...” porque pensam que não podem esquecer. Isso não quer dizer que
não podem esquecer e sim que se apegam a alguma coisa que não querem
abandonar. Se o homem compreendesse que ninguém está segurando um
obstáculo à sua frente e que é ele mesmo que o segura! Uma lembrança, uma
coisa desagradável, uma tristeza, uma dor grave, uma ansiedade, um
aborrecimento, tudo isto o homem guarda consigo e reflete na consciência. A
natureza de sua alma está acima de todas essas coisas. Tudo isso não passa
de uma ilusão, que lhe mora o fundo da alma e não vem à superfície, a não ser
que o homem, com suas próprias mãos, resolva erguê-la e olhá-la de frente.
Os que têm inclinações espirituais ou que estão ligados a almas que já deixaram
o mundo, também sentem as impressões que suas almas refletem, às vezes em
forma de influências a lhes guiar na vida, algumas vezes como advertências,
outras como instruções. Também experimentam o que chamamos de iniciação
e às vezes têm experiências ilusórias, confusas, mas tudo tem o seu lugar no
plano especial onde a consciência está tendo sua experiência da vida,
independentemente do corpo físico e dos sentidos.
O homem não compreende o valor deste estado de consciência até que chega
um dia em que, por uma ou outra razão, fica incapacitado de receber essa
bênção. Não consegue dormir e começa então a pensar que daria tudo para
poder dormir profundamente, o que vem provar que o homem não precisa só do
sono mas de uma bênção que acompanhe o sono. É algo que a alma tocou e
que é muito elevado e profundo, pois esta experiência tem um valor muito maior
do que podemos imaginar. Nesta experiência, a consciência toca num plano
onde não recebe quaisquer impressões, quer de nomes quer de formas. As
impressões que recebe são em forma de sensação, de uma sensação de
iluminação, de vida, de júbilo. Que mensagem transmite? Transmite uma
mensagem de Deus, cuja mensagem atinge diretamente todas as almas. Que
mensagem é essa? Deus diz à alma: “Estou contigo, Sou teu próprio ser, Estou
acima das limitações, Sou a Vida e tu estás mais seguro, mais vivo, mais feliz e
mais em paz com este conhecimento que Te dei do que com qualquer outra
coisa do mundo”.
Além destas três experiências há uma quarta, uma quarta experiência para as
pessoas que queiram procurá-la. Por que não é ela dada a todos? Não é que
não seja dada a todos, mas o fato é que nem todos podem retê-la. É uma
experiência que vem e volta e a pessoa não sabe quando ela vem nem quando
volta. Na vida de todos os homens há um momento, quando estão em vigília, em
que se elevam acima de todas as limitações impostas pela vida, mas esse
momento vem e vai tão rapidamente, num piscar de olhos, que os homens não
conseguem retê-lo, não podem realizá-lo.
É como um pássaro que pousou e voou e do qual apenas ouvimos o bater das
asas. Os que querem agarrar esse pássaro, que desejam saber para onde voou,
que querem saber quando ele virá ou partirá, começam a procurá-lo, sentam-se
e esperam pela hora de ele chegar. Esta vigília chama-se meditação. Meditação
não é fechar os olhos e sentar-se. Qualquer um pode fechar os olhos e sentar-
se, pode ficar sentado horas a fio ou sentar-se a vida toda e ignorar o que chegou
e o que partiu. É preciso ficar à espreita do que vai chegar e não simplesmente
espreitar, é preciso ficar preparado para o que vai chegar e apurar os sentidos,
fazendo do corpo e da mente um receptáculo para captar as vibrações, a fim de
que, quando o pássaro emitir uma vibração, sinta-se que ele chegou.
Há um passo para um plano mais alto do que este e que os Sufis chamam de
“HAHUT” ou “Samadhi” como é chamado pelos Vedantas, um 5º plano que a
consciência experimenta. Neste plano a consciência atinge o que há de mais
profundo e mais íntimo no seu ser. É como se a consciência tocasse os pés de
Deus. Essa é a comunhão de que fala o simbolismo cristão. É como se a
consciência tocasse a Presença de Deus, é quando a consciência torna-se tão
leve, tão livre e tão liberada que consegue elevar-se, mergulhar e tocar no mais
profundo do seu próprio Ser.
XVII
O SILÊNCIO
Há o seguinte ditado: as palavras são valiosas mas o silêncio ainda é mais
precioso. Este ditado será sempre uma verdade. Quanto mais compreendermos
o seu significado, mais compreendemos a verdade que ele encerra. Quantas
vezes, durante o dia, notamos que dissemos alguma coisa mas que seria melhor
se tivéssemos ficado calados! Quantas vezes perturbamos a paz do nosso
ambiente, sem querer, porque não soubemos ficar em silêncio! Quantas vezes
mostramos nossas limitações, nossa estreiteza, nossas fraquezas, quando
poderíamos muito bem tê-las escondido e porque não soubemos calar! Quantas
e quantas vezes, embora quiséssemos respeitar os outros, não o fizemos,
porque não ficamos silenciosos! Um grande perigo espreita o homem na vida: o
perigo de confiar em alguém em quem ele não deseja confiar. Corremos esse
perigo, porque não nos mantemos em silêncio. O grande intérprete da vida, o
poeta Persa Sa’di, disse o seguinte: “De que vale o bom senso se não vier em
nosso auxílio antes de pronunciarmos uma palavra?” É uma demonstração de
que, apesar do grau de sabedoria do homem, ele pode cometer um erro se não
souber controlar as palavras. Podemos com muita facilidade encontrar exemplos
desta verdade: os que falam muito possuem uma força inferior à dos que falam
pouco, pois uma pessoa tagarela talvez não seja capaz de expressar uma idéia
com mil palavras, enquanto que os mestres do silêncio expressam a mesma
idéia apenas com uma palavra. Todos podem falar, mas nem todas as palavras
possuem a mesma força. Além disso, uma palavra pode dizer menos do que o
silêncio é capaz de exprimir. O silêncio é a tônica de uma vida harmoniosa.
O que nos dá o poder sobre as palavras? O que nos dá o poder que pode ser
obtido pelo silêncio? A resposta é a seguinte: é o poder da vontade que exerce
o controle sobre as palavras. É o silêncio que nos dá o poder do silêncio. É
inquietante ouvir uma pessoa falar demais. Quanto mais palavras usamos para
exprimir uma idéia, menos poderosas serão as palavras. É uma pena que o
homem esteja constantemente pensando em economizar dinheiro e nunca
pense em economizar palavras. É o mesmo que poupar os seixos e jogar fora
as pérolas. Vejam o que escreveu um poeta Hindu: “Concha, quem lhe dá suas
preciosas pérolas?” “O silêncio; durante anos meus lábios ficaram fechados”.
Parece que o mundo está despertando para as idéias espirituais, mas apesar
disso existe cada vez mais atividade, não só atividade exterior como atividade
mental. Na realidade, a humanidade tem os nervos em frangalhos, porque não
observa a lei do silêncio, porque exige do corpo e da mente uma atividade
excessiva. Quando o corpo repousa, o homem chama isso de sono, mas a sua
mente continua a funcionar no sono do mesmo modo como durante o dia. Neste
mundo cheio de competições, o homem está sempre ocupado, mais ocupado do
que nunca. Naturalmente que sua vida precisa de descanso, de quietude e de
paz, precisa muito mais disso do que as pessoas que vivem nas florestas e que
podem chamá-las de “minhas florestas”. Quando estamos vendo a atividade
aumentar e a arte do silêncio ser negligenciada, o que podemos esperar disso?
Há voz audível e voz inaudível dos que vivem e dos que não vivem, de todas as
formas de vida. O que o homem diz com palavras exprime muito pouco. É
possível falar-se da gratidão, da devoção, da admiração? Jamais, haverá
sempre carência de palavras. Todo sentimento profundo tem uma voz própria,
não pode ser expressado externamente por meio de palavras. Essa voz vem de
cada alma e cada alma torna-se audível somente para o coração. Como é
preparado o coração? Através do silêncio.
Além disso, o navio deve obedecer ao comando dos ventos que o levarão ao
porto de destino. Esta é a sensação que a alma tem do lado espiritual da vida.
Essa sensação, esse vento, ajuda-nos a avançar para o porto ao qual todos nós
nos destinamos. Depois que a mente está sob completo controle, torna-se
semelhante a uma bússola num navio, sempre apontando na mesma direção.
Um homem cujo interesse segue mil direções diferentes, não está preparado
para viajar neste navio. O homem que tem somente uma coisa na mente e que
considera todas as outras coisas secundárias, é que pode viajar deste porto para
um outro porto. Esta é a jornada que se chama misticismo.
XVIII
SONHOS E REVELAÇÕES
Embora todos saibam o que é o sonho, o estudo do fenômeno do sonho leva o
homem ao lado mais profundo da vida. Começando pela significação dos
sonhos, vamos compreender duas coisas: que ainda há atividade embora o
corpo esteja adormecido e que uma pessoa que é capaz de pensar
profundamente tira deste fato a fé na existência de outra vida após a morte. O
sonho é uma prova de que, embora o corpo não esteja em atividade, enquanto
está adormecido, continua ativo da mesma maneira. Parece que o homem não
é menos ativo no sonho do que quando seu corpo físico está em movimento. Se
alguma diferença existe é uma questão de tempo, porque, no sonho, o homem
pode viajar de um país para outro rapidamente, ao passo que levaria um mês se
usasse outro meio de transporte. Não há nenhum impedimento no sonho como
há no plano físico. No sonho o homem voa.
São muito grandes as facilidades que o plano dos sonhos oferece. Se estamos
doentes, não há dificuldade alguma em mudarmos nosso estado de doentes para
o estado das pessoas saudáveis e num momento substituímos o fracasso pelo
sucesso. Alega-se que se trata apenas de uma questão de imaginação, de uma
função da mente, mas o que é a mente? A mente é uma parte do nosso ser,
onde o mundo se reflete. O céu e a terra são acomodados dentro da mente. É
pouco? O que é o corpo físico comparado com a mente, com a mente que
comporta um mundo dentro de si? O corpo físico não é mais do que uma gota
num oceano.
Somente por ignorância, não quer o homem conhecer o império que o ser
humano encerra dentro de si. Por que razão o homem não tem consciência
disso? Porque o homem sempre deseja agarrar alguma coisa e somente
agarrando é que essa coisa passa a existir para ele. O homem não quer admitir
que o sentimento existe, diz que o sentimento não é uma coisa importante, não
existe. Diz o mesmo do sonho, diz que o sonho é apenas imaginação, não existe.
No entanto, a ciência e a arte vêm da imaginação, da mente, e não da rocha ou
do corpo físico. A fonte de onde jorram todos os conhecimentos é a mente, tais
conhecimentos não são transmitidos por um objeto. A mente significa o “eu”, a
mente é quem identifica; o corpo é uma ilusão. Se a mente está deprimida, o
homem diz: “Estou triste”, mas o que está deprimido não é o corpo, é a mente.
Assim, a verdadeira identificação é feita pela mente e não pelo corpo.
Se no sonho o homem pode ver-se, o que significa isso? Significa que, depois
do que chamamos morte, o homem não perde ainda a sua forma humana, quer
dizer que com a morte não se perde nada, ao contrário, ganha-se a liberdade
que se havia perdido. A falta destes conhecimentos é responsável pelo medo
que o homem tem de perder o corpo físico e faz com que tenha horror à morte.
O que é a morte? A morte nada mais é que um sono, um sono do corpo que era
um manto. Pode-se retirar este manto e, no entanto, continuar vivendo. O
homem compreenderá, depois de ouvir tudo que se diz sobre a morte, que
continuará vivo, que não perderá nada, mas ganhará. O ser humano veio ao
plano físico para aprender e o sonho ensina que há uma lei em vigor, que tudo
que parece surpreendente, acidental, um acontecimento repentino, não é tão
repentino nem acidental como se pensa; está prescrito na lei mas não está
dentro das expectativas do homem.
A seguinte pergunta pode ser feita: como pode a mente aprender a expressar-
se? A mente deve ser ela mesma: autêntica. Às vezes a mente está perturbada,
não consegue harmonizar-se; está inquieta. O bêbado quer dizer sim e diz não,
e a mente, quando não está no seu estado natural, expressa-se da mesma
maneira, no sonho. É lindo o estudo da ciência dos sonhos. O que é maravilhoso
é que o sonho do poeta é poético, o de um músico tem harmonia. Por quê?
Porque a mente deles está treinada, tornou-se individual. Essas mentes se
expressam no plano que dominam. Muitas vezes nos maravilhamos com o que
nos contam sobre os sonhos de algumas almas poéticas. Notamos que há uma
sequência do primeiro ao último ato e que cada ato, por menor que seja, tem
sempre um significado.
Mais interessante ainda é o sonho simbólico, cujo significado tentamos
descobrir. É maravilhoso pensar que um sonho simples é sonhado por uma
pessoa simples, mas se uma pessoa é confusa, o sonho também será confuso.
Podemos saber muito sobre uma pessoa pela maneira de sonhar, se em sonhos
é correta, medrosa, alegre ou triste. Tais sonhos então não parecem sonhos,
tornam-se tão reais como a vida no plano físico. Esta vida, porém, não é um
sonho? Os olhos não estão fechados? No sonho aparece um rei, que se
esqueceu do palácio e dizemos: “Ora, foi apenas um sonho, não foi nada”, mas
este sonho pode mostrar toda a nossa vida passada, pode mostrar o nosso
futuro. Só no plano físico é que é sonho. Tornou-se sonho devido ao estado de
nossa mente.
Dizemos ainda: “Bem, mas ao acordarmos o que encontramos é uma casa e isso
é uma realidade. Se sonharmos com um palácio, ao acordar, não encontraremos
nenhum palácio”. É verdade e não é verdade. Os palácios que construímos no
mundo dos sonhos, são nossos, bem nossos realmente. Quando o corpo morre,
esses palácios permanecem, ficam onde estão. Se tivemos prazer no sonho o
prazer virá, se o sonho foi de luz, de amor, tudo isso lá estará. É um tesouro com
o qual podemos contar e que a morte não pode levar. A Bíblia nos dá uma idéia
disso, quando diz: “Onde estiver vosso tesouro aí estará também o vosso
coração”. Essa idéia também pode ser encontrada na comparação dos sonhos
com o estado de vigília. O que quer que queiramos reter, quanto mais tempo o
retivermos, mais firmemente o agarraremos e assim criamos um mundo onde
viveremos. É este o segredo da vida. Como tal coisa pode ser explicada por
palavras?
Outra forma do sonho é a visão. Por ela, uma pessoa pode ver claramente o que
vai acontecer ou o que aconteceu, talvez há muitos anos. É como se tivesse uma
luz. Quando obtemos isso? Quando o coração está focalizado com a Mente
Divina, pois tudo aparece na tela do coração como um filme cinematográfico.
Havia um poeta na Pérsia chamado Firdausi, a quem o rei pediu que escrevesse
sobre a história do país. O rei prometeu-lhe uma moeda de ouro para cada verso
que compusesse. Firdausi foi para um lugar solitário e escreveu sobre as
tradições dos séculos passados. Viu como num filme o caráter, a vida e os feitos
do seu povo e colocou tudo em versos. Quando voltou à corte, o rei ficou muito
impressionado, achou seus versos maravilhosos, mas há sempre no mundo
pessoas que não aceitam certas coisas; a verdade é somente aceita por poucos
e, assim, o poeta foi muito criticado e muitos mostraram seu ceticismo. As coisas
chegaram a tal ponto que disseram ao rei que tudo não passava de imaginação
de Firdausi, ficando este terrivelmente magoado. O poeta aproximou-se de uma
pessoa que criticara muito a sua obra, colocou-lhe a mão sobre a cabeça e disse:
“Agora, feche os olhos e veja”. O que essa pessoa viu apareceu como num filme
cinematográfico e então exclamou: “Eu vi”. O poeta, porém, estava muito
magoado e não aceitou as moedas de ouro.
Como definir a mensagem transmitida pelas grandes almas, profetas, mestres,
por Rama e Krishna? Não foi um produto da imaginação. Deixaram um registro
do que pode ser encontrado se o homem se dispuser a cavar até o fundo do seu
ser, uma profecia que deram ao mundo como uma lição e que é uma coisa viva
como uma escritura. Essa é a comunicação direta pregada por todos os mestres.
Uma visão torna-se mais nítida quando estamos adormecidos do que quando
estamos acordados. A razão disso é que, quando estamos adormecidos,
vivemos no nosso mundo e quando estamos acordados estamos apenas
parcialmente no nosso mundo e na maior parte das vezes no mundo exterior.
Todo fenômeno precisa de adaptação. Não é só o som que é audível, os ouvidos
também nos possibilitam ouvir o som. A mente se acomoda para receber as
impressões, tal qual os ouvidos, que se acomodam para receber o som. Por este
motivo, o estado natural do sono assemelha-se a uma concentração profunda, a
uma meditação profunda e, assim, tudo o que aparece no sonho tem uma
significação.
Baseados nessa crença é que sábios partiam para um lugar solitário e sentavam-
se em meditação, a fim de dar oportunidade à revelação de aparecer. Não há
dúvida alguma que a vida moderna dificilmente proporciona ao homem
oportunidades de viver em solidão, mas não é por isso que o homem deve
ignorar o melhor que existe dentro de si, pois todos os tesouros da terra, quando
comparados com a grande felicidade que é a revelação, nada representam. Não
há comparação possível. A revelação é a lâmpada mágica de Aladim. Uma vez
descoberta, projeta luz para a direita e para a esquerda e todas as coisas tornam-
se claras.
XIX
INTROSPECÇÃO OU VISÃO INTERIOR (1)
A introspecção, ou visão interior, pode ser comparada ao que vemos pelo
telescópio. A uma longa distância, podemos ver um vasto horizonte, mas quando
chegamos perto das coisas, temos um horizonte limitado. Se olharmos por esse
horizonte menor, as coisas ficam mais claras, porque são vistas em detalhe. Se
olharmos pelo horizonte maior, as coisas não serão vistas em detalhe, mas
podemos ter uma visão geral. A mesma lei é aplicada à introspecção. Quando
olhamos para alguém, temos uma idéia do seu caráter e quando olhamos para
uma assembléia, temos uma sensação de reunião.
Assim como existem pessoas de pouca visão e há outras que possuem visão
muito grande, também existem algumas que enxergam as coisas a uma longa
distância com os olhos da mente, mas que não podem ver o que lhes está perto.
Possuem vista longa, enquanto que há outras cuja visão é curta, que enxergam
tudo o que está perto mas não podem ver à longa distância. Dizem que existe
um terceiro olho que enxerga. É verdade, mas às vezes esse terceiro olho vê
através dos dois olhos e aí os olhos enxergam as coisas muito mais nitidamente
do que enxergariam de outra maneira. Com o auxílio do terceiro olho, os nossos
dois olhos podem atravessar o muro da existência no plano físico e ver o interior
da mente humana, ver o que há dentro das palavras e até mais além. Quando
começamos a ver, o que primeiramente acontece é que tudo que nossos olhos
vêem tem um significado mais profundo, uma maior significação que não
conhecíamos anteriormente. Cada movimento do homem, cada gesto, sua
forma, feições, voz, palavras, expressão, sua atmosfera, tudo isso revela sua
natureza e caráter. Como não conhecem este segredo, certas pessoas desejam
estudar fisiognomia ou frenologia, grafologia ou quiromancia, mas todas essas
ciências são limitadas quando comparadas com a visão clara. Essas diferentes
ciências significam muita coisa, mas se compararmos essas ciências limitadas,
com a introspecção do homem, notamos que sua importância é bem menor.
Além disso, não aprendemos a ler o caráter de uma pessoa, descobrimo-lo. É
um sentido que é despertado em nós. Não precisamos aprender, sabemos.
Essa é uma espécie de introspecção. Existe uma outra que é a introspecção nos
negócios. Quando a introspecção é clara, é válida, quer se trate de um negócio
comercial ou um negócio profissional, pois o que torna certas coisas difíceis na
vida é justamente a falta de conhecimento, de clareza. Pode ser um pequeno
problema, mas se não o conhecemos, ele se transformará no mais pesado e no
pior dos problemas, porque não conseguimos compreendê-lo. Podemos analisar
e discutir um problema, mas se não usarmos a introspecção, ele será sempre
um enigma. O desenvolvimento da introspecção é que nos dá uma visão clara
dos negócios, das condições e problemas da vida.
A faculdade de enxergar precisa ser dirigida. Por exemplo, para olhar à direita
ou à esquerda, para a frente ou para trás, temos que dar uma direção aos olhos
e essa direção é um trabalho da vontade. Nas 24 horas entre o dia e a noite
vemos talvez 5 ou 15 minutos, quando muito, sob a direção da vontade; o resto
do tempo vemos as coisas automaticamente. Em outras palavras, nossos olhos
estão abertos, nosso coração vê tudo que pode ser visto e, sem nos
apercebermos, captamos diversas coisas que atraem nossos olhos e nossa
mente. Tudo o que vemos durante o dia e à noite, não é o que tencionávamos
ver e sim o que somos obrigados a ver de acordo com a vida à nossa volta. Por
esta razão é que os antigos pensadores e sábios do Oriente usavam um manto
cobrindo a cabeça para não ver as coisas que os rodeavam nem as pessoas,
podendo, assim, controlar a visão. Os antigos Sufis também costumavam cobrir
a cabeça da mesma forma por muitos anos e assim procedendo desenvolviam
tantos poderes que um simples olhar deles podia penetrar nas rochas e nas
montanhas. Isto nada mais é do que o controle da visão. Em todas as épocas os
Yoguis trabalharam não só com a mente mas também com os olhos,
conseguindo tal estabilidade no olhar que podiam dirigir a visão para tudo que
quisessem examinar ou penetrar. Os olhos, portanto, representam a alma na
superfície e falam com as pessoas com muito mais clareza do que as palavras.
Para aquele que pode ler, os olhos mostram o grau de evolução de uma pessoa.
Não é preciso uma pessoa falar com a outra, os olhos dizem à outra pessoa se
está contente ou triste, se tem boa vontade ou má vontade, se sua predisposição
é favorável ou desfavorável. Tudo pode ser visto nos olhos: o amor, o ódio, o
orgulho ou a modéstia. Até a sabedoria e a ignorância e tudo o mais
manifestando-se através dos olhos. O homem que pode perceber, através dos
olhos, as condições e caráter de um outro homem, entra, sem dúvida alguma,
em comunicação com a alma desse homem.
Dia virá em que o homem poderá viver uma vida mais plena, uma vida mais cheia
de ideais elevados e altos princípios, quando o sentimento humano tiver sido
despertado ao nível da razão. Quando chegar esse dia, o conhecimento será o
conhecimento espiritual, que não se aprende nos livros. Nesse dia, poderemos
sentir em qualquer lugar, seja nas universidades, na sociedade, nos clubes, em
qualquer profissão, que cada homem está procurando, direta ou indiretamente,
adquirir algum conhecimento. O homem sente que existe um conhecimento mais
verdadeiro. Todos parecem estar desapontados com as suas experiências da
vida. Podem ter tido o maior dos sucessos no mundo, não importa, podem ser
ricos, podem ocupar altas posições, mas estão desapontados, almejam alguma
coisa que lhes possa satisfazer. O que é? O que desejam não está no exterior e
sim dentro do homem e ele encontrará o que almeja quando despertar para a
realidade da vida. Uma vez a alma despertada para essa realidade da vida, todas
as outras coisas passam a significar pouco, nada mais tem importância, o que
importa é o homem compreender distintamente que o que lhe satisfará está no
seu íntimo.
Além disso, quando o coração começa a viver, um outro mundo abre-se para
suas experiências, pois geralmente o que experimentamos na nossa vida
cotidiana é somente aquilo que os sentidos podem perceber e nada mais do que
isso. Quando, entretanto, o homem começa a sentir e a experimentar os sutis
sentimentos do coração, passa a viver num outro mundo, embora caminhando
na mesma terra e vivendo sob o mesmo sol. Portanto, não se surpreendam se
encontrarem seres que vivem num outro mundo, embora caminhem nesta terra.
É coisa tão natural como é possível ao homem viver no seu coração ao invés de
viver somente na terra. O povo do Oriente chama este estado de “Saheb-e-dil”,
isto é, a mente-mestra.
Se o homem mergulhar ainda mais fundo no seu íntimo, passa a viver na alma.
A inspiração, a intuição, a visão e a revelação passarão a ser coisas naturais
para ele. A alma começa a ter consciência de seus domínios, que é o reino de
que fala a Bíblia: “Procure primeiro o reino de Deus...” É a alma que começa a
ver.
O homem pode enxergar ainda mais longe. O que permite o homem atingir esse
estágio mais alto é o caminho da meditação sob a liderança de um Mestre
competente.
XX
INTROSPECÇÃO (2)
A introspecção tem vários aspectos a saber: impressão, inspiração, sonho e
revelação.
Quando uma pessoa chega e me diz: “Estou muito interessada na sua filosofia,
mas antes de adotá-la queria estudá-la”, pode estudá-la anos a fio mas não
conhecerá a introspecção. O que tem que acontecer acontece no primeiro
momento em que nos encontrarmos: você será meu amigo ou não será. Quando
dois seres se encontram, logo se estabelece uma corrente de confiança entre
eles. Não precisamos de anos para desenvolver uma amizade.
A intuição é ainda mais profunda, pois pela intuição recebemos sempre um aviso.
Instintivamente sentimos e pensamos: esta pessoa vai me enganar um dia ou
voltar-se-á contra mim, ou então, esta pessoa me será fiel sincera, digna de
confiança, ou ainda, neste negócio todo especial, serei bem-sucedido ou
fracassarei. Sabemos disso, mas a dificuldade é distinguir qual é a intuição certa.
Aí é que está a grande dificuldade, pois logo que temos intuição aparece a razão,
que compete com ela, e diz: “Não, não é assim”. Há um conflito na mente e há
dificuldade em se distinguir, porque existem dois sentimentos ao mesmo tempo.
Se tivermos o hábito de agarrar a primeira intuição e salvá-la para que não seja
destruída pela razão, neste caso a intuição será a mais forte e seremos
beneficiados. Há muitas pessoas intuitivas, mas não podem sempre distinguir a
intuição da razão e não raras vezes misturam as duas, porque frequentemente
o segundo pensamento, por ser o último, é mais claro do que o primeiro. Neste
caso, a intuição é esquecida e a razão lembrada. Chama-se a razão de intuição,
o que não é absolutamente certo. Razão e intuição são duas competidoras e,
não obstante, ambas têm seu lugar, importância e valor. A melhor coisa a fazer
seria, em primeiro lugar, tentar agarrar a intuição, distingui-la, conhecê-la e
reconhecê-la como intuição. Discuti-la depois.
As mulheres são mais intuitivas do que os homens. É porque, por sua natureza,
a mulher é mais receptível e mais compassiva que os homens. As mulheres,
portanto, percebem a intuição com maior nitidez. Muitas vezes um homem
raciocina, pensa e não chega a uma conclusão, a uma compreensão nítida,
enquanto uma mulher ou uma outra pessoa mais intuitiva, num instante, fica
esclarecida sobre um certo assunto, sobre um determinado ponto. Isso vem da
intuição, que é uma faculdade do coração, que sente profundamente, quer se
trate de um homem como de uma mulher. A qualidade-intuição pertence a um
coração compassivo.
A intuição dos cães, gatos e cavalos muitas vezes parece ser mais clara do que
a do homem. Sabem quando vai haver um acidente, quando vai morrer alguém
na família. Sabem com antecedência e avisam, mas as pessoas estão tão
atarefadas com seus afazeres que não percebem a intuição dos animais. O povo,
no Oriente, acredita que pequenos insetos sabem o que vai acontecer e dão
aviso às pessoas capazes de compreendê-los. É verdade. Os pássaros também
dão sempre aviso da tempestade e do vento, da chuva e também quando há
falta de chuvas. A espécie humana tem maior capacidade de intuição, mas
estando a sua mente sempre absorvida por centenas de coisas, seus
sentimentos profundos se tornam completamente embotados com a vida
cotidiana, motivo pelo qual o homem ignora a existência da intuição ou
inspiração. Assim, a intuição vai ficando enfraquecida e o homem acaba sentindo
e sabendo menos que os animais. O corpo humano é um veículo, um telescópio,
um instrumento pelo qual podemos ter conhecimento do nosso ser interior, das
condições em que os outros se encontram e conhecer tudo o que existe no
exterior.
Um sonho pode ser simbólico. É o tipo de sonho mais interessante. Quanto mais
evoluído for o homem, mais sutil será o simbolismo do seu sonho. Quando o
homem é grosseiro, o simbolismo do sonho também é grosseiro. Se o homem
for muito evoluído o sonho será mais delicado, artístico e sutil. Por exemplo, o
poeta sonhará com símbolos poéticos e o sonho de um músico será de símbolos
musicais. O artista sonhará com símbolos de arte.
No sonho realista, vemos de fato o que vai acontecer. Tudo que chamamos de
acidente é pura concepção nossa. Não tivemos conhecimento dele antes e por
isso chamamo-lo de acidente. Isto faz com que tenhamos também uma visão
interior do que chamamos destino. Há, porém, um plano que é todo ele planejado
e que o espírito e os que sabem conhecem com antecedência. Existem certos
sábios que sabem de sua morte com um ano de antecedência. O que chamamos
de acidente não existe. Quando não sabemos é porque não vemos, mas tudo foi
planejado.
Quando a revelação surge, o homem não precisa mais conversar. Antes de falar
sabe o que os outros querem dizer. As condições em que se acham as pessoas
ou a pessoa à sua frente lhe são reveladas. É como se estivesse lendo uma
carta. A pessoa pode falar com ele, mas se não falar, ele sabe. Não se trata de
ler o pensamento, não é telepatia nem psicometria ou clarividência, como todos
pensam. A revelação é uma reunião de todos os fenômenos existentes. O que é
a revelação? É um desenvolvimento mais completo da inspiração. Quando a
faculdade da intuição está completamente desenvolvida, o homem começa a
receber revelações. As criaturas mudas e as coisas silenciosas começam a falar.
Para que servem as palavras? Não servem para encobrir as idéias? Nenhum
sentimento pode jamais ser expresso por palavras, nenhuma idéia pode ser
colocada inteiramente num verso. O reflexo verdadeiro das idéias e dos
sentimentos só pode ser visto no plano do próprio sentimento.
XXI
A EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA
Consciência é a inteligência, a inteligência é a alma, a alma é o espírito e o
espírito é Deus. Assim sendo, a consciência é o elemento divino, é uma parte de
Deus em nosso ser. Através da consciência tornamo-nos pequenos ou grandes
e também elevamo-nos e caímos. Através da consciência, estreitamo-nos ou nos
expandimos. Na simbologia mística dos Gregos e em outras simbologias,
encontramos as asas da águia e este símbolo representa a consciência. Se as
asas estão abertas, significa expansão da consciência, expansão essa que
também pode ser chamada de desdobramento da alma. Qualquer caminho que
seguirmos quando quisermos avançar na jornada espiritual, seja em religião, no
ocultismo, na filosofia ou no misticismo, nos conduzirá à expansão da
consciência.
Este é o fenômeno que aconteceu com o mágico, que quis e que imaginou
alguma coisa e acabou transformando-se no que desejava. Achamos esta idéia
também nas Escrituras. No Alcorão está escrito: “Seja e aconteceu”. Foi esse o
trabalho do mágico: transformou-se no que tinha consciência de que poderia ser.
Primeiramente, havia a consciência, depois a idéia que a consciência reteve
transformou-se em alguma coisa.
Há, porém, uma outra questão: se o mágico era tão poderoso a ponto de pensar
e se transformar no que queria, então por que ele próprio se tornou tão obscuro?
A resposta é a seguinte: quando um homem diz: “Gostaria tanto de repousar, de
ir dormir” naturalmente perde sua atividade. O mágico transformando-se em
alguma coisa fez com que a consciência divina ou universal ficasse limitada e
essa limitação privou-o de sua própria consciência. Este é um dos pontos mais
profundos da metafísica. Por exemplo: quando a consciência teve o pensamento
– “Vou transformar-me numa rocha, sou uma rocha” – transformou-se numa
rocha. A consciência não perdeu a substância fluida mas a inteligência perdeu a
consciência de sua própria existência. Entretanto, quando o mágico pensou:
“Vou transformar-me numa rocha”, o que foi que penetrou na rocha? Justamente
um pequeno pensamento do mágico, só que, devido a esse pensamento, o
mágico não podia expressar-se nem sentir como sentia no estado de mágico.
Quando transformou-se numa rocha o mágico não sentiu mais nada, o
pensamento de ser rocha não permitiu que sentisse absolutamente nada.
Quanto mais pudermos compreender esta idéia, mais notaremos que devemos
considerar a consciência como tendo dois aspectos diferentes. Num dos
aspectos, a consciência fica sepultada sob as formas mais densas da criação
como as montanhas, rochas, árvores, plantas, terra e mar. A tendência da
consciência, mesmo através dessas formas densas, é sair e expressar-se.
Podemos ver essa tendência quando entramos em contato com a natureza. Por
exemplo, os que se sentam em frente de uma rocha, nas cavernas das
montanhas, no meio da floresta, os que entram em contato com a natureza e os
que possuem mentes livres de tormentos, de ansiedades e de aflições, obtêm
primeiramente uma espécie de paz e, depois de experimentarem a paz e o
descanso, o que lhes vem é uma espécie de comunicação entre eles e a
natureza. O que deseja a natureza expressar a esses homens? Cada ato da
natureza, o levantar e o cair das ondas, a tendência das montanhas de alcançar
o alto, o movimento dos graciosos ramos das árvores, o soprar do vento e o
balançar das folhas, cada pequeno movimento da natureza parece murmurar
alguma coisa ao ouvido desses homens. É a consciência que deseja emergir e
que anseia por se desenvolver e se expressar através das árvores, rochas, água
e plantas, porque a consciência não está morta, está viva, embora esteja
sepultada sob a rocha, a árvore, a planta, a água, a terra e o ar. Todo ser vivo
deseja fazer-se audível e inteligente, deseja comunicar-se, vem tentando anos e
anos abrir caminhos através da prisão que é a densidade da terra, emergir e
dirigir-se à sua fonte de origem, justamente como o mágico que queria abrir
caminho, sair e ver-se a si mesmo. No que se transformou ele? Num homem.
Cada um de nós chegará a esse objetivo mais cedo ou mais tarde; a aspiração
é uma constante: o sábio, o tolo, todos lutam, consciente ou inconscientemente,
para atingir esse objetivo. Há pessoas que talvez estejam muito interessadas em
si próprias, na sua saúde, na sua mente, em seus pensamentos, em seus
sentimentos ou nos negócios. A consciência de tais pessoas não vai além desse
pequeno horizonte. Não quer dizer que não estejam certas agindo assim, mas o
interesse em todas essas coisas ocupa grande espaço na esfera da consciência.
Há outras pessoas que se esquecem de si e dizem: “Tenho minha família, meus
amigos, amo-os”, e assim a sua consciência é bem maior. Outras dizem:
“Trabalho para meus compatriotas, para meu país, para a educação das crianças
da minha pátria, para o bem-estar do povo da minha cidade”. A consciência
dessas pessoas ainda é muito maior. Não quer dizer que a consciência dessas
pessoas seja maior, mas tais pessoas ocupam um horizonte maior na esfera da
consciência. Portanto, não se espantem se um poeta como Nizami diz: “Se o
coração for suficientemente grande poderá comportar o universo inteiro”. A
consciência é tão grande que o universo é pequeno comparado com ela. A esfera
da consciência é o Absoluto.
Da consciência não foi cortado um: pedaço para o homem, mas o homem
ocupará um certo horizonte contanto que se expanda. Para o homem, o Absoluto
pode ser sua consciência. Exteriormente, o homem é um indivíduo, mas na
realidade não se pode dizer o que ele é.
Há alusão a esta idéia na Bíblia: “Sêde vós perfeitos como é perfeito o vosso Pai
que está nos céus”. O que significa? Que a Consciência absoluta é o sinal da
perfeição e que não estamos excluídos dela. Tudo se move e vive nela.
Ocupamos somente tanto horizonte quanto o que está dentro da nossa
consciência ou tanto quanto estamos conscientes de ocupar. É uma prova de
que cada indivíduo tem seu mundo próprio e o mundo de um indivíduo pode ser
tão pequeno como um grão de feijão e o de outro tão grande como o mundo
inteiro. Exteriormente, porém, todos os seres humanos são mais ou menos
semelhantes em tamanho, uns mais altos que os outros, mas no mundo de cada
indivíduo não há comparação, pois uma pessoa pode ser muito diferente das
outras! Há tantas variedades de mundos nos seres humanos, quantas são as
criaturas, desde a formiga ao elefante.
O mesmo acontece com todos nós. Na vida de cada um de nós, há muitas coisas
do mundo exterior que atraem nossa atenção o dia inteiro, centenas de
diversões, lojas cintilantes de luzes, mas chegará o dia em que nossos olhos
fechar-se-ão para o mundo exterior, isto que hoje ocupa toda nossa mente, e a
mente então tornar-se-á consciente do mundo interior. Esta é a significação das
palavras das Escrituras: “Encontrareis o que tiverdes feito”. Não é preciso, pois,
continuar a perguntar: “O que será de mim, amanhã?” Se o homem puder dirigir
a mente para o interior do seu ser, poderá ver o que existe dentro da consciência,
ver do que ela é composta, ver o que ela contém e, então, saberá agora o que
será a vida após a morte.
Muitas vezes os Mestres adotam um método tão maravilhoso, tão gentil, que o
próprio discípulo não compreende. Certa vez, um homem procurou um Mestre e
perguntou-lhe: “Tomar-me-eis como discípulo?” O Mestre primeiramente olhou
para ele e depois respondeu: “Sim, com grande prazer”, mas o homem retrucou:
“Pensai sobre isso antes de me dar uma resposta afirmativa. Há uma série de
coisas más em mim”. Perguntou o Mestre: “Quais são essas coisas más?” O
homem respondeu: “Gosto de beber”. “Isso não tem importância” disse o Mestre.
“Mas” retrucou o homem “gosto de jogar” e o Mestre tornou a dizer “não importa”.
Então disse o homem: “Há muitas outras coisas, há um sem número de coisas”
e o Mestre mais uma vez disse: “Não tem importância”. O homem ficou contente.
“Mas” – disse-lhe o Mestre – “não tomei em consideração todas as coisas más
que você contou a seu respeito, mas gostaria que concordasse com uma
condição: não fazer na minha presença nenhuma dessas coisas que considera
erradas”. Respondeu o discípulo: “Isto é fácil” e saiu.
Esta é uma das maneiras gentis que os Mestres adotam com seus discípulos.
Nunca dizem “você não deve beber, não deve jogar”. Não agem assim. A
maneira maravilhosa do Mestre é ensinar sem palavras, corrigir uma pessoa sem
dizer coisa alguma. O que o Mestre deseja dizer, diz sem falar. Quando as
palavras são usadas, elas se perdem.