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A ANÁLISE QUARTA

Jean-Paul Valabrega

Aplicada essencialmente, para o que nos interessa, ao pro­


cesso - ou curso - da formação do psicanalista, a palavra con­
trole• é muito infeliz, suspeita e criticável. Também o são, do
mesmo modo, os termos aparentados, sinônimos ou equivalentes:
supervisão, análise de controle, análise ou tratamento supervisio­
nado, escuta assistida (uma das últimas expressões, devida a Ro­
bert Barande). Por que não análise vigiada, já que nós o somos?
Este primeiro problema que se encontra, de nomeação, con­
duz ao mesmo tempo ao fundo da discussão. Por que, com efeito,
criticamos sem complacência a designação controle? Por causa de
suas implicações - ou conotações, como se diz hoje - ou seja,
por causa do conteúdo latente, passado em silêncio, inconfessado

• O termo franc& contr6le t o de 1150 mais corrente e corresponde à super­


visão, em sua tradução mais convencional para o portugu&. Tamb�m pode ser
utilizado o termo supm,ision, derivado do ingl&.
O autor utiliza os dois termos e dirige criticas especfficas ao termo controle,
por isso optamos na tradução por mante-lo, em correspondencia com o texto.
(N.daT.)
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ou inconfessável, que recobre não somente a noção (o que seria Acreditamos, além disso, que os problemas do controle (e di­
um mal menor) mas a situação, a instituição e a prática do con­ remos, igualmente, os da análise dita didática) seriam os mesmos
trole. se as normas ou standards• da formação não tivessem sido pro­
As implicações são as de uma relação hierárquica, autoritá­ gressivamente adotados, codificados e prescritos pela Associação
ria, normativa, escolar, paternalista, por vezes sedutora e por ve­ Internacional (I.P A.) e seguidos pelas sociedades locais que a ela
zes repressiva, da qual se encontram alguns modelos na relação aderem? Certamente não.
pai-filho, na relação mestre-a/uno, na relação desobjetivada admi­ Observamos, aliás, que na nomenclatura clássica a categoria
nistraçtl<nubordinados, até na relação juiz-testemunha ou inquisi­ dos analistas "didatas" é também a dos "analistas de controle".
dor-suspeito. Não se poderia dizer melhor. Por conseqüência, neste sistema, o
Seria um eufemismo dizer que este tipo de relação já não é que marca a didática bem como o controle com um selo institu­
bem analítico. De fato, é essencialmente antianalítico, porque es­ cional impossível de desconhecer é justamente a homologação da
ta prática introduz., postula, favorece e institui uma relação alie­ qual primeiro a análise (pela admissão ao controle) e depois os
nante. Ora, a alienação é - ou deveria ser - o contrário mesmo próprios tratamentos controlados são o objeto e o motivo perante
da análise. a instituição.
O problema paradoxal até a aporia e o absurdo é que seja Querer negar uma implicação não é suprimi-la, bem ao con­
precisamente este termo - com as práticas que ele homologa - trário. Os psicanalistas deveriam ser os primeiros a sabê-lo.
que se tenha imposto com o uso, a ponto de daqui em diante pa­ Do mesmo modo, a propósito de nossa crítica terminológica,
recer muito difícil, talvez mesmo impossíve� substituí-lo por ou­ os analistas deveriam ser os mais bem posicionados (e os mais
tros, mais bem fundamentados na teoria e mais rigorosos. É pre­ bem pagos) para conhecer a importância das palavras que se uti­
ciso observar, aliás, que uma teoria analítica do controle nunca liza, já que toda análise é baseada na expressão verbal, quer dizer,
tinha sido esboçada até os últimos anos. na nomeação e, nesta circunstância, nas ligações ou pontes de
Assim continuamos todos a utilizar o termo - senão sentido que aparecem, se preenchem, entre as representações
tambtm a coisa - em causa. e o título mesmo destas Jornadas de de coisas e representações de palavras, revelando assim os con­
estudos o comprovam. Expressões usuais entre os "alunos", como te6dos latentes. O que evidentemente não postula que tudo seja
"solicitar seus controles", "ser admitido em controle", "fazer seus exprimido nem exprimíve� nem que o conjunto de representações
controles", ratificam cotidianamente certas práticas formado­ e representantes chegue a esgotar a matéria, o sentido, em uma
ras - não as melhores - no seio das sociedades e institutos psi­ palavra o ser ou essência (eidos), seja do objeto, seja do sujeito.
canalíticos. Todavia, existem duas modalidades, dois tratamentos da ope­
Nestas condições, é artificial e mesmo falacioso, separar as ração nominativa, que se podem - mesmo de modo provisório -
práticas de controle de seu bastidor institucional - como o.os designar assim: as palavras de uns e as palavras de outros. De fato,
convida o programa - e uma das provas disso é que a comuni­ enquanto os analistas concedem a maior atenção às palavras de
cação de nosso amigo Conrad Stcin versa sobre a oferta de con­ seus pacientes - com bons motivos, mas às vezes também até
trole (estando o termo, como foi dito, mantido) enquanto outras excessos aberrantes: evoque-se aqui o de/Jrio do significante -
contribuições se voltam à demanda. todos os que têm a experiência da observação de caso Gustamen­
Entre esta oferta e esta demanda, sob uma forma ou outra, te no controle) puderam notar ao contrário, a que ponto as pala-
mais direta ou mais discreta, constrangedora ou tolerante, no­
meada ou tacitamente designada e definida cm seu papel - e seu
controle - 116 sempre rcfcr8ncia à instituição interposta. • Standards cm inglês no original.
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vras do próprio analista, os termos de suas intervenções e inter­ De imediato, a identificação mimética ao analista... ou ao su­
pretações aparecem freqüentemente difusos, incertos, vagos, até pervisor. Nós já observamos em outro lugar que nesta identifi­
simplesmente esquecidos. O analista nos diz: "Foi mais ou menos cação mimética, imitativa ou psitasfdea, não era o melhor - afi­
isso, era este o sentido da minha intervenção, mas as palavras nal poderia havê-lo - mas o pior do personagem da identificação,
exatas eu já não me lembro". que era retido e copiado: são os tiques, os ridículos, os traços sin­
De onde pode provir esta disjunção, esta disparidade entre as tomáticos e patológicos que são religiosamente reunidos e arre­
palavras de uns e as palavras de outros, uma vez que a insinceri­ medados. Este é, aliás, o princípio da caricatura. Aí está, então,
dade, a culpa, a censura ou o medo do policial (supervisor) não um efeito do inconsciente pernicioso. Sem dúvida, trata-se de
seria o bastante para dar conta de explicar todos os casos? uma identificação secundária, por vezes mesmo consciente, mas
Não se pode, no momento, encontrar outra explicação para nem sempre. Mas o que isto significa e implica no inconsciente e
este fenômeno que não a hipótese de um fator pernicioso do in­ na identificação primária e na própria identidade, desde que tudo
consciente, revelado aqui por um tipo de inconsciente pernicioso é inconscientemente agenciado para favorecer, manter e pereni­
da llngua a respeito do qual Esopo já havia bem dito que era o zar tais resultados? Para lhes outorgar o satisfecit, reconhecimen­
melhor e o pior das coisas. to e diplomas com a menção "muito honrosa" e as felicitações do
Freud repetiu muitas vezes que o inconsciente não conhecia a júri?
contradição, a negação - nem portanto a afirmação - o tempo, O mesmo ocorria - viu-se - com o controle. Palavra perni-
nem a morte. Apenas a referência ao último termo (é a palavra ciosa que se impôs e manteve, o que deve bem indicar que se liga
que convém) fica, na nossa opinião, muito discutível. Hoje não é de alguma maneira à coisa. Controle, na origem, significava du­
o lugar nem a ocasião de mostrá-lo. Em todo caso, o elemento plicado do papel• (do rolo), ou seja, em linguagem moderna, fo­
designado como "pernicioso" contém justamente a raiz: nex; ne­ tocópia. Toda a questão é, de fato, saber se se pode - e deve -
cis, a morte. fazer a fotocópia de uma análise e da análise uma fotocópia.
t> que é certo é que o inconsciente ignora o bem e o mal, o
verdadeiro e o falso, a nuance, o mau e o bom uso (a este respei­
to veja-se de preferência Grévisse): dito de outro modo, o incons­
ciente ignora o juízo (no sentido filosófico e lógico deste concei­
to). E nestas condições, a tendência perniciosa é uma tendência 2
ao pior. É a política do pior, porque todas as categorias de juízo
se encontram misturadas, em um caos.
O pior é o pulsional em estado puro. Se houvesse apenas Há alguns anos propusemos a denominação de análise quarta
pulsões puras, desligadas, o mundo humano nada seria além de para substituir a de controle. À parte as críticas que acabam de
ódio, assassínio e devastação; "ruína e luto". evocá-lo, vejamos brevemente as razões principais que fundamen­
Além disso, a clínica analítica das neuroses, e sobretudo das tam e justificam este novo conceito, tanto na teoria como na prá­
psicoses, nos abre muitas janelas - e cada vez mais, diríamos - tica.
sobre este universo individual e coletivo aterrorizante, que pulsa,
que "impulsa" irresistivelmente rumo à destruição do outro e
de si. • Rôle. papel (do ator, do personagem); Rouleau: rolo, cilindro, roto
Em vista destes cataclismas, vejam-se exemplos menores do do papel (como pergaminho); Cont-rôle: originalmente relativo à duplicação do
inconsciente pernicioso. Menores, mas inquietantes assim mes­ que t apresentado no papel, segunda via, ou, como sugere o autor, fotocópia.
(N.da T.)
mo, em relação ao objeto deste colóquio.
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A primeira razão se liga à matéria analítica mesma, a saber, sentido latente, sendo este objeto de interpretação para quem
o inconsciente. Pode-se dizer que o enquadre, a técnica e a teoria sabe ouvi-lo e se encontra, desde que na função de intérprete,
psicanalítica, quanto à sua participação mais importante, foram devolvendo a mensagem - em uma certa tradução - a seu emis­
inventados para apreender este conte6do. Ora esta materia analy­ sor.
tica é sutil, escondida, disfarçada e quer apenas subtrair-se. Outro exemplo, a tríade fundamental constituída pela trans­
A experiência do controle na sua prática clássica, codificada e ferência, a contratransferência e o transferido. Por muito tempo
particularmente institucional, experiência feita como se deve, dos alguns aspectos da contratransferência ficaram desconhecidos ou
dois lados da ribalta, analista controlado e analista de contro­ negligenciados e neste caso, reexaminada, ela contém os elemen­
le (bem como a experiência analítica do psicanalista requer os tos essenciais da interpretaçdo latente. Quanto ao transferido, ele é
dois lados, pátio e jardim, divã e poltrona), esta experiência mos­ freqüentemente passado sob silêncio, por "lucros e perdas" po­
tra repetidamente que, não somente o controle se presta mal à de-se dizer. É por isso que propusemos uma conceituação e uma
apreensão da matéria analítica, mas que até engendra as con­ teorização deste conjunto segundo a tridimensionalidade que de­
dições de sua eliminação, de seu ocultamento, de seu recalcamen­ ve ser tida, mantida e a cada instante restabelecida na situação
to na zona do "setor reservado", segundo a precisa expressão de analítica, em particular sob o ângulo das interações.
Conrad Stein. Para continuar analítica, com efeito, a posição do analista de­
Conclusão: convém mudar a prática do controle e, para co-
ve ser ao longo de todo o processo não a do alter ego ou ego awci­
meçar, lhe construir a teoria. É rumo à situação e à teorização in­
liar, como na relação de assistência, por exemplo (se bem que
teranaJftica que nos voltamos para fazê-lo. "Análise quarta" nada
efeitos deste tipo, não necessariamente desfavoráveis, se produ­
designa além da experiência e - se se pode dizer - da unidade
de base, reduzida a seus componentes elementares, irredutíveis, zam e sejam utilizáveis - como dizia Freud - pela via da "trans­
da situação interanalítica. Esta 61tima tem especificações diversas. ferência enquanto sugestão"), mas essencialmente a do terceiro.
Como seu nome indi ca, ela re<me vários analistas (três parece ser A dois só é possível fazer duetos ou duelos, um não sendo
um número que é melhor não ultrapassar). A análise quarta re6- muitas vezes muito distinto do outro. Contando e incluindo o ter­
ne o mínimo, ou seja, dois (primitivamente o controlado e o ana­ ceiro ausente - simbólico - e, melhor ainda, ocupando-lhe o lu­
lista de controle), aquém do que não há situação interanalítica. gar, abrem-se já outras perspectivas. A análise é o enquadre para
Assim, em primeiro lugar entre as modalidades da situação tal. A análise quarta permite reencontrar e re-situar as coordena­
interanalítica se encontra a análise quarta. Em segundo lugar se das tópicas e temporais, especialmente inconscientes, não perce­
situam as sessões interanalíticas (abreviadas como sessões-inter) bidas ou omitidas, em numerosos casos onde elas se esfumaçam e
que, sob forma livre e não institucional, deveriam, na nossa opi­ tendem a se apagar.
nião, constituir a prática de base da formação continua (unend/i­ Pois esta posição simbólica terceira não é de modo algum
che) do psicanalista. evidente por si própria. Basta enunciá-la para perceber: como se
O segundo ponto de vista considera e - é o caso de dizê-lo pode ser e permanecer um símbolo, sem ser, contudo, uma está­
- leva em conta a estrutura não dual, mas temário que é necessá­ tua sobre seu pedestal, um surdo-mudo? Situação instáve� precá­
ria à apreensão da "matéria" inconsciente, à constituição e à ma­ ria, difícil e então sempre a buscar e restabelecer.
nutenção do campo analítico. Em particular esta posição - analítica - não é jamais adqui­
A interpretação, por exemplo, repousa sobre urna estrutura rida de uma vez por todas, por um reconhecimento, uma adesão
ternária, já que, além dos dois interlocutores - o que fala e o ou uma nomeação para um grau. Nós lembramos aqui a bem co­
que escuta - há a mensagem transmitida, a qual tem, por sua nhecida hierarquia: analista estagiário, associado, titular, didata,
vez, urna função comunicante, então um sentido manifesto e um supervisor.
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Não. A política analítica é sempre posta em questão, sempre Assim, vocês vêem, nós utilizamos ao mesmo tempo o cardi­
a ser reposta em questão. E é para isso que serve precisamente a nal e o ordinal. É preciso dois para fazer o terceiro, e assim por
sessão intcranalítica, da qual a análise quarta - como se disse - diante. É então neste sentido, algorítmico, que se fala do quarto
é a forma mais simples, a fase inicial, se poderia dizer, ela mesma como limite tetrádico do terceiro.
segunda em relação à própria análise. Antes de concluir, devo acrescentar uma precisão a respeito
Percebe-se por af como somos levados a teorizar a situação de uma compreensão falsa que encontrei em diversos dos meus
analítica, bem como a formação requerida para seu exercício, em leitores e ouvintes, para meu espanto, já que me esforço sempre
termos ordinais. E a primeira justificativa para tal é ela ser fun­ para ser da maior clareza possível. Ainda um efeito imprevisível
damentada sobre o conceito de terceiro, ou tríade, ou trilogia, ou como são todos - do inconsciente pernicioso: da língua, da pa­
ternaridade; fazemos uso da categoria ordinal para percebê-lo. lavra, do pensamento, da passagem ao ato, da distância entre as
Ordinal é: primeiro, segundo, terceiro, quarto etc. causas e o efeito, entre a intenção e a ação, entre o dizer e o fa­
Quanto à segunda justificativa, ela é - como se poderia es­ zer.
perar - cardinal. Quer dizer que se vai contar, enunciar os agen­ É evidente que jamais imaginamos reunir nossos quatro pro­
tes, ou antes os referentes em causa. E se vai encontrar quatro. tagonistas (o grupo dos quatro, se vocês querem) em um mesmo
Cardinal significa charneira (espécie de gonzo, como diz uma lugar, em carne e osso, em nossas sessões interanalíticas e nossas
agradável história judaica) e, conforme a definição exata - e es­ análises quartas. Como também não reunimos - em análise -
piritual sem intenção - de Emille Littré: "Os cardinais são as os três atores principais do conflito, do drama e do mito edipiano.
charneiras em tomo dos quais giram os ordinais". Reunidas, estas diversas dramatis personae estão ou estiveram o
Nossa enumeração dá então - no mínimo - o número 4, ou bastante até nossa intervenção, como terceiro ou quarto simbóli­
seja: um paciente e seu analista (2); o analista ou referente prin­ co, como já foi dito e repetido.
cipal deste analista (3); o supervisor (4). Aí estão os protagonistas Aqui, trata-se essencialmente de fantasias, de seu surgimen­
que é preciso levar em conta na análise quarta, assim chamada to, sua transmissão, de seus agenciamentos, de suas sintomati­
justamente por isso, a fim de sempre situar as interações transfe­ zações e suas modificações possíveis. A empreitada já é com isto
renciais, de restabelecer a cada vez a situação terceira e a posição complicada e árdua o bastante.
do terceiro e, além disso, de estudar de perto a concepção, a for­ Como é possível tal desvio de compreensão? Talvez por con­
mulação e os efeitos da interpretação. Esta "quadra de ases" (se taminação de uma prática chamada controle coletivo, de que nada
se pode dizê-lo) nada tem de surpreendente, visto que para defi­ falamos aqui, mas a qual nos lembraremos, a este propósito, nos
nir o terceiro é preciso situá-lo bem entre o 2 e o 4. parece muito desfavorável para ó estudo aprofundado do proces­
Enfim, convém sublinhar que esta numeração não constitui so e das práticas analíticas, porque, é o caso de dizê-lo, intro­
uma seqüência.finita. Ela é um modelo, ou uma forma simbólica, duz no campo um número de variáveis incontroláveis. Talvez
um axioma, um algoritmo. Na prática isso pode significar que ca­ igualmente, por referência a diversos tipos de psicoterapias: psi­
da número de ordem pode comportar diversas unidades ou subu­ coterapia de grupo, institucional, psicodrama, terapia familiar, as
nidades. Diz-se um paciente, mas isto pode implicar diversos. quais procedem todas em sua origem da teoria psicanalítica -
Como um exemplo não se referiria a outros em uma metodologia mais ou menos bem compreendida e adaptada - mas que mar­
experimental e comparativa? Diz-se um analista, mas isto pode cam também, em suas aplicações, suas multiplicações anárquicas,
indicar outros. E é mesmo o caso geral. Em psicanálise teórica e seus transbordamentos, uma degradação certa e contínua da aná­
prática (teórico-clínica) só se pode ser pluralista. A expressão lise que as gerou.
"plurirreferencial" vem daí. Repitamos então que este não é de modo algum o caso. Salvo,
talvez, cm um enquadre onde o objeto fosse abarcável. Ou seja,
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não temos intenção de nos prestar - diretamente ou não - a Wilfrid Sebaoun - Apreciei muito as observações feitas por
qualquer transformação do processo analítico em um processo
Jean-Paul Valabrega, particularmente sobre o uso e mesmo a
com registro em atas e audiências de tribunal•.
persistência do termo controle. O que quero dizer não visa
Para concluir agora em poucas palavras: o "tratamento con­
esgotar o assunto, longe disso. Trata-se de uma observação
trolado" - segundo o título mantido por estas Jornadas - a aná­
do tipo estritamente psicanalítico, ou seja, de uma interpre­
lise quarta e a situação interaoalítica - segundo nossos próprios
tação. �da, minha interpretação não pretende ser univer­
conceitos - devem sua importância ao fato de se encontrarem no
sal; talvez, se ela valer alguma coisa, seja apenas para um pe­
cruzamento de duas vias: primeiro, a prática analítica, em seguida
queno número de casos dos quais tenho experiência. Aí está.
a formação para esta prática; a entrada na instituição analítica,
Por que este termo controle é tão persistente? Creio que é
enfim, ou seja, na situação de relação dos analistas entre si e com
porque é a palavra justa para designar um certo fenômeno, a
a sociedade.
saber, que o controle é uma demanda do psicanalista em con­
Como exprimir mais claramente que seus interesses não são
trole. De fato, é ele que controla alguma coisa. E o que ele
nada menos que a aoálisc de hoje e de amanhã?
quer controlar? Na minha opinião, ele quer controlar dois
pontos. Um, que ele é digno. É claro que no texto manifesto
DISCUSSÃO do que ele poderia dizer ele quer se certificar de que é digno
de manter o ofício de psicanalista, de que ele é reconhecido
Pierre Lembeye - Quero primeiro responder a Coorad Steio. como tal pelos personagens delegados para isso. De fato é
muito mais profundo, e creio que convém reconhecer que o
Se de certa forma o controle pode ser subsumido dentro da
p�icanalista em controle deseja, ele, controlar o fato 4e que é
própria aoálisc, eu não vejo que interesse haveria em fazer a
digno do amor de uma mãe ideal por quem aspira ser amado.
distinção entre aoálisc pessoal e análise didática. Em relação
O segundo ponto que ele quer controlar na mesma situação e
à formulação que você propôs, ao mesmo tempo, de certo
no próprio exercício do ofício que ele professa é que ele é
modo eu concordo, mas tenho também a impressão de um
eventualmente ele mesmo esta mãe ideal por quem aspira ser
grande desuso: são coisas que será preciso dizer de outro
amado. Esta observação é muito geral e suponho que vocês
modo. O controle põe em jogo uma relação de mestre a
me dirão que ela sublinha uma situação que se encontra por
discípulo e, de certo modo, se constitui como um memorial
freudiano, como um dispositivo que tem relação com o nome toda parte, particularmente entre os psicanalistas. A este res­
de Freud, ou o nome de Lacan. É, de certa maneira, uma en­ peito, creio que Coorad Stein adiantou um ponto que cabe
cenação que privilegia a genealogia psicanalítica, a rede psi­ para o meu sentido. Ele contou um pequeno episódio um
canalítica, de alto e baixo, do pai fundador até os discípulos; pouco misterioso de uma de suas análises: uma pessoa lhe
se poderia mesmo dizer a linhagem confraternal, mas fazen­ comunica suas dificuldades com um paciente que quer deixá­
do a diferença entre o que é um colega que tem um nome, la, pede-lhe com insistência uma intervenção. Coorad Stein
um renome, e aquele que não tem nome dentro do jogo psi­ finalmente concorda e lhe dá um conselho. O conselho não
canalítico. serve, a pessoa perde assim mesmo seu paciente; contudo ela
está bem contente. Como Coorad Stein diz de bom grado, há
possibilidade de interpretar o que se passou. A pessoa que
pedia a intervenção obteve a resposta de que, com efeito, não
• O autor utiliza o, termos prousnu (processo, no sentido de como algo se é bom que um paciente deixe seu psicanalista. Então, indire­
desenvolve) e proc� (no sentido jurídico, de processar e julgar). (N. da T.) tamente, Coorad Stein lhe dizia que é desejável que a relação
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entre paciente e analista perdure, ou seja, que não há qual­ b) ele quereria controlar que é digno de uma mãe ideal, e
quer raz.ão para que tal idéia semelhante se aplique à relação digno de ser - no exercício da análise - esta mãe ideal.
que ele, Conrad, tinha com sua paciente. No fim das contas Além de esta referência unicamente maternal me parecer
ele a assegurou enfaticamente de seu apego a ela. Como ele discutível, eu responderia o seguinte: o que especifica a po­
mesmo escreveu, com muita raz.ão, a preocupação constante sição do analista - posição terceira, como eu disse, posição
de cada paciente é de se certificar permanentemente da con­ do terceiro simbólico - é precisamente que ela não é nunca
tratransferência de seu psicanalista, quer dizer, do amor que certificada e adquirida de uma vez por todas. Ela é constan­
lhe dedica seu psicanalista. temente reposta em questão e retomada pela via interana/fti­
ca: análise quarta ou sessões inter. Em conseqüência, em nos­
sa matéria, o dignus est intrare ou a prova do amor ideal ou
Mau.d Mannoni - Concordo com Valabrega por dizer que a
idealizado são os engodos dos quais, sob o pretexto do con­
denominação controle é criticável, porque este termo se refe­
trole, não podemos ser servidores ou cwnplices. Como já
re ao lugar ocupado pelo analista de controle e à escolha de
mencionei também, a relação a dois - dual - não pode ser
um método. O termo supervisão foi adotado com a preocu­
pação de introduzir a idéia de um trabalho prático referido a
senão sedutora ou agressiva e é freqüentemente ambos de
uma vez.
um terceiro, um analista que não se situa como responsável
pelo paciente, o que inflete em sentido diferente a direção
do trabalho empreendido. É importante lembrar que um sa­
ber está lá, no paciente certamente, mas também no analista
Conrad Stein - Parece-me que a questão da necessidade, ou
mais, da exigibilidade do controle, tal como a levantei - e
em formação, saber presente nas falsas teorias que consti­
que não se pode confundir com a do interesse que pode ha­
tuem, num momento da análise, uma preparação para a
ver quando ele é empreendido em boas condições - foi um
compreensão. Há um tipo de saber presente nas falsas teo­
pouco escamoteada. Valabrega sem díivida me fez justiça su­
rias das crianças, mas também na ideologia que governa, sem
blinhando a importância que reveste a meus olhos uma se­
que ele saiba, o analista em formação, um tipo de saber que
_ gunda análise, mas daí a afirmar que minha posição exigiria
foi sujeito ao recalcamento. O que se encontra na análise e
que eu aceite promulgar a necessidade desta segunda análise
na condução de um tratamento é o rejeitado do saber e for­
no lugar do controle, há um passo que eu não daria, pois,
mas diversas de ocultamento. Do mesmo modo, o analista
precisamente, eu me recuso a promulgar qualquer lei que se­
em formação funciona com referências por ele ignoradas que
ja.
vale a pena pôr em evidência, pois fu.em parte do que o go­
verna sem que ele saiba. Há uma verdade nas falsas teorias e
resgatá-las faz parte do trabalho a ser continuado pelo candi­
dato para que ele permaneça, após sua análise e graças a seus
pacientes, exposto ao inconsciente.

Jean-Paul Valabrega - Segundo Wilfrid Sebaoun, ·a denomi­


nação controle seria justificada pelo fato de que:
a) o candidato quer controlar que ele é digno de ser analista.
Dignus est intrare, poderíamos dizer.

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