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Diferentes formas de conhecimento

Dejalma Cremonese1

O conhecimento é próprio do homem

Já Aristóteles (Metafísica) expressava que “todos os homens por natureza,


tem o desejo de saber”, isso significa que é próprio do homem, a descoberta, a
curiosidade sobre as coisas, isso faz com que o mesmo se realize no mundo. O
homem, como ser-no-mundo difere-se dos demais animais e das coisas pelo seu
aspecto pensante: conhece e tem consciência de si mesmo. Ao pensar desoculta,
desvela o sentido das coisas, se aproxima da essência, do âmago, do ser das coisas.
Além de conhecer, o homem tem a capacidade de criar e inovar, por isso busca
incansavelmente o novo, possibilitando o progresso, com o avanço das ciências e
das novas tecnologias. Ontem, o homem vivia isolado nas cavernas sofrendo as
mais variadas privações; hoje, vive organizado em sociedade usufruindo
comodidades, organizado politicamente, criando e inovando tecnologias. E mais,
avanços na aviação e na informação fazem do homem um ser global: o mundo
tornou-se uma pequena aldeia: um exemplo disso é a rede mundial de
computadores (internet) que possibilitou a aproximação entre as pessoas das mais
variadas partes do mundo.

É notório também que, com o passar do tempo, o homem foi acumulando


conhecimento. Sabemos hoje, muito mais que os nossos antepassados sabiam,
graça ao espírito inovador do homem e ao seu espírito de conquista. Se o homem
pensa, cria o conhecimento, criando o conhecimento, somos capazes de pensar por
nós mesmos, acrescendo as oportunidades e possibilidades, em síntese: podemos
decidir o nosso destino e os rumos da humanidade.

Pensar é buscar o âmago das coisas, é se apossar da essência do objeto, do


ser (aquilo que há de mais profundo). Para os filósofos gregos o ser era

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O autor possui graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada
Conceição, FAFIMC de Viamão (RS), mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria
(RS) e doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto
Alegre (RS). É Professor do Mestrado em Desenvolvimento e do Departamento de Ciências Sociais da
Unijuí – DCS. Endereço: Rua do Comércio, 1820/303, Bairro Industrial, Ijuí, RS – 98700-000. Fone:
0(xx) 55 3332 0458 (Departamento de Ciências Sociais) Site: http://www.capitalsocialsul.com.br E-mail
(msn): dcremo@hotmail.com
denominado de logos, a alma das coisas, o fundamento dos seres, o recolhimento do
múltiplo da unidade.

Assim, o homem desde o princípio se perguntou sobre as origens das


coisas: donde vem tudo e qual o elemento comum que constitui tudo. Os gregos
chamaram este “principio fundamental” de arché, princípio imperante de onde tudo
nasce e que também tudo constitui. No entanto, nem sempre fora assim, pois
houve épocas que a busca da explicação para as origens das coisas não se dava pela
razão (ser), pela filosofia. No princípio as explicações para as questões naturais
(mundo) e existenciais da vida humana se davam pelas idéias religiosas e por
narrativas míticas.

A passagem de um tipo de conhecimento para outro fez com que a


imagem do homem também passasse por transformações (uma mentalidade para
outra). Essa mudança não se deu de uma hora para outra. Longos foram os
períodos de mudanças e mais, sempre acompanhado por um processo intermitente
de profunda crise. É uma mentalidade da humanidade (civilização) que termina e
outra que começa a surgir. Neste momento surge a crise, isto é, quando o homem
perde o fundamento e ainda não encontrou algo que realmente o sustente. É neste
momento de transição que a crise se estabelece e leva o homem a se perguntar:
assim como fez Santo Agostinho, logo após a queda do Império Romano: “Quid
sum ego” (Quem sou eu?) Esta questão leva o homem inexoravelmente a um novo
patamar, um novo ser cheio de esperanças pronto a consolidar uma nova
mentalidade, uma nova civilização.

O conhecimento empírico

Sabemos que o conhecimento segue uma escada de diferentes degraus. O


primeiro desses degraus chama-se de conhecimento empírico ou também
conhecimento ordinário. Essa forma de conhecimento é proporcionada pela
experiência ou o contato imediato de nossos sentidos (audição, visão, percepção)
com os seres individuais da realidade do mundo, contato esse percebido e firmado
pelo espírito no juízo e na linguagem. Em síntese, o conhecimento empírico é o
conhecimento adquirido pelos indivíduos no dia-a-dia. É o acúmulo de
conhecimento adquirido pelas práticas da vida, pela experiência da vida.
Por milhares de anos o homem se pautou nesta forma de conhecimento. O
homem de outrora carecia de informações mais apuradas (conhecimento filosófico
ou científico), por isso recorria à experiência dos mais velhos para solucionar
questões de ordem natural ou existencial. Dentro da comunidade, os homens mais
velhos detinham o saber, por isso mesmo eram valorizados. É por isso que ainda
hoje costumamos dizer: “vivendo e aprendendo”, “fulano ou beltrano é um homem
de experiência”, “a experiência é a mestra da vida” o que caracteriza esta forma de
conhecimento.

O conhecimento empírico apresenta algumas características que lhe são


próprias. Inicialmente, é um conhecimento acima de tudo pragmático: brota das
necessidades e dos interesses da vida; conhecemos aquilo de que temos
necessidade para viver: conhecer para viver e não conhecer para conhecer. Segundo,
é um conhecimento individual – não universal – que vale rigorosamente só para
casos vividos. Por exemplo: se uma determinada erva curou as dores de fígado ou
estômago de Maria ou Pedro, não significa que os resultados sejam alcançados de
maneira geral e universal e possam curam os males hepáticos e estomacais de toda
a humanidade. Terceiro, é um conhecimento trazido pela vida e não buscado
intencionalmente, como o conhecimento científico; por isso, é um conhecimento
alógico, ametódico, desordenado, assistemático e acrítico. Por fim, pode-se afirmar
que o conhecimento empírico se fundamenta no senso comum que consiste na
apreensão de certos princípios e verdades por todos que possuem uma natureza
racional normal, pois brota espontaneamente da natureza de todos os homens: são
princípios ou verdades “sentidas” como evidentes.

O homem da palavra sagrada

O mistério sempre cercou o homem e o conhecimento empírico (da


experiência da vida) não conseguiu responder as questões ligadas à origem e ao
destino das coisas e da humanidade. A grande questão era: qual é o sentido da vida
humana e da natureza? É assim que surge o homem da palavra sagrada (homem
religioso), aquele que recorre ao sobrenatural para explicar os fatos da vida, do
quotidiano. No decorrer da história humana, a religião sempre teve um papel
fundamental, pois ditou regras morais, estabeleceu juízos de valores (bem e mal),
“salvou” e “condenou” os hereges, em fim, foi capaz de determinar o caminho a
ser seguido, segundo os critérios das elites hierárquicas de cada instituição
religiosa. Foi assim nas sociedades primitivas com o comando dos sacerdotes
(xamã), da mesma forma nas sociedades teocráticas orientais (povos da Babilônia),
no Egito, e no povo Hebreu. O panteísmo antropomórfico dos gregos e romanos
(deuses imortais) não deixava de influenciar e interferir diretamente na vida dos
homens (considerados mortais). Por fim, a instituição da Igreja Católica Apostólica
Romana (Cristianismo), bem como outras grandes religiões do mundo (hinduísmo,
maoísmo, islamismo, etc.) cumprem fielmente a conotação da dominação e
controle das mentes e corações de boa parte dos seres humanos. Poderia o homem
prescindir do aspecto sagrado? A fé advém do temor (medo)? Como podemos
explicar tais fatos?

O homem do pensamento mitológico

O mito não é apenas uma estória fantasiosa, ou uma narração fictícia. O


mito pode consistir em uma estória que trás consigo um fundo de verdade, uma
mensagem. Quase sempre é imbuída de um princípio de valor de cunho ético cujo
objetivo é reger e manter uma comunidade unida e organizada. O mito, neste
sentido, é buscado pela reflexão, para chegar ao conhecimento. Platão se utilizou
deste recurso no célebre mito da caverna onde o referido filósofo fez uma clara
distinção entre o mundo sensível (mundo real) e o mundo inteligível (mundo ideal).
Os gregos por muito tempo se utilizaram da prerrogativa mitológica, os mais
eminentes dramaturgos foram Sófocles e Eurípedes que escreveram Édipo rei,
Sísifo, Prometeu acorrentado, entre outros.

É importante lembrar que no princípio, a humanidade se amparou no


conhecimento mitológico para explicar as origens das coisas. No entanto, aos
poucos o homem evolui e com ele evolui o nível de conhecimento: do
conhecimento empírico, para o conhecimento da palavra sagrada, juntamente com
o conhecimento mitológico. No entanto, mais tarde surge o homem do
conhecimento filosófico: aquele que procura explicar os fatos com argumento
lógicos, utilizando a razão como princípio fundamental, procurando desvelar o ser
alephéia (des-ocultação - desvelamento). Foi o filósofo grego Tales de Mileto quem
primeiro buscou elementos racionais para explicar a realidade cósmica. Tales,
assim como Pitágoras, Anaxímines, Anaximandro e Heráclito, integram os filósofos
denominados de pré-socráticos que procuravam explicar questões cosmológicas a
partir dos elementos da natureza (água, fogo, ar, átomo).

O homem do pensamento filosófico

Surge deste modo, o homem do pensamento filosófico com características


diferenciadas dos demais tipos de conhecimento. O homem racional filosófico tem,
inicialmente, uma visão da realidade a partir de si mesmo (autônoma) desvinculado
do conhecimento transmitido pela tradição e baseada nas crenças e mitos;
segundo, é um conhecimento que desoculta, desvela, busca a essência (arché);
terceiro, é uma visão de totalidade (não parcial) que atinge a todos os homens e não
a uns em particular. Ou é uma verdade universal ou não é verdade (assim como
pensavam e defendiam o relativismo dos sofistas).

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