FILOSOFIA O CONHECIMENTO: MITO E FILOSOFIA Ao iniciarmos o percurso que nos remete à busca do conhecimento, é relevante levantar um questionamento quanto ao seu significado: afinal, em que consiste o ato de conhecer? Passamos a conhecer quando percebemos o mundo ao nosso redor; é como se aquilo que percebemos tenha, no momento da percepção, nascido ou surgido pela primeira vez junto a nós; isto implica uma noção de reciprocidade, pois sabermos de alguma “coisa” leva esta “coisa” a ter o conhecimento de nós! Estranho? Vamos colocar da seguinte maneira: a percepção de algo muitas vezes corresponde à sua visualização; assim, sua existência passa a alterar nossa vida. Conhecer, então, pode ser definido como um ato de consciência a res- peito de “algo” que nos afeta, que nos estimula. É o que ocorreu com o homem pré-histórico ao se deparar com o fogo. O contato com o fogo gerou - lhe temor, já que a sensação de queimadura é dolorosa, mas, ao mesmo tempo, despertou-lhe certo interesse, já que o calor emanado por esse elemento propiciava-lhe sensação de conforto, estimulando- o a mexer mais ainda com ele, aprendendo a alimentá-lo e, posteriormente, a produzi-lo. O conhecimento surge de nossa experiência sensível, tornando-se uma forma de aprendizado indispensável para garantir nossa sobrevivência e comodidade. Nossa capacidade de observação também nos ajuda a produzir e dominar certos conhecimentos. Ao observar os pássaros bicando frutos, o homem descobriu alguns alimentos sem correr o risco de morrer envenenado; ao observar como os animais se afastavam do fogo, ele passou a utilizá-lo para se proteger. Depois de algum tempo, já havia certa consciência a respeito do fogo, incluindo seu domínio e uso que abrange desde a culinária até a metalurgia Portanto, o conhecimento nasce da curiosidade que o mundo ao nosso redor nos desperta e possui um caráter dinâmico e cumulativo, pois o domínio sobre o fogo implicou o desenvolvimento de outros saberes: cozinhar, assar, fabricar objetos de metal etc. Conhecer, então, é uma habilidade humana que nos ajuda a saber mais respeito daquilo que é alvo de nossa atenção, de modo que os desafios do dia a dia e os enfrentamentos de novas situações produzam estímulos para ampliar nosso conhecimento. A percepção de aquecimento proporcionada pelo fogo, quando nos encontramos em um lugar frio, gera bem-estar, conforto. Passamos a praticar então a abstração, construindo um universo mental que se estrutura nas analogias e correspondências múltiplas do mundo que nos rodeia. Este simples exemplo relacionado ao significado e uso do fogo nos permite entender o “ato de conhecer” como a relação que se estabelece entre o sujeito que conhece e objeto a ser conhecido, como também o resultado desse ato (In: ARANHA; MARTINS. Filosofando. São Paulo: Moderna, 1993. p. 21). FORMAS DE CONHECIMENTO O conhecimento assume formas distintas para que possamos compreender o mundo que nos cerca. Vejamos, a seguir, algumas delas: O conhecimento pelo senso comum: trata-se de um conhecimento espontâneo, resultante das experiências vivenciadas pelos seres humanos no cotidiano da sua existência, isto é, no seu dia a dia. Por não ser um conhecimento adquirido de maneira mais sistematizada, um dos grandes problemas que podem ser gerados pelo senso comum é o preconceito em geral. Não respeitar as minorias e desprezar uma pessoa pela cor da sua pele, por exemplo, são atos resultantes do desconhecimento e da falta de elaboração nas informações. Senso comum: compreensão de mundo que é fruto de crenças e tradições, das quais nos aproximamos por meio dos sentidos, da memória, dos hábitos, dos desejos, da imaginação, da razão. Pelo senso comum, fazemos julgamentos, estabelecemos projetos de vida, adquirimos convicções e confiança para agir. FORMAS DE CONHECIMENTO O conhecimento mitológico: foi a primeira tentativa de explicação do mundo feita pelo homem, ainda que de maneira fantasiosa. Os mitos são carregados de imaginação e crença, o que nos leva a concluir que não passam pela sistematização do conhecimento. A questão da crença, inclusive, aproxima o mito da religião. O mito é uma representação coletiva, transmitida por meio de várias gerações e que relata uma explicação do mundo. Trata-se de uma maneira de a sociedade explicar os fenômenos que a cercam, assim como uma tentativa de explicar a si próprio. Mito: relato fabuloso, de caráter religioso, que diz respeito a seres que personificam agentes naturais. O mito tende a fornecer uma resposta e uma explicação satisfatórias. Possui igualmente uma função que assegura a coesão social. RUSS, J. Dicionário de filosofia. São Paulo: Scipione. 1994, p. 187. O conjunto de mitos mais importantes, utilizado por um determinado povo como modelo para entender o mundo à sua volta, é o que se costuma chamar de mitologia. Gilbert Durand (2002), um antropólogo francês que elaborou uma teoria segundo a qual o homem é um ser simbólico, que, por meio de discursos, se vale de categorias gerais como modelos para compreender coisas particulares. Esses discursos, assim configurados, seriam mitos. A conclusão da teoria de Durand é a de que o mito não é um fenômeno da Antiguidade simplesmente, mas também atual. Para exemplificar sua teoria, Durand menciona o mito do progresso. Para ele, a ideia de que o mundo e o homem estariam em um processo de constante melhoria, em direção a um estado de perfeição, seria um mito. Afinal, podemos explicar a forma como nos relacionamos com o tempo de maneira linear (passado, presente e futuro), e não apenas cíclica (ciclo do Sol, da Lua, das colheitas). E essa explicação de como podemos nos relacionar linearmente com o tempo serve de modelo para muitas pessoas, tanto na vida cotidiana quanto na ciência. Outro mito muito frequente na Antiguidade e ainda presente hoje é o mito do herói. Nesse tipo de mito, o protagonista da narrativa, ou seja, o herói, procura enfrentar alguma ameaça pelo uso da força ou de seu poder, obtendo a vitória final e trazendo a salvação para aqueles que estavam sob essa ameaça. Ao que tudo indica, o mito do herói teria surgido nas narrativas das sagas antigas, mas nunca mais deixou o imaginário humano, estando hoje muito presente no cinema e na literatura. A classificação dos mitos Os mitólogos (aqueles que estudam a mitologia) estabelecem diferentes critérios para classificar os mitos. O critério mais comum é pelo tipo de objeto a respeito do qual eles trazem explicações de origem. Assim, os mitos que explicam a origem dos deuses – ou o nascimento deles – costumam ser chamados de teogonia (do grego theos – deuses – e genos – origem). Entre as teogonias antigas mais conhecidas, estão as de Zeus, Apolo e Hermes. Já os mitos que explicam a origem do universo são denominados de cosmogonia (do grego cosmos – mundo – e genos – origem). Na cosmogonia asteca, povo nativo do México, por exemplo, o Sol e a Lua teriam surgido quando dois dos deuses reunidos para a criação do mundo se lançaram em sacrifício dentro de uma fogueira. Ainda, os mitos que explicam a origem dos seres humanos são chamados de antropogonia (do grego anthropos – homem – e genos – origem). Na antropogonia maia, povo nativo da Guatemala, o surgimento do ser humano é descrito como algo que aconteceu depois de algumas tentativas frustradas dos deuses. Primeiro, os deuses tentaram criar a humanidade a partir Por fim, aos mitos que explicam a da lama, e, depois, a partir da madeira, mas não tiveram sucesso. causa da origem de qualquer coisa, Finalmente, a humanidade foi criada a partir do milho, que era como o fogo, a água ou lugares, um alimento essencial para a subsistência do povo maia. damos o nome de mitos etiológicos (do grego aitía – causa – e logos – estudo). SURGIMENTO DA FILOSOFIA FORMAS DE CONHECIMENTO O conhecimento filosófico: trata-se de um tipo de conhecimento essencialmente teórico, adquirido por quem o pratica por meio de uma exaustiva reflexão crítica acerca da realidade, da ação humana e dos seus valores. O filósofo não se contenta em “contar uma história” sobre as origens do mundo e do ser humano; ao contrário, busca entender e explicar racionalmente essas origens, por meio da sistematização do pensamento. Este raciocínio está ligado a um encadeamento lógico que visa a não cair em contradições. É a razão tentando buscar a realidade e a verdade das coisas. A filosofia requer reflexão constante e é um eterno voltar- -se a si mesma, passando por caminhos diversos que sempre levam o homem a descobrir novos princípios e ideias, o que a faz ter caráter investigativo, não se atendo a nenhum ensino estagnado. O conhecimento científico: desenvolvido a partir do conhecimento filosófico, é uma forma de conhecimento elaborada por meio de métodos rigorosos de investigação, entre eles a utilização da experiência, que busca obter leis de explicação racional e de validade universal para os fenômenos analisados. AS FERRAMENTAS DA INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA Durante a reflexão, o filósofo precisa de ferramentas que aperfeiçoem a atitude reflexiva dele. Elas são poucas, mas, ao mesmo tempo, extremamente eficientes: intuição e raciocínio lógico. A intuição é a visão primeira que o filósofo tem do todo da realidade. É como uma iluminação súbita – um relâmpago – que o leva a se empenhar para encontrar as partes articuladas na composição desse mesmo todo. A intuição, portanto, norteia o filósofo na superação do seu problema vital. O problema vital é algo que o filósofo traz para a sua vida porque o atormenta como a única questão que vale a pena ser resolvida – e nenhuma outra mais importa. O problema vital afeta a vida particular e a vida coletiva do ser humano. Entretanto, ele precisa de meios para expressar essa intuição corretamente. E é aqui que encontramos a segunda ferramenta da Filosofia: a raciocínio lógico. AS FERRAMENTAS DA INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA O que significa raciocínio lógico? Uma resposta imediata seria: um pensamento que surge de outro pensamento. Porém, esse raciocínio não pode ser desordenado. Ele deve ter uma lógica – isto é, uma ordem, um sentido, um limite – para que o seu pensamento acompanhe a realidade e os fatos que você testemunhou. O pensamento limitado pela lógica é orientado por indução e dedução. RACIOCÍNIO DEDUTIVO E INDUTIVO O pensamento limitado pela lógica é orientado por indução e dedução. Você pode nunca ter ouvido esses termos antes, mas certamente já recorreu a esses modos de raciocínio. Quer saber como? Em alguns jogos de videogame, você tem de descobrir os caminhos de cada uma das fases do jogo para conseguir passá-las. Concluir uma fase por meio da descoberta de cada parte é um processo indutivo. No raciocínio indutivo, há a observação da passagem do objeto particular para o objeto geral. Entretanto, em um jogo de várias fases, todo jogador reconhece alguns desafios que são padronizados, que aparecem em todas as fases. Nesse caso, você, quando entra no desafio da fase, recorre aos procedimentos que lhe dão a solução de que precisa. Ao fazer a passagem do objeto geral (conhecimento dos desafios em geral) para o particular (o desafio de cada fase), você desenvolve um raciocínio dedutivo. Logo, pela dedução e indução, podemos captar o que seria o pensamento dentro de vários pensamentos e o que eles significam, formando assim um todo e uma unidade.