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lógica subjacente ao próprio inconsciente. Freud nunca
falou nada sobre indeterminação do inconsciente, pelo
contrário, sua conclusão é que há uma determinação
própria a ele. Trocando em miúdos; o inconsciente
não é um caos indeterminado de forças sem registro
simbólico organizado, o fantástico dessa conclusão reside
na possibilidade de compreensão dada a sintaxe que lhe
é própria.
Freud muito cedo percebeu que o inconsciente se
mostra nas lacunas do relato e são nos fenômenos
lacunares que a descontinuidade demonstra algo a
ultrapassar o próprio sujeito. Nas suas manifestações, o
sujeito se sente ultrapassado por um outro desconhecido:
um negativo à objetividade que processa algo da verdade
daquilo que estrutura sua certeza de si. É quando o sujeito
da verdade se vê atropelado pelo sujeito do inconsciente.
Um outro sujeito que se oculta em nós mesmos e
muitas vezes aparece como oposição ao que cremos
ser. Impressionante como essa conclusão freudiana se
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apresenta no famoso livro O duplo de Dostoiévski3.
Nessa obra a personagem principal, o conselheiro titular
Goliadkin, se depara com ele mesmo, que é um outro, e
lhe usurpa a identidade. Nesse vertiginoso caso fictício
apreendido por Dostoiévski vemos se esboçar o sujeito
do inconsciente que vai ser visualizado por Freud.
O inconsciente não é e, portanto, é essa característica
pré-ontológica, esse caminho irrealizado que
emerge de maneira evanescente através do chiste, da
parapraxia – pequenos erros mnemônicos operados por
esquecimentos aparentemente triviais – e dos sonhos,
que permite um olhar sobre a função limitada do desejo.
O desejo encontra seu limite no prazer e o seu princípio
é aquilo que lhe dá contornos. São nesses fenômenos
lacunares impulsionados pelo desejo que se encontra uma
outra ordem; a ordem do inconsciente com sua lógica
própria. De modo que o inconsciente não é o caos ou a
indeterminação, mas uma outra estrutura capaz de ser
analisada e cujas determinações existem na evanescência
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sujeito faz de si. Descontinuidade marcada pela lógica
do inconsciente e suas representações. Para Freud o que
encontra resistências para ser rememorado se repete na
conduta, a análise busca a revelação justamente do que se
repete. Nesse processo há um momento significativo da
passagem de um sujeito ao outro, e o lugar da fala surge
como lugar da verdade. Se incita então a abertura aos
processos lacunares que podem revelar aquilo que não
está presente.
O curioso nesse processo é que a interpretação do
analista nada mais é do que a demonstração de que
o inconsciente já está interpretado na demonstração
daquilo que foi expresso pela sua abertura através da fala
do analisando. É na transferência que o inconsciente volta
a se fechar e é nela que se possibilita a interpretação de sua
sintaxe. Eis sua contradição: se inicia a interpretação no
exato instante em que o inconsciente escapa. É evidente
que, nesse processo, uma determinada representação
pode evadir-se à censura e ingressar nas instâncias Pcs-
Cs. A suposição de Freud nessa passagem é que cada
sistema psíquico carrega consigo um investimento
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econômico específico. Para entender esse processo
precisamos compreender as características sistemáticas
que organizam o inconsciente segundo Freud.
O sistema do inconsciente
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são “representantes-representações” das pulsões que
não podem tornar-se conscientes enquanto tais. Esses
conteúdos ao descarregarem-se de seus investimentos
pulsionais reequilibram as forças do aparelho psíquico.
A lógica do inconsciente não é excludente, mas
paraconsistente. Isso significa que desejos antagônicos
podem conviver sem desestruturar a relação psíquica
quando são reequilibradas através da economia libidinal.A
negação, ou o princípio de não contradição, não faz parte
do inconsciente. Interessante, antes de seguir, apreender
que o aparelho psíquico não possui uma natureza
ontológica, quando Freud o aproximou de um modelo
físico, tomado de empréstimo da termodinâmica, levou
em consideração a relação de forças que se reequilibram
no psiquismo.
Voltemos ao ponto anterior: o processo secundário se
executa na instancia do pré-consciente e do consciente,
nele as representações são mais estáveis e se mediam pela
realidade. Sendo assim, a posição primária se articula
pelas pulsões não mediadas que, à medida da mediação,
estabilizam a subjetividade. Esse processo é caracterizado
por dois mecanismos: o deslocamento e a condensação.
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Então “os processos primário e secundário são ainda
respectivamente correlativos do princípio de prazer
e do princípio de realidade: enquanto os processos Ics
procuram satisfação pelo caminho mais curto e direto
(isto é, sem mediação), os processos Cs, regulados
pelo princípio de realidade, são obrigados a desvios e
adiamentos.5”
Na abertura aos fenômenos do inconsciente não há
contradição ante sua lógica, na fenda pela qual se observa
o que estrutura o desejo não há função do tempo. É
interessante perceber que o inconsciente expresso pela
irrupção do desejo desnuda um caráter interessante
pensado por Freud: o inconsciente não envelhece
tampouco os seus desejos. O desejo se afigura como
um movimento em devir. Portanto, podemos afirmar
que o inconsciente e o desejo escapam ao tempo: se o
passado está morto e o futuro não existe, na apresentação
da imagem do desejo está a indestrutibilidade. Por isso,
o inconsciente além de ter um sistema próprio também
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tem uma temporalidade que é só sua.
Para fixar
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