A discussão buscava por um empirismo, um apoio na experiência, e isso é demonstrado
na obra freudiana (As pulsões e seus destinos) Avançar no campo empírico implica em retomar e enriquecer a todo tempo a conceitualização Freud: O verdadeiro início da atividade científica consiste na descrição dos fenômenos. De início, são aplicadas ideias abstratas com certo grau de definição. Surgem convenções que não são arbitrariamente escolhidas, mas determinadas por terem relações significativas que sentimos “intuitivamente” ter relações com o material empírico. Só depois de uma investigação mais completa do campo de observação podemos formular progressivamente os conceitos básicos, passíveis de modificações. Em as pulsões e seus destinos, Freud chega a algumas definições importantes, mas não sem antes alertar de que “o avanço no conhecimento não tolera ... nenhuma rigidez nas definições, pois “mesmo conceitos básicos, que tenham sido fixados em definições, estão sendo constantemente alterados em seu conteúdo”. Começa, assim, o escrito sobre a pulsão Menciona a fala de Perrier na noite anterior sobre os distúrbios psicossomáticos e as relações de objeto. Critica seu argumento dizendo que a relação narcísica é logicamente anterior à relação de objeto e questiona a oposição entre interior x exterior do corpo. A menção aos fenômenos psicossomáticos o conduz a tratar dos órgãos que estão em jogo na relação narcísica, imaginária, onde o eu se forma. Pulsão: pressão (constante), meta (satisfação), objeto e fonte. Aí, então, fala da fonte da pulsão. Do órgão (o olho) envolvido na estruturação do eu em torno da imagem especular do próprio corpo. O próprio conceito de pulsão não suporta uma oposição dentro/fora. A relação narcísica e a estruturação do eu envolve uma força pulsional e alguns órgãos envolvidos. Constitui a relação do eu ao outro e o mundo dos objetos. Antes disso, reinava o autoerotismo. Nos fenômenos psicossomáticos, haveria uma erotização de um órgão. Um vestígio do investimento pulsional. Isso se dá no estágio autoerótico, antes do narcisismo e do consequente investimento nos objetos. Assim, antes mesmo que uma neurose possa ser formada a partir de um conflito. Não há conflito no autoerotismo. “A neurose está sempre enquadrada pela estrutura narcísica” 135 As reações psicossomáticas estão “fora do âmbito das construções neuróticas. Não se trata de uma relação ao objeto. Trata-se de uma relação a algo que está sempre no limite de nossas elaborações conceituais...” 135. Estão, portanto, no nível do real. Fonte e objeto da pulsão 136. Quando “se trata dos investimentos denominados autoeróticos, não podemos distinguir a fonte e o objeto. Disto nada sabemos, mas parece que o que podemos conceber é que se trata de um investimento sobre o próprio órgão” 136 “Lembrem-se do seguinte a respeito da exterioridade e da interioridade – esta distinção não tem nenhum sentido no nível do real. O real é sem fissura. (...) para apreendê-lo, não temos outros meios (...) a não ser por intermédio do simbólico” 137 2 Repetição. “é preciso concebê-la como ligada a um processo circular do intercâmbio da fala” 138. Circuito simbólico exterior ao sujeito (discurso do Outro) e ligado a agentes humanos no qual o sujeito se acha indefinidamente incluído, num círculo que se denomina seu destino. A repetição, que se presentifica no discurso, escapa ao sujeito e, numa volta, “continua, volta sempre pronto a entrar na dança do discurso interior” 138 E, sem as condições de análise, o mais natural é que um sujeito passe a vida sem entender do que se trata essa repetição. “A análise é feita para que ele entenda, para que compreenda em que roda do discurso está tomado, e da mesma feita em que outra roda tem de entrar” 138-9 Sobre o projeto: Ressalta a importância do texto no pensamento de Freud, servindo como um protótipo das concepções seguintes, incluindo a de pulsão. Ao falar de desejo, Freud fala da correspondência entre o objeto que se apresenta e as estruturas já constituídas no eu”. “ou bem o que se apresenta é o que é esperado, e não é nem um pouco interessante, ou bem não dá muito certo e isso é interessante, pois qualquer espécie de constituição do mundo objetal é sempre um esforço para redescobrir o objeto” 140 Duas estruturas da experiência humana: reminiscência (faz com que o humano reconheça seus objetos, porque, de certa maneira, ele os conhece desde sempre) e a repetição (a conquista, a estruturação do mundo num esforço de trabalho). “Na medida em que o que se apresenta a ele só coincide parcialmente com aquilo que já lhe proporcionou satisfação, o sujeito se põe em busca, e repete indefinidamente sua procura até reencontrar este objeto” 140. Objeto perdido. “O objeto se encontra e se estrutura por via de uma repetição – reencontrar o objeto, repetir o objeto. Só que, nunca é o mesmo objeto que o sujeito encontra. Em outras palavras, ele não para de engendrar objetos substitutivos” 140 Repetição “como estruturando o mundo dos objetos” 141. Apropriação. “condição estrutural da constituição do mundo objetal no homem – a redescoberta do objeto” 141 Capítulo XV Par ou ímpar? Para além da intersubjetividade Propõe-se mais uma vez a falar de cibernética para tentar alcançar a questão que vem ocupando sua obra: o que é um sujeito? E, no sentido freudiano, o sujeito é o sujeito do inconsciente e é aquele que fala para além do ego. Sonho da injeção de Irma e do homem dos lobos. No caso do homem dos lobos, o sonho tem um caráter intelectualizado, uma busca autêntica por decifração por parte do sujeito, mas que, no entanto, não obtém êxito. A ocasião da repetição desse sonho em dado momento de sua análise faz algo se deslocar e a análise caminhar. Trata-se do sonho dos lobos montados em uma grande árvore, observada através da janela. Serão mesmo lobos? É um sonho que se revela de extrema riqueza, que desencadeia associações que levam Freud e o analisando à des-coberta, à reconstrução da cena primitiva. É um sonho também paradigmático para desvelar, para Lacan, o mecanismo operante na psicose (Verwerfung). A cena primitiva não é revivida na memória, mas reconstruída em análise por meio de associações. Entre esta cena e o que o sujeito vê no sonho há uma distância maior do que o normal entre o conteúdo latente e o manifesto de um sonho. Na cena e no sonho, há uma visão fascinante, pela qual o sujeito fica cativado. A visão, no entanto, aparece invertida: “É no olhar destes lobos, tão angustiante no relato que dele fornece o sonhador, que Freud vê o equivalente do olhar fascinado da criança diante da cena que a marcou profundamente no imaginário e desviou toda a sua vida instintual” 239. Quer dizer, no olhar angustiante dos lobos, surge o olhar do próprio sujeito, fascinado diante da cena primitiva. O sonho é capaz de recuperar, numa cadeia simbólica, aquilo de indizível por onde o sujeito se estilhaçou. Assim como no sonho da injeção de Irma, “o sujeito se descompõe, se esvaece, se dissocia nos seus diversos eus”, numa referência à vivência de despedaçamento do corpo que o estádio do espelho reúne em unidade. A captura imaginária na psicose, que acontece sem a intervenção do simbólica que pode servir de contraponto, de relativização, está na gênese e na economia da alucinação psicótica. O sonho marca um começo na análise, revelando algo da estrutura. Freud encontra-se em posição de impasse com relação a este caso, já que não consegue discernir, pela estrutura do discurso, uma psicose. Lacan chega a se questionar se este desconhecimento não o levou a manobras analíticas passíveis de desencadear um surto. Os sonhos parecem recuperar ou apreender algo de um real derradeiro. Lacan chega a destacar que os sonhos relatados por Freud revelam algo de seu, de sua angústia. Daí, pôde teorizar sobre o umbigo do sonho, “esta relação abissal ao mais desconhecido que é a marca de uma experiência privilegiada, excepcional, onde o real é apreendido para além de toda mediação, quer seja imaginária, quer simbólica” 239. Tais experiência excepcionais ligadas ao real são indícios de uma relação com o Outro absoluto, “um outro para além de toda intersubjetividade” Aqui, entendo ter resquícios da crítica de Lacan à intersubjetividade, à relação entre dois, visto que entre o sujeito e o Outro não há propriamente separação, visto que o ics é o discurso do Outro. Para que ele diga, lá na frente, que não há relação sexual, parecer ter precisado passar por isso antes. Este para além da relação intersubjetiva se dá num plano imaginário, na imagem de um dessemelhante que não faz par, “que é a própria imagem da deslocação, do rasgamento essencial do sujeito” 240 Num para além da vidraça onde sempre vê, amalgamada, sua própria imagem, cessa-se qualquer interposição entre o sujeito e o mundo. A vivência do corpo despedaçado é atualizada. Nisto (plano da alucinação), parece haver uma passagem para uma espécie de a- lógica, mas logos não se deixa vencer, pois não falamos necessariamente de incoerências (a construção delirante pode ser mais ou menos coerente). Isso porque é aí que se inicia uma significação (o que é próprio do delírio e que parece ter ocorrido com o próprio Freud). Para além da experiência aterradora do sonho, o sujeito para em significações (o deslizamento incessante encontra ponto de basta). O sujeito é centrado num ego, em torno do qual centra-se a relação imaginária. O ego não é só o sujeito, mas relação ao Outro, ponto de partida e de apoio. É a partir do ego que os objetos são olhados e, consequentemente, que o desejo pode constituir-se. “O sujeito não pode desejar se dissolver-se ele próprio” 240, não é “capaz de desejar sem estar fundamentalmente separado do objeto”. Não há cs sem ego. O ego aparece como um objeto privilegiado no mundo dos objetos. Consciência: tensão entre um ego alienado e uma percepção que fundamentalmente lhe escapa (percipi) 241. O sujeito seria idêntico a esta percepção se não houvesse este ego que o faz emergir de sua própria percepção numa relação tensional. O sujeito precipita-se num enfrentamento entre o eu e o quod que procura advir na análise. Marcação pág 241 Jogo par ou ímpar do conto de E.A. Poe ...