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CLaP – Curso de Formação Continuada


Aula de 20 de maio de 2008

DIFERENÇAS ENTRE NEUROSE E PSICOSE

Antonia Claudete A. L. Prado


Psicóloga-Psicanalista
ESTRUTURAS CLÍNICAS
Neurose, psicose, perversão: decorrem do Complexo de Édipo.

O NEURÓTICO
Re-arranja a realidade = foge, evita um fragmento ameaçador
da realidade, não a repudia, ele ignora uma parte censurada.

O PSICÓTICO
Cria outra realidade, substitui a realidade repudiada.

O que está na base da neurose e da psicose é o mesmo


mecanismo: a frustração, decorrente da não realização de
desejos infantis em razão de exigências da realidade (mundo
externo) ou do superego (mundo interno).
O APARELHO PSÍQUICO
Freud
EU SUPEREU ISSO
Pensante,instância
valorativa. Compara o eu
ao Ideal de Eu. Exerce O que não é eu, nem
Aquele que é pensado. funções específicas do eu: supereu. Aquilo que é.
auto-observação, consc.
moral, auto-estima.

Lacan
IMAGINÁRIO SIMBÓLICO REAL
Mundo da linguagem, das Realidade psíquica
significações, dos impossível de ser
Lugar do eu e dos objetos.
significantes, das representada. Está fora do
representações. simbólico, sem nome.
NEUROSE PSICOSE
Re-arranjo da realidade – protege o
Substituição da realidade
sujeito do fragmento ameaçador

Ruptura com a realidade psíquica (interna) Ruptura com a realidade exterior

Serve-se da fantasia ligada ao ego para Busca substituir a realidade pela


remodelar a realidade, com a qual alucinação e pelo delírio. Cria uma
restabelece a relação outra realidade

O recalcado se impõe A realidade se impõe

O fracasso se dá porque a pulsão O fracasso se dá porque a realidade


sempre se impõe sempre se impõe

Não traz satisfação completa Não traz satisfação completa

Não há uma solução satisfatória A realidade não é satisfatória

Tarefa mal sucedida – não há um substituto Tarefa mal sucedida – não há uma
ideal para o material reprimido representação que crie uma realidade
satisfatória
NEUROSE PSICOSE

Entrada na ordem simbólica, pela


Foraclusão do Nome-do-Pai
bejahung
Ordenada pelo Nome-do-Pai, pelo
Comandada pelo gozo, pelo Real
Simbólico

O sujeito se sustenta no Simbólico O sujeito se sustenta, fragilmente, no


Imaginário
À pergunta que sou para o outro, a resposta
À pergunta que sou para o outro, não se dá a
vem na significação fálica, na fórmula do
entrada do significante NP, este é foracluído
fantasma
O gozo é regulado pela significação O gozo está à deriva, desregrado, sem
fálica, pela Lei lei

O inconsciente está escondido, cifrado. Ao O inconsciente está a céu aberto, exposto,


ser tocado de alguma forma (lapsos, sonhos, fora da cadeia significante. Estando fora, o
sintoma, intervenção...) o sujeito aí se vê sujeito não reconhece o material como seu

Grande Outro barrado pela lei, faltante, O grande Outro sem barra, sem falta,
desejante. Pos. do sujeito: objeto de desejo gozador. Posição do sujeito: objeto de gozo
NEUROSE
No declínio do Édipo, o ego se afasta do Complexo de Édipo
originando o recalque, que pode ter dois destinos*:
1. Destruição completa do Complexo de Édipo – o recalque ideal que
seria a normalidade;
2. Repressão do Complexo de Édipo mantendo-o recalcado no
Inconsciente – o recalque mal sucedido que se manifestará mais
tarde no sintoma, no ato falho, no sonho.

Freud afirma que:


• não existe uma fronteira nítida entre o normal e o
patológico;
• os sintomas trazem, de forma distorcida, os desejos
infantis que resistiram ao recalque.
* Dissolução do Complexo de Édipo (Freud, 1924)
NEUROSE
Lacan, no Seminário 4, traz a noção de um recalque eficaz que se
ligaria à entrada em ação da função paterna, para substituir o
desejo da mãe liberando o sujeito da manifestação sintomática
dos conteúdos que permanecem no inconsciente.

Na neurose, o analista deve recorrer à história infantil do sujeito.


Freud recomenda que as análises dos neuróticos lidem de modo
completo com o período mais remoto , a época da primeira
eflorescência da vida sexual*.

Para Freud, o sentido do sintoma** se liga diretamente às


experiências vividas pelo paciente. O sintoma vem se instalar
exatamente ali, no lugar do trauma. A reconstrução dessa história
engendra um sentido capaz de eliminar o sintoma.
* Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica (1925).
** O futuro d uma ilusão (1927).
NEUROSE

Cabe ao analista investigar essa conexão, que é particular de


cada um dos sujeitos. Algo aparentemente sem sentido
encontra ressonância em uma experiência passada, cuja
relação produz uma consistência lógica.

Porém, um sentido último é impossível atingir – por mais que


se ligue e religue, as lembranças do paciente são sempre
encobridoras*. Sempre ficarão pontos que permanecem
intocados no trabalho de análise**.

* Lembranças encobridoras. Freud (1899).


** Análise terminável e interminável. Freud (1937).
NEUROSE

Lacan, retomando essa trajetória de Freud, pondera:


a) se não há um sentido último para o sintoma;
b) se vai ficar sempre um resto impossível de ser
simbolizado - o real, que se articula ao gozo, ao fantasma;
c) Então, se não dá para mirar o sentido, onde situar o final
de análise?

O final da análise está para além da produção de sentido,


além do Édipo, a interpretação não visa tanto o sentido
quanto reduzir os significantes ao seu não-senso*.

* Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (Sem XI).


PSICOSE
• Freud desenvolve sua teoria sobre as psicoses baseando-se
em Schreber*.
• Fez um estudo cuidadoso nos seus escritos buscando
encontrar um sentido no seu delírio, assim como fez com o
sintoma neurótico.

SENTIDO
SINTOMA DELÍRIO
(Neurose) (Psicose)

Freud parte da neurose para pensar a psicose.

* Memórias de um doente dos nervos (1905).


PSICOSE

Sobre o delírio de Schreber:


ele teria sido designado por Deus para gerar uma nova raça
humana. Ele teria que ser a mulher de Deus. Freud interpreta
esse delírio como uma defesa contra a sua homossexualidade*.

Houve quem já tenha considerado a psicose como uma ‘neurose


mal sucedida’.

Para Lacan, a psicose decorre da carência da função paterna**. A


presença do pai é necessária, mesmo quando ele está ausente.

* Memórias de um doente dos nervos (1905).


** As formações inconscientes (Sem V).
PSICOSE

A psicose não tem pré-história*


O significante não está no Outro, está no próprio sujeito.
Portanto, a intersubjetividade está comprometida.
O significante não representa o sujeito (como na neurose)
para um outro significante.

A tarefa primordial do psicótico está na


reconstrução da sua história.

* As psicoses (Seminário III).


NEUROSE – PSICOSE
• Enquanto Freud parte da lógica da neurose (pelo simbólico) para
tratar a psicose;
• Lacan inverte esse caminho, tratando a neurose a partir da
psicose, entendendo que a psicose está além do simbólico (no
campo do real).

Neurose  Psicose
(Simbólico) (Real) .

• Na neurose, uma parte da realidade psíquica é elidida, mas não


desaparece, continua pertencendo à ordem simbólica. Esta
realidade é guardada secretamente.
• Na psicose, a realidade desaparece, dando lugar a um mundo
real, quimérico, singular do sujeito.
NEUROSE – PSICOSE

• Na neurose, o recalcado pertence à ordem simbólica e, por


uma solução de compromisso, encontra um meio de se
expressar pelo sintoma. Há recalque e o retorno do
recalcado.

• Na psicose, aquilo que não foi simbolizado reaparece no


real. Não há compromisso com o simbólico. A relação do
sujeito com o mundo se dá no plano imaginário, especular,
com construções delirantes que, ainda que de forma precária,
instrumentam o discurso capaz de manter o laço social.
NEUROSE – PSICOSE

Na neurose, a fala é dirigida ao Outro, enquanto alteridade


reconhecida, e ao outro semelhante, numa relação de
identificação. A comunicação é povoada de incógnitas do
tipo: ‘será que ele me ama?’; ‘o que será que ele quis dizer
com isso?’; ou, ‘o que será que ele pensa de mim?’. Há uma
mensagem que vem do outro.

Na psicose, a fala é dirigida ao outro especular, e o que


retorna é a própria mensagem. O psicótico não tem dúvida
do que o outro disse, não há uma questão sobre o sentido.
NEUROSE – PSICOSE

Recorte de uma Apresentação de Pacientes*:


A paciente voltava do açougue quando cruzou com um
vizinho, considerado por ela como ‘mau caráter’.
Ao passar por ele, ela disse: eu venho do salsicheiro. Ele,
então, teria dito: porca. Ela afirma, categoricamente, que ele
disse essa palavra. Ela não tem dúvida, nem incerteza do
tipo: ‘eu ouvi’, ou ‘senti que ele disse porca’. A mensagem
porca vem do real, vem dela mesma.
Na psicose, o gozo está à deriva – o ser do sujeito
permanece a serviço do gozo do Outro.
* Paciente entrevistada por Lacan em um hospital de Paris
NEUROSE – PSICOSE

Na psicose, o significante NP está foracluído. O sujeito, não


acede à ordem simbólica. Então, não se dá a articulação entre o
significante e o significado que, pode-se dizer, estão isolados. O
psicótico se apóia apenas no significante com o qual constrói o
seu delírio cujo sentido é particular, marcado pela certeza.

Os registros do Real e do Imaginário carecem da amarração com


o Simbólico, que é dada pelo point de capiton – pela articulação
entre o significante e o significado. Essa articulação produz efeito
de sentido à frase, sentido construído por retroação, a partir do
ponto final. O NP imprime na linguagem o point de capiton.
NEUROSE – PSICOSE
Referências do Sujeito

NEUROSE PSICOSE PERVERSÃO

Inconsciente Delírio Fetiche

Linguagem
Na falta de vinculação
Neurose Psicose com a realidade, o sigte
corre solto
S  S S  S, S, S ... (trama delirante)
s ?  significação exclusiva
O analista intervém, pontua, O analista, secretário do alienado, acolhe,
interpreta, corta, joga com os testemunha, sustenta os significantes, que
equívocos, com as contornam o real, seguram o sujeito no limite
contradições... da loucura. Respeito a tudo que o paciente traz.
SOBRE O DELÍRIO
O delírio é uma tentativa de cura,
não uma manifestação de doença.

O delírio é um modo de lidar com a castração; oferece ao sujeito


psicótico a possibilidade (ainda que precária) de vínculo com o
outro. No dizer de Lacan, um vínculo frouxo, pelo qual o sujeito
investe na tentativa de cura. O delirante, à medida que constrói
uma significação, insere-se no laço social.

A significação do delírio é de uso exclusivo do psicótico.


Ainda que o analista julgue compreender a produção
delirante, esta não deve ser interpretada, nem nomeada ou
articulada – ela não pertence à linguagem comum.
SOBRE A DEMANDA
Neurótico: Demanda de Saber Sobre o enigma do seu
sintoma
Obsessivo
Sou ou não sou?

Histérico
Sou homem ou mulher?

Proteção contra o gozo


Psicótico: Demanda de Abrigo avassalador
Esquizofrênico Delírio
No nível do corpo Erotomaníaco

Paranóico Delírio
No campo do Outro Persecutório

Na Psicose: o analista é o Suposto Protetor, um não-gozador.


Suposto Entendedor o que se passa.
SOBRE O DIAGNÓSTICO
Na clínica médica Na clínica Psicanalítica MÉTODO
Objeto de Estudo
Sintoma Sintoma Organismo Inconsciente
Doença ? Estratégia
Medicamentosa Abord. Do Sintoma
CARACTERÍSTICAS Procedimento

Clínica Médica Clínica Psicanalítica Observação Dialética


CID-10, DSM Estruturas Clínicas Técnica
Classificação Sintoma Anamnese, exames Entrevistas
Universal Particular clínicos, laborat... Preliminares
Finalidade
Apriorístico Suspenso
Remoção do Direção da Cura
Evidências Clínicas Posição do Sujeito
Sintoma
Paciente: objeto Paciente: Sujeito Parâmetros
Médico: fora Analista: incluído Quadro Sintomático Estilos de Defesa
DIREÇÃO DA CURA
Na Neurose
• Retificação e destituição subjetiva pela travessia da fantasia.
• Redução do gozo.
• Reorganização do sintoma em direção a uma criação própria do sujeito.

Na Psicose
• Acolhimento do sujeito mantendo os significantes que ele traz buscando
ordená-los para possibilitar a construção de sentido, para circunscrever o real.
• Re-significação do delírio.
• Estabilização do sujeito.
Todos os nossos discursos não passam de defesa contra o real*.

Lacan se serve da Topologia** para mostrar o ‘contorno do real’ – um Real


implicado no gozo do ser, diferente do gozo fálico. Um gozo regido pela
pulsão de morte, comandado pelo supereu, sob a égide do imperativo
Goza! O lugar do gozo é o lugar das repetições, onde há repetição há gozo.
* Lacan e psicose, (Miller).
** Mais ainda (Sem. XX).
BIBLIOGRAFIA
1. FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica, (1895). Ed. Standard, Vol. I, Ed. Imago, R.J. 1980.
2. ________. Lembranças encobridoras, (1099). Ed. Standard, Vol. III, Ed. Imago, R.J. 1980.
3. ________. A dissolução do Complexo de Édipo, (1924). Ed. Standard, Vol. XIX, Ed. Imago, R.J. 1980.
4. ________. Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica (1925). Ed. Standard, Vol. XIX,
Ed. Imago, R.J. 1980.
5. ________. O futuro de uma ilusão, (1927). Ed. Standard, Vol. XXI, Ed. Imago, R.J. 1980.
6. ________. Análise terminável e interminável, (1937). Ed. Standard, Vol. XXIII, Ed. Imago, R.J. 1980.
7. SCHREBER, D. P. Memórias de um doente dos nervos (1903). Ed. Graal, R.J. 1984.
8. LACAN, J. As Psicoses. Sem. 3. Ed. Zahar, R.J. 1992.
9. ________. A relação de objeto. Sem. 4 Ed. Zahar, R.J. 1995.
10. ________. As formações inconscientes. Sem. 5, Ed. Zahar, R.J. 1999.
11. ________. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Sem. XI, Ed. Zahar, R.J. 1985.
12. ________. Mais ainda. Sem. 20. Ed. Zahar, R.J. 1985.
13. ________. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, in Escritos. Ed. Zahar,
R.J. 1998.
14. Miller, J-A. Lacan e psicose, in Matemas 1. Ed. Zahar, R.J. 1996.
15. ________. A clínica irônica, in Matemas 1. Ed. Zahar, R.J. 1996.
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T P

CLaP – Curso de Formação Continuada


Aula de 20 de maio de 2008

DIFERENÇAS ENTRE NEUROSE E PSICOSE

Antonia Claudete A. L. Prado


Psicóloga-Psicanalista

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