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7.

objeto em lacan winnicott e freud

Tratar da noção de objeto em Freud, Winnicott e Lacan, é falar das diferenças entre eles,
mas também do campo comum da psicanálise que aparece como uma originalidade para
o pensamento moderno. A descoberta freudiana cria uma noção de objeto que já não é
mais simplesmente um objeto que está diante de um sujeito, como o das filosofias
modernas e o da ciência. Com a psicanálise, também não se trata de apontar um sujeito
cognoscente originário que se relaciona com os objetos por uma estrutura de
consciência. Não se trata, também, de um empirismo estrito que forma o sujeito com
base nos objetos dados pelo mundo. O objeto, desde Freud, forma-se em um movimento
“alucinatório”, que traz sérias consequências para o tipo de sujeito que o pensamento
moderno pode apreender, bem como que tipo de temporalidade está envolvida na
constituição subjetiva (SANTANA, 2021). Por fim, ao congregar os três autores, não
falamos simplesmente de um novo campo do saber, mas de uma ética saliente em uma
prática, tanto da clínica quanto de nossa relação com nós mesmos.

Freud: objeto da pulsão


Dentre todas as possibilidades e usos que Freud faz da noção de objeto...
Coelho Jr. (2001) entende que, em Freud, os objetos são predominantemente a
dimensão secundária da constituição subjetiva, com respeito à primazia das pulsões. As
pulsões são, de modo esquemático, a energia propriamente corpórea, diferindo-se dos
estímulos, que provém do ambiente. O objeto é, assim, objeto da pulsão, aquilo que ela
visa para satisfazer-se. No entanto, Freud percebe, desde cedo, que este objeto é
inalcançável, posto que a primeira satisfação da pulsão não pode ser reproduzida.
Dizendo de outro modo, Freud, n’As pulsões e suas vicissitudes, diz que o objeto é
aquele que proporciona o alcance da meta pulsional, mas que não está na origem da
pulsão, como é o caso da fonte da pulsão (zona corporal), vinculando-se a ela apenas
por poder satisfazê-la.
Neste sentido, apesar de existir um objeto que é originariamente visado, o objeto sob o
qual ela se satisfaz é um objeto parcial, de satisfação parcial, que adquire, depois,
estatuto de representação psíquica. Assim, o objeto da pulsão é, ao mesmo tempo,
indiferente e qualquer um. Depois do momento do narcisismo, quando o bebê não se
diferencia do outro, a noção de escolha de objeto direciona o sujeito para a eleição de
um tipo de objeto de amor, mas resta a primazia dos objetos das pulsões. Ou seja, apesar
de se apoiar em uma escolha concreta, a escolha do objeto de amor também é marcada
pela dimensão das representações psíquicas advindas das primeiras experiências (o que,
daquela escolha, carrega de traços dos primeiros objetos, ou mesmo traços do próprio
Eu que fora tomado como objeto). Assim, Freud (xx) pode dizer que o encontro de um
objeto de amor é sempre um reencontro.
Por outro lado, segundo Coelho Jr (2001), o objeto também pode transitar para a
primazia na formação subjetiva, na medida em que compõe as primeiras identificações
que, associadas, criam a dimensão do Eu.
Temporalidade freudiana: a ideia de linearidade progressiva sofre um duplo golpe, ou
seja, tanto ressalta-se a linha regressiva, onde o passado explica certas ocorrências do
presente, quanto ressalta-se a dimensão a posteriori da experiência, onde certas
vivências só adquirem sentido no futuro.
Uma consequência importante desta concepção freudiana, e que pode ser relacionada
com as concepções de objeto que aparecem em Winnicott e Lacan, é o fato de que o
objeto sob o qual se debruça a psicanálise é propriamente “antropológico”, ou seja, é
uma formação humana que cria um desnível entre a teoria pulsional e as teorias
biológicas que tendem todo desenvolvimento corporal à reprodução da espécie. Em
outros termos, por visar um objeto que pode ser substituído, nossa vida pulsional cria
uma série de possibilidades para a constituição e para o funcionamento da vida psíquica,
que vai se pautar na formação de uma dimensão de fantasia a qual, por sua vez,
precisará da mediação da linguagem simbólica e determinará o modo como,
corporalmente falando, damos vazão aos nossos impulsos e necessidades.
OU
De saída, a noção freudiana de objeto em sua relação com a pulsão leva à formação do
aparelho psíquico, que se constrói sob a necessidade de lidar com a dinâmica pulsional,
aproveitando-se de sua plasticidade e da capacidade do objeto se transformar em objeto
parcial, passando também por todos os mecanismos de projeção e introjeção que
formam o Eu.
Winnicott
Winnicott formula o objeto como objeto transicional, a partir de sua prática com bebês
no contexto da pediatria. O pano de fundo é a noção de fenômenos transicionais, isto é,
algo que acontece em uma dimensão “entre” o sujeito e o mundo externo, “nem dentro e
nem fora” (WINNICOTTI, 1975). Posteriormente, o psicanalista inglês denomina esta
dimensão como espaço potencial, para se referir ao que ocorre, por exemplo, no brincar,
que deve ser localizado nem dentro da realidade psíquica, nem no exterior, entendido
como dimensão repudiada como “não-eu” pelo princípio do prazer (KLAUTAU;
SOUZA, 2004). Os fenômenos transicionais e o espaço potencial se formam na medida
em que a falta dos cuidados maternos leva a criança a elaborar esta falta do cuidado
materno.
Por outro lado, o espaço potencial nunca se forma, para W., como um espaço
propriamente dito (KLAUTAU; SOUZA), pois, estando sempre a “se fazer”, ele
permite a atividade da fantasia se manifestar de maneira visível, impulsionando a
criação de novos objetos e otimizando, ainda, atividade simbólica. Seria quase uma
homologia entre espaço potencial e objeto a, por poder causar o movimento incessante
em direção ao objeto.

Para Klautau (2014), o objeto transicional é criado como uma metáfora da falta materna,
tem consistência concreta na simbolização da relação mãe-bebê na medida em que esta
começa a faltar. Ele tem por função “sustentar” a ausência, “suportar” a falta, e, no
limite, não permitir que a falta seja apreendida com toda sua proporção. Ele indica uma
espécie de formação subjetiva que se dá por permanência e continuidade.

Lacan
Desde o Seminário 4 sobre A relação de objeto, até as elaborações sobre o objeto a,
Lacan se relaciona com essa dimensão da psicanálise winnicottiana, ao observar, a partir
de Winnicott, que desde as primeiras satisfações oferecidas pela mãe à criança ocorre
uma espécie de indistinção entre alucinação do seio e objeto real de satisfação (Lacan
foi quem trouxe para o francês o artigo original de Winnicott. Para ele, no entanto,
Winnicott se esquece de problematizar a falta do objeto, criando uma relação direta
mãe-bebê (a questão da alucinação estaria por conta de Lacan) e alocando, na distinção
freudiana entre princípios de prazer e de realidade, a presença de dois atores ideias.

Lacan em 64: alienação e separação


Lacan usa da teoria matemática dos conjuntos: de um lado o sujeito, do outro o Outro,
no meio a interseção. Mas, diferente da matemática, o que está no conjunto de
interseção é aquilo que falta aos dois conjuntos, justamente o objeto da pulsão (objeto
a). A falta no sujeito se recobre da falta no Outro, que é nomeada de a.
No lugar “transicional” no qual Winnicott aloca o objeto, Lacan se questiona se não
seria o primeiro espaço de diferenciação entre o desejo e a necessidade.

Diferença
A diferença estaria na ideia de que Winnicott leva a questão do objeto para uma relação
direta entre mãe bebê, isto é, um objeto ocupa o lugar dessa falta, que se constrói na
medida da separação entre o bebê e a mãe. A falta não é apreendida como tal na
experiência winnicottiana, pois o espaço potencial vem substituí-la. Em Lacan, a falta é
a causa do desejo, e nunca substituída por algo, e o objeto a é a apreensão mesma da
falta e não apenas sua elaboração, isto é, a falta é sempre uma presença em Lacan,
independente do que se constrói ao redor dela. Lacan chega a dizer que o objeto
transicional é um emblema, enquanto seu representante da representação está no
inconsciente como causa de desejo.
Ao contrário, em Lacan, o objeto a não suporta a falta, mas a “nomeia” em seu limite,
em sua função por excelência. A perda do objeto (a totalidade da relação mão-bebê, em
termos winnicottianos), não deve ser obturada, mas encarada como deflagrante da
formação subjetiva. O objeto a não é apenas o nome da falta, mas a falta em si. O
processo de subjetivação é marcado, assim, pela descontinuidade.
Tecendo um breve comentário sobre os efeitos clínicos destas diferentes conceituações
de objeto, Klautau (2004;2014) indica o “holding” e a “interpretação”, dispositivos de
Winnicott e de Lacan, respectivamente. O primeiro, “holding”, trata-se de um manejo
que visa a criação de um ambiente no qual o sujeito possa expressar suas elaborações da
falta, em homologia às elaborações necessárias na transição da fusão inicial com a mãe
até o reconhecimento da diferença entre eu e não-eu. O segundo, “interpretação”, trata-
se de um manejo que coloca o próprio analista no lugar da falta, trazendo-a para a cena
analítica e permitindo o aparecimento de produções do inconsciente e manifestações da
pulsão, que, depois, podem ser interpretadas.

Conclusão
É interessante que Klautau (2014), apesar de conceituar estas diferenças, afirma ser
mais interessante um manejo clínico que, sob certo aspecto, possa fazê-las coincidir.
Ora, para Lacan também é preciso garantir que o laço transferencial se mantenha, ou
seja, criar um tipo de ambiente “confortável” que “suporte” a transferência. Em
Winnicott, não se trata de dar vazão aos excessos de tamponamento da falta, mas
também saber colocar-se, quando necessário, como causador do espaço potencial.

Referências
COELHO JR., N. A noção de objeto na psicanálise freudiana. Ágora, v.4, n.2, 2001.
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Rio de Janeiro: Imago,
1996a
_____. As pulsões e suas vicissitudes (1915). 1996b
_____. Luto e melancolia (1917). 1996c
_____. Para além do princípio de prazer (1920). 1996b
Winnicott, D. O brincar e a realidade. Rj: Imago, 1975.
KLAUTAU, P.. Encontros e desencontros entre Winnicott e Lacan: 2a edição revisada e
ampliada. 2a. ed. São Paulo: Escuta, 2014.
KLAUTAU, P.; SOUZA, O. Diálogos entre Winnicott e Lacan: do conceito de objeto
ao manejo clínico da experiência de sofrimento.
LACAN, J. A relação de objeto. Rj: Zahar, 1995.
_____. A angústia. Rj: Zahar,
_____. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rj: Zahar,
_____. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano In. Escritos.
Rj: Zahar, 1998.
SANTANA, I. Outro objeto para outro sujeito.

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