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Tratar da noção de objeto em Freud, Winnicott e Lacan, é falar das diferenças entre eles,
mas também do campo comum da psicanálise que aparece como uma originalidade para
o pensamento moderno. A descoberta freudiana cria uma noção de objeto que já não é
mais simplesmente um objeto que está diante de um sujeito, como o das filosofias
modernas e o da ciência. Com a psicanálise, também não se trata de apontar um sujeito
cognoscente originário que se relaciona com os objetos por uma estrutura de
consciência. Não se trata, também, de um empirismo estrito que forma o sujeito com
base nos objetos dados pelo mundo. O objeto, desde Freud, forma-se em um movimento
“alucinatório”, que traz sérias consequências para o tipo de sujeito que o pensamento
moderno pode apreender, bem como que tipo de temporalidade está envolvida na
constituição subjetiva (SANTANA, 2021). Por fim, ao congregar os três autores, não
falamos simplesmente de um novo campo do saber, mas de uma ética saliente em uma
prática, tanto da clínica quanto de nossa relação com nós mesmos.
Para Klautau (2014), o objeto transicional é criado como uma metáfora da falta materna,
tem consistência concreta na simbolização da relação mãe-bebê na medida em que esta
começa a faltar. Ele tem por função “sustentar” a ausência, “suportar” a falta, e, no
limite, não permitir que a falta seja apreendida com toda sua proporção. Ele indica uma
espécie de formação subjetiva que se dá por permanência e continuidade.
Lacan
Desde o Seminário 4 sobre A relação de objeto, até as elaborações sobre o objeto a,
Lacan se relaciona com essa dimensão da psicanálise winnicottiana, ao observar, a partir
de Winnicott, que desde as primeiras satisfações oferecidas pela mãe à criança ocorre
uma espécie de indistinção entre alucinação do seio e objeto real de satisfação (Lacan
foi quem trouxe para o francês o artigo original de Winnicott. Para ele, no entanto,
Winnicott se esquece de problematizar a falta do objeto, criando uma relação direta
mãe-bebê (a questão da alucinação estaria por conta de Lacan) e alocando, na distinção
freudiana entre princípios de prazer e de realidade, a presença de dois atores ideias.
Diferença
A diferença estaria na ideia de que Winnicott leva a questão do objeto para uma relação
direta entre mãe bebê, isto é, um objeto ocupa o lugar dessa falta, que se constrói na
medida da separação entre o bebê e a mãe. A falta não é apreendida como tal na
experiência winnicottiana, pois o espaço potencial vem substituí-la. Em Lacan, a falta é
a causa do desejo, e nunca substituída por algo, e o objeto a é a apreensão mesma da
falta e não apenas sua elaboração, isto é, a falta é sempre uma presença em Lacan,
independente do que se constrói ao redor dela. Lacan chega a dizer que o objeto
transicional é um emblema, enquanto seu representante da representação está no
inconsciente como causa de desejo.
Ao contrário, em Lacan, o objeto a não suporta a falta, mas a “nomeia” em seu limite,
em sua função por excelência. A perda do objeto (a totalidade da relação mão-bebê, em
termos winnicottianos), não deve ser obturada, mas encarada como deflagrante da
formação subjetiva. O objeto a não é apenas o nome da falta, mas a falta em si. O
processo de subjetivação é marcado, assim, pela descontinuidade.
Tecendo um breve comentário sobre os efeitos clínicos destas diferentes conceituações
de objeto, Klautau (2004;2014) indica o “holding” e a “interpretação”, dispositivos de
Winnicott e de Lacan, respectivamente. O primeiro, “holding”, trata-se de um manejo
que visa a criação de um ambiente no qual o sujeito possa expressar suas elaborações da
falta, em homologia às elaborações necessárias na transição da fusão inicial com a mãe
até o reconhecimento da diferença entre eu e não-eu. O segundo, “interpretação”, trata-
se de um manejo que coloca o próprio analista no lugar da falta, trazendo-a para a cena
analítica e permitindo o aparecimento de produções do inconsciente e manifestações da
pulsão, que, depois, podem ser interpretadas.
Conclusão
É interessante que Klautau (2014), apesar de conceituar estas diferenças, afirma ser
mais interessante um manejo clínico que, sob certo aspecto, possa fazê-las coincidir.
Ora, para Lacan também é preciso garantir que o laço transferencial se mantenha, ou
seja, criar um tipo de ambiente “confortável” que “suporte” a transferência. Em
Winnicott, não se trata de dar vazão aos excessos de tamponamento da falta, mas
também saber colocar-se, quando necessário, como causador do espaço potencial.
Referências
COELHO JR., N. A noção de objeto na psicanálise freudiana. Ágora, v.4, n.2, 2001.
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Rio de Janeiro: Imago,
1996a
_____. As pulsões e suas vicissitudes (1915). 1996b
_____. Luto e melancolia (1917). 1996c
_____. Para além do princípio de prazer (1920). 1996b
Winnicott, D. O brincar e a realidade. Rj: Imago, 1975.
KLAUTAU, P.. Encontros e desencontros entre Winnicott e Lacan: 2a edição revisada e
ampliada. 2a. ed. São Paulo: Escuta, 2014.
KLAUTAU, P.; SOUZA, O. Diálogos entre Winnicott e Lacan: do conceito de objeto
ao manejo clínico da experiência de sofrimento.
LACAN, J. A relação de objeto. Rj: Zahar, 1995.
_____. A angústia. Rj: Zahar,
_____. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rj: Zahar,
_____. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano In. Escritos.
Rj: Zahar, 1998.
SANTANA, I. Outro objeto para outro sujeito.