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Uma Reflexão sobre

A formação do analista e as
implicações em sua práxis clínica

Pós-Graduação
Formação do Analista e a
Ética da Psicanálise
Prof.ª. Mariana Fettuci Grecco
Aluno: George A Gomes

Dezembro 2020
Introdução.

Falar sobre a formação do analista, é falar sobre sua práxis clínica, esta
é o reflexo do cuidado e dedicação ao conhecimento teórico e resultado da
busca constante de aperfeiçoamento e crescimento profissional, tanto as
análises quanto seus analisandos serão afetados pelo seu desempenho clinico,
sendo ou não atravessados pelos seus fantasmas e sombras, é a busca
constante de desenvolvimento pessoal e profissional, que permite que seus
sentidos e insights estejam consoantes e alinhados, o que tanto permitirá
quanto também o capacitará sua percepção para detalhes essenciais,
fundamentais e decisivos no processo de análise e no curso da vida de seu
analisando, se devidamente analisado é claro.

Por isso pensar a formação do analista e as implicações em sua práxis


clínica é fundamental e pertinente ao momento, momento caracterizado pelo
número cada vez maior de escolas, quanto pela diversidade de ofertas e a
pluralidade de formação em psicanálise, facilitada tanto em relação a questão
financeira quanto ao tempo empregado no estudo e aprofundamento da teoria,
aspectos sedutores no atual momento, o trabalho de Maria Lívia T. Moretto, em
um programa de transplante de fígados, nos fornece uma importante
perspectiva sobre a importância de uma formação sólida em psicanálise,
conduzindo em analises candidatos para receber o órgão transplantado, sua
palavra tem um peso decisório considerável na eleição ou não destes, o que
me faz pensar sobre o impacto da fala do analista no setting, em analise, suas
devolutivas, sua condução, e quais desdobramentos surgem a partir desta fala
na vida do analisando.

Eu falei das formações do inconsciente, mas é preciso saber notar as


coisas que eu não falo, pois eu jamais deixei sequer um traço: eu
nunca falei da formação analítica. Eu falei de formações do
inconsciente (Lacan, 1975, p. 186 Apud Alves 2009).
Penso que o tornar-se analista, vai muito além do que uma simples
apropriação do título, após o cumprimento das exigências da formação, ou
mesmo do autorizar-se analista, após superado etapas de formação em escola
com tal finalidade, o processo precisa alcançar a consciência atravessando o
pretenso analista em sua própria analise, um caminho sem volta, e envolto de
peculiaridades, significados e significantes que precisam ser tocados em sua
própria analise pessoal, embora o autor da frase, seja um dissidente da escola
freudiana, sua célebre afirmação faz todo o sentido e cabe muito bem nesta
reflexão: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao
tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana” Carl Jung,
evidentemente que não se pode deixar de citar Freud, em sua orientação e
observação sobre o amor transferencial: “O psicanalista sabe que está
trabalhando com forças altamente explosivas e que precisa avançar com
tanta cautela e escrúpulo quanto um químico” (FREUD, 1969, p. 221). grifo
meu.

Quais são os limites éticos que permeiam delineando tanto o setting


terapêutico quanto a própria análise? Quando avançar e quando recuar
considerando que em análise também lidamos como nossos próprios
fantasmas ou desejos? Além é claro do fato de que o sujeito do inconsciente é
o alvo da análise, ou seja, a verdade do sujeito, são aspectos e questões que,
exigem do analista cuidado e atenção com sua formação, sua prática e é claro
com a condução de si e do projeto analítico.

Isso posto, com o que lidamos então enquanto analistas? Além da


expectativa natural que resulta do processo transferencial sem o qual não é
possível que haja análise alguma, lidamos com o sujeito global e histórico, que
traz consigo um mosaico constituídos de retalhos, dos quais parte resultam da
heranças familiar e histórica, parte são produtos de suas vivencias relacionais e
sociais, há ainda a parte produto da cultura contextual, questões estas que
determinam a singularidade e a individualidade deste sujeito, que constituem a
sua alteridade, (Moretto, Kupermann e Hoffmann 2017) ao abordar sobre
casos limites, e seus desafios para o psicanalista contemporâneo afirmam que
essas complexidades requerem que, “na clínica, a presença sensível do
psicanalista seja convocada para a promoção da experiência do cuidado”
evidentemente que isso é possível quando este considere os aspectos
epistemológicos quanto éticos da psicanálise como fatores norteadores,

“Em função da minha formação em Psicanálise, é necessário colocar,


desde o princípio, que o trabalho por nós desenvolvido toma o
discurso psicanalítico como referência teórica, clínica e ética”
(Moretto 2006)

Moretto ao apresentar sua tese de doutorado a partir de um programa de


transplante de fígado do HCFMUSP, abordando sobre a importância da
presença o psicanalista em a experiencia do outro é o foco, afirma que:

“A forma pela qual um psicanalista responde a essas demandas


é o que possibilita ou não a sustentação de sua atuação clínica
na instituição; analisar situações clínico- institucionais nas quais o
psicanalista está inserido, na interlocução com os outros discursos,
tomando como referência as diferentes ancoragens éticas, de modo
a compreender sua participação no campo das decisões e as
consequências disso para ele” (Moretto 2006)

Sua experiência na área hospitalar, e atuando em corpo multidisciplinar,


nos oferece aprendizados e reflexões através dos vários casos apresentados,
perfeitamente aplicáveis a clínica, pois tratando-se da relação analista e
analisando, lidamos com um sujeito embora único e singular, mas constituído
de um mosaico composto por vivências diversificadas inseridas em sua história
determinando através do inconsciente sua relação com o mundo, nessa tese
onde compartilha sua experiência dentro da equipe, em um programa de
transplantes de fígado, nessa tese o desafio enfrentado para selecionar os
candidatos aptos a receberem o órgão através do transplante, onde a analista
é consultada para dar sua opinião sobre a continuidade ou não do indivíduo no
programa, isso evidencia a importância de estar seguro em relação ao
candidato em questão, em relação a si mesmo, a prática e a ética de seu
acompanhamento psicoterápico, que implica em não apenas desvelar o sujeito
extraindo através de sua subjetividade a verdade do sujeito, mas nesta
situação selar o destino deste sujeito.

A nova intervenção do analista foi: “Não se trata, senhores, da


Psicologia dar garantias, até porque elas não existem nem na
Medicina, do contrário não estariam sendo pedidas. Nem mesmo
se trata de uma situação onde a equipe médica vai transplantar uma
paciente da Psicologia, ou uma paciente da Psiquiatria, mas de uma
questão de lógica, e a partir dela, da lógica na qual vamos nos
referenciar – de poder, enquanto equipe, trabalhar com a não-
garantia, e também de suportar e nos responsabilizar por isso. A
paciente é da equipe, e todos devemos tratar dela, inclusive ela
própria. Se entendo bem, todos somos responsáveis pelo seu
tratamento. Ela quer viver, escutem o que essa paciente fala, e
cada um se responsabilize pelo seu parecer. A paciente é da
equipe.” (Moretto 2006 p. 66)

Escutar atentamente além de ético, é o que permite ao analista desvelar


a verdade do sujeito, seu desejo, no capitulo intitulado o corpo na Psicanálise
não é o mesmo corpo para a Medicina “Eu devo a ela o nome deste capítulo”,
e isto produz consequências nas duas clínicas, trata-se do relato de Mazé 49,
que nos é oferecido, enriquecendo e esclarecendo de forma lúdica a
experiencia na clínica, a formação do analista deve conduzi-lo a tal clareza e
confiança capazes de tornar situações e experiencias como essas, apesar da
instituição hospitalar, e para nós clínicos, para além do rigor institucional da
clínica, uma demonstração da beleza e da singularidade humana, e que por
traz da defesa apresentada, da dor agonizante existe esse outro, que deseja
ser alcançado (a) mas ainda não sabe como, por isso vem a clinica e se
apresenta da forma como lhe é possível

“uma escuta atenta que privilegie a singularidade das situações,


não apenas nos possibilita um diagnóstico mais seguro das
mesmas, como também favorece aos profissionais da saúde a
construção de estratégias interventivas que se enriquecem por
considerarem as especificidades dos problemas envolvidos.”

Durante a matéria, foi possível perceber através dos recortes trazidos,


tanto de Lacan, Freud entre outras, sobre a importância de considerar a
possibilidade de entre uma e outra análise, uma e outra sorte de demanda, a
romper com os paradigmas cristalizados, que envoltos de excessos atuam
mais como castradores do que possibilidades, porém para alcançar tal
envergadura profissional, para poder agir com segurança dentro da ética, se
faz necessário pensar com mais rigor o processo de formação e
desenvolvimento do analista, e por sua vez uma clínica psicanalítica
comprometida com a psicanálise de fato.

“O saber é inseparável de tramas não-sabidas, inconscientes, e


que as tramas de cada um sustentam-se de diferentes modos,
em uma singularidade que escapa a todo e qualquer projeto de
classificação, inclusive aquelas esquematicamente evocadas pela
noção de estrutura” (SZPIRKO, 2000, p. 60 apud Moretto 2006
p.174).

Entender sua posição e lugar de transferência na análise, é o caminho


para uma análise bem sucedida, entenda-se por bem sucedido que, não se
trata do desejo do analista, mas sim quando ao analisando é possibilitado
entrar em contato com o seu desejo e fazer dele aquilo que ele dá conta de
fazer, de poder se conduzir sem a obrigação de uma normatização ou
adequação social, mas de encontrar-se em sua própria jornada, leva ela onde
quer que seja, trata-se do desejo do analisando.

Conclusão:
O que faz um analista? Ou mesmo um psicólogo que atue pautando-
se na teoria psicanalítica, talvez esse deva ser o ponto inicial para uma
reflexão sobre a atuação na clínica na qual nos propomos a atuar, a saúde
mental ou emocional de alguém será confiada a este analista, portanto saber
o que se faz, passa pelo saber teórico e envolve a técnica, e o que fazemos
da análise? Como conduzir uma análise, quais recursos e ferramentas
lançar mão? O que fazer com o material que lhe é entregue a cada sessão?
Entender a complexidade disto e a responsabilidade que nos é confiada,
pode gerar a capacidade de uma entrega mais leve, humanizada sem
comprometer a eficácia do que se propõe a fazer em clínica, Moretto ao
compartilhar sua experiencia nos permite perceber, que a eficiência
alcançada na clínica, é o resultado da real consciência do que é ser um
analista na condução de uma análise, uma eterna busca de aprimoramento
e entrega, pois a formação do analista não tem fim.
REFERÊNCIA

MORETTO, MARIA L. T. EDITORIAL ESCUTANDO PESSOAS, ENFRENTANDO


PROBLEMAS: disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rsbph/v18n1/v18n1a01.pdf, acesso
em 08/09/2020

MORETTO, MARIA L. T.: O PSICANALISTA NUM PROGRAMA DE TRANSPLANTE DE


FÍGADO: A EXPERIÊNCIA DO “OUTRO EM SI” disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-06122018-144620/pt-br.php
acesso em: 09/12/2020

MORETTO, Maria L. T; KUPERMANN Daniel; HOFFMANN Christian: SOBRE OS CASOS-


LIMITE E OS LIMITES DAS PRÁTICAS DE CUIDADO EM PSICANÁLISE. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-
47142017000100097&script=sci_abstract&tlng=pt acesso em 09/12/2020

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