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FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

TÓPICOS EM TEORIA PSICOLÓGICA CONTEMPORÂNEA: IDENTIDADE,

IDENTIFICAÇÃO E IMAGINÁRIO

AVALIAÇÃO 1 - ÍNDEX PSICANALÍTICO

Guilherme Spinelli Estevam

Júlia de Freitas Martins

Belo Horizonte, 2022


1) Libido, Catexia, Objeto

A libido, na psicanálise, é concebida como um conceito relacionado à economia


quantitativa própria daquilo que é sexual, tendo a característica de poder de ser movimentada
e acoplada a diferentes objetos, o que, para Freud, explica a manifestação do sexual na vida
psíquica. Partindo do termo latino de mesmo nome, cujo significado é “desejo”, “inveja”,
“aspiração”, Freud aplica esse conceito considerando-o como a energia dinâmica das pulsões
relacionadas, a partir de “Além do Princípio do Prazer” (1920), a Eros.

A ênfase da dimensão sexual necessariamente mesclada à libido é crucial para o


desenvolvimento das noções de economia e dinâmica libidinais, que supõem uma concepção
do sexual e da sexualidade muito mais ampla do que estava em vigor em sua época. Isso
ocorre a partir da ideia que Freud ao longo de seus estudos liga a dinâmica libidinal como um
desejo que precisa satisfazer-se em seu fixamento em objetos não-específicos à necessidade
corporal-sexual desse desejo.

Essa dinâmica, a qual pode ser denominada investimento ou catexia, designa a


“mobilização da energia pulsional que tem por consequência ligar esta última a uma
representação, a um grupo de representações, a um objeto ou a partes do corpo”
(Roudinesco, 1998). Um exemplo claro da catexia é considerando os investimentos libidinais
feitos nas zonas erógenas ao longo do desenvolvimento infantil: as zonas oral, anal, genital e
fálica.

Os objetos nos quais a energia libidinal é investida são diversos uma vez que
esses objetos são completamente contingenciais, mutáveis e reduzíveis a locais de
escoamento da angústia pulsional. Segundo Chemama (1995):

“Originalmente, o objeto não está ligado à pulsão. É seu elemento mais variável: a
pulsão se desloca de um objeto para outro, durante seu destino. O objeto pode servir
para satisfazer diversas pulsões. Todavia, pode se fixar precocemente. Portanto, o
objeto da pulsão não deve ser confundido com o objeto de uma necessidade: trata-se
de um fato de linguagem, como o mostra a fixação.” (Chemama, 1995)

2) Auto-erotismo e Narcisismo

O termo auto-erotismo é usado para designar, como sua principal função no


desenvolvimento de uma criança, a forma de manifestação da pulsão sexual em virtude da
qual um ainda-não-sujeito encontra prazer somente com seu próprio corpo. Mais
especificamente, esse termo, após a tese lacaniana do estádio do espelho, pode ser ainda mais
realçado ao considerar que ele “refere-se às partes do corpo, ou melhor, às ‘bordas’ dos
orifícios corporais, investidas pela libido” (Chemama, 1995)

Esse realçamento consequente do estádio do espelho é importante e entra em jogo ao


considerarmos a própria tendência de Freud de confundir o auto-erotismo ao narcisismo
primário. No entanto é possível diferenciarmos entre ambos os conceitos ao considerarmos
que o narcisismo primário - que nasce como conceito como o investimento da libido no eu
durante a infância - a partir de Lacan, considera a ideia de que é necessário o investimento no
corpo não somente ao se considerar suas bordas, mas no uso desse investimento - a partir do
espelho, da imagem especular de tal bebê passando pelo reconhecimento do Outro - para
constituir-se como um corpo, como um eu.

Após esse primeiro momento então podemos considerar o narcisismo secundário


como o investimento pulsional no eu, capaz de chegar a casos extremos onde há uma retirada
em massa da libido dos objetos externos.

3) Isso/Id, Eu/Ego, Eu Ideal, Ideal de Eu e Supereu


a) Isso/Id

Apesar de sua existência inteiramente inconsciente o Isso não pode ser


confundido com o inconsciente na primeira tópica. Ao concebermos esse conceito como um
“reservatório pulsional desorganizado, assimilado a um verdadeiro caos [...] que, sem a
intervenção do eu, seria um joguete de suas aspirações pulsionais [...] a sede da pulsão de
vida e da pulsão de morte” (Roudinesco, 1998), podemos perceber que o Isso passa a existir
considerando a irrupção do conceito de pulsão de morte, existindo como essa instância
psíquica encarregada de reservatório da energia psíquica, a arena onde se digladiam as
pulsões de vida e de morte, relaciona-se ao princípio de prazer.

b) Eu/Ego
Constituído a partir do narcisismo primário, o conceito de Eu modifica-se ao
longo da bibliografia freudiana. Num primeiro momento, confundindo-se com o consciente, o
Eu ganha mais substância a partir da introdução da segunda tópica, na qual diferencia-se do
Isso a partir da barreira do recalque e de sua proximidade da realidade. Ao mesmo tempo
agindo como mediador entre os ataques pulsionais do Isso e a regulação tirânica do Supereu,
o Eu constitui-se como uma estrutura mutável e capaz de empregar mecanismos de defesa
para suprimir aquilo que é desagradável.

No entanto é imprescindível colocar que o Eu não é central na constituição do


psiquismo, uma vez que apesar de estar nessa posição mediadora ainda é um objeto
constituído a partir da relação especular no estádio do espelho, tornando essa instância
imaginária que aliena o sujeito de si mesmo (vide a capacidade defensiva dessa instância que
é capaz de gerar sintomas angustiantes para o sujeito).

c) Eu Ideal e Ideal de Eu

O ideal de eu pode ser relacionado ao desejo, uma vez que supõe-se um desejo
dos pais para com o recém-nascido desejo ao qual, posteriormente, é almejado por ser uma
referência e produto da identificação com as figuras parentais em todas suas configurações.
Assim, a marca daquilo que consideramos ideal do eu é forjada, de modo a que se busca a
completar isso que o outro espera de si.

d) Supereu

Instância herdeira do Complexo de Édipo, o supereu é a instância da vigilância e


do julgamento, o representante do mundo externo. Podendo ser visto a partir de uma relação
paradoxal com a lei, uma vez que a reconhece como uma “symbolic structure which regulates
subjectivity and in this sense prevents disintegration. On the other hand, the law of the
superego has a ‘senseless, blind character, of pure imperativeness and simple tyranny’”
(Evans, 2007), o superego acaba por se demonstrar, linguisticamente como um imperativo,
mais especificamente como o imperativo categórico kantiano.

Existe, também, nessa instância uma importante relação com o ideal do eu, uma
vez que, segundo Chemama:

“Supereu e ideal do eu são, com freqüência, confundidos, tão imbricados estão os


dois aspectos do ideal e da proibição. O eu se curva ao ideal do eu, aspira a um
aperfeiçoamento sempre maior. Essa função de ideal, correlativa, como o supereu,
do Édipo, mergulha suas raízes na admiração da criança pelas qualidades que atribui
a seus pais. Mas o supereu, diferentemente do ideal do eu, situa-se essencialmente
no plano simbólico da palavra. Um é constrangedor, o outro, exaltador. O supereu é
agente de depressão. Mas também acontece que, pela atitude humorística, tempere
sua dureza.” (Chemama, 1995)
4) Identificação

A identificação designa um processo principal pelo qual há a transformação e a


constituição subjetiva, a partir da assimilação e apropriação de aspectos de outros eus.
Considerada como a expressão remota de uma ligação afetiva com outro, a identificação é um
tema central em ambos Freud e Lacan, para o primeiro é possível subdividir a identificação
em três: a identificação primária - na qual há uma mescla oral entre “ser” e “ter” em que,
canibalisticamente, a criança tenta incorporar o objeto ao qual se identifica a partir de
ingerí-lo -, a secundária - em que é uma identificação regressiva, discernível em sintomas
histéricos nos quais constituem-se imitações de sintomas da pessoa amada -, e a terciária -
entre os membros de comunidades afetivas.

Lacan, por outro lado, coloca a identificação em relação ao conceito de imagem em


um primeiro momento, no qual define a identificação como uma transformação que ocorre no
sujeito quando este reconhece-se numa imagem. Esse conceito então transmuta-se ao longo
da obra chegando à sua relação com o traço unário, um esteio da diferença.

5) Metáfora paterna e seus três tempos

Lacan propõe a função paterna (ou um terceiro que interdita a relação dual mãe-filho)
como instauradora da lei simbólica no sujeito. É uma releitura do complexo de Édipo em
Freud, que pensa o pai como um significante. A metáfora paterna está ligada à instalação do
significante fálico como significante central de toda a economia subjetiva. O pai, no
complexo de Édipo, não é um agente real: trata-se do pai simbólico, e, mais exatamente, o pai
é uma metáfora;

Os três tempos:

Tempo 1: Percepção de que a mãe/genitor ora está presente, ora ausente. A partir da ausência
da mãe, o bebê se questiona acerca do desejo da mãe, este (o desejo da mãe) é o significante
fundante do sujeito, o S1. O que marca o primeiro tempo é a identificação imaginária da
criança com o desejo da mãe, o falo. A questão que o bebê aqui vive é: ser ou não ser o falo?
A primeira posição que a criança ocupa é de objeto.
Tempo 2: nesse momento intervém o segundo significante (S2) fundante do sujeito foi
chamado por Lacan de “o Nome-do-Pai”. A criança se desidentifica desse lugar de falo e
passa a atribuir que isso que a mãe deseja é algo que o outro tem ou não tem. O pai, ou
terceiro, se apresenta como o objeto que a mãe deseja além do bebê, e o bebê atribui o falo ao
essa pessoa. A questão aqui é ter ou não ter o falo? A criança passa da posição de objeto para
a posição de sujeito, mas não ainda um sujeito dividido.

No nível simbólico, o pai ou terceiro aparece como significante que representa a Lei, aquilo
que a criança não consegue se sobrepor e nem deve. Isso tem consequências fundamentais na
constituição do sujeito. A criança se confronta com a castração, com a falta constitutiva.

Tempo 3: saída do complexo de Édipo. A criança ingressa na condição desejante, e internaliza


a lei normativa.

6) Falo: imaginário, simbólico e real

Ao se questionar sobre o desejo da mãe, a nível inconsciente, a criança percebe o pai,


ou um terceiro, como aquele que a mãe deseja além da criança. A questão aqui colocada é: ter
ou não ter o falo? O falo imaginário é o que a criança assume que alguém deve ter para que
seja o objeto de desejo da mãe, e assume que o pai tem o falo. Ao tentar ser o objeto de desejo
exclusivo da mãe, a criança tenta recuperar o falo que ela imagina que foi perdido, se
identificando com ele. O falo imaginário é escrito φ (phi minúscula) na álgebra lacaniana, que
também representa significação fálica. A castração é escrita -φ (menos phi minúscula).

O falo simbólico é um significante (S2), que aparece barrando o S1 (desejo da mãe), a


partir do qual é instaurada a Lei no sujeito. O falo não é o pai, muito menos um órgão. É um
significante a partir do qual o sujeito internaliza e entra na lei simbólica, é apresentado como
uma função fálica, a função da castração. Lacan afirma em 1961 que o falo simbólico é o que
aparece no lugar da falta do significante no Outro. O falo simbólico é escrito ф na álgebra
lacaniana.

O falo real é a experiência corpórea, se refere ao pênis real.


7) Objeto a

Conceito introduzido à Psicanálise por Lacan. O “objeto a” é a falta fundamental a


partir da qual se constitui o sujeito desejante. Para Lacan, na raiz da angústia humana se
encontra um objeto de desejo impossível de ser capturado, o que aponta para a existência de
um objeto não especular, um objeto sem imagem. A esse objeto Lacan atribuiu o nome de
objeto a. É o objeto causa de desejo. “Diferentemente do instinto, em que temos primeiro o
objeto, e depois a vontade que tenta capturá-lo, no caso do objeto A, este é um objeto
posterior ao desejo, é um objeto que é formado pelo trajeto do desejo.” (Dunker, 2016)

8) Objeto Olhar e Pulsão Escópica (juju)

Segundo Lacan, a pulsão escópica é a pulsão que tem como objeto o olhar. O olhar,
enquanto pulsão, ganha destaque em vários momentos na história da psicanálise. É através do
olhar do outro que o sujeito se constitui. A pulsão escópica ganha especial importância na
fase do estádio do espelho, momento fundamental na constituição do eu. Freud explica que o
“objeto do instinto escopofílico, contudo, embora também a princípio seja parte do próprio
corpo do sujeito, não é o olho em si.” (FREUD, Sigmund. 1915, p. 137). Para além das
pulsões parciais colocadas por Freud, Lacan aponta duas outras: o olhar e a voz.

Referências bibliográficas:

LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da


psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2008.

Lacan, Jacques. (1975) Le Séminaire. Livre XX. Encore, 1972-73. Ed. Jacques-Alain Miller.
Paris: Seuil, 1975. p. 75

Laplanche, Jean. & Pontalis Jean-Bertrand. (1967/2001). Vocabulário da psicanálise. 4a ed.


São Paulo: Martins Fontes, 2001.
CHEMAMA, Roland. Dicionário de psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995

EVANS, Dylan. An introductory of lacanian psychoanalysis (Repr). Routledge: 2007.

ROUDINESCO, Elisabeth & PLON, Michel. Dicionário da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998.

DUNKER, Christian. Vídeo na plataforma youtube “o que é objeto A em Lacan?”

FORTES, Pâmela Cador. Pulsão Escópica: A relação entre o olhar e a fantasia na psicanálise.
Tese (Trabalho de Conclusão de Curso). 2014. 36 f. Curso de psicologia,
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2014.

AMSTALDEN, Helena. Vídeo Constituição do Sujeito - Parte 2: Três tempos do Édipo.


Recuperado de <https://www.youtube.com/watch?v=698FlfPqw6E>

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