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Vocabulário da Psicanálise.

Representação

Termo clássico em filosofia e em psicologia para designar “aquilo que se representa,


o que forma o conteúdo concreto de um ato de pensamento” e “em especial a
reprodução de uma percepção anterior”. Freud opõe a representação ao afeto *, pois
cada um destes dois elementos tem destinos diferentes nos processos psíquicos.

 O termo Vorsteliung faz parte do vocabulário clássico da filosofia alemã. Freud,


no início, não altera a sua acepção, mas o uso que dele faz é original.

2. “Representações inconscientes”: no uso que faz do termo Vorstellung, há um


aspecto predominante na filosofia clássica que passa para segundo plano, o de
representar subjetivamente um objeto. A representação seria aquilo que do objeto vem
inscrever-se nos “sistemas mnésicos”.

3. Ora, sabemos que Freud não tem uma concepção estritamente empírica da memória,
segundo a qual ela seria um receptáculo puro e sim- pies de imagens; mas fala de
sistemas mnésicos, multiplica a lembrança em diferentes séries associativas e, por fim,
designa pelo nome de traço mnésico* muito mais um signo sempre coordenado com
outros e que não está ligado a esta ou àquela qualidade sensorial do que uma “impressão
fraca” que mantivesse uma relação de semelhança com o objeto. Nesta perspectiva, a
Vorstellung de Freud já foi aproximada da noção linguística de significante.

4. No entanto, seria o caso de distinguirmos aqui, como Freud, dois níveis destas
“representações”: as “representações de palavra” e as “representações de coisa”. Esta
distinção sublinha uma diferença a que Freud confere, aliás, um valor tópico
fundamental; as representações de coisa, que caracterizam o sistema inconsciente, estão
em relação mais imediata com a coisa: na “alucinação primitiva”, a representação de
coisa seria considerada pela criança como equivalente do objeto percebido e investida
na sua ausência (ver: vivência de satisfação).
Do mesmo modo, quando Freud, em especial nas primeiras descrições do
tratamento apresentadas nos anos de 1894-96, procura, no fim dos caminhos
associativos, a “representação inconsciente patogênica”, visaria o ponto último onde o
objeto é indissociável dos seus traços, o significado inseparável do significante.

5. Apesar de estar sempre presente implicitamente no uso freudiano, a distinção entre


traço mnésico e representação como investimento do traço mnésico nem sempre é
colocada com nitidez. E isto sem dúvida porque é difícil conceber, no pensamento
freudiano, um traço mnésico puro, isto é, uma representação totalmente desinvestida,
quer pelo sistema inconsciente, quer pelo sistema consciente.
A distinção entre representação de coisa e representação de palavra tem
origem nas pesquisas do jovem Freud sobre a afasia.
A ideia de representação de coisa está muito cedo presente na doutrina com a
expressão, muito próxima, de “traços mnésicos”; estes depositam-se nos diversos
sistemas mnésicos.
Uma das definições mais precisas apresentadas por Freud é a seguinte: “A
representação de coisa consiste num investimento, se não de imagens mnésicas diretas
da coisa, pelo menos no de traços mnésicos mais afastados, derivados dela.” Esta
definição exige duas observações:
1. A representação é aqui nitidamente diferenciada do traço mnésico: ela
reinveste e reaviva este, que não é em si mesmo nada mais do que a inscrição do
acontecimento;
2. A representação de coisa não deve ser entendida como um análogo mental
do conjunto da coisa. Esta está presente em diversos sistemas ou complexos
associativos quanto a este ou aquele de seus aspectos.

As representações de palavra são introduzidas numa concepção que liga a


verbalização e a tomada de consciência. (...) é associando-se a uma imagem verbal que a
imagem mnésica pode adquirir o “índice de qualidade” especifico da consciência. Essa
ideia permanecerá constante em Freud e é fundamental para compreendermos a
passagem do processo primário para o processo secundário, da identidade de percepção
para a identidade de pensamento. Reencontramo-la em O inconsciente (Das
Unbewusste, 1915) sob a seguinte forma, que acentua o seu valor tópico: “A
representação consciente engloba a representação de coisa mais a representação de
palavra correspondente, enquanto a representação inconsciente é apenas a representação
de coisa.”.
O privilégio da representação de palavra não é redutível a uma supremacia
do auditivo sobre o visual. Não é somente uma diferença entre os aparelhos
sensoriais que está aqui em causa. Freud mostrou que na esquizofrenia as
representações de palavra são também tratadas como representações de coisa, quer
dizer, segundo as leis do processo primário; é também o que se passa no sonho, em que
certas frases pronunciadas no estado de vigília são submetidas à condensação e ao
deslocamento exatamente como as representações de coisa: “... quando as
representações de palavra pertencentes aos restos diurnos são resíduos frescos e atuais
de percepções, e não expressão de pensamentos, são tratadas como representações de
coisa”.
Vemos que representação de coisa e representação de palavra não designam
simplesmente duas variedades de “traços mnésicos”; a distinção possui para Freud um
alcance tópico essencial.
Como se articulam as representações de palavras com esses significantes pré-
verbais que as representações de coisa já são? Qual é a relação entre umas e outras na
percepção? Que condições lhes podem conferir uma presença alucinatória? Em última
análise, quais são as condições que garantem o seu privilégio aos símbolos linguísticos
verbais? Freud tentou responder a estas perguntas por diversas vezes.

Representação-Meta

 Termo forjado por Freud para exprimir o que orienta o curso dos
pensamentos, tanto conscientes como pré-conscientes e inconscientes. Em
cada um destes níveis existe uma finalidade que assegura entre os
pensamentos um encadeamento que não é apenas mecânico, mas determinado
por certas representações privilegiadas que exercem uma verdadeira atração
sobre as outras representações (por exemplo, tarefa a realizar no caso de
pensamentos conscientes, fantasia inconsciente nos casos em que o sujeito se
submete à regra da associação livre).
O termo “representação-meta” assinala que para Freud as associações obedecem a uma
certa finalidade. Finalidade manifesta no caso de um pensamento atento, discriminador,
em que a seleção é assegurada pela representação da meta a atingir. Finalidade latente e
descoberta pela psicanálise quando as associações parecem entregues ao seu livre curso
(ver: associação livre).
Por que Freud fala de representação-meta, e não apenas de meta ou finalidade? A
questão se coloca sobretudo quanto à finalidade inconsciente. Poderíamos responder
dizendo que as representações em causa não são outra coisa senão as fantasias
inconscientes. Essa interpretação justifica-se em referência aos primeiros modelos do
funcionamento do pensamento apresentados por Freud. O pensamento, incluindo a
exploração que caracteriza o processo secundário, só é possível graças ao fato deque a
meta, ou a representação-meta, permanece investida, exerce uma atração que torna mais
permeáveis, mais bem “facilitadas”, todas as vias que dela se aproximam. Esta meta é a
“representação de desejo” (Wunschvorstcllung) que provém da vivência de satisfação.

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