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Capítulo 3
Freud e a escrita psíquica
1
Introdução: Há uma teoria freudiana da escrita?
2
Os Modelos de Freud
2.1
“Para uma concepção das afasias”
2.2
O Projeto
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2.2.1
A operação de extração
2.2.1.1
Barreiras ao contato
2.2.1.2
O Traço
2.2.1.3
A Consciência
Uma vez que não retém Qη, o neurônio Ω não tem memória.
Funciona com Qη mínimas que são imediatamente descarregadas. É à
sua descarga que Freud chama signo. O signo excita Ψ e “produz” a
consciência de algo que foi percebido. É um signo de realidade
perceptiva. Mas os neurônios Ω também captam e sinalizam aumentos de
Qη em Ψ que serão responsáveis pelas sensações de prazer e desprazer
que acompanham as percepções mnêmicas. Ψ terá, portanto, um grande
problema: como diferenciar, dentre os sinais de realidade perceptiva
emitidos por Ω, aqueles que correspondem a imagens (ou
representações) perceptivas dos que correspondem a imagens (ou
representações) mnêmicas?
Além disso, Freud reconhece que não é capaz de explicar porque a
excitação de Ω, ou seja, sua “emissão” de signos, “traz” a consciência.
Considero que esta é uma discussão bastante importante para esta tese,
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2.2.1.4
Experiências de satisfação e de dor
surgir outro objeto que é sinal de que a dor acabou. Da segunda vez, Ψ
“aprendendo biologicamente” (idem, p. 427), vai direto para este novo
objeto.
A existência destes dois processos, atração de desejo e defesa
primária, revela que foi estabelecida em Ψ uma organização que dificulta
a passagem das Qη realizando o objetivo supremo do aparelho mental
que é a mitigação dos estímulos. Esta organização chama-se ego e é ela
que cria a segunda vez: trata-se de um grupo de neurônios que, por ser
catexizado simultaneamente, cria uma situação de circulação de energia e
se torna o “portador da reserva”.
Contudo, a intenção da mitigação é apenas a evitação da
alucinação, no caso do desejo, e do desprazer, no caso de um objeto
hostil. Seu objetivo é descarregar as catexias: a retenção é apenas uma
estratégia da descarga, uma vez que, tanto a catexia da imagem mnêmica
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2.2.1.5
A inibição, o pensamento
segunda hipótese, que Freud observa ser a mais comum (na verdade, a
única possível), há uma percepção, mas esta percepção não coincide
exatamente com a imagem mnêmica do desejo.
Ora, as catexias perceptivas não são simples. Constituem um
complexo que pode ser decomposto. Isto permite a Freud propor o
seguinte: temos uma catexia de desejo que se compõe de neurônio a +
neurônio b. Suponhamos que estes neurônios sejam “representantes do
objeto”: seio (a) de frente (b). Mas a percepção trouxe a + c. A
experiência biológica já ensinara o ego a não descarregar enquanto
houvesse dissemelhança, porque a sobrevivência do aparelho ficaria em
risco. O ego precisará buscar uma maneira de fazer identidade entre os
dois complexos. Isto é, transformar esta dissemelhança em identidade. O
complexo perceptivo é decomposto por Freud em duas partes: a
constante a e a variável b que correspondem, numa referência à
linguagem clássica da gramática, à coisa (a) e ao predicado ou atributo
(b). O que faz o ego? Lança Qη ao longo das conexões de c em busca de
uma conexão que dê acesso a b, “o neurônio desaparecido” (idem, p.
435). Entre c e b, aparece a imagem de um movimento, uma imagem
motora, que é o caminho que pode levar de c a b. No nosso exemplo, o
118
2.2.1.6
As associações da fala
Ψ.
O pensamento judicativo ou observador, segundo Freud, consiste
em uma pergunta: ”O que significa isso? Aonde isso leva?” É um
pensamento que explora as vias que partem da percepção visando
esgotar o conhecimento do objeto perceptivo. Leva a um re-conhecimento
do objeto. O reconhecimento depende dos signos de qualidade que até
aqui emanavam apenas da percepção. Mas pode ocorrer uma outra coisa.
Pode ocorrer que um neurônio motor seja catexizado por Ψ,
descarregando Qη e produzindo um signo de qualidade.
Ora, as associações de fala são uma ligação de neurônios Ψ com
neurônios utilizados pelas representações sonoras que, na verdade, estão
associadas a imagens verbais motoras. A excitação então passa da
imagem sonora para a imagem verbal e libera-se a descarga. Segundo
Freud, é um signo de qualidade, signo de descarga verbal, e indica que a
lembrança é consciente. Sempre que o ego catexizar imagens verbais
(que são motoras), teremos signos de qualidade e, portanto, lembranças
conscientes. A lembrança consciente é o que Freud chama de re-
conhecimento. No caso, a palavra é mentalizada ou pronunciada.
121
2.3
A carta 52
2.4
“A Interpretação dos Sonhos”
2.4.1
A operação de extração
2.4.1.1
O rébus
A meu ver, devemos levar em conta que Freud era um apaixonado pelo
Egito e conhecia os estudos sobre a decifração dos hieróglifos.
Certamente não ignorava a importância do rébus na escrita hieroglífica.
Contudo, é difícil decidir a qual das duas acepções terá se referido. De
todo modo, nosso interesse recai precípuamente sobre o rébus enquanto
130
2.4.1.2
Encenabilidade
2.4.1.3
O hieróglifo
hieroglífica antiga. O rébus tem então um aspecto figurativo, mas deve ser
lido foneticamente. É um momento de transição entre o puramente
pictogramático e uma escrita fonética (ainda não alfabética; para maiores
esclarecimentos acerca desta diferença, ver capítulo 2). É uma figura que
é lida como uma sílaba.
A segunda razão é que a escrita hieroglífica escreve uma língua
morta. Maravilhosa comparação com a escrita psíquica, como se fora uma
língua escrita por um único falante, alíngua, segundo Lacan. A língua
egípcia, contudo, não era secreta, embora sagrada. Dava-se a ler. Uma
vez que a língua que era ali escrita desapareceu, foi necessária a
decifração. Há, portanto, uma certa analogia entre a escrita do
inconsciente e a escrita hieroglífica. Por razões diferentes, ambas não são
acessáveis: a primeira, devido à cifração; a segunda, devido ao
desaparecimento da língua egípcia.
134
2.4.1.4
Alguns comentários acerca do capítulo VII
2.4.1.5
A regressão: a “matéria prima” é o traço
2.5
“O Inconsciente”
2.5.1
A operação de extração
2.5.1.1
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A terceira via
coisas, pelos menos nos traços de memória mais remotos derivados dela”
(idem, p. 229). Mesmo que esta representação-coisa seja de difícil
apreensão, é importante ressaltar que Freud a distingue da
representação-palavra. Como veremos a seguir na discussão, parece-me
que os esforços de reduzir a representação-coisa a categorias lingüísticas
como significante ou significado implicam sempre em um empobrecimento
e um apagamento de sua complexidade.
A representação consciente (que é a representação-palavra ligada
à representação-coisa) e a representação inconsciente não são registros
duplos do mesmo, nem tampouco são produzidas por diferenças no
estado funcional de uma representação.
A frase “O sistema Ics contém as catexias da coisa dos objetos, as
primeiras e verdadeiras catexias objetais” (idem, p. 230), reafirma a
distinção entre coisa e objeto, ausente no texto das afasias. Por menos
que possamos dizer o que é a coisidade de uma representação
consciente do objeto sabemos que esta é o primeiro e verdadeiro objeto
de investimento pulsional. O termo hipercatexia volta aqui como um
derivado da “atenção psíquica” do Projeto, realizando a facilitação ou a
ligação com a representação-palavra. Este é o momento onde ocorre o
145
2.5.1.2
Algumas questões
2.6
O traço, a bindung e a bahnung em “Além do Princípio do Prazer”
2.6.1
Introdução
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2.6.2
O traço
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2.6.3
A compulsão à repetição
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2.7
O bloco mágico
pode confiar na memória, não por uma patologia, mas por sua própria
natureza: ela é viva, em permanente reescrita, tornando a tarefa de apurar
a “verdade” impossível. Portanto, o escrito, “como se fosse uma parte
materializada de meu aparelho mnêmico, que sob outros aspectos, levo
invisível dentro de mim” (idem, p. 285), padece das mesmas vicissitudes
da escrita psíquica: estará entregue à leitura que repetirá eternamente,
como um eco, a deriva do sentido.
2.7.1
O limite da analogia?
superfície volta a ficar virgem, pronta para novas impressões e o traço fica
retido na prancha de cera. Diz Freud:
2.8
“Moisés e o Monoteísmo”
demonstrar que Freud fez algo totalmente oposto ao que disse pretender
fazer com este texto? E mais: que fez uma teoria da origem da escrita que
longe, muito longe de servir à comunicação, serve à compulsão à
repetição do trauma que deixou traço. Diz Freud, no final do primeiro
ensaio: “... o sacrilégio que se comete contra a esplêndida diversidade da
vida humana se se reconhecer apenas os motivos que se originam das
necessidades materiais...” (idem, p. 70).
Segundo Freud, o sagrado nada mais é do que aquilo onde se
prolonga a vontade do pai primevo. Tomados por este sentimento de
sacralidade diante do enorme esforço deste ancião que mostra
abertamente seu cansaço e sua fraqueza enquanto sustenta, com uma
obstinação de herói, sua busca da verdade absoluta e de um saber sem
furo, seu desejo insaciável de saber que esbarra na impossibilidade de
tudo dizer, tantas vezes reconhecida por ele mesmo e nomeada recalque
primário, vacilamos. Mas recorro ao próprio Freud para me socorrer aqui:
158
2.8.1
“Saxa loquuntur!”
2.8.2
A Concepção de História
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secundário à experiência. Ilegível ou, como diz Lacan, pas-à-lire. Por isto
mesmo entregue à entstellung.
Embora deparando-se com isso e aceitando que é impossível
descobrir a “verdadeira” história, Freud dá a este traço fundante um
sentido. Freud o lê: é o assassinato. Esta é a verdade oculta do traço. A
propósito de sua “reconstrução” da primitiva história do povo judaico,
Freud escreve:
não é o real, o ocorrido, que fixa o mito e sim a ficção, como escrito, que
fixa um real. (Rabinovitch, 1993, p. 155)
Entendemos que Freud nos mostra que a história é uma estória,
mas parece reservar para si a esperança de encontrar o pequeno
fragmento esquecido de verdade cujo sentido lhe seria inerente. “Saxa
loquuntur! ”
Esta concepção da história ecoa a escrita psíquica: rede de traços
significantes regidos pelas leis do inconsciente que recebem significado
ao se ligarem às representações-palavra.
2.8.3
A ausente verdade do traço
material para seu mito da horda primeva, embora sem explicitá-lo, como
se inadvertido de que este também é uma história, ou como disse Lacan,
o único mito da modernidade.
Contudo, estamos autorizados em nossa operação de extração a
dar mais um passo. Mais do que sobre o mito freudiano, podemos
assentar a verdade material sobre a escrita psíquica. Esta sim, irredutível
e inelutável, tanto no âmbito do sujeito, quanto no âmbito das produções
coletivas. Ou seja, o traço em si, e não seu sentido agregado a posteriori.
É Freud quem nos diz: “Aprendemos das psicanálises de indivíduos que
suas impressões mais primitivas, recebidas numa época em que a criança
mal era capaz de falar, produzem, numa ou noutra ocasião, efeitos de um
caráter compulsivo sem serem elas próprias conscientemente recordadas”
(idem, p. 153). O sentido dos traços lhes será sempre posterior.
O fragmento de verdade esquecido pode então ser pensado como
o traço, aberto a diversos sentidos e direções. Freud o exemplifica: os
gregos evoluíram para a filosofia e não para o monoteísmo. Mesmo no
Egito, o monoteísmo é efeito do imperialismo. Levantando suspeitas
quanto ao sentido, Freud escreve: “... mesmo que todas as peças de um
problema pareçam ajustar-se como as peças de um quebra-cabeças, há
164
2.8.4
Monoteísmo, alfabeto e patriarcado
3
Conclusões
(Major, 2001, p. 134). Além do desastre clínico com o Homem dos Lobos,
o esforço de fazer “as pedras falarem” produziu apenas ... uma outra
história. Certamente, foi o mal- estar causado por este resultado que
levou Abraham e Torok a tentar salvar o Homem dos Lobos e a eles
também, enquanto psicanalistas: “uma gravitação incrível nos atrai: salvar
a análise do Homem dos Lobos, nos salvar” (Abraham e Torok, 1976, p.
30). A meu ver, seu esforço tem dois pontos notáveis: é translinguístico e
a-semântico. Mas, por outro lado, acaba por “revelar” uma outra história
ainda, mais mirabolante que a freudiana.
Não obstante, gostaria de resgatar, na análise do Homem dos
Lobos, que paralelamente à busca da cena primitiva, há um trabalho de
esvaziamento de significado e decantação de uma letra que é justamente
reconhecido por Lacan e Derrida como o momento em que Freud se
defronta com o limite da interpretação e com a inanalisabilidade. Se o
primeiro sonho, o sonho dos lobos, é paradigma de um trabalho que
coloca palavras e produz um saber, o segundo, lacônico, “um homem
arrancando as asas de uma vespa (espe)”, recebe de Freud apenas uma
correção: “Wespe” e é o bastante para a emergência da letra, fora de
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