Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Interpretação em Psicanálise
PS
PS
PS
PS
PSICANALÍTICA 11
Em resumo, a alternativa de interpretar e calar está disposta ocorre se pensarmos que, antes de interpretar, temos de esperar
em quatro áreas distintas: falar, interpretar, calar e escutar. Nem a (e até fomentar com nosso silêncio) a neurose de transferência, a
palavra, nem o silêncio são, por si mesmos, uma atuação, nem são partir de um processo de regressão no setting.
tampouco um ato instrumental. Em geral, podemos dizer que, Por fim, e para terminar esse tema, resta-nos considerar o
quando a palavra ou o silêncio são instrumentais, os dois são conteúdo das interpretações, o que interpretar.
igualmente válidos e, vice-versa, à medida que a palavra ou o O conteúdo das interpretações varia a cada momento e em
silêncio são destinados a perturbar o desenvolvimento da sessão, cada caso. Há muitas variáveis que dependem do material e das
são atuações. Como sempre na técnica psicanalítica, aqui também vicissitudes do diálogo analítico, como também do que
há matizes. Se o paciente tem uma ansiedade que o está invadindo, teoricamente pensamos a respeito do inconsciente. E
pode ser legítimo falar para lhe proporcionar um alívio obviamente, como disse Anna Freud no Congresso de
momentâneo, enquanto se busca a interpretação que poderá Copenhague de 1967, certas interpretações que não se davam
resolvê-la. antes se dão agora, porque conhecemos mais.
Pode-se afirmar, em suma, que o problema de quanto
interpretar é de singular transcendência, porque nos depara com
duas técnicas distintas e às vezes opostas. A quantidade de OS PARÂMETROS TÉCNICOS
interpretações está mais relacionada com as teorias do analista do Dissemos que os instrumentos que o psicoterapeuta utiliza
que com seu estilo pessoal ou com o material do paciente. para realizar sua tarefa são de quatro ordens e até agora
As outras duas interrogações que Racker formula, com estudamos apenas três, os que influenciam o paciente, os que
referência à oportunidade e ao conteúdo do que se interpreta, são
obtêm informação e os que a proporcionam, dentre os quais se
também importantes. destaca a interpretação. Cabe-nos agora nos referirmos ao que
Em relação a quando interpretar, os problemas que se faltava, o parâmetro técnico.
colocam continuam, obviamente, vinculados às teorias e ao estilo Esse conceito foi introduzido por K. R. Eissler em seu
pessoal do analista, mas aqui a influência do analisando é maior,
ensaio "The effect of the structure of the ego on psychoa-
com sua reivindicação latente ou manifesta pesando sobre a nalytic technique", publicado em 1953. Eissler voltou ao tema
contratransferência do analista. no Congresso de Paris, de 1957, no painel intitulado Variações
Além do material e da natureza especial do vínculo analítico
na técnica psicanalítica clássica, no qual Ralh R. Greenson
em um dado momento, as teorias do analista pesam atuou como moderador.
permanentemente em sua decisão de interpretar. Se seguirmos Eissler diz que a técnica analítica depende de três fatores:
Klein, atendendo preferentemente à forma como se apresenta a a personalidade do paciente, a vida real e a personalidade do
ansiedade durante a sessão, pensaremos que é lógico interpretaranalista. Seu trabalho ocupa-se exclusivamente do primeiro
cada vez que a angústia eleva-se criticamente. Nesse sentido, afator.
técnica de Klein está ligada totalmente ao ponto de urgência que Assim como um analisando ideal pode lidar sozinho com
marca o tíming da interpretação e, mais ainda, o ponto de urgência
a interpretação, outros precisam de que o analista faça algo mais
não apenas nos autoriza, mas também nos obriga a interpretar sem
do que interpretar. Tomemos como exemplo o fóbico em que,
demora. Se a angústia sobe excessivamente, e não a resolvemos aalém da interpretação, pode-se tornar necessário o conselho,
tempo, perturbamos a situação analítica. Essas afirmações de Klein
quando não a ordem de que se exponha à situação temida. Esse
provêm de sua prática com a criança, que deixa de brincar cada vez
procedimento, esse "algo mais" que o paciente requer, é o que
que surge a ansiedade e não a interpretamos. No adulto, de modoEissler chama de parâmetro técnico.
semelhante, surge um obstáculo na comunicação que perturba a O parâmetro é definido, pois, como um desvio quan-
associação livre, e o analisando cala-se ou começa a associar de
titativo ou qualitativo do modelo básico da técnica, que repousa
forma trivial. Se sai da sessão nessas condições, fica predisposto ao
exclusivamente na interpretação. Sublinhemos que, para Eissler,
acting out. esse parâmetro sustenta-se em uma estrutura deficiente do ego
Quando fala de timing no Congresso de Paris, Lõwenstein do analisando.
(1958) destaca a importância de que a interpretação seja dita no Eissler não apenas definiu o parâmetro, dando um lugar
momento justo, quando o paciente está maduro para recebê-la. na técnica ao que às vezes se faz e não se reconhece, mas
Contudo, reconhece que é difícil definir em que consiste esse também fixou claramente as condições em que é legítimo
momento e deixa-se levar pelo tato, sem considerar, em absoluto,
introduzi-lo: 1) deve-se utilizá-lo quando o modelo técnico
as precisões de Melanie Klein sobre o ponto de urgência e básico demonstrar-se insuficiente; 2) deve-se transgredir a
esquecendo que o "tato" tem sempre suas raízes na técnica regular o mínimo possível; e 3) só se deve utilizá-lo,
contratransferência. quando for destinado a eliminar a si mesmo.
No entanto, se pensarmos que apenas quando aparece uma A essas três condições Eissler acrescenta uma quarta: o
resistência que interrompe o fluxo associativo chegou o momentoefeito do parâmetro sobre a relação transferencial deve ser de tal
de interpretar, então decidiremos que é melhor que o paciente
índole que possa ser abolido posteriormente com uma
continue falando e que fiquemos calados.10 Nesse sentido, vê-seinterpretação adequada. O parâmetro nunca poderia, por
que a teoria influi sobre o momento da interpretação. O mesmo exemplo, comprometer a reserva analítica, até um ponto que
tornasse depois impossível restabelecê- la para continuar a
10 Aqui, Racker recorda que Freud procedeu assim com Dora, mas análise segundo a arte.
acabou arrependendo-se.
12 R. HORÁCIO ETCHEGOYEN
Sobre as quatro condições do parâmetro não há muito o que de parâmetro o que o analista introduz na inteligência de que
dizer, pois falam por si próprias. E óbvio que uma medida desse encontrará nele um legítimo auxiliar da técnica. Nunca será
tipo só se justifica quando o analista entende como esgotados seus parâmetro, mas acting out, aquilo que o analista faça à margem
recursos regulares e a introduz com a maior circunspecção e de um objetivo técnico, terapêutico, e tampouco o será o que
parcimônia. Além desses estreitos limites, agitam-se as águas provier do paciente.
procelosas do acting out. E também compreensível que, enquanto Quanto ao acting out do analista, recordo o que me contou
medida de exceção, o parâmetro deve levar dentro de si a um paciente que veio pedir-me que lhe recomendasse um
necessidade de eliminar a si mesmo, quando seu uso já não for analista, após interromper um tratamento. Estava associando
mais necessário. Se decidimos propor a um analisando, que man- com um encanador muito eficiente, que havia resolvido um
tém um recalcitrante silêncio, apesar de nossos esforços e dos dele problema difícil dos encanamentos de sua casa; nesse momento,
próprio, que se sente no divã e experimente falar dessa forma, é o analista, que ao que parece também tinha graves problemas em
lógico que, uma vez que essa resistência ceda à nossa atividade seus encanamentos, interrompeu-o para pedir o nome desse
interpretativa, o analisando volte a se deitar. O parâmetro foi técnico tão confiável. O analisando deu-lhe o nome, de imediato,
introduzido, de fato, explicitamente, para lhe dar uma oportunidade e, em seguida, disse-lhe que não continuaria o tratamento.
de resolver a dificuldade de falar na posição deitada, mas não para O parâmetro é algo que o analista faz para superar uma
mudar de método. deficiência na estrutura egóica do paciente que não pode ser
A terceira condição de Eissler, entretanto, não é aplicável por resolvida com a técnica regular. O parâmetro é um recurso que o
definição a um dos parâmetros mais comuns, o que Freud analista emprega para se livrar de um obstáculo que vem do
empregou justamente com o "Homem dos Lobos": fixar uma data paciente. A teoria do parâmetro pressupõe que, sem ele, o
de término do tratamento. Esse parâmetro não pode ser eliminado processo analítico como arte não poderia continuar, e disso se
antes que o tratamento termine (Freud, 1918b). deduz que o analista sente-se na obrigação de abandonar por um
Apóio pessoalmente a atitude de Eissler ao introduzir o momento sua técnica. Por isso, penso que não é parâmetro o que
conceito de parâmetro, embora não concorde com o próprio o analisando decide por sua conta.
parâmetro. A atitude é plausível, pois se apresenta como uma Quando digo ao paciente silencioso que se sente no divã,
justificativa da técnica. Poderá ser bom ou mau introduzir um para ver se assim pode vencer seu mutismo, é porque penso que
parâmetro, mas o que é mau sem atenuantes é não se dar conta de dessa maneira se modificará a sua até então incoercível
que foi introduzido ou negá-lo. Isto nos acontece mais de uma vez, resistência. E completamente diferente da situação, na qual o
e Eissler defende-nos disso. O uso honesto do parâmetro previne- analisando, por si mesmo, decida sen- tar-se, em um dado
nos de praticar uma análise silvestre, coberta com falsas momento, porque pensa que assim falará melhor, ou por outro
interpretações. motivo qualquer. Parâmetro seria aqui contrariá-lo ou mostrar-
Apesar de reconhecer esse valor à técnica de Eissler, devo me de acordo com o que fez. Respeitar a decisão de meu
expressar o meu desacordo com a introdução de parâmetros por paciente, sem abdicar de modo algum de meu direito a analisá-
vários motivos. Ou talvez por um só e fundamental: não confio na la, é manter-me inteiramente dentro de minha técnica.
objetividade do analista quando decide que o modelo básico da Ao falar do contrato, disse algo que coincide plenamente
técnica já não é suficiente. A experiência mostrou-me com o que acabo de expor. O analista deve introduzir a norma
reiteradamente que, quando se recorre a um parâmetro, no começo no contrato. Se o analisando não pode ou não quer cumpri-la, o
é aplicado a casos excepcionais e depois vai sendo insensivelmente analista não a imporá, mas já tem o direito de analisá-la.
generalizado, o que é bastante lógico. Se encontramos um recurso No Congresso de Paris de 1957, discutiu-se extensamente
que nos permitiu resolver um caso sumamente grave, que mal o tema das variações da técnica psicanalítica.
haveria em aplicá-lo a outros mais simples? Nessa ocasião, Eissler (1958) volta à sua teoria do
Lembro-me de uma conversa de muitos anos atrás com um parâmetro, como um recurso que está à margem do instrumento
colega que estava começando a aplicar o ácido lisérgico. A minhas típico da análise, a interpretação. Contudo, creio notar duas
reservas, respondeu dizendo que era uma técnica excepcional, que restrições da teoria.
ele só empregava nos carac- teropatas mais duros, esses que não se Por um lado, Eissler considera que, muitas vezes, o
mobilizam nem com 20 anos de análise. Respondi a ele que, em parâmetro pode transformar-se em uma interpretação. Assim,
um lapso de tempo não muito longo, um ano ou dois, estaria por exemplo, em vez de pedir a um paciente que fale de como se
usando LSD com todos os seus analisandos. Infelizmente, tive ra- relacionam seus pais, pode-se interpretar
zão e só me excedi no prazo calculado.
E evidente que distingo perfeitamente a distância que há
entre administrar drogas alucinógenas e sugerir sentar-se no divã.
Para esse último caso, as perturbações que podem apresentar-se
sempre serão pequenas, além da forma como reaja um determinado
paciente. Porém, não estou aqui fazendo questão de grau,
assentando o princípio geral de que, como analistas, não temos
melhor forma de ajudar nossos clientes do que permanecendo fiéis
à técnica.
Ao discutir esse tema, convém esclarecer um aspecto que
muitas vezes passa despercebido. Considero que só se deve chamar
que ele nunca fala desse tema, etc. Do mesmo
modo, em vez de estimular o fóbico para que enfrente
a situação que lhe provoca angústia, pode-se
interpretar que ele resiste a fazê-lo, ou algo do
gênero. FUNDAMENTOS DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 203
Eissler restringe também sua teoria originária, introduzindo a
idéia depseudoparâmetro. Alguns recursos que, de acordo com as
definições clássicas, não poderiam ser chamados de interpretação
operam, no entanto, como se o fossem. O pseudoparâmetro pode
ser utilizado, por exemplo, em casos em que a interpretação
provoca insuperáveis resistências, de modo que ele pode introduzi-
la clandestinamente (Eissler, 1958, p. 224). Um chiste, no mo-
mento certo, pode ser um recurso desse tipo.
Desse modo, parece-me que a teoria do parâmetro fica
reduzida - e mesmo questionada - por seu próprio criador.
Se o que Eissler chama de pseudoparâmetro não é mais que
um recurso formal de dizer as coisas, com respeito e com tato, em
nada se afasta da técnica clássica. Se o que pretende é introduzir
algo clandestinamente, eu nunca o utilizaria e, nesse caso, prestaria
atenção a que conflito de contratransferência está levando-me a
utilizar esse procedimento tão pouco católico.