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A letra no inconsciente
No segundo capítulo de “A instância da letra...”, Lacan (1998a) irá discutir, a
partir dos vetores de análise estabelecidos no capítulo anterior, e com base na estrutura
da metáfora e da metonímia, a função do sujeito. Para tanto, irá recorrer aos livros
canônicos da obra freudiana em matéria de inconsciente: “a Traumdeutung, a
Psicopatologia da vida cotidiana e O chiste (Witz) em suas relações com o
inconsciente”. (LACAN, 1998a, p. 526)
De início, Lacan (1998a) retoma A Interpretação dos sonhos de Freud (1900-
1901), a Traumdeutung referida acima, de onde extrai uma das máximas freudianas: “A
interpretação dos sonhos é a via real para o conhecimento das atividades da vida
anímica” ou, como quer a edição em papel: “A interpretação dos sonhos é a via real que
leva ao conhecimento das atividades inconscientes da mente” (FREUD, p. 647). Ou
ainda, como assinala Lacan, o texto sobre o sonho abre “a via régia para o
inconsciente”. (LACAN, 1998a, p. 513)
O trabalho do sonho
A tese de Freud (1900-1901) repousa nas seguintes considerações iniciais.
O sonho, como descobrimos, toma o lugar de diversos pensamentos
que derivam de nossa vida cotidiana e formam uma sequência
completamente lógica. Não podemos duvidar, portanto, de que esses
pensamentos se originem de nossa vida mental normal. Todos os
atributos que tanto valorizamos em nossas cadeias de pensamento e
que as caracterizam como realizações complexas de ordem superior
são reencontradas nos pensamentos oníricos. Não há, porém,
necessidade de presumir que essa atividade de pensamento seja
executada durante o sono, possibilidade esta que confundiria
gravemente o que até aqui constituiu nosso quadro aceito do estado
psíquico de sono. Ao contrário, é bem possível que esses pensamentos
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Ver o sonho “Privada ao ar livre”, em Os afetos nos sonhos, Capítulo VI de A interpretação dos sonhos
de Freud (1900-1901). Mihi é palavra latina, caso dativo de ego.
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de tratar o rébus como uma composição pictórica, e como tal, ela lhes
pareceu absurda e sem valor. (FREUD, 1900-1901)
Freud (1916a) retorna a esta questão em muitos momentos de sua obra,
notadamente em suas Conferências introdutórias sobre psicanálise, ao recordar que o
trabalho do sonho executa uma versão dos pensamentos oníricos segundo um modo de
expressão primitivo, semelhante à escrita pictográfica. No entanto, adverte o autor,
todos esses sistemas primitivos de expressão se caracterizam por indefinição e
ambiguidade.
Naturalmente, deve-se admitir que o sistema de expressão por meio de
sonhos ocupa uma posição muito mais desfavorável do que qualquer
desses idiomas e escritas antigos. Pois, afinal, destinam-se estes,
fundamentalmente, à comunicação; ou seja, por qualquer método e
com qualquer recurso, destinam-se a ser compreendidos. Precisamente
esta característica, porém, está ausente nos sonhos. Um sonho não
pretende dizer nada a ninguém. Não é um veículo de comunicação;
pelo contrário, destina-se a permanecer não compreendido. Por essa
razão, não devemos nos surpreender ou ficar perplexos ao
verificarmos que permanecem sem solução numerosas ambiguidades e
obscuridades dos sonhos. (FREUD, 1916a)
Para ilustrar, o autor recorre a um exemplo de sonho em que uma de suas
pacientes, que havia perdido seu pai durante o tratamento, sonhou que seu pai apareceu
e disse: “São onze e quinze, são onze e meia, são quinze para as doze”. (FREUD,
1916a) Tudo o que acudiu à mente da paciente foi que seu pai gostava que seus filhos
adultos chegassem pontualmente às refeições da família. No decorrer das associações
seguintes, aparentemente distantes do sonho, ela contou como, no dia anterior, tinha
havido um bocado de conversa sobre psicologia, em sua presença, e um seu parente
havia comentado: “O Urmensch [homem primitivo] sobrevive em todos nós”. (id.ibid.)
No sonho, ela o transformou no Uhrmensch [‘homem do relógio’] fazendo-o anunciar
os quartos de hora do meio-dia.
Outro sonho exemplar desta conferência e que teve importância histórica, tendo
sido referido por Plutarco e Artemidoro de Daldis, com ligeiras variações, foi o sonho
de Alexandre Magno. Quando o rei estava sitiando a cidade de Tiro (322 a. C.), sonhou
“que vira um sátiro dançando”. Aristandro, o intérprete de sonhos que se encontrava
presente junto com o exército, interpretou o sonho dividindo a palavra ‘Satyros’ em σα
Τυρος [sa Tyros] (tua é Tiro), prometendo que Alexandre iria triunfar sobre a cidade.
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Por esta interpretação, Alexandre foi levado a continuar o cerco e, finalmente, capturou
Tiro.
No capítulo II da obra sobre os sonhos Freud (1900-1901) examina os métodos
populares de interpretação dos sonhos mais comuns desde a Antiguidade, em que os
sonhos são considerados como uma espécie de criptografia, e em que cada signo pode
ser traduzido por outro signo de significado conhecido, de acordo com um código fixo.
Suponhamos, por exemplo, que eu tenha sonhado com uma carta e
também com um funeral. Se consultar um “livro dos sonhos”,
verificarei que “carta” deve traduzir-se por “transtorno”, e “funeral”,
por “noivado”. Resta-me então vincular as palavras-chave que assim
decifrei e, mais uma vez, transpor o resultado para o tempo futuro.
Uma modificação interessante do processo de decifração, que até certo
ponto corrige o caráter puramente mecânico de seu método de
transposição, encontra-se no livro escrito sobre a interpretação dos
sonhos [Oneirocrítica] de Artemidoro de Daldis. Esse método leva em
conta não apenas o conteúdo do sonho, mas também o caráter e
situação do sonhador, de modo que um mesmo elemento onírico terá,
para um homem rico, um homem casado ou, digamos, um orador, um
sentido diferente do que tem para um homem pobre, um homem
solteiro ou um negociante. A essência do método de decifração
reside, contudo, no fato de o trabalho de interpretação não ser aplicado
ao sonho como um todo, mas a cada parcela independente do
conteúdo do sonho, como se o sonho fosse um conglomerado
geológico em que cada fragmento de rocha exigisse uma análise
isolada. Não há dúvida de que a invenção do método interpretativo de
decifração foi sugerida por sonhos desconexos e confusos. (FREUD,
1900-1901)
Numa nota de rodapé datada de 1914, Freud (1900-1901) acrescenta uma
observação preciosa aos comentários feitos em relação ao método oneirocrítico da
Antiguidade. Baseado nos estudos de Theodor Gomperz (1866), ele verifica ser o
método de interpretação de sonhos de Artemidoro em tudo assemelhado ao proposto por
ele, por via da associação. Uma coisa no sonho significa o que ela recordar à mente do
intérprete. Contudo, assinala Freud, sua técnica difere da de Artemidoro num ponto
essencial: ela impõe a tarefa de interpretação à própria pessoa que sonha.
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A linguagem do inconsciente
Em “A instância da letra...”, Lacan (1998a) assinala que o método de
interpretação de sonhos, mais que propriamente uma decodificação, ao modo de uma
criptografia, constitui antes uma decifração, e de uma modalidade linguageira que em
nada se aproxima de uma língua perdida. Neste sentido, propõe algumas paradas, que
outra coisa não é senão o exame de algumas características da linguagem do
inconsciente, realizando, nesse sentido, um retorno a Freud.
A primeira parada de Lacan (1998a) é o conceito de Entstellung, ou deformação,
traduzida por ele como transposição, e que constitui a condição geral do sonho. No
trabalho do sonho, o conteúdo onírico latente deforma-se, por força da censura onírica,
em conteúdo manifesto, tal como vimos nos exemplos de sonhos da obra freudiana.
Para Lacan, trata-se do deslizamento do significado sob o significante, em ação
inconsciente no discurso.
Em sua releitura de Freud, Lacan (1998a, p. 515) retoma os dois principais
modos de arranjo estabelecidos pelo mestre vienense: a condensação, ou Verdichtung, e
o deslocamento, ou Verschiebung. Contudo, para uma melhor apreciação dessas
modalidades de funcionamento do aparelho psíquico na teoria freudiana, não
poderíamos deixar de examiná-los à luz da contribuição de Todorov (1996), em seu
formidável escrito “A retórica de Freud”.
Nesse artigo, Todorov (1996) procede à análise exaustiva de exemplares de
chistes extraídos da obra freudiana, centrando o debate nos argumentos retóricos de
Freud, em que os mecanismos ditos de condensação e deslocamento presidem.
Interessa-nos aqui recortar apenas uma passagem, tendo em vista o interesse de nossa
exposição, o de demarcar os campos da metáfora e da metonímia, que Lacan faz
coincidir, seja em “A instância da letra...”, ou ainda em muitos seminários que
compõem o seu ensino, aos da condensação e do deslocamento freudianos.
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Vê-se, com base nesse fato, como são parciais as tentativas, feitas nas
pegadas de Lacan, de juntar os dois conceitos freudianos, condensação
e deslocamento, a categorias retóricas como a metáfora e a metonímia
[...] A condensação engloba todos os tropos, tanto a metáfora quanto a
metonímia, assim como outras relações de evocação de sentido; o
deslocamento não é uma metonímia, não é um tropo, pois não é uma
substituição de sentido, e sim uma correlação de dois sentidos
copresentes. (TODOROV, 1996, p. 329-330)
Advertidos quanto à superposição incorreta da condensação à metáfora e do
deslocamento à metonímia, retomemos a contribuição lacaniana ao debate. Para Lacan
(1998a), o que distingue os mecanismos da condensação e do deslocamento presentes
no sonho de sua função no discurso é o que Freud designa por Rücksicht auf
Darstellbarkeit, cuja tradução foi objeto de exame em nossa Tese de Doutorado
(MOTTA, 2006), e que parece encontrar melhor acolhida em Lacan como
“consideração para com os meios de encenação”. É na dimensão da cena do sonho que
Lacan encontra oportunidade para tratar do mecanismo freudiano da Rücksicht auf
Darstellbarkeit: “O fato de o sonho dispor da fala não modifica nada, visto que, para o
inconsciente, ela é apenas um elemento de encenação como os demais”. (LACAN,
1998a, p. 515)
Em nossa tese, ao examinarmos a cena no sonho, verificamos que o sonho é de
natureza particularmente substantiva, pouco atendendo às conjunções que ligam os
pensamentos oníricos, cabendo à interpretação restaurar as conexões que a elaboração
onírica destruiu. Essas conexões aparecem no sonho sob a forma de atualização de tal
modo que, numa única imagem, amalgamam-se vários elementos que na vida de vigília
poderiam estar subordinados, daí Freud (1900-1901) afirmar que os sonhos reproduzem
a ligação lógica pela simultaneidade no tempo.
A simultaneidade temporal reclama, por sua vez, a máxima condensação dos
pensamentos oníricos, por força da economia psíquica e também da censura onírica, o
que se expressa numa imagem visual com múltiplas entradas e determinações. Este fator
é denominado por Freud de Darstellbarkeit, traduzido nas edições brasileiras por
representabilidade ou figurabilidade do sonho. Por representabilidade, entende-se com
Freud que uma expressão abstrata do pensamento onírico pode ser trocada por uma
expressão pictórica e concreta, com grande vantagem: “Uma coisa pictórica é, do ponto
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Tópica do inconsciente
A conclusão de Lacan (1998a, p. 515), é que “[...] o trabalho do sonho segue as
leis do inconsciente”. Adiante, declara: “Pois, na análise do sonho, Freud não pretende
dar-nos outra coisa senão as leis do inconsciente em sua extensão mais geral”.
(LACAN, 1998a, p. 518, 3º§) Contudo, esclarece o autor, o inconsciente não é
coextensivo à ordem psicológica ou às funções de relação do indivíduo, embora o autor
não exclua de seu campo nenhuma das ações humanas.
Para definir a tópica do inconsciente, Lacan (1998a, p. 518) recorreu, no capítulo
anterior, ao algoritmo da ciência linguística:
S
s
f (S) I
s
f (S...S') S S (−) s
f ( S’ ) S S (+) s
S
Nesta, os significantes já não se alinham na cadeia sob a forma de uma conexão,
mas se substituem um ao outro (S’/S). Salta à vista o sinal (+), a demonstrar que algo
transpõe a barreira representada pela barra, constituindo o que Lacan designa de
transferência de significado. Se a metonímia está condenada a funcionar ao largo da
cadeia, no eixo da contiguidade jakobsoniana ou da simultaneidade saussureana, a
metáfora, por sua vez, ao realizar a transposição da barra, faz emergir uma
significação, por efeito de substituição de um significante por outro, efeito que é,
segundo Lacan, de poesia ou de criação – efeito de significação, situando-se, portanto,
no eixo da sucessão saussureana, da similaridade jakobsoniana.
Vimos, no capítulo anterior, que a metonímia e a metáfora por substituição
exigem que o termo latente, que não aparece na cadeia significante, seja de certa forma
subentendido pelos significantes manifestos ou patentes, como assinala Lacan. (1998a,
p. 519, Nota 27) Desse modo, uma relação semântica entre um termo manifesto,
patente, e um termo latente (continente e conteúdo, parte e todo, etc.) contribui para
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O símbolo matemático da congruência foi desenvolvido por Carl Friedrich Gauss (1777-1855),
matemático, astrônomo e físico alemão que escreveu várias obras, entre as quais Disputationes
arithmeticae. Nelas, Gauss estabelece que, se um número m divide a diferença a-b (ou b-a) de dois
números a e b sem resto, então a e b dizem-se congruentes módulo m, segundo a fórmula a b (mod m),
que se lê: a é congruente com b módulo m. A relação é chamada congruência, e m é chamado de módulo
da congruência. O número b é chamado de resto de a módulo m, e, inversamente, a é chamado de resto de
b módulo m. A noção de congruência é mais inclusiva do que a noção de igualdades. Disponível em
<http://www.miniweb.com.br/ciencias/artigos/gauss5.html> Acesso em 09/05/2009.
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evocar o termo latente. Para Lacan, o símbolo S’ indica o termo produtor do efeito
significante, e sua posição na metonímia é latente, ao passo que na metáfora é
manifesto, patente.
No exemplo lacaniano de metáfora – “Seu feixe não era avaro nem odiento” –
(LACAN, 1998a, p. 510), o que se pode depreender é que se trata de uma metáfora por
substituição, com base numa metonímia. “Seu feixe” é metonímico em relação a
“Booz” – objeto e proprietário –, compondo, ao nível da frase, uma metáfora. Os
elementos produtores do efeito significante podem ser assim identificados: “Booz” é o
S’ da metonímia, latente, ao passo que “feixe” constitui o S’ da metáfora, patente,
manifesto. Em “O amor é um seixo rindo ao sol”, metáfora por extensão, o termo
‘amor’ é patente, produtor do efeito de significação.
O cogito lacaniano
Trata-se, agora, de debater a função do sujeito: “Essa transposição exprime a
condição da passagem do significante para o significado, cujo momento assinalei, mais
acima, confundindo-o provisoriamente com o lugar do sujeito”. (LACAN, 1998a, p.
519). Um pouco antes, ele havia declarado: “Mas todo esse significante, dirão, só pode
operar por estar presente no sujeito. É justamente a isso que respondo ao supor que ele
passou ao patamar do significado”. (LACAN, 1998a, p. 508, 2º§)
A ruptura da concepção lacaniana em relação à categoria de sujeito constitui um
marco da experiência analítica. Em seu ensino, Lacan busca uma compreensão da noção
de sujeito como efeito da conexão entre dois ou mais significantes, de tal sorte que um
significante representa o sujeito para outro significante. Essa concepção, que rompe
com a tradição cartesiana do sujeito, desloca o “cogito ergo sum” (“Penso, logo existo”)
de tal modo que torna o homem excêntrico ao seu próprio ser, razão pela qual Lacan aí
se indaga: “O lugar que ocupo como sujeito do significante, em relação ao que ocupo
como sujeito do significado, será ele concêntrico ou excêntrico?” (LACAN, 1998a, p.
520, 5º§)
A resposta, Lacan (1998a) a conhece, e a oferece a nós, no seu modo subversivo,
relembrando Freud: “penso onde não sou, logo sou onde não penso” (LACAN, 1998a,
p. 521, 6º§) Em outras palavras: “eu não sou lá onde sou joguete de meu pensamento;
penso naquilo que sou lá onde não penso pensar” (id.ibid) Para melhor entender a
subversão que opera o autor no cogito cartesiano, descentrando o sujeito de sua
consciência de ser, necessário recorrermos a outros momentos do seu ensino, em
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especial a um dos seus seminários ainda inéditos, em que ele se dedica a examinar essa
questão.
Trata-se de Problemas cruciais para a psicanálise, mais exatamente a lição de
02 de dezembro de 1964 do Seminário XII. Lacan (1964) procura aí demonstrar que o
sujeito nada mais é do que aquele que pensa “logo sou”. O que quer dizer que o ponto
de apoio deste termo do sujeito não é senão o momento em que ele evanesce sob o
sentido, ou seja, o sentido do “logo sou”. É justamente o sentido que faz o sujeito
desaparecer como ser, ou melhor, é quando o sujeito imagina compreender que ele já
não se reconhece enquanto tal.
Ao cogito cartesiano “Penso, logo sou”, Lacan propõe: “Sou onde não penso e
penso onde não sou”. A primeira parte desta formulação explica-se em razão de que, se
o centro da vida psíquica está no inconsciente, para a psicanálise, ou seja, se o centro da
vida psíquica está “onde não penso”, é aí, muito justamente, onde se radica o verdadeiro
ser. É aí, nesse lugar genuíno, onde verdadeiramente acontece o que, psiquicamente,
caracteriza o sujeito.
A segunda parte da formulação lacaniana – “penso onde não sou” – deriva do
fato de que, se o eu, a consciência, essa suposta cartesiana nada mais é do que o lugar
das aparências, do engano, do equívoco, então “aí não sou”, aí “parece que sou”.
A metáfora paterna
Lacan irá desenvolver a fórmula da metáfora paterna a partir da tópica do
Inconsciente no artigo “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da
psicose” (1998b), retomando a fórmula da metáfora desenvolvida em “A instância da
letra...” (1998a), e formalizando-a ainda mais.
S . S’ → S (I)
S’ x s
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Ver, a propósito, o artigo de Freud (1920) “Além do princípio do prazer”.
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Brevemente, as figuras e tropos acima indicadas encontram as seguintes definições: perífrase: conceito
vocabular apresentado por meio de uma construção sintática; hipérbato: inversão da ordem das palavras;
elipse: omissão, numa enunciação linguística, do termo presente em nosso espírito, porque se depreende
do contexto geral ou da situação; suspensão: desloca a ideia principal para o fim da frase; antecipação: o
determinante antecede o determinado; digressão: parte facultativa do discurso judiciário que consiste em
sair do assunto, mas para maior esclarecimento do auditório; ironia: figura que consiste em dizer o
contrário do que quer dizer, não para enganar, mas para ridicularizar; catacrese: emprego abusivo de uma
palavra ou expressão fora da sua significação adequada; litote (ou atenuação): diminuição quantitativa de
uma das propriedades do objeto, de um estado; antonomásia: sinédoque que designa uma espécie pelo
nome de um indivíduo ou um indivíduo pelo nome de uma espécie; hipotipose: figura que consiste em
descrever um espetáculo ou um acontecimento de modo tão vivo que o auditório acredita tê-lo diante dos
olhos. Ver a propósito Mattoso Câmara Jr. (2000); Todorov (1982) e Reboul (2000). Em Todorov (1996),
a paronomásia se define como figura que reúne na mesma frase palavras cujo som é quase idêntico, mas
com sentido diferente. O autor assinala que se trata de ocorrência múltipla de significantes semelhantes.
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“O que não deve ser visto, que um relato no-lo exponha” (BOILEAU-DESPRÉAUX,1979, p. 42).
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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