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FUNÇÃO DO ANALISTA
AULA 6
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relação aos quadros de psicose, sublinhando justamente as diferenças entre as
duas funções.
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Figura 1 – Nó borromeano ou borromeu, simplificado
R
S
TEMA 2 – O REAL
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do sonho ao qual se referia Freud, diante do qual as interpretações ficam sempre
aquém.
A ênfase aqui não é a do inconsciente estruturado como uma linguagem,
em uma referência ao simbólico, mas ao inconsciente naquilo que dele não se
pode apreender por meio do simbólico, ao inconsciente enquanto aquilo que se
repete porque não se deixa simbolizar. Esse furo diz respeito aos limites do
simbólico e nos remete à falta constitutiva de objeto da pulsão, tal como vimos
com o conceito de objeto a. Trata-se daquilo que está para além das palavras,
além das possibilidades de assimilação de nosso aparelho psíquico, da
inexistência da relação sexual, já que o ser humano só goza mesmo é de sua
própria fantasia.
De maneira mais palatável, são reais as experiências que o sujeito vive e
que não lhe fazem sentido, que não se conformam àquilo que ele espera, que
desorganizam sua estabilidade psíquica, que não se enquadram em sua
fantasia, que não cabem no seu sonho. O real se dispõe sempre num mais além,
e, por isso, que o articularemos com um conceito lacaniano importante para a
prática clínica dessa vertente e que é o conceito de gozo.
TEMA 3 – O GOZO
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viabiliza essa descarga. Essa satisfação é vivida como prazer. O ponto c,
portanto, representa o circuito da satisfação possível, sempre parcial, de modo
que o trajeto de abc é, portanto, o da pulsão de vida, daquelas pulsões que se
ligam a um representante psíquico, um significante e, por meio deste, alcançam
satisfação, sob a égide do princípio do prazer.
Já o trajeto de cd representa o mais além da satisfação, do princípio do
prazer, aquela repetição insistente que não se contentou com a satisfação
parcial. Aqui o objeto visado já não é aquele contingente, possível, capaz de
viabilizar uma descarga e uma satisfação parcial, mas o objeto visado pela
pulsão de morte na ânsia de redução de toda excitação psíquica à zero é aquele
que Freud se referiu desde o Projeto para uma psicologia científica, texto de
1895, como das Ding, isto é, A Coisa.
A Coisa, assim maiúscula, que supostamente nos faria completos e
eliminaria toda a falta inerente a estrutura, o objeto perdido do desejo, ou seja,
aquele que não existe nem nunca existiu. Ao definir essa repetição para além do
princípio do prazer, Freud institui o conceito de pulsão de morte, e Lacan o
articulará com o de gozo, como aquilo que não se detém com o prazer possível,
repetindo a falta inerente à pulsão na tentativa de eliminá-la por completo. Como
vimos, essa falta é estrutural e não é passível de eliminação, sendo que sua
extinção corresponderia à morte do sujeito.
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A presença de um pai real já não é mais necessária, posto que o operador
de sua função passa a ser um significante, o significante da falta na mãe que,
como vimos, é o falo. Vejamos: o desejo da criança pela mãe não é interdito por
um pai real, mas por uma falta na própria mãe, isto é, a própria mãe deve estar
submetida à lei do desejo, para que não localize na criança o objeto único de seu
desejo. Assim, ela deseja outras coisas para além do bebê, o que introduz entre
ela e a criança uma mediação, ela poderá, com isso, se ausentar
temporariamente. O reconhecimento dessa falta na mãe, que já vimos com o
conceito de falo, é o que possibilita que a criança inscreva em seu psiquismo
essa falta constitutiva que coloca o desejo humano em marcha.
É ao renunciar a posição de ser o falo da mãe que a criança poderá
deslocar seu desejo para objetos substitutivos, cujo protótipo é o falo do pai. De
ser o falo da mãe, ela passa a querer ter o falo do pai, porque situa nele o objeto
do desejo da mãe e, assim, inaugura-se então o desejo naquilo que ele tem de
metonímico, conforme vimos, ele se desloca de objeto em objeto. O pai odiado
e temido será tomado pela criança, no final do Édipo, como uma figura de
identificação, um Ideal de eu.
A palavra ocupa nesse processo dialético um lugar fundamental, pois ela é
o signo da ausência. Em psicanálise, como vimos, a palavra não visa apenas
representar a coisa ou o significado, pois o significante não é funcional, como
nos lembra Lacan. A palavra, mais do que comunicar, evoca, isto é, presentifica
a ausência. Uma mãe ausente, quando chamada, aparece, como se fosse um
passe de mágica para a criança. Como escreveu Clarice Lispector, a palavra é
o nosso domínio sobre o mundo.
No entanto, para que a criança chame a mãe, demande por ela, para que
a palavra venha a se instalar nessa função invocante, é necessário que antes se
tenha experimentado a ausência dessa mãe. Essa é a experiência do neto de
Freud, por exemplo, que simulava a presença e a ausência da sua mãe num jogo
de carretel, acompanhado pelas palavras Fort–da, no texto Mais além do
princípio do prazer. Trata-se da simbolização da falta, em que a palavra vem se
colocar no lugar do objeto que se ausenta. A simbolização da falta é a entrada
da criança no mundo da linguagem.
O que importa perceber aqui é que essa falta que se transmite é
estruturante, à medida que o primeiro objeto do desejo é relegado à categoria de
impossível, o que possibilita que ele seja indefinidamente deslocado. Ao ser
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substituído, esse primeiro objeto é recalcado, ou seja, funda-se o inconsciente
do neurótico, submetido as leis da linguagem tal como elas estruturam o
inconsciente.
O objeto primeiro, recalcado e abandonado, não será jamais reencontrado
nos objetos substitutivos, o que, como vimos, é a própria noção de desejo. Desta
forma, é que o Nome do pai estabelece uma barra em relação ao gozo, porém,
também aponta com o falo para outras possibilidades, conforme a identificação
com o pai como Ideal de eu. Esse falo servirá como um guia para o sujeito, na
errância de seu desejo.
Na metáfora paterna lacaniana, esse objeto perdido e recalcado, quando
deslocado, traduz-se como a própria relação entre a palavra e a coisa que, como
vimos, com o conceito de significante, jamais será unívoca. O simbólico também
estrutura nossa relação com a realidade, e é justamente esse modo de se
relacionar com a linguagem que possibilita que o sujeito formule uma questão
sobre seu próprio desejo e sobre si mesmo, e a enderece ao Outro, que na
análise vem a ser o analista. Ou seja, é o que viabiliza a transferência do
neurótico com o analista, através do suposto saber, já que há espaço para essa
suposição, à medida que o neurótico não sabe algo de seu desejo.
Lembremos que é justamente em relação à possibilidade de
estabelecimento da transferência que Freud havia situado os maiores entraves
em relação ao tratamento psicanalítico das psicoses. Como sabemos, a neurose
caracteriza-se pelas dúvidas, enquanto as psicoses, pelas certezas. Essa é a
diferença entre os sintomas e os delírios, por exemplo. Os delírios se constituem
como um saber consolidado, uma certeza sobre o desejo do Outro. E já que
estivemos tratando sobre a entrada no mundo da linguagem pela via neurótica,
encerraremos este nosso percurso com algumas breves considerações sobre a
estrutura das psicoses, diante das quais Lacan nos convocou a não recuar.
TEMA 5 – A PSICOSE
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Se o mecanismo próprio da neurose é o recalque, como vimos, em que o
sujeito cede em relação ao gozo do objeto primário, em prol do falo paterno, e
inaugura, assim, o deslocamento que caracteriza o desejo humano; o que Lacan
concebe como sendo próprio da psicose é a foraclusão, isto é, a rejeição do
Nome do pai para fora do regime do simbólico. O psicótico é aquele que rejeita
a castração e, consequentemente, sua entrada no mundo da linguagem não tem
essa mediação simbólica do falo, tal como temos visto no caso dos neuróticos.
Um traço bastante interessante de ser notado, por exemplo, no que diz
respeito à eclosão das psicoses, é o fato de que não raro ela coincide com
questões relativas à paternidade, ou a assunção de posições fálicas, por
exemplo, no caso clássico de Schreber, quando alçado à presidência de um
tribunal superior. Essa posição notadamente o convoca a ocupar um lugar para
o qual ele mostra não ter condições simbólicas de assumir, pois lhe falta uma
referência fálica para isso, e a psicose então se desencadeia.
Como não há inscrição simbólica da falta no Outro, este se apresentará
para o sujeito psicótico como completo e consistente, absoluto, daí sua relação
com a palavra não ter a relativização metafórica, o que faz com que o Outro fale
por si só, e o sujeito o escute não como um pensamento seu, que lhe inspira
dúvida a respeito de sua veracidade, como no sintoma neurótico, mas como algo
real, vindo de fora, o que se observa nos fenômenos elementares da psicose, os
delírios e as alucinações.
O psicótico é invadido pela linguagem porque sua relação com o
significante não é permeada pela falta, o que faz com que a relação da palavra
com a coisa seja tomada no nível da consistência. Ele não faz metáfora, não
substitui um significante por outro, não desloca, não suporta o fato de que
subsista uma falta no Outro, inerente às palavras. Daí o texto delirante não
comportar resquício de dúvida, visando preencher por completo a falta não
inscrita. Conforme Lacan, no texto da Instância da letra no inconsciente, “Uma
palavra por outra, eis a fórmula da metáfora” (Lacan, [1957], 1998, p. 510).
Dessa maneira, o psicótico fica restrito a uma relação imaginária com a
linguagem, em que o sentido é unívoco e tudo que estivemos vendo acerca do
inconsciente como o registro do duplo sentido, da polissemia, não funciona
nessa estrutura, o que impõe mudanças substanciais na função do analista, bem
como na sua técnica. Não se farão, por exemplo, interpretações ambíguas, como
estivemos estudando, pois o psicótico não relativiza, ele tomará as palavras
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como se fossem coisas, literalmente, ao pé da letra. A palavra ganhará vida
própria, e o sujeito psicótico é tomado por uma perplexidade frente a essa
autonomia de um significante que significa por si só, sem ter de se remeter a
outro em cadeia. Ele experimenta a si próprio como objeto do desejo do Outro.
Assim, diferente da sua função no tratamento de um neurótico em que o
analista vai operar com uma separação do sujeito em relação aos significantes
que o determinam, apontando para o furo do registro do simbólico, porque o
neurótico tem estrutura simbólica para suportar; no tratamento com psicóticos, o
analista irá testemunhar, sustentar e até ajudar a criar significantes para que o
sujeito possa dar conta do real insuportável. Se no caso do neurótico a análise
visa desalojar o sujeito de uma identificação alienante, no caso do psicótico não,
a visada do analista será antes a de sustentar o lugar simbólico que o sujeito
puder criar e que o ancore, estabilizando-o.
O delírio nessa perspectiva pode ser tomado, então, não como um
problema, a ser eliminado, mas como uma construção do próprio sujeito e que
tem como função sua estabilização frente a um real não mediado. Ele já é em si
mesmo um recurso endógeno, uma estória que o alienado cria para colocar no
lugar de um buraco, um lugar que ele fabrica para ocupar frente a um real não
assimilado.
O analista irá, em geral, ratificar esses significantes, operando mais como
uma testemunha das construções possíveis, validando-as, sem interpretá-las, no
sentido que vimos nos capítulos anteriores, pois isso poderia desestruturar uma
amarração já não tão consistente, produzindo efeitos muitos mais danosos do
que terapêuticos. Daí a importância de um diagnóstico estrutural na clínica
psicanalítica, para auxiliar na direção do tratamento.
O analista será tomado pelo sujeito psicótico em uma relação sobretudo
imaginária, em que o sujeito tende a se fundir com o analista, a experimentá-lo
como um intruso e invasor, desencadeando vivências persecutórias. Cabe ao
analista criar um espaço seguro de escuta, oferecendo ao sujeito uma versão do
Outro menos consistente, de não saber, de testemunha. O analista não irá
compreendê-lo e jamais direcioná-lo, pois o que o analista dirige é o tratamento
e não o paciente (Lacan, 1998, p. 592).
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NA PRÁTICA
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diante de impulsos próprios de teor agressivos e sexuais, que remontam a temas
insuportáveis que o invadem. O analista não visa, aqui, desamarrar o arranjo que
o sujeito fabricou para sustentar sua realidade psíquica, seu trânsito na
sociedade, sua inserção possível no convívio social, ao contrário, serve como
testemunha e como um Outro validador desse anteparo.
FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
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