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Neuropsicologia

Reabilitação Neuropsicológica

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Camila Campanhã

Revisão Textual:
Maria Cecília Andreo

Revisão Técnica:
Prof.ª M.ª Cássia Souza
Reabilitação Neuropsicológica

• Definição de Reabilitação Neuropsicológica;


• Histórico da Reabilitação Neuropsicológica;
• Fundamentos Teóricos da Reabilitação Neuropsicológica;
• Bases Neurobiológicas da Reabilitação Neuropsicológica;
• Treino Cognitivo Computadorizado;
• Tecnologias de Neuromodulação e Reabilitação Cognitiva.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Compreender o desenvolvimento da área da reabilitação neuropsicológica como ciência;
• Compreender como a neuroplasticidade cerebral permite que intervenções cognitivas melho-
rem funções cognitivas prejudicadas;
• Entender a atuação do neuropsicólogo na reabilitação neuropsicológica;
• Compreender como o uso de novas tecnologias, como a estimulação cerebral não invasiva,
aliada ao trabalho do neuropsicólogo, pode contribuir para a reabilitação cognitiva.
UNIDADE Reabilitação Neuropsicológica

Definição de Reabilitação Neuropsicológica


Segundo Abrisqueta-Gomez e da Silva (2016), o termo Reabilitação Cognitiva refere-
-se ao tratamento para pessoas com alterações cognitivas ocorridas em razão de al-
gum dano, comprometimento, alteração cerebral. A Reabilitação Cognitiva tem diversas
abordagens, devido à complexidade de disfunções com diversas etiologias que os pacien-
tes apresentam. Miotto (2015) cita as definições, segundo a OMS (1980, 2001, 2002,
p. 3), de Reabilitação Cognitiva como “um conjunto de procedimentos e técnicas que
visam promover o restabelecimento do mais alto nível de adaptação física, psicológica e
social do indivíduo incapacitado”.

Um dos grandes nomes na área, Bárbara Wilson (2009 apud MIOTTO, 2015, p. 3)
define Reabilitação Cognitiva:

Como um processo no qual o paciente e seus familiares trabalham em


parceria com os profissionais da saúde a fim de possibilitar o alcance do
potencial máximo de recuperação, bem como lidar ou conviver melhor
com as dificuldades cognitivas, emocionais, comportamentais e sociais
resultantes de lesão cerebral ou quadro neurológico.

O principal objetivo da Reabilitação Cognitiva deve estar associado, junto ao paciente


e à família, à melhora do funcionamento do paciente em seu dia a dia, ou seja, o trata-
mento deve gerar mudanças nas atividades de vida diária, estando voltado não somen-
te aos aspectos cognitivos do paciente, mas também aos aspectos comportamentais,
emocionais, familiares e sociais da vida do paciente (MIOTTO, 2015). Com relação aos
programas de reabilitação, Miotto (2015, p. 3) elenca as seguintes abordagens e objetivos:
• Recuperar ou restaurar a função cognitiva comprometida.
• Potencializar a plasticidade cerebral ou a reorganização funcional por
meio das áreas cerebrais preservadas.
• Compensar as dificuldades cognitivas com meios alternativos ou auxí-
lios externos que possibilitem a melhor adaptação funcional.
• Modificar o ambiente com tecnologia assistiva ou outros meios de adap-
tação às dificuldades individuais de cada paciente.

Importante ressaltar que o Treino Cognitivo, uma das abordagens que vêm sendo
mais divulgadas, até pelo uso tecnológico recente, tem como objetivo intervir em altera-
ções cognitivas mais específicas, como a memória, por exemplo, por meio de métodos
de recuperação e estratégias compensatórias para reduzir o impacto dos problemas que
os déficits cognitivos geram no dia a dia do paciente (MIOTTO, 2015).

Histórico da Reabilitação Neuropsicológica


Um dos primeiros registros de reabilitação cognitiva foi encontrado no Egito 2,5 a 3
mil anos atrás, descoberto por Smith e Luxor (1862; WALSH, 1987 apud ABRISQUETA-
-GOMEZ; DA SILVA, 2012). Apesar de início tão antigo, a forma como conhecemos

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hoje a reabilitação neuropsicológica tem sua origem na primeira e na segunda guerra
mundial (MIOTTO, 2015). Foram descritas abordagens de reabilitação e compensação
cognitiva em pacientes sobreviventes da Primeira Guerra Mundial por Wilson (2009
apud MIOTTO, 2015). Contudo, o trabalho do Alexander Luria foi o mais importante e
mais conhecido. Seu trabalho foi com os soldados da Segunda Guerra Mundial na União
Soviética (1963 apud MIOTTO, 2015). Outro nome importante na história da reabili-
tação cognitiva foi Oliver Zangwill (1947 apud MIOTTO, 2015), na Inglaterra. A esses
profissionais devemos os princípios de adaptação funcional que, segundo Miotto (2015,
p. 4), referem-se ao uso de “uma função cognitiva preservada pode ser utilizada para
compensar outra função comprometida”. Foram atribuídas aos trabalhos de Zangwill três
abordagens em reabilitação: treino direcionado, substituição e compensação (WILSON,
2009 apud MIOTTO, 2015).

A abordagem de reabilitação holística como a conhecemos hoje teve influência im-


portante nos trabalhos de profissionais modernos como Yehuda Ben-Yishay (1976,
1996 apud MIOTTO, 2015), responsável por desenvolver o primeiro programa de rea-
bilitação cognitiva em Israel, seguido de Diller, George Prigatano, nos EUA (1986 apud
MIOTTO, 2015), e do importante trabalho da Bárbara Wilson, na Inglaterra (1996 apud
MIOTTO, 2015). De acordo com Miotto (2015) a abordagem holística abarca os diversos
contextos da vida do paciente:

Cognitivo, emocional, comportamental, social, familiar e vocacional. O pro-


grama visa aumentar a autocrítica e o insight do paciente, reduzir os déficits
cognitivos, desenvolver estratégias e habilidades compensatórias, e oferecer
aconselhamento vocacional para a inserção do paciente no mercado profis-
sional ou em atividade ocupacional. (WILSON, 2009 apud MIOTTO, p. 5)

A abordagem holística é uma abordagem interessante do ponto de vista das evidên-


cias de eficácia. Contudo, apresenta algumas dificuldades, como os custos do tratamento
em si, treinamento adequado da equipe multidisciplinar, a formação, a infraestrutura
adequada, a frequência do paciente e a duração longa do protocolo do tratamento com
benefícios para grupos clínicos específicos como TCE e AVC (MIOTTO, 2015). No
Brasil, ainda há o agravante de existirem poucos centros de reabilitação com equipes
multidisciplinares e abordagem neuropsicológica, o que dificulta o atendimento de alta
demanda, impulsionando o trabalho em consultórios particulares e a criação de ambula-
tórios especializados em Reabilitação (MIOTTO, 2015). O grande destaque está na rede
Lucy Montoro e no Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que utilizam tecnologia
de ponta e têm parcerias internacionais na área.

Outro ponto importante a ser considerado na reabilitação cognitiva ou neuropsicológica


é a classificação da funcionalidade pela Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF)
(MIOTTO, 2015). Vejamos o modelo de classificação da CIF:

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UNIDADE Reabilitação Neuropsicológica

Condição de saúde

Funções e
estruturas do corpo Atividades Participação

Fatores ambientais Fatores pessoais

Figura 1 – Modelo da CIF


Fonte: Adaptada de MIOTTO, 2015, p. 5

Fundamentos Teóricos da
Reabilitação Neuropsicológica
As abordagens teóricas na Reabilitação Neuropsicológica são baseadas em quatro
grandes áreas, de acordo com Miotto (2015), “funcionamento cognitivo, emoção, com-
portamento e aprendizagem”. Abrisqueta-Gomez e Da Silva (2016) apontam quatro abor-
dagens da Reabilitação Cognitiva, organizadas por Wilsons (1997 apud ABRISQUETA-
-GOMEZ; DA SILVA, 2016, p. 264):
• A baseada no retreinamento cognitivo por meio de treinos e exercício;
• A fundamentada exclusivamente em modelos da neuropsicologia cogni-
tiva;
• A abordagem combinada, de modelos provenientes da neuropsicologia,
psicologia cognitiva e psicologia comportamenta;
• A abordagem holística, que, além da cognição, considera outros mo-
delos para entender o aspecto emocional, motivacional e diversos as-
pectos do funcionamento não cognitivo.

O termo Reabilitação Cognitiva, segundo Abrisqueta-Gomez e Da Silva (2016), refere-se


ao tratamento utilizado em pacientes que apresentam sequelas cognitivas em decorrência
de lesões cerebrais. Uma das abordagens mais conhecidas, o treino cognitivo, apresenta
modelo teórico baseado na reabilitação motora e tem como objetivo corrigir e/ou ensinar
os pacientes a lidar com os déficits cognitivos. Nesse modelo, entende-se que exercí-
cios de treino repetido das funções cognitivas poderiam melhorar as funções cogni-
tivas ou restaurá-las (HARRIS; SUNDERLAND, 1981 apud ABRISQUETA-GOMEZ;
DA SILVA, 2016). Entre as estratégias de repetição mais utilizadas está o treino expan-
dido ou evocação espaçada. Nessa estratégia, são apresentadas informações para serem
lembradas pelo paciente, no primeiro momento, imediatamente; depois, recuperadas

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com algum intervalo, aumentando aos poucos os intervalos em que a informação deve
ser recuperada, até que ocorra o aprendizado da informação repetida. É possível, ini-
cialmente, utilizar pistas, como uma letra, que aos poucos vai sendo tirada, até que o
paciente lembre da informação sem ajuda (SITZER; TWAMLEY; JESTE, 2006 apud
ABRISQUETA-GOMEZ; DA SILVA, 2016).

Uma desvantagem do treino cognitivo apontado por Wilson (1997 apud ABRISQUETA-
-GOMEZ; DA SILVA, 2016) é que nessa abordagem o foco é maior na deficiência e nas
incapacidades, que são consequências das deficiências cognitivas, além da dificuldade
de medir na vida realos efeitos de performance, ou seja, o quanto a melhora no treino é
generalizável para a vida real.

Outra abordagem é focada em “metas funcionais” (MORRIS, 2007 apud ABRISQUETA-


-GOMEZ; DA SILVA, 2016). Nessa abordagem, o terapeuta ensina o paciente a realizar
tarefas da vida diária, como fazer compras, usar o dinheiro, mas ignora os processos cog-
nitivos. A adesão é baixa e apresenta uma série de dificuldades em generalizar os ganhos
obtidos na reabilitação a outros contextos (MORRIS, 2007; ABRISQUETA-GOMEZ,
2012 apud ABRISQUETA-GOMEZ; DA SILVA, 2016).

Dessa forma, outra abordagem surgiu, visando dar conta das demandas que as outras
não supriam, a abordagem holística. Nessa abordagem, entende-se que:

Cognição e emoção interagem de maneira complexa; portanto, quando


tentamos reabilitar os déficits cognitivos, devemos prestar atenção, ao
mesmo tempo, aos distúrbios emocionais e motivacionais do indivíduo,
ressaltando que o ambiente social da reabilitação é um fator importante
para a recuperação do paciente. (ABRISQUETA-GOMEZ; DA SILVA,
2016, p. 268)

A interdisciplinaridade é o ponto-chave nessa abordagem da reabilitação neuropsico-


lógica holística (ABRISQUETA-GOMEZ; DA SILVA, 2016). De acordo com Abrisqueta-
-Gomez e Da Silva (2016, p. 271), o consenso nas técnicas utilizadas na Reabilitação
neuropsicológica em países desenvolvidos são:
• Restauração: assume que, em muitos casos, as funções estão apenas re-
duzidas na própria eficácia. As técnicas do TC visam ao fortalecimento e à
restauração da função cognitiva pela prática, repetição e organização das
informações, com o objetivo de promover novos aprendizado;

• Compensação: considera o comportamento compensatório funcional


como uma possibilidade para adaptar-se a um déficit cognitivo que não
pode ser restaurado. Estimula a realização das atividades pelo uso de
estratégias compensatórias, auxílios externos e nova tecnologia, a fim
de reduzir a discrepância entre a demanda do ambiente e a habilidade
reduzida;

• Reestruturação: considera a possibilidade da reestruturação e do pla-


nejamento ambiental para alterar as demandas colocadas sobre o indi-
víduo com deficiência cognitiva, facilitando seu desempenho funcional
e promovendo sua participação social.

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UNIDADE Reabilitação Neuropsicológica

Importante também é considerar as formas de medir eficácia da reabilitação neurop-


sicológica. Medir só desempenho cognitivo não é o suficiente para verificar se o ganho
será transposto para o dia a dia do paciente. Maynard (1999 apud ABRISQUETA-
-GOMEZ; DA SILVA, 2016, p. 276) propõe medidas mais diretas dos ganhos obtidos
para a vida do paciente:
• Atividades de vida diária (AVD);
• Resultados (a longo prazo) expressos no restabelecimento da deficiência;
• Restabelecimento da deficiência psicológica, fisiológica ou da estrutura
anatômica;
• Independência nos relacionamentos sociais, vida familiar, satisfação
(qualidade de vida), estresse, etc.;
• Atividade produtiva e melhora financeira.

Apesar de muitos estudos na área sobre as evidências científicas da eficácia da reabili-


tação neuropsicológica, somente em 2000 é que começaram a surgir as recomendações
baseadas em evidência (ABRISQUETA-GOMEZ; DA SILVA, 2016).

Conheça o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), um programa de reabilitação


neuropsicológica. Disponível em: https://bit.ly/31ZA7qo

Bases Neurobiológicas da
Reabilitação Neuropsicológica
A área de reabilitação neuropsicológica está respaldada no conhecimento neurocien-
tífico de que o cérebro é plástico, ou seja, o cérebro tem capacidade de modificar suas
conexões neurais e funções com a interação com o ambiente. Quando estimuladas as
habilidades, as funções cognitivas, ocorre melhora na velocidade do processamento da
informação, uma vez que o uso dessa rede neural com frequência aumenta a quantidade
de conectividade entre os neurônios, facilitando a despolarização e, consequentemente,
melhorando a performance daquela habilidade ou função cognitiva. Essas mudanças
ocorrem de formas estruturais e funcionais e ao longo da vida em todas as pessoas
(CARVALHO, 2015).

Segundo Miotto (2015), “o termo ‘plasticidade neuronal’ é frequentemente associado


ao fenômeno de recuperação funcional após uma lesão do sistema nervoso”. Como o
cérebro funciona por redes de neurônios conectados, uma lesão gera apenas alterações
relacionadas ao local da lesão, mas na rede a que aquela área pertence, levando a altera-
ções cognitivas, comportamentais e funcionais (MIOTTO, 2015). Contudo, a capacidade
de regeneração do sistema nervoso é limitada e algumas variáveis interferirão nessa ca-
pacidade: idade, tamanho da lesão, causa e localização da lesão são os principais fatores

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que podem interferir no quanto o sistema nervoso consegue regenerar. Lesões extensas,
por exemplo, têm menores chances de reorganização funcional (MIOTTO, 2015).

Os neurônios são muito suscetíveis à morte quando lesionados, além de sua capacida-
de de crescimento ser reduzida (KANDEL et al., 2000; GAZZANIGA et al., 2006 apud
MIOTTO, 2015). Contudo, novas tecnologias e métodos de reabilitação visam melhorar
essa capacidade de recuperação funcional, como treino cognitivo computadorizado,
games, realidade virtual e novas tecnologias de estimulação cerebral não invasivas.

Treino Cognitivo Computadorizado


Como ferramentas para potencializar o processo de intervenção na recuperação,
como formas de compensar ou no treinar as funções cognitivas, a tecnologia vem sendo
utilizada de formas e alternativas diferentes nas intervenções tradicionais e farmacológicas
(KUEIDER et al., 2012 apud UEHARA; WOODRUFF, 2016).

Programas de treino cognitivo informatizados têm se mostrado ferramentas interes-


santes às versões tradicionais, por permitir adequar a complexidade da tarefa às neces-
sidades do indivíduo, o uso de diferentes estímulos simultaneamente, o que na versão
lápis e papel não é possível (sons, imagens, vídeos etc.). Com o avanço tecnológico, é
possível usar até mesmo estímulos tridimensionais. Esses programas têm se mostrado
uma alternativa interessante no treino cognitivo (KUEIDER et al., 2012 apud UEHARA;
WOODRUFF, 2016).

Outra vantagem em relação às versões tradicionais de lápis e papel é o feedback


imediato durante a tarefa computadorizada, que auxilia na aprendizagem, além de per-
mitir medidas mais acuradas de desempenho, como registro de tempo de reação em
até milissegundos, pontuação, níveis desafiadores, mas de acordo com a capacidade
do paciente, e emissão de relatórios que ajudam o profissional a analisar a evolução do
paciente (HOLMES et al., 2009 apud UEHARA; WOODRUFF, 2016).

Assim como qualquer estratégia, o treino cognitivo informatizado também apresenta


limitações. Entre elas, é importante destacar a dependência da visão, a redução da interação
face a face entre neuropsicólogo e paciente, não poder fazer pausas quando o paciente
desejar, as instruções não serem passíveis de repetição ou não muito claras, entre outras
(PÉREZ et al., 2010; LEPOSAVIC et al., 2010 apud UEHARA; WOODRUFF, 2016).

Verificar o quanto a melhora da performance é transferida para o dia a dia do paciente


é fundamental para comprovar a eficácia do treino cognitivo informatizado, bem como
a duração desse ganho observado no treino cognitivo informatizado, por quanto tempo
dura. Por isso é tão importante a Prática Psicológica Baseada em Evidências (PPBE),
que “consiste em um processo de decisão baseado na melhor evidência disponível para
o cuidado com o cliente, no qual a expertise clínica do psicólogo e as características do
cliente são levadas em consideração” (SPRING, 2007 apud UEHARA; WOODRUFF,
2016). Dessa forma, só são recomendados para uso clínico programas de treinamento
cognitivo informatizado que apresentarem evidências científicas suficientes para tal.

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Estudos têm apontado benefícios no uso de videogames no treino cognitivo, com


melhora em funções cognitivas observadas em testes, como memória de trabalho e
atenção, e duração prolongada dos ganhos cognitivos (GREEN; BANELLER, 2003;
ANGUERA et al., 2013, apud UEHARA; WOODRUFF, 2016). O desafio da tarefa e o
interesse são fundamentais para manter a atenção e os efeitos de ganhos cognitivos, o
que videogames e tarefas computadorizadas fazem de forma adequada (MAHNCKE et al.,
2006 apud UEHARA; WOODRUFF, 2016).

Uehara e Woodruff (2016) apresentam alguns treinos cognitivos computadorizados


interessantes para uso clínico, como o COGMED Working Memory Training (CWMT)
da Pearon Clinical Assessment. Esse programa é realizado de forma on-line e visa trei-
nar a memória de trabalho. Atualmente, está disponível para três faixas etárias: para
pré-escolares (COGMED JM), escolares (COGMED RM) e adultos e idosos (COGMED
QM). O treinamento utiliza diversas tarefas de memória operacional e deve ser realizado
com o intermédio de um tutor, de forma intensa (UEHARA; WOODRUFF, 2016).

A Nintendo Company Limited também desenvolveu um game para treino cognitivo,


o Brain Age. Trata-se de um jogo comercial computadorizado de exercícios de mate-
mática e de leitura para idosos. Atualmente, são nove jogos de resolução de problemas,
cálculos matemáticos, leitura, desenho e memorização de números (KAWASHIMA et al.,
2004, 2005 apud UEHARA; WOODRUFF, 2016).

Figura 2 – A) Treino motor e cognitivo; B) Treino cognitivo


Fonte: Adaptada de STURNIEKS, 2019

Na atualidade, novos recursos tecnológicos, como óculos de realidade virtual, jogos


do Wii, entre outros, estão sendo utilizados na reabilitação neuropsicológica, com resul-
tados muito interessantes, mas ainda são pouco utilizados nas clínicas, apesar de haver
evidências científicas de ganhos para os pacientes.

Saiba mais sobre o uso de jogos eletrônicos como intervenção no declínio cognitivo leve.
Disponível em: https://bit.ly/3s2OqFe

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Tecnologias de Neuromodulação
e Reabilitação Cognitiva
Mais recentemente, as tecnologias de neuromodulação têm se mostrado grandes
aliadas na reabilitação cognitiva. Neuromodulação nada mais é do que “uma modifi-
cação controlada com fins terapêuticos realizada por meio da estimulação ou inibição
da atividade neural com processos físicos” (MORAES et al., 2015). Os autores trazem
estudos que mostram como a neuromodulação pode promover modificações na organi-
zação neuronal e, consequentemente, facilitar neuroplasticidade em diversas patologias
(MOGILNER, 2009 apud MORAES et al., 2015).

As técnicas de neuromodulação não invasivas são divididas em Estimulação Magnética


Transcraniana (EMT), Estimulação por Corrente Contínua (ETCC) (NITSCHE et al.,
2008 apud VALASEK et al., 2015) e o neurofeedback, todas técnicas muito seguras
(MORAES et al., 2015. A EMT utiliza pulsos eletromagnéticos para despolarizar (fazer
os neurônios ativarem) ou hiperpolarizar (dificultar a ativação dos neurônios) um grupo
de neurônios localizados em determinada área por meio de uma bobina em formato de
8 (MOARES et al., 2015). Essa tecnologia já tem aprovação para uso cínico pelo FDA
e pela ANVISA para diversos quadros clínicos, como a depressão maior, desde 2012.

Outra técnica de estimulação cerebral não invasiva, a ETCC, funciona de forma um


pouco diferente. Por meio de dois eletrodos envoltos em uma esponja embebido em solução
salina, passa uma corrente elétrica contínua de 2 mA, muito baixa. Dependendo do eletro-
do, tem efeito diferente no cérebro. O eletrodo ânodo aumenta a excitabilidade do neurônio
facilitando a despolarização (facilita o neurônio ativar). Já o outro eletrodo, o cátodo, difi-
culta a despolarização do neurônio (dificulta o neurônio ativar). São posicionados em áreas
específicas do cérebro, dependendo do que se deseja realizar, utilizando o sistema de EEG
10-20 para calcular a posição dos eletrodos de forma adequada (MOARES et al., 2016).

Por ser uma tecnologia de baixo custo, segura (na Europa já existe aparelho aprovado
para o tratamento da depressão para que os pacientes utilizem em casa, de tão seguro
que é), portátil, com efeitos colaterais muito baixos (coceira, formigamento e vermelhidão
passageiros no local do eletrodo (BRUNONI et al., 2011 apud MORAES et al., 2015
e bem toleráveis, com possibilidade de uso em diversos quadros clínicos neurológicos,
psiquiátricos, na reabilitação física, na fonoaudiologia e na neuropsicologia (BRUNONI
et al., 2012 apud MORAES et al., 2015

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Figura 3 – Exemplo de aparelho e de montagem de Estimulação Cerebral por Corrente Contínua


Fonte: MORAES et al., 2015

Na neuropsicologia, estudos têm apontado benefícios do uso clínico da ETCC na


memória operacional em pacientes com Doença de Parkinson, por exemplo. Eletrodo
anódico em córtex pré-frontal esquerdo melhorou a memória operacional dos pacientes
com Doença de Parkinson (BOGGIO et al., 2006 apud VALASEK et al., 2015). Outro
estudo também mostrou melhora significativa na memória de pacientes com Doença
de Alzheimer (BOGGIO et al., 2012 apud VALASEK et al., 2015). Pacientes com
afasia crônica também apresentaram melhor desempenho e nomeação após ETCC
(FRIDRIKSSON et al., 2011 apud VALASEK et al., 2015).

Veja como as técnicas de estimulação cerebral não invasiva podem ajudar a melhorar funções
cognitivas na clínica neuropsicológica assistindo à palestra do II Simpósio Internacional em
Neuromodulação com o psicólogo Dr. Paulo Sérgio Boggio, referência internacional na área,
que trouxe a ETCC para o Brasil. Disponível em: https://vimeo.com/31320092

Outra tecnologia utilizada para gerar efeito neuromodulatório é o neurofeedback,


técnica não invasiva que visa treinar as ondas cerebrais por biofeedback. O registro da
atividade cerebral se dá por meio de eletrodos posicionados no escalpe da cabeça. Esse
registro é mostrado em tempo real para o paciente, que recebe a instrução de tentar
encontrar estratégias para mudar o padrão da onda cerebral visualizada para um padrão
predeterminado (de um padrão não muito desejado para um padrão desejado). Todas
as vezes que o paciente consegue mudar o padrão da onda ele recebe algum reforço
positivo. O feedback da atividade neural pode ser apresentado ao paciente em forma
de gráfico, por exemplo. Atualmente, utilizam-se jogos com neurofeedback em que, ao
atingir a frequência cerebral, é possível realizar uma tarefa. O terapeuta acompanha
o desempenho e o monitora em outra tela, ajustando o nível de dificuldade da tarefa
(MORAES et al., 2015).

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Figura 4 – Exemplo da tela do terapeuta
Fonte: MORAES et al., 2015

Leia a Matéria publicada no portal Brainboost. Disponível em: https://bit.ly/3dOsSqL

É possível observar melhoras significativas depois de 10 a 20 sessões com duração de


25 min cada uma, mas o protocolo depende da necessidade do paciente, que é avaliada
pelo EEG quantitativo (ISNR, 2012 apud MORAES et al., 2015). no quadro a seguir é
possível ver as principais frequências de onda analisadas e moduladas, bem como suas
características principais.
Tabela 1 – Frequências cerebrais e suas características principais
Faixa de Frequência Nome Características Principais
Ocorre em alta intensidade durante o sono
0,1 a 3 Hz Onda Delta
profundo (HAMMOND, 2011).
Está associada a um estado de devaneio.
Em baixa intensidade, está associada a uma
4 a 7 Hz Ondas Teta
transição entre o estado de sono e o despertar
(HAMMOND, 2011).
Está associada a um estado de relaxamen-
to. Sua intensidade aumenta ao se fechar
8 a 15 Hz Ondas Alfa
os olhos e é mais intensa no lobo occipital
(HAMMOND, 2011).
Ocorre no córtex motor e desaparece durante
7,5 a 12,5 Hz Ondas Mu
uma atividade motora.
Aparece no córtex sensório-motor e é mais
intensa durante estados de imobilidade.
12,5 a 15,5 Hz Ondas SMR* Sua intensidade é reduzida quando a região
correspondente é ativada, como no caso de
uma tarefa motora.
Está associada à atividade intelectual, à con-
16 a 31 Hz Ondas Beta centração focada no exterior e ao estado de
alerta.
Está associada a uma atenção focada intensa
e ao processo de associação de informações
32 a 100 Hz Ondas Gama
provenientes de partes diferentes do cére-
bro (HAMMOND, 2011).
Fonte: Adaptada de MORAES et al., 2015

“O que é o neurofeedback?”. Disponível em: https://youtu.be/eXXOiVUBlJI

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Treino Cognitivo para Transtornos Mentais Graves
MATTOS, K. M. G.; ALVES, A. L. A. Treino cognitivo para transtornos men-
tais graves. Barueri: Manole, 2020.
Treino Cognitivo de Planejamento
MARQUES, F. M.; YOKOMIZO, J. E.; OLIVEIRA, G. M. R. Treino cognitivo de
planejamento. Barueri: Manole, 2020.
Princípios e Práticas do uso da Neuromodulação
BRUNONI, A. R. Princípios e práticas do uso da neuromodulação não invasi-
va em psiquiatria. Porto Alegre: Grupo A, 2017.

 Leitura
Eficácia da reabilitação cognitiva na melhoria e manutenção das atividades de vida diária em pacientes com
doença de Alzheimer: uma revisão sistemática da literatura
https://bit.ly/3rYZi71

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Referências
ABRISQUETA-GOMEZ, J. Fundamentos teóricos e modelos conceituais para a
prática da reabilitação neuropsicológica interdisciplinar. In: ABRISQUETA-GOMEZ, J.
Reabilitação neuropsicológica: abordagem interdisciplinar e modelos conceituais na
prática clínica. Porto Alegre: Artmed, 2012.

ABRISQUETA-GOMEZ, J.; DA SILVA, K. K. M. Fundamentos da reabilitação cognitiva.


In: MALLOY-DINIZ, L. F. et al. Neuropsicologia: aplicações clínicas. Porto Alegre:
Artmed, 2015.

CARDOSO, N. O.; LANDENBERGER, T.; ARGIMON. I. I. L. Jogos eletrônicos como


instrumentos de intervenção no declínio cognitivo – Uma revisão sistemática. Revista
de Psicologia da IMED, v. 9, n. 1, p. 119-139, 2017. Disponível em: <https://seer.imed.
edu.br/index.php/revistapsico/article/view/1941/1337. Acesso em: 01/04/2021>.

CARVALHO, R. C. Fundamentos Neurobiológicos da recuperação das lesões cerebrais


I Neuroplasticidade e reorganização cerebral. In: MIOTTO, E. C. Reabilitação neurop-
sicológica e intervenções comportamentais. São Paulo: Grupo Gen, 2015.

CORRÊA, R. C. R. Uma proposta de reabilitação neuropsicológica através do programa


de enriquecimento instrumental (PEI). Ciências & Cognição, v. 14, n. 2, 2009. Dispo-
nível em: <http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v14_2/m007_09.pdf>. Acesso em:
01/04/2021.

MIOTTO, E. C. Conceitos fundamentais, história, modelos teóricos em reabilitação


e planejamento de metas. In: MIOTTO, E. C. Reabilitação neuropsicológica e
intervenções comportamentais. São Paulo: Grupo Gen, 2015.

MORAES, P. H. P de. et al. Neuromodulação e neuropsicologia. In: MALLOY-DINIZ, L.


F. et al. Neuropsicologia: aplicações clínicas. Porto Alegre: Artmed, 2015.

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