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Neuropsicologia

Histórico e Definições da Neuropsicologia

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Camila Campanhã

Revisão Textual:
Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos
Histórico e Definições
da Neuropsicologia

• A História do Estudo do Cérebro e do Comportamento Humano;


• O Surgimento da Neuropsicologia e sua Definição;
• Neuropsicologia no Brasil;
• Neuropsicologia e a Atuação do Neuropsicólogo.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Contextualizar o aluno do ponto de vista histórico e científico sobre a área de Neuropsicolo-
gia, quando esta se tornou uma especialidade da Psicologia;
• Apresentar a área e suas diversas formas de atuação.
UNIDADE Histórico e Definições da Neuropsicologia

A História do Estudo do Cérebro


e do Comportamento Humano
A história do estudo da relação entre cérebro e comportamento começa muito antes
de sabermos que temos um cérebro que comanda funções vitais e nossos comporta-
mentos. Na pré-história, cientistas acharam uma ferramenta que era utilizada para abrir
o crânio de uma pessoa que apresentava comportamentos estranhos. Naquela época,
acreditava-se que haveria um espírito mal lá dentro do crânio que precisava sair e realiza-
va-se este procedimento, chamado de trepanação. Arqueologistas acharam crânios com
este procedimento cirúrgico há 7 mil anos (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017).
Naquela época, algo já chamava a atenção das pessoas sobre a cura estar na cabeça.

Na Grécia antiga, Hipócrates (460-379 a.C.), o pai da Medicina, traz pela primeira
vez que o cérebro seria a sede da inteligência, além de ser a sede das sensações (BEAR;
CONNORS; PARADISO, 2017). O médico dos gladiadores na época do Império romano
também concordava com a ideia de Hipócrates. Galeno (130-200 d.C.), além de acompa-
nhar as sequelas das lesões ocorridas nos gladiadores, dissecava e estudava a anatomia
dos animais. Ele descobriu os ventrículos, áreas no cérebro com líquido cefalorraquidiano
que confirmava a sua teoria: o cérebro registrava as sensações e por meio deste líquido
iniciava o movimento pelas ocas tubulações dos nervos. Hoje sabemos que não é bem
assim que funciona, mas ele estava certo quanto ao fato de que o cérebro processa
as sensações e é o responsável por toda a programação motora (BEAR; CONNORS;
PARADISO, 2017). Contudo, Alcmeão, médico que viveu em torno do século IV a. C.,
foi considerado pelos historiadores o pai da Psicologia fisiológica ao identificar vasos
e nervos e relacionar pensamentos e emoções ao cérebro (KRISTENSEN; ALMEIDA;
GOMES, 2001).

Ao longo da história, houve grandes esforços na tentativa de explicar e entender a


relação entre cérebro e comportamento e, com o avanço tecnológico, foi ficando mais
claro como este processo ocorre. Foi no século XIX que grande esforço foi despendido
por Bell (1774-1842), Müller (1801-1858), Helmholtz, Weber (1795-1878) e Fechner
(1801-1887), que contribuíram imensamente para medidas mais precisas da fisiologia
dos sentidos. Todos estes pesquisadores contribuíram para a abertura do primeiro labo-
ratório de psicologia experimental do mundo por Wundt (1832-1920) (KRISTENSEN;
ALMEIDA; GOMES, 2001). Mas foi a teoria de Darwin sobre a evolução das espécies
que mudou a direção dos estudos da psicologia para o funcionalismo.

Lashley (1890-1958) trouxe grande contribuição com os seus estudos com animais e
aprendizagem ao provocar pequenas lesões no cérebro e observar as mudanças de com-
portamento, apontando a relação entre estrutura e função (KRISTENSEN; ALMEIDA;
GOMES, 2001). Entretanto, foi Hebb que desenvolveu a teoria do funcionamento neural
em rede, sendo a sua ativação a base fisiológica do pensamento (HILGARD, 1987 apud
KRISTENSEN; ALMEIDA; GOMES, 2001).

Em 1809, Franz Joseph Gall trouxe uma teoria estranha e rapidamente refutada
pelos estudiosos na época. Gall acreditava que as saliências no crânio tinham relação
direta com a estrutura do cérebro. Baseado nessa ideia, desenvolveu a Frenologia, que

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estabelecia medidas do crânio e das saliências deste como forma de mensurar a persona-
lidade do indivíduo. Contudo, não houve sustentação científica desta ideia. Coletaram-se
medidas de muitas pessoas, inclusive de criminosos psicopatas e não havia relação de
tais medidas com a personalidade. Os estudiosos da época, como Flourens, demonstra-
ram que o formato do crânio não correspondia ao formato do cérebro. Além disso, com
estudos de lesões, Flourens mostrou que não havia nenhuma relação entre a localização
da frenologia e traços de personalidade. Ou seja, os estudos mostravam que esta teoria
não fazia sentido algum (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017).

Figura 1 – Mapa da Frenologia


Fonte: BEAR; CONNORS; PARADISO; DALMAZ, 2017

O marco para a Neuropsicologia foram os estudos de Broca. Em 1861, o estudo das


avaliações clínicas e das alterações anatômicas de pacientes que apresentavam prejuízo
na produção da fala foram apresentados. Pierre Paul Broca (1824-1880) mostrou a
relação do lobo frontal esquerdo e a produção da fala nos estudos post mortem, ou
seja, nas autópsias destes pacientes (NITRINI, 1996 apud KRISTENSEN; ALMEIDA;
GOMES, 2001; BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017). Mais tarde, Wernicke (1848-1905)
observou outro tipo de alteração da fala e outra área lesionada. Ele denominou essa
alteração de afasia sensorial, uma vez que aqueles que a apresentavam eram capazes de
compreender o que era dito, mas a linguagem era inadequada. Na afasia de Broca, foi
observada uma alteração motora na produção da fala. Na afasia de Wernicke, a lesão
observada foi no primeiro giro temporal esquerdo (NITRINI, 1996 apud KRISTENSEN;
ALMEIDA; GOMES, 2001).

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Figura 2 – Lesão em lobo frontal encontrada nos pacientes de Broca que sofriam de afasia.
Hoje esta área da linguagem recebeu o nome de área de Broca
Fonte: BEAR; CONNORS; PARADISO; DALMAZ, 2017

O termo neuropsicologia surge no século XX, apesar de o início da área ser bem anterior
a este período. É atribuído ao neurologista William Osler o termo neuropsicologia em
1913 (HAASE et al., 2012; MÄDER, 1996). Pinheiro (2005) entende que a neuropsico-
logia moderna se iniciou nos anos 40 com os estudos de Donald Hebb, que contribuíram
para o atual modelo celular e molecular da memória.

Você Sabia?
A Neuropsicologia como conhecemos hoje surgiu com o trabalho de três pesquisadores
pioneiros na área: Ombredane, que era um psicólogo; Aloajouanine, que era um médico
neurologista; e Dura, que era um linguista, em 1932 (HAASE et al., 2012).

Outro pesquisador importante para o desenvolvimento da Neuropsicologia na década


de 20 foi Alexander Romanovich Luria (1920-1977), que trouxe uma perspectiva huma-
nista aos estudos fisiológicos e neurológicos dos pacientes, trazendo uma forma inovadora
na época de estudar estes pacientes com a utilização de técnicas simples de investigação
das funções cerebrais, propondo um modelo teórico norteador ao trabalho clínico neurop-
sicológico, que considera os processos cerebrais como sistemas complexos, sendo estes
­localizados dinamicamente (LURIA 1992; LURIA, 1966 apud KRISTENSEN; A ­ LMEIDA;
GOMES, 2001). Luria teve um papel muito importante para a Neuropsicologia estudando
soldados sobreviventes na Primeira Guerra Mundial.

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Para saber mais sobre a grande contribuição dos trabalhos de Luria e sua contribuição
para a formação da Neuropsicologia como área científica, leia este artigo: HAZIN, I. et al.
Contribuições da Neuropsicologia de Alexsandr Romanovich Luria para o debate
contemporâneo sobre a relação mente-cérebro. Memosine, v. 6, n. 1, 2010, p. 88-110.
Disponível em: https://bit.ly/3oWf69Q

Outra linha estava ocorrendo em 1950 nos Estados Unidos dentro da Psicologia, o
desenvolvimento da Psicologia Cognitiva, que tem um papel importante na sua crítica
ao behaviorismo, trazendo o papel ativo do sujeito ao meio.

O Surgimento da Neuropsicologia
e sua Definição
Apesar de o movimento da Psicologia Cognitiva ter se iniciado nos Estados Unidos,
foi na Inglaterra, por meio dos estudos sobre distúrbios da escrita provocados por
lesões cerebrais (MARSHALL; NEWCOMBE, 1973 apud KRISTENSEN; ALMEIDA;
GOMES, 2001) que teve início a união da Neuropsicologia com a Psicologia Cognitiva
(KRISTENSEN; ALMEIDA; GOMES, 2001). Foi nesta união que a Neuropsicologia
Cognitiva cresceu como uma área científica, na integração do conhecimento sobre
o funcionamento mental estudado pela Psicologia Cognitiva com a capacidade de
testar os modelos cognitivos teóricos da Neuropsicologia, permitindo o avanço na
compreensão entre cérebro e cognição (HÉCAEN; ALBERT, 1978 apud KRISTENSEN;
ALMEIDA; GOMES, 2001). Com o desenvolvimento tecnológico (tomografia por
emissão de pósitron, ressonância magnética funcional, etc.), o desenvolvimento de
testes neuropsicológicos mais precisos contribuiu para a compreensão da relação entre
cérebro, cognição e comportamento tanto em humanos quanto em outros animais, não
humanos (PINHEIROS, 2005; MADER-JOAQUIM, 2018).

Você Sabia?
Segundo Preilowiski (2000 apud HAASE et al. 2012), durante a I Guerra Mundial,
Walter Poppelreuter foi pioneiro no uso de uma abordagem psicométrica na avalia-
ção neuropsicológica. Entretanto, foi na Alemanha, em 1888, que foi publicada, por
Rieger, a primeira bateria de testes neuropsicológicos. Rieger era um neuropsiquiatria
(MADER-JOAQUIM, 2018).

A psicometria nada mais é do que a construção de metodologias e o desenvolvimento


de testes psicológicos para a avaliação de um constructo teórico ou habilidade específica
padronizados por grandes amostragens populacionais para fins de comparação, permi-
tindo verificar se o desempenho está dentro do esperado pela média, superior ou inferior
(MADER-JOAQUIM, 2018). O desenvolvimento da psicometria foi muito importante

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UNIDADE Histórico e Definições da Neuropsicologia

para o desenvolvimento da Neuropsicologia (MADER-JOAQUIM, 2018; KRISTENSEN;


ALMEIDA; GOMES, 2001). Os instrumentos neuropsicológicos são importantes na ava-
liação neuropsicológica e podem ser divididos em testes formais, que são padronizados
e permitem comparação (Goldstein & Scheerer, 1941 apud MADER-JOAQUIM, 2018),
e exercícios neuropsicológicos, que exploram as etapas dos processos cognitivos (como
um cálculo, um desenho), avaliando-se o significado clínico (MADER-JOAQUIM, 2018).

A definição da Neuropsicologia pode ser dividida em duas grandes áreas: a Neu-


ropsicologia Experimental (Neuropsicologia Cognitiva segundo McCarthy e Warrington
(1990) apud MADER-JOAQUIM) e a Neuropsicologia Clínica. Manning (2005 apud
HAZIN; FERNANDES; GOMES; GARCIA, 2018) define o objetivo da Neuropsicologia
Experimental como o estudo voltado para a relação entre a estrutura e o funcionamento
do cérebro, bem como o estudo dos processos psicológicos superiores utilizando mode-
los animais não humanos e modelos animais humanos, bem como inteligência artificial.
Já o objetivo da Neuropsicologia Clínica é avaliar as funções cognitivas que podem
estar deficitárias ou preservadas no indivíduo, dados importantes para a elaboração e
implementação de uma programação de reabilitação neuropsicológica segundo a de-
manda apresentada pelo paciente e seu quadro clínico.

Função cognitiva: segundo Mader-Joaquim (2018), “refere-se à integração das capacida-


des de percepção, ação, linguagem, memória e pensamento”.

De acordo com Haase et al. (2012), a Neuropsicologia é mais experimental do que


psicométrica em sua origem, na qual foram utilizadas tarefas e paradigmas experimen-
tais para avaliar as funções cognitivas preservadas ou em déficits por meio de desem-
penho. Os autores consideram a Neuropsicologia de base essencialmente experimental
e interpretativa por modelos teóricos do processamento da informação. A Neuropsico-
logia Clínica é definida por Lezak, Howieson, Loring, Hannay e Fischer (2004 apud
MADER-JOAQUIM, 2018) “como a ciência aplicada que estuda a expressão comporta-
mental das disfunções cerebrais”.

Outro campo de pesquisa voltado à compreensão da relação entre cérebro e comporta-


mento é a Neurologia do Comportamento, área interdisciplinar da Neurologia e Psiquiatria
que estuda a relação entre alterações cerebrais e quadros psiquiátricos (MESUALM, 2000
apud MADER-JOAQUIM, 2018).

Fundada em 1967 como uma organização científica e educacional, a Sociedade Internacio-


nal de Neuropsicologia organiza eventos anuais de cunho interdisciplinar. A INS tem como
missão promover estudos internacionais e interdisciplinares das relações entre cérebro e
comportamento ao longo da vida. Explore os eventos que já ocorreram e os próximos, dis-
ponível em: https://bit.ly/3a7MO82

Por ser uma área interdisciplinar, outras áreas também contribuem para a Neuropsi-
cologia e as Neurociências, como a Fonoaudiologia, Psiquiatria, Neurologia, entre outras.

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“Cada profissional, dentro de sua habilitação técnica, colabora para a integração das neu-
rociências, mas essa interseção é delicada e merece atenção das instituições formadoras,
buscando beneficiar um objetivo comum, o paciente” (MADER-JOAQUIM, 2018).

Muitos pesquisadores e clínicos foram importantes para o surgimento da área da


Neuropsicologia como ciência. Entre eles, é importante destacar a renomada neuro-
cientista e neuropsicóloga canadense Brenda Milner. Milner estudou os pacientes com
lesões cerebrais de Penfield em 1950, no Instituto Montreal de Neurologia, local em que
trabalha até hoje, estando com 102 anos! Ainda orienta e treina profissionais do mundo
todo. É considerado um marco na Neuropsicologia o seu trabalho com o paciente H. M.,
que, após remoção da porção do lobo temporal bilateral para controle de sua epilepsia
refratária, perdeu a capacidade de aprender e lembrar novas informações. Milner ob-
servou que apesar de não lembrar quem era ela, mesmo indo ao hospital por 50 anos,
não lembrar de já ter feito os desenhos solicitados várias vezes, seu desempenho motor
melhorava, e ele apresentava desenhos cada vez melhores. Assim, Milner percebeu que
diferentes tipos de memória têm áreas cerebrais diferentes como responsáveis. No caso
de H. M., foi perdido o hipocampo, área responsável pela memória declarativa e não
a memória não declarativa ou implícita, que estava preservada (HAASE et al., 2012;
BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017).

Brenda Milner recebeu um prêmio em 1973, Distinguished Scientific Contribution


Waward pela APA (American Psycholgy Association, 1974) em reconhecimento à sua
contribuição nos estudos do cérebro humano. Em 2014, Brenda Milner recebeu o prêmio
Kavli junto a John O’Keefe e Marcus Raichle pelo reconhecimento da sua contribuição
pela descoberta dos múltiplos sistemas neurais da memória (WATKINS; KLEIN, 2018).

Você Sabia?
Brenda Milner foi a única mulher premiada em 2014 pelo prêmio Kavli, fez 102 anos no
dia 15 de junho de 2020 e continua trabalhando até hoje no Instituto de Neurologia de
Montreal, Canadá.

Conheça com mais detalhes a incrível história da neurocientista Brenda Milner e seu traba-
lho nos seguintes textos:
• Brenda Milner: Distinguished Scientific Contribution Awards for 1973 (1974). American
Psychologist, 29 (1), 36-38. Disponível em: https://bit.ly/3nnH1yK
• WATKINS, K. E.; KLEIN, D. Brenda Milner on her 100th birthday: a lifetime of ‘good ideas’.
Brain, v. 141, ago. 2018, p. 2527-2532. Disponível em: https://bit.ly/3mhamK9

Neuropsicologia no Brasil
No Brasil, fundada em 1988, a Sociedade Brasileira de Neuropsicologia é uma
instituição interdisciplinar, mas só em 2004 que a Neuropsicologia foi considerada uma

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especialidade da Psicologia pelo Conselho Federal de Psicologia (MADER-JOAQUIN,


2018) por meio da Resolução nº. 002/2004. Um dos pioneiros no Brasil foi o médico
neurologista infantil Antonio Branco Lefèvre (1916-1981), que teve sua tese na área
da linguagem (afasias em crianças) reconhecida internacionalmente. A sua esposa e
psicóloga, Beatriz Lefèvre, publicou o livro “Neuropsicologia infantil” nos anos 80
(LEFÈVRE, 1989 apud HAASE et al., 2012). Juntos iniciaram um ambulatório no
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, no qual também discutiam os
casos com seus alunos (HAASE et al., 2012).

Resolução CFP no 002/2004, que reconhece e regulamenta a atuação do neuropsicólogo


como uma especialidade da Psicologia no Brasil pelo CFP.
Disponível em: https://bit.ly/2Kp0z7B

Outro nome importante na Neuropsicologia brasileira é a Profa. Maria Alice Mattos


Pimenta Parente, fonoaudióloga, que constituiu grupo de pesquisa na UFRGS, criou
curso na USP, lecionou na PUC/SP (HAASE et al., 2012) e lecionou e orientou alunos
de mestrado e doutorado no Programa de Pós-graduação em Neurociência da UFABC.
Realizou pós-doutorado no Canadá, na França e na China. Uma das grandes referências
na área da linguagem e memória no Brasil.

Outra profissional muito importante na área no Brasil foi Candida Helena Pires de
Camargo, psicóloga, atuando e treinando profissionais na área clínica, realizando avaliação
neuropsicológica de pacientes com diversos transtornos neurológicos (HAASE et al., 2012).

Neuropsicologia e a Atuação
do Neuropsicólogo
O CFP, por meio da Resolução nº 002/2004, regulamenta a atuação do neuropsicó-
logo da seguinte forma:

Atua no diagnóstico, no acompanhamento, no tratamento e na pesqui-


sa da cognição, das emoções, da personalidade e do comportamento
sob o enfoque da relação entre estes aspectos e o funcionamento ce-
rebral. Utiliza-se para isso de conhecimentos teóricos angariados pelas
neurociências e pela prática clínica, com metodologia estabelecida expe-
rimental ou clinicamente. Utiliza instrumentos especificamente padroni-
zados para avaliação das funções neuropsicológicas. (RESOLUÇÃO CFP
Nº002/2004)

O objetivo principal do trabalho de um neuropsicólogo é verificar, por meio de obser-


vação, testes e tarefas neuropsicológicas, a relação entre as alterações comportamentais
observadas no paciente e as possíveis áreas cerebrais alteradas (MADER-JOAQUIM,
2018). Com o avanço tecnológico, o objetivo da atuação do neuropsicólogo está em
atender às demandas atuais, que são:

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1. Quantificação e qualificação detalhadas de alterações das funções
cognitivas, buscando diagnóstico ou detecção precoce de sintomas,
tanto em clínica como em pesquisa;

2. Avaliação e reavaliação para acompanhamento dos tratamentos ci-


rúrgicos, medicamentosos e de reabilitação;

3. Avaliação direcionada para o tratamento, visando principalmente à


programação de reabilitação neuropsicológica;

4. Avaliação direcionada para os aspectos legais, gerando informações e


documentos sobre as condições ocupacionais ou incapacidades men-
tais de pessoas que sofreram algum dano cerebral ou uma doença,
afetando o SNC. (MADER-JOAQUIM, 2018, p. 12)

A avaliação neuropsicológica consiste em aplicação de uma série de exames quanti-


tativos e qualitativos, entrevista, avaliando-se as funções cognitivas de um paciente com
vistas a identificar as condições neurológicas com o seu desempenho (BENTON, 200
apud MADER-JOAQUIM, 2018). A avaliação neuropsicológica diferencia-se da avalia-
ção psicológica por visar traçar um perfil neuropsicológico (RODRIGUES, 1993 apud
HAASE et al., 2012). De acordo com Rodrigues (1993 apud HAASE et al., 2012):

Esta avaliação deve possibilitar um diagnóstico e a documentação do


estado do paciente; verificar a ocorrência de distúrbios cognitivos,
comunicativos e/ou emocionais, relacionados à lesão/disfunção cerebral;
desvendar a natureza dos sintomas, a etiologia, o prognóstico e a
descrição das características de cada caso; determinar a magnitude das
sequelas dessa lesão; seguir a evolução do quadro e, por fim, oferecer
orientações terapêuticas (bases para a reabilitação). (RODRIGUES, 1993
apud HAASE et al., 2012, p. 5)

Tanto a Avaliação Psicológica quanto a Avaliação Neuropsicológica são processos


complexos, requerem o uso de diversos recursos. Contudo, nem todo neuropsicólogo
tem formação em Psicologia, e sem essa formação não se tem autorização legal para o
uso de testes psicológicos, como o da Avaliação Psicológica, que apenas um psicólogo
pode realizar. Outra diferença é que na Avaliação Neuropsicológica o uso da aborda-
gem quantitativa (uso de instrumentos padronizados) e o uso da abordagem qualitativa
são imprescindíveis ao processo de avaliação de desempenho do paciente, enquanto a
avaliação psicológica pode ser mais baseada em método mais quantitativo ou qualitativo
(MANSUR-ALVES, 2018).

Você Sabia?
Você sabia que o § 1° do art. 13 da Lei Federal nº. 4.119/62 estabelece que os testes
psicológicos são de uso privativo do Psicólogo e, por isso, não é possível abrir exceções?
Apesar de a Neuropsicologia ser interdisciplinar, a avaliação por meio de testes padroni-
zados somente psicólogos podem usar.

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O neuropsicólogo deve escolher o melhor método de acordo com a demanda da


avaliação neuropsicológica. Pode empregar o uso de baterias fixas quando o objetivo
for para pesquisa, uma bateria que avalie as funções cognitivas de forma ampla. Já em
hospitais e demandas ambulatoriais, o indicado são as baterias breves e os testes de
rastreio, que apenas apontam possíveis alterações, mas não são suficientes para uma
investigação mais precisa. Na clínica, há necessidade de adaptação da avalição a deman-
da do paciente, o mais indicado são baterias flexíveis, aprofundando áreas importantes
para cada paciente no processo de avaliação (MADER-JOAQUIM, 2018).

O neuropsicólogo não somente avalia as funções cognitivas, como memória, aten-


ção, funções executivas, linguagem, habilidade visuoespacial e visuoconstrutiva, entre
outras (HAASE et al., 2012), como também realiza avaliação funcional. Muitas vezes as
alterações cognitivas levam a alterações no desempenho do paciente em atividades co-
muns, nas atividades de vida diárias. O comprometimento funcional é uma informação
importante na avaliação de quadros neurológicos e psiquiátricos e diversos instrumentos
podem ser utilizados para ajudar neste processo de avaliação. A partir destes dados, é
possível pensar em detecção precoce de doenças degenerativas, elaborar um programa
de reabilitação, orientar os familiares quanto às suas dificuldades e avaliar mudanças ao
longo do tempo (ASSIS; ASSIS, 2016).

Funcionalidade: Segundo a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade), a funciona-


lidade engloba três aspectos da saúde: estrutura e função do corpo, atividade e participação
(OMS; OPAS, 2003 apud ASSIS; ASSIS, 2016).
Avaliação Funcional: é uma tentativa de mensurar de forma sistematizada o desempenho
do indivíduo nas atividades e papéis sociais que desempenha (LAWTON; BRODY, 1969 apud
ASSIS; ASSIS, 2016).
Atividades de Vida Diária (AVDs): são as atividades da rotina do paciente, que são divididas
em outras três atividades: atividades instrumentais de vida diária (AIVD), atividades avançadas
de vida diária (AAVD) e atividades básicas de vida diária (ABVD) (ASSIS; ASSIS, 2016).

Após a realização da avaliação neuropsicológica, é necessária a elaboração do rela-


tório neuropsicológico, que consiste na apresentação dos dados encontrados durante o
processo de avaliação (as funções cognitivas que estão em déficits e que estão preser-
vadas) juntamente com as orientações para a reabilitação do paciente, a ser entregue
a este e aos profissionais que o estão atendendo ou ao profissional que solicitou a ava-
liação. O relatório descreve os dados dos testes e também apresenta a interpretação
destes dados. Além de auxiliar outros profissionais que estejam atendendo o paciente,
o relatório também é um documento oficial que pode auxiliar em questões jurídicas
(­M ADER-JOAQUIM, 2018).

Outro ponto importante é a linguagem utilizada na elaboração do relatório da avaliação


neuropsicológica, que precisa ser clara, explicando termos técnicos tão logo estes se-
jam apresentados. Além disso, é necessário considerar aspectos éticos, como não fazer
afirmações sem fundamentação e não utilizar termos de conotação negativa ou que mi-
nimizem o paciente (HEBBEN; MILBERG, 2010 apud KOCHHANN; GONÇALVES;
ZIMMERMANN; FONSECA, 2016).

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Importante!
O relatório só deve apresentar dados relevantes para a compreensão do caso, garantindo
sigilo de informações pessoais do paciente, mas não relevantes ao caso. É necessário
solicitar autorização para a inserção de informações relatadas por terceiros (KOCHHANN;
GONÇALVES; ZIMMERMANN; FONSECA, 2016).

Por fim, o relatório não é somente entregue ao paciente, é necessário que se faça
uma entrevista de devolutiva. Na entrevista de devolutiva, são explicados os dados en-
contrados na avaliação, dando-se exemplos cotidianos, muitas vezes dificuldades relata-
das pelo próprio paciente ou familiares, para facilitar a compreensão das funções cogni-
tivas em déficits e preservadas. Neste momento, também são apontados os prognósticos
junto às orientações para a reabilitação e para a família e cuidadores sobre como ajudar
o paciente (MADER-JOAQUIM, 2018; KOCHHANN; GONÇALVES; ZIMMERMANN;
FONSECA, 2016).

Segundo Mader-Joaquim (2018), o treinamento do profissional para a realização da


avaliação neuropsicológica deve se dar em ambiente multidisciplinar, preferencialmente,
e ser prática. No início, deve ser supervisionada. O artigo 4o da Resolução CFP 002/
2004 regulamenta a obtenção do título de especialista em Neuropsicologia, que pode
ser por meio de curso de especialização ou por comprovação de dois anos de experiên-
cia, concurso de provas e títulos e na forma de supervisão de estágio.

Em Síntese
Nesta unidade, você aprendeu um pouco da história da Neuropsicologia, desde as influências
da pré-história, até os estudos dos gregos, como Hipócrates, o pai da Medicina; sobre a relação
entre cérebro e comportamento, passando pelas pesquisas de anatomia e fisiologia.
Conforme o desenvolvimento tecnológico foi melhorando, a compreensão do sistema nervoso
central e periférico proporcionou melhor compreensão da importância deste sistema para o
comportamento, sensações e emoções humanas. Os estudos post mortem de pacientes afá-
sicos mostraram a relação do papel das áreas cerebrais com o comportamento. Com as novas
tecnologias, foi possível estudar as funções cognitivas e a atividade cerebral, permitindo me-
lhorar os modelos teóricos da Neuropsicologia.
A partir do encontro com a Psicologia Cognitiva, com os estudos da área da linguagem, a Neu-
ropsicologia foi se formando como área científica interdisciplinar. No Brasil, foi reconhecida
como área de especialização da Psicologia em 2004. A Neuropsicologia é, portanto, uma área
de pesquisa e clínica de avaliação e reabilitação das funções cognitivas. Mas, apesar de esta ser
uma área interdisciplinar, apenas psicólogos podem usar os testes psicológicos.
A avaliação neuropsicológica verifica por uma bateria de testes e exercícios cognitivos as
funções cognitivas que estão em déficits e preservadas no paciente. O relatório descre-
ve os dados obtidos na avaliação neuropsicológica e é explicado para o paciente na en-
trevista de devolutiva, realizando-se orientações para a reabilitação neuropsicológica.
O relatório pode ser destinado a objetivos clínicos, mas também para outros objetivos,
como jurídico.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Neuropsicologia
FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, L. F.; CAMARGO, C. H. P.; CONSENZA, R.
Neuropsicologia. Porto Alegre: Artmed, 2014.

 Vídeos
Amnesiac – A história de Henry Molaison
https://youtu.be/W0TTQroCjoQ
Como olhar dentro do cérebro
https://bit.ly/3gU1usQ

 Leitura
A Pesquisa em Neuropsicologia: Desenvolvimento Histórico, Questões Teóricas e Metodológicas
CAGNIN, S. A pesquisa em neuropsicologia: desenvolvimento histórico, questões
teóricas e metodológicas. V. 4, n. 2, p. 118-134, 2010.
https://bit.ly/3gKNod0

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Referências
American Psychological Association. Brenda Milner: Distinguished Scientific
Contribution Awards for 1973 (1974). American Psychologist, 29 (1), 36–38.
Disponível em: <https://doi.org/10.1037/h0020143>. Acesso em: 30/11/2020.

ASSIS, L. O.; ASSIS, M. G. A avaliação da funcionalidade e suas contribuições para a


neuropsicologia. In: MALLOY-DINIZ, L. F.; MATTOS, P.; ABREU, N.; FUENTES, D.
Neuropsicologia: aplicações clínicas. Porto Alegre: Artmed, 2016.

BEAR, M. F; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o


sistema nervoso. 4ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2017.

CONSELHO FEDREAL DE PSICOLOGIA. Resolução no 002/2004. Reconhece a


Neuropsicologia como especialidade em Psicologia para finalidade de concessão e regis-
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