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Revisão Textual:
Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos
Histórico e Definições
da Neuropsicologia
OBJETIVOS
DE APRENDIZADO
• Contextualizar o aluno do ponto de vista histórico e científico sobre a área de Neuropsicolo-
gia, quando esta se tornou uma especialidade da Psicologia;
• Apresentar a área e suas diversas formas de atuação.
UNIDADE Histórico e Definições da Neuropsicologia
Na Grécia antiga, Hipócrates (460-379 a.C.), o pai da Medicina, traz pela primeira
vez que o cérebro seria a sede da inteligência, além de ser a sede das sensações (BEAR;
CONNORS; PARADISO, 2017). O médico dos gladiadores na época do Império romano
também concordava com a ideia de Hipócrates. Galeno (130-200 d.C.), além de acompa-
nhar as sequelas das lesões ocorridas nos gladiadores, dissecava e estudava a anatomia
dos animais. Ele descobriu os ventrículos, áreas no cérebro com líquido cefalorraquidiano
que confirmava a sua teoria: o cérebro registrava as sensações e por meio deste líquido
iniciava o movimento pelas ocas tubulações dos nervos. Hoje sabemos que não é bem
assim que funciona, mas ele estava certo quanto ao fato de que o cérebro processa
as sensações e é o responsável por toda a programação motora (BEAR; CONNORS;
PARADISO, 2017). Contudo, Alcmeão, médico que viveu em torno do século IV a. C.,
foi considerado pelos historiadores o pai da Psicologia fisiológica ao identificar vasos
e nervos e relacionar pensamentos e emoções ao cérebro (KRISTENSEN; ALMEIDA;
GOMES, 2001).
Lashley (1890-1958) trouxe grande contribuição com os seus estudos com animais e
aprendizagem ao provocar pequenas lesões no cérebro e observar as mudanças de com-
portamento, apontando a relação entre estrutura e função (KRISTENSEN; ALMEIDA;
GOMES, 2001). Entretanto, foi Hebb que desenvolveu a teoria do funcionamento neural
em rede, sendo a sua ativação a base fisiológica do pensamento (HILGARD, 1987 apud
KRISTENSEN; ALMEIDA; GOMES, 2001).
Em 1809, Franz Joseph Gall trouxe uma teoria estranha e rapidamente refutada
pelos estudiosos na época. Gall acreditava que as saliências no crânio tinham relação
direta com a estrutura do cérebro. Baseado nessa ideia, desenvolveu a Frenologia, que
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estabelecia medidas do crânio e das saliências deste como forma de mensurar a persona-
lidade do indivíduo. Contudo, não houve sustentação científica desta ideia. Coletaram-se
medidas de muitas pessoas, inclusive de criminosos psicopatas e não havia relação de
tais medidas com a personalidade. Os estudiosos da época, como Flourens, demonstra-
ram que o formato do crânio não correspondia ao formato do cérebro. Além disso, com
estudos de lesões, Flourens mostrou que não havia nenhuma relação entre a localização
da frenologia e traços de personalidade. Ou seja, os estudos mostravam que esta teoria
não fazia sentido algum (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017).
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UNIDADE Histórico e Definições da Neuropsicologia
Figura 2 – Lesão em lobo frontal encontrada nos pacientes de Broca que sofriam de afasia.
Hoje esta área da linguagem recebeu o nome de área de Broca
Fonte: BEAR; CONNORS; PARADISO; DALMAZ, 2017
O termo neuropsicologia surge no século XX, apesar de o início da área ser bem anterior
a este período. É atribuído ao neurologista William Osler o termo neuropsicologia em
1913 (HAASE et al., 2012; MÄDER, 1996). Pinheiro (2005) entende que a neuropsico-
logia moderna se iniciou nos anos 40 com os estudos de Donald Hebb, que contribuíram
para o atual modelo celular e molecular da memória.
Você Sabia?
A Neuropsicologia como conhecemos hoje surgiu com o trabalho de três pesquisadores
pioneiros na área: Ombredane, que era um psicólogo; Aloajouanine, que era um médico
neurologista; e Dura, que era um linguista, em 1932 (HAASE et al., 2012).
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Para saber mais sobre a grande contribuição dos trabalhos de Luria e sua contribuição
para a formação da Neuropsicologia como área científica, leia este artigo: HAZIN, I. et al.
Contribuições da Neuropsicologia de Alexsandr Romanovich Luria para o debate
contemporâneo sobre a relação mente-cérebro. Memosine, v. 6, n. 1, 2010, p. 88-110.
Disponível em: https://bit.ly/3oWf69Q
Outra linha estava ocorrendo em 1950 nos Estados Unidos dentro da Psicologia, o
desenvolvimento da Psicologia Cognitiva, que tem um papel importante na sua crítica
ao behaviorismo, trazendo o papel ativo do sujeito ao meio.
O Surgimento da Neuropsicologia
e sua Definição
Apesar de o movimento da Psicologia Cognitiva ter se iniciado nos Estados Unidos,
foi na Inglaterra, por meio dos estudos sobre distúrbios da escrita provocados por
lesões cerebrais (MARSHALL; NEWCOMBE, 1973 apud KRISTENSEN; ALMEIDA;
GOMES, 2001) que teve início a união da Neuropsicologia com a Psicologia Cognitiva
(KRISTENSEN; ALMEIDA; GOMES, 2001). Foi nesta união que a Neuropsicologia
Cognitiva cresceu como uma área científica, na integração do conhecimento sobre
o funcionamento mental estudado pela Psicologia Cognitiva com a capacidade de
testar os modelos cognitivos teóricos da Neuropsicologia, permitindo o avanço na
compreensão entre cérebro e cognição (HÉCAEN; ALBERT, 1978 apud KRISTENSEN;
ALMEIDA; GOMES, 2001). Com o desenvolvimento tecnológico (tomografia por
emissão de pósitron, ressonância magnética funcional, etc.), o desenvolvimento de
testes neuropsicológicos mais precisos contribuiu para a compreensão da relação entre
cérebro, cognição e comportamento tanto em humanos quanto em outros animais, não
humanos (PINHEIROS, 2005; MADER-JOAQUIM, 2018).
Você Sabia?
Segundo Preilowiski (2000 apud HAASE et al. 2012), durante a I Guerra Mundial,
Walter Poppelreuter foi pioneiro no uso de uma abordagem psicométrica na avalia-
ção neuropsicológica. Entretanto, foi na Alemanha, em 1888, que foi publicada, por
Rieger, a primeira bateria de testes neuropsicológicos. Rieger era um neuropsiquiatria
(MADER-JOAQUIM, 2018).
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UNIDADE Histórico e Definições da Neuropsicologia
Por ser uma área interdisciplinar, outras áreas também contribuem para a Neuropsi-
cologia e as Neurociências, como a Fonoaudiologia, Psiquiatria, Neurologia, entre outras.
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“Cada profissional, dentro de sua habilitação técnica, colabora para a integração das neu-
rociências, mas essa interseção é delicada e merece atenção das instituições formadoras,
buscando beneficiar um objetivo comum, o paciente” (MADER-JOAQUIM, 2018).
Você Sabia?
Brenda Milner foi a única mulher premiada em 2014 pelo prêmio Kavli, fez 102 anos no
dia 15 de junho de 2020 e continua trabalhando até hoje no Instituto de Neurologia de
Montreal, Canadá.
Conheça com mais detalhes a incrível história da neurocientista Brenda Milner e seu traba-
lho nos seguintes textos:
• Brenda Milner: Distinguished Scientific Contribution Awards for 1973 (1974). American
Psychologist, 29 (1), 36-38. Disponível em: https://bit.ly/3nnH1yK
• WATKINS, K. E.; KLEIN, D. Brenda Milner on her 100th birthday: a lifetime of ‘good ideas’.
Brain, v. 141, ago. 2018, p. 2527-2532. Disponível em: https://bit.ly/3mhamK9
Neuropsicologia no Brasil
No Brasil, fundada em 1988, a Sociedade Brasileira de Neuropsicologia é uma
instituição interdisciplinar, mas só em 2004 que a Neuropsicologia foi considerada uma
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UNIDADE Histórico e Definições da Neuropsicologia
Outra profissional muito importante na área no Brasil foi Candida Helena Pires de
Camargo, psicóloga, atuando e treinando profissionais na área clínica, realizando avaliação
neuropsicológica de pacientes com diversos transtornos neurológicos (HAASE et al., 2012).
Neuropsicologia e a Atuação
do Neuropsicólogo
O CFP, por meio da Resolução nº 002/2004, regulamenta a atuação do neuropsicó-
logo da seguinte forma:
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1. Quantificação e qualificação detalhadas de alterações das funções
cognitivas, buscando diagnóstico ou detecção precoce de sintomas,
tanto em clínica como em pesquisa;
Você Sabia?
Você sabia que o § 1° do art. 13 da Lei Federal nº. 4.119/62 estabelece que os testes
psicológicos são de uso privativo do Psicólogo e, por isso, não é possível abrir exceções?
Apesar de a Neuropsicologia ser interdisciplinar, a avaliação por meio de testes padroni-
zados somente psicólogos podem usar.
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Importante!
O relatório só deve apresentar dados relevantes para a compreensão do caso, garantindo
sigilo de informações pessoais do paciente, mas não relevantes ao caso. É necessário
solicitar autorização para a inserção de informações relatadas por terceiros (KOCHHANN;
GONÇALVES; ZIMMERMANN; FONSECA, 2016).
Por fim, o relatório não é somente entregue ao paciente, é necessário que se faça
uma entrevista de devolutiva. Na entrevista de devolutiva, são explicados os dados en-
contrados na avaliação, dando-se exemplos cotidianos, muitas vezes dificuldades relata-
das pelo próprio paciente ou familiares, para facilitar a compreensão das funções cogni-
tivas em déficits e preservadas. Neste momento, também são apontados os prognósticos
junto às orientações para a reabilitação e para a família e cuidadores sobre como ajudar
o paciente (MADER-JOAQUIM, 2018; KOCHHANN; GONÇALVES; ZIMMERMANN;
FONSECA, 2016).
Em Síntese
Nesta unidade, você aprendeu um pouco da história da Neuropsicologia, desde as influências
da pré-história, até os estudos dos gregos, como Hipócrates, o pai da Medicina; sobre a relação
entre cérebro e comportamento, passando pelas pesquisas de anatomia e fisiologia.
Conforme o desenvolvimento tecnológico foi melhorando, a compreensão do sistema nervoso
central e periférico proporcionou melhor compreensão da importância deste sistema para o
comportamento, sensações e emoções humanas. Os estudos post mortem de pacientes afá-
sicos mostraram a relação do papel das áreas cerebrais com o comportamento. Com as novas
tecnologias, foi possível estudar as funções cognitivas e a atividade cerebral, permitindo me-
lhorar os modelos teóricos da Neuropsicologia.
A partir do encontro com a Psicologia Cognitiva, com os estudos da área da linguagem, a Neu-
ropsicologia foi se formando como área científica interdisciplinar. No Brasil, foi reconhecida
como área de especialização da Psicologia em 2004. A Neuropsicologia é, portanto, uma área
de pesquisa e clínica de avaliação e reabilitação das funções cognitivas. Mas, apesar de esta ser
uma área interdisciplinar, apenas psicólogos podem usar os testes psicológicos.
A avaliação neuropsicológica verifica por uma bateria de testes e exercícios cognitivos as
funções cognitivas que estão em déficits e preservadas no paciente. O relatório descre-
ve os dados obtidos na avaliação neuropsicológica e é explicado para o paciente na en-
trevista de devolutiva, realizando-se orientações para a reabilitação neuropsicológica.
O relatório pode ser destinado a objetivos clínicos, mas também para outros objetivos,
como jurídico.
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Livros
Neuropsicologia
FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, L. F.; CAMARGO, C. H. P.; CONSENZA, R.
Neuropsicologia. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Vídeos
Amnesiac – A história de Henry Molaison
https://youtu.be/W0TTQroCjoQ
Como olhar dentro do cérebro
https://bit.ly/3gU1usQ
Leitura
A Pesquisa em Neuropsicologia: Desenvolvimento Histórico, Questões Teóricas e Metodológicas
CAGNIN, S. A pesquisa em neuropsicologia: desenvolvimento histórico, questões
teóricas e metodológicas. V. 4, n. 2, p. 118-134, 2010.
https://bit.ly/3gKNod0
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Referências
American Psychological Association. Brenda Milner: Distinguished Scientific
Contribution Awards for 1973 (1974). American Psychologist, 29 (1), 36–38.
Disponível em: <https://doi.org/10.1037/h0020143>. Acesso em: 30/11/2020.
HAZIN, I.; FERNANDES, I.; GOMES, E.; GARCIA, D. Neuropsicologia no Brasil: pas-
sado, presente e futuro. Estudos em Psicologia, V. 18, n. 4, p. 1137-1154, 2018.
WATKINS, K. E.; KLEIN, D. Brenda Milner on her 100th birthday: a lifetime of ‘good
ideas’. Brain, v. 141, ago. 2018, p. 2527–2532. Disponível em: <https://academic.oup.
com/brain/article/141/8/2527/5050904>. Acesso em: 30/11/2020.
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