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novembro 2012
nO 25
stylus
r e v is t a d e psic a n á lise
A Lógica da Interpretação II
escola de psicanálise dos fóruns do campo lacaniano - brasil
Stylus
revista de psicanálise
conferências
15 Bernard Nominé: O analista frente ao inconsciente
29 Marcelo Mazzuca: Ecos do passe. (A voz-a nova)
ensaios
43 Ana Laura Prates Pacheco: Por uma prática sem valor:
a suficiência e a conveniência poética do psicanalista
53 Antonio Quinet: A interpretação: uma arte com ética
59 Sonia Borges: Quem tem medo do ready-made? Psicanálise,
interpretação e arte contemporânea
69 Luis Izcovich: As marcas da interpretação
direção do tratamento
123 Carlos Eduardo Frazão Meirelles: O Manejo da Transferência
137 Roberta Luna da Costa Freire Russo: Corte e costura:
a interpretação na neurose obsessiva
143 Ângela Mucida: Espaço da Interpretação e inconsciente real
entrevista
157 Ana Laura Prates Pacheco entrevistada por Silvana Pessoa
resenhas
169 Andréa Rodrigues: Resenha do livro Os outros em Lacan
173 Andréa Hortélio Fernandes: Apresentação da Coletânea do
Campo Psicanalítico: A lógica da Interpretação
conferences
15 Bernard Nominé: The analyst before the unconsious
29 Marcelo Mazzuca: Echoes of the pass: The new voice-a
essays
43 Ana Laura Prates Pacheco: For a practice without value: the
psychoanalyst’s poetic sufficiency and convenience
53 Antonio Quinet: Interpretation: an art with ethics
59 Sonia Borges: Who’s afraid of ready-made? Psychoanalysis,
interpretation and contemporary art
69 Luis Izcovich: The marks of interpretation
interview
157 Ana Laura Prates Pacheco interviewed by Silvana Pessoa
reviews
169 Andréa Rodrigues: Review of the book The others in Lacan
173 Andréa Hortélio Fernandes: Presentation of the Campo
Psicanalítico’s Collection: The logic of interpretation
canalista poeta o suficiente? É a provocação que ele nos deixa, afirmando a seguir
que “apenas a poesia permite a interpretação”. Esse é o desenvolvimento proposto
por Ana Laura Prates Pacheco no seu artigo, que abre a seção Ensaios. Nele, a
autora destaca que a articulação entre interpretação e poesia – portanto, as leis
da linguagem – está presente no ensino de Lacan pelo menos desde A instância
da letra (1958). “Lacan demonstrou – com Freud – que o sintoma, assim com o
sonho, é uma cifra cuja lógica responde às mesmas leis que regem a combinatória
significante: a metáfora e a metonímia.”, diz a autora.
Na sequência, Antonio Quinet interroga, de forma interessante, as condições da
enunciação da resposta do analista chamada classicamente de interpretação, cujo
termo advém de campos tão díspares. Inicialmente como oráculo, que toma a via
do signo e do enigma, correndo o risco de ser tomada como vaticínio e também
como fora-do-discurso das psicoses, que toma o sentido paranoico como sua via
por excelência, portanto avessa à ética da psicanálise por referir-se a uma signifi-
cação pré-estabelecida. Para sair do embaraço de nomear o dizer do analista com
esse termo, o autor lembra que Freud indicava o caminho trilhado pelo artista, ou
seja, o da interpretação musical ou teatral, justificando ao longo do texto a escolha
da sua trilha pelo inconsciente musical de lalíngua e a mise-en-acte do analista.
Sonia Borges também lança recurso da arte para demonstrar a interpretação
psicanalítica. Neste seu artigo ela discute a orientação de Lacan para o trabalho
de interpretação à luz de sua surpreendente afirmação: A interpretação é o ready
made, Marcel Duchamp [...], que está mencionada na conferência A terceira, de
1974. Com esta “definição” da interpretação, Lacan não só radicaliza a sua crítica
à perspectiva hermenêutica da interpretação, como ratifica a ideia do equívoco
como sendo o seu paradigma. O ready-made, pelo fato de mostrar silenciosamen-
te o que é um objeto, ou a falta essencial que habita e sustenta todo objeto, escla-
rece que é jogando com as palavras de forma provocativa que se pode ir além do
deciframento dos significantes primordiais, sem, contudo, “engordar os sintomas
com significados”.
Encerrando esta seção temos o artigo de Luis Izcovich, que traz uma importan-
te articulação entre a interpretação e o final de análise. Nele, o autor interroga se
aquele que não tenha levado sua própria análise até sua conclusão poderá assegu-
rar a direção de uma análise, como também poderá fazer uma interpretação “à
bon escient”, ou seja, uma interpretação intencional, aquela que se faz com conhe-
cimento de causa e em função de uma finalidade. Conclui defendendo a tese de
Lacan, presente desde 1958 no texto A direção do tratamento, que ter atravessado
a experiência de final de análise não só é necessário para saber como no que se
refere à sua conclusão, mas também condiciona a pertinência da interpretação.
Abrindo a seção Trabalho crítico com conceitos temos o instigante trabalho de
Ana Paula Gianesi, que também trata de final de análise. Encontram-se no seu
trabalho alguns comentários de Lacan, em conformidade com certa cronologia,
até aportar a noção de suplemento, o que indica uma orientação “feminizante”
para uma análise concluindo que se em um possível final de análise possa não
haver equivalência entre o homem e a mulher, isso aponta para um gozo suple-
mentar em relação ao gozo fálico.
Também do final de análise trata o trabalho de Barbara Guatimosim. Ela par-
te de uma conferência inédita de Lacan, de 1978, Congresso sobre a transmissão,
para interrogar: como o discurso do analista promove este desfecho? Qual é o
truque? Como se cura uma neurose? Baseada nas observações que faz Lacan e sob
sua orientação, a autora trabalha algumas questões sobre interpretação e ato. Um
trabalho que tem a marca de uma autoria singular que vale a pena acompanhar e
analisar as consequências que dele se pode extrair.
Na sequência, Rosanne Grippi trabalha o clássico texto de Freud (1934), Cons-
truções em análise, considerado por Lacan como o texto que abarca a teoria freu-
diana por demonstrar clinicamente a interdependência dos conceitos de “cons-
trução” e “interpretação”. A autora lembra nesse artigo que Freud questiona o que
os analistas fazem em sua clínica e aponta que uma análise tomada a partir de um
saber soberano do analista é, no mínimo, uma impostura clínica. Ela também
trata a diferença que reside no fato de que a interpretação se dá com base em um
dado isolado, como um lapso, enquanto que a construção confronta o sujeito com
um fragmento de sua história primitiva.
Para finalizar esta seção, temos o artigo bem argumentado e fundamentado de
Raul Pacheco, que trata o tema da interpretação e das diferentes maneiras de con-
cebê-la nos campos da filosofia, da ciência e da psicanálise, estabelecendo alguns
contrapontos entre as discussões nesses dois campos. O autor interroga se existe
uma especificidade da interpretação na psicanálise, em relação à interpretação em
outros campos científicos, e também aponta outras tantas questões, tais como as
temáticas do real, da verdade e da causa material, e se a pluralidade interpretativa,
na psicanálise, é apenas decorrência da falta de rigor ou extimidade de suas teori-
zações em relação à ciência ou isso deve ser concebido de outra maneira?
Abrindo a seção que trata da Direção do tratamento, temos o artigo de Carlos
Eduardo Frazão Meirelles, que investiga o conceito de manejo da transferência no
campo clínico da neurose. Ele acompanha as formulações inaugurais de Sigmund
Freud sobre o fenômeno da transferência, no que implica de repetição e realidade
sexual, utilizando como referência o caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer,
assim como as formulações de Freud sobre a utilização da transferência para o
tratamento da neurose, no que diz respeito à produção de saber inconsciente e
à sustentação do trabalho analítico. Com Jacques Lacan, ele examina o termo
o livro recém-lançado de Ana Laura pela Letra Viva, que trata da direção do trata-
mento na análise com crianças. A ela, em nome da Comissão de Gestão, e a todos
os colegas da EPFCL – Brasil, agradecemos a confiança e o apoio na realização de
nosso trabalho e desejamos a todos uma boa leitura!
Bernard Nominé
Desde que Colette Soler iniciou o estudo do conceito de inconsciente real que ela
deduziu do final do ensinamento de Lacan, nós nos interrogamos com ela sobre o
alcance de tal mudança de perspectiva sobre a prática analítica. É nessa óptica que
lhes proponho esta reflexão sobre o psicanalista diante do inconsciente.
Pessoalmente, no escopo de um seminário que conduzo em minha região, esti-
mulado pelo trabalho de Colette Soler, dediquei um ano de trabalho ao retomar a
leitura de Freud para tentar daí desvendar a lógica do passo que o fez descobrir o
inconsciente. Eu havia intitulado este trabalho de O inconsciente, de Freud a La-
can, e prossegui neste ano, afinando o tema O inconsciente e a questão do sentido.
Proponho-me então, hoje, partilhar com vocês um pouco deste trabalho.
Tomei meu ponto de partida da leitura de um trabalho de Freud que data de
1892, Um caso de cura pelo hipnotismo, que me interessou muito particularmen-
te, porque Freud descreve nesse artigo uma contravontade que me parece ser o
antecessor do inconsciente freudiano. Antes de descobrir o inconsciente e sua
estrutura linguageira com sua lógica, sua gramática, Freud, que praticava essen-
cialmente a hipnose, teve a princípio a ideia de que a neurose testemunhava a
existência de uma contravontade oposta a toda realização positiva do sujeito. E
com seu tratamento hipnótico, quer dizer, com seu próprio desejo, ele sustentava
o desejo vacilante do paciente para superar a contravontade. Interessei-me, então,
por esse conceito de contravontade, Gegenwillen, e procurei verificar o que ele se
tornara na obra de Freud.
Lembro-lhes que nesse primeiro texto Freud relata o sucesso terapêutico da
sugestão hipnótica sobre uma jovem que acabara de parir, e que vomitava, não
dormia mais e por isso não conseguia amamentar seu bebê. Freud não se preo-
cupa em procurar um sentido para esse sintoma, ele se contenta em ver a obra de
uma contravontade que se opõe, sem o conhecimento da paciente, a seu projeto
de aleitamento.
O que me impressionou, na leitura desse artigo, é que Freud não considera por
um só instante que essa contravontade pudesse ser a manifestação de um sujeito
inconsciente que se oporia à vontade consciente. Essa contravontade se manifesta,
diz Freud, por representações contrastantes aflitivas. Quando, por exemplo, temos
um projeto e esperamos o momento de realizá-lo, podemos ter ao mesmo tempo
a ideia de tudo que poderia acontecer e impedir a realização do projeto.
Como é que uma pessoa, com vida ideativa sadia, lida com as ideias antitéticas
que se opõem a uma intenção? Com a poderosa autoconfiança da saúde, a pessoa
as reprime e inibe, na medida do possível, e as exclui de suas associações de pen-
samentos. Isto muitas vezes sucede em tal medida que a existência de uma ideia
antitética contra uma intenção geralmente nem sequer se manifesta, tornando-
-se uma probabilidade somente quando passamos a examinar as neuroses. (1892-
3/1987, p. 163)
De vez que todo o conceito é dessa maneira o gêmeo de seu contrário, como
poderia ele ser de início pensado e como poderia ele ser comunicado a outros
senão pela medida de seu contrário? (1884, p. 163).
Freud se encanta com essa hipótese pois ela o faz pensar nisso, o que ele mesmo
descobriu a propósito do inconsciente, que este não conhece a contradição e que
pode utilizar um significante para designar uma coisa ou seu contrário.
[...] o homem não pôde adquirir suas noções mais antigas e mais simples a não
ser como os contrários dos contrários, e só gradativamente aprendeu a separar
os dois lados de uma antítese e a pensar em um deles sem a comparação cons-
ciente com os outros. (FREUD, 1910, p.161).
automaticamente uns aos outros. É uma língua reduzida ao código sem qual-
quer alcance de mensagem, quer dizer, sem a suposição de um sujeito outro senão
Deus, para lhe dar um valor de mensagem.
Encontramos em Lacan alguma coisa que se aproxima muito dessa ideia da lín-
gua fundamental quando ele estuda um fenômeno que descreve cuidadosamente
no alucinado e que ele chama a modulação interior contínua. É no seminário so-
bre As psicoses, precisamente na aula de 25 de janeiro de 1956.
Nessa aula, Lacan se interroga sobre o caráter estrutural da alucinação verbal
no sujeito psicótico. E o que me impressiona é que ele adota a mesma abordagem
de Freud no que concerne às representações contrastantes aflitivas.
Ele nos diz que, na vivência de um sujeito, antes que essa vivência se organize
de modo articulado sob forma de história, com momentos cruciais que não são
nada mais que pontos de estofo onde essa vivência toma sentido, os significantes
encontrados na vivência de um sujeito se registram e sucedem de forma contínua
sem outra articulação senão essa estrutura basal da língua onde os significantes
se ordenam pelos pares de opostos, por pura contingência, por contiguidade ou
simples assonância. Esse tipo de articulação automática interior, inerente à es-
trutura de base da língua, Lacan a descreve seja como frase simbólica, seja como
modulação interior contínua. Ela tem certamente alguma coisa a ver com o in-
consciente, mas eu acredito, entretanto que é preciso distingui-la. Lacan sugere
isso quando opõe essa sucessão interior contínua e que se inscreve de um modo
descontínuo com escansões, pontos de estofo que lhes dão um sentido e a coloca
em continuidade com um diálogo exterior; ela se faz então escutar como discurso
do Outro. Mas no fundo ela não se articula como discurso do Outro, mas antes
como alíngua. E uma das funções do eu é utilizar suas orelhas para selecionar o
que deve ser escutado, quer dizer, o que tem um sentido.
A modulação interior desfila então num contínuo, mas nossa consciência nos
desvia dela. Então, nós não a escutamos. É nisso que ela é inconsciente. Mas isso
não quer dizer que o sujeito a recalque intencionalmente. Por que ele a recalca-
ria? Ela não veicula em si mesma nenhum saber. A consciência nos desvia dela
simplesmente para que nosso pensamento não seja parasitado por esse barulho
de fundo.
A contravontade evidenciada por Freud nos seus inícios é, sem dúvida, uma
manifestação disso. Como chamaríamos hoje essa potência obscura que reside
nas profundezas da língua e que se opõe às intenções, quer dizer ao desejo de um
sujeito? Eu acredito que nós poderíamos chamá-la gozo. É esse gozo ao qual re-
nuncia aquele que toma a palavra. Não é o gozo do sentido que anima aquele que
conversa, não é tampouco o gozo do corpo que é preciso calar e que deve passar
ao inconsciente.
É preciso dizer que Freud não soube distinguir claramente esses três níveis
de gozo, porque ele assimilou muito rapidamente essa famosa contra-vontade à
manifestação de um sujeito que se oporia a essa privação de gozo: o sujeito do
inconsciente. É a hipótese freudiana; ela é feita para dar sentido ao sem sentido
de alíngua.
Um pequeno capítulo de A Psicopatologia da vida cotidiana (1901) - demonstra-
rá isso facilmente a vocês. Eu o encontrei, procurando saber o que teria se tornado
o conceito de contravontade na obra de Freud. Encontramos seu rastro nessa pas-
sagem sobre o esquecimento de projetos.
Freud nos dá, baseado na sua experiência pessoal, alguns exemplos em que ele
esqueceu de fazer coisas que tinha projetado fazer e coloca esse esquecimento na
conta de uma contra-vontade que se opõe à execução do projeto em questão.
Nós vemos que muitas coisas são esquecidas por elas mesmas; mas nos casos
onde isso não é possível, o instinto de defesa desloca seu objetivo e mergulha no
esquecimento uma outra coisa menos importante, mas que... é religada à coisa
principal por uma associação qualquer. (Ibid. p. 197).
contrário, já que é ele que atrai toda cadeia significante que passa na proximidade
por pouco que um significante a ele se ligue por homofonia, ou simples contigui-
dade. Definitivamente, Freud mesmo fala isso; se sabemos lê-lo bem, esse ponto
de umbigo é o verdadeiro motor do recalque. É o que opera em Freud uma verda-
deira subversão porque, até aí, Freud tinha a tendência de não colocar o recalque
senão na conta do eu e do supereu. Aqui, ao contrário, podemos situar a causa do
recalque nesse ponto obscuro, esse recalcado primordial que resta fora de alcance
de toda tomada do sujeito, esse ponto não é outra coisa que o que Lacan designou
com uma simples letrinha: o objeto a.
Ele tomou o cuidado de precisar sua função de mais-de-gozar. Quer dizer que a
é o rastro desse gozo arcaico que não passou à cifração do sentido para constituir
o inconsciente que goza do sentido e, entretanto, é preciso ver que é esse resto
fora do sentido que é causa do recalque. Eu não me refiro aí a Lacan, mas a Freud,
quando ele no diz explicitamente em sua Metapsicologia:
Além disso, é errado dar ênfase apenas à repulsão que atua a partir da direção
da consciência sobre o que deve ser recalcado; igualmente importante é a atração
exercida por aquilo que foi primevamente repelido, sobretudo aquilo com o que
ele possa estabelecer a ligação. Provavelmente a tendência no sentido do recalque
falharia em seu propósito, caso estas forças não cooperassem. (1915, p.153).
Vemos muito claramente que Freud constrói sua hipótese do inconsciente como
resultado de dois tipos de forças: a força de atração do recalcado original e a força
da censura que rejeita as pulsões que ela julga perigosas. Parece-me que Lacan
vai exatamente no mesmo sentido quando ele precisa as relações do inconsciente
com o que designa como alíngua. A função do recalcado primordial e a função de
alíngua parecem-me bastante vizinhas, para não dizer idênticas.
O inconsciente não é estruturado como alíngua, ele é estruturado como uma
linguagem, diz Lacan. Certamente o inconsciente é feito de alíngua, mas Lacan
precisa: “O inconsciente é um saber, um saber-fazer com alíngua” (LACAN, 1972-
1973, p. 127).
Seu saber-fazer consiste em articular significantes, a lhes dar sentido, a partir
do galimatias de alíngua e se servindo das possibilidades que ela oferece: repre-
sentações contrárias, assonâncias, homofonias, metonímia... etc. Porque, defini-
tivamente, quando alíngua se faz ouvir em seu barulho insensato, ela não pode,
senão, suscitar um apelo ao sentido. Todo o processo do inconsciente está aí nessa
resposta ao apelo, ao sentido.
O que todo mundo pode notar é que o sentido fabricado pelo inconsciente é
unívoco, ele é exclusivamente de ordem sexual. Esse sentido é impulsionado pelo
Muito mais do que disse Freud, há a maior relação entre o uso das palavras, na
espécie que tem as palavras à sua disposição, e a sexualidade que existe nesta es-
pécie. A sexualidade é inteiramente incorporada a estas palavras. Este é o passo
assumido por Freud.
A libido toma emprestado o sentido das palavras. Mas, ao mesmo tempo, dando
peso a algumas representações, é ela que orienta o sentido das palavras. É uma
relação de intrincação. A libido toma emprestado o sentido das palavras, mas ela
o reforça também.
Podemos, ao mesmo tempo, colocar a questão do que pode ser a sexualidade
daqueles que não têm acesso ao sentido das palavras.
Recentemente vieram me falar de um jovem adulto autista de quem eu me
ocupara em sua infância. Seus educadores estão sobrecarregados pelas crises de
agressividade que ocorrem cada vez com mais frequência, e eles acreditam que
isso venha da sua impossibilidade de realizar qualquer atividade sexual. Ele, com
certeza, é incapaz de ter qualquer relação sexual com quem quer que seja, mas
segundo seus educadores, ele não é nem mesmo capaz de se masturbar de verda-
de. Ele passa longos momentos no banheiro a manipular o pênis enquanto urina,
para tentar provocar alguma sensação, mas sai enfurecido, porque nada funciona.
A tensão interna real que o assola em seu corpo não encontra uma saída, porque
ele não tem os meios para convertê-la em libido. A libido teria necessidade de
representações significantes para se orientar. É o que faz falta cruelmente nesse
autista profundo. Desse fato podemos constatar que esse sujeito não conhece o
gozo sexual. Ele é, entretanto, invadido por um gozo que o encerra em sua bolha
autista. Mas o gozo autista de alíngua não é da mesma ordem que o sentido go-
zado que abunda no inconsciente, mas que não é aberto senão ao sentido sexual.
Como o inconsciente se vira com alíngua?
Ele a utiliza como aparelho para dar sentido ao gozo do corpo. E o sentido que
convém ao gozo do corpo é o sentido sexual. Quer dizer que é uma questão [af-
faire] de discurso. O sentido é sempre uma questão [affaire] de discurso. Não há
sentido fora de um discurso. O sentido sexual é gerado pelo lugar que um sujeito
ocupa no encontro de seu corpo com o corpo de um outro. É uma questão [affai-
re] de lugar numa ordem simbólica. Esse lugar não é necessariamente condicio-
nado pelo real do sexo anatômico do sujeito. É por isso que podemos dissociar o
sexo e o gênero, está bem na moda, hoje em dia. Se o sexo não faz signo, o gênero,
em contrapartida, pode fazer sentido.
Seja o que for, a copulação que faz sentido é uma copulação entre significantes.
Só os significantes copulam, diz Lacan, e é no inconsciente que eles copulam, in-
dependentemente da realidade anatômica que diferencia os sexos. É o que signifi-
ca a fórmula clássica de Lacan que não é simples de compreender nem de admitir:
“não há relação sexual”. Há sentido sexual, todo sentido é sexual, acreditando-se
em Freud e Lacan; mas esse sentido sexual, se ele é produtor de gozo – pelo sim-
ples fato da cifração do gozo para fazê-lo entrar num discurso coerente –, esse
sentido sexual não diz nada do que se passa no nível do real do corpo de um ho-
mem e de uma mulher. “Homens e mulheres, é real” – dizia Lacan diante de seu
auditório na Capela do Hospital Sainte-Anne – “mas nós não somos, a respeito
deles, capazes de articular a menor coisa ‘na alíngua’ que tenha a menor relação
com esse real” (1971).
Entretanto, existe na língua esse casal de significantes homem/mulher, e ele faz
parte dos famosos pares de opostos dos quais vimos que alíngua era feita. Mas no
meio do conjunto de pares de opostos, o casal homem/mulher tem uma função
particular na condição de que essa função seja calcada sobre aquela da “pequena
célula palpitante de simbolismo” que organiza “as primeiras simbolizações da si-
tuação edipiana” (LACAN, 1953-1954/1993, p, 103)
Contrariamente aos outros pares de opostos que se articulam na alíngua, o que
gera essa celulazinha palpitante de simbolismo é o sentido. Podemos então con-
siderar que, de saída, o sentido é sexual. O inconsciente é produtor desse sentido
sexual. Se acreditamos em Freud, no inconsciente como discurso do Outro, não
há sentido senão sexual.
Entretanto, esse sentido não é imediatamente acessível, porque ele é codificado.
O que lhe dá seu atrativo particular é que é um sentido que foge, que engana, que
1 “... que no ciframento está o gozo, sexual decerto, aquele que foi desenvolvido no dizer de Freud, e
suficientemente bem para se concluir que o que ele implica é que isso é que é obstáculo à relação sexual
estabelecida, e portanto, a que algum dia se possa escrever essa relação: ou seja, que a linguagem
jamais deixará outra marca senão a de uma chicana infinita.” Cf. Lacan, Introdução à edição alemã de
um primeiro volume dos Escritos. In: Outros escritos, Zahar, p. 558.
do tonel, como ele próprio confessa no texto ao qual eu me refiro, é bem porque
ele mediu o risco da passagem ao universitário. Se há um discurso que se quer ao
abrigo do turbilhão do sentido, é o discurso do universitário, não aquele do ana-
lista. Como o psicanalista de hoje poderia continuar a encontrar o interesse em
seu trabalho se não for sempre animado pelo escape do tonel?
referências bibliográficas.
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blicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos. Tradução sob a direção de Jayme
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______. (1901). A psicopatologia da vida cotidiana. Tradução sob a direção de
Jayme Salomão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasilei-
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______. (1910). A significação antitética das palavras primitivas. In: Cinco lições
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de Jayme Salomão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasi-
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________.(1915) Recalque. In: História do movimento psicanalítico, atigos sobre
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mão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasileira das Obras
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______. (1916-1917). Conferência XVII. O sentido dos sintomas. In: Conferências
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Salomão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasileira das
Obras Completas de S. Freud, v. XVI, p.305-322 ).
LACAN, J. (1953-1954). O seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud. Versão
brasileira de Betty Milan. 3ª ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1986. 336 p.
______. (1971-72). Da incompreensão e outros temas. In: Estou falando com as
paredes. Conversas na capela de Saint-Anne. Coleção Campo Freudiano no
Brasil. Série paradoxos de Lacan. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro,
resumo
O autor propõe uma reflexão sobre o psicanalista frente ao incons-
ciente na óptica do conceito de inconsciente real estudado por
Colette Soler a partir de suas deduções do final do ensinamento
de Lacan e propõe partilhar um pouco de seus próprios estudos
referentes a uma retomada de leitura de Freud, que intitulou:
o inconsciente e a questão do sentido. Pesquisando o conceito
freudiano de contravontade, que se apresenta como uma espe-
cificidade arcaica da língua relativa aos pares de significantes
opostos e representações contrastantes aflitivas, o autor lança
a hipótese de que ele precede o conceito de inconsciente em
Freud, e apresenta relações com o conceito de gozo e de alín-
gua, demonstrando a presença dessas relações no ensinamento
de Lacan. O autor também lança uma reflexão sobre como a
análise opera com o sentido, levantando a questão sutil do sen-
tido em relação à significação e discutindo sobre o posiciona-
mento do analista frente a esses conceitos, considerando também
os apontamentos de Lacan sobre o fora de sentido.
palavras-chave
Inconsciente real, contravontade, gozo, alíngua, sentido.
abstract
The author proposes a reflection over the psychoanalyst before
unconscious under the perspective of the unconscious real con-
cept studied by Collete Soler from her deductions about Lacan’s
final teaching and also proposes to share a little bit of his own
investigations on re-readings by Freud, which he entitled The
unconscious and the question of the sense. Researching the Freu-
dian concept of counter-will, which is introduced as an archaic
specificity of the language related to pairs of opposing signi-
ficants and afflictive contrasting representations, the author
raises the hypothesis that the aforementioned concept precedes
Freud’s concept of unconscious, and introduces some correla-
tions with the jouissance and lalangue concepts, demonstrating
the presence of these relations in Lacan’s teaching. The author
also proposes a reflection on how the analysis operated with
the sense, raising the subtle question of the sense in relation to
signification, and discuss the position taken by the analyst con-
cerning these concepts, equally considering Lacan’s writings on
the out of the sense.
keywords
Unconscious real, conter-will, jouissance, lalangue, sense.
Marcelo Mazzuca
Palavras preliminares
Para começar, quero dizer-lhes que, a respeito de minha tarefa de AE, creio
ter chegado ao final de uma primeira etapa, que qualifico como “a mais testemu-
nhal”, e que consta de cinco testemunhos: (1) sobre o estatuto do inconsciente; (2)
sobre o valor de índice de certos sonhos; (3) sobre o conhecimento do sintoma; (4)
sobre a passagem da transferência ao desejo do analista; e (5) sobre a função da
repetição e a sublimação.
Esta série de testemunhos já está publicada na Colômbia e será publicada em bre-
ve em Buenos Aires com o nome de Ecos del pase. Por isso, o título geral de minha
intervenção de hoje é esse: Ecos do passe.
Desde o começo deste ano, estou em uma segunda etapa que consiste em re-
tomar alguns desses problemas cruciais para abordá-los sob a perspectiva dos
debates atuais de nossa Escola. Farei referência, então, à lógica da interpretação,
mas com especial atenção ao tema do final de análise e suas continuações.
E, para tentar renovar a leitura de meus próprios testemunhos, voltarei à per-
gunta sobre a função do sonho, mas para interrogá-la a partir de outro viés, o do
objeto “pequeno a” – como o batizou o próprio Lacan –, mais concretamente sua
dimensão de voz. Por esta razão (e tendo em conta o cruzamento das línguas
que hoje aqui se encontram) lhes apresento meu trabalho sob o seguinte título:
A voz-a nova. Sob esta expressão (a voz-a nova) gostaria de reunir algumas das
consequências do final de minha análise e da experiência no dispositivo do passe.
voz” com o qual seu colega Otto se referiu à cura inconclusa de sua paciente Irma.
Então, o que me é importante ressaltar hoje daquela experiência inicial? É o
seguinte: que o sonho não é o inconsciente, e muito menos o inconsciente real.
Entretanto, dá um lugar ao real, não pode provocá-lo, mas pode, sim, evocá-lo. A
formação do sonho surge como contragolpe a este pequeno choque com o real. O
que do real percute por meio da língua, repercute no sonho abrindo o campo do
sentido com suas vozes e suas ressonâncias.
O resto daquela história vocês já devem conhecer: o duplo sentido da palavra
“solução” (losung, em alemão) representa o sujeito e o passeia pela cena onírica.
Nesse percurso, o corpo é afetado duplamente: o sonhador passa primeiro pelo
buraco de uma garganta que o mastiga e o tritura até desfazê-lo. Digamos, um
primeiro passo – no interior mesmo do sonho –, uma passagem pelo objeto.
Logo, o buraco da garganta o vomita e o cospe contra um muro onde a letra
encontra sua representação gráfica e sua hipernitidez (a da fórmula da trimetila-
mina). Um segundo passo, então – que marca o final do sonho – uma passagem
à letra e à fórmula.
Lembrarão que todo o trabalho de Lacan consistiu em ler e reconhecer nesse
texto a gestação (ou o nascimento) do desejo do analista, para finalmente acres-
centar – cito: – “e não é sem humorismo nem sem hesitação, já que isto é quase
um Witz – diz Lacan –, que eu lhes propus ver aí a derradeira palavra do sonho.
No ponto em que a hidra perdeu as cabeças, uma voz que não é senão a voz de
ninguém faz surgir a fórmula da trimetilamina, como a derradeira palavra daqui-
lo de que se trata” (LACAN, 1954-55/1985, p. 216). Frases que têm inclusive um
conteúdo poético!
Vou falar-lhes, então, daquela voz (a voz que Lacan lê no texto de Freud), tal
qual a recebi e a alojei em “meu próprio inconsciente”.
Então, para tentar ganhar em clareza expositiva, vou dividir minha intervenção
em três partes: a primeira (sob o título O murmúrio da verdade) tem a ver com a
experiência da análise; a segunda (sob o título A canção do passe) tem a ver com a
experiência do passe; e a terceira (sob o título A voz-a nova) tem a ver com o tema
das continuações da análise.
Começarei pelo sonho que inaugurou minha análise. A imagem do sonho era a
seguinte: uma mãe e dois filhos feitos de pedra no porta-malas de um carro norte-
-americano. Um sonho hipernítido, acompanhado de um sentimento de angústia
e de horror, isso foi o que me despertou. Mas a diferença em relação ao sonho de
Freud é que, nesse caso, foi uma interpretação pontual do analista que provocou o
sonho. Foi o ato de sua palavra, ou melhor, “sua palavra em ato”.
Essa interpretação abriu o trabalho de análise e foi tão decisiva, que me lembro
dela até hoje. Consistiu, simplesmente, em marcar um dos termos da partitura do
analisante uns compassos depois de haver sido pronunciada pelo paciente. Para
ser mais claro, o analista pronunciou uma só palavra, disse, concretamente, em
tom bastante elevado: “ fusión!” (fusão). Pronunciou essa palavra quando o ana-
lisante falava da presença (inquietante) de duas mulheres na plateia de um recital
de música do qual ele era protagonista tocando bateria.
Fusión foi, então, o termo que adquiriu valor significante, deslizando do senti-
do que lhe havia dado o paciente (“gênero musical predileto”) para o sentido de
“união harmônica das duas categorias de mulheres”: as mulheres “F” e as mulhe-
res “N”, sendo essas duas letras (F e N) as iniciais dos nomes das mulheres classi-
ficadas pelo inconsciente. Ou, como já falei em mais de uma oportunidade: ficava
exposta a versão musical da mulher ideal ou a versão ideal da mulher musical.
Mas por que essa interpretação teve como efeito o início da análise? Qual foi sua
lógica? Creio que há aí três dimensões distintas.
1 - Em primeiro lugar, a dimensão da barra que divide o campo do significado
e o campo do significante. Neste caso não foi somente uma substituição de ter-
mos que operou nesse nível, mas também um deslizamento do sentido produto
da “equivocidade” do termo fusión. Produz-se, então, uma transformação no nível
do significante: deixa de ser um nome próprio (o de um gênero musical) e passa a
nomear a lógica que anima a operação da neurose (a união do gênero feminino).
2 - Em segundo lugar, é preciso considerar a dimensão do terreno em que o
significante se escreve. Porque “a bondade do sentido”, segundo Lacan – como
recordou Andréa Fernandez em seu prelúdio (XII Encontro Nacional da EPFCL
– Brasil. Salvador, 2011) – “consiste em eliminar o duplo sentido”. Esta segunda
dimensão, então, é a da instância da interpretação governada pela letra. Porque o
termo fusión não designa somente a operação pela qual a neurose pretende unir
os Estados Desunidos do ser feminino, mas a palavra fusión também “é” em si
mesma essa união, na medida em que as duas categorias de mulheres (as F e as N)
ficam escritas no começo e no final da palavra. Há aí outro terreno, o do “suporte
material do significante”, a palavra começa na materialidade da letra F e culmina
na materialidade da letra N.
3 - Entretanto, isso não é tudo. Há uma terceira dimensão que não é nem a
do significante nem a da letra, e que permite considerar a participação do cor-
po. “A interpretação”, cito Lacan, “toca a causa de desejo, causa que ela revela”
(LACAN, 1972/2003, p. 474). Dito de outro modo, a intervenção do analista é
eficaz na medida em que revela essa dimensão causal e objetal do desejo. Esse
objeto não é material nem possui substância, mas tem uma consistência (lógica)
e, “episodicamente” – como diz Lacan –, assume uma função vocal. Neste nível, a
interpretação – como o recorda Ana Laura Prates em seu prelúdio – opera menos
“pelo que quer dizer” do que pelo fato de que “isso fala” (XII Encontro Nacional
da EPFCL – Brasil. Salvador, 2011).
Essa terceira dimensão é a da temporalidade de um buraco que se abre e se fecha
e, por isso, a interpretação não produz somente o começo da análise, mas também
as condições de possibilidade de seu final. Porque a palavra fusión não somente
une os termos desunidos do ser feminino, mas, ao mesmo tempo, os separa. Por
um lado, porque interpõe outras quatro letras entre o F e o N, preenchendo o
espaço da transferência. Mas, além disso, – e fundamentalmente – porque acres-
centa o efeito sonoro (inclusive musical) sem o qual a intervenção do analista se
reduziria a uma palavra morta. É por essa via que a interpretação “toca o sinto-
ma”: “toca”, no sentido musical e instrumental do termo, o sintoma entendido
como partitura (como composição musical escrita). Essa voz a minúscula, que o
analista encarna com sua presença, intervém em contraponto ao significante e a
letra, instituindo-se como condição de possibilidade da análise.
A partir daí, começou um longo murmúrio da verdade que se estendeu durante
quatorze anos e muitíssimos sonhos. Fiquem tranquilos! Não irei relatar-lhes es-
ses quatorze anos de análise, irei diretamente ao final.
A parte final da análise – que já faz tempo costumo denominar “o corredor do
passe” – também esteve marcada pelos sonhos e sua interpretação. Quatro desses
sonhos são suficientes para situar o que lhes quero dizer hoje. Neles, se elabora
um mesmo conteúdo: a relação do desejo com o gozo fálico e com o Outro gozo.
No primeiro: tenho uma relação sexual com uma mulher. Meu irmão está atrás
de mim emprestando-me o órgão. No segundo: estou deitado em uma maca a pon-
to de parir. No terceiro: estou grávido, mas não sou a mãe do bebê. Simplesmente
empresto meu ventre para que alguém tenha um filho. E no quarto: deixo meu filho
recém-nascido um tempo em um hospital. Vou embora com minha mulher para
desfrutar um tempo a sós.
O que quero destacar hoje é o “dizer interpretativo” que os condicionou. Cha-
mo-o de “dizer interpretativo” à falta de um termo mais preciso, mas, de qualquer
forma, o que quero destacar é a diferença em relação à intervenção pontual que
deu início à análise. Nesta parte final, a interpretação não se localiza em uma
só intervenção nem se pode atribuí-la facilmente à pessoa do analista, trata-se,
melhor, do dizer da análise. Entretanto, intervêm aí as mesmas três dimensões.
1) No que se refere ao campo da linguagem, os termos significantes foram: ges-
tão e gestação. Nesse caso, creio, faz-se mais evidente pela série de sonhos, que
o que conta não é tanto o múltiplo significado dos termos senão a operação de
como cantar uma canção a alguém, ou melhor, como repetir a canção da análise
(respeitando sua estrutura formal), mas reinventando sua letra e harmonizando
a voz em função do interlocutor da vez. Em síntese, como contar uma piada, em
função de sua economia e sua ressonância, mas uma cuja sonoridade – cito um
texto de Pascale Leray publicado na Wunsh 9 – “um dizer específico do passe, que
faz signo do real”. Nesse mesmo sentido, deixo explícito que estou de acordo com
outro dos trabalhos da Wunsh 9 (p. 33), o de Elisabeth Léturgie, que propõe a exis-
tência de sonhos que são testemunhos de uma possível “inscrição inconsciente do
passe” (Ibid. p. 14).
Tomo então os outros dois sonhos do passe, o do começo e o do final. O que me
interessa destacar em ambos os casos é uma mesma coisa: a função causal de uma
voz feminina e de uma língua estrangeira.
No primeiro desses sonhos, uma pessoa, com um esquisito aparelho inventado,
projetava da varanda de um apartamento, imagens na superfície do prédio da fren-
te. Como nos casos anteriores, volto a destacar que o que interessa do sonho não
é seu sentido (que nesse caso pode ser reduzido ao sem-sentido do significante
invenção), e sim o dizer e o objeto que o causam. Nesta oportunidade, foi a frase
pronunciada pela pessoa que interrogou minha demanda de passe. Uma mulher
que fala uma língua estrangeira e que, ao pronunciar em língua espanhola, conta-
mina o dito com seu próprio canto. Suas palavras precisas foram as seguintes: “A
partir de agora, você tem que inventar”.
Uma voz similar foi a que interveio para causar o último sonho, o que encerra
a experiência do passe. Confesso que não retive muito aquelas palavras, mas sim
a notícia de minha nomeação como AE. Por isso, assumo que foi somente aquela
voz (comunicando-me a nomeação) que causou o trabalho do sonho final.
Este último sonho consistia, simplesmente, na colocação em imagem de três
gerações de mulheres de uma mesma família. Uma delas a ponto de “descansar em
paz”, as outras duas conversando e se virando com a sorte.
Entendo que este último sonho escreve morte e feminilidade, movimento e
quietude, mas também – e essencialmente – a transmissão oral do desejo e da
palavra viva de geração em geração (palavra que não é necessariamente paterna).
A partir daí, pude apreciar melhor um dos aspectos postos em jogo no sonho que
inaugurou a análise. Vou dizê-lo assim: o que esse sonho representava (mediante
o horror da imagem petrificada dos corpos) talvez não fosse mais que a versão pa-
terna do “traumatismo” provocado pela “canção” materna. Mais precisamente, o
traumatismo da língua que a canção materna permite incorporar, “o inconsciente
musical”, segundo a expressão que Antonio Quinet utiliza em seu prelúdio (XII
Encontro Nacional da EPFCL – Brasil. Salvador, 2011). Acrescento que minha mãe,
quando eu era pequeno, cantava tangos para mim no momento em que tentava pe-
gar no sono (eu soube disso não faz muito tempo). Digamos, uma espécie de “can-
ção de ninar” amorosa e traumática ao mesmo tempo, em síntese: “sintomática”.
Por isso, se tivesse que resumir o que o último sonho do passe representa, diria:
Uma voz-a nova, que não é inteiramente minha, mas tampouco de alguém em
particular. É “a voz de ninguém” – como dizia Lacan do sonho de Freud –, ou me-
lhor, a voz da Escola. Dela, gostaria de dizer-lhes umas palavras antes de concluir.
Começo esclarecendo que a série de sonhos que lhes relatei, tanto os da análise
quanto os do passe, não cumpriram a função mais habitual de promover as asso-
ciações do analisante, o que Colette Soler denominou há muito tempo “o sonho
como vetor da palavra” (2007). Neste caso, são todos sonhos-índice (assim os ba-
tizei no segundo de meus testemunhos) e cumprem outra função na experiência.
Indicam sobre a tomada de posição do ser falante perante o buraco da verdade
e ao tampão do real. Há então aí uma dimensão ética a considerar e, para poder
fazê-lo, irei relatar-lhes dois últimos sonhos.
O primeiro deles pertence ao período que vai do final da análise até o começo
do trabalho do passe. O segundo desses sonhos é muito mais recente e pertence ao
período posterior à experiência do passe. Como verão, ambos compartilham a ca-
racterística de serem sonhos produzidos fora dos dispositivos de análise e do passe.
O primeiro consistia, simplesmente, em uma imagem em movimento: via dois
ou três dedos de minha mão derretendo. Um nítido sonho de castração, mas sem
signos de horror nem de angústia. Mas, mesmo assim, foi muito impactante, não
somente pela hipernitidez e contundência daquela imagem, porém, também, por-
que interrompeu um extenso período de vários meses sem sonhar. Era o índice
de um desejo novo, o de participar da experiência do passe que a Escola oferece.
Um sonho êxtimo: porque não pertence nem à análise nem ao passe e, ao mesmo
tempo, pertence a ambos. Digamos que foi o “eco” da análise que “orquestrou”
a experiência do passe. E creio que se este sonho tivesse algum sentido seria o
seguinte: o buraco da verdade é a castração.
Vou agora ao último sonho. Com ele, farei referência às “continuações” da expe-
riência. O que me interessa pensar não é tanto o estatuto do “analisado”, mas o modo
como aquele que passou ao lugar de analista pôde retomar sua posição analisante.
Dito de outro modo, interessa-me a formação do analista, que tem algo de in-
terminável e cuja base fundamental é a própria experiência analisante. Recordo as
palavras de Lacan, que privilegiou as formações do inconsciente na formação do
analista. Posso, inclusive, coincidir com Freud, que propunha aos analistas reto-
mar a análise a cada cinco anos, mesmo que não esteja de acordo em dois pontos.
Primeiro, porque não me parece que seja possível determinar de maneira geral a
cada quanto tempo um analista deve retomar sua posição analisante (isso é caso
a caso). Mas, fundamentalmente – e esta seria minha segunda objeção – porque
não me parece que seja estritamente necessário voltar ao dispositivo freudiano
para que o analista dê lugar à condição analisante.
Como diz Lacan em O aturdito, fazer a experiência do final da análise pode
fazer que o analisado fabrique-se uma nova “conduta”, sem por isso supor que
seu inconsciente foi eliminado. Pelo contrário, é sobre a base de sua relação ao
inconsciente que o analisado poderia fazer-se uma conduta na vida em geral e em
sua relação com a psicanálise em particular, já que é desse inconsciente – como
diz Lacan – do qual oportunamente se vale para dar uma interpretação.
No meu caso, confesso-lhes que não somente continuo sonhando, como pode-
rão supor, mas também que continuo utilizando os sonhos (ao menos alguns) em
função de uma conduta que, hoje em dia, não considero senão no âmbito de mi-
nha relação com a Escola. Por esta razão, o título de minha intervenção em Paris
será: “O AnalistanalisantE”, tudo junto, expressão que tomei de Matías Buttini,2
um de meus colegas do FARP.
Passo então, agora sim, ao relato do único sonho (após o passe) em que aparece
quem fora meu analista. A situação era a seguinte: fazia parte da casa-consultório
de quem fora meu analista, onde também havia outras pessoas que pareciam per-
tencer a um grupo de estudos. O clima era de muito relax e diversão. Sobre uma
pequena mesa estava apoiado um livro de capa amarela, com algumas linhas de
outras cores (como se fossem serpentinas) e com algumas marcas (como se partes
de suas letras estivessem tachadas). Era uma publicação de quem fora meu analis-
ta e de alguns colaboradores, sobre o ato analítico. Pergunto, com interesse, sobre
o conteúdo da publicação, mas, quem fora meu analista, lhe retira todo valor e
importância. Finalmente, saio daquela casa-consultório, sentindo que não era de
todo bem-vindo. Até aqui o sonho.
O que rapidamente pude perceber foi o quanto a página inicial do livro do so-
nho se parecia com a versão impressa que tenho do Seminário 15. Sobretudo, pa-
recida com o cartaz de propaganda de um dos candidatos ao governo de Buenos
Aires. A estratégia publicitária dessa campanha gráfica era a seguinte: expunha-
-se, sobre um fundo amarelo com serpentinas coloridas, uma foto com o estereó-
tipo de pessoas com as quais, evidentemente, o candidato ao governo não sim-
patiza nem um pouco. Uma pessoa, por exemplo, com a camiseta do River Plate
(equipe de futebol para a qual torço) rival histórico do Boca Juniors (clube do qual
2 El analista-analizante. Trabalho de sua autoria apresentado na mesa do Espaço Escola das Jor-
nadas das AlSur, em julho de 2011.
referências bibliográficas
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textos preliminares para o XII Encontro Nacional da EPFCL/AFCL – Brasil.
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Encontro Nacional da EPFCL/AFCL – Brasil. Salvador, 2011.
SOLER, C. Acerca del sueño. In: Finales de análisis. Tradução de Graciela Brodsky
e Adriana Torres. Buenos Aires: Manantial, 2007. 150p.
resumo
O tema do presente trabalho é a lógica da interpretação, com es-
pecial atenção ao problema do final de análise e suas continua-
ções. Para tanto, tais questões são abordadas a partir da pergunta
sobre a função do sonho, mas para interrogá-lo a partir do sesgo
do objeto “pequeno a”, mais concretamente sua dimensão de voz.
Sob a expressão “voz-a nova”, reúno algumas das consequências
do final de minha análise e da experiência no dispositivo do pas-
se. Em minha experiência analítica, os sonhos e sua interpretação
tiveram um valor fundamental. O que gostaria de ressaltar da
experência inicial? Que o sonho não é o inconsciente, e muito
menos o inconsciente real. Entretanto, dá lugar ao real, não pode
provocá-lo, mas sim evocá-lo. Essa dimensão do real repercute
no sonho, abrindo o campo do sentido com suas vozes e resso-
nâncias.
palavras-chave
Voz, objeto, sonho, interpretação.
abstract
The theme of this work is the logic of interpretation, with parti-
cular attention to the problem of end of analysis and its sequels.
Therefore, such issues are addressed from the question about
the function of the dream, but to interrogate it departing from
the profile of the “little a” object, more specifically, its voice di-
mension. Under the “new voice-a” expression, I collect some of
the consequences of the end of my analysis and the experience
in the pass device. In my onw analytical experience, dreams and
their interpretation have had an essential value. What would I
like to highlight from the initial experience? That the dream is
not the unconscious, much less the unconscious real. However,
it makes way to real, it cannot provoke, but evoke it. This di-
mension of the real resonates in the dream, opening up the field
of meaning with its voices and resonances.
keywords
Voice, object, dream, interpretation.
1. Um significante irredutível
Ora, não seria excessivo afirmar que a interpretação, enquanto resposta pró-
pria do psicanalista, funda a especificidade de seu discurso. Sendo solidária da
transferência, é ela que permite ao psicanalista interferir, com seu ato, na tarefa
do analisante, isto é, na associação livre. Mas qual seria a visada dessa resposta
específica, que faz girar o discurso, fundando uma nova razão? Há, então, dois
aspectos que se colocam de saída e de modo imbricado: a questão da verdade e
a do sentido. Para Lacan, desde o início de seu ensino, a verdade revelada pela
decifração está menos no nível semântico que responderia “o que isso quer dizer”
e mais na estrutura de “como isso diz”. Aqui, é patente o deslocamento do plano
hermenêutico para o estrutural, já que não é possível encontrar o par ordenado
entre interpretante e interpretado, objeto e representação.
Dessa forma, a interpretação é menos um método para se alcançar a ver-
dade recalcada, ou uma técnica de decifração, do que a tática relativa a uma
política de cura.
2. Um dizer
Avancemos para o Lacan de 1972, para destacarmos esse ponto, que me parece
essencial: “é a partir do discurso em que se funda a realidade da fantasia que aqui-
lo que há de real nessa realidade se acha inscrito” (O Aturdito, p. 478). A questão,
portanto, que orienta os últimos dez anos do ensino de Lacan é exatamente esta:
como propor uma clínica que possa ser orientada pelo que há de real nessa reali-
dade? No Seminário 20 (1972-1973), por exemplo, Lacan formula essa ousadia da
clínica psicanalítica desse modo: “O sério (...) só pode ser o serial. Isto só se obtém
depois de um tempo muito longo de extração, de extração para fora da lingua-
gem, de algo que lá está preso” (p. 31).
Assim, por um lado, a interpretação deve visar extrair esse “algo” a partir da
produção do UM determinante, tal como lemos na escrita do discurso do psica-
nalista. Por outro lado, e eis o paradoxo, não há como operar essa extração a não
ser passando pelo sentido. Essa é a razão pela qual, no meu entender, Lacan pre-
cisará recorrer de modo simultâneo e indissociável a dois recursos: a criação de
uma subversão no plano da lógica pela via do matema (sobretudo as fórmulas da
Assim, é graças à interpretação que o analista, com seu dizer apofântico, pode
operar sobre os modos redutivos da demanda neurótica que envelopa o conjunto
dos ditos e extrair daí um dizer. Aqui, é preciso tomar a etimologia da palavra
apofântico: apo (embaixo) e phaos (luz). É curioso que Lacan, após afirmar que o
dizer da interpretação tem o estatuto apofântico, retoma o fato de que ela incide
sobre a causa do desejo. E completa: “causa que ela revela” – poderíamos acres-
centar: mostra. E mais à frente, ele afirma que “a estrutura é o real que vem à luz
na linguagem”. A questão fundamental aqui colocada é que à extração do “um
dizer” corresponde o ab-sens, o não senso, o sem sentido, e a não relação sexual.
Por quê? Ora, afirma Lacan:
O essencial do que disse Freud, é que há a maior relação entre esse uso das
palavras em uma espécie que tem palavras à sua disposição, e a sexualidade que
reina nessa espécie. A sexualidade é inteiramente tomada nessas palavras, esse é
o passo essencial que ele deu. É muito mais importante do que saber o que quer
dizer (Conferência de Bruxelas em 26/02/1977).
3. Um significante novo
deiras e jogos com a língua. Mas, atenção, pois há aqui uma precisão importante:
são eles, os jogos de linguagem, que jogam conosco, exceto – como observa Lacan
– “quando os poetas os calculam e o psicanalista se serve deles onde convém” (O
Aturdito, p. 493). À homofonia poderíamos acrescentar também a homonímia e o
próprio jogo inter-línguas diferentes, cujo paradigma é o texto de Joyce.
Neste ponto, eu gostaria de fazer uma observação que me parece importante
e que diz respeito ao cálculo poético. Frequentemente ouvimos que o texto de
Joyce não tem sentido. Talvez pudéssemos corrigir essa afirmação, dizendo que,
se nos ativermos apenas à semântica, talvez ela fracasse na significação (Bedeu-
tung). Mas quanto ao sentido, o que encontramos é uma proliferação tão grande,
que ele perde o valor (lembrem-se do valor de verdade da fantasia), apontando
então para o ab-sens. Cada frase de Joyce foi construída como uma escultura, de
modo totalmente artificial e calculado. Não se trata de uma escrita automática.
Considero esse ponto importante, porque me parece que Lacan faz disso uma
espécie de paradigma metodológico, apresentado no próprio título do Seminário
L’insu (op. cit.).
Assim, me parece que Lacan está propondo em ato (pó)ético a mostração (para
além da demonstração) do que ele chamou no Seminário 23 (op. cit.) de usar até
gastar. A questão inicial da relação entre a verdade e o sentido desloca-se para a
de como “se virar” de forma inédita com a não relação entre o real e o sentido que
o sinthoma escreve. Lacan apela à topologia da planificação dos nós – rodinhas
de barbante (ronds de ficelles) que em francês também quer dizer “truque” – jus-
tamente para realizar a “mostração” da impossibilidade de aceder ao “peso do
real” sem os “sedimentos de linguagem”. Não nos esqueçamos que no “nó bo” o
sentido está no enodamento do imaginário e do simbólico, já que o real ex-siste ao
sentido. Usá-lo até gastar! Eis a escroqueria, a trapaça do psicanalista.
Na conferência proferida em Bruxelas (op. cit.), Lacan volta às histéricas, real-
çando que foi o Discurso da Histérica e seu encontro com o psicanalista que criou
um laço social sem precedentes na história: o Discurso do Psicanalista. “Elas, as
histéricas, evidentemente não sabem o que dizem com seu blá blá blá e seu chiqué,
sua metidez”, sua verdade mentirosa – como dirá Lacan em outro lugar. Eis o
inconsciente Une-bévue, corpo de palavras, que nada tem a ver com as represen-
tações. Nessa mesma conferência ele afirma que a psicanálise não tem outra saída
a não ser passar pelo sentido e, necessariamente, pelas palavras. Lacan diz que aí
chega Freud nos Estudos sobre a histeria (1893-1895): “é com palavras que isso se
resolve e é com palavras da própria paciente que o afeto se evapora”.
Eis, no meu entender, o que faz com que em Momento de concluir (op. cit.) ele
diga que a Psicanálise é a “prática da tagarelice”, e uma prática – ressalta – eficaz.
E indague: “Como é preciso que o analista opere para ser um retórico conveniente?”.
Vimos que Lacan já havia advertido que o analista usa os jogos de linguagem,
assim como os poetas, quando lhes convém. Como sabemos, Lacan não é inocen-
te. Ele, que vinha havia um bom tempo definindo a psicanálise como práxis – ou
seja, a modalidade de ato na qual, para Aristóteles o agente, a finalidade e a produ-
ção são indissociáveis –, nos últimos seminários cria um neologismo (pouâte) que
articula o ato com o poeta, remetendo então a poiesis (Arte), cuja característica,
para Aristóteles, é justamente a de uma produção (obra) que apresenta um caráter
externo em relação ao agente. Esse é um terreno fértil para ser explorado, sobre-
tudo no que diz respeito à relação entre o papel do saber, o tipo de formação e
experiências implicadas em cada uma dessas ações, bem como o lugar da intenção
e da deliberação em cada uma delas, e ainda como as modalidades (necessário,
possível e contingente) aí comparecem.
Parece-me, entretanto, que mais uma vez Lacan está aqui operando uma sub-
versão nessa separação aristotélica. É evidente, também, que a poiesis aristotélica
não se restringe à poesia e que, por outro lado, Lacan está nesse momento conver-
sando com Jakobson, para quem “qualquer tentativa de reduzir a esfera da função
poética à poesia, ou de confinar a poesia à função poética seria uma simplificação
excessiva e enganadora” (1969 p. 128). Na função poética, a ênfase é dada na men-
sagem em si e não no que ela comunica.2 Aqui, Lacan pontua o efeito poético não
pela via da criação de sentido como havia feito em A instância da letra (op. cit.).
Aqui, prioriza-se a ressonância, o som: “o forçamento por onde um psicanalista
pode fazer ressoar outra coisa que o sentido” (L’insu, aula de 19/04/1977). Eis
a suficiência poética do psicanalista que está, desde sempre, no cálculo tático e
na conveniência da resposta à orientação real do “nó bo”, que foraclui o sentido
apontando para o ab-sens. Essa outra ressonância, afirma Lacan, nada tem a ver
com o belo: “Uma prática sem valor, eis o que trataria para nós de instituir” (Ibid.).
2 Para um maior aprofundamento nesta questão, tomei por referência a conferência de Silmia
Sobreira, apresentada nas Conferências de AME do FCL-SP: “Um significante novo: por que não?”.
referências bibliográficas
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Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. 201p.
_________. (1973). O Aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução de Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 448-497.
_________. (1975-76). O Seminário, livro 23: o sinthoma. Tradução de Sergio
Laia; revisão André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, 249 p.
_________. O Seminário: L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre. (1976-77)
Inédito.
_________. Conferência de Bruxelas. (1977). Inédita.
_________. O Seminário: Momento de concluir. (1977-78). Inédito.
resumo
No Seminário L’insu (1976-1977) Lacan lança uma pergunta:
seria o psicanalista poeta o suficiente? Esta é a provocação que
ele nos deixa, afirmando a seguir que “apenas a poesia permite
a interpretação”. Em meu desenvolvimento, destacarei que a ar-
ticulação entre interpretação e poesia – portanto, as leis da lin-
guagem – está presente no ensino de Lacan pelo menos desde A
instância da letra (1958). Lacan demonstrou – com Freud – que
o sintoma, assim com o sonho, é uma cifra cuja lógica responde
às mesmas leis que regem a combinatória significante: a metáfora
e a metonímia. A estrutura metafórica, especificamente, produz
um efeito de significação que é de poesia ou criação. Seria, então,
a interpretação, homóloga à estrutura do inconsciente? Vou ten-
tar encaminhar esta questão com base em três breves recortes: 1.
Um significante irredutível; 2. Um dizer; 3. Um significante novo.
palavras-chave
Interpretação, função poética, Aturdito.
abstract
In the Seminar L’Insu (1976-77), Lacan poses a question: Would
the Psychoanalyst be poet enough? This is the provocation he
leaves us with, further affirming that “only poetry allows in-
terpretation”. In my development, I will highlight that the ar-
ticulation between interpretation and poetry, and therefore the
laws of language, are present in Lacan’s teaching since at least
The instance of the letter (1958). Lacan has demonstrated – with
Freud – that the symptom, as well as the dream, is a metaphor,
a code whose logic responds to the same laws which orient the
significant combination: a metaphor and a metonym: the meta-
phoric structure, specifically, produces an effect of signification
which is poetry or creation. Would the interpretation then be
equal to the structure of the unconscious? I will try to work
on this question departing from three short perspectives: 1) An
irreducible significant; 2) A saying; 3) A new significant.
keywords
Interpretation, poetic function, Aturdito.
recebido
16/02/2012
aprovado
26/02/2012
Antonio Quinet
O analista para se diferenciar dos outros agentes dos laços sociais, não deve res-
ponder diretamente à questão de quem o procura e sim fazê-lo falar. A singularida-
de de sua resposta reside, segundo Lacan, não no enunciado e sim na enunciação.
Trata-se de uma resposta enviesada, à côté, uma para-resposta, regida pela ética da
psicanálise. O analista está advertido do poder de comando de todo enunciado e
de que é por sua enunciação que se coloca o desejo do analista. Quais as condições
da enunciação da resposta do analista chamada classicamente de interpretação?
Lacan nos aponta embaraço do termo interpretação para se nomear o dizer do ana-
lista, pois ele advém de “campos tão díspares quanto o oráculo e o fora-do-discurso da
psicose”. (LACAN, 1973/2003, p. 492).
Esta última é a resposta pela via do sentido por excelência. Na paranoia, ela
preenche o vazio da significação com um sentido ditado pelo postulado do de-
lírio. Toda interpretação pela via do sentido é paranoica, na medida em que se
refere a alguma significação pre-estabelecida. Ela é o avesso à ética da psicanálise
que nos orienta para a desalienação dos sentidos pré-fixados.
A interpretação oracular é feita pela via do signo. Lacan desde 1958 evoca o orá-
culo como exemplo de interpretação analítica: “Intérprete do que me é apresenta-
do em falas ou atos, decido acerca de meu oráculo e o articulo a meu gesto, único
mestre/senhor a bordo” (p. 594). E mais tarde cita Heráclito: o oráculo, como o
analista, não revela nem oculta, ele faz signo, dá um sinal. Em grego, a palavra
oráculo significa palavra obscura, enigma - que deve efetivamente ser o status da
interpretação analítica como forma de semi-dizer. No entanto, ela corre o risco
de ser tomada como vaticínio, fazendo com que o analisante leia seu destino no
enunciado oracular como Édipo, Rei.
Como sair do embaraço? Freud aponta o caminho: que o analista siga os cami-
nhos trilhados pelo artista. Tomemos, então, o termo INTERPRETAÇÃO como
interpretação de uma obra musical ou teatral. O músico interpreta uma obra com
seu instrumento, um ator interpreta um texto de um autor. A arte do analista
consiste na sua interpretação dos ditos do analisante. Vejamos o que essas moda-
lidades da interpretação artística ensinam ao analista.
1 Jacques Lacan, O saber do psicanalista, cujas três primeiras conferências foram editadas como
Estou falando com as paredes.
A mise-en-acte do analista
referências bibliográficas
JOYCE, J. Um retrato do artista quando jovem. Tradução de José Geraldo Vieira.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, 294 p.
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1968, 225 p.
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LACAN, J. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
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paredes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2011. 103p.
_________. (1973). O Aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução de Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003, p. 448-497.
_________. (1976). Joyce, o Sintoma. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução de
Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003, p. 560-566.
resumo
Nesse artigo o autor interroga as condições da enunciação da
resposta do analista chamada classicamente de interpretação,
cujo termo advém de campos tão díspares. Inicialmente como
oráculo, que toma a via do signo e do enigma, correndo o risco
de ser tomada como vaticínio e também como fora-do-discurso
das psicoses, que toma o sentido paranoico como sua via por
excelência, portanto avessa à ética da psicanálise por referir-se
a uma significação pré-estabelecida. Para sair do embaraço de
nomear o dizer do analista com esse termo, o autor lembra que
Freud indicava o caminho trilhado pelo artista, ou seja, o da
interpretação musical ou teatral, justificando ao longo do texto
a escolha da sua trilha pelo inconsciente musical de lalíngua e a
mise-en-acte do analista.
palavras-chaves
Interpretação, lalíngua, mise-en-acte do analista.
abstract
In this article the author questions the conditions of enunciation
of the analyst’s answer classically called interpretation, whose
term originates from diverse fields. Oracle at first, it follows the
way of the sign and the enigma, running the risk of being ta-
ken as prophecy and also as out of the discourse of the psycho-
ses, which takes the paranoid sense as its route par excellence,
thus resistant to the ethics of psychoanalysis for referring to a
pre-established signification. To get out of the embarrassing si-
tuation of labeling the saying of the analyst with such a term, the
author recalls that Freud would point to the path followed by the
artist, in other words, that of musical or theatrical interpretation,
justifying along the text the choice for his path by the musical
unconscious of lalingua and the mise-en-actedo analyst.
keywords
Interpretation, lalingua, mise-en-acte do analyst.
recebido
30/07/2012
aprovado
10/08/2012
Sonia Borges
Com esta provocação, Lacan não só radicaliza a sua crítica à concepção her-
menêutica de interpretação, como ratifica a ideia do equívoco como o seu pa-
radigma: tal qual o ready-made, a interpretação deve apontar para os limites
da representação ou da linguagem, para o impossível de se dizer a coisa, para
o real.
Mas, o que é o ready-made, modelo para a interpretação? Segundo Pierre Ca-
bane (2008), um dos mais importantes críticos da obra de Duchamp, este objeto-
-arte pode ser pensado como “uma janela para alguma outra coisa”. Não seria esta
a função da interpretação?
Lacan diz de passagem que, embora o relacionem principalmente aos surrea-
listas, considera-se próximo do dadaísmo. O dadaísmo nasceu por volta de 1916
e congregou artistas plásticos, poetas e músicos que se rebelavam contra as ideias
burguesas existenciais e estéticas então vigentes. Para isso, tinham como arma
criações artísticas que veiculavam suas ideias pela via da ironia, da piada, do tro-
cadilho, ou melhor ainda, do non-sense.
que leva o sujeito a aceder a tais significantes que mostram a sua alienação ao
dito, ou à demanda do Outro. Em A direção do tratamento e os princípios de seu
poder, Lacan (1958/2005, p. 640) afirma: “é de uma fala que suspenda a marca que
o sujeito recebe do seu dito, e apenas dela, que poderia ser obtida a absolvição que
devolveria seu desejo”.
Assim sendo, pode-se perguntar: o que se faz, então, em uma análise? Decifra-
-se, ou se cria a partir do que já está ali? As duas coisas, certamente, pode-se res-
ponder. Decifrando-se, tem-se os efeitos de desalienação que, justamente, abrem
as possibilidades para o processo criativo que se pode experimentar no trabalho
analítico além do deciframento. Além do deciframento, porque esse é o ponto
em que o significante não mais representa o sujeito para outro significante, mas
o apresenta pela via de uma modalidade pulsional, a letra. Ponto ignorado pela
ciência, já que para se fazer exige a transgressão de que só o fazer poético é capaz.
O poético, que tomamos aqui no sentido grego do termo que, em uma de suas
acepções, remete à criação, àquilo que se opõe à theoria enquanto contemplação,
e à práxis como ação.
É com a poesia que Lacan, sobretudo a partir de 1970, esclarece o que é o ato
analítico, ressaltando que “a língua é fruto de uma maturação, de um amadureci-
mento de alguma coisa que se cristaliza no uso; já a poesia releva de uma violência
feita a este uso” (LACAN, 1976-1977/2005, lição de 15/03/1977). A poesia, assim
como toda arte, subsiste dessa violência que provoca na língua e, consequente-
mente, na cultura, transmutando o impossível em contingência. Quando Lacan
recomenda que a interpretação produzida pelo ato analítico tenha efeito de equí-
voco, assim como o ready-made o tem sobre os espectadores nos museus, e até
sobre os críticos, aponta para o seu necessário efeito de transgressão, travessia, de
ato no sentido estrito:
[...] enquanto está escrita, a obra [aqui Lacan se refere à escrita literária] não
imita o efeito do inconsciente. Ela coloca dele o equivalente, não menos real que
ele, por forjá-lo em sua inflexão (LACAN, 1977, apud LEITE, 2011, p. 37).
Lacan está pensando em situar o inconsciente (...) não pela via destra e mestra
do significado, mas pela via canhestra e sinistra do significante; não por uma via
prevista e insuspeita do acesso, mas, por um desvio imprevisto (...) insuspeito do
insucesso.
referências bibliográficas
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COCCHIARALE, F. Quem tem medo da arte contemporânea? Recife: Fundação
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LACAN, J. (1964). O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da
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_________. (1958). A direção do tratamento. In: LACAN, J. Escritos. Tradução
de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 591-652.
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TE, N. (orgs.). entreAto – o poético e o analítico. Campinas, SP: Mercado das
Letras, 2011, p. 53-58.
resumo
Este artigo discute a orientação de Lacan para o trabalho de
interpretação à luz de sua surpreendente afirmação: A interpre-
tação é o ready made, Marcel Duchamp [...], na conferência A
terceira, de 1974. Com esta “definição” da interpretação, Lacan
não só radicaliza a sua crítica à perspectiva hermenêutica da
interpretação, como ratifica a ideia do equívoco como sendo o
seu paradigma. O ready-made, pelo fato de mostrar silencio-
samente o que é um objeto, ou a falta essencial que habita e
sustenta todo objeto, esclarece que é jogando com as palavras
de forma provocativa que se pode ir além do deciframento dos
significantes primordiais, sem, contudo, “engordar os sintomas
com significados”.
palavras-chave
Psicanálise, interpretação, sintoma, ready- made.
abstract
This article discusses Lacan’s orientation for the work of inter-
pretation in light of his amazing statement: Interpretation is the
ready-made, Marcel Duchamp […], made in the conference The
third, in 1974. With this definition of interpretation, not only
does Lacan radicalize his criticism to the hermeneutic pers-
pective of the interpretation, but also ratifies the idea of having
equivocation as his paradigm. For the fact of silently showing
what an object is, or the essential lack which inhabits and sus-
tains any object, the ready-made makes it clear that it is playing
with words in a provocative way that one can go beyond the de-
ciphering of the primordial signifiers without, however, “fatte-
ning the symptoms with meanings”.
keywords
Psychanalyse, interpretation, symptom, ready-made.
recebido
16/02/2012
aprovado
27/03/2012
Luis Izcovich
mais sutil e, ao mesmo tempo, introduz uma exigência superior. Não é suficiente
considerar que a transferência condiciona a interpretação, mas também é neces-
sário haver atravessado a experiência do final de análise. Percebe-se que o que está
em jogo, de um modo implícito, é o momento em que um analisante se autoriza
como analista. É um fato da clínica analítica, ao menos nestas últimas décadas,
que o momento da passagem, ou seja, da autorização, precede, salvo alguma exce-
ção, o momento do final de análise.
Admitimos, portanto, que não é necessário o final de análise para produzir
uma interpretação feita intencionalmente? E se assim for, contradiremos o Lacan
de 1958 ou isto quer dizer que sua proposição não tem mais vigência? Se bem que,
como eu dizia, na passagem a analista se trata de um ato do analisante, na maioria
dos casos é um ato sob transferência.
Que o ato de autorizar-se seja sob transferência ou após concluída uma análise
não é a mesma coisa, no entanto, ambas as situações possuem um denominador
comum: é o analista quem dirige o tratamento até o ponto em que a autorização
é possível. Que o ato de autorizar-se implique o analisante e também o analista
significa que também faz parte da responsabilidade do analista o momento em
que um analisante se autoriza no ato de passagem a analista.
As razões da proposição de Lacan articulando interpretação e final de análise
estão também implícitas desde o texto de 1958 e se tornam explícitas quando
colocam que a leitura do texto inconsciente, embora essencial, é somente uma
concepção restrita da experiência. Na mesma direção, Lacan assinala o limite da
perspectiva freudiana que consiste em dar sentido ao sintoma, ou quando evoca
a elucubração freudiana. Trata-se de uma encruzilhada dada pelo fato de que a
leitura dá sentido ao sintoma, mas traz em si um saber que não tem limite.
Lacan dá uma saída para essa encruzilhada propondo uma volta suplementar,
que não é a de uma nova leitura, mas a da análise como escritura. Em relação ao
sentido do sintoma, Lacan propõe um mais além, que não é o real como falta de
sentido, mas o real como sentido a partir do sem sentido. Finalmente à elucubra-
ção freudiana, Lacan dará sua resposta: o real do sinthome.
Deduz-se que a proposta é a análise como escritura do sintoma, o que não é um
mais além que continua a concepção freudiana. Trata-se, melhor dizendo, de uma
descontinuidade que permite afirmar, em alguns casos de reanálise, que se trata
de uma contraexperiência. E é o início o que determina que seja verdadeiramente
uma contraexperiência, sem o qual, há o risco, como em muitas análises, de que
se deem voltas sem que se apanhe o real.
Concebem-se duas políticas diferentes para a psicanálise se a limitarmos a uma
prática de leitura ou se incluirmos como perspectiva a possibilidade de que o real
do sintoma se inscreva como marca no corpo. E, ambas as políticas repercutem na
referências bibliográficas
LACAN, J. (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In:
_______. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1998, p. 591-652.
_________. (1964). O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1973,
271p.
palavras-chave
Interpretação, final de análise, direção do tratamento.
abstract
The article brings an important articulation between interpre-
tation and the end of an analysis. It is questioned if the one who
has not taken his/her own analysis until the end would be able
to ascertain the direction of an analysis, or also to come up with
an interpretation “á bonescient”, that is, an intentional interpre-
tation which is done with full knowledge of the case and based
on an objective. The author concludes defending Lacan’s thesis,
present in The direction of the treatment since 1958, that having
gone through the experience of end of analysis, not only is it
necessary to get to know to what the conclusion refers to, but
also it conditions the pertinence of the interpretation.
keywords
Interpretation, end of analysis, direction of treatment.
recebido
30/07/2012
aprovado
10/08/2012
Não obstante, Lacan já estava ali atento aos efeitos de significante que bordea-
vam um elemento faltante. E seguia a tese de que a interpretação poderia produzir
algo novo. Conforme escreveu, uma interpretação, para decifrar a diacronia da
repetição inconsciente “deve introduzir na sincronia dos significantes, que nela se
compõem algo que, de repente, possibilite a tradução (…) sendo a propósito dele
que aparece o elemento faltante” (Ibid.).
Encontramos, em seu Seminário 11, uma citação que bem conversa com essas
colocações iniciais. Com a ressalva de que podemos localizar, nas transcrições de
1964, uma formalização do resto faltante e a inclusão (êxtima) do Real na estrutu-
ra. Lacan tinha dado seu passo de invenção, a saber, o objeto pequeno a:
A interpretação não é aberta a todos os sentidos. Ela não é de modo algum não
importa qual (...) O que é essencial é que ele [sujeito] veja, para além dessa signi-
ficação, a qual significante – não-senso, irredutível, traumático – ele está, como
sujeito, assujeitado (LACAN, 1964/1985, p. 237).
Havia, com Lacan, uma clara orientação para que o psicanalista fizesse ressoar
o que não fosse o sentido. Vejamos mais uma citação: “O sentido, isso tampona;
mas com a ajuda daquilo que se chama escritura poética vocês podem ter a di-
mensão do que poderia ser a interpretação analítica” (LACAN, aula de 18 de abril
de 1977, inédito).
O que seria, então, uma escritura poética? Qual sua articulação com a interpre-
tação analítica? Pela via do equívoco (une bévue) e com o que este porta de enig-
ma, afirmaríamos que seria justamente aquilo que vai na contramão do inflar de
sentidos? Tanto por declarar o fora de sentido, quanto por exercitar o cúmulo de
sentido? Aquilo que produz o furo por seu efeito de escritura? De uma escritura
que permite, enfim, uma leitura anortográfica, conforme Lacan sugerira em seu
Posfácio ao Seminário 11? Leitura que conta (e canta) o tom e o som e que permite
apontar algo do impossível?
Lacan perseverava. Na IV Jornada de estudos dos Cartéis da Escola Freudiana
– sessão de encerramento, ele afirmou a antinomia entre o sentido e o real e nos
mostrou que uma interpretação teria a ver com o real apenas quando a dosásse-
mos. Que uma interpretação incida sobre a causa do desejo, isso declara o ab-
senso. O que é aqui dedutível é o ab-senso da relação sexual. O objeto a, causa de
desejo, desnudado em uma análise, mostra o impossível: o não há relação sexual.
Apenas pontuemos, para seguirmos, que em seu discurso A terceira, Lacan colo-
cara em homologia, justamente quanto ao não-senso, o S1, essa contingência (de
onde provém o necessário), e o objeto a (este pedaço de real).
Do mesmo modo, temos elementos para seguirmos com a asserção segundo
a qual a incisão da interpretação sobre a causa de desejo dá-se como um tiro no
coração que erra o alvo. A Carta aos italianos, de 1974, permite-nos esta leitura.
Incidir sobre a causa de desejo, isso surge como o possível de um dizer:
Existe o objeto (a). Ele ex-siste agora, por eu o haver construído. Suponho que
se conheçam suas quatro substâncias episódicas, que se saiba para que ele serve,
por se envolver da pulsão pela qual cada um se mira no coração e só se chega lá
com um tiro que erra o alvo (LACAN, 1974-2003, p. 314).
gozo fálico não aproxima as mulheres dos homens, mas bem as afasta deles, porque
este gozo é obstáculo para acasalá-las com o sexuado da outra espécie” (Ibid., p. 51).
Parece-me relevante frisar que esta noção de suplemento aponta para a não
equivalência entre o homem e a mulher. O que convoca os dizeres de Lacan sobre
o sinthoma. Ele destacou, em seu Seminário 23, que no sinthoma não há equiva-
lência entre o homem e a mulher. Mais ainda, não há equivalência e há relação.
Verifiquemos detidamente a citação:
ressalta seu caráter enigmático e nos diz que elas podem ser lidas como algo que
aponta o Real: “O enigma é uma questão de enunciação, da relação do enunciado
com a enunciação”, sendo a enunciação: “o enigma elevado à potência da escrita”
(LACAN, 1975-76/2007, p. 150). Voltamos ao ponto da escritura. E aqui, quiçá,
possamos assistir ao encontro da escritura poética com o dizer.
Através do enigma, pela prática do equívoco, ser-nos-ia possível reduzir os sig-
nificantes ao não-senso. S1. Esse-Um. E, desde essa produção, “errar o alvo” que
atingiria o objeto a. Conforme Lacan anunciara em Radiofonia, seria como acuar
o impossível de tal modo que a impotência (da fantasia) possa mudar de modali-
dade. O que indica um gozo suplementar ao gozo fálico: S( ). Eis uma orientação
que concerne ao suplemento.
Pois bem, desde o equívoco (une bévue) Lacan nos propõe, novamente em O
Aturdito, três dimensões da interpretação: a homofonia, a gramática e a lógica.
“Os equívocos pelos quais se inscreve o lateral de uma enunciação concentram-
-se em três pontos nodais” (LACAN, 1972/2003, p. 494) – com nenhum deles
começando primeiro: a homofonia (da qual depende a ortografia – ou a anor-
tografia). Lembremos, desta feita, da homonímia (homofonia e homografia). A
gramática (letra) que conforme Lacan colocara em Televisão “serve de trave para
a escrita e atesta um real que, por sua vez, permanece como enigma” (LACAN,
1973/2003, p. 515). Donde ele sugere que prestemos atenção no que seria da amor-
fologia. E, finalmente, a lógica “sem a qual a interpretação seria imbecil” (LA-
CAN, 1972/2003, p. 494).
A lógica, Lacan insiste: o “formalizado”, aquilo que é próprio do matema, isso
pode existir desde paradoxos, que nos fazem apostar, e dar um tratamento não tri-
vial à contradição. Tirar proveito de se proibir esse fundamento (da contradição), eis
uma relevante chave clínica. Conforme Lacan bem ponderou em seu Momento de
concluir: “O inconsciente, diz-se, não conhece a contradição, e é exatamente por isso
que é preciso que o analista opere por intermédio de alguma coisa que não se baseie
na contradição” (LACAN, Momento de concluir, aula de 15 de novembro de 1977).
Desde que se possa configurar uma prática que, enfim, aposte na importân-
cia do equívoco nestes três pontos nodais (a homofonia, a gramática e a lógica),
pareceu-me interessante pensar, por torção temporal, em dois pontos sublinhados
por Lacan em seu Direção da cura. Com o primeiro, referente ao alcance da inter-
pretação em Freud, Lacan nos lembra da tendência (fruto do advento do signifi-
cante) que se designa por Trieb. Lacan enfatizava, então, a importância da pulsão
para a interpretação. Outrossim, nos vestígios do que se poderia chamar “linhas
de destino do sujeito” (LACAN, 1958/1998, p. 603), ele atribuía relevância à ambi-
guidade que operou o veredito de Tirésias (lembremos que ao declarar que seria a
mulher, em uma comparação com o homem, quem mais teria prazer, o adivinho
de Tebas teria provocado a ira de Hera, já que revelava a relação da mulher com a
ordem fálica). A pulsão e o preliminar da mulher não-toda, quiçá isto nos indique
algo que mais tarde fora lido por suplemento.
Como a homofonia e a gramática não andam sem a lógica (esta lógica que per-
mite-se não seguir o princípio da razão referente à contradição), frisaria, com o
intuito de estabelecer uma conclusão possível, o segundo ponto, qual seja, uma
asserção (lógica) de Lacan: “Uma interpretação só pode ser exata se for... uma
interpretação” [grifo meu] (LACAN, 1958/1998, p. 607).
referências bibliográficas
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LACAN, J. (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In:
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________. (1964). O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da
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________. D’Ecolage. (1980). Inédito.
resumo
A proposição lacaniana, encontrada em O saber do psicanalista,
segundo a qual a definição de interpretação seria “a interven-
ção de um analista no discurso de um sujeito, procurando ali
um suplemento de significante”, serviu de inspiração para este
texto. No texto, Lacan nos alertou que o analista não seria, de
modo algum, um nominalista. Um analista, em sua práxis, não
buscaria as representações do sujeito. Algo desta posição, ética,
nós podemos encontrar desde os primórdios do ensino de La-
can. Seguir-se-ão alguns de seus comentários, em conformida-
de com certa cronologia, até aportar nesta noção de suplemen-
to, o que nos indica uma orientação “feminizante” para uma
análise. Que em um possível final de análise possa não haver
equivalência entre o homem e a mulher, isso aponta para um
gozo suplementar em relação ao gozo fálico.
palavras-chave
Significante, suplemento, objeto a, equívoco (une-bévue),
interpretação.
abstract
The Lacanian proposition, found in The knowledge of
the Psychoanalyst, according to which the definition of in-
terpretation would be: the intervention of an analyst in the
discourse of a subject, looking out there for a supplement
of significant, has served of inspiration for this text. Here,
Lacan has warned us that the analyst would not be, in any
way, a nominalist. One analyst, in his/her practice, would not
seek the representations of the subject. Something from this
position, ethics, we can find, since the beginning of Lacan’s tea-
ching. Some of his comments are to follow, in accordance with a
certain chronology, until this notion of supplement is reached,
what it points to us a “femininizing’ orientation to an analysis.
That at a possible end of analysis there can be no equivalen-
ce there can be no equivalence between a man and woman, this
points to a supplementary jouissance compared to the phallic
jouissance.
keywords
Significant, supplement, object little a, equivocal (une-bévue),
interpretation.
recebido
16/02/2012
aprovado
28/03/2012
Bárbara Guatimosim
Então como pode ocorrer que pela operação do significante, haja pessoas que
se curem? Pois é exatamente disso que se trata. É um fato que há pessoas que se
curam. Freud salientou bem que não era necessário que o analista fosse possuído
pelo desejo de curar: mas é um fato que há pessoas que se curam (...) Como isso é
possível? Apesar de tudo o que eu disse na ocasião, não sei nada sobre isso. É uma
questão de trucagem. Como é que se sussurra ao sujeito que se tem em análise
alguma coisa que tem como efeito curá-lo; essa é uma questão de experiência na
qual desempenha um papel, o que eu chamei de sujeito suposto saber. Um sujeito
suposto é um redobramento. O sujeito suposto saber é alguém que sabe. Ele sabe
o truque, já que falei de trucagem, no caso: ele sabe o truque. A maneira pela qual
se cura uma neurose.
Devo dizer que no passe, nada anuncia isso; devo dizer que, no passe, nada dá
testemunho de que o sujeito saiba curar uma neurose. Fico sempre esperando que
alguma coisa me esclareça sobre isso. Gostaria muito de saber por alguém que
desse testemunho disso no passe, que um sujeito – já que é de um sujeito que se
trata – é capaz de fazer mais do que aquilo que eu chamarei de tagarelice habitual;
pois é disso que se trata. Se o analista não faz mais do que tagarelar, pode-se estar
certo de que ele erra sua jogada, a jogada que é de efetivamente remover (lever) o
resultado, isto é, o que se chama de sintoma. Tentei falar mais longamente sobre o
sintoma (symptôme). Até mesmo o escrevi em sua ortografia antiga. Por que razão
eu a escolhi? “S-i-n-t-h-o-m-e”, seria evidente um pouco demorado explicar-lhes.
Escolhi essa maneira de escrever para sustentar o nome sintoma (symptôme), que
hoje em dia é pronunciado, não se sabe bem por que, “symptôme”, isto é, algo que
evoca a queda de alguma coisa, já que “ptoma” quer dizer “queda”.
O que cai junto é alguma coisa que não tem nada a ver com o conjunto. Um
sintoma (sinthome) não é uma queda, embora pareça. A tal ponto que considero
que vocês todos aí, como estão, têm como sinthoma, cada um, sua cada uma. Há
um sinthoma ele e um sinthoma ela. É tudo o que resta do que se chama de relação
sexual. A relação sexual é uma relação intersinthomática. É por isso que o signifi-
cante, que é também da ordem do sinthoma, opera. É bem por isso que suspeitamos
a maneira pela qual ele pode operar: é por intermédio do sinthoma. Como então
comunicar o vírus desse sinthoma sob a forma do significante? Foi o que tentei ex-
plicar ao longo de meus seminários. Creio que hoje não posso dizer mais nada sobre
isso (LACAN, Conclusões – Congresso sobre transmissão, 1978, p. 66).
1 “Eis por que uma vacilação calculada da ‘neutralidade’ do analista pode valer, para uma histé-
rica, mais do que todas as interpretações, com o risco de transtorno enlouquecido que disso pode
resultar. Desde, é claro, que esse transtorno enlouquecido não acarrete o rompimento e que a
sequência convença o sujeito de que o desejo do analista não teve nada a ver com isso.” Ver mais
sobre essa questão em Lacan, Subversão do sujeito e dialética do desejo, Escritos, p. 839.
2 Falando sobre o que se pode obter dos erros e construções falsas do analista, Freud cita as
palavras de Polônio a Reinaldo, em Hamlet: “(...) frequentemente ficamos com a impressão de
que, tomando de empréstimo as palavras de Polônio, nossa isca de falsidade fisgou uma carpa de
verdade”. Construções em análise, p. 296.
3 Lacan, Seminário XVII, O avesso da psicanálise, p. 34-35. A citação também é um meio dizer, e
ainda uma enunciação que apela ao nome, chama pela autoria.
Depois da virada, nos anos 1970, no ensino de Lacan, nem o sujeito, nem o
desejo podem ser concebidos sem o nó borromeano. Com o suporte da topologia
pode ser mais interessante vermos como se dão os efeitos lógicos e subjetivos na
materialidade das operações de interpretação e do ato analíticos.
O convite à associação livre faz a fala puxar um fio, de modo geral contínuo, e
segue tomando a coloração imaginária, que é a dimensão da transferência espe-
cular amodiosa convocada pela tarefa analisante. Para que a análise não se feche
nesse registro, o analista, apoiado na estrutura nodal, deve se encontrar no campo
de obstaculização, produzindo os pontos de castração, pontos de corte, que são
também pontos de amarração, ou seja, pontos de engajamento e enodamento,
onde entram em jogo e em cena os registros simbólico e real. A associação livre
convoca no analista a interpretação e o ato, pois toda vez que a fala analisante ten-
ta passar incólume pelos pontos de castração, a intervenção do analista deve ser
acionada, desde que sua atenção esteja topologicamente orientada para os pontos
de corte e não para ele exibir a performance de sua atuação.
Em RSI, Lacan nos dá a frase enxuta que reduz o mito de Édipo à estrutura
da castração: “O buraco é a interdição do incesto” (lição de 15/04/75). O nome
do pai, não só como nome, mas como nomeador, atua em sua função não só na
historieta de cada um, não apenas como personagem, mas enquanto operador
estrutural: aquele que faz buraco. Os judeus, segundo Lacan, sabem dizer isso:
“Eu sou o que sou, isto é, um buraco” (Ibid.). Nesse buraco o nome que operou
pode ser engolido no turbilhonamento do nó, mas também pode ser cuspido de
volta. Vemos isso na clínica quando, aparentemente para um sujeito, o pai e o
enodamento borromeano parecem não estar operando – o que coloca em ques-
tão a estrutura como, por exemplo, em casos graves de inibição. Eis que alguma
Quase toda criança pode saber fazer uma trança, e, uma vez feita, o gesto é au-
tomático (fig. 1); mas mesmo tendo a trança como base, saber fazer o nó é outra
história. Nesse sentido, a amarração nodal é o próprio percurso analítico, cami-
nho que revela a não proporção sexual e ao mesmo tempo perfaz um modo, para
cada um próprio, de lidar com essa impossibilidade. O quarto elo na neurose não
está no nó como suplência (que supre uma falta) ligando elos superpostos (fig. 2).
Fig. 1
Fig. 2
O Sinthoma como a quarta consistência, que vem reatar o Real, o Simbólico e o Imaginário dispersos.
O estilo é um saber lidar que não mais pede, nem cede à interpretação, por ser não
mais uma formação de compromisso conflituosa (sintoma), mas um acordamen-
to pacífico (sinthoma) entre as três dimensões de R.S.I. Desse acordo topológico, a
consequência central é o recorte e a queda do objeto a: “como causa do desejo em
que o sujeito se eclipsa e como suporte do sujeito entre verdade e saber”, diz-nos
Lacan na abertura de seus Escritos (1998/1966, p. 11). O objeto a entra em cena para
designar o que faz estilo na psicanálise: a singularidade do desejar de cada um. A
emergência do objeto a é correlativa à falha irremediável do Outro S(A/) que, sem
custear e preencher o sujeito com respostas abre-se-lhe o recurso da invenção.4
Assim, o estilo não é o “homem” ou o “próprio homem” como queria Buffon,
mas o mais próprio do homem, o objeto a. Em seu artigo O Estilo, o Analista e a
Escola (http://www.oocities.org/), Quinet distingue sintoma do final da análise e
estilo, precisando: “Em suma, o sintoma-verdade comporta dois destinos: o estilo,
que é da ordem da enunciação por onde circula a verdade; e o sintoma, como real.
A verdade se desvincula do sintoma para estar a serviço do estilo”. Um estilo é,
pois, o que se destaca do acordamento borromeano sinthomático e se transmite
como um modo próprio de amarrar os elos, as letras, como um jeito único de es-
crever, de enunciar, uma maneira de viver, de tratar os significantes. “Como então
comunicar o vírus desse sinthoma sob a forma do significante?” Prolongamos
então esta pergunta de Lacan em outra: não seria o estilo, não o sinthoma, mas o
vírus do sinthoma, o objeto a a se transmitir?
4 Em seu artigo “O Estilo, o Analista e a Escola”, Quinet pergunta: “Se o estilo advém do sem
recurso (do apelo ao Outro), como se dá em uma análise esse processo em que advém o estilo? E
qual sua relação com o sintoma?”.
[...] vocês viram esboçar-se uma linha de busca que se referia à tríade ima-
ginária mãe-criança-falo, como prelúdio à posta em jogo da relação simbólica,
que se faz com a quarta função, a do pai, introduzida pela dimensão do Édipo
(1995/1956-1957, p. 81).
[...] nosso Imaginário, nosso Simbólico e nosso Real estão talvez para cada um
de nós ainda num estado de suficiente dissociação para que só o Nome do Pai
faça nó borromeano e mantenha tudo isso junto, faça nó a partir do Simbólico,
do Imaginário e do Real (lição de 11/02/75).
5 “Foram necessários a Freud, não três, o mínimo, mas quatro consistências para que isso se
sustentasse, a supô-lo iniciado na consistência do simbólico, imaginário e real. O que ele chama
de realidade psíquica tem perfeitamente um nome, é o que se chama complexo de Édipo. Sem
o complexo de Édipo, nada da maneira como ele se atém à corda do Simbólico, do Imaginário e
do Real se sustenta. Donde eu ter insistido, com o tempo, em proceder, vem de eu acreditar que,
do que Freud anunciou, não é o complexo de Édipo que se deve rejeitar.” (LACAN, idem, lição de
14/01/75).
6 “Certo é que, quando comecei a fazer o seminário dos ‘Nomes do Pai’, (...) não é por nada que
chamara isso de ‘Os Nomes do Pai’ e não o Nome do Pai, eu tinha algumas ideias da suplência que
o campo toma, o discurso analítico que faz com que essa estreia, por Freud, dos Nomes do Pai, não
é porque essa suplência não é indispensável que ela não tem vez” (LACAN, RSI, lição de 11/02/75).
Por que não encontraríamos, com o discurso analítico, algo que desse uma
ideia de um truque preciso? E afinal, o que é a energética, senão também um tru-
que matemático? Este não será matemático, é por isso mesmo que o discurso do
analista se distingue do discurso científico. Enfim, essa chance, vamos colocá-la
sob o signo da boa sorte, ainda (encore) (LACAN, 2010/1972, p. 237).
Ao se contar com o Nome do Pai como quarto elemento, pode-se dele pres-
cindir, pois o pai – no plural, Nomes do Pai – torna-se nó borromeano a três, ou
seja, os três registros R, S e I enodados. Isto corresponde à conquista do que foi
herdado e então é possível, ao sujeito, operar uma mutação na posição subjetiva
e abrir-se para o espaço de invenção. Reinventar o pai, a lei, não seria reinventar
a roda? Não, talvez pior. Mais radicalmente, nesse lugar, reinventam-se as condi-
ções mesmas da invenção da roda. Reinventa-se no próprio movimento, o sintho-
me que aí ganha rodinhas!
“Não foi o mar Juan, mas seu movimento, que nos foi dado em herança.”
(M. G. LLANSOL – A terra fora do sítio, 1998)
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resumo
Na pequena comunicação no Congresso sobre a transmissão de
julho de 1978, Lacan vai da afirmação da existência da neurose,
passa pelo jogo analítico que a faz ceder, e chega à possibilida-
de da emergência, e também transmissão, do que chamará de
Sinthome: o que fica resta ímpar de cada um e, paradoxalmente,
algo que vem como um novo laço social ao final de uma análi-
se. Como o discurso do analista promove este desfecho? Qual
é o truque? É a pergunta que o conduz. A partir dessas obser-
vações que faz Lacan em suas “conclusões” e sob sua orienta-
ção, pretende-se levantar e trabalhar algumas questões sobre
interpretação e ato.
palavras-chave
Interpretação, ato, final de análise, sinthoma, nó borromeu.
abstract
In the short communication at the Congress About the Trans-
mission, in July 1978, Lacan moves from the affirmation of the
existence of neurosis, passes through the analytical game that
makes it give in, and reaches the possibility of emergence, and
also transmission, of what he would call sinthome: what is left is
unique to each patient and, paradoxically, it is something that co-
mes as a new social bond at the end of an analysis. How does the
analyst’s discourse provoke this outcome? What is the trick? That
is the question which leads him. From these observations made by
Lacan in his “conclusions” and under his guidance, the objective
here is to raise and discuss questions on interpretation and act.
keywords
Interpretation, act, end of analysis, sinthome, borromean knot.
recebido
16/02/2012
aprovado
31/03/2012
Rosanne Grippi
A questão “o que os analistas fazem quando fazem análise?” foi colocada por
Lacan (1953-54/1983) no início do seu Seminário, livro 1: os escritos técnicos de
Freud, no qual são trabalhados os escritos técnicos de Freud, que vão de 1904
a 1919. Em 1937, no texto Construções em análise, Freud (1937/1975) toma essa
questão interrogando sobre a maneira como a psicanálise vinha sendo praticada,
e enfatiza o fato de que faltava ao analista interrogar seu próprio saber. No modo
como conduziam a direção do tratamento, sublinha Freud, os analistas pareciam
estar “sempre com a razão contra o pobre e desamparado infeliz que estamos
analisando, não importando como ele reaja ao que lhe apresentamos” (Ibid., p.
291). Como podemos ler, Freud chama a atenção para as práticas equivocadas da
clínica psicanalítica.
Construções em análise é tão técnico quanto quase todos os textos freudianos,
pois, “em certo sentido”, Freud nunca cessou de “falar da técnica” (Seminário,
livro 1, op. cit., p. 17). Nele, a visada de Freud, segundo assinala Lacan, é tratar “do
modo de ação e de intervenção na transferência”, o que não é pouco (Ibid., p. 16).
Uma análise visa à reconstrução da história do sujeito, sendo esta a maneira
pela qual um analisante poderá fazer progressos, mas, evidentemente, o analis-
ta também deverá estar implicado com seu desejo. Reconquistar as recordações
perdidas, permitir suspender o recalque é dirimir os sintomas e as inibições pre-
sentes, que são substitutos do que foi esquecido. Freud insiste nesse ponto na ex-
tensão de toda a sua obra, comenta Lacan.
Lacan assinala que a “apreensão de um caso singular” (Ibid., p. 21) é o que está
em jogo para um analista quando há uma demanda de análise. À parte o manejo
de alguns, “O progresso de Freud, sua descoberta, está na maneira de tomar o
caso na sua singularidade” (Ibid., p. 21). Para isso, Freud diz textualmente em
Construções...: “a relação de transferência, que se estabelece com o analista, é es-
pecificamente calculada para favorecer o retorno dessas conexões emocionais. É
dessa obra-prima – se assim podemos descrevê-la – que temos de reunir aquilo de
que estamos à procura” (Construções em análise, op. cit., p. 292). Sem transferên-
100 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012
Construção e interpretação em construções em análise (1937), de Sigmund Freud
mais refinada contém tanta coisa que ainda é misteriosa”. Uma introdução para
o que ele vai retomar – pois já havia tratado do tema desde 1901 e 1922 – sobre a
dialética entre a realidade histórica e a realidade material.1
Segundo Lacan, no Seminário 1, nessa passagem Freud acentua e insiste sobre a
reconstrução da história do sujeito e coloca em jogo “qual o valor do que é recons-
truído?” (Seminário, livro 1, op. cit., p. 22). Freud sublinha que o importante não
é aquilo que o sujeito revive, rememora, “o que conta é o que ele disso reconstrói”
(Construções em análise, op. cit., p. 294). Freud equivoca, dizendo que o trabalho
de reconstrução em análise é apenas um trabalho preliminar, e que são dois, esses
trabalhos, “executados lado a lado, o do analisante e o do analista, cada um com
sua tarefa específica” (Ibid., p. 295). Ele o descreve: “O analista termina um frag-
mento da construção e o comunica ao sujeito da análise, de maneira que exerça
um efeito sobre ele; constrói então um outro fragmento a partir do novo material
que sobre ele se derrama, lida com este da mesma maneira e prossegue, desse
modo alternado, até o fim” (Ibid., loc. cit.).
Ao processo descrito acima, Freud vai chamar “interpretação e seus efeitos”,
mas afirma que “‘construção’ é de longe a descrição mais apropriada” (Ibid., loc.
cit.). O interessante nessa passagem é a retomada que Freud faz sobre o conceito
de interpretação em face da construção. Cito-o: “‘Interpretação’ aplica-se a algo
que se faz a algum elemento isolado do material, tal como uma associação ou um
ato falho. Trata-se de uma ‘construção’, porém, quando se impõe perante o sujeito
da análise um fragmento de sua história primitiva, que ele havia esquecido” (Ibid.,
loc. cit.). Desse modo, podemos dizer, a construção é efeito de interpretação.
Em uma das sessões de análise que vem realizando, Anaïs diz o quanto é im-
possível separar-se do marido com quem está casada há trinta e três anos; ela
se queixa de que se sente obrigada a fazer sexo com ele, que não sente nenhuma
vontade, mas se ela não ceder, ele pode pensar que ela tem outro. E completa: “Ele
não consegue manter a ereção, é uma dificuldade; é chato fazer sexo com ele, nem
sequer olha para mim, não me beija na boca...”. Algumas sessões depois, Anaïs
comenta que marcou uma hora com uma massagista mulher, “jovenzinha”, para
o marido, pois este estava com o pescoço duro, “parecia um pedaço de pau”. A
analista pergunta: “O pescoço dele está duro? Nada como uma mulher jovem para
dar um jeito, não é mesmo?”. Tal interpretação tem efeitos, pois imediatamente
Anaïs diz: “Nossa! Isso foi a maior prova de desamor que eu podia dar a ele”. E
lembra-se do “pescoço engessado, todo duro”, devido a um acidente de moto, do
vizinho de sua infância, pai de sua amiguinha, o qual fazia brincadeiras sexuais
1 Tal assunto já vinha sendo elaborado desde “Psicopatologia da vida cotidiana (1901)” e investi-
gado em “Mecanismos de defesa da neurose (1922)”. Mais adiante em sua obra, Freud volta a traba-
lhar sobre o tema em “Moisés e o monoteísmo (1939 [1934-38])”.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012 101
Grippi, Rosanne
com ela todos os dias. Lembra-se justamente quando deixou de ir à sua casa, “na-
quele dia eu vi o pau dele, e saí correndo, não sei como!”. Do amante, homem que
lhe dá atenção, quem ouve o que ela tem a dizer e olha para ela na cama, adora
quando ele lhe chama de “minha menina, minha criança”. Anaïs diz que sabe que
sentia prazer em ser bolinada quando menina pelo pai de sua amiga.
Anaïs conta, em sua primeira entrevista, que havia se consultado com outra
analista que disse a ela que seu problema era a “síndrome do ninho vazio” e que
por isso não prosseguiu em seu tratamento. Podemos afirmar, com Freud e Lacan,
que o analista coloca uma análise em movimento quando oferece um pedaço de
sua construção, feita a partir dos elementos trazidos pelo sujeito e verifica, a pos-
teriori, se de fato sua construção funcionou, colhendo os efeitos provocados por
ela. Lendo Freud com Lacan, só sabemos da interpretação a partir de seu efeito,
pois ela é da ordem de um saber sobre a verdade do sintoma. Freud (1937/1975, p.
295) afirma que, situando o analista no lugar da falta, os analistas não pretendem:
(...) que uma construção individual seja algo mais do que uma conjectura que
aguarda exame, confirmação ou rejeição. Não reivindicamos autoridade para ela,
não exigimos uma concordância direta do paciente, não discutimos com ele, caso
a princípio a negue. Em suma, conduzimo-nos segundo modelo de conhecida fi-
gura de uma das farsas de Nestroy – o criado que tem nos lábios uma só resposta
para qualquer questão ou objeção: ‘Tudo se tornará claro no decorrer dos futuros
desenvolvimentos’.
102 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012
Construção e interpretação em construções em análise (1937), de Sigmund Freud
nismo familiar dos sonhos, o qual, desde tempos imemoriais, a intuição igualou
à loucura” (Ibid., p. 302). Freud afirma que “há não apenas método na loucura,
como o poeta já percebera, mas também um fragmento de verdade histórica, sen-
do plausível supor que a crença compulsiva que se liga aos delírios derive sua
força exatamente de fontes infantis desse tipo” (Ibid., loc. cit.). No caso de minha
paciente, uma neurótica, observou-se que ao rememorar um fragmento de sua
verdade histórica, remeteu-a a uma cena traumática vivida em sua infância.
A transposição de material do passado esquecido para o presente, ou para uma
expectativa de futuro, é, na verdade, ocorrência habitual nos neuróticos, não me-
nos do que nos psicóticos. Freud (Ibid., p. 303) vai equivaler os delírios às cons-
truções em análise, dizendo que “tal como nossa construção, (...) o delírio deve
seu poder convincente ao elemento de verdade histórica que ele insere no lugar da
realidade rejeitada”.
Para concluir, em uma análise o que está em jogo são as recordações e a rees-
crita da história do sujeito, sempre singular. Desse modo, quando Freud se refere
“às nossas construções”, alguns analistas o tomaram ao pé da letra, no sentido de
que seria o analista quem faz a construção da história do analisante. Entendo, por
outro lado, que ao se referir à “nossa construção” é à direção do tratamento que
ele parece querer enfatizar como aquilo que um analista deve promover para que
uma análise possa ser realizada em sua real singularidade.
referências bibliográficas
FREUD, S. (1937). Construções em análise. In: ______. Moisés e o monoteísmo,
esboço de psicanálise e outros trabalhos. Tradução sob a direção de Jayme Sa-
lomão. Rio de Janeiro: Imago, 1975. (Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 23, p. 289-304).
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brasileira de Betty Milan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983. 336p.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012 103
Grippi, Rosanne
resumo
Com base no texto freudiano Construções em análise (FREUD,
1934) e em O Seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud,
de Jacques Lacan, o presente trabalho pretende demonstrar cli-
nicamente a interdependência dos conceitos de “construção” e
“interpretação”. Em seu texto, Freud questiona o que os ana-
listas fazem em sua clínica e aponta que uma análise tomada
a partir de um saber soberano do analista é, no mínimo, uma
impostura clínica. Usar do poder da transferência para persua-
dir ou mesmo convencer um analisante sobre sua história é o
que não se pode esperar de uma análise. Em Construções..., o
tema da realidade histórica e da realidade material é explici-
tado, e podemos verificar, dentre outras coisas, que o delírio e
as alucinações não são restritos à psicose. O texto Construções
em análise confirma que uma construção não ocorre sem uma
interpretação. A diferença reside no fato de que a interpretação
se dá a partir de um dado isolado, como um lapso, enquanto
que a construção confronta o sujeito com um fragmento de sua
história primitiva. Lacan afirma, no O Seminário, livro 1, que
Construções... abarca toda a teoria freudiana, o que nos instigou
a investigá-lo.
palavras-chave
Construção, interpretação, clínica psicanalítica.
104 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012
Construção e interpretação em construções em análise (1937), de Sigmund Freud
abstract
Based on Freud’s Constructions in Analysis (1934) and The Se-
minar, Book 1: The technical writings of Freud, by Jacques Lacan,
this study aims to demonstrate clinically the interdependence
of the concepts of “construction” and interpretation. In his text,
Freud questions what analysts do in their clinic and states that
an analysis taken from an arrogant knowledge of the analyst is,
to say the least, a clinical imposture. Making use of the power
of transference to persuade or even convince an analyzed about
his/her history is what cannot be expected from an analysis.
In Constructions, the historic and material reality themes are
made explicit and we can verify, among other things, that the
delirium and the hallucinations are not restricted to psychosis.
Constructions in analysis confirms that a construction does
not occur without an interpretation. The difference resides in
the fact that interpretation takes place from an isolated fact, as
a lapse, whereas the construction confronts the subject with
a fragment of his/her primitive history. Lacan affirms in The
Seminar, Book 1 that Constructions… encompasses the entire
Freudian theory, which has instigated us to investigate it.
keywords
Construction, interpretation, psychoanalytic clinic.
recebido
17/02/2012
aprovado
27/02/2012
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012 105
Interpretação em Psicanálise e
em Ciência: contrapontos1
1 Uma versão bastante reduzida do conteúdo deste artigo foi apresentada no XII Encontro Na-
cional da EFPFCL – Brasil “A lógica da interpretação”, realizado de 4 a 6 de novembro de 2011, em
Salvador (BA). O autor agradece a Ana Laura Prates Pacheco as relevantes sugestões feitas por
ocasião da preparação do artigo.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 107
Pacheco Filho, Raul Albino
O que quero assinalar é que Freud não discute em lugar algum uma te-
oria alternativa (tal como a esboçada aqui) que tome nota do simples fato,
agora admitido, de que os sonhos de angústia constituem uma refutação
da fórmula geral de satisfação de desejos, como sugerem há muito tempo
os leitores “obstinados” e os críticos “mal informados”. Em lugar algum
Freud compara a sua teoria com uma rival promissora, avaliando uma em
relação à outra, à luz das evidências; e nunca a critica: ele tem a sua teoria
e trata de verificá-la; ele a faz se encaixar a elas, na medida do possível –
como mostra o exemplo do sonho de angústia – mais além do que ele mes-
mo pensou ser possível quando publicou pela primeira vez o seu grande
livro, A Interpretação dos Sonhos. (...) Rechacei as suas pretensões [de que
as suas teorias estavam “baseadas na experiência”] porque vi que as suas
teorias não satisfaziam o critério de contrastabilidade ou refutabilidade ou
falseabilidade (p. 212-213).
108 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012
Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos
25, Lacan afirmou que, “como Karl Popper mostrou com insistência”, a Psicaná-
lise “não é absolutamente uma ciência porque é irrefutável. É uma prática, uma
prática que durará o que durar. É uma prática de tagarelice” (LACAN, 1977/2000,
p. 1). Mas isso não me demoveu da minha intenção, pois entendo que, como sem-
pre, as palavras de Lacan precisam ser cuidadosamente meditadas. E o fato de ele
citar outros pensadores – seja Popper, Hegel, Kant, Heidegger, Sócrates ou Spino-
za –, não aconselha a imprudência de incluí-lo entre seus discípulos: seja como
kantiano, hegeliano, heideggeriano ou outra denominação qualquer. Antes de se
rotular Lacan precipitadamente como um popperiano, é preciso lembrar que na
mesma aula ele também afirmou: “Gostaria de observar que o que se chama de
racionalidade é uma fantasia” (Id.). E a frase com que concluiu essa aula serviria
como golpe definitivo contra quem pretendesse alinhar sua concepção de Ciência
à de Popper: “O importante é que a própria ciência não é mais que uma fantasia,
e a ideia de um despertar é, para falar propriamente, impensável” (Ibid., p. 3).
Lembre-se, além disso, as incontáveis ocasiões em que o próprio Lacan dedicou-
-se a refutar, com argumentos científicos, por meio da elaboração de sua obra, os
desvios na teoria e na prática de psicanalistas pós-freudianos, como, por exemplo,
no trecho a seguir de Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente
freudiano:
O que nos qualifica para proceder por essa via é, evidentemente, nossa expe-
riência dessa práxis. O que nos determinou a isso, como atestarão os que nos se-
guem, foi uma carência da teoria, reforçada por um abuso em sua transmissão, os
quais, por não deixarem de ser perigosos para a própria práxis, resultam, tanto
um quanto o outro, numa ausência total de status científico. Formular a questão
das condições mínimas exigíveis para tal status não era, talvez, um ponto de
partida desonesto. Constatou-se que ele leva longe (LACAN, 1960/1998b, p. 808).
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 109
Pacheco Filho, Raul Albino
Tal como um carpinteiro que em seu ofício não pode se desfazer de sua
caixa de ferramentas só porque ela não contém o martelo certo para fixar
um prego em particular, o cientista não pode descartar a teoria estabeleci-
da em razão de uma inadequação observada. Ao menos não até que surja
outro meio de realizar sua tarefa (Ibid., p. 227).
110 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012
Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 111
Pacheco Filho, Raul Albino
(...). [E] a Razão Ocidental faz pagar caro a um filho sem pai” (1964-1965/1985,
p. 51-52). Ou ainda, como diz Lacan no Seminário 11, “o inconsciente freudiano
nada tem a ver com as formas ditas do inconsciente que o precederam” (p. 29).
Mais controversa é a questão de se a Psicanálise apresenta as atividades que
caracterizam o chamado período de “ciência normal”. Não me deterei aqui em
detalhar meus argumentos favoráveis a essa posição, apresentada no meu capítulo
do livro Ciência, pesquisa, representação e realidade em Psicanálise (PACHECO
FILHO, 2000), ao qual remeto os que se interessarem em conhecê-los. Freud foi
indubitavelmente um revolucionário (ou um subversivo, se tivermos preferência
pelo termo): mas não o tempo todo! Em boa parte de suas investigações, dedi-
cou-se a consolidar o revolucionário aparato teórico, conceitual, metodológico,
epistemológico, clínico e ético por ele instituído. E, como procurei argumentar,
isso é parte legítima das atividades em um campo científico. Acrescento a seguir
algumas considerações, que vão contra as críticas de Popper a Freud, no texto
mencionado anteriormente.
A primeira delas é que o próprio exemplo usado por Popper, pretendendo dar
substância à sua argumentação mostra em um exame detido exatamente o oposto
do que ele pretende provar. Senão, vejamos. Um dos seus argumentos-chave é o de
que, ao se propor a oferecer interpretações dos sonhos de angústia que compro-
vem que eles não constituem refutações à sua teoria dos sonhos como realizações
de desejos recalcados, Freud se desviaria o tempo todo de sua promessa: “Freud
jamais leva a cabo o seu projeto e, no final, renuncia por completo a ele, embora
sem dizê-lo explicitamente” (POPPER, 1956-1957/1985, p. 205). Freud terminaria
por limitar-se a rechaçar as críticas, acusando os discordantes de não entenderem
sua proposta ou de ‘resistirem’ a ela. Ou então tergiversaria sobre a questão, trans-
ferindo a busca de interpretação dos fatos desviantes para um âmbito diferente do
circunscrito pela teoria de realização de desejos nos sonhos: “Desse modo, o so-
nho de angústia se converte[ria] em um problema de angústia: agora, é mais uma
‘parte da psicologia das neuroses’ do que propriamente da teoria dos sonhos” (p.
207). Com isto, “todo caso concebível se converterá em um exemplo verificador”
da teoria dos sonhos, que embora “mostre que uma teoria metafísica é infinita-
mente melhor do que a ausência de teorias” (p. 212), não se apresenta refutável/
testável/falsificável, como se espera das teorias científicas (p. 208).
Ora, no Congresso Psicanalítico Internacional de Haia, de 1920, Freud fez uma
comunicação sobre uma certa classe de sonhos que lhe “pareceu apresentar uma
exceção mais séria à regra de que os sonhos são realizações de desejo. Tratava-se
dos sonhos ‘traumáticos’ (...)” (STRACHEY, 1966/1980, p. 15), que exigiriam um
ajuste teórico a ser apresentado no mesmo ano, em Além do princípio de prazer
(1920/1980). E todo o resto do arcabouço conceitual da Psicanálise (a tópica, a
112 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012
Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos
teoria das pulsões, a teoria da angústia) também deveria ser revisto: “O exemplo
menos dúbio é talvez o dos sonhos traumáticos. Numa reflexão mais amadureci-
da, porém, seremos forçados a admitir que, mesmo nos outros casos, nem todo o
campo é abrangido pelo funcionamento das familiares forças motivadoras. Resta
inexplicado o bastante para justificar a hipótese de uma compulsão à repetição,
algo que parece mais primitivo, mais elementar e mais instintual do que o princí-
pio de prazer que ela domina” (FREUD, 1920/1980, p. 37).
Aí está! Freud não apenas tinha disponibilidade para considerar os fatos cuja
interpretação não se harmonizavam com sua teoria, e modificá-la, como de fato o
fez. Popper é que não considerou isto em sua argumentação.
Além do mais, mostrou seu desconhecimento do campo psicanalítico também
na falta de entendimento do que é a trama complexa do seu arcabouço teórico.
Não se trata de um punhado de relações funcionais independentes umas das ou-
tras, nem de um conjunto de teorias regionais específicas, limitadas a circuns-
crições particulares da vida do sujeito e desconectadas entre si. As formulações
teóricas sobre os sonhos, as pulsões, as instâncias tópicas, a angústia, e assim por
diante, mantêm, todas, íntimas e complexas relações entre si. As diferentes partes
desse arcabouço não são passíveis, muitas vezes, de verificação ou refutação inde-
pendentes, na medida em que formam parte de um sistema amplo e articulado.
Freud não mostrava precipitação em modificar suas teorias. Mas isto não quer di-
zer que se aferrasse indefinidamente a elas, mesmo se apresentassem contradições
evidentes. Falando sobre o que o conduziu às formulações do Além do princípio
do prazer, que poderia ser “o ponto de partida para novas investigações”, conclui
o texto afirmando:
Isso, por sua vez, levanta uma infinidade de outras questões, para as quais,
no presente, não podemos encontrar resposta. Temos de ser pacientes e aguar-
dar novos métodos e ocasiões de pesquisa. Devemos estar prontos, também,
para abandonar um caminho que estivemos seguindo por certo tempo, se pa-
recer que ele não leva a qualquer bom fim. Somente os crentes, que exigem que
a ciência seja um substituto para o catecismo que abandonaram, culparão um
investigador por desenvolver ou mesmo transformar suas concepções (FREUD,
1920/1980, p. 84-85).
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 113
Pacheco Filho, Raul Albino
114 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012
Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos
ficos. A opacidade do real agora está posta no interior do campo como um ele-
mento conceitual necessário, não eliminável, uma vez que se mostra intrínseca ao
próprio objeto que se trata de investigar. Não se trata de um resíduo provisório,
passível de eliminação por meio de aperfeiçoamentos teóricos e metodológicos
futuros.
3 Grifos meus.
4 Grifos meus.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 115
Pacheco Filho, Raul Albino
Serei, por exemplo, levado a dar certa importância à questão da ciência. Sabe-
mos que Lacan a abordou com alguma insistência; entretanto, não é verdade que
a partir dela possamos deduzir, em detalhe, o conjunto dos conceitos fundamen-
tais da psicanálise. Ademais, Lacan, nessa questão, não cessa de não se autorizar
por si mesmo. Como se a questão da ciência fosse decisiva – a ponto de ser preciso
a ela voltar de forma repetitiva (...).
A doutrina lacaniana da ciência é derivada de Koyré, mas ela submete Koyré a
fins que lhe são alheios. Por conseguinte, ela manifesta propriedades da doutrina
de Koyré, por vezes mantidas em estado latente nos textos de referência. Da mes-
ma forma, Lacan revela propriedades da doutrina estrutural, na medida exata
em que se mantém em relação a ela numa paradoxal posição de inclusão externa5
(1995/1996, p. 8-9).
5 Grifos meus.
116 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012
Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos
referências bibliográficas
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Imago, 2ª ed., v. XVIII, 1980, p. 13-16.
resumo
O tema da interpretação sempre esteve na ordem do dia, seja
no campo da Psicanálise ou dos debates em Epistemologia. E
as diferentes maneiras de concebê-la têm demarcado frontei-
ras importantes entre concepções distintas, tanto no interior de
um quanto de outro desses dois campos. No campo da Filosofia
da Ciência, os modos de se estabelecer conexões entre interpre-
tação e observação, ou entre fato e teoria se opõem, p. ex., a
concepção de ciência dos positivistas lógicos à de Popper; e a
de ambos à de Koyré, Bachelard e Kuhn. E, no que diz respeito
à conexão entre Filosofia da Ciência e Psicanálise, lembre-se, p.
ex., que a pluralidade de interpretações para uma mesma ob-
servação está subjacente à crítica de Popper à cientificidade da
Psicanálise. O objetivo desta apresentação é estabelecer alguns
contrapontos entre essas discussões nesses dois campos. Existe
uma especificidade da interpretação na Psicanálise, em relação
à interpretação em outros campos científicos? Como as temáti-
cas do real, da verdade e da causa material ligam-se a isso? E a
pluralidade interpretativa, na Psicanálise: é apenas decorrência
da falta de rigor ou extimidade de suas teorizações em relação à
Ciência? Ou isso deve ser concebido de outra maneira?
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 119
Pacheco Filho, Raul Albino
palavras-chave
Interpretação, psicanálise, ciência, filosofia, epistemologia.
abstract
Interpretation has always been a current issue, be it in the field
of psychoanalysis or in the debates in epistemology. And the
different forms of conceiving it have established important bor-
ders among specific conceptions in the interior of both fields. In
the field of philosophy of science, the ways of establishing con-
nections between interpretation and observation, or between
fact and theory, oppose, for instance, the logical positivists’
conception of science to that of Popper’s; and that of both to
that of Koyré, Bachelard and Kuhn. And in what it is related
to the connection between philosophy of science and psychoa-
nalysis, for instance, that the plurality of interpretations to the
same observation is subjacent to Popper’s criticism to the scien-
tificity of the psychoanalysis. This presentation aims to esta-
blish some counterpoints between these discussions in the two
fields. Is there a specificity of interpretation in psychoanalysis,
in relation to the interpretation in other scientific areas? How
do issues of the real, the truth, and the material cause relate to
this? And the interpretative plurality in psychoanalysis: Does it
happen only because of the lack of rigor or extimity of its theo-
rizations in relation to science? Or should this be conceived in
another way?
keywords
Interpretation, psychoanalysis, science, philosophy,
epistemology.
recebido
16/02/2012
aprovado
27/02/2012
120 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012
direção do
tratamento
O Manejo da Transferência
[...] O paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas
expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele o reproduz não como lem-
brança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo.
Por exemplo, o paciente não diz que recorda que costumava ser desafiador em
relação à autoridade; em vez disso, comporta-se dessa maneira para com o médi-
co. [...] Não se recorda de ter-se envergonhado intensamente de certas atividades
sexuais e de ter tido medo de elas serem descobertas; mas demonstra achar-se
envergonhado do tratamento que agora empreendeu e tenta escondê-lo de todos.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 123
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão
E assim por diante. Antes de mais nada, o paciente começará seu tratamento por
uma repetição deste tipo (1914a/1996, p. 165-6).
O laço particular que cada sujeito institui com o analista antecipa um Outro ao
qual o sujeito se relaciona de modo inconsciente, e que, constata-se no decorrer
das análises, está implicado na própria questão que o faz buscar tratamento. Se
esta antecipação ocorre em qualquer relação social, no laço psicanalítico ela se
distingue por ser a própria matéria de que se deve tratar, e o que fornece a condi-
ção de sua operação.
Sendo os clichês estereotípicos formados na primeira infância os protótipos dos
outros fundamentais do complexo edípico, o móvel erótico desse complexo mani-
festa-se na transferência. Cada um, “[...] durante os primeiros anos, conseguiu um
método específico próprio de conduzir-se na vida erótica — isto é, nas precondi-
ções para enamorar-se, nas pulsões que satisfaz e nos objetivos que determina a si
mesmo” (FREUD, 1912/1996, p. 111).
Esta estratégia libidinal estaria sempre apta a se transferir a cada nova relação
do sujeito. Freud considera, ainda, que é na medida em que o sujeito encontra-
-se castrado de sua satisfação que as ideias antecipadas estão mais suscetíveis de
serem transferidas: “Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente
satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que
encontra com ideias libidinais antecipadas [...]” (Ibid., p. 112). O mesmo fenômeno
incluiria o psicanalista: “Assim, é perfeitamente normal e inteligível que a catexia
libidinal de alguém que se acha parcialmente insatisfeito, uma catexia que se acha
pronta por antecipação, dirija-se também para a figura do médico” (Ibid., p. 112).
O fundamento sexual da transferência é uma descoberta decisiva de Freud para
o início da investigação propriamente psicanalítica do inconsciente, e pode ser
datada no desfecho do caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer. É um exemplo
paradigmático da transferência como fenômeno, ainda sem o manejo propria-
mente psicanalítico e com as consequências que isso implicou. Serviu justamente
para Freud decidir por uma determinada orientação de manejo em todos os casos
posteriores. Os detalhes são contados por Ernest Jones.
Após cerca de dois anos de tratamento, tendo a esposa de Breuer se tornado
“ciumenta” (1961/1970, p. 237) por “não ouvir do marido mais nada senão esse
assunto” (Ibid., p. 237), Breuer decidiu encerrar o tratamento de Anna O., estando
ela já em melhores condições.
Mas nessa mesma tarde foi chamado à casa da paciente e encontrou-a num
estado de grande excitação, aparentemente mais grave do que nunca. A paciente,
que, segundo ele, parecia ser um ser assexual e que nunca fizera qualquer alusão
124 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 125
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão
O manejo da transferência
O termo manejo da transferência é utilizado por Freud para indicar como agir
com a transferência que se manifesta no início do tratamento.
Freud propõe que o acting out inicial seja admitido à análise para que se trans-
forme em motivo à rememoração. Os “fenômenos da transferência [...] prestam o
inestimável serviço de tornar imediatos e manifestos os impulsos eróticos ocultos
e esquecidos do paciente” (1912/1996, p. 119). O manejo consistiria em fazer com
que os impulsos despertados sirvam para causar a associação livre e a interpre-
tação dos sintomas. O termo playground é sugestivo na medida em que pode se
referir ao parque infantil, metaforizando a análise como lugar de pôr em movi-
mento, pela fala, o infantil que permanece atuante no adulto. Confere também
algo de lúdico para a análise. Mas Freud não deixa de considerar, na metáfora
do químico que “maneja substâncias explosivas” (1915/1996, p. 187), os impulsos
sexuais recalcados como “forças altamente explosivas” (Ibid., p. 187), e “os mais
perigosos impulsos mentais” (Ibid., p. 188). Também utiliza a metáfora de luta:
“Esta luta [...] é travada, quase exclusivamente, nos fenômenos da transferência.
É nesse campo que a vitória tem de ser conquistada – vitória cuja expressão é a
cura permanente da neurose” (1912/1996, p. 119). Neste sentido, Freud chega a
afirmar que “[...] as únicas dificuldades realmente sérias que [o psicanalista] tem
de enfrentar residem no manejo da transferência” (Ibid., p. 177).
Com Lacan encontramos um avanço de formalização do manejo da transferên-
cia, com o conceito de sujeito suposto saber e seu algoritmo.
[...] Algo que não foi isolado antes que eu o fizesse, especificamente a propósito
da transferência: a função que tem, nem mesmo na articulação, mas nos pressu-
postos de todo o questionamento sobre o saber, o que eu chamo ‘o sujeito suposto
126 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência
saber’. As questões são colocadas a partir de que existe esta função em algum
lugar, chamem-na como quiserem, aqui ela aparece em todas as suas faces, evi-
dente por ser mítica, que há em algum lugar algo que desempenha a função de
sujeito suposto saber (1967-1968, p. 53).
Com o conceito de sujeito suposto saber, Lacan isola algo presente na experiên-
cia comum, a referência, de todo questionamento, a um lugar em que se supõe ha-
ver um saber. Ainda que não se saiba, a possibilidade de saber sendo antecipada,
em algum lugar, ou encarnada em alguém, ou suposta em algum procedimento
para se obtê-lo. Esta função permite, no campo do tratamento psíquico, localizar
a transferência que torna atuante a análise. A investigação dessa função pode ser
considerada a partir da questão da entrada em análise, da diferença entre a che-
gada ao consultório de um psicanalista e o início da abertura do inconsciente, a
mudança que aí ocorre no lugar do sujeito suposto saber.
A apresentação inicial do sintoma é uma queixa, uma descrição do que ocorre,
diante da qual o analista não tem condição de saber sobre os significantes recal-
cados e os objetos de gozo. É necessária a associação livre do analisante, regra
fundamental. Mas, a rigor, não basta apenas falar, pois para que a fala livre se
torne operativa como análise é preciso que se enganche como investigação, como
pergunta que anseia uma resposta: “É preciso que essa queixa se transforme numa
demanda de análise endereçada àquele analista e que o sintoma passe do estatuto
de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este seja instigado a
decifrá-lo” (Quinet, 1993/1998, p. 20-1). Quando se abre a via de questionamen-
to do sintoma instaura-se a perspectiva de que há respostas a se obter, e a trans-
ferência passa a atuar na precipitação de interpretações ao enigma do sintoma.
A indicação de Quinet de que algo precisa ser endereçado especificamente
àquele analista distingue o que ocorre de suposição de saber antes de se conhecer
o analista, e o que ocorre em presença dele articulado ao questionamento do sin-
toma. Pois quando se procura um psicanalista, de algum modo já se supõe que ele
possa curar o mal-estar, ou, mesmo que se tenha certa dúvida disso, a função de
suposição de saber está dada. Ainda que o que se produza mesmo nessa suposição
seja o próprio inconsciente, ele não é reconhecido enquanto tal e não trabalha
com fins de análise, mas repete-se em ato, como nos exemplos freudianos. Em
presença do analista o sintoma será conduzido ao questionamento por meio do
reconhecimento do Outro que fala nas formações do inconsciente, nas divisões
em que o sujeito pode notar falar mais do que costuma considerar. Quando a
função do sujeito suposto saber passa de uma suposição genérica de que um psi-
canalista pode tratar, para a suposição de que o sintoma tem uma verdade a ser
alcançada, ocorre simultaneamente a uma especificação da suposição de saber
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 127
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão
àquele analista. Não necessariamente que ele saiba, mas que de algum modo por
sua presença alguma forma de acesso à verdade do sintoma se realiza. Esta passa-
gem é correlata a uma mudança na relação transferencial, de uma “transferência
selvagem” (Lacan, 1962-1963/2005, p. 140), uma “mostração” (Ibid., p. 138), a
um “amor que se dirige ao saber” (1973/2003, p. 555).
Lacan (1967/2003, p. 253) elabora um matema para a transferência analítica,
formalizando a função do sujeito suposto saber.
S Sq
s(S , S2,... Sn)
1
Fig. 1
1 “[...] O s representa o sujeito resultante, que implica dentro dos parênteses o saber, suposta-
mente presente, dos significantes que estão no inconsciente [...]” (Lacan, 1967/2003, p. 254).
128 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência
Uma mulher queixa-se de que o casamento vai mal. Brigas com o marido
todos os dias, ausência de desejo sexual por ele, irritação, ao ponto de não con-
seguir olhar-lhe na cara.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 129
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão
Muitas das brigas surgem por ciúme dela – ciúme da sobrinha do marido, jo-
vem magra e bela que o solicita a todo instante; do interesse do marido pelo com-
putador, preterindo a ela; do marido encontrar a irmã dela sem que ela soubesse.
Ciúmes que ela considera descabidos, por serem mulheres da família e objetos
inanimados, mas com os quais não consegue deixar de se transtornar, irritada.
Nas entrevistas iniciais alternava algumas explicações para seu mal-estar: tal-
vez o problema tenha sido ser muito mimada quando criança, tal que agora quer
tudo feito do seu jeito, quando, por exemplo, insiste em algo mesmo sabendo
que está errada, apenas para não deixar o marido cheio de si; ou talvez o seu
problema seja não gostar mais do marido, e ter falta de coragem de se separar
dele, já que ele seria um acomodado, sem pretensões na vida, e sem a pegada
sexual que a satisfaça; ou talvez o problema fosse ela ser muito dependente dos
outros, não conseguindo fazer nada sem o marido, e ser muito preocupada com
o que os outros pensam dela; ou ainda talvez tudo não passe de efeito do ciclo
menstrual, ou do remédio para emagrecer que começara a tomar.
De certa forma, todos os fios associativos que surgiram nas primeiras sessões se
prestariam a um início de análise de seu sofrimento. Contudo, não se ordenavam
como um enigma. Cada associação servia antes para desconsiderar a anterior, de
uma sessão para outra, de um momento para outro na sessão, em uma mesma
frase, uma fuga do sentido pelo deslocamento, sem que se enunciasse um sujeito
com o sintoma. O desgaste diário com o que chama de suas dúvidas indica a
energia despendida na solução metonímica. As entrevistas iniciais caberiam em
uma frase como: “Não sei se o problema é eu ser ciumenta, ou ser mimada, ou ser
dependente do que pensam, ou se é meu marido que é sem pegada, ou se sou eu
que não tenho coragem, tanta coisa que já nem sei de mais nada”.
Diante de uma formação como essa é necessária uma intervenção, sem o que
permanece o deslizamento, e não há análise. Que algo se interprete fica por graça
da transferência inconsciente da analisante, mas algo como um apelo do vazio
no centro do saber é necessário para que a transferência de saber inconsciente
encontre lugar. A intromissão analítica ocorreu, nesse momento, com a interpre-
tação freudiana em relação aos meios de representação nos sonhos, de substituir
a alternativa (ou... ou...) pela adição (e).
130 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência
Como se dissesse à analisante: “Para ouvir o seu desejo talvez devamos subs-
tituir o ou por e, e considerar todas as alternativas como válidas: ciumenta, mi-
mada, marido sem pegada, dependência, opinião dos outros, falta de coragem
– talvez sejam todas verdadeiras. O que isso diz?”.
Inicia a sessão seguinte considerando que suas dúvidas servem para evitar o
que ela sabe ser a verdade, e o que ela sabe que deve fazer. Como que para falar
do que considera a verdade, diz que tem estado irritada por não suportar beijar o
marido, mas precisar fazê-lo por ser casada. Seguindo um fio associativo – “como
se fosse a primeira vez”, “primeiro namorado”, “primeiro beijo” –, com pontua-
ções tropeça em dois esquecimentos – “o que eu ia mesmo dizer?” –, para então
lembrar de modo especialmente nítido uma cena: “Meu primeiro beijo foi com
meu primo, quer dizer, primo do meu primo. O meu outro primo viu. Estávamos
na praça. A família toda ficou sabendo, foi aquela confusão. Hoje eu não aguento
olhar na cara desse meu primo, fui ficando irritada com ele”. As palavras em itá-
lico foram ditas com certa surpresa, como algo curioso, notando a relação certeira
ao que vinha falando sobre o marido.
Enquanto narrava, dizia lembrar com muita nitidez, tal que podia ver a cena
acontecendo na sua frente; e, de fato, seus olhos percorriam o espaço vazio da
sala como se percorressem a imagem de um quadro, apontando com a mão isso
e aquilo da cena. Apontavam no espaço virtual a ela, ao primo que beijou, e ao
primo que testemunhou, de onde se deduz sua posição de olhar de fora da cena, e
não olhando do lugar do banco da praça, ao lado do primo, o que seria a imagem
da realidade de então. “No campo escópico, o olhar está do lado de fora, sou olha-
do, quer dizer, sou quadro” (Lacan, 1964/1998, p. 104); “o objeto a, no campo
visível, é o olhar” (Ibid., p. 101).
Corte da sessão, e na seguinte inicia no divã.
O não olhar na cara e a irritação mudam de estatuto ao se articularem em uma
cena sexual que interpreta o sintoma. Não que ela tenha se lembrado de uma cena
havia muito esquecida, pelo contrário, nunca a esqueceu; o que lhe é novo é ler a
cena, encontrá-la como uma representação simbólica, metafórica, do drama atual
que sofre, o efeito de sentido de substituir a cena atual pela do passado. O que se
queixa torna-se algo a ser decifrado, por uma relação curiosa entre os eventos
de sua vida, significantes que se repetem, algo que parece conduzir a um saber
sobre o sintoma. É uma questão de análise. Não é necessário formular uma frase
com o ponto de interrogação no final para se ter uma questão de análise. Neste
caso clínico, inclusive, as frases interrogativas tiveram antes a função de despiste,
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 131
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão
132 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência
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124p.
resumo
Este artigo investiga o conceito de manejo da transferência no
campo clínico da neurose. Acompanha as formulações inaugu-
rais de Sigmund Freud sobre o fenômeno da transferência, no
que implica de repetição e realidade sexual, utilizando como
referência o caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer, assim
como as formulações de Freud sobre a utilização da transferên-
cia para o tratamento da neurose, no que diz respeito à produ-
ção de saber inconsciente e à sustentação do trabalho analítico.
Com Jacques Lacan, o termo freudiano de manejo da transfe-
rência é retomado a partir da noção de sujeito suposto saber e
de sua formalização matêmica. Por fim, é discutido o manejo da
transferência no momento de entrada em análise com a apre-
sentação de um fragmento de um caso clínico.
134 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência
palavras-chave
Transferência, sujeito suposto saber, clínica psicanalítica, neu-
rose, interpretação.
abstract
The article investigates the concept of management transfer in
the clinical field of neurosis. It follows Sigmund Freud’s inaugu-
ral formulations on the phenomenon of transfer, what it implies
of repetition and sexual reality, using as reference the Anna O.
Case conducted by Joseph Breuer, and also how Freud’s formu-
lations about the use of the transfer in the treatment of neu-
rosis, regarding the production of unconscious knowledge and
the support of the analytical work. With Jacques Lacan, the
Freudian term, management of the transfer, is resumed from
the notion of the subject supposed knowledge and its mathe-
mic formulation. Finally, the author discusses management of
transfer at initial moment of the analysis with the presentation
of a fragment of a clinical case.
keywords
Transfer, subject supposed to know, psychoanalytic clinic, neu-
rosis, interpretation.
recebido
16/02/2012
aprovado
30/03/2012
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 135
Corte e costura: a interpretação
na neurose obsessiva
Inicialmente, preciso dizer que este não é um texto de estilista, embora seja de
um estilo que ele trata. Um estilo inaugurado por Freud e formalizado por Lacan,
de apelar para o equívoco, servindo-me dos efeitos do significante. É, precisamen-
te, em torno do equívoco que tratarei da interpretação na neurose obsessiva, desen-
volvendo a ideia de que, do lado do analista, o corte, como intervenção, encontra
seu contraponto: um sujeito que busca incessantemente a costura como garantia.
O equívoco e o corte, entre outros, são exemplos de interpretação dados por La-
can e organizados por Soler (1991) nos Artigos Clínicos. Tanto o equívoco como o
corte são designados em função da fala: trata-se de um dizer nada, na medida em
que o analista responde com o equívoco, portanto não responde no nível do sig-
nificado, da nomeação do objeto, para suturar a falta. O dizer nada provoca uma
equivocidade no discurso do analisando e provoca também efeitos. Privilegiei o
corte, por operar no nível de S1 e S2, ou seja, por operar nos intervalos da cadeia
significante e, como diz Lacan (1953, p. 315) “interromper a conclusão para a qual se
precipitava o discurso do analisante”; e o equívoco, por estar do lado da enunciação.
E privilegiei ambos por serem, em minha experiência clínica com a neurose obses-
siva, os operadores que têm provocado maiores efeitos de escansão e deslizamentos
no discurso dos analisantes, no segundo caso, quando há inibição associativa.
Estudar a neurose obsessiva pôs-se para mim como um grande desafio, não só
teórico, mas também clínico, pois enquanto tentamos nos aproximar do “texto” de
um neurótico obsessivo, ele se esconde. Seu texto parece preso no significado, pois
o significante tem um grande peso para a neurose obsessiva: texto-dicionário, sem
poesia e sem vacilo. Suas palavras são expressas de maneira descritiva, precipitadas
em engenhosos detalhes, ou, ao contrário, o obsessivo perde as conexões1 com algo
que possa dissipar suas dúvidas ou, ainda, resolver alguma situação, restringindo,
assim, seu discurso. Este é inibido, recuado, e é recusado pelo próprio sujeito, cuja
censura anima a procrastinação, que lhe é tão peculiar. Eis minhas impressões so-
bre a clínica com neuróticos obsessivos. Como intervir ali onde ele não se mostra,
onde insiste... resiste em permanecer morto, morto para o desejo?
1 Freud refere-se a essa característica no obsessivo, no Homem dos Ratos (1909). Obras Comple-
tas, v. X, pp.172, 201 e 202.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.137-142 novembro 2012 137
Russo, Roberta Luna da Costa Freire
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Corte e costura: a interpretação na neurose obsessiva
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Corte e costura: a interpretação na neurose obsessiva
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resumo
O presente trabalho trata da interpretação na neurose obsessi-
va, desenvolvendo a ideia de que, do lado do analista, o corte,
como intervenção, encontra seu contraponto: um sujeito que
busca incessantemente a costura como garantia. Isto, porque ele
amarra os significantes de modo a deixar de fora o um a mais
introduzido na interpretação. Aqui se desdobra a questão nor-
teadora deste trabalho: como se interpreta na neurose obsessi-
va, uma vez que ela está mais do lado do corte do que do lado da
costura? Nessa oposição, a que visa a interpretação na neurose
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.137-142 novembro 2012 141
Russo, Roberta Luna da Costa Freire
palavras-chave
Interpretação, neurose obsessiva, corte, equívoco
abstract
This paper deals with the interpretation in the obsessive neu-
rosis, developing the idea that on the analyst’s side, tailoring as
intervention, finds its counterpoint: a subject who incessantly
seeks the sewing as warranty. This happens because he/she ties
up the significant as to leave out the one too much introduced
in the interpretation. Here the guiding question of the work
unfolds: How is the obsessive neurosis interpreted once it sits
closer to the tailoring than to the sewing? In such opposition,
what does the interpretation of the obsessive neurosis aim at?
Are the misunderstanding and the tailoring, among others,
examples of interpretation provided by Lacan? I have privile-
ged the tailoring, as it operates at the level of S1 and S2, that
is, as it operates in the intervals of the significant chain; and
the misunderstanding, for being on the side of the enunciation.
And both, for being, in my clinical experience with obsessive
neurosis, the operators which have provoked the biggest effects
of scansion and slides in the discourse of the analyzed.
keywords
Interpretation, obsessive neurosis, tailoring, misunderstanding.
recebido
07/02/2012
aprovado
28/03/2012
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Espaço da interpretação
e inconsciente real
Ângela Mucida
Introdução
Apesar de Freud não ter articulado o conceito de Real, ele encontra-se em sua
obra em diferentes momentos e com diferentes nomes, como limite e impossível
de ser traduzido. Nessa direção podemos cunhar diferentes nomes que indicam
seu encontro com esse conceito: barra ao sentido (1896/1977, p. 317-324), ponto
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012 143
Mucida, Angela
Se tivermos que iniciar uma análise desse tipo, na qual temos razão em esperar
uma organização de material patogênico como esse, seremos ajudados pelo que
a experiência nos ensinou, ou seja, que é inteiramente irrealizável penetrar dire-
to no núcleo da organização patogênica. Mesmos que nós próprios pudéssemos
adivinhá-lo, o paciente não saberia o que fazer com a explicação oferecida a ele
e ele não seria psicologicamente modificado por ela (1893-95/1974, p. 348-349).
Ao longo de sua experiência clínica ele não cessa de indicar inúmeras vezes
os limites da interpretação e seus efeitos sobre a resistência ao tratamento e o
acirramento do sintoma. Por exemplo, sua obra princeps sobre a interpretação,
A interpretação dos sonhos (1900-1901/1972), nos dois volumes que a compõem
encontramos inúmeros indicativos sobre sua maneira inédita de operar com a
interpretação. A primeira lição foi de apreender o sonho como um texto que só
toma sentido a partir das associações do sonhador. Nessa direção o inconsciente
iguala-se à interpretação, e a função do analista é, a partir da associação livre,
abrir novos sentidos, mas com o cuidado de não exceder na valorização e inter-
pretação dos sonhos.
Em O manejo de sonhos na Psicanálise (FREUD, 1911/1969, p. 119-127) lemos
que quando o analista se dedica demais à interpretação dos sonhos, o analisante
traz cada vez mais sonhos enigmáticos, ofertando-os a ele à espera de mais senti-
144 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012
Espaço da interpretação e inconsciente real
Mesmo nos estádios posteriores da análise, tem-se de ter cuidado em não for-
necer ao paciente a solução de um sintoma ou a tradução de um desejo até que
ele esteja tão próximo delas que só tenha de dar mais um passo para conseguir a
explicação por si próprio (FREUD, 1911/1969).
De modo similar ao que ele afirmara sobre os sintomas,1 ele acentua que a análi-
se de um único sonho, levada ao seu limite, equivale à análise inteira. Aprende-se
com ele que a via régia de acesso aos sonhos e as trilhas que formam os sintomas
não são totalmente transitáveis pela interpretação. Seguindo esse ponto resistente
à interpretação, ele acentua o valor clínico da resistência terapêutica negativa e
aquilo que opera contra a interpretação e a cura; a força da repetição aliada ao
recalque originário e a força da satisfação obtida pelo sintoma.
Na Conferência XVIII (1916-17/1976), ao associar a neurose a uma espécie de
ignorância, e acentuando que não se trata de qualquer ignorância que possa ser
suplantada pelo saber ou o conhecimento, Freud nos abre outra via ao estatuto
da interpretação na direção do tratamento; algo no sujeito já sabe, mas não quer
saber. Com efeito, esse não saber não pode ser tratado por uma interpretação que
vise ao sentido, pois:
Saber nem sempre é a mesma coisa que saber: existem diferentes formas de
saber, que estão longe de serem psicologicamente equivalentes. (...) Se o médico
transferir seu conhecimento para o paciente, na forma de informação, não se
produz nada. (...) o conhecimento deve basear-se numa modificação interna do
paciente ( p. 332).
1 “(...) fazer um relato da resolução de um único sintoma equivaleria, de fato, à tarefa de relatar
um caso clínico inteiro (FREUD, Etiologia da histeria [1896 a], 1976, p. 223).
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012 145
Mucida, Angela
Tudo isso demonstra que, não apenas ele estivera atento aos usos da interpre-
tação e seus limites, mas soubera indicar por meio da resistência terapêutica ne-
gativa, por exemplo, o real resistente à interpretação e ao sentido, interrogando
o que resta ao analista quando o sintoma leva a melhor. Perseguindo essa via ele
descobre que o sintoma constituía uma solução que o sujeito não queria, ou não
podia se livrar facilmente e que, portanto, qualquer interpretação que incidisse
diretamente nesse laço sintomático só levaria a análise ao pior.
O espaço do lapso
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Espaço da interpretação e inconsciente real
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012 147
Mucida, Angela
É a título de lapso que aquilo que significa alguma coisa, quer dizer, que aquilo
pode ser lido de uma infinidade de maneiras diferentes. Mas é precisamente por
isso que aquilo se lê mal, ou que se lê través, ou que não se lê (p. 51-52).
148 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012
Espaço da interpretação e inconsciente real
Agente Outro a $
Verdade Produto S2 // S1
De que S2 (cadeia de saber): pode-se indagar sobre qual saber (S2) se trata nesse
discurso, já que ele se encontra sob a barra do recalque e sem acesso ao sujeito?
Para entender essa definição de interpretação, devemos cotejá-la com a tese de-
senvolvida nesse mesmo seminário, que nos leva a pensar a existência também
de uma noção de simbólico acossada ao real da alíngua.4 Trata-se, nesse caso, da
existência de S1s que não se associam a nada. Os Uns da alíngua – língua original,
arcaica ou fundamental – são fora do sentido, em estado bruto, que não formam
cadeia e são arredios ao campo da verdade e da historicidade.
Se do discurso do mestre pode-se extrair a concepção de um sujeito como efeito
dos significantes, efeito dos discursos, representado por pelo menos dois signifi-
cantes, S1 e S2, temos a partir das teses desenvolvidas no seminário supracitado,
a concepção também de um ser que fala e que se encontra fora da representação
e os dois não se anulam.
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Mucida, Angela
S2 decifrável S2 da alíngua
5 Esse conceito tem diversas leituras ao longo do seminário O sinthoma (1975-1976), mas em
termos gerais ele implica o quarto nó que enoda R.S.I., possibilitando que eles fiquem juntos,
enodados. Ele se define, sobretudo, por seu caráter de singularidade e foi isso que interessou a
Lacan a escrita singular de Joyce.
6 A propósito, remetemos o leitor a Lacan. O seminário. Livro 20. Mais ainda (op. cit., p.188-197).
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Espaço da interpretação e inconsciente real
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Mucida, Angela
referências bibliográficas
BADIOU, A.; CASSIN, B. Il n’ya pas de rapport sexuel. Deux leçons sur L’Étourdit
de Lacan. Paris, Fayard, 2010. 135p.
FREUD, S. (1896). Etiologia da histeria. Tradução sob a direção de Jaime Salomão.
Rio de Janeiro: Imago, 1977. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológi-
cas Completas de S. Freud, v. 3, p.215-249)
__________. (1895). Carta 52. Tradução sob a direção de Jaime Salomão. Rio
de Janeiro: Imago, 1977. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de S. Freud, v. 1, p.317-323)
__________. (1893-1895). Psicoterapia da histeria. Tradução sob a direção de
Jaime Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1977. (Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de S. Freud, v. 2, p. 309-367)
__________. (1912). O manejo dos sonhos na Psicanálise. Tradução sob a direção
de Jaime Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1970. (Edição Standard Brasileira
das Obras Psicológicas Completas de S. Freud, v. 12. p. 118-127)
__________. (1911). Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um
caso de paranoia (Dementia paranoides). Tradução sob a direção de Jaime Sa-
lomão. Rio de Janeiro: Imago, 1969. (Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de S. Freud. v,12, p. 15-108 )
_________. (1916-1917). Conferência XVIII. Fixação em traumas. Tradução sob
a direção de Jaime Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição Standard
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Espaço da interpretação e inconsciente real
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Mucida, Angela
resumo
Foi a insistência do Real incrustado no sintoma que ofereceu
a Freud as coordenadas à invenção do dispositivo analítico. É
pela existência do Real fora do sentido que Lacan forjou a tese
do inconsciente Real, abrindo novas maneiras de se pensar o
campo da interpretação. Nessa direção, a partir da referência
de Lacan sobre o “espaço do lapso”, o artigo discute a hipótese
de um espaço da interpretação como forma de contextualizar
o estatuto da interpretação e o inconsciente real, tendo como
suporte a questão: como operar com a interpretação com um
Real fora do sentido?
palavras-chave
Real, inconsciente real, espaço, lapso, interpretação.
abstract
It was the insistence of the Real embedded in symptom that
offered Freud the coordinates to the invention of the analytical
device. It is through the existence of the Real outside the sense
of what Lacan coined the theory of the unconscious Real, crea-
ting new forms of thinking about the field of interpretation. In
this direction, departing from Lacan’s reference to «the space
of the lapse», the article discusses the hypothesis of a space of
interpretation as a way to contextualize the statute of the inter-
pretation and the unconscious real, founded on the question –
how to deal with the interpretation with a Real out of the sense?
keywords
Real, real unconscious, space, lapse, interpretation.
recebido
16/02/2012
aprovado
27/03/2012
154 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012
entrevista
Entrevista com Ana
Laura Prates Pacheco
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Pessoa, Silvana
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Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco
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Pessoa, Silvana
de Lacan. E nossa associação não deixa de ser o suporte da Escola. Além disso,
apostar mais no funcionamento do que nas pessoas, é outro legado que Lacan nos
deixou, e é preciso levar isso a sério. Por isso fizemos questão de deixar princípios,
de formalizar os trabalhos que fomos construindo com a comunidade, pensando
sempre nas funções e não nas pessoas que as ocupam, e isso em vários âmbitos:
na Comissão de Acolhimento e Intercâmbio, na Equipe de Publicação e Divulga-
ção, no Conselho Fiscal, na Revista Stylus, na relação com os Fóruns, e assim por
diante. Espero, sinceramente, que as próximas gestões possam dar continuidade
a esse trabalho.
Silvana Pessoa: Conhecendo de perto seu trabalho, constatamos que é uma
trabalhadora decidida da causa analítica. Sabemos que, além da implantação da
Rede Clínica do Fórum São Paulo, você participou ativamente da implantação da
Rede de Pesquisa de Psicanálise e Infância neste Fórum. Também temos conheci-
mento de iniciativas tão importantes quanto essa em outros Fóruns, como a Rede
de Psicanálise com crianças no Rio de Janeiro e a Rede Pião, em Salvador. Qual a
importância da criação da Rede Nacional de Psicanálise e Criança?
Ana Laura Prates Pacheco: A implantação da Rede Clínica do Fórum São Pau-
lo foi fruto do esforço de muitos colegas, principalmente aqueles envolvidos nas
coordenações das redes de pesquisa, que já existiam há muitos anos. Minha con-
tribuição foi a de ajudar a coordenar esse trabalho e colocar a Rede em funciona-
mento. Hoje, estamos colhendo frutos muito interessantes e importantes em rela-
ção à construção do caso clínico, e espero que em algum momento isso possa ser
publicado. Quanto à Rede de Pesquisa de Psicanálise e Infância, foi uma iniciativa
que tomei logo no início da criação do Fórum São Paulo. No início, contei com a
ajuda de Ana Cláudia Fossen, e quando ela foi para a Espanha, convidei Beatriz
Oliveira, que coordena a Rede comigo até hoje. Esse trabalho já havia se iniciado
antes, ainda no Campo Freudiano. Em São Paulo, especificamente, destaco, so-
bretudo, a iniciativa de Helena Bicalho. Nós demos continuidade a essa trilha que
já estava aberta. O mesmo ocorreu em outros Fóruns do Brasil, como você men-
cionou, na Rede de Psicanálise com Crianças do Rio de Janeiro – onde há inclu-
sive a revista Marraio – e na Rede Pião em Salvador. Nessas cidades, Maria Anita
Carneiro Ribeiro e Sonia Magalhães, assim como outros colegas, também já de-
senvolviam um trabalho no Campo Freudiano. Em outras cidades, mesmo sem a
criação de uma rede de pesquisa específica, há vários colegas trabalhando com a
questão. Daí a importância da criação da Rede Brasil de Psicanálise & Criança da
EPFCL – Brasil. No fundo, trata-se de algo bastante paradoxal. Há algo de sinto-
mático no fato de termos que criar uma rede com a finalidade de debatermos as
questões relativas à Psicanálise com crianças. Aliás, essa é a razão pela qual opta-
mos por denominá-la “Rede de Psicanálise & Criança”. Trata-se de um conectivo
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Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco
lógico que aponta a um só tempo para uma conjunção e uma disjunção, já que
criança não é um conceito psicanalítico e não existe uma especificidade chamada
“Psicanálise de crianças”. Assim, não deixa de ser irônico que ainda seja neces-
sário criar uma rede própria para sustentar a unidade da clínica, como diziam
Rosine e Robert Lefort. É o mesmo paradoxo da inclusão, que é tão atual: se fala-
mos em inclusão, é porque há exclusão, trata-se de pares ordenados. Da mesma
forma, só podemos falar em criança, se consideramos a oposição criança-adulto,
o que não faz sentido para a psicanálise, já que desde Freud o desejo é sexual e
infantil e, desde Lacan “não existe gente grande”. Constatamos, portanto, que a
novidade da psicanálise ainda não foi suficientemente assimilada pela cultura, e
mesmo pela comunidade analítica. Penso que a resistência à sexualidade infantil
é a resistência à própria Psicanálise.
Silvana Pessoa: Certamente a sua vasta experiência na pesquisa e na clínica
com crianças foi determinante para a escrita do seu recém-lançado livro na Ar-
gentina pela Letra Viva: De la fantasía de infancia a lo infantil de la fantasía: la
dirección de la cura en el psicoanálisis con niños. Podemos ter esperança de vê-lo
lançado aqui também no Brasil?
Ana Laura Prates Pacheco: Sua pergunta aponta para algo bastante delicado,
que diz respeito ao mercado editorial brasileiro, especialmente no campo das Hu-
manidades e, mais especificamente, no campo da Psicanálise. Essa questão é tão
complexa, que excederia muito os limites dessa entrevista. Apenas comento que
não deixa de ser irônico que trabalhos de psicanalistas brasileiros estejam sendo
publicados primeiro no exterior. Meu livro não é o único caso. Por outro lado,
há um movimento novo, de interesse internacional pela produção feita no Brasil,
escrita em português, que infelizmente não é uma língua muito conhecida, nem
sequer por nossos irmãos latino-americanos. Acho que isso se deve não apenas
ao inegável avanço da Psicanálise no Brasil nas últimas décadas, mas também
ao lugar que o Brasil passou a ocupar no cenário político internacional de dez
anos para cá. Por esse ângulo, vejo como uma coisa muito positiva o lançamento
desse livro, e não só no plano pessoal. Mas é claro que para mim, especialmente,
está sendo um momento muito gratificante, um reconhecimento inestimável de
meu trabalho. E sou muito grata aos colegas da FARP que me convidaram em
2007, num momento muito especial da minha vida e da minha formação analíti-
ca, para apresentar meu trabalho lá: o amigo Gabriel Lombardi, Cristina Toro e
Silvia Migdalek. Foi a partir dessas apresentações que Pablo Peusner, a quem sou
extremamente grata, começou a se empenhar para que meu livro fosse publicado
pela Letra Viva. E agora, cinco anos depois, voltarei a Buenos Aires para lançar o
livro na FARP, desta vez a convite do novo amigo Marcelo Mazzuca. Estou muito
feliz! Quanto ao lançamento no Brasil, está previsto para novembro de 2012, pela
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Pessoa, Silvana
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Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco
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Pessoa, Silvana
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Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco
brasileiros podem colaborar muito para avançar. Quando estive em Belém, após
minha conferência sobre “O que pode o dispositivo analítico frente ao dispositivo
de infantilidade”, duas psicólogas que atendem as meninas ribeirinhas vieram
falar comigo. Elas me contaram das meninas a partir de sete, oito anos, que são
prostituídas pelas próprias mães, as quais as oferecem aos barqueiros da região.
E do quanto é difícil abordar a questão a partir de nossa “moral civilizada” para
usar ironicamente o termo de Freud, já que esse “comércio”, digamos assim, é
fator importante na economia doméstica dessas famílias. É apenas um exemplo,
que mostra a complexidade da questão. Espero que daqui a alguns anos essas
colegas possam nos trazer suas conclusões, para que possamos avançar. Quanto
ao final da análise, penso que precisamos definir o que estamos chamando de
“estrito senso”. Sabemos que não há a última palavra, mas há balizas: travessia da
fantasia, identificação ao sintoma etc. A questão é que sabemos que é preciso tem-
po. Nossas análises são longas, até porque há muito estrago para se arranjar. Nor-
malmente, quando começamos uma análise, já deu tempo de nos complicarmos
bastante na vida. Sujeitos mais novos, em geral, conseguem se rearranjar mais
rapidamente e frequentemente decidem que têm mais o que fazer. É muito co-
mum retornarem depois; tenho vários casos em minha clínica. Mas há exceções,
e penso que não cabe a nós decidirmos a priori até onde vai uma análise. O desejo
do analista é de conduzi-la até o impasse e, de preferência, ao passe. Resta ainda
a questão do ato, e de sua relação com a lei, lembrando, como dissemos anterior-
mente, que a criança, em nossa sociedade, é tutelada. Deixo isso apenas indicado.
Mas gosto de lembrar, como nos ensina Ariès, que na Idade Média, algumas Cru-
zadas foram lideradas por pessoas de apenas doze anos. Haja identificação!
Silvana Pessoa: Finalizando esta entrevista, gostaria de agradecer, em nome da
Equipe de Publicação da Stylus (EPS/2011-2012), sua disponibilidade, o cuidado-
so tratamento dado às essas questões, além de recomendar fortemente a leitura do
seu livro para aqueles que desejam saber mais da formação do [eu], da constitui-
ção do sujeito, da extração do objeto, do diagnóstico estrutural e de tantas outras
questões dessa tão instigante clínica com crianças.
Ana Laura Prates Pacheco: Gostaria de agradecer imensamente aos colegas da
revista Stylus, especialmente a Silvana Pessoa o trabalho excelente na condução
editorial da revista. Agradeço também a oportunidade de falar sobre temas que
me são tão caros, aproveitando para me despedir da função de Diretora da EPFCL
– Brasil. Obrigada a todos!
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resenhas
Resenha do livro
Os outros em Lacan
Andréa Rodrigues
Esse percurso é feito a partir do ponto de vista ético de que não há sujeito sem outro.
O outro, meu semelhante, é apresentado através do estádio do espelho e do
complexo de intrusão, passando ainda pelo mito de Narciso. “Quem é você que
está diante de mim”, ele pergunta, “feito à minha imagem e semelhança, feito de
uma corporalidade que me faz crer até que somos irmãos?” Isto é, a meu ver, uma
fina ironia, pois o argumento que se inicia com a pergunta conclui-se ao dizer que
o eu e o outro se confundem, sim, mas “esse próximo que se assemelha a mim e
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.169-171 novembro 2012 169
Rodrigues, Andréa
170 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.169-171 novembro 2012
Resenha do livro Os outros em Lacan
do – insisto – que não há sujeito sem outro: “... o homem é um ser social que não
prescinde do outro e cria regras e condutas de convivência com finalidades espe-
cíficas”. Encontramos aqui, de forma clara, a exposição dos chamados discursos
como laços sociais, com a descrição dos seus lugares e elementos. Não falta um
espaço sobre o discurso do capitalismo e uma crítica à civilização atual. Ele nos
ensina como, para Lacan, trata-se de um enquadramento do gozo e de um esqua-
drinhamento do campo do gozo pelos laços sociais que o compõem.
Finalmente, temos a quinta modalidade do outro, que é o Outro gozo referido
por Lacan ao gozo que se encontra do lado feminino da partilha dos sexos, e que
foi qualificado como Heteros. Quinet faz parecer simples as complicadas fórmulas
da sexuação e sua lógica do não-todo, contrária à lógica aristotélica. Demonstra
a complexidade da sexualidade humana e afirma que “é o Heteros que suporta o
sexo, seja ele como for. Para haver sexo é necessária a diferença do outro – não
se faz sexo com o mesmo”. Sem cair no “politicamente correto”, ele nos dá uma
lição, a partir de Lacan, sobre como o psicanalista deve evitar cair na segregação e
deve estar aberto à diferença mais radical, sem impor ao Outro seu modo de gozo.
Concluindo meu comentário, gostaria apenas de acrescentar que Os outros em
Lacan evidencia também a maturidade de Antonio Quinet como escritor, pois ele
alia a objetividade requerida por esse tipo de obra a uma linguagem, às vezes, co-
loquial (como ao explicar das Ding: “Aquela pessoa é uma Coooooisa! Ela é uma
Coooooisa de louco!”), e muitas vezes poética (como “Esse Ding! que soa quando
passa uma garota de Ipanema a caminho do mar (...) é o que proporciona a ‘coisi-
cidade’ desejosa ao outro como corpo e que serve ao sujeito de guia no caminho
do mar do desejo.” Ou quando transcreve um trecho da sua peça X, Y e S. Por
essas e por outras é que considero a leitura desse pequeno volume imprescindível
para todos os que desejem se iniciar na teoria lacaniana – mas não só.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.169-171 novembro 2012 171
Apresentação da coletânea
A Lógica da Interpretação.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012 173
Fernandes, Andréa Hortélio
simbólico (real/simbólico). Lacan, no Seminário R.S.I., nos diz que seria essencial
que a análise levasse o analisando a atar-se de outra forma. Para tanto, a inter-
pretação, cuja estrutura é o saber no lugar da verdade, poderia vir a tratar do que
resta de real no sintoma que traz o sujeito para análise
Um recorte do poema Ode Marítima nos mostra uma forma poética de enlaçar
o real, o simbólico e o imaginário. Álvaro de Campos nos transmite algo nessa
direção nas cinco últimas linhas do poema. Deixamos a cada leitor a tarefa de
fazer a leitura do dito poema conforme a interpretação que lhe for passível, já que
a interpretação é sempre singular.
Ode Marítima1
Fazei de mim qualquer coisa como se eu fosse
Arrastado – ó prazer, ó beijada dor!
Arrastado à cauda de cavalos chicoteados por vós...
Mas isto no mar, isto no ma-a-a-ar isto no MA-A-A-AR!
Eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! EH-EH-EH-EH-EH-EH-!
No MA-A-AR! Tudo canta a gritar!
[...]
Parte-se em mim qualquer coisa. O vermelho anoiteceu.
Senti demais para poder continuar a sentir.
Esgotou-se-me a alma, ficou só um eco dentro de mim.
Decresce sensivelmente a velocidade do volante.
Tiraram-me aos poucos as mãos dos olhos os meus sonhos.
Dentro de mim a um só vácuo, um deserto, um mar noturno.
E logo que sinto que há um mar noturno dentro de mim,
Sobe dos longes dele, nasce do seu silêncio,
Outra vez, outra vez o vasto grito antiqüíssimo.
De repente, como um relâmpago de som, que não faz barulho, mas ternura,
Subitamente abrangendo todo o horizonte marítimo
Úmido e sombrio marulho humano noturno,
Voz de sereia longínqua chorando, chamando.
Vem do fundo do Longe, do fundo Mar, da alma dos Abismos
E à tona dele, como algas, bóiam meus sonhos desfeitos
Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó---yy...
Schonner Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó---yy...
Ah, o orvalho sobre minha excitação!
Oh frescor noturno no meu oceano interior!
1 PESSOA, Fernando. Obra Poética em um volume. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.328-329.
174 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012
Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação.
Desse poema, gostaríamos de dizer que, tal qual o canto das sereias, a interpreta-
ção na psicanálise aponta para o equívoco próprio ao dizer vão, dire vain, em fran-
cês, da análise, ou seja, a associação livre. Tal qual o ato analítico, a interpretação
não é programável; trata-se, aí, de um savoir-y-être sustentado por savoir-y-faire.
Analista e analisando são, portanto, convocados a saber fazer com alíngua onde
começa tudo que diz respeito ao falasser, ou ao ser falante.
A conferência O Unívoco da Interpretação do psicanalista francês Marc Strauss
abre esta coletânea. Trata-se da versão resumida das conferências proferidas por
ele durante o Encontro Nacional. A começar pelo título, que é feito para provo-
car equívoco, o texto trata, de fato, do equívoco próprio da interpretação dita
dos psicanalistas lacanianos. Marc Strauss desenvolve, ao longo do artigo, que a
interpretação é certamente equívoca no nível das significações, mas seu sentido é
unívoco e busca examinar se este sentido mudou no ensino de Lacan.
A primeira seção de artigos traz três textos dedicados ao tema A interpretação
na psicanálise: precisão de conceitos. Sonia Magalhães, com o texto Psicanálise
e Interpretação, retoma Freud, desde o momento em que este supunha ser a psi-
canálise uma arte de interpretação e avança com Lacan no que a interpretação
interroga a relação do homem, do falasser, com a linguagem. Então, recorre a Júlia
Kristeva e a Michel Foucault para precisar a atualidade do que fora dito sobre a
interpretação por Freud e Lacan. Em A Interpretação: além do conceito psicanalí-
tico, Carlos Pinto argumenta que o conceito de interpretação mostra que, debai-
xo de uma aparente universalização, existem lacunas e armadilhas que merecem
revisão do conceito de interpretação na psicanálise. Com o texto intitulado Psi-
canálise: Interpretação?, Andréa H. Fernandes indaga-se sobre a máxima comu-
mente proposta pelo senso comum de que Freud explica e atrela isso à tentativa
de se transmitir a psicanálise, passando um tom tranquilizador do inconsciente,
contrário aos fundamentos do inconsciente propostos por Freud desde “A Inter-
pretação dos Sonhos”. Do livro dos sonhos, a autora extrai os indícios de que a
interpretação do analista na psicanálise deve ser apofântica, como propôs Lacan,
pois na linguagem, tomada como condição do inconsciente, existe alguma coisa
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012 175
Fernandes, Andréa Hortélio
que não se esgota ao admitirmos que uma proposição seja verdadeira ou falsa.
A segunda seção A Interpretação em Freud traz três trabalhos. Em A arte in-
terpretativa na psicanálise, Juliana Cunha retoma “A interpretação dos Sonhos”
de Freud e declara que a questão da interpretação em psicanálise reabre todo o
campo sobre o funcionamento do inconsciente, tendo a pulsão de morte um pa-
pel fundamental nisso, e também revela como o psicanalista pode operar numa
psicanálise. Já Cristiane Oliveira, em Inscrição, Memória e Interpretação: a escri-
ta psíquica em Freud, por meio do negativo da proposição de uma aporia entre
inscrição-memória-interpretação, que seria apagamento-esquecimento-silêncio,
problematiza em torno da ideia de uma escrita psíquica em Freud e seus des-
dobramentos na experiência psicanalítica, apontando para uma precariedade
do simbólico na solução dos impasses subjetivos. Para Elaine Starosta Foguel,
no artigo O sonho da interpretação: Ausflösung/Lösung, a interpretação não her-
menêutica da psicanálise, desde 1900, se funda a partir do desenho do primeiro
aparelho psíquico no Capítulo VII de “A Interpretação dos Sonhos” e ressalta que
uma esfera importante da tradição científica é mantida por Freud, podendo ser
descrita pelo par quase homofônico Auflösung/Lösung, no qual a decomposição
seria a solução.
A seção seguinte – O dizer e a Interpretação – traz outros cinco textos. No
primeiro deles, Desconstruções em psicanálise – Lógica e Topologia da Interpre-
tação, Helson Ramos propõe que a tarefa do analista é mais de desconstrução do
já construído que de produzir construções ou reconstruções, porque esta última
é tarefa do analisando. E afirma que a lógica da interpretação é sua topologia to-
mada como uma lógica de lugares onde há uma forma lógica da prática do dizer.
Angélia Teixeira, com o texto O dizer da interpretação, retoma a interpretação em
Freud, que parecia ter um lugar secundário em relação à transferência, e mostra
que os avanços na teoria de Freud e Lacan revelaram a importância deste concei-
to, uma vez que o dizer da interpretação presentifica o desejo do analista, pois o
desejo do analista é sua interpretação. Para a autora, o desejo do analista é a fron-
teira que une e separa transferência e interpretação. Com No impossível de dizer,
Jairo Gerbase, partindo de Lacan, que teria situado a sua prática no impossível
de dizer, propõe que o analisando fala e o analista diz, onde dizer é corte. Jairo
declara que o analisando, ao falar em análise, diz mais do que quer dizer, e o ana-
lista, ao ler esse mais, corta, e isso pode levar a uma nova forma de se atar nos nós
borromeanos. José Antônio Pereira da Silva, com o texto Interpretação, Pontua-
ção e Citação, faz um recorte do conceito de interpretação em Freud a partir do
seu texto “Construções em Análise” (1937) e em Lacan no Seminário o Avesso da
Psicanálise (1969/1970). Na visão de José Antônio, tendo Lacan situado a interpre-
tação “entre enigma e citação”, e também como pontuação, pretende esclarecer o
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Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação.
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Fernandes, Andréa Hortélio
2 SIMÕES, Maria de Lourdes Netto. Expressão Poética de Valdelice Pinheiro. Ilhéus: Editus, 2002.
178 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012
Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação.
canálise. Maria da Conceição Vita, no texto O amor que salva é o amor que não
salva, apresenta uma produção de um cartel na qual ela discute a possibilidade da
existência do amor fora do discurso da histérica e do discurso capitalista, para daí
vislumbrar o amor como ponto de encontro que introduz a dimensão da verdade
e não do engano. Verdade que revela que o desejo de um não é igual ao desejo do
Outro, pois o amor em causa reintroduz a falta, a descontinuidade, e não a com-
plementaridade, a salvação.
Os leitores desta coletânea poderão encontrar, aqui, uma série de textos sobre
a lógica da interpretação na psicanálise desde Freud e com Lacan. Mesmo se tra-
tando de um agrupamento de textos, é perceptível a singularidade da escrita de
cada autor e da contribuição de cada um no que diz respeito ao tema em comum.
Desejamos aos leitores que encontrem prazer e alento na leitura desta coletânea;
que ela represente um livro a ser recomendado aos amigos e colegas que se inte-
ressam pela psicanálise e, em especial, pela lógica da interpretação na psicanálise.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012 179
Orientações Editoriais
1. Recebimento do texto por e-mail pelos membros da EPS de acordo com a data
divulgada na rede-epfclbrasil@yahoogrupos.com.br e na if-epfcl@champlaca-
nien.net
2. Distribuição para parecer.
3. Encaminhamento do parecer para a reunião da EPS para decisão final.
4. Informação para o autor: se recusado, se aprovado ou se necessita de reformu-
lação (neste caso, é definido um prazo de vinte dias, findo o qual o artigo é
desconsiderado, caso o autor não o reformule apropriadamente).
5. Após a aprovação o autor deverá enviar à EPS no prazo de sete dias úteis um
e-mail contendo um arquivo de seu texto, definido para impressão.
6. Direitos autorais: a aprovação dos textos implica a cessão imediata e sem ônus
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 181
dos direitos autorais de publicação nesta revista, a qual terá exclusividade de
publicá-los em primeira mão. O autor continuará a deter os direitos autorais
para publicações posteriores.
7. Publicação.
Nota: não haverá banco de arquivos para os números seguintes. O autor que
desejar publicar deverá encaminhar seu texto a cada número de Stylus.
182 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
Resumo/Abstract: todos os trabalhos (artigos, entrevistas) deverão conter um
resumo na língua vernácula e um abstract em língua inglesa contendo de 100 a
200 palavras. Deverão trazer também um mínimo de três e um máximo de cinco
palavras-chaves (português) e key-words (inglês) e a tradução do título do traba-
lho. As resenhas necessitam apenas das palavras-chaves e key-words.
• Primeira lauda contendo apenas o título do artigo, nome(s) do(s) autor(es), da-
dos do(s) autor(es) [titulação, filiação institucional e referências acadêmicas e
profissionais, em 10 linhas, no máximo] e endereço completo (com e-mail).
• Demais laudas, numeradas consecutivamente a partir de 1 (um), repetindo o
título, sem o(s) nome(s) do(s) autor(es), e contendo o texto da publicação.
• No caso de investigações/desenvolvimentos teóricos, relatos de pesquisas, de-
bates e entrevistas, deve ser incluído um resumo de no máximo trezentas
palavras, ao final, na mesma língua do trabalho, acompanhado de palavras-
-chave (no mínimo três e no máximo sete). Após esse resumo, deve-se incluir
também uma tradução do mesmo, em inglês (abstract), acompanhada da tra-
dução do título e das palavras-chave.
• No caso de entrevista, devem ser incluídos, ao final, os seguintes dados: data da
entrevista, nome do entrevistador, nome do entrevistado e dados completos
de identificação de ambos (titulação, filiação institucional e referências acadê-
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 183
micas e profissionais). Opcionalmente, podem ser incluídos dados relevantes
sobre o contexto em que foi realizada a entrevista.
• No caso de resenhas, deve-se incluir, ao final, a referência completa da obra
resenhada. As ilustrações devem ter seu lugar indicado no texto e devem ser
enviadas também em anexos separados, em formato de arquivo JEPG. Devem
ser nomeadas Fig. 1, Fig. 2, sucessivamente, podendo ainda ter um título su-
gestivo do seu conteúdo.
Citações no texto:
184 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
esteja realizando suas observações sobre seus pacientes. Qualquer um que falhe
em produzir resultados numa auto-análise desse tipo deve desistir, imediata-
mente, de qualquer idéia de tornar-se capaz de tratar pacientes pela análise.
3. As citações indiretas devem contar as idéias daquele que escreve o texto, mas
também devem referendar as ideais originais do autor citado, em letras maiús-
culas. Exemplo: Lacan sempre deixou claro sua posição sobre os psicanalistas
que se acomodavam frente aos mecanismos institucionais das escolas psica-
nalíticas daquela época, com suas burocracias e rituais questionáveis (LA-
CAN, 1956).
4. As citações de obras antigas e reeditadas devem ser feitas da seguinte maneira:
Kraepelin (1899/1999).
5. No caso de citação de artigo de autoria múltipla, as normas são as seguintes:
A) até três autores – o sobrenome de todos os autores é mencionado em todas
as citações, por exemplo: (Alberti e Elia, 2000). B) de quatro a seis autores – o
sobrenome de todos os autores é citado na primeira citação, como acima. Da
segunda citação em diante só o sobrenome do primeiro autor é mencionado,
como abaixo (Alberti, et al, 2009, p. 122). C) mais de seis autores – no texto,
desde a primeira citação, somente o sobrenome do primeiro autor é mencio-
nado, mas nas referências bibliográficas os nomes de todos os autores devem
ser relacionados.
6. Quando houver repetição da obra citada na seqüência deve vir indicado Ibid.,
p. (página citada.).
7. Quando houver citação da obra já citada porém fora da seqüência da nota, deve
vir indicado o nome da obra em itálico, op. cit., p. (Kant com Sade, op. cit., p.
781-783).
8. Caso a fonte seja um website ou página eletrônica, deve-se explicitar o ende-
reço eletrônico de acesso, entre parentêses, após a informação, (http://www.
campolacanianosp.com.br/).
Notas de rodapé:
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 185
Referências Bibliográficas:
186 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
de Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.
12. Fontes eletrônicas: LERAY, P. (2011). Le reel après la passe. In: Wunsch 10.
Disponível em: <http://www.champlacanien.net/public/docu/4/wunsch10.
pdf>. Acesso em: 05 de abril de 2012.
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 187
Sobre os autores
Andréa Rodrigues
Psicanalista, Membro da EPFCL-Brasil e Coordenadora do Fórum de Fortaleza.
E-mail: andreahr@secrel.com.br
Ângela Mucida
Doutora em Psicologia/psicanálise, Mestre em Filosofia. AME da Escola de Psicanáli-
se dos Fóruns do Campo Lacaniano. Professora universitária. Autora dos livros: O su-
jeito não envelhece- Psicanálise e Velhice e Escrita de uma memória que não se apaga.
E-mail: angelamucida@gmail.com
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 189
Antonio Quinet
Psicanalista, Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VII (Vincennes), Pro-
fessor do Mestrado de Psicanálise (UVA). AME da Escola de Psicanálise Fóruns do
Campo Lacaniano - Fórum Rio de Janeiro. Dramaturgo e Diretor da Cia. Incons-
ciente em Cena (RJ).
E-mail: quinet@openlink.com.br
Bernard Nominé
Psicanalista. Psiquiatra à Pau. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Cam-
po Lacaniano. Ensinante no Colégio Clínico de Psicanálise do Sudoeste da França.
E-mail: ber.nomine@free.fr
Luis Izcovich
Psicanalista, Psiquiatra em Paris. Doutor em Psicanálise pela Universidade de Pa-
ris VIII. A.M.E. da EPFCL. Ensinante no Colégio Clínico de Paris.
E-mail: alizco@wanadoo.fr
190 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
Maria Claudia Formigoni
Psicóloga pela PUC-SP. Especialista em Psicologia Clínica e Psicanálise e Lin-
guagem pela PUC-SP. Especialista em Psicologia Hospitalar pelo HC-FMUSP.
Mestranda do Núcleo Psicanálise e Sociedade do Programa de Estudos Pós-Gra-
duados em Psicologia Social da PUC-SP.
E-mail: mclaudiaformigoni@yahoo.com.br
Marcelo Mazzuca
Psicanalista. Docente e investigador na Faculdade de Psicologia da Universidade
de Buenos Aires. AE da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano.
Coordenador do Espaço-Escola do Fórum Analítico de Río de la Plata e ensinante
no Colégio Clínico de Río de la Plata. Autor dos livros “Uma voz que se faz letra:
uma leitura psicanalítica da biografia de Charly García (2009)”, “Ecos do passe”
(2011) e “A histérica e seu sintoma” (2012), publicados por Editorial Letra Viva.
E-mail: memazzuca@gmail.com
Rosanne Grippi.
Psicóloga. Psicanalista Membro da IF-EPFCL/Fórum Rio de Janeiro.
E-mail: rogrippi@yahoo.com.br
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 191
Silvana Pessoa
Especialista em Psicologia Clínica. Mestre em Educação pela Universidade de São
Paulo. Psicanalista. Membro Honorário da Associação Científica Campo Psica-
nalítico – Salvador. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo La-
caniano – Brasil/ Fórum São Paulo. Ensinante em Formações Clínicas do Fórum
do Campo Lacaniano – São Paulo.
E-mail: silvanapessoa@uol.com.br
Sonia Borges
Doutora em Psicologia da Educação PUC/SP. Professora do mestrado “Psicanáli-
se, Saúde e Sociedade” na Universidade Veiga de Almeida. Psicanalista da Escola
de Psicanálise do Campo Lacaniano Brasil- Fórum Rio de Janeiro.
192 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
stylus, m. 1. (Em geral ) Instrumento formado de
haste pontiaguda. 2. (Em especial ) Estilo, ponteiro de
ferro, de osso ou marfim, com uma extremidade afia-
da em ponta, que servia para escrever em tabuinhas
enceradas, e com a outra extremidade chata, para
raspar (apagar) o que se tinha escrito / / stilum verte-
re in tabulis, Cic., apagar (servindo-se da parte chata
do estilo). 3. Composição escrita, escrito. 4. Manei-
ra de escrever, estilo. 5. Obra literária. 6. Nome de
outros utensílios: a) Sonda usada na agricultura; b)
Barra de ferro ou estaca pontiaguda cravada no chão
para nela se estetarem os inimigos quando atacam as
linhas contrárias.
193
Pareceristas do número 24
Ana Paula Gianesi (EPFCL - São Paulo)
Andréa Franco Milagres (EPFCL- Belo Horizonte)
Angela Diniz Costa (EPFCL- Belo Horizonte)
Angela Mucida (Newton Paiva / EPFCL- Belo Horizonte)
Angélia Teixeira (UFBA / EPFCL – Salvador)
Conrado Ramos (PUC-SP/ EPFCL - São Paulo)
Gabriel Lombardi (UBA/ EPFCL- Buenos Aires)
Graça Pamplona (EPFCL – Petrópolis)
Eliane Schermann (UFRJ/ EPFCL-Rio de Janeiro)
Kátia Botelho (PUC-MG / EPFCL- Belo Horizonte)
Sonia Borges (EPFCL - Rio de Janeiro)
Vera Pollo (PUC–RJ / UVA / EPFCL- Rio de Janeiro)
Zilda Machado (EPFCL- Belo Horizonte)
194
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 23 p.1-196 novembro 2012 195
“Lembro-me que é pela lógica que esse discurso toca o real,
ao reencontrá-lo como impossível, donde é esse que a eleva a
sua potencia extrema: ciência, disse eu, do real.”
Jacques Lacan
O aturdito (1972)
Jaques Lacan
R adiofonia (1970)