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ISSN 1676-157X

novembro 2012
nO 25

Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Brasil

stylus
r e v is t a d e psic a n á lise

A Lógica da Interpretação II
escola de psicanálise dos fóruns do campo lacaniano - brasil

Stylus
revista de psicanálise

Stylus Rio de Janeiro nº25 p.1-196 novembro 2012


© 2012, Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (AFCL/EPFCL-Brasil)
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FICHA CATALOGRÁFICA

STYLUS: revista de psicanálise, n. 25, novembro de 2012


Rio de Janeiro: Associação Fóruns do Campo Lacaniano
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil - 17x24 cm
Resumos em português e em inglês em todos os artigos.
Periodicidade semestral. ISSN 1676-157X
1. Psicanálise. 2. Psicanalistas – Formação. 3. Psiquiatria social. 4. Psicanálise lacaniana.
Psicanálise e arte. Psicanálise e literatura. Psicanálise e política.
2 CDD: 50.195
sumário
07 editorial: Silvana Pessoa

conferências
15 Bernard Nominé: O analista frente ao inconsciente
29 Marcelo Mazzuca: Ecos do passe. (A voz-a nova)

ensaios
43 Ana Laura Prates Pacheco: Por uma prática sem valor:
a suficiência e a conveniência poética do psicanalista
53 Antonio Quinet: A interpretação: uma arte com ética
59 Sonia Borges: Quem tem medo do ready-made? Psicanálise,
interpretação e arte contemporânea
69 Luis Izcovich: As marcas da interpretação

trabalho crítico com conceitos


77 Ana Paula Lacorte Gianesi: Sobre um suplemento de significante
87 Bárbara Guatimosim: Existe a neurose e há pessoas que se
curam. Qual é o truque?
99 Rosanne Grippi: Construção e interpretação em construções em
análise (1937), de Sigmund Freud
107 Raul Albino Pacheco Filho: Interpretação em psicanálise e em ciência:
contrapontos

direção do tratamento
123 Carlos Eduardo Frazão Meirelles: O Manejo da Transferência
137 Roberta Luna da Costa Freire Russo: Corte e costura:
a interpretação na neurose obsessiva
143 Ângela Mucida: Espaço da Interpretação e inconsciente real

entrevista
157 Ana Laura Prates Pacheco entrevistada por Silvana Pessoa

resenhas
169 Andréa Rodrigues: Resenha do livro Os outros em Lacan
173 Andréa Hortélio Fernandes: Apresentação da Coletânea do
Campo Psicanalítico: A lógica da Interpretação

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contents
07 editorial: Silvana Pessoa

conferences
15 Bernard Nominé: The analyst before the unconsious
29 Marcelo Mazzuca: Echoes of the pass: The new voice-a

essays
43 Ana Laura Prates Pacheco: For a practice without value: the
psychoanalyst’s poetic sufficiency and convenience
53 Antonio Quinet: Interpretation: an art with ethics
59 Sonia Borges: Who’s afraid of ready-made? Psychoanalysis,
interpretation and contemporary art
69 Luis Izcovich: The marks of interpretation

critical paper with the concepts


77 Ana Paula Lacorte Gianesi: About a supplement of the significant
87 Bárbara Guatimosim: Neurosis exists and people get cured.
What’s the trick?
99 Rosanne Grippi: Construction and interpretation in Freud’s
Constructions in Analysis (1937)
107 Raul Albino Pacheco Filho: Interpretation in psychoanalysis and in
science: counterpoints

the direction of the treatment


123 Carlos Eduardo Frazão Meirelles: Management of transfer
137 Roberta Luna da Costa Freire Russo: Tailoring and sewing:
interpretation in obsessive neurosis
143 Ângela Mucida: Interpretation space and unconscious real

interview
157 Ana Laura Prates Pacheco interviewed by Silvana Pessoa

reviews
169 Andréa Rodrigues: Review of the book The others in Lacan
173 Andréa Hortélio Fernandes: Presentation of the Campo
Psicanalítico’s Collection: The logic of interpretation

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Editorial
A revista que você tem em mãos reúne, em continuidade com a Stylus 24, al-
guns artigos apresentados no XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil que ocor-
reu em Salvador, em 2011, e que investigou a lógica da interpretação. A exceção
desse conjunto reside na publicação de duas conferências êxtimas, uma de Colette
Soler, proferida em abril de 2012 em Paris e publicada na Stylus 24, e outra, a de
Bernard Nominé, proferida em dezembro de 2011, na Jornada de Encerramento
do Fórum São Paulo, publicada neste número. Justificamos a inclusão dessas suas
conferências por considerá-las de extrema importância para acompanharmos o
debate que ocorre na França e darmos um tratamento clínico e teórico aos ecos
que reverberam aqui no Brasil.
A primeira conferência, já publicada no número anterior, trata do estudo do
conceito de inconsciente real, deduzido pela autora no último ensino de Lacan,
e a interrogação sobre consequências da introdução deste conceito para a prática
psicanalítica. A segunda, a de Bernard Nominé, é resultado de um trabalho de
pesquisa que o autor vem desenvolvendo no seu seminário O inconsciente, de
Freud a Lacan, afinando o tema O inconsciente e a questão do sentido. Nessa
conferência vocês poderão encontrar uma reflexão sobre a prática do psicanalista
diante do inconsciente, para tentar daí desvendar a lógica do passo que fez Freud
descobrir o inconsciente e levá-lo a operar na clínica, não sem o sentido, conse-
quência que poderia ser deduzida equivocadamente da extração do conceito do
inconsciente real.
Essa pesquisa de Nominé, fundamental para a clínica psicanalítica, pode ser
dita de diferentes maneiras: “o que faz o analista diante do inconsciente?; qual a
lógica da interpretação?; ou mais ainda: “o que é esse algo em que o psicanalista,
ao interpretar, produz a intrusão do significante? Esfalfo-me para que ele não o
tome por uma coisa, já que se trata de uma falha estrutural” (LACAN, Radiofo-
nia, 1970, p. 411). O que encontraremos como resposta aqui em cada um desses
artigos que compõem esta revista? Vejamos aqui na sequência.
Marcelo Mazzuca, psicanalista, AE da EPFCL, trata de forma bonita e poética
na sua conferência de mais um depoimento do seu passe no que diz respeito à
importância dos sonhos e da interpretação na sua análise. Por se tratar de um tes-
temunho vivo, podemos recolher alguns ensinamentos, dos quais destaco: “que
o sonho não é o inconsciente, e muito menos o inconsciente real. Entretanto, dá
lugar ao real, não pode provocá-lo, mas sim evocá-lo. Essa dimensão do real re-
percute no sonho, abrindo o campo do sentido com suas vozes e ressonâncias”.
“Vozes e ressonâncias.” Palavras comuns no campo da poesia, e Lacan estava
atento a isso. No Seminário L’insu (1976-1977) ele lança uma pergunta: seria o psi-

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PESSOA, S ilvana

canalista poeta o suficiente? É a provocação que ele nos deixa, afirmando a seguir
que “apenas a poesia permite a interpretação”. Esse é o desenvolvimento proposto
por Ana Laura Prates Pacheco no seu artigo, que abre a seção Ensaios. Nele, a
autora destaca que a articulação entre interpretação e poesia – portanto, as leis
da linguagem – está presente no ensino de Lacan pelo menos desde A instância
da letra (1958). “Lacan demonstrou – com Freud – que o sintoma, assim com o
sonho, é uma cifra cuja lógica responde às mesmas leis que regem a combinatória
significante: a metáfora e a metonímia.”, diz a autora.
Na sequência, Antonio Quinet interroga, de forma interessante, as condições da
enunciação da resposta do analista chamada classicamente de interpretação, cujo
termo advém de campos tão díspares. Inicialmente como oráculo, que toma a via
do signo e do enigma, correndo o risco de ser tomada como vaticínio e também
como fora-do-discurso das psicoses, que toma o sentido paranoico como sua via
por excelência, portanto avessa à ética da psicanálise por referir-se a uma signifi-
cação pré-estabelecida. Para sair do embaraço de nomear o dizer do analista com
esse termo, o autor lembra que Freud indicava o caminho trilhado pelo artista, ou
seja, o da interpretação musical ou teatral, justificando ao longo do texto a escolha
da sua trilha pelo inconsciente musical de lalíngua e a mise-en-acte do analista.
Sonia Borges também lança recurso da arte para demonstrar a interpretação
psicanalítica. Neste seu artigo ela discute a orientação de Lacan para o trabalho
de interpretação à luz de sua surpreendente afirmação: A interpretação é o ready
made, Marcel Duchamp [...], que está mencionada na conferência A terceira, de
1974. Com esta “definição” da interpretação, Lacan não só radicaliza a sua crítica
à perspectiva hermenêutica da interpretação, como ratifica a ideia do equívoco
como sendo o seu paradigma. O ready-made, pelo fato de mostrar silenciosamen-
te o que é um objeto, ou a falta essencial que habita e sustenta todo objeto, escla-
rece que é jogando com as palavras de forma provocativa que se pode ir além do
deciframento dos significantes primordiais, sem, contudo, “engordar os sintomas
com significados”.
Encerrando esta seção temos o artigo de Luis Izcovich, que traz uma importan-
te articulação entre a interpretação e o final de análise. Nele, o autor interroga se
aquele que não tenha levado sua própria análise até sua conclusão poderá assegu-
rar a direção de uma análise, como também poderá fazer uma interpretação “à
bon escient”, ou seja, uma interpretação intencional, aquela que se faz com conhe-
cimento de causa e em função de uma finalidade. Conclui defendendo a tese de
Lacan, presente desde 1958 no texto A direção do tratamento, que ter atravessado
a experiência de final de análise não só é necessário para saber como no que se
refere à sua conclusão, mas também condiciona a pertinência da interpretação.
Abrindo a seção Trabalho crítico com conceitos temos o instigante trabalho de

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Editorial

Ana Paula Gianesi, que também trata de final de análise. Encontram-se no seu
trabalho alguns comentários de Lacan, em conformidade com certa cronologia,
até aportar a noção de suplemento, o que indica uma orientação “feminizante”
para uma análise concluindo que se em um possível final de análise possa não
haver equivalência entre o homem e a mulher, isso aponta para um gozo suple-
mentar em relação ao gozo fálico.
Também do final de análise trata o trabalho de Barbara Guatimosim. Ela par-
te de uma conferência inédita de Lacan, de 1978, Congresso sobre a transmissão,
para interrogar: como o discurso do analista promove este desfecho? Qual é o
truque? Como se cura uma neurose? Baseada nas observações que faz Lacan e sob
sua orientação, a autora trabalha algumas questões sobre interpretação e ato. Um
trabalho que tem a marca de uma autoria singular que vale a pena acompanhar e
analisar as consequências que dele se pode extrair.
Na sequência, Rosanne Grippi trabalha o clássico texto de Freud (1934), Cons-
truções em análise, considerado por Lacan como o texto que abarca a teoria freu-
diana por demonstrar clinicamente a interdependência dos conceitos de “cons-
trução” e “interpretação”. A autora lembra nesse artigo que Freud questiona o que
os analistas fazem em sua clínica e aponta que uma análise tomada a partir de um
saber soberano do analista é, no mínimo, uma impostura clínica. Ela também
trata a diferença que reside no fato de que a interpretação se dá com base em um
dado isolado, como um lapso, enquanto que a construção confronta o sujeito com
um fragmento de sua história primitiva.
Para finalizar esta seção, temos o artigo bem argumentado e fundamentado de
Raul Pacheco, que trata o tema da interpretação e das diferentes maneiras de con-
cebê-la nos campos da filosofia, da ciência e da psicanálise, estabelecendo alguns
contrapontos entre as discussões nesses dois campos. O autor interroga se existe
uma especificidade da interpretação na psicanálise, em relação à interpretação em
outros campos científicos, e também aponta outras tantas questões, tais como as
temáticas do real, da verdade e da causa material, e se a pluralidade interpretativa,
na psicanálise, é apenas decorrência da falta de rigor ou extimidade de suas teori-
zações em relação à ciência ou isso deve ser concebido de outra maneira?
Abrindo a seção que trata da Direção do tratamento, temos o artigo de Carlos
Eduardo Frazão Meirelles, que investiga o conceito de manejo da transferência no
campo clínico da neurose. Ele acompanha as formulações inaugurais de Sigmund
Freud sobre o fenômeno da transferência, no que implica de repetição e realidade
sexual, utilizando como referência o caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer,
assim como as formulações de Freud sobre a utilização da transferência para o
tratamento da neurose, no que diz respeito à produção de saber inconsciente e
à sustentação do trabalho analítico. Com Jacques Lacan, ele examina o termo

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PESSOA, S ilvana

freudiano de manejo da transferência, retomando a noção de sujeito suposto sa-


ber e sua formalização matêmica, e por fim discute o manejo da transferência no
momento de entrada em análise com a apresentação de um fragmento de um caso
clínico.
Em seguida, Roberta Luna trata da interpretação, baseada na sua experiência
clínica com a neurose obsessiva, desenvolvendo a ideia de que, do lado do ana-
lista, o corte, como intervenção, encontra seu contraponto: um sujeito que busca
incessantemente a costura como garantia. Isto porque ele amarra os significantes
de modo a deixar de fora o um a mais introduzido na interpretação. Aqui, para a
autora, se desdobra a questão norteadora deste trabalho: como se interpreta, na
neurose obsessiva, uma vez que ela está mais do lado do corte do que do lado da
costura? Nessa oposição, a que visa a interpretação na neurose obsessiva?
Finalizando esta parte da revista, temos o rigoroso artigo de Ângela Mucida,
afirmando que foi a insistência do real incrustado no sintoma que ofereceu a
Freud as coordenadas à invenção do dispositivo analítico. Diz ela: “é pela existên-
cia do real fora do sentido que Lacan forjou a tese do inconsciente real, abrindo
novas maneiras de se pensar o campo da interpretação”. Nessa direção, a partir da
referência de Lacan sobre o “espaço do lapso”, a autora discute a hipótese de um
espaço da interpretação como forma de contextualizar o estatuto da interpretação
e o inconsciente real, tendo como suporte a questão: como operar com a interpre-
tação com um real fora do sentido?, o que nos leva de volta ao debate introduzido
nesta revista.
Na parte que trata das Resenhas, Andrea Rodrigues dá boas noticias sobre o li-
vro recém-lançado de Antonio Quinet, Os outros em Lacan, que se inscreve numa
coleção cujo objetivo é fazer o leitor conhecer, de “maneira gradual e interdisci-
plinar, os mais importantes pensadores, ideias e obras”, com linguagem acessível
a todos, mas não sem perder o rigor de cada um de seus campos. Também con-
tamos com a resenha de um livro homônimo a esta revista, recentemente publi-
cado pela Associação Científica do Campo Psicanalítico, organizado por Andréa
Fernandes, que contém, além do trabalho dos seus membros, a conferência de
Marc Strauss, convidado internacional do Encontro Nacional sobre a Lógica da
Interpretação. Com este, mais os dois volumes da Stylus, o leitor terá uma bela
composição do que foi tratado no Campo Lacaniano em 2011-12 sobre este tema.
Encerro esta revista – e este editorial – apresentando a entrevista com a atual
diretora da EPFCL – Brasil, realizada por considerarmos um momento oportuno
de transmissão de uma experiência, haja vista que em breve haverá uma nova
permuta da Comissão de Gestão de nossa comunidade de Fóruns e da Equipe de
Publicação da Stylus. Não só por isso, mas também para homenagear a recém-
criada Rede de Psicanálise & Criança e, last but not least, para acolher e divulgar

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Editorial

o livro recém-lançado de Ana Laura pela Letra Viva, que trata da direção do trata-
mento na análise com crianças. A ela, em nome da Comissão de Gestão, e a todos
os colegas da EPFCL – Brasil, agradecemos a confiança e o apoio na realização de
nosso trabalho e desejamos a todos uma boa leitura!

Silvana Pessoa em nome da EPS (2011-12)

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.07-11 novembro 2012 11


conferências
O analista frente ao inconsciente

Bernard Nominé

Desde que Colette Soler iniciou o estudo do conceito de inconsciente real que ela
deduziu do final do ensinamento de Lacan, nós nos interrogamos com ela sobre o
alcance de tal mudança de perspectiva sobre a prática analítica. É nessa óptica que
lhes proponho esta reflexão sobre o psicanalista diante do inconsciente.
Pessoalmente, no escopo de um seminário que conduzo em minha região, esti-
mulado pelo trabalho de Colette Soler, dediquei um ano de trabalho ao retomar a
leitura de Freud para tentar daí desvendar a lógica do passo que o fez descobrir o
inconsciente. Eu havia intitulado este trabalho de O inconsciente, de Freud a La-
can, e prossegui neste ano, afinando o tema O inconsciente e a questão do sentido.
Proponho-me então, hoje, partilhar com vocês um pouco deste trabalho.
Tomei meu ponto de partida da leitura de um trabalho de Freud que data de
1892, Um caso de cura pelo hipnotismo, que me interessou muito particularmen-
te, porque Freud descreve nesse artigo uma contravontade que me parece ser o
antecessor do inconsciente freudiano. Antes de descobrir o inconsciente e sua
estrutura linguageira com sua lógica, sua gramática, Freud, que praticava essen-
cialmente a hipnose, teve a princípio a ideia de que a neurose testemunhava a
existência de uma contravontade oposta a toda realização positiva do sujeito. E
com seu tratamento hipnótico, quer dizer, com seu próprio desejo, ele sustentava
o desejo vacilante do paciente para superar a contravontade. Interessei-me, então,
por esse conceito de contravontade, Gegenwillen, e procurei verificar o que ele se
tornara na obra de Freud.
Lembro-lhes que nesse primeiro texto Freud relata o sucesso terapêutico da
sugestão hipnótica sobre uma jovem que acabara de parir, e que vomitava, não
dormia mais e por isso não conseguia amamentar seu bebê. Freud não se preo-
cupa em procurar um sentido para esse sintoma, ele se contenta em ver a obra de
uma contravontade que se opõe, sem o conhecimento da paciente, a seu projeto
de aleitamento.
O que me impressionou, na leitura desse artigo, é que Freud não considera por
um só instante que essa contravontade pudesse ser a manifestação de um sujeito
inconsciente que se oporia à vontade consciente. Essa contravontade se manifesta,
diz Freud, por representações contrastantes aflitivas. Quando, por exemplo, temos
um projeto e esperamos o momento de realizá-lo, podemos ter ao mesmo tempo
a ideia de tudo que poderia acontecer e impedir a realização do projeto.

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Nominé, Bernard

Segundo Freud, essas representações contrastantes aflitivas devem, sem dúvida,


estar sempre lá, ao lado da representação positiva do projeto. Ainda que Freud
não o diga de forma explícita, eu deduzo que essas representações contrastantes
aflitivas se impõem como um automatismo da língua que faz com que em toda
língua os significantes se apresentem sob a forma de pares de opostos. Como se a
felicidade não pudesse se pensar sem a tristeza, a conquista sem o fracasso, como
a clareza não pode se definir sem a obscuridade. Então, essas representações
opostas estão sempre lá, mas o que Freud sublinha – e eis aí seu traço de gênio – é
que uma vida sã implica que não as percebamos.

Como é que uma pessoa, com vida ideativa sadia, lida com as ideias antitéticas
que se opõem a uma intenção? Com a poderosa autoconfiança da saúde, a pessoa
as reprime e inibe, na medida do possível, e as exclui de suas associações de pen-
samentos. Isto muitas vezes sucede em tal medida que a existência de uma ideia
antitética contra uma intenção geralmente nem sequer se manifesta, tornando-
-se uma probabilidade somente quando passamos a examinar as neuroses. (1892-
3/1987, p. 163)

Levanto, então, a hipótese de que esse tema da contravontade precede, em Freud,


o conceito do inconsciente. Ele mostra como as representações contrastantes afli-
tivas resultantes da contravontade são excluídas da cadeia de associações - o que
corresponde à saúde psíquica – e como elas emergem da neurose e como predomi-
nam na neurastenia. Mas o que é surpreendente é que a contravontade não implica,
para Freud, a existência de um sujeito do inconsciente, ela não tem, então, que ser
interpretada. Ao contrário, o que é muito nítido, é que ela se apresenta como uma
especificidade da língua, na qual, primitivamente os significantes se constituem por
pares de opostos, como a felicidade com a tristeza, o sucesso com o fracasso, o bran-
co com o preto... sem que isso queira dizer o que quer que seja.
Se sou sensível a essa constituição arcaica da língua, é por ter trabalhado sobre a
relação dos autistas com a linguagem. Todos aqueles que se ocuparam de crianças
autistas terão notado que a criança autista pode passar horas a fazer funcionar
esses pares de significantes opostos. Fechar uma porta e abri-la, acender depois
apagar a luz, encher e esvaziar a pia... O autista é fascinado por esse nível arcaico,
esse funcionamento binário do significante; existe aí, para ele, um gozo muito
primitivo que não é articulado à fala e que não é partilhável com ninguém. É uma
espécie de gozo automático do significante.
A clínica do autismo nos revela então esse nível de articulação arcaico e biná-
rio da linguagem que não aparece para aquele que utiliza a linguagem para ser
representada por um significante ao lado de outros na fala. Pois, então, trata-se

16 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.15-28 novembro 2012


O analista frente ao inconsciente

de um outro nível de articulação do significante. O significante, aqui, não mais se


define pela única diferença em relação aos outros significantes, e notadamente a
diferença com o significante oposto, mas se define pelo fato de que ele representa
o sujeito para um outro significante. Isso implica a suposição de um sujeito que
quer se fazer entender, que quer dizer alguma coisa, enfim, a questão do sentido.
Esse nível de articulação da fala faz desaparecer a primeira articulação arcaica e,
entretanto, restam rastros.
Freud se deu conta e construiu sua hipótese do inconsciente baseado nesses
rastros. É por isso que ele se interessou pelos trabalhos de um linguista de sua
época, Karl Abel, sobre o sentido antinômico das palavras primitivas. Abel de-
monstra que haveria primitivamente na língua uma só palavra para designar dois
significados opostos.

De vez que todo o conceito é dessa maneira o gêmeo de seu contrário, como
poderia ele ser de início pensado e como poderia ele ser comunicado a outros
senão pela medida de seu contrário? (1884, p. 163).

Freud se encanta com essa hipótese pois ela o faz pensar nisso, o que ele mesmo
descobriu a propósito do inconsciente, que este não conhece a contradição e que
pode utilizar um significante para designar uma coisa ou seu contrário.

[...] o homem não pôde adquirir suas noções mais antigas e mais simples a não
ser como os contrários dos contrários, e só gradativamente aprendeu a separar
os dois lados de uma antítese e a pensar em um deles sem a comparação cons-
ciente com os outros. (FREUD, 1910, p.161).

Vocês notarão que a lógica do raciocínio de Abel é exatamente a mesma de


Freud diante das representações contrastantes aflitivas. É a ideia de que a asso-
ciação primitiva entre dois significantes opostos pode se desfazer e que se pode
enunciar um significante esquecendo seu oposto. É uma condição necessária para
poder pensar e falar sem essas conexões parasitas.
Essa tese de Karl Abel foi criticada por um certo número de linguistas e deixada
de lado pelos psicanalistas. Lacan levou-a muito a sério e a relacionou à língua
fundamental do Presidente Schreber. Essa língua fundamental, espécie de alemão
primitivo, seria a língua falada por Deus; ela utilizaria eufemismos, antífrases;
ela utilizaria, por exemplo, a palavra recompensa para significar castigo, a palavra
alimento para significar veneno, ímpio no lugar de santo...etc.
Reparamos que nessa língua não há gozo do sentido, mas um gozo arcaico da
binaridade do significante. Essa língua é feita de significantes que se articulam

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.15-28 novembro 2012 17


Nominé, Bernard

automaticamente uns aos outros. É uma língua reduzida ao código sem qual-
quer alcance de mensagem, quer dizer, sem a suposição de um sujeito outro senão
Deus, para lhe dar um valor de mensagem.
Encontramos em Lacan alguma coisa que se aproxima muito dessa ideia da lín-
gua fundamental quando ele estuda um fenômeno que descreve cuidadosamente
no alucinado e que ele chama a modulação interior contínua. É no seminário so-
bre As psicoses, precisamente na aula de 25 de janeiro de 1956.
Nessa aula, Lacan se interroga sobre o caráter estrutural da alucinação verbal
no sujeito psicótico. E o que me impressiona é que ele adota a mesma abordagem
de Freud no que concerne às representações contrastantes aflitivas.
Ele nos diz que, na vivência de um sujeito, antes que essa vivência se organize
de modo articulado sob forma de história, com momentos cruciais que não são
nada mais que pontos de estofo onde essa vivência toma sentido, os significantes
encontrados na vivência de um sujeito se registram e sucedem de forma contínua
sem outra articulação senão essa estrutura basal da língua onde os significantes
se ordenam pelos pares de opostos, por pura contingência, por contiguidade ou
simples assonância. Esse tipo de articulação automática interior, inerente à es-
trutura de base da língua, Lacan a descreve seja como frase simbólica, seja como
modulação interior contínua. Ela tem certamente alguma coisa a ver com o in-
consciente, mas eu acredito, entretanto que é preciso distingui-la. Lacan sugere
isso quando opõe essa sucessão interior contínua e que se inscreve de um modo
descontínuo com escansões, pontos de estofo que lhes dão um sentido e a coloca
em continuidade com um diálogo exterior; ela se faz então escutar como discurso
do Outro. Mas no fundo ela não se articula como discurso do Outro, mas antes
como alíngua. E uma das funções do eu é utilizar suas orelhas para selecionar o
que deve ser escutado, quer dizer, o que tem um sentido.
A modulação interior desfila então num contínuo, mas nossa consciência nos
desvia dela. Então, nós não a escutamos. É nisso que ela é inconsciente. Mas isso
não quer dizer que o sujeito a recalque intencionalmente. Por que ele a recalca-
ria? Ela não veicula em si mesma nenhum saber. A consciência nos desvia dela
simplesmente para que nosso pensamento não seja parasitado por esse barulho
de fundo.
A contravontade evidenciada por Freud nos seus inícios é, sem dúvida, uma
manifestação disso. Como chamaríamos hoje essa potência obscura que reside
nas profundezas da língua e que se opõe às intenções, quer dizer ao desejo de um
sujeito? Eu acredito que nós poderíamos chamá-la gozo. É esse gozo ao qual re-
nuncia aquele que toma a palavra. Não é o gozo do sentido que anima aquele que
conversa, não é tampouco o gozo do corpo que é preciso calar e que deve passar
ao inconsciente.

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O analista frente ao inconsciente

É preciso dizer que Freud não soube distinguir claramente esses três níveis
de gozo, porque ele assimilou muito rapidamente essa famosa contra-vontade à
manifestação de um sujeito que se oporia a essa privação de gozo: o sujeito do
inconsciente. É a hipótese freudiana; ela é feita para dar sentido ao sem sentido
de alíngua.
Um pequeno capítulo de A Psicopatologia da vida cotidiana (1901) - demonstra-
rá isso facilmente a vocês. Eu o encontrei, procurando saber o que teria se tornado
o conceito de contravontade na obra de Freud. Encontramos seu rastro nessa pas-
sagem sobre o esquecimento de projetos.
Freud nos dá, baseado na sua experiência pessoal, alguns exemplos em que ele
esqueceu de fazer coisas que tinha projetado fazer e coloca esse esquecimento na
conta de uma contra-vontade que se opõe à execução do projeto em questão.

[...] compilei os casos de omissões por esquecimento que observei em mim


mesmo e me empenhei em esclarecê-los, descobrindo invariavelmente que se po-
dia atribuir sua origem à interferência de motivos inconfessados e desconhecidos
– ou, como se poderia dizer, a uma contravontade. Numa série desses casos eu
me encontrava numa situação semelhante à do serviço [militar], sob uma pressão
à qual eu tinha desistido inteiramente de me opor, de modo que me manifestava
contra ela através do esquecimento. (p 191-192).

Então, a tese inicial da contravontade sofre uma mutação importante. Não se


trata mais de uma potência obscura que age automaticamente; trata-se agora de
uma manifestação do sujeito do inconsciente para se opor a uma pressão. A se-
quência do capítulo é ainda mais clara. Não se trata, forçosamente, de se opor a
um projeto preciso, porque Freud nos dá alguns exemplos em que a contravontade
não se opõe diretamente a um projeto, mas, utilizando uma associação significan-
te, ela se opõe a um outro projeto aparentemente insignificante.
Freud fala de um projeto que ele tinha para comprar mata-borrão, Lös-
chpapier, durante quatro dias ele se esquece de comprá-lo. Ele não entende
porque uma contra-vontade se opõe a esse projeto tão insignificante, até que
ele diz que há uma outra palavra para dizer mata-borrão: Fliesspapier. Ora,
ele confessa que nesses dias teria tido boas razões para esquecer de pensar em
seu colega Fliess, mas que ele não chegara a se desfazer de suas preocupações
e que é um instinto de defesa que o faz deslocar o esquecimento do projeto de
comprar Fliesspapier, projeto menos importante e então menos resistente. É
preciso voltar atrás no texto de Freud para compreender o que ele entende por
instinto de defesa.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.15-28 novembro 2012 19


Nominé, Bernard

Nós vemos que muitas coisas são esquecidas por elas mesmas; mas nos casos
onde isso não é possível, o instinto de defesa desloca seu objetivo e mergulha no
esquecimento uma outra coisa menos importante, mas que... é religada à coisa
principal por uma associação qualquer. (Ibid. p. 197).

Notemos que a contravontade se manifesta utilizando associações linguageiras,


nisso ela mostra bem sua origem tal qual Freud a isolou desde o início. É um tipo
de automatismo que não reflete, que não calcula, e que de uma certa maneira age
de forma não adaptada: esquecer que queremos comprar mata-borrões quando
gostaríamos de esquecer de pensar nos problemas que temos com tal colega; o
objetivo principal parece falhar.
E, entretanto, Freud fala de um instinto de defesa, e aí ele supõe que a contra-
-vontade resulte de um cálculo feito pelo sujeito para se defender contra uma ins-
tância, uma autoridade que o constrange. Se o objetivo é esquecer o projeto, ele
falhou; mas se o objetivo é se opor à autoridade que constrange a se lembrar, então
ele foi alcançado.
Seja como for, essa contra-vontade não é mais somente um tipo de inércia lin-
guageira, ela é a expressão de um sujeito que diz não, que se opõe a uma autori-
dade constrangedora (o supereu, sem dúvida) e que utiliza para isso os processos
primários que a linguagem lhe oferece. Aqui estamos de todo modo, no registro
do inconsciente freudiano.
Uma conclusão se impõe. Freud começou sua carreira descobrindo a contra-
vontade que se opõe, às vezes, aos projetos de um sujeito, quer dizer, a seu desejo.
Essa contra-vontade, emanando da estrutura basal da língua, nós podemos assi-
milá-la a um gozo arcaico, aquele que nós podemos deduzir da clínica de alguns
sujeitos que fracassam ao se inscrever num discurso. É um gozo da língua, mas
nós não podemos assimilá-la com o gozo dito do Outro.
Ao contrário, quando Freud levanta a hipótese do inconsciente, ele atribui
a um sujeito essa vontade de gozar da língua, e ele a assimila de bom grado a
um desejo inconsciente, o que implica enodar esse gozo primitivo ao gozo do
Outro.
Então, a questão que se nos coloca é saber se todo esse gozo primitivo chega
a se enodar ao gozo do Outro, ou se resta dele alguma coisa que resiste a essa
transformação. Parece-me que a resposta é sim; alguma coisa resiste a essa trans-
mutação do gozo arcaico em gozo do Outro, e Freud mesmo o localizou com seu
conceito de Urverdrängung: o recalque original que Lacan equiparou a um outro
ponto inacessível pela decifração do sentido: o não reconhecido, o Unerkannt que
constitui o umbigo do sonho. Esse ponto que restou fora do alcance das cadeias
associativas que criam o sentido não é inerte, não permanece inativo, bem ao

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O analista frente ao inconsciente

contrário, já que é ele que atrai toda cadeia significante que passa na proximidade
por pouco que um significante a ele se ligue por homofonia, ou simples contigui-
dade. Definitivamente, Freud mesmo fala isso; se sabemos lê-lo bem, esse ponto
de umbigo é o verdadeiro motor do recalque. É o que opera em Freud uma verda-
deira subversão porque, até aí, Freud tinha a tendência de não colocar o recalque
senão na conta do eu e do supereu. Aqui, ao contrário, podemos situar a causa do
recalque nesse ponto obscuro, esse recalcado primordial que resta fora de alcance
de toda tomada do sujeito, esse ponto não é outra coisa que o que Lacan designou
com uma simples letrinha: o objeto a.
Ele tomou o cuidado de precisar sua função de mais-de-gozar. Quer dizer que a
é o rastro desse gozo arcaico que não passou à cifração do sentido para constituir
o inconsciente que goza do sentido e, entretanto, é preciso ver que é esse resto
fora do sentido que é causa do recalque. Eu não me refiro aí a Lacan, mas a Freud,
quando ele no diz explicitamente em sua Metapsicologia:

Além disso, é errado dar ênfase apenas à repulsão que atua a partir da direção
da consciência sobre o que deve ser recalcado; igualmente importante é a atração
exercida por aquilo que foi primevamente repelido, sobretudo aquilo com o que
ele possa estabelecer a ligação. Provavelmente a tendência no sentido do recalque
falharia em seu propósito, caso estas forças não cooperassem. (1915, p.153).

Vemos muito claramente que Freud constrói sua hipótese do inconsciente como
resultado de dois tipos de forças: a força de atração do recalcado original e a força
da censura que rejeita as pulsões que ela julga perigosas. Parece-me que Lacan
vai exatamente no mesmo sentido quando ele precisa as relações do inconsciente
com o que designa como alíngua. A função do recalcado primordial e a função de
alíngua parecem-me bastante vizinhas, para não dizer idênticas.
O inconsciente não é estruturado como alíngua, ele é estruturado como uma
linguagem, diz Lacan. Certamente o inconsciente é feito de alíngua, mas Lacan
precisa: “O inconsciente é um saber, um saber-fazer com alíngua” (LACAN, 1972-
1973, p. 127).
Seu saber-fazer consiste em articular significantes, a lhes dar sentido, a partir
do galimatias de alíngua e se servindo das possibilidades que ela oferece: repre-
sentações contrárias, assonâncias, homofonias, metonímia... etc. Porque, defini-
tivamente, quando alíngua se faz ouvir em seu barulho insensato, ela não pode,
senão, suscitar um apelo ao sentido. Todo o processo do inconsciente está aí nessa
resposta ao apelo, ao sentido.
O que todo mundo pode notar é que o sentido fabricado pelo inconsciente é
unívoco, ele é exclusivamente de ordem sexual. Esse sentido é impulsionado pelo

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.15-28 novembro 2012 21


Nominé, Bernard

investimento de algumas representações fundamentais que organizam a polari-


dade da estrutura edipiana. Reportem-se à Conferência XXVII da introdução à
psicanálise sobre O sentido dos sintomas (1916-1917).
A menina de que Freud fala no segundo exemplo não pode dormir senão de-
pois de ter ordenado seu mundo para evitar toda copulação do travesseiro com
a cabeceira da cama, todo batimento intempestivo do pêndulo... etc. Enfim, para
organizar seu mundo ela tomou como modelo a copulação de seus pais que ela
quisera impedir, porque ela desejava seu pai. Sua libido é, desta feita, impedida,
pois o objeto visado lhe é interdito e ela se fixa então sobre as representações que
lhe servem de substitutas e que alimentam seu sintoma.
A libido, para Freud, é a manifestação da pulsão sexual. É, antes de tudo, um
investimento de algumas representações de objeto, é um percurso orientado que
encaminha um sujeito em direção à realização de uma satisfação sexual. O senti-
do das palavras serve então de aparelho para o coito sexual. É o que Lacan diz em
uma aula do seu Seminário de 1974, Os não tolos erram (lição de 08 de janeiro).
Em uma conferência em Bruxelas em 1977, Lacan dizia essa coisa muito simples:

Muito mais do que disse Freud, há a maior relação entre o uso das palavras, na
espécie que tem as palavras à sua disposição, e a sexualidade que existe nesta es-
pécie. A sexualidade é inteiramente incorporada a estas palavras. Este é o passo
assumido por Freud.

A libido toma emprestado o sentido das palavras. Mas, ao mesmo tempo, dando
peso a algumas representações, é ela que orienta o sentido das palavras. É uma
relação de intrincação. A libido toma emprestado o sentido das palavras, mas ela
o reforça também.
Podemos, ao mesmo tempo, colocar a questão do que pode ser a sexualidade
daqueles que não têm acesso ao sentido das palavras.
Recentemente vieram me falar de um jovem adulto autista de quem eu me
ocupara em sua infância. Seus educadores estão sobrecarregados pelas crises de
agressividade que ocorrem cada vez com mais frequência, e eles acreditam que
isso venha da sua impossibilidade de realizar qualquer atividade sexual. Ele, com
certeza, é incapaz de ter qualquer relação sexual com quem quer que seja, mas
segundo seus educadores, ele não é nem mesmo capaz de se masturbar de verda-
de. Ele passa longos momentos no banheiro a manipular o pênis enquanto urina,
para tentar provocar alguma sensação, mas sai enfurecido, porque nada funciona.
A tensão interna real que o assola em seu corpo não encontra uma saída, porque
ele não tem os meios para convertê-la em libido. A libido teria necessidade de
representações significantes para se orientar. É o que faz falta cruelmente nesse

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O analista frente ao inconsciente

autista profundo. Desse fato podemos constatar que esse sujeito não conhece o
gozo sexual. Ele é, entretanto, invadido por um gozo que o encerra em sua bolha
autista. Mas o gozo autista de alíngua não é da mesma ordem que o sentido go-
zado que abunda no inconsciente, mas que não é aberto senão ao sentido sexual.
Como o inconsciente se vira com alíngua?
Ele a utiliza como aparelho para dar sentido ao gozo do corpo. E o sentido que
convém ao gozo do corpo é o sentido sexual. Quer dizer que é uma questão [af-
faire] de discurso. O sentido é sempre uma questão [affaire] de discurso. Não há
sentido fora de um discurso. O sentido sexual é gerado pelo lugar que um sujeito
ocupa no encontro de seu corpo com o corpo de um outro. É uma questão [affai-
re] de lugar numa ordem simbólica. Esse lugar não é necessariamente condicio-
nado pelo real do sexo anatômico do sujeito. É por isso que podemos dissociar o
sexo e o gênero, está bem na moda, hoje em dia. Se o sexo não faz signo, o gênero,
em contrapartida, pode fazer sentido.
Seja o que for, a copulação que faz sentido é uma copulação entre significantes.
Só os significantes copulam, diz Lacan, e é no inconsciente que eles copulam, in-
dependentemente da realidade anatômica que diferencia os sexos. É o que signifi-
ca a fórmula clássica de Lacan que não é simples de compreender nem de admitir:
“não há relação sexual”. Há sentido sexual, todo sentido é sexual, acreditando-se
em Freud e Lacan; mas esse sentido sexual, se ele é produtor de gozo – pelo sim-
ples fato da cifração do gozo para fazê-lo entrar num discurso coerente –, esse
sentido sexual não diz nada do que se passa no nível do real do corpo de um ho-
mem e de uma mulher. “Homens e mulheres, é real” – dizia Lacan diante de seu
auditório na Capela do Hospital Sainte-Anne – “mas nós não somos, a respeito
deles, capazes de articular a menor coisa ‘na alíngua’ que tenha a menor relação
com esse real” (1971).
Entretanto, existe na língua esse casal de significantes homem/mulher, e ele faz
parte dos famosos pares de opostos dos quais vimos que alíngua era feita. Mas no
meio do conjunto de pares de opostos, o casal homem/mulher tem uma função
particular na condição de que essa função seja calcada sobre aquela da “pequena
célula palpitante de simbolismo” que organiza “as primeiras simbolizações da si-
tuação edipiana” (LACAN, 1953-1954/1993, p, 103)
Contrariamente aos outros pares de opostos que se articulam na alíngua, o que
gera essa celulazinha palpitante de simbolismo é o sentido. Podemos então con-
siderar que, de saída, o sentido é sexual. O inconsciente é produtor desse sentido
sexual. Se acreditamos em Freud, no inconsciente como discurso do Outro, não
há sentido senão sexual.
Entretanto, esse sentido não é imediatamente acessível, porque ele é codificado.
O que lhe dá seu atrativo particular é que é um sentido que foge, que engana, que

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Nominé, Bernard

utiliza desvios, propõe impasses, paradoxos. Nisso ele responde perfeitamente


à única definição possível do sentido: o que faz nascer naquele que recebe uma
mensagem a questão do que isso quer dizer e a vontade que isso suscita de lhe
decifrar. Para mobilizar o sentido é preciso, então, duas operações: uma cifração
e uma decifração.
O inconsciente cifra, está aí sua função e ele tira daí uma satisfação, Freud di-
zia um Lustgewinn. Seria mesmo, segundo Freud, no fim das contas, sua única
função: satisfazer ao princípio do prazer. Entretanto, não se pode esquecer que o
mensageiro que cifra é encorajado em seu trabalho pela ideia do destinatário que
vai lê-la com a condição de compartilhar a cifra (o código). O parceiro do incons-
ciente é o psicanalista. É ele então que o encoraja à cifração e basta um pouco de
prática de análise para constatar que os sonhos são feitos para o analista.
É preciso se escandalizar com isso? Não, certamente não, é o artifício neces-
sário da transferência. O trabalho analisante se efetua a esse preço. Entretanto,
se na cifração está o gozo, como Lacan o sublinha,1 o que se passa no nível da
decifração? Uma certa satisfação, não sempre, as melhores interpretações não são
aquelas que satisfazem o analisante. Mas admitamos! Se não existe forçosamente
satisfação, na análise, a decifração pode trazer um alívio.
De qualquer forma, não acho que seja preciso assimilar a satisfação da decifração
ao gozo da cifração. Se o analista compartilha com o inconsciente de seu analisante
uma paixão sem moderação pelo gozo da cifração, então a aventura se arrisca a du-
rar uma eternidade e não se vê bem qual poderia ser a saída, senão a do desânimo.
Seria preciso, então, examinar de perto como a análise opera com o sentido.
Não acredito que ela opere desconsiderando-o absolutamente. Se Lacan nos levou
a considerar o núcleo fora de sentido a partir do qual o inconsciente é formado,
eu não penso que seja para nos encorajar a ceder à fascinação desse real. Creio
mesmo poder dizer que Lacan, antes, encorajava o analista a ser tolo do sentido.
É o que podemos ler na lição de 13 novembro de 1973 do seminário Os não tolos
erram, uma frase muito forte que eu gostaria de lhes transmitir para que vocês
não esqueçam: Lacan aconselha aos analistas “forjar uma ética que se fundaria
sobre a forma de ser sempre mais fortemente tolo desse saber, desse inconsciente
que é, no final das contas, nosso único lote de saber”.
Para trabalhar essa questão do sentido na análise, eu precisaria abordar a ques-
tão sutil do sentido em relação à significação. Não terei tempo para isso nessa
conferência. Confundimos frequentemente sentido e significação. Lacan nos en-

1  “... que no ciframento está o gozo, sexual decerto, aquele que foi desenvolvido no dizer de Freud, e
suficientemente bem para se concluir que o que ele implica é que isso é que é obstáculo à relação sexual
estabelecida, e portanto, a que algum dia se possa escrever essa relação: ou seja, que a linguagem
jamais deixará outra marca senão a de uma chicana infinita.” Cf. Lacan, Introdução à edição alemã de
um primeiro volume dos Escritos. In: Outros escritos, Zahar, p. 558.

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O analista frente ao inconsciente

coraja bastante a distingui-los. O sentido é móvel, a significação é fixa. Ela está


congelada na fantasia, fixada nas regressões às quais o sintoma nos leva.
O que constatamos em nossa prática quotidiana é que a análise libera as sig-
nificações fixadas interrogando o sentido, sublinhando o não-sentido, fazendo
ouvir o duplo sentido, resumindo, remobilizando-o.
Vou lhes trazer uma pequena vinheta clínica muito instrutiva a esse respeito.
Trata-se de um menino de oito anos que vem, acompanhado de sua mãe, por
um problema de enurese. Esse menino foi adotado por seus pais, que não podiam
ter filhos. Mas um ano depois da adoção, o casal se divorcia e a criança se encon-
tra então só com sua mãe, numa relação fusional da qual a enurese dava o signo.
Sou informado nessa primeira entrevista que para proteger o sono da criança e o
de sua mãe, resolve-se colocar fraldas no menino. Observei que ele é bem grande
para isso e que essas fraldas testemunham o fato de que sua mãe e ele se entendem
muito bem para mantê-lo nesse estado de bebê da mamãe. Utilizo a metáfora de
vasos comunicantes explicando à mãe e a seu filho que é alguma coisa de um que
transborda no outro. Aconselho vivamente que se tirem as fraldas. Uma semana
mais tarde, a criança chega muito contente de me informar que não houve trans-
bordamentos. Eu o encorajo então a me falar de outra coisa e lhe pergunto se ele
sonha. Ele me diz que não, depois muda de ideia e me conta um sonho daquela
noite. Ele estava em sua casa, e havia uma inundação, mas a porta segurava bem e
o nível da água acabava baixando. É muito interessante ver que o gozo que trans-
bordava realmente no sintoma da enurese passou à cifração da qual o inconscien-
te se serve para se exprimir no sonho sem despertar a criança.
Para dizer a verdade, minha intervenção não visava ao sentido, mas denunciava
a significação de gozo compartilhado por mãe e filho. Parece-me que essa inter-
venção mobilizou o operador que faltava para permitir a esse gozo fixado passar
à cifração do sentido. Se o sintoma da enurese testemunhava uma significação de
gozo fixado na relação entre mãe e filho, o sonho nos informa que agora a libido
encontrou um outro meio para se expressar, aquele do sentido. E, como é hora
de concluir esta conferência, vou aproveitar dessa vinheta clínica para concluir
sobre a fuga do sentido, referindo-me a uma observação de Lacan que considero
essencial, concernente ao sentido.
Eu a extraí da Introdução à edição alemã dos Escritos (op. cit.), um texto fun-
damental sobre a questão do sentido: “O sentido do sentido se capta daquilo que
escapa, a ser entendido como de um tonel”, e ele acrescenta: “é disso que escapa
que um discurso adquire seu sentido” (p. 553). Atenção então aos discursos que
não escapam; eles são herméticos, no verdadeiro sentido do termo, eles dão voltas,
mas não têm nenhum sentido. Não penso que Lacan tenha prescrito ao discurso
do analista privar-se do sentido. Se ele trabalhou tão duro para manter o escape

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.15-28 novembro 2012 25


Nominé, Bernard

do tonel, como ele próprio confessa no texto ao qual eu me refiro, é bem porque
ele mediu o risco da passagem ao universitário. Se há um discurso que se quer ao
abrigo do turbilhão do sentido, é o discurso do universitário, não aquele do ana-
lista. Como o psicanalista de hoje poderia continuar a encontrar o interesse em
seu trabalho se não for sempre animado pelo escape do tonel?

Tradução: Suzana Rosa Ramos


Revisão: Conrado Ramos e Ana Laura Prates Pacheco

referências bibliográficas.
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mão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasileira das Obras
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______. (1916-1917). Conferência XVII. O sentido dos sintomas. In: Conferências
introdutórias sobre psicanálise (parte III). Tradução sob a direção de Jayme
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LACAN, J. (1953-1954). O seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud. Versão
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paredes. Conversas na capela de Saint-Anne. Coleção Campo Freudiano no
Brasil. Série paradoxos de Lacan. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro,

26 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.15-28 novembro 2012


O analista frente ao inconsciente

Zahar, 2011. 104 p.


______. (1972-73). O seminário, livro XX, Mais, ainda. 2ª ed. revista. Versão bra-
sileira de M. D. Magno. Rio de Janeiro, Zahar, 1985. 202 p.
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In: Outros Escritos. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 2003. p.
553-556.
______. O Seminário, livro 21: Os não tolos erram. (1973). Inédito.
______. (1977) Sobre a histeria. Conferência proferida em Bruxelas. Inédita.

resumo
O autor propõe uma reflexão sobre o psicanalista frente ao incons-
ciente na óptica do conceito de inconsciente real estudado por
Colette Soler a partir de suas deduções do final do ensinamento
de Lacan e propõe partilhar um pouco de seus próprios estudos
referentes a uma retomada de leitura de Freud, que intitulou:
o inconsciente e a questão do sentido. Pesquisando o conceito
freudiano de contravontade, que se apresenta como uma espe-
cificidade arcaica da língua relativa aos pares de significantes
opostos e representações contrastantes aflitivas, o autor lança
a hipótese de que ele precede o conceito de inconsciente em
Freud, e apresenta relações com o conceito de gozo e de alín-
gua, demonstrando a presença dessas relações no ensinamento
de Lacan. O autor também lança uma reflexão sobre como a
análise opera com o sentido, levantando a questão sutil do sen-
tido em relação à significação e discutindo sobre o posiciona-
mento do analista frente a esses conceitos, considerando também
os apontamentos de Lacan sobre o fora de sentido.

palavras-chave
Inconsciente real, contravontade, gozo, alíngua, sentido.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.15-28 novembro 2012 27


Nominé, Bernard

abstract
The author proposes a reflection over the psychoanalyst before
unconscious under the perspective of the unconscious real con-
cept studied by Collete Soler from her deductions about Lacan’s
final teaching and also proposes to share a little bit of his own
investigations on re-readings by Freud, which he entitled The
unconscious and the question of the sense. Researching the Freu-
dian concept of counter-will, which is introduced as an archaic
specificity of the language related to pairs of opposing signi-
ficants and afflictive contrasting representations, the author
raises the hypothesis that the aforementioned concept precedes
Freud’s concept of unconscious, and introduces some correla-
tions with the jouissance and lalangue concepts, demonstrating
the presence of these relations in Lacan’s teaching. The author
also proposes a reflection on how the analysis operated with
the sense, raising the subtle question of the sense in relation to
signification, and discuss the position taken by the analyst con-
cerning these concepts, equally considering Lacan’s writings on
the out of the sense.

keywords
Unconscious real, conter-will, jouissance, lalangue, sense.

28 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.15-28 novembro 2012


Ecos do passe. (A voz-a nova)

Marcelo Mazzuca

Palavras preliminares

Para começar, quero dizer-lhes que, a respeito de minha tarefa de AE, creio
ter chegado ao final de uma primeira etapa, que qualifico como “a mais testemu-
nhal”, e que consta de cinco testemunhos: (1) sobre o estatuto do inconsciente; (2)
sobre o valor de índice de certos sonhos; (3) sobre o conhecimento do sintoma; (4)
sobre a passagem da transferência ao desejo do analista; e (5) sobre a função da
repetição e a sublimação.
Esta série de testemunhos já está publicada na Colômbia e será publicada em bre-
ve em Buenos Aires com o nome de Ecos del pase. Por isso, o título geral de minha
intervenção de hoje é esse: Ecos do passe.
Desde o começo deste ano, estou em uma segunda etapa que consiste em re-
tomar alguns desses problemas cruciais para abordá-los sob a perspectiva dos
debates atuais de nossa Escola. Farei referência, então, à lógica da interpretação,
mas com especial atenção ao tema do final de análise e suas continuações.
E, para tentar renovar a leitura de meus próprios testemunhos, voltarei à per-
gunta sobre a função do sonho, mas para interrogá-la a partir de outro viés, o do
objeto “pequeno a” – como o batizou o próprio Lacan –, mais concretamente sua
dimensão de voz. Por esta razão (e tendo em conta o cruzamento das línguas
que hoje aqui se encontram) lhes apresento meu trabalho sob o seguinte título:
A voz-a nova. Sob esta expressão (a voz-a nova) gostaria de reunir algumas das
consequências do final de minha análise e da experiência no dispositivo do passe.

Apresentação do problema: a pergunta sobre a função do sonho

Gostaria de começar advertindo-os de que o que primeiro que salta à vista em


minha experiência analítica é o valor fundamental que os sonhos e sua interpre-
tação tiveram. Perguntei-me várias vezes sobre este fato tão contundente: por que
foram tão determinantes?
Sem sombra de dúvida, a interpretação dos sonhos foi o que permitiu a Freud abrir
a via de sua própria análise, e com ela a de todas as demais. Mais concretamente, foi
o sonho inaugural, conhecido como A injeção de Irma, desencadeado pelo “tom de

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.29-40 novembro 2012 29


Mazzuca, Marcelo

voz” com o qual seu colega Otto se referiu à cura inconclusa de sua paciente Irma.
Então, o que me é importante ressaltar hoje daquela experiência inicial? É o
seguinte: que o sonho não é o inconsciente, e muito menos o inconsciente real.
Entretanto, dá um lugar ao real, não pode provocá-lo, mas pode, sim, evocá-lo. A
formação do sonho surge como contragolpe a este pequeno choque com o real. O
que do real percute por meio da língua, repercute no sonho abrindo o campo do
sentido com suas vozes e suas ressonâncias.
O resto daquela história vocês já devem conhecer: o duplo sentido da palavra
“solução” (losung, em alemão) representa o sujeito e o passeia pela cena onírica.
Nesse percurso, o corpo é afetado duplamente: o sonhador passa primeiro pelo
buraco de uma garganta que o mastiga e o tritura até desfazê-lo. Digamos, um
primeiro passo – no interior mesmo do sonho –, uma passagem pelo objeto.
Logo, o buraco da garganta o vomita e o cospe contra um muro onde a letra
encontra sua representação gráfica e sua hipernitidez (a da fórmula da trimetila-
mina). Um segundo passo, então – que marca o final do sonho – uma passagem
à letra e à fórmula.
Lembrarão que todo o trabalho de Lacan consistiu em ler e reconhecer nesse
texto a gestação (ou o nascimento) do desejo do analista, para finalmente acres-
centar – cito: – “e não é sem humorismo nem sem hesitação, já que isto é quase
um Witz – diz Lacan –, que eu lhes propus ver aí a derradeira palavra do sonho.
No ponto em que a hidra perdeu as cabeças, uma voz que não é senão a voz de
ninguém faz surgir a fórmula da trimetilamina, como a derradeira palavra daqui-
lo de que se trata” (LACAN, 1954-55/1985, p. 216). Frases que têm inclusive um
conteúdo poético!
Vou falar-lhes, então, daquela voz (a voz que Lacan lê no texto de Freud), tal
qual a recebi e a alojei em “meu próprio inconsciente”.
Então, para tentar ganhar em clareza expositiva, vou dividir minha intervenção
em três partes: a primeira (sob o título O murmúrio da verdade) tem a ver com a
experiência da análise; a segunda (sob o título A canção do passe) tem a ver com a
experiência do passe; e a terceira (sob o título A voz-a nova) tem a ver com o tema
das continuações da análise.

1. O murmúrio da verdade (A experiência da análise)

Começarei pelo sonho que inaugurou minha análise. A imagem do sonho era a
seguinte: uma mãe e dois filhos feitos de pedra no porta-malas de um carro norte-
-americano. Um sonho hipernítido, acompanhado de um sentimento de angústia
e de horror, isso foi o que me despertou. Mas a diferença em relação ao sonho de

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Ecos do passe. (A voz-a nova)

Freud é que, nesse caso, foi uma interpretação pontual do analista que provocou o
sonho. Foi o ato de sua palavra, ou melhor, “sua palavra em ato”.
Essa interpretação abriu o trabalho de análise e foi tão decisiva, que me lembro
dela até hoje. Consistiu, simplesmente, em marcar um dos termos da partitura do
analisante uns compassos depois de haver sido pronunciada pelo paciente. Para
ser mais claro, o analista pronunciou uma só palavra, disse, concretamente, em
tom bastante elevado: “ fusión!” (fusão). Pronunciou essa palavra quando o ana-
lisante falava da presença (inquietante) de duas mulheres na plateia de um recital
de música do qual ele era protagonista tocando bateria.
Fusión foi, então, o termo que adquiriu valor significante, deslizando do senti-
do que lhe havia dado o paciente (“gênero musical predileto”) para o sentido de
“união harmônica das duas categorias de mulheres”: as mulheres “F” e as mulhe-
res “N”, sendo essas duas letras (F e N) as iniciais dos nomes das mulheres classi-
ficadas pelo inconsciente. Ou, como já falei em mais de uma oportunidade: ficava
exposta a versão musical da mulher ideal ou a versão ideal da mulher musical.
Mas por que essa interpretação teve como efeito o início da análise? Qual foi sua
lógica? Creio que há aí três dimensões distintas.
1 - Em primeiro lugar, a dimensão da barra que divide o campo do significado
e o campo do significante. Neste caso não foi somente uma substituição de ter-
mos que operou nesse nível, mas também um deslizamento do sentido produto
da “equivocidade” do termo fusión. Produz-se, então, uma transformação no nível
do significante: deixa de ser um nome próprio (o de um gênero musical) e passa a
nomear a lógica que anima a operação da neurose (a união do gênero feminino).
2 - Em segundo lugar, é preciso considerar a dimensão do terreno em que o
significante se escreve. Porque “a bondade do sentido”, segundo Lacan – como
recordou Andréa Fernandez em seu prelúdio (XII Encontro Nacional da EPFCL
– Brasil. Salvador, 2011) – “consiste em eliminar o duplo sentido”. Esta segunda
dimensão, então, é a da instância da interpretação governada pela letra. Porque o
termo fusión não designa somente a operação pela qual a neurose pretende unir
os Estados Desunidos do ser feminino, mas a palavra fusión também “é” em si
mesma essa união, na medida em que as duas categorias de mulheres (as F e as N)
ficam escritas no começo e no final da palavra. Há aí outro terreno, o do “suporte
material do significante”, a palavra começa na materialidade da letra F e culmina
na materialidade da letra N.
3 - Entretanto, isso não é tudo. Há uma terceira dimensão que não é nem a
do significante nem a da letra, e que permite considerar a participação do cor-
po. “A interpretação”, cito Lacan, “toca a causa de desejo, causa que ela revela”
(LACAN, 1972/2003, p. 474). Dito de outro modo, a intervenção do analista é
eficaz na medida em que revela essa dimensão causal e objetal do desejo. Esse

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.29-40 novembro 2012 31


Mazzuca, Marcelo

objeto não é material nem possui substância, mas tem uma consistência (lógica)
e, “episodicamente” – como diz Lacan –, assume uma função vocal. Neste nível, a
interpretação – como o recorda Ana Laura Prates em seu prelúdio – opera menos
“pelo que quer dizer” do que pelo fato de que “isso fala” (XII Encontro Nacional
da EPFCL – Brasil. Salvador, 2011).
Essa terceira dimensão é a da temporalidade de um buraco que se abre e se fecha
e, por isso, a interpretação não produz somente o começo da análise, mas também
as condições de possibilidade de seu final. Porque a palavra fusión não somente
une os termos desunidos do ser feminino, mas, ao mesmo tempo, os separa. Por
um lado, porque interpõe outras quatro letras entre o F e o N, preenchendo o
espaço da transferência. Mas, além disso, – e fundamentalmente – porque acres-
centa o efeito sonoro (inclusive musical) sem o qual a intervenção do analista se
reduziria a uma palavra morta. É por essa via que a interpretação “toca o sinto-
ma”: “toca”, no sentido musical e instrumental do termo, o sintoma entendido
como partitura (como composição musical escrita). Essa voz a minúscula, que o
analista encarna com sua presença, intervém em contraponto ao significante e a
letra, instituindo-se como condição de possibilidade da análise.
A partir daí, começou um longo murmúrio da verdade que se estendeu durante
quatorze anos e muitíssimos sonhos. Fiquem tranquilos! Não irei relatar-lhes es-
ses quatorze anos de análise, irei diretamente ao final.
A parte final da análise – que já faz tempo costumo denominar “o corredor do
passe” – também esteve marcada pelos sonhos e sua interpretação. Quatro desses
sonhos são suficientes para situar o que lhes quero dizer hoje. Neles, se elabora
um mesmo conteúdo: a relação do desejo com o gozo fálico e com o Outro gozo.
No primeiro: tenho uma relação sexual com uma mulher. Meu irmão está atrás
de mim emprestando-me o órgão. No segundo: estou deitado em uma maca a pon-
to de parir. No terceiro: estou grávido, mas não sou a mãe do bebê. Simplesmente
empresto meu ventre para que alguém tenha um filho. E no quarto: deixo meu filho
recém-nascido um tempo em um hospital. Vou embora com minha mulher para
desfrutar um tempo a sós.
O que quero destacar hoje é o “dizer interpretativo” que os condicionou. Cha-
mo-o de “dizer interpretativo” à falta de um termo mais preciso, mas, de qualquer
forma, o que quero destacar é a diferença em relação à intervenção pontual que
deu início à análise. Nesta parte final, a interpretação não se localiza em uma
só intervenção nem se pode atribuí-la facilmente à pessoa do analista, trata-se,
melhor, do dizer da análise. Entretanto, intervêm aí as mesmas três dimensões.
1) No que se refere ao campo da linguagem, os termos significantes foram: ges-
tão e gestação. Nesse caso, creio, faz-se mais evidente pela série de sonhos, que
o que conta não é tanto o múltiplo significado dos termos senão a operação de

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Ecos do passe. (A voz-a nova)

deslocamento de um termo a outro (de gestão a gestação) e sua consequência, a


redução do sentido ao sem sentido do sexo. Porque – como recorda Sonia Alberti
em seu prelúdio – “o sentido, que é sexual, fracassa porque sempre fracassa a re-
lação sexual enquanto escrita”. Nesse limite, em que o sentido choca-se contra o
impossível de dizer da relação sexual, produz-se o deslocamento da significação
fálica em direção ao buraco de onde surge a criação.
2) Quanto à instância da letra, o dizer interpretativo responde a uma lógica
comparável, mas diferente. Não é tanto a de unir e separar, senão a de cortar e
acoplar. O significante gestão – primeiro dos dois significantes a surgir – vai se
recortando entre os termos do discurso analisante e se acopla ao significante ges-
tação, que materialmente o inclui, mas, ao mesmo tempo, o excede.
3) Mas, além disso, os termos soam distintos, e daí a terceira dimensão. O se-
gundo termo é, por assim dizer, o prolongamento sonoro do primeiro. Já não
se opõem nem se distinguem com nitidez. Analogamente ao que ocorria com o
termo fusión na porta de entrada da análise, o termo gestação “passa ao ato”, se
“realiza”. Com isso quero dizer que não é somente o sentido da palavra que conta,
senão que ela mesma é uma “gestação”. Reconheço aí uma gesta da própria pala-
vra. Ou, como já disse em alguns dos testemunhos anteriores, considero o termo
gestação como um “velho significante reinventado”, cuja participação no final da
análise foi fundamental. A meu modo de ver, a série de quatro sonhos expressa
que o gestado não é todo meu e que a mulher não é toda mãe. Acrescento, a respei-
to da cena sobre a qual recai a interpretação que inaugurou a análise, que o nome
de meu grupo de música era Gesta Urbana (em homenagem ao conhecido grupo
brasileiro Legião Urbana). Dito de uma última maneira: esse significante “esteve
desde o começo, uma vez que se produziu no final”. Daí que a lógica da interpre-
tação seja ao mesmo tempo a lógica da cura.
Então, estritamente falando, o sonho que pôs ponto final ao trabalho de aná-
lise foi outro (e é aí que quero dar ênfase). A imagem do sonho é a de uma cena
(escena) e um jantar (cena)1 de mulheres, e volta a enfocar a operação de corte e
acoplamento entre os termos que dão suporte material ao trabalho do sonho. A
lógica está determinada pela escena (primeiro termo) e cena (segundo termo), e
daí a pergunta pelo gozo e pelo desejo feminino.
O relato aproximado do sonho é o seguinte: consigo que me convidem e me
façam partícipe de um passeio de mulheres. Vamos todas jantar (cenar). Sou uma
mulher mais entre as mulheres, o que me causa expectativas e uma grande curio-
sidade por aquilo que falam.
Ao relatar esse sonho em sessão, advirto que se produz um efeito de perda do

1  NT: Escena (cena) e cena (jantar) são palavras homófonas em espanhol.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.29-40 novembro 2012 33


Mazzuca, Marcelo

“gozo da curiosidade”. O sentido da cena (escena) perde-se definitivamente. Já


não há grandes segredos, as mulheres jantam (cenan), como qualquer outro ser
humano. Sem dúvida, quando o vazio de suas bocas lhes permite, também falam
(e habitualmente falam muito). Mas não falam de nada em particular, simples-
mente falam e, claro, gozam (mesmo que não tenham nenhum pedacinho em
suas bocas).
Pouco tempo depois daquela sessão (sessão de análise e cessão de gozo) – não
recordo exatamente quanto – a análise chegou a seu fim. E esse final merece uma
nota à parte.
Posso testemunhar com dificuldade sobre aquilo que motivou o fechamento
da experiência, porque foi uma satisfação mais do que uma conclusão lógica o
que marcou o final. Isso sim: lembro-o com muito detalhe. Apareceu uma noite
a caminho de um espetáculo de música e de teatro em que atuava com o trio de
tango do qual sou integrante e fundador (ou, dito de outro modo, participo de
sua gestão e fui artífice principal de sua gestação). Essa noite, “soube” – sem saber
muito bem por que – que a próxima sessão de minha análise seria a última, e pos-
so dizer que experimentei, no cenário, uma soltura cujos efeitos foram variados e
notórios. Para sintetizá-los, hoje, diria que esse novo estado emotivo fazia que a
voz fluísse sem travas. Entendo que esse foi um dos destinos da análise, um efeito
de sublimação.
Poucos dias, logo depois da sessão final, os sonhos desapareceram durante vários
meses, um fato surpreendente em função da presença que haviam tido para mim
durante tantos anos. Voltaram a aparecer para inaugurar a experiência do passe.

2. A canção do passe (A experiência do passe)

Da série de sonhos do passe – que também foram vários, apesar de muitíssimo


menos que os da análise – irei contar-lhes apenas três. (1) O que abre a porta ao
dispositivo; (2) o que o fecha, e um terceiro; (3) que mostra até que ponto respondi
à interpelação do passe não somente com meu nome próprio, mas também com
meu nome de artista, isto é, o nome Arzeno. Começo por este sonho.
O sonho, cujo cenário reproduzia o consultório do primeiro passador, era o
seguinte: um dos integrantes de Los Hermanos Arzeno (esse é o nome completo do
meu trio de tango) chegava atrasado ao show. Além disso, o violão quebrava e era
preciso improvisar. Uma espécie de lutier inventa uma corda e uma ponte para o
violão. Eu me dispunha então a improvisar uma de minhas composições próprias,
adaptando a letra para fazer referência a meu companheiro ausente.
Deste sonho surge para mim uma forma de conceber o dispositivo do passe: é

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Ecos do passe. (A voz-a nova)

como cantar uma canção a alguém, ou melhor, como repetir a canção da análise
(respeitando sua estrutura formal), mas reinventando sua letra e harmonizando
a voz em função do interlocutor da vez. Em síntese, como contar uma piada, em
função de sua economia e sua ressonância, mas uma cuja sonoridade – cito um
texto de Pascale Leray publicado na Wunsh 9 – “um dizer específico do passe, que
faz signo do real”. Nesse mesmo sentido, deixo explícito que estou de acordo com
outro dos trabalhos da Wunsh 9 (p. 33), o de Elisabeth Léturgie, que propõe a exis-
tência de sonhos que são testemunhos de uma possível “inscrição inconsciente do
passe” (Ibid. p. 14).
Tomo então os outros dois sonhos do passe, o do começo e o do final. O que me
interessa destacar em ambos os casos é uma mesma coisa: a função causal de uma
voz feminina e de uma língua estrangeira.
No primeiro desses sonhos, uma pessoa, com um esquisito aparelho inventado,
projetava da varanda de um apartamento, imagens na superfície do prédio da fren-
te. Como nos casos anteriores, volto a destacar que o que interessa do sonho não
é seu sentido (que nesse caso pode ser reduzido ao sem-sentido do significante
invenção), e sim o dizer e o objeto que o causam. Nesta oportunidade, foi a frase
pronunciada pela pessoa que interrogou minha demanda de passe. Uma mulher
que fala uma língua estrangeira e que, ao pronunciar em língua espanhola, conta-
mina o dito com seu próprio canto. Suas palavras precisas foram as seguintes: “A
partir de agora, você tem que inventar”.
Uma voz similar foi a que interveio para causar o último sonho, o que encerra
a experiência do passe. Confesso que não retive muito aquelas palavras, mas sim
a notícia de minha nomeação como AE. Por isso, assumo que foi somente aquela
voz (comunicando-me a nomeação) que causou o trabalho do sonho final.
Este último sonho consistia, simplesmente, na colocação em imagem de três
gerações de mulheres de uma mesma família. Uma delas a ponto de “descansar em
paz”, as outras duas conversando e se virando com a sorte.
Entendo que este último sonho escreve morte e feminilidade, movimento e
quietude, mas também – e essencialmente – a transmissão oral do desejo e da
palavra viva de geração em geração (palavra que não é necessariamente paterna).
A partir daí, pude apreciar melhor um dos aspectos postos em jogo no sonho que
inaugurou a análise. Vou dizê-lo assim: o que esse sonho representava (mediante
o horror da imagem petrificada dos corpos) talvez não fosse mais que a versão pa-
terna do “traumatismo” provocado pela “canção” materna. Mais precisamente, o
traumatismo da língua que a canção materna permite incorporar, “o inconsciente
musical”, segundo a expressão que Antonio Quinet utiliza em seu prelúdio (XII
Encontro Nacional da EPFCL – Brasil. Salvador, 2011). Acrescento que minha mãe,
quando eu era pequeno, cantava tangos para mim no momento em que tentava pe-

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Mazzuca, Marcelo

gar no sono (eu soube disso não faz muito tempo). Digamos, uma espécie de “can-
ção de ninar” amorosa e traumática ao mesmo tempo, em síntese: “sintomática”.
Por isso, se tivesse que resumir o que o último sonho do passe representa, diria:
Uma voz-a nova, que não é inteiramente minha, mas tampouco de alguém em
particular. É “a voz de ninguém” – como dizia Lacan do sonho de Freud –, ou me-
lhor, a voz da Escola. Dela, gostaria de dizer-lhes umas palavras antes de concluir.

3. A voz-a nova (As continuações da análise)

Começo esclarecendo que a série de sonhos que lhes relatei, tanto os da análise
quanto os do passe, não cumpriram a função mais habitual de promover as asso-
ciações do analisante, o que Colette Soler denominou há muito tempo “o sonho
como vetor da palavra” (2007). Neste caso, são todos sonhos-índice (assim os ba-
tizei no segundo de meus testemunhos) e cumprem outra função na experiência.
Indicam sobre a tomada de posição do ser falante perante o buraco da verdade
e ao tampão do real. Há então aí uma dimensão ética a considerar e, para poder
fazê-lo, irei relatar-lhes dois últimos sonhos.
O primeiro deles pertence ao período que vai do final da análise até o começo
do trabalho do passe. O segundo desses sonhos é muito mais recente e pertence ao
período posterior à experiência do passe. Como verão, ambos compartilham a ca-
racterística de serem sonhos produzidos fora dos dispositivos de análise e do passe.
O primeiro consistia, simplesmente, em uma imagem em movimento: via dois
ou três dedos de minha mão derretendo. Um nítido sonho de castração, mas sem
signos de horror nem de angústia. Mas, mesmo assim, foi muito impactante, não
somente pela hipernitidez e contundência daquela imagem, porém, também, por-
que interrompeu um extenso período de vários meses sem sonhar. Era o índice
de um desejo novo, o de participar da experiência do passe que a Escola oferece.
Um sonho êxtimo: porque não pertence nem à análise nem ao passe e, ao mesmo
tempo, pertence a ambos. Digamos que foi o “eco” da análise que “orquestrou”
a experiência do passe. E creio que se este sonho tivesse algum sentido seria o
seguinte: o buraco da verdade é a castração.
Vou agora ao último sonho. Com ele, farei referência às “continuações” da expe-
riência. O que me interessa pensar não é tanto o estatuto do “analisado”, mas o modo
como aquele que passou ao lugar de analista pôde retomar sua posição analisante.
Dito de outro modo, interessa-me a formação do analista, que tem algo de in-
terminável e cuja base fundamental é a própria experiência analisante. Recordo as
palavras de Lacan, que privilegiou as formações do inconsciente na formação do
analista. Posso, inclusive, coincidir com Freud, que propunha aos analistas reto-

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Ecos do passe. (A voz-a nova)

mar a análise a cada cinco anos, mesmo que não esteja de acordo em dois pontos.
Primeiro, porque não me parece que seja possível determinar de maneira geral a
cada quanto tempo um analista deve retomar sua posição analisante (isso é caso
a caso). Mas, fundamentalmente – e esta seria minha segunda objeção – porque
não me parece que seja estritamente necessário voltar ao dispositivo freudiano
para que o analista dê lugar à condição analisante.
Como diz Lacan em O aturdito, fazer a experiência do final da análise pode
fazer que o analisado fabrique-se uma nova “conduta”, sem por isso supor que
seu inconsciente foi eliminado. Pelo contrário, é sobre a base de sua relação ao
inconsciente que o analisado poderia fazer-se uma conduta na vida em geral e em
sua relação com a psicanálise em particular, já que é desse inconsciente – como
diz Lacan – do qual oportunamente se vale para dar uma interpretação.
No meu caso, confesso-lhes que não somente continuo sonhando, como pode-
rão supor, mas também que continuo utilizando os sonhos (ao menos alguns) em
função de uma conduta que, hoje em dia, não considero senão no âmbito de mi-
nha relação com a Escola. Por esta razão, o título de minha intervenção em Paris
será: “O AnalistanalisantE”, tudo junto, expressão que tomei de Matías Buttini,2
um de meus colegas do FARP.
Passo então, agora sim, ao relato do único sonho (após o passe) em que aparece
quem fora meu analista. A situação era a seguinte: fazia parte da casa-consultório
de quem fora meu analista, onde também havia outras pessoas que pareciam per-
tencer a um grupo de estudos. O clima era de muito relax e diversão. Sobre uma
pequena mesa estava apoiado um livro de capa amarela, com algumas linhas de
outras cores (como se fossem serpentinas) e com algumas marcas (como se partes
de suas letras estivessem tachadas). Era uma publicação de quem fora meu analis-
ta e de alguns colaboradores, sobre o ato analítico. Pergunto, com interesse, sobre
o conteúdo da publicação, mas, quem fora meu analista, lhe retira todo valor e
importância. Finalmente, saio daquela casa-consultório, sentindo que não era de
todo bem-vindo. Até aqui o sonho.
O que rapidamente pude perceber foi o quanto a página inicial do livro do so-
nho se parecia com a versão impressa que tenho do Seminário 15. Sobretudo, pa-
recida com o cartaz de propaganda de um dos candidatos ao governo de Buenos
Aires. A estratégia publicitária dessa campanha gráfica era a seguinte: expunha-
-se, sobre um fundo amarelo com serpentinas coloridas, uma foto com o estereó-
tipo de pessoas com as quais, evidentemente, o candidato ao governo não sim-
patiza nem um pouco. Uma pessoa, por exemplo, com a camiseta do River Plate
(equipe de futebol para a qual torço) rival histórico do Boca Juniors (clube do qual

2  El analista-analizante. Trabalho de sua autoria apresentado na mesa do Espaço Escola das Jor-
nadas das AlSur, em julho de 2011.

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Mazzuca, Marcelo

foi presidente o candidato ao governo). A isto se acrescentava a seguinte legenda:


“você é bem-vindo” (“vos sos bienvenido”). Mas, o cartaz que eu havia visto tinha
sofrido uma série de intervenções urbanas, que valiam como uma interpretação.
Na palavra VOS, acrescentaram um risco à letra V (transformando-a em um N)
e também riscaram a letra S, transformando a frase “você é bem-vindo” (“vos sos
bienvenido”) em “não és bem-vindo” (“no sos bienvenido”). Isso seria o que cor-
responde ao resto diurno que motivou o sonho.
Acrescento que, na época, tinha interesse de estudar o seminário de Lacan so-
bre o ato psicanalítico, o que, finalmente, estou fazendo hoje em dia em um tra-
balho de cartel. Havia dito a mim mesmo que não poderia deixar passar mais
tempo sem ler esse seminário detalhadamente, em um momento em que minha
experiência do passe e meu trabalho de testemunhar estavam perdendo um pou-
co de força e vivacidade. Evidentemente, estava buscando algum Outro que me
proporcionasse o saber sobre o ato psicanalítico, e entendo que daí surge o valor
do sonho. É como se recebesse a seguinte resposta: você não é bem-vindo, não há
nesse consultório nem neste livro nada que possa lhe servir. Você terá que se virar
com o que conseguiu saber sobre o ato a partir de sua própria experiência como
analisante e, eventualmente, retomá-la desde os limites desse saber.
Então, para terminar, deixo-lhes três impressões como resultado do pequeno
trabalho que, como “analisante sem análise”, fiz desta última formação onírica.
Primeiro, que o efeito de afeto foi claro e contundente: a partir daí retomei com
muito mais força e entusiasmo a tarefa que vinha realizando na qualidade de AE.
Segundo, que o sentido que lhe atribuiria ao sonho seria o seguinte: não há
doutrina do ato que assegure sua subsistência.
Terceiro, que esta é uma das manifestações, via inconsciente, daquela voz que
não é minha, mas que tampouco é de ninguém, e que escolho qualificar como o
canto que a Escola interpreta, no sentido musical do termo: uma voz-a nova.
Entendo que por meio dela repercute esse pedaço de real que percute nossos
ouvidos, levando-nos à formação do sonho. Trata-se, como propunha Lacan, de
tentar despertar, o que implica uma orientação ética para o trabalho de nossa
Escola. Mas, cuidado! Não há despertar do real que seja definitivo. Cedo ou tarde,
a verdade mentirosa volta a murmurar seu meio-dizer. Trata-se, então, de con-
tinuar conversando, de uma “colocação em diálogo de comunidade” que tente
escrever algo do real que nos mantém vivo e nos orienta. Para isso, é preciso poder
dar lugar a uma voz-a nova. Ou – como diz Dominique Fingermann no texto de
seu prelúdio –, a “um oco proporcionando sempre um eco por vir” (XII Encontro
Nacional da EPFCL – Brasil. Salvador, 2011).

Tradução: Maria Claudia Formigoni


Revisão: Ana Paula Gianesi

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Ecos do passe. (A voz-a nova)

referências bibliográficas
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LACAN, J. (1954-55). O Seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da
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Antonio Quinet. Rio de Janeiro, Zahar, 1985. 413p.
_________. (1972). O aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro:
Zahar, 2003, p. 448-497.
LERAY, P. A abertura a uma nova satisfação. In: Wunsch no 9, Boletim Interna-
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LÉTURGIE, E. Depois do passe. In: Wunsch no 9, Boletín Internacional da EPFCL,
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SOLER, C. Acerca del sueño. In: Finales de análisis. Tradução de Graciela Brodsky
e Adriana Torres. Buenos Aires: Manantial, 2007. 150p.

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Mazzuca, Marcelo

resumo
O tema do presente trabalho é a lógica da interpretação, com es-
pecial atenção ao problema do final de análise e suas continua-
ções. Para tanto, tais questões são abordadas a partir da pergunta
sobre a função do sonho, mas para interrogá-lo a partir do sesgo
do objeto “pequeno a”, mais concretamente sua dimensão de voz.
Sob a expressão “voz-a nova”, reúno algumas das consequências
do final de minha análise e da experiência no dispositivo do pas-
se. Em minha experiência analítica, os sonhos e sua interpretação
tiveram um valor fundamental. O que gostaria de ressaltar da
experência inicial? Que o sonho não é o inconsciente, e muito
menos o inconsciente real. Entretanto, dá lugar ao real, não pode
provocá-lo, mas sim evocá-lo. Essa dimensão do real repercute
no sonho, abrindo o campo do sentido com suas vozes e resso-
nâncias.

palavras-chave
Voz, objeto, sonho, interpretação.

abstract
The theme of this work is the logic of interpretation, with parti-
cular attention to the problem of end of analysis and its sequels.
Therefore, such issues are addressed from the question about
the function of the dream, but to interrogate it departing from
the profile of the “little a” object, more specifically, its voice di-
mension. Under the “new voice-a” expression, I collect some of
the consequences of the end of my analysis and the experience
in the pass device. In my onw analytical experience, dreams and
their interpretation have had an essential value. What would I
like to highlight from the initial experience? That the dream is
not the unconscious, much less the unconscious real. However,
it makes way to real, it cannot provoke, but evoke it. This di-
mension of the real resonates in the dream, opening up the field
of meaning with its voices and resonances.

keywords
Voice, object, dream, interpretation.

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ensaios
Por uma prática sem valor:
a suficiência e a conveniência
poética do psicanalista

Ana Laura Prates Pacheco

Na aula de 17 de maio de 1977 do Seminário 24 L’insu que sait de l’une bévue


s’aile à mourre (1976-1977), Lacan lança uma pergunta: seria o psicanalista poeta o
suficiente? Esta é a provocação que ele nos deixa, afirmando a seguir que “apenas
a poesia permite a interpretação”. Articular a interpretação à poesia e, portanto, às
leis da linguagem não é exatamente uma novidade em seu ensino. Desde o início,
Lacan demonstrou – com Freud – que o sintoma, assim com o sonho, é uma cifra
cuja lógica responde às mesmas leis que regem a combinatória significante: a me-
táfora e a metonímia: “a estrutura metafórica, que indica que é na substituição do
significante pelo significante que se produz um efeito de significação que é de poesia
ou criação” (1957, p. 519). Seria, então, a interpretação, homóloga à estrutura do in-
consciente? Vou tentar encaminhar esta questão com base em três breves recortes:

1. Um significante irredutível

Ora, não seria excessivo afirmar que a interpretação, enquanto resposta pró-
pria do psicanalista, funda a especificidade de seu discurso. Sendo solidária da
transferência, é ela que permite ao psicanalista interferir, com seu ato, na tarefa
do analisante, isto é, na associação livre. Mas qual seria a visada dessa resposta
específica, que faz girar o discurso, fundando uma nova razão? Há, então, dois
aspectos que se colocam de saída e de modo imbricado: a questão da verdade e
a do sentido. Para Lacan, desde o início de seu ensino, a verdade revelada pela
decifração está menos no nível semântico que responderia “o que isso quer dizer”
e mais na estrutura de “como isso diz”. Aqui, é patente o deslocamento do plano
hermenêutico para o estrutural, já que não é possível encontrar o par ordenado
entre interpretante e interpretado, objeto e representação.
Dessa forma, a interpretação é menos um método para se alcançar a ver-
dade recalcada, ou uma técnica de decifração, do que a tática relativa a uma
política de cura.

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Prates Pacheco, Ana Laura

O tempo restrito me impedirá de demonstrar os problemas teórico-clínicos que


foram se colocando, a partir de quando Lacan, fazendo Escola, inaugurou uma
clínica “além da rocha da castração”, com a criação do conceito de objeto a, causa
do desejo e mais de gozar. Deixo apenas indicado que estas questões o levaram a
se deparar com o impasse da fantasia, em relação ao qual sua resposta é a clínica
do passe. E aponto, rapidamente, duas consequências específicas para a interpre-
tação: a primeira delas, obviamente, é que a interpretação deve visar a essa causa.
A segunda é tributária do debate com Laplanche, o qual reduz a proposta lacania-
na de que a interpretação deve visar ao significante como sendo uma autorização
para a polissemia infinita: a interpretação estaria aberta a qualquer sentido. A
resposta de Lacan no Seminário 11 (1964) é contundente. Ele diz: “A interpretação
não está aberta a todos os sentidos (...). Ela tem por efeito fazer surgir um signifi-
cante irredutível” (p. 236).
Vemos aqui, antecipada de forma extraordinária, a escrita do discurso do ana-
lista, tal como Lacan apresenta no Seminário 17 O avesso da psicanálise (1969-
1970), com o S1 no lugar da produção. Seria esse S1 o mesmo que, no discurso
fundante da estrutura, o Discurso do Mestre, estava no lugar do agente da produ-
ção da causa do desejo?
a $
S2 S1

2. Um dizer

Avancemos para o Lacan de 1972, para destacarmos esse ponto, que me parece
essencial: “é a partir do discurso em que se funda a realidade da fantasia que aqui-
lo que há de real nessa realidade se acha inscrito” (O Aturdito, p. 478). A questão,
portanto, que orienta os últimos dez anos do ensino de Lacan é exatamente esta:
como propor uma clínica que possa ser orientada pelo que há de real nessa reali-
dade? No Seminário 20 (1972-1973), por exemplo, Lacan formula essa ousadia da
clínica psicanalítica desse modo: “O sério (...) só pode ser o serial. Isto só se obtém
depois de um tempo muito longo de extração, de extração para fora da lingua-
gem, de algo que lá está preso” (p. 31).
Assim, por um lado, a interpretação deve visar extrair esse “algo” a partir da
produção do UM determinante, tal como lemos na escrita do discurso do psica-
nalista. Por outro lado, e eis o paradoxo, não há como operar essa extração a não
ser passando pelo sentido. Essa é a razão pela qual, no meu entender, Lacan pre-
cisará recorrer de modo simultâneo e indissociável a dois recursos: a criação de
uma subversão no plano da lógica pela via do matema (sobretudo as fórmulas da

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Por uma prática sem valor: a suficiência e a conveniência poética do psicanalista

sexuação), que corresponde à interpretação como apofântico; e a valorização do


ato pela via do poema, que corresponde à interpretação como equívoco. Eu diria
que a apresentação desse programa está declarada no texto O Aturdito (op. cit.), e
que Lacan, em seus últimos seminários, nos deixa de herança várias indicações a
respeito desses dois eixos – como eu disse, indissociáveis em nossa experiência – e
em relação aos quais estamos nos havendo com as consequências, sobretudo no
dispositivo do passe.
“É a prática do analista”, ele nos diz, “que deve dar conta de que haja cortes do
discurso tais que modifiquem a estrutura que ele acolhe originalmente” (Ibid. p.
479). Qual a estrutura que ele acolhe? Trata-se, justamente, da estrutura que pos-
sibilitou que um dizer passasse a ocupar o lugar de significante mestre para que os
ditos pudessem articular-se à verdade, ainda que fantasmática. É dessa forma que
o dizer se demonstra por escapar ao dito, e ex-siste em relação à verdade. Vejamos
o que diz Lacan a esse respeito, no Seminário 23:

O que Freud sustenta como inconsciente supõe sempre um saber, e um saber


falado. O inconsciente é inteiramente redutível a um saber. É o mínimo que su-
põe o fato de ele poder ser interpretado. É claro que esse saber exige no mínimo
dois suportes, que denominamos termos, simbolizando-os por letras. Daí minha
escrita do saber como tendo suporte no S com índice S2. A definição que dou do
significante ao qual confiro o suporte S índice 1 é representar um sujeito como
tal e representá-lo verdadeiramente. Verdadeiramente quer dizer, nesse caso,
conforme a realidade. O verdadeiro é dizer conforme a realidade. A realidade,
nesse caso, é o que funciona verdadeiramente. Mas o que funciona verdadeira-
mente não tem nada a ver com o que designo como real. (...) Em outros termos,
a instância do saber renovada por Freud, quero dizer renovada sob a forma do
inconsciente, não supõe obrigatoriamente de modo algum o real de que me sirvo
(LACAN, 1975-1976, p. 127-128).

Assim, é graças à interpretação que o analista, com seu dizer apofântico, pode
operar sobre os modos redutivos da demanda neurótica que envelopa o conjunto
dos ditos e extrair daí um dizer. Aqui, é preciso tomar a etimologia da palavra
apofântico: apo (embaixo) e phaos (luz). É curioso que Lacan, após afirmar que o
dizer da interpretação tem o estatuto apofântico, retoma o fato de que ela incide
sobre a causa do desejo. E completa: “causa que ela revela” – poderíamos acres-
centar: mostra. E mais à frente, ele afirma que “a estrutura é o real que vem à luz
na linguagem”. A questão fundamental aqui colocada é que à extração do “um
dizer” corresponde o ab-sens, o não senso, o sem sentido, e a não relação sexual.
Por quê? Ora, afirma Lacan:

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Prates Pacheco, Ana Laura

O essencial do que disse Freud, é que há a maior relação entre esse uso das
palavras em uma espécie que tem palavras à sua disposição, e a sexualidade que
reina nessa espécie. A sexualidade é inteiramente tomada nessas palavras, esse é
o passo essencial que ele deu. É muito mais importante do que saber o que quer
dizer (Conferência de Bruxelas em 26/02/1977).

E em Momento de concluir (1977-1978), ele acrescenta: “O sexo é um dizer. Isso


vale quanto pesa. O sexo não define uma relação. Foi o que enunciei com a fórmu-
la: não há relação sexual”. Assim, podemos afirmar: “que se diga” é equivalente a
“não há relação sexual”.

3. Um significante novo

Vejam, portanto, que não basta a redução ao UM determinante, e a extração da


causa, já que é preciso se perguntar, ainda, como viver depois? É preciso se virar
(savoir y faire). Eu gosto bastante dessa tradução do savoir y fair por “se virar”:
aponta, por um lado, para uma decisão ativa, para um improviso, para a solidão
do ato no final da análise. Por outro, inclui o reviramento (do toro),1 a virada pelo
avesso, necessária para desfazer o envelopamento do simbólico. E ainda, porta a
conotação sexual, na origem chula da gíria “se vira”, apontando para um consen-
timento com um modo sexuado de gozo implicado na identificação ao sinthoma
– ao contrário do gozo (a)sexuado da fantasia. Lacan é sensível ao fato clínico de
que esse “se virar” não seja algo automático, muito menos espontâneo. Entre a
extração do “que se diga” e o “se virar” há um ato que instaura dois tempos. Além
disso, o sujeito sempre poderá promover, ainda, uma retenção ao UM como chan-
cela pseudoparanoica (saída não tão rara, inclusive no movimento psicanalítico)
ou forjar um cinismo relativista, sustentado no redobramento da consistência de
seu modo de gozo. Se coloco a questão assim de modo um pouco dramático é
porque é dessa forma que essa passagem se apresenta na clínica. A questão aqui é
sempre a mesma, formulada de várias formas: “E agora, o que é que eu faço com
isso?”, questão que aponta para o ato, e que convoca o analista e o analisante a
terem que se posicionar eticamente.
Esta é, assim me parece, a visada de Lacan quando nos provoca, nos convocando
a responder com nossa suficiência poética: a pó(ética) do ato. Aqui, o paradigma
é a interpretação pelo equívoco, na qual se privilegiam a homofonia, as brinca-

1  Remeto ao texto de Conrado Ramos “Considerações topológicas da passagem do sintoma ao


sinthoma”. In Stylus n. 23.

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Por uma prática sem valor: a suficiência e a conveniência poética do psicanalista

deiras e jogos com a língua. Mas, atenção, pois há aqui uma precisão importante:
são eles, os jogos de linguagem, que jogam conosco, exceto – como observa Lacan
– “quando os poetas os calculam e o psicanalista se serve deles onde convém” (O
Aturdito, p. 493). À homofonia poderíamos acrescentar também a homonímia e o
próprio jogo inter-línguas diferentes, cujo paradigma é o texto de Joyce.
Neste ponto, eu gostaria de fazer uma observação que me parece importante
e que diz respeito ao cálculo poético. Frequentemente ouvimos que o texto de
Joyce não tem sentido. Talvez pudéssemos corrigir essa afirmação, dizendo que,
se nos ativermos apenas à semântica, talvez ela fracasse na significação (Bedeu-
tung). Mas quanto ao sentido, o que encontramos é uma proliferação tão grande,
que ele perde o valor (lembrem-se do valor de verdade da fantasia), apontando
então para o ab-sens. Cada frase de Joyce foi construída como uma escultura, de
modo totalmente artificial e calculado. Não se trata de uma escrita automática.
Considero esse ponto importante, porque me parece que Lacan faz disso uma
espécie de paradigma metodológico, apresentado no próprio título do Seminário
L’insu (op. cit.).
Assim, me parece que Lacan está propondo em ato (pó)ético a mostração (para
além da demonstração) do que ele chamou no Seminário 23 (op. cit.) de usar até
gastar. A questão inicial da relação entre a verdade e o sentido desloca-se para a
de como “se virar” de forma inédita com a não relação entre o real e o sentido que
o sinthoma escreve. Lacan apela à topologia da planificação dos nós – rodinhas
de barbante (ronds de ficelles) que em francês também quer dizer “truque” – jus-
tamente para realizar a “mostração” da impossibilidade de aceder ao “peso do
real” sem os “sedimentos de linguagem”. Não nos esqueçamos que no “nó bo” o
sentido está no enodamento do imaginário e do simbólico, já que o real ex-siste ao
sentido. Usá-lo até gastar! Eis a escroqueria, a trapaça do psicanalista.
Na conferência proferida em Bruxelas (op. cit.), Lacan volta às histéricas, real-
çando que foi o Discurso da Histérica e seu encontro com o psicanalista que criou
um laço social sem precedentes na história: o Discurso do Psicanalista. “Elas, as
histéricas, evidentemente não sabem o que dizem com seu blá blá blá e seu chiqué,
sua metidez”, sua verdade mentirosa – como dirá Lacan em outro lugar. Eis o
inconsciente Une-bévue, corpo de palavras, que nada tem a ver com as represen-
tações. Nessa mesma conferência ele afirma que a psicanálise não tem outra saída
a não ser passar pelo sentido e, necessariamente, pelas palavras. Lacan diz que aí
chega Freud nos Estudos sobre a histeria (1893-1895): “é com palavras que isso se
resolve e é com palavras da própria paciente que o afeto se evapora”.
Eis, no meu entender, o que faz com que em Momento de concluir (op. cit.) ele
diga que a Psicanálise é a “prática da tagarelice”, e uma prática – ressalta – eficaz.
E indague: “Como é preciso que o analista opere para ser um retórico conveniente?”.

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Prates Pacheco, Ana Laura

Vimos que Lacan já havia advertido que o analista usa os jogos de linguagem,
assim como os poetas, quando lhes convém. Como sabemos, Lacan não é inocen-
te. Ele, que vinha havia um bom tempo definindo a psicanálise como práxis – ou
seja, a modalidade de ato na qual, para Aristóteles o agente, a finalidade e a produ-
ção são indissociáveis –, nos últimos seminários cria um neologismo (pouâte) que
articula o ato com o poeta, remetendo então a poiesis (Arte), cuja característica,
para Aristóteles, é justamente a de uma produção (obra) que apresenta um caráter
externo em relação ao agente. Esse é um terreno fértil para ser explorado, sobre-
tudo no que diz respeito à relação entre o papel do saber, o tipo de formação e
experiências implicadas em cada uma dessas ações, bem como o lugar da intenção
e da deliberação em cada uma delas, e ainda como as modalidades (necessário,
possível e contingente) aí comparecem.
Parece-me, entretanto, que mais uma vez Lacan está aqui operando uma sub-
versão nessa separação aristotélica. É evidente, também, que a poiesis aristotélica
não se restringe à poesia e que, por outro lado, Lacan está nesse momento conver-
sando com Jakobson, para quem “qualquer tentativa de reduzir a esfera da função
poética à poesia, ou de confinar a poesia à função poética seria uma simplificação
excessiva e enganadora” (1969 p. 128). Na função poética, a ênfase é dada na men-
sagem em si e não no que ela comunica.2 Aqui, Lacan pontua o efeito poético não
pela via da criação de sentido como havia feito em A instância da letra (op. cit.).
Aqui, prioriza-se a ressonância, o som: “o forçamento por onde um psicanalista
pode fazer ressoar outra coisa que o sentido” (L’insu, aula de 19/04/1977). Eis
a suficiência poética do psicanalista que está, desde sempre, no cálculo tático e
na conveniência da resposta à orientação real do “nó bo”, que foraclui o sentido
apontando para o ab-sens. Essa outra ressonância, afirma Lacan, nada tem a ver
com o belo: “Uma prática sem valor, eis o que trataria para nós de instituir” (Ibid.).

2  Para um maior aprofundamento nesta questão, tomei por referência a conferência de Silmia
Sobreira, apresentada nas Conferências de AME do FCL-SP: “Um significante novo: por que não?”.

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Por uma prática sem valor: a suficiência e a conveniência poética do psicanalista

referências bibliográficas
JAKOBSON, R. Linguística e poética. (1969). In: _______ Linguística e comuni-
cação. São Paulo: Editora Cultrix, 1969, 118 p.
LACAN, J. (1957). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In:
_________. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1998, p. 496-533.
_________. (1964). O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.
269p.
_________. (1969). O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Tradução de
Ary Roitman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992. 209p.
_________. (1972-73). O Seminário, livro 20: Mais ainda. Tradução de M. D.
Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. 201p.
_________. (1973). O Aturdito. In: LACAN, J. Outros Escritos. Tradução de Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 448-497.
_________. (1975-76). O Seminário, livro 23: o sinthoma. Tradução de Sergio
Laia; revisão André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, 249 p.
_________. O Seminário: L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre. (1976-77)
Inédito.
_________. Conferência de Bruxelas. (1977). Inédita.
_________. O Seminário: Momento de concluir. (1977-78). Inédito.

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Prates Pacheco, Ana Laura

resumo
No Seminário L’insu (1976-1977) Lacan lança uma pergunta:
seria o psicanalista poeta o suficiente? Esta é a provocação que
ele nos deixa, afirmando a seguir que “apenas a poesia permite
a interpretação”. Em meu desenvolvimento, destacarei que a ar-
ticulação entre interpretação e poesia – portanto, as leis da lin-
guagem – está presente no ensino de Lacan pelo menos desde A
instância da letra (1958). Lacan demonstrou – com Freud – que
o sintoma, assim com o sonho, é uma cifra cuja lógica responde
às mesmas leis que regem a combinatória significante: a metáfora
e a metonímia. A estrutura metafórica, especificamente, produz
um efeito de significação que é de poesia ou criação. Seria, então,
a interpretação, homóloga à estrutura do inconsciente? Vou ten-
tar encaminhar esta questão com base em três breves recortes: 1.
Um significante irredutível; 2. Um dizer; 3. Um significante novo.

palavras-chave
Interpretação, função poética, Aturdito.

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Por uma prática sem valor: a suficiência e a conveniência poética do psicanalista

abstract
In the Seminar L’Insu (1976-77), Lacan poses a question: Would
the Psychoanalyst be poet enough? This is the provocation he
leaves us with, further affirming that “only poetry allows in-
terpretation”. In my development, I will highlight that the ar-
ticulation between interpretation and poetry, and therefore the
laws of language, are present in Lacan’s teaching since at least
The instance of the letter (1958). Lacan has demonstrated – with
Freud – that the symptom, as well as the dream, is a metaphor,
a code whose logic responds to the same laws which orient the
significant combination: a metaphor and a metonym: the meta-
phoric structure, specifically, produces an effect of signification
which is poetry or creation. Would the interpretation then be
equal to the structure of the unconscious? I will try to work
on this question departing from three short perspectives: 1) An
irreducible significant; 2) A saying; 3) A new significant.

keywords
Interpretation, poetic function, Aturdito.

recebido
16/02/2012

aprovado
26/02/2012

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A interpretação:
uma arte com ética.

Antonio Quinet

O analista para se diferenciar dos outros agentes dos laços sociais, não deve res-
ponder diretamente à questão de quem o procura e sim fazê-lo falar. A singularida-
de de sua resposta reside, segundo Lacan, não no enunciado e sim na enunciação.
Trata-se de uma resposta enviesada, à côté, uma para-resposta, regida pela ética da
psicanálise. O analista está advertido do poder de comando de todo enunciado e
de que é por sua enunciação que se coloca o desejo do analista. Quais as condições
da enunciação da resposta do analista chamada classicamente de interpretação?
Lacan nos aponta embaraço do termo interpretação para se nomear o dizer do ana-
lista, pois ele advém de “campos tão díspares quanto o oráculo e o fora-do-discurso da
psicose”. (LACAN, 1973/2003, p. 492).
Esta última é a resposta pela via do sentido por excelência. Na paranoia, ela
preenche o vazio da significação com um sentido ditado pelo postulado do de-
lírio. Toda interpretação pela via do sentido é paranoica, na medida em que se
refere a alguma significação pre-estabelecida. Ela é o avesso à ética da psicanálise
que nos orienta para a desalienação dos sentidos pré-fixados.
A interpretação oracular é feita pela via do signo. Lacan desde 1958 evoca o orá-
culo como exemplo de interpretação analítica: “Intérprete do que me é apresenta-
do em falas ou atos, decido acerca de meu oráculo e o articulo a meu gesto, único
mestre/senhor a bordo” (p. 594). E mais tarde cita Heráclito: o oráculo, como o
analista, não revela nem oculta, ele faz signo, dá um sinal. Em grego, a palavra
oráculo significa palavra obscura, enigma - que deve efetivamente ser o status da
interpretação analítica como forma de semi-dizer. No entanto, ela corre o risco
de ser tomada como vaticínio, fazendo com que o analisante leia seu destino no
enunciado oracular como Édipo, Rei.
Como sair do embaraço? Freud aponta o caminho: que o analista siga os cami-
nhos trilhados pelo artista. Tomemos, então, o termo INTERPRETAÇÃO como
interpretação de uma obra musical ou teatral. O músico interpreta uma obra com
seu instrumento, um ator interpreta um texto de um autor. A arte do analista
consiste na sua interpretação dos ditos do analisante. Vejamos o que essas moda-
lidades da interpretação artística ensinam ao analista.

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Quinet, Antonio

Interpretação e inconsciente musical

A interpretação analítica solidária do inconsciente como saber de lalíngua é a


que leva em conta, por um lado, os equívocos de que ela é feita, por outro lado,
seus arranjos musicais, que se encontram na enunciação. Equivocidade e música
são as características da interpretação poética. É o sem-sentido próprio da músi-
ca, presente na fala, que nos permite escapar ao autoritarismo do significante, que
sempre tende a antecipar um sentido.
Lacan afirma que o corpo está ligado ao que da língua se canta (1976/2003, p.
565). Se Joyce nos mostra um manejo de lalíngua que nos remete à interpretação
poética, é por ele ter feito a opção pela musicalidade das palavras, em detrimento
do sentido, diz Joyce, que “amava mais o erguer e o tombar rítmico das palavras
do que suas associações” (2001, p. 186). E chama de canção a própria poesia. “Uma
canção de Shakespeare ou de Verlaine, em aparência tão livre e vivaz ... nada mais
é do que a expressão rítmica de uma emoção” (1982, p. 388). Com efeito, Um re-
trato do artista quando jovem começa com duas canções, uma do pai e outra da
mãe que o faz dançar: Tralala lala,/ Tralala tralaladdy,/ Tralala lala,/ Tralala lala.
E logo em seguida ele conta sua primeira epifania, como todas, musical, com a voz
do supereu. Pull out his eyes,/Apologize,/Apologize,/Pull out his eyes. (1968, p. 3).
Seus olhos arrancar,/Se desculpar,/Se desculpar,/ Seus olhos arrancar.
Uma interpretação analítica pós-joyciana é a que está à altura do inconsciente
musical, estruturado por lalíngua, que inclui portanto o trá-lá-lá do real, que res-
tou da lalação, composta pelos traumatismos da língua materna. Pois, lalíngua é
composta por significantes da língua materna + a música com a qual foram ditos.
A interpretação poética do analista joga não apenas com o equívoco do signi-
ficante, mas também com a organização de silêncio e sons, altura, intensidade,
mudanças de timbre e volume de sua voz. Se o analista muda a entonação de sua
voz usando os mesmos significantes do analisante, o efeito é outro apesar de o
enunciado ser o mesmo. A poesia, como diz Ezra Pound, é words set to music.
“Basta escutar a poesia”, diz Lacan, “para que nela se faça ouvir uma polifonia
e para que todo discurso revele alinhar-se nas diversas pautas de uma partitura”
(1957/1998, p. 506). A música de uma fala com seu tom, andamento, pausas e sons
presentifica o real. A razão da ética da interpretação analítica é sua ressonância,
sua réson (com a letra e) como escreve o poeta Francis Ponge ao qual Lacan se
refere em seu seminário O Saber do psicanalista, onde se pergunta: “o que ressoa –
seria isso a origem da “res”, com a qual se faz a realidade?” (1972/2011, p. 85-86).1
O analista, como um músico, interpreta a partitura do analisante. Ele aponta para

1  Jacques Lacan, O saber do psicanalista, cujas três primeiras conferências foram editadas como
Estou falando com as paredes.

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A interpretação: uma arte com ética.

aquela música que o próprio autor não escuta.


A para-resposta do analista corresponde à enigmatização do enunciado. Em
vez de satisfazer a pergunta, ele a transforma em outra questão - inesperada –
transformando o interlocutor em decifrador.

A mise-en-acte do analista

Com a retomada da psicanálise no campo do gozo, Lacan nos introduz à clínica


do ato e nos faz passar da talking cure para a acting cure, da clínica da fala à clínica
do ato, dos ditos ao dizer, definido como todo fazer que funda um fato. Uma vez
inscrito num laço social, todo ato é da ordem do semblante, ou seja, um acting,
uma representação no sentido teatral, um make believe. Todo agente de cada dis-
curso deve eticamente se submeter a uma performance para que seu ato tenha
efeitos no real, inclusive o analista, que deve fazer semblante de objeto a, que é o
semblante, por excelência que permite o simbólico fisgar o real.
O semblante é também a característica do próprio significante. Como então o
analista pode fazer semblante de a, que por estrutura tem “aversão ao semblante”
por estar fora do significante? Pois bem, se você tira o significante do semblante o
que resta? A pura enunciação: é por meio dela que o objeto a se presentifica.
O mesmo enunciado pode estabelecer qualquer laço social de acordo com sua
enunciação, que é a maneira de colocá-lo em cena. A enunciação não implica so-
mente a fala, mas também os gestos, os movimentos e o contexto. A enunciação
corresponde à encenação. A enunciação de lalíngua designa não apenas a maneira
de falar, mas também o contexto em que os traumatismos da língua foram perpe-
trados, os gestos que os acompanhavam, o cenário, os personagens que estavam
presentes, enfim, tudo o que compõe a situação, como na cena de infância de Joyce.
Lacan fazia uma palavra dizer qualquer coisa que ele quisesse. A maneira como
se fala trará um dizer para além do sentido dos ditos. Falar qualquer texto já é
uma interpretação, no sentido teatral. Nesse sentido, falar é interpretar. A inter-
pretação de um texto pode inclusive dizer o oposto do que está sendo dito.
Lacan propõe duas modalidades de semi-dizer da interpretação: o enigma e a
citação. Ao enigma ele faz corresponder à enunciação e a citação ao texto colhido
na trama da fala do analisante e citado pelo analista para o próprio analisante.
Assim, o enunciado é enigmatizado por sua enunciação trazendo à cena o que
está fora do discurso e que, no entanto, o causa. Como um ator faz com o texto
dramatúrgico, o analista interpreta o texto do analisante a partir de uma encena-
ção. O analista confere à literalidade do texto a teatralidade do semblante.
Assim como o teatro, a cena analítica deve ser o lugar da poesia viva. O analista
é o intérprete que vivifica lalíngua, para o analisante, na poiesis de seu dizer. O

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Quinet, Antonio

analista se apaga como sujeito e se inter-presta ao semblante na cena analítica.


Ele entra assim na Outra Cena e passa a fazer parte do inconsciente real. Não há
como o ato analítico não utilizar-se do semblante para operar, pois é a única ma-
neira de se abordar o gozo e assim visar um pedaço de real do analisante.
O objeto a não é um personagem específico de uma peça escrita por algum
autor – é um lugar a ser ocupado. O objeto a, como semblante, pode ser todos os
personagens possíveis desde que sustentados pela verdade do saber que orienta a
estratégias dos semblantes. Tanto a psicanálise quanto o teatro lidam com a ence-
nação e fazem de um texto um ato. A teatralidade do analista não é qualquer uma:
ela tem por base a verdade. Não se trata de um faz de conta de mentira. É um faz
de conta de verdade, sustentado pela ética do bem dizer.
Lacan compara o analista com o ator de tragédia grega. “O semblante deve ser
porta-voz por se mostrar como máscara, abertamente usada como no palco gre-
go” (1972, lição de 10 de maio). Essa máscara é o semblante do personagem que
utiliza para interpretar. E esse semblante não precisa ser escondido. Ele “tem efei-
to por ser manifesto” continua Lacan - o analista não precisa fingir que não está
representando, ao contrário, ele explicita sua encenação e obtém efeitos de verda-
de no real. Essa mise-en-scéne do analista em seu ato se encontra desde o início do
ensino de Lacan comparando-a a intervenção do mestre zen: um sarcasmo, um
ponta-pé. São formas de enunciação. Atos sem palavras, como peças de Beckett,
onde coloca em cena a enunciação pura, sem enunciado algum.
O analista em seu ato de interpretar paga com sua encenação, não para que o
analisante goze, como um espectador, mas para que produza sua particularidade.
Ele produz seu dizer num ato cênico da ordem do semblante para fazer escutar a
função poética dos signos de sua interpretação. Na partitura da interpretação se
conjuga, assim, o fazer e os ditos, a enunciação global paralinguística e o signi-
ficante poético de lalíngua. O real não faz sentido, mas ressoa. Ele se manifesta
na ressonância de lalíngua, na sua musicalidade – por onde se expressa o real do
inconsciente. Lá onde o sentido se esvai, desvela-se um novo cogito para o ser
falante: Eu soo, logo existo. Eis onde deve incidir a interpretação do analista para
fazer ressoar algo do real do analisante.

56 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.53-58 novembro 2012


A interpretação: uma arte com ética.

referências bibliográficas
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LACAN, J. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
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Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003, p. 560-566.

resumo
Nesse artigo o autor interroga as condições da enunciação da
resposta do analista chamada classicamente de interpretação,
cujo termo advém de campos tão díspares. Inicialmente como
oráculo, que toma a via do signo e do enigma, correndo o risco
de ser tomada como vaticínio e também como fora-do-discurso
das psicoses, que toma o sentido paranoico como sua via por
excelência, portanto avessa à ética da psicanálise por referir-se
a uma significação pré-estabelecida. Para sair do embaraço de
nomear o dizer do analista com esse termo, o autor lembra que
Freud indicava o caminho trilhado pelo artista, ou seja, o da
interpretação musical ou teatral, justificando ao longo do texto
a escolha da sua trilha pelo inconsciente musical de lalíngua e a
mise-en-acte do analista.

palavras-chaves
Interpretação, lalíngua, mise-en-acte do analista.

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Quinet, Antonio

abstract
In this article the author questions the conditions of enunciation
of the analyst’s answer classically called interpretation, whose
term originates from diverse fields. Oracle at first, it follows the
way of the sign and the enigma, running the risk of being ta-
ken as prophecy and also as out of the discourse of the psycho-
ses, which takes the paranoid sense as its route par excellence,
thus resistant to the ethics of psychoanalysis for referring to a
pre-established signification. To get out of the embarrassing si-
tuation of labeling the saying of the analyst with such a term, the
author recalls that Freud would point to the path followed by the
artist, in other words, that of musical or theatrical interpretation,
justifying along the text the choice for his path by the musical
unconscious of lalingua and the mise-en-actedo analyst.

keywords
Interpretation, lalingua, mise-en-acte do analyst.

recebido
30/07/2012

aprovado
10/08/2012

58 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.53-58 novembro 2012


Quem tem medo
do ready-made?
Psicanálise, interpretação
e arte contemporânea

Sonia Borges

Como referência para desenvolver este trabalho, tomei a surpreendente defini-


ção da interpretação analítica proposta por Lacan, em 1974, em Roma, na con-
ferência A terceira. Diante de uma grande plateia, para assombro de todos, ao
desenvolver o tema da interpretação do sintoma, Lacan (1974/2005, p. 58) faz a
seguinte afirmação:

A interpretação deve ser sempre o ready-made, Marcel Duchamp, que ao me-


nos vocês ouçam disso alguma coisa, o essencial que há no jogo de palavras,
é isso que a nossa interpretação deve visar para não ser aquela que alimenta o
sentido do sintoma.

Com esta provocação, Lacan não só radicaliza a sua crítica à concepção her-
menêutica de interpretação, como ratifica a ideia do equívoco como o seu pa-
radigma: tal qual o ready-made, a interpretação deve apontar para os limites
da representação ou da linguagem, para o impossível de se dizer a coisa, para
o real.
Mas, o que é o ready-made, modelo para a interpretação? Segundo Pierre Ca-
bane (2008), um dos mais importantes críticos da obra de Duchamp, este objeto-
-arte pode ser pensado como “uma janela para alguma outra coisa”. Não seria esta
a função da interpretação?
Lacan diz de passagem que, embora o relacionem principalmente aos surrea-
listas, considera-se próximo do dadaísmo. O dadaísmo nasceu por volta de 1916
e congregou artistas plásticos, poetas e músicos que se rebelavam contra as ideias
burguesas existenciais e estéticas então vigentes. Para isso, tinham como arma
criações artísticas que veiculavam suas ideias pela via da ironia, da piada, do tro-
cadilho, ou melhor ainda, do non-sense.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.59-67 novembro 2012 59


Borges, Sonia

Parada amorosa. (1915). Coleção Particular.

Da Dandy (1913). Coleção Particular.

60 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.59-67 novembro 2012


Quem tem medo do ready-made? Psicanálise, interpretação e arte contemporânea

Na esteira desse movimento, Marcel Duchamp, o artista mais discutido do sé-


culo XX, inventou os ready-mades que, conforme Breton (1934, p. 42), são “objetos
manufaturados promovidos à dignidade de objetos de arte”. Aceitá-los como obra
de arte significa assumir que as diversas qualidades que, tradicionalmente, carac-
terizavam as obras de arte, tais como relação forma-conteúdo, habilidade do artis-
ta, estilo, expressão, gosto, beleza etc., não são mais, necessariamente, relevantes.
Diante desta “nova arte”, não se trata mais de contemplação, mas de experiência
com a produção do artista.

Fonte. (1915). Museu de Arte Moderna de Estocolmo.

Roda de bicicleta. (1913). Galeria Shwarz Milão.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.59-67 novembro 2012 61


Borges, Sonia

O Mictório, ou “Fonte”, título que já produz equívoco, a Roda de Bicicleta, o


“Porta-Garrafa”, o pé “Tortura-Morte”; assim como muitas outras de suas cria-
ções, quando expostas em um dos principais museus de Nova York, provocaram
uma subversão no campo das artes, cuja repercussão se estende até hoje, inclusive
no que tange à crítica de arte. Isto certamente se deve à prodigiosa repercussão
de seus efeitos coerentes com os objetivos do dadaísmo, a saber, a crítica ao que
Duchamp chamou de “arte retiniana”, ou arte representacional, arte produzida
conforme o modelo, então vigente, fundado na aliança entre arte, representação
e racionalismo.
É esta subversão provocada por Duchamp no campo das artes o alvo de certa
crítica que preconiza que suas obras, e a arte contemporânea de um modo geral,
nem mesmo devam ser reconhecidas como arte. Duchamp, talvez pela radica-
lização de seu trabalho, vem sendo o mais atingido. No Brasil, intelectuais re-
conhecidos como Ferreira Gullar e Afonso Romano de Sant’Ana, entre outros,
tecem constantes críticas a essa arte, mostrando verdadeira indignação diante
do trabalho de Duchamp e de outros artistas, mobilizados, talvez, pelo amplo
movimento e sucesso, inclusive internacional, da arte contemporânea brasilei-
ra. Em seu livro Desconstruir Duchamp, Afonso Romano (2003, p. 116) afirma:
“Passou-se a aceitar como arte tudo aquilo que o artista apresenta como obra de
arte. Passou a valer a assinatura, a intenção. Daí o silogismo perverso: se tudo é
arte, então nada é arte”.
Como se pode observar, é justamente o que preconizavam os dadaístas, o que
está no foco dessas críticas: o seu rompimento com a ideia clássica de arte como
representação, que se expressa muito bem no dito de um deles, Richard Huel-
senbek: “O bom é que não se consegue, e provavelmente não se deve entender o
Dadá” (DEMPSAY, p. 157).
A posição apaixonada destes críticos não viria da velha resistência ao descon-
forto inegável que qualquer representação que rompa a relação biunívoca entre
significante e significado nos traz? O que estaria em questão não seria a busca
ansiosa pela possibilidade de interpretação que mata a riqueza polissêmica e am-
bígua de nossas representações, palavras e imagens?
Lacan vai na contramão desta posição. Refere-se ao ready-made, na Terceira
(op. cit., p. 59), para recomendar ao analista que interprete “jogando com as pa-
lavras”, ou seja, de uma forma provocativa que rompa com significados estáveis,
que seja capaz de despertar o que o uso corrente do discurso ordinário adormece,
evitando-se, assim, engordar o sintoma com significados (p. 94). Para Lacan, em
última análise, trata-se de se ir além do deciframento dos significantes primor-
diais que instituíram o sujeito, retendo-o na posição de sofrimento. Deciframento
que, no entanto, não está descartado na direção das análises, como procedimento

62 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.59-67 novembro 2012


Quem tem medo do ready-made? Psicanálise, interpretação e arte contemporânea

que leva o sujeito a aceder a tais significantes que mostram a sua alienação ao
dito, ou à demanda do Outro. Em A direção do tratamento e os princípios de seu
poder, Lacan (1958/2005, p. 640) afirma: “é de uma fala que suspenda a marca que
o sujeito recebe do seu dito, e apenas dela, que poderia ser obtida a absolvição que
devolveria seu desejo”.
Assim sendo, pode-se perguntar: o que se faz, então, em uma análise? Decifra-
-se, ou se cria a partir do que já está ali? As duas coisas, certamente, pode-se res-
ponder. Decifrando-se, tem-se os efeitos de desalienação que, justamente, abrem
as possibilidades para o processo criativo que se pode experimentar no trabalho
analítico além do deciframento. Além do deciframento, porque esse é o ponto
em que o significante não mais representa o sujeito para outro significante, mas
o apresenta pela via de uma modalidade pulsional, a letra. Ponto ignorado pela
ciência, já que para se fazer exige a transgressão de que só o fazer poético é capaz.
O poético, que tomamos aqui no sentido grego do termo que, em uma de suas
acepções, remete à criação, àquilo que se opõe à theoria enquanto contemplação,
e à práxis como ação.
É com a poesia que Lacan, sobretudo a partir de 1970, esclarece o que é o ato
analítico, ressaltando que “a língua é fruto de uma maturação, de um amadureci-
mento de alguma coisa que se cristaliza no uso; já a poesia releva de uma violência
feita a este uso” (LACAN, 1976-1977/2005, lição de 15/03/1977). A poesia, assim
como toda arte, subsiste dessa violência que provoca na língua e, consequente-
mente, na cultura, transmutando o impossível em contingência. Quando Lacan
recomenda que a interpretação produzida pelo ato analítico tenha efeito de equí-
voco, assim como o ready-made o tem sobre os espectadores nos museus, e até
sobre os críticos, aponta para o seu necessário efeito de transgressão, travessia, de
ato no sentido estrito:

[...] enquanto está escrita, a obra [aqui Lacan se refere à escrita literária] não
imita o efeito do inconsciente. Ela coloca dele o equivalente, não menos real que
ele, por forjá-lo em sua inflexão (LACAN, 1977, apud LEITE, 2011, p. 37).

Estaria neste ponto – no ponto de violência da poesia e de toda arte – a cone-


xão que permite a homologia, feita por Lacan, entre a interpretação analítica e o
ready-made?
No entanto, sabemos que há também controvérsias e desconforto no campo da
psicanálise diante da radicalidade dessa orientação lacaniana quanto à interpre-
tação. Desconforto que advém por também se estar apontando, seja com a palavra
que equivoca, que faz enigma, seja com o semidizer ou com o corte em sessões
curtas, para os limites da linguagem que proíbem a assimilação entre interpre-

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.59-67 novembro 2012 63


Borges, Sonia

tação, significado e verdade. E isto, sem se renunciar a sustentar a existência de


um saber que pode dar conta da verdade, mas da verdade de inspiração heideg-
geriana, que está sempre escapando. “Não é o sentido que vocês interpretam”, diz
Lacan, “seja ele qual for, e sim o resto” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 141). Mais
adiante, volta à questão, precisando, no Seminário 11, que a interpretação, ela
mesma, é um não-senso, mas que é falso dizer que está aberta a qualquer sentido.
Afirma que não é isto, porque se trata de isolar no sujeito um coração, um KERN
de não-senso, ainda que a interpretação seja ela mesma um não-senso. Mas, como
se daria isto?
Quando Lacan se referiu ao ready-made, estavam em pauta os efeitos da inter-
pretação sobre o sintoma. O sujeito, em sua resposta ao real, busca estabelecer esta
montagem “teatral” – o sintoma – que lhe serve de anteparo. As formações do
inconsciente, e de modo especial o sintoma, são invenções particulares do sujeito
diante do real. Nenhum falante escapa desta perspectiva de ter que inventar esse
anteparo. “O que Descartes não sabia”, diz Lacan, também na Terceira, “é que, des-
de que se fale, há inconsciente” (p. 75). Esta é uma das definições de inconsciente
que nos apresenta neste texto. Mas, traz também que o inconsciente é “um saber
impossível”, dizendo a seguir que “o ato analítico é um saber sem sujeito”. Estas
definições já são suficientes para nos indicar que não podemos sustentar a ideia de
que a apreensão do inconsciente possa ser exaustiva. Por isso mesmo, a interpreta-
ção produzida pelo ato analítico é da ordem desse saber fazer, que é demonstrativo,
no sentido de que não se dá sem a possibilidade de um equívoco. Lacan ressalta,
inclusive, jogando com a homofonia permitida pelo francês, que “o um – equívo-
co” – l’une bévue – é uma tradução tão boa do Unbewusst quanto qualquer outra...
“L’une bévue é alguma coisa que substitui aquilo que se funda como saber que
se sabe, o princípio do saber que se sabe sem sabê-lo: é justamente nisso que o
inconsciente se presta àquilo que eu acreditei que devia suspender sob o título de
l’une bévue” (LACAN, 1976–1977, lição de 16/11/1976). Ou seja, l’une bévue é uma
escrita de outro registro que não a do significante, avessa a qualquer sistema como
tal, “um inconsciente suspenso e caracterizado por descontinuidade, que desliza
de palavra a palavra, sem a conexão metonímica; dá conta de uma ordem em que
não há a adição, mas a subtração de sentidos” (MORAES, 2011, p. 53).
É no bojo desta orientação que Lacan toma o fazer poético, e também o ready-
-made que, por suas peculiaridades, se presta mais ainda para tal, para cifrar a
interpretação analítica. O ready-made caracteriza-se por ser algo que se retira do
contexto. É como retirar S2 de S1. O S2 é o que faz o contexto sempre. Esta opera-
ção aponta para o furo do real. Os comentadores de Duchamp também dizem que
os ready-mades são trocadilhos em três dimensões que, como tal, apontam para
o mais além da significação. Nisto, o chiste se aproxima da poesia. Freud (1905,

64 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.59-67 novembro 2012


Quem tem medo do ready-made? Psicanálise, interpretação e arte contemporânea

p. 154) falava da “benevolência do chiste: as palavras são um material plástico,


afirma, com o que se pode fazer qualquer coisa”. Para Lacan, “O que se diz a partir
do inconsciente participa do equívoco, do equívoco que está na base do chiste”
(LACAN, 1976-1977/2005, lição de 11/08/1976).
O fazer poético, o chiste e a interpretação têm em comum ser expressão da
função poética da linguagem, portanto têm a mesma estrutura, que os faz aptos
à criação, à ficção e à produção de semblantes. Os ready-mades, pode-se dizer, já
estavam na casa de muita gente, mas Duchamp os retira, os descontextualiza, e
os mostra como invenção ficcional e, ao se tornarem invenção ficcional, indicam
que são semblante de algo que está e não está lá. Sua pretensão era de nenhuma
representação, e a coisa pura, a roda da bicicleta, se torna arte. Está se falando de
semblantes, de ficção, e estes devem ser tomados no sentido que Lacan indica: a
verdade tem estrutura de ficção. A verdade é uma montagem, semblante.
Esta orientação teórico-clínica de Lacan implica privar o sintoma de sentido,
mas ainda é sobre o sintoma que se opera, mas para reduzi-lo. Por isso a neces-
sidade de distinguir a perspectiva semântica, da assemântica da interpretação.
A pontuação, por exemplo, ao realçar um significante, produz uma significação,
diferentemente do equívoco que interrompe o movimento concernente ao sentido
do sintoma, e reconduz o sujeito ao sem sentido do real, à opacidade do seu gozo
e à perplexidade.
Para terminar, acho importante ressaltar que esta manipulação por Lacan dos
efeitos linguageiros, ou dos jogos fono-semânticos que propõe como modelo para
a interpretação, não tem como meta efeitos estéticos. Com Haroldo de Campos
(2001, p. 116), em seu belo ensaio O poeta e o psicanalista: algumas invenções lin-
guísticas de Lacan, é possível dizer que:

Lacan está pensando em situar o inconsciente (...) não pela via destra e mestra
do significado, mas pela via canhestra e sinistra do significante; não por uma via
prevista e insuspeita do acesso, mas, por um desvio imprevisto (...) insuspeito do
insucesso.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.59-67 novembro 2012 65


Borges, Sonia

referências bibliográficas
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66 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.59-67 novembro 2012


Quem tem medo do ready-made? Psicanálise, interpretação e arte contemporânea

resumo
Este artigo discute a orientação de Lacan para o trabalho de
interpretação à luz de sua surpreendente afirmação: A interpre-
tação é o ready made, Marcel Duchamp [...], na conferência A
terceira, de 1974. Com esta “definição” da interpretação, Lacan
não só radicaliza a sua crítica à perspectiva hermenêutica da
interpretação, como ratifica a ideia do equívoco como sendo o
seu paradigma. O ready-made, pelo fato de mostrar silencio-
samente o que é um objeto, ou a falta essencial que habita e
sustenta todo objeto, esclarece que é jogando com as palavras
de forma provocativa que se pode ir além do deciframento dos
significantes primordiais, sem, contudo, “engordar os sintomas
com significados”.

palavras-chave
Psicanálise, interpretação, sintoma, ready- made.

abstract
This article discusses Lacan’s orientation for the work of inter-
pretation in light of his amazing statement: Interpretation is the
ready-made, Marcel Duchamp […], made in the conference The
third, in 1974. With this definition of interpretation, not only
does Lacan radicalize his criticism to the hermeneutic pers-
pective of the interpretation, but also ratifies the idea of having
equivocation as his paradigm. For the fact of silently showing
what an object is, or the essential lack which inhabits and sus-
tains any object, the ready-made makes it clear that it is playing
with words in a provocative way that one can go beyond the de-
ciphering of the primordial signifiers without, however, “fatte-
ning the symptoms with meanings”.

keywords
Psychanalyse, interpretation, symptom, ready-made.

recebido
16/02/2012

aprovado
27/03/2012

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.59-67 novembro 2012 67


As marcas da interpretação

Luis Izcovich

Lacan, desde praticamente o começo de seu ensino, põe em conexão a inter-


pretação e o final de análise. Coloquei-me a pergunta: o que justifica, por exem-
plo, que Lacan proponha em A direção do tratamento e os princípios de seu poder
(1958) dizer que quem não tenha levado sua própria análise até sua conclusão não
saberá nem assegurar a direção de uma análise como também somente fazer uma
interpretação “à bon escient”?
A interpretação “à bon escient” foi traduzida para o espanhol como uma in-
terpretação com conhecimento de causa, quando na realidade seria mais justo
qualificá-la como uma interpretação feita intencionalmente, quer dizer, sabendo
o que se faz em função de uma finalidade, já que a interpretação requer o dis-
cernimento do analista e, às vezes, vai ao sentido contrário do que se conhece.
É o caso da interpretação inexata, mas eficaz. Melhor dizendo, o analista não só
desconhece a causa como também suspende o saber que o analisante crê possuir
sobre a causa, e isto até o final de uma análise.
A causa na análise é só uma: a causa traumática. A análise cria as condições
para captá-la, mas a verdadeira causa, a que determinou a posição do sujeito ao
longo de sua existência, se capta ao final da experiência de análise. E se o analisan-
te e o analista podem intuir a causa antes do fim, a prudência se impõe até o final
no que se refere a saber (quais) os significantes mestres que orientaram uma vida,
assim como no que diz respeito a saber em seu momento o modo em que alíngua
penetrou no corpo do sujeito.
Situa-se aqui toda a distância verificável por ocasião do cartel do passe entre,
por um lado, imaginarizar alíngua e por outro como um sujeito passou do “trou-
matisme”, furo traumático, à identidade de seu sintoma. Concretamente isto quer
dizer extrair as consequências vitais dessa passagem e sua tradução em ato quan-
to ao destino do sujeito depois de uma análise. Interpreta-se com desconheci-
mento de causa, mas apontando para ela. A pertinência da interpretação depende
menos de acertar o alvo do que ajustar-se ao objetivo, ou seja, de revelar a causa
traumática. A tese é que ter atravessado a experiência de final de análise não só é
necessário para saber como no que se refere à sua conclusão, mas também condi-
ciona a pertinência da interpretação.
Poderíamos, inclusive, dizer que Lacan prolonga a denúncia de Freud quando
qualifica de selvagem toda a interpretação analítica fora da transferência. Lacan é

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.69-73 novembro 2012 69


Izcovich, Luis

mais sutil e, ao mesmo tempo, introduz uma exigência superior. Não é suficiente
considerar que a transferência condiciona a interpretação, mas também é neces-
sário haver atravessado a experiência do final de análise. Percebe-se que o que está
em jogo, de um modo implícito, é o momento em que um analisante se autoriza
como analista. É um fato da clínica analítica, ao menos nestas últimas décadas,
que o momento da passagem, ou seja, da autorização, precede, salvo alguma exce-
ção, o momento do final de análise.
Admitimos, portanto, que não é necessário o final de análise para produzir
uma interpretação feita intencionalmente? E se assim for, contradiremos o Lacan
de 1958 ou isto quer dizer que sua proposição não tem mais vigência? Se bem que,
como eu dizia, na passagem a analista se trata de um ato do analisante, na maioria
dos casos é um ato sob transferência.
Que o ato de autorizar-se seja sob transferência ou após concluída uma análise
não é a mesma coisa, no entanto, ambas as situações possuem um denominador
comum: é o analista quem dirige o tratamento até o ponto em que a autorização
é possível. Que o ato de autorizar-se implique o analisante e também o analista
significa que também faz parte da responsabilidade do analista o momento em
que um analisante se autoriza no ato de passagem a analista.
As razões da proposição de Lacan articulando interpretação e final de análise
estão também implícitas desde o texto de 1958 e se tornam explícitas quando
colocam que a leitura do texto inconsciente, embora essencial, é somente uma
concepção restrita da experiência. Na mesma direção, Lacan assinala o limite da
perspectiva freudiana que consiste em dar sentido ao sintoma, ou quando evoca
a elucubração freudiana. Trata-se de uma encruzilhada dada pelo fato de que a
leitura dá sentido ao sintoma, mas traz em si um saber que não tem limite.
Lacan dá uma saída para essa encruzilhada propondo uma volta suplementar,
que não é a de uma nova leitura, mas a da análise como escritura. Em relação ao
sentido do sintoma, Lacan propõe um mais além, que não é o real como falta de
sentido, mas o real como sentido a partir do sem sentido. Finalmente à elucubra-
ção freudiana, Lacan dará sua resposta: o real do sinthome.
Deduz-se que a proposta é a análise como escritura do sintoma, o que não é um
mais além que continua a concepção freudiana. Trata-se, melhor dizendo, de uma
descontinuidade que permite afirmar, em alguns casos de reanálise, que se trata
de uma contraexperiência. E é o início o que determina que seja verdadeiramente
uma contraexperiência, sem o qual, há o risco, como em muitas análises, de que
se deem voltas sem que se apanhe o real.
Concebem-se duas políticas diferentes para a psicanálise se a limitarmos a uma
prática de leitura ou se incluirmos como perspectiva a possibilidade de que o real
do sintoma se inscreva como marca no corpo. E, ambas as políticas repercutem na

70 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.69-73 novembro 2012


As marcas da interpretação

concepção de interpretação e condicionam o modo e o momento da autorização


como analista.
Percebe-se que ambas as perspectivas já estão presentes desde o texto A direção
do tratamento (op. cit.). Assim, por um lado, Lacan coloca que a interpretação é
decifração, ou seja, é parte da cadeia significante do sujeito e volta a ela; por outro
lado, a interpretação aponta para o horizonte desabitado do ser. Não se trata de
duas técnicas diferentes de interpretação, mas de uma concepção segundo a qual
a análise inclui um mais além da decifração.
A decifração é um novo saber que faz cair o saber que funcionou como certeza
para o sujeito e que se revela ser uma tela. Isto funda o objetivo da resposta ana-
lítica como um trazer à luz. É ao serviço dessa lógica que a análise aparece com a
interpretação que elucida. Há em Lacan uma dimensão à qual ele recorre de um
modo constante, que é a de fazer perceber o sujeito. Lacan, inclusive, articula essa
dimensão com o final de análise, como fazer ver ao sujeito a que significante está
sujeitado, do mesmo modo que sua definição de final como um “aperçu du réel” que
indica uma percepção do real. Cabe notar que esta concepção não difere da concep-
ção anglo-saxônica, na qual o centro da interpretação é a produção de um insight.
Resumindo, a interpretação que elucida não outra coisa que a decifração e a
finalidade de uma análise não seria outra coisa que uma prática de tradução de
texto. O problema que se coloca para a teoria, mas também para a entrada em
análise, é que a decifração da opacidade subjetiva comporta uma passagem ao
ciframento inconsciente e a constituição de um novo enigma, que, portanto, é
enigma a decifrar. O analista encarna o enigma necessário ao fazer par ao sinto-
ma do sujeito, e a interpretação equívoca é a única propícia a uma conclusão que
não seja uma sugestão, que se planeja sempre quando se trata de transferência.
No entanto, há que se admitir também, novamente a experiência se impõe como
referência, que a interpretação quer seja como citação, enigma ou equívoca, não
permite uma conclusão natural da experiência.
O que chamo de final natural de uma análise?
Para Freud, o fim corresponde ao momento em que o analisante e o analista
deixam de se encontrar. É esse o fim, mas é natural? O fim natural é a conclusão
por desgaste libidinal. A análise limitada à prática de uma leitura implica o fim
por desgaste, sem dizer, no entanto a quem, analisante ou analista, o tempo vai
erodir primeiro.
O que implica, então, a concepção da análise como escritura?
A análise como escritura é o que possibilita uma marca própria à experiência
analítica que se propõe a isolar o significante traumático do sujeito, o que é algo
mais além do que percebê-lo.
Este é o programa que Lacan traça desde a última lição do seminário Os quatro

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.69-73 novembro 2012 71


Izcovich, Luis

conceitos (1964), em que retoma a questão de fazer ver ao sujeito, e a recoloca em


termos mais contundentes: que são os de levar o sujeito ao momento no qual, pela
primeira vez, se coloca em posição de sujeitar-se ao significante primordial.
Dizer que é pela primeira vez reenvia a uma experiência inédita, mais além
da terapêutica e que dá uma nova fixação ao ser do sujeito. Essa perspectiva dá
vigência à proposição radical de Lacan segundo a qual o fim guia a interpreta-
ção. É certo que é possível decifrar o inconsciente de um sujeito, uma vez que se
tenha decifrado o próprio inconsciente; e é certo que é possível assumir o lugar
de analista sob a condição de não estar afetado pelos próprios afetos e que a con-
tratransferência não interfira demasiadamente. No entanto, não é a mesma coisa
autorizar-se a responder as demandas de uma análise desde este ponto, do que
desde o ponto no qual uma análise deixa uma marca indelével no sujeito futuro
analista. Nisso Lacan insistiu até o final acrescentando, inclusive, uma experiên-
cia para o sujeito que, mais além de tê-lo feito ver, é a de tê-lo feito sentir o que é
o “des-ser” do analista.
Para concluir, por que utilizar a expressão “marcas da interpretação”, no plural?
A primeira marca é a marca traumática, índice de que não há trauma para a psica-
nálise sem a interpretação do sujeito. A segunda é a marca deixada pelo dizer da
análise. Sem essas duas marcas da interpretação pode-se dizer que tenha havido
análise, mas não se pode afirmar que se tenha produzido um analista.

Tradução Luis Guilherme Mola


Revisão: Silvana Pessoa e Luis Izcovich

referências bibliográficas
LACAN, J. (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In:
_______. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1998, p. 591-652.
_________. (1964). O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1973,
271p.

72 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.69-73 novembro 2012


As marcas da interpretação

palavras-chave
Interpretação, final de análise, direção do tratamento.

abstract
The article brings an important articulation between interpre-
tation and the end of an analysis. It is questioned if the one who
has not taken his/her own analysis until the end would be able
to ascertain the direction of an analysis, or also to come up with
an interpretation “á bonescient”, that is, an intentional interpre-
tation which is done with full knowledge of the case and based
on an objective. The author concludes defending Lacan’s thesis,
present in The direction of the treatment since 1958, that having
gone through the experience of end of analysis, not only is it
necessary to get to know to what the conclusion refers to, but
also it conditions the pertinence of the interpretation.

keywords
Interpretation, end of analysis, direction of treatment.

recebido
30/07/2012

aprovado
10/08/2012

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.69-73 novembro 2012 73


trabalho crítico
com conceitos
Sobre um suplemento
de significante

Ana Paula Lacorte Gianesi

Em O saber do psicanalista, Lacan nos propôs uma definição de interpretação


como sendo a intervenção de um analista no discurso de um sujeito, procurando
ali um suplemento de significante. Ele nos alertava, outrossim, que o analista não
seria, de modo algum, um nominalista. Um analista, em sua práxis, não buscaria
as representações do sujeito. Algo desta posição, ética, nós podemos encontrar
desde os primórdios do ensino de Lacan. Seguirei alguns de seus comentários,
em conformidade com certa cronologia, até aportar nesta noção de suplemento,
o que nos indica uma orientação “feminizante” para uma análise. Que em um
possível final de análise possa não haver equivalência entre o homem e a mulher,
isso aponta para um gozo suplementar em relação ao gozo fálico. O bem-dizer ao
sinthoma estará, enfim, neste horizonte de discussão.
Pois bem, façamos um breve percurso neste ensino que nos orienta. Primeiro,
uma citação extraída da Direção da cura:

O lugar ínfimo que a interpretação ocupa na atualidade psicanalítica (...) por-


que a abordagem desse sentido sempre atesta um embaraço. Não há autor que se
confronte com ele sem proceder destacando toda sorte de intervenções verbais
que não são a interpretação: explicações, gratificações, respostas à demanda...
etc. (LACAN, 1958/1998, p. 598).

Lacan fora, então, bastante assertivo: explicações, gratificações, respostas à
demanda, estas intervenções não são a interpretação. E destaquemos que neste
ponto de seu ensino, ele transmitia o indicador de uma interpretação, fundado,
radicalmente, no conceito da função significante. Em meio a seu retorno a Freud,
Lacan circunscreveu esta função como o que capta o ponto “onde o sujeito se
subordina a ele [significante], a ponto de por ele ser subornado” (Ibid., p. 599).
Por seu materialismo decidido, Lacan procurava as bases (no sentido militar) de
uma psicanálise que não ficasse à mercê do inefável. Nesta direção, ele nos apontava
o risco de um efeito flogístico da interpretação. Um exemplo pertinente, ele nos dá
quando aponta certa tendência na qual a interpretação poderia ser encontrada em
toda e qualquer parte, isto no impedimento de “retê-la em parte alguma” (Ibid.).

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012 77


Gianesi, Ana Paula Lacorte

Não obstante, Lacan já estava ali atento aos efeitos de significante que bordea-
vam um elemento faltante. E seguia a tese de que a interpretação poderia produzir
algo novo. Conforme escreveu, uma interpretação, para decifrar a diacronia da
repetição inconsciente “deve introduzir na sincronia dos significantes, que nela se
compõem algo que, de repente, possibilite a tradução (…) sendo a propósito dele
que aparece o elemento faltante” (Ibid.).
Encontramos, em seu Seminário 11, uma citação que bem conversa com essas
colocações iniciais. Com a ressalva de que podemos localizar, nas transcrições de
1964, uma formalização do resto faltante e a inclusão (êxtima) do Real na estrutu-
ra. Lacan tinha dado seu passo de invenção, a saber, o objeto pequeno a:

A interpretação não é aberta a todos os sentidos. Ela não é de modo algum não
importa qual (...) O que é essencial é que ele [sujeito] veja, para além dessa signi-
ficação, a qual significante – não-senso, irredutível, traumático – ele está, como
sujeito, assujeitado (LACAN, 1964/1985, p. 237).

Frisemos isto: um sujeito assujeitado a um significante irredutível, traumático,


fora do campo do sentido. E notemos que ali mesmo, em seu seminário sobre Os
quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan nos dizia, o que me parece
fundamental, que a direção da cura não deveria visar “tanto o sentido quanto
reduzir os significantes a seu não-senso” (Ibid., p. 201).
A visada daquilo que está fora do campo do sentido, Lacan a articulou a um
possível. Darei aqui um grande salto. Disse ele, em seu Seminário 24, que é pos-
sível que o sentido cesse de se escrever. Apenas deste modo o possível poderia ter
a ver com o real. Cessar de escrever os sentidos intermináveis que a imaginação
neurótica tece em suas teias, em suas redes, em suas elucubrações.
Ainda sobre o possível, podemos recordar que poucos anos antes Lacan atesta-
va a possibilidade de um dizer – que se diga. Modo subjuntivo que encontramos
em O aturdito, de 1972, outro de seus textos sobre a interpretação. E lembremos
que justamente em seu “que se diga” Lacan colocava o reencontro do discurso
psicanalítico com o real, ou seja, com o impossível (e ele não deixa de acrescentar:
de onde provém o necessário – o que, por sua vez, já implica a contingência).
Mais ainda, na aula de 14 de dezembro de 1976 de seu Seminário 24, ele acres-
centa que é sempre possível que o sentido atrelado ao significado cesse como equí-
voco (une bévue e, por homofonia, unbewusst). Pois bem, o equívoco (não sem
equivocar com o “inconsciente”), trilhemos de agora em diante nossos caminhos
com este termo como companhia. Detenhamo-nos, assim, e apenas um instante,
em uma passagem de O aturdito que nos esclarece sobre as articulações entre o
inconsciente, a linguagem, lalíngua, o equívoco e o real:

78 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012


Sobre um suplemento de significante

[...] O inconsciente, por ser ‘estruturado como uma linguagem’, isto é,


como a lalíngua que ele habita, está sujeito à equivocidade pela qual cada uma
delas se distingue. Uma língua entre outras não é nada além da integral dos
equívocos que sua história deixou persistirem nela. É o veio em que o real –
o único, para o discurso analítico, a motivar seu resultado, o real de que não
existe relação sexual – se depositou ao longo das eras [grifos meus] (LACAN,
1972/2003, p. 492).

Havia, com Lacan, uma clara orientação para que o psicanalista fizesse ressoar
o que não fosse o sentido. Vejamos mais uma citação: “O sentido, isso tampona;
mas com a ajuda daquilo que se chama escritura poética vocês podem ter a di-
mensão do que poderia ser a interpretação analítica” (LACAN, aula de 18 de abril
de 1977, inédito).
O que seria, então, uma escritura poética? Qual sua articulação com a interpre-
tação analítica? Pela via do equívoco (une bévue) e com o que este porta de enig-
ma, afirmaríamos que seria justamente aquilo que vai na contramão do inflar de
sentidos? Tanto por declarar o fora de sentido, quanto por exercitar o cúmulo de
sentido? Aquilo que produz o furo por seu efeito de escritura? De uma escritura
que permite, enfim, uma leitura anortográfica, conforme Lacan sugerira em seu
Posfácio ao Seminário 11? Leitura que conta (e canta) o tom e o som e que permite
apontar algo do impossível?
Lacan perseverava. Na IV Jornada de estudos dos Cartéis da Escola Freudiana
– sessão de encerramento, ele afirmou a antinomia entre o sentido e o real e nos
mostrou que uma interpretação teria a ver com o real apenas quando a dosásse-
mos. Que uma interpretação incida sobre a causa do desejo, isso declara o ab-
senso. O que é aqui dedutível é o ab-senso da relação sexual. O objeto a, causa de
desejo, desnudado em uma análise, mostra o impossível: o não há relação sexual.
Apenas pontuemos, para seguirmos, que em seu discurso A terceira, Lacan colo-
cara em homologia, justamente quanto ao não-senso, o S1, essa contingência (de
onde provém o necessário), e o objeto a (este pedaço de real).
Do mesmo modo, temos elementos para seguirmos com a asserção segundo
a qual a incisão da interpretação sobre a causa de desejo dá-se como um tiro no
coração que erra o alvo. A Carta aos italianos, de 1974, permite-nos esta leitura.
Incidir sobre a causa de desejo, isso surge como o possível de um dizer:

Existe o objeto (a). Ele ex-siste agora, por eu o haver construído. Suponho que
se conheçam suas quatro substâncias episódicas, que se saiba para que ele serve,
por se envolver da pulsão pela qual cada um se mira no coração e só se chega lá
com um tiro que erra o alvo (LACAN, 1974-2003, p. 314).

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012 79


Gianesi, Ana Paula Lacorte

Tanto a orientação legada por Lacan de reduzirmos os significantes a seu não-


senso, quanto seu propósito de incidir sobre a causa de desejo, ambos os passos
apontam para o que, na direção da cura, orienta-se por S( ): o significante da
falta do Outro.
Pois bem, justamente neste ponto, retomemos o mote deste trabalho: o suple-
mento de significante. Lacan fora enfático, o analista intervém no discurso do
analisante procurando um suplemento de significante (LACAN, aula de 4 de
maio de 1972). Sabemos da importância desta noção de suplemento nos últimos
anos do ensino de Lacan.
Sigamos, então, algumas pistas sobre o suplemento. De rastros deixados, evo-
quemos seus dizeres que circundam o real, a mulher e o sinthoma-letra. Podemos
localizar, em princípio, uma asserção topológica encontrada em O aturdito. Ali,
Lacan retomava seu seminário sobre a identificação e nos indicava que o objeto
pequeno a, na composição do cross-cap (da fantasia), designar-se-ia por uma “ro-
dela suplementar” (LACAN, 1972/2003, p. 475); elemento heterogêneo em relação
à banda de Moebius, elemento dedutível após alguns giros de uma análise, o que
não vem sem operações de corte.
Em seu Seminário 18, de 1971, encontramos aquilo que ele designou como efei-
to feminizante de uma análise. Lacan estava ali ancorado pela letra/carta:

Trata-se, pois, de tornar sensível como a transmissão de uma carta/letra se re-


laciona (...) com o gozo (...) trata-se, expressamente de estudar a carta/letra como
tal, na medida em que ela tem, como eu disse, um efeito feminizante (LACAN,
1971/2009, p. 121).

Do efeito feminizante da carta/letra em sua relação com o gozo, podemos apor-


tar em seu Seminário 20 e sua asserção sobre a mulher: a mulher, diz Lacan, isso
não se escreve. A mulher não existe. Daí . Esse não se pode dizer, possui, fun-
damentalmente, relação com S( ): “A mulher tem relação com S( ) por um lado
e, por outro, ela pode ter relação com o Falo (F) e já é nisso que ela se duplica, que
ela não é toda” (LACAN, 1972-73/1985, p. 109). Lacan faz corresponder S( ) e o
gozo da mulher. O que condiciona que o gozo feminino não esteja todo ocupado
com o homem. A mulher é não-toda.
Estas colocações podem nos trazer, por fim, um sinal de um gozo suplementar
em relação ao gozo fálico. Se o suplemento aponta o não-todo, a mulher (não-
toda) e a partilha dos sexos são postas em questão.
Em seu texto D’Ecolage, de 1980, Lacan fez um importante comentário sobre as
distinções entre o gozo fálico e o gozo feminino, que é, então, suplementar: “O gozo
fálico é justamente aquele que consome o analisante” (LACAN, 1980, p. 52). “O

80 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012


Sobre um suplemento de significante

gozo fálico não aproxima as mulheres dos homens, mas bem as afasta deles, porque
este gozo é obstáculo para acasalá-las com o sexuado da outra espécie” (Ibid., p. 51).
Parece-me relevante frisar que esta noção de suplemento aponta para a não
equivalência entre o homem e a mulher. O que convoca os dizeres de Lacan sobre
o sinthoma. Ele destacou, em seu Seminário 23, que no sinthoma não há equiva-
lência entre o homem e a mulher. Mais ainda, não há equivalência e há relação.
Verifiquemos detidamente a citação:

Na medida em que há sinthoma, não há equivalência sexual, isto é, há relação.


Com efeito, se a não relação deriva da equivalência, a relação se estrutura na me-
dida em que não há equivalência. Há, portanto, ao mesmo tempo, relação sexual
e não há relação. Há relação na medida em que há sinthoma, isto é, em que o
outro sexo é suportado pelo sinthoma (LACAN, 1975-76/2007, p. 98).

A não equivalência entre o homem e a mulher implica, pela via do sinthoma, a


relação sexual. No sinthoma o Outro sexo, mulher encontra seu suporte.
Proponho-me, neste ponto, a fazer uma breve digressão.
Retomemos alguns termos e conceitos desta práxis. Lembremos que a fantasia,
segundo Lacan formulou, seria uma tentativa do sujeito de escrever a relação sexual,
fazer proporção (e complementação) entre os sexos e isso através da punção entre
sujeito e objeto. Fazendo coalescência entre o pequeno a e o S( ), o sujeito (barra-
do), na fantasia, consubstancialmente se esforça por encampar toda a dimensão do
real e fazer este mesmo a equivaler ao –φ. O paradoxal desta tentativa é que o objeto
que o sujeito procura englobar é (a)sexuado. Ele o é justamente por ser o a sexua-
do em sua versão de gozo, de mais de gozar e, igualmente, assexuado, por não ser
suficiente para dizer da diferença entre os sexos. Apenas com o objeto a a não equi-
valência entre os sexos não se mostra. Na fantasia, somos todos sujeitos barrados
procurando fazer relação com o a. A não equivalência poderia ser localizada, então,
na distinção entre o sujeito (barrado) de um lado e o objeto de outro. Arriscaria
dizer que a relação fantasmática não é suficiente para dizer do homem e da mulher.
Por outro lado, no sinthoma, homem e mulher não equivalem entre si. Lacan
tentou mostrar isso com os nós. No quadro das fórmulas da sexuação talvez pos-
samos localizar a não equivalência entre os sexos nas inscrições de gozo: fálico de
um lado, Outro gozo (não-todo fálico) de outro.
Parece ser preciso sustentar que a não equivalência entre os sexos, no sintho-
ma, não é da ordem da realização fantasmática. O sinthoma, ao mostrar a não
equivalência entre o homem e a mulher, talvez permita, a um só tempo, o modo
de gozo relativo a S( ) e o necessário de S1 (o que não vem sem a contingência).
Interessante pensarmos, outrossim, que a não equivalência e a não simetria entre

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012 81


Gianesi, Ana Paula Lacorte

o homem e a mulher postos na via do sinthoma chamam a abertura da lógica não-


-toda e do efeito de um além do significante (e da significação fálica).
Esta visada do sinthoma, da identificação ao sinthoma quanto um signo, quan-
to aquilo que é da ordem da cifra (que não mais clama por decifração), pode nos
implicar, por uma torção, na direção da cura. Este fim possível nos remete ao
início de uma análise e ao percurso de uma análise.
A identificação, enquanto uma operação e um conceito matemáticos, quando a
referimos por aquilo que Lacan declarara como o sinthoma-letra, então, a identi-
ficação ao sinthoma-letra, isso pode nos esclarecer sobre a função suplementar. E
penso que é por isso que Lacan insistiu em dizer que, ao mesmo tempo, há e não
há relação sexual. Não há relação sexual, eis o furo, o impossível, o apontamento
do real do sujeito. Há relação e não há equivalência, algo que concerne ao sintho-
ma. Eis um passo ético que concerne ao bem-dizer, ao bem-dizer o sinthoma. E,
consubstancialmente, um passo lógico, que nos implica uma lógica que comporta
(e suporta) o não-todo.
Desta feita, após este percurso sobre o suplemento articulado ao objeto a, ao
gozo não-todo e ao sinthoma, poderíamos voltar à função suplementar da inter-
pretação. Aqui, mais uma referência. Em O aturdito Lacan articulou a interpreta-
ção ao apofântico. Ele afirmou que a interpretação é o apofântico, o que se refere
ao declarativo ou revelativo. Aristóteles teria considerado que esse tipo de enun-
ciado – apofântico – é um objeto da lógica da qual são excluídas as orações, as
ordens etc., e cujo estudo pertence à retórica ou à poética (ABBAGNANO, 1998).
Outra citação de Lacan:

O dizer da análise, na medida em que é eficaz, realiza o apofântico, que, por


sua simples ex-sistência, distingue-se da proposição (...) Esse dizer renomeia-se
aí pelo embaraço que deixam transparecer campos tão dispersos quanto o orácu-
lo e o fora-do-discurso da psicose, através do empréstimo que lhes faz do termo
‘interpretação’ (LACAN, 1972/2003, p. 491-2).

A interpretação, ao realizar o apofântico em sua ex-sistência distingue-se da


função proposicional. Por sua dimensão declarativa ou revelativa, aponta-nos a
“arte do bem-dizer” e a função poética de onde sobrevém o furo. O apofântico nos
deixa em face com o mistério, com o enigma.
O enigma (o revelativo do apofântico) parece não caminhar sem o declarati-
vo. Poderíamos nos ater às frases lacanianas sobre o mistério do corpo falante,
sobre o enigma do sexo feminino, sobre as epifanias em Joyce e sobre o cúmulo
de sentido para assim recolher algumas de suas referências ao enigma e ao mis-
tério. Em seu Seminário 23, ao tratar as epifanias em Joyce, por exemplo, Lacan

82 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012


Sobre um suplemento de significante

ressalta seu caráter enigmático e nos diz que elas podem ser lidas como algo que
aponta o Real: “O enigma é uma questão de enunciação, da relação do enunciado
com a enunciação”, sendo a enunciação: “o enigma elevado à potência da escrita”
(LACAN, 1975-76/2007, p. 150). Voltamos ao ponto da escritura. E aqui, quiçá,
possamos assistir ao encontro da escritura poética com o dizer.
Através do enigma, pela prática do equívoco, ser-nos-ia possível reduzir os sig-
nificantes ao não-senso. S1. Esse-Um. E, desde essa produção, “errar o alvo” que
atingiria o objeto a. Conforme Lacan anunciara em Radiofonia, seria como acuar
o impossível de tal modo que a impotência (da fantasia) possa mudar de modali-
dade. O que indica um gozo suplementar ao gozo fálico: S( ). Eis uma orientação
que concerne ao suplemento.
Pois bem, desde o equívoco (une bévue) Lacan nos propõe, novamente em O
Aturdito, três dimensões da interpretação: a homofonia, a gramática e a lógica.
“Os equívocos pelos quais se inscreve o lateral de uma enunciação concentram-
-se em três pontos nodais” (LACAN, 1972/2003, p. 494) – com nenhum deles
começando primeiro: a homofonia (da qual depende a ortografia – ou a anor-
tografia). Lembremos, desta feita, da homonímia (homofonia e homografia). A
gramática (letra) que conforme Lacan colocara em Televisão “serve de trave para
a escrita e atesta um real que, por sua vez, permanece como enigma” (LACAN,
1973/2003, p. 515). Donde ele sugere que prestemos atenção no que seria da amor-
fologia. E, finalmente, a lógica “sem a qual a interpretação seria imbecil” (LA-
CAN, 1972/2003, p. 494).
A lógica, Lacan insiste: o “formalizado”, aquilo que é próprio do matema, isso
pode existir desde paradoxos, que nos fazem apostar, e dar um tratamento não tri-
vial à contradição. Tirar proveito de se proibir esse fundamento (da contradição), eis
uma relevante chave clínica. Conforme Lacan bem ponderou em seu Momento de
concluir: “O inconsciente, diz-se, não conhece a contradição, e é exatamente por isso
que é preciso que o analista opere por intermédio de alguma coisa que não se baseie
na contradição” (LACAN, Momento de concluir, aula de 15 de novembro de 1977).
Desde que se possa configurar uma prática que, enfim, aposte na importân-
cia do equívoco nestes três pontos nodais (a homofonia, a gramática e a lógica),
pareceu-me interessante pensar, por torção temporal, em dois pontos sublinhados
por Lacan em seu Direção da cura. Com o primeiro, referente ao alcance da inter-
pretação em Freud, Lacan nos lembra da tendência (fruto do advento do signifi-
cante) que se designa por Trieb. Lacan enfatizava, então, a importância da pulsão
para a interpretação. Outrossim, nos vestígios do que se poderia chamar “linhas
de destino do sujeito” (LACAN, 1958/1998, p. 603), ele atribuía relevância à ambi-
guidade que operou o veredito de Tirésias (lembremos que ao declarar que seria a
mulher, em uma comparação com o homem, quem mais teria prazer, o adivinho

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012 83


Gianesi, Ana Paula Lacorte

de Tebas teria provocado a ira de Hera, já que revelava a relação da mulher com a
ordem fálica). A pulsão e o preliminar da mulher não-toda, quiçá isto nos indique
algo que mais tarde fora lido por suplemento.
Como a homofonia e a gramática não andam sem a lógica (esta lógica que per-
mite-se não seguir o princípio da razão referente à contradição), frisaria, com o
intuito de estabelecer uma conclusão possível, o segundo ponto, qual seja, uma
asserção (lógica) de Lacan: “Uma interpretação só pode ser exata se for... uma
interpretação” [grifo meu] (LACAN, 1958/1998, p. 607).

referências bibliográficas
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84 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012


Sobre um suplemento de significante

(1976-77). Inédito.
________. O seminário: Momento de Concluir. (1977). Inédito.
________. D’Ecolage. (1980). Inédito.

resumo
A proposição lacaniana, encontrada em O saber do psicanalista,
segundo a qual a definição de interpretação seria “a interven-
ção de um analista no discurso de um sujeito, procurando ali
um suplemento de significante”, serviu de inspiração para este
texto. No texto, Lacan nos alertou que o analista não seria, de
modo algum, um nominalista. Um analista, em sua práxis, não
buscaria as representações do sujeito. Algo desta posição, ética,
nós podemos encontrar desde os primórdios do ensino de La-
can. Seguir-se-ão alguns de seus comentários, em conformida-
de com certa cronologia, até aportar nesta noção de suplemen-
to, o que nos indica uma orientação “feminizante” para uma
análise. Que em um possível final de análise possa não haver
equivalência entre o homem e a mulher, isso aponta para um
gozo suplementar em relação ao gozo fálico.

palavras-chave
Significante, suplemento, objeto a, equívoco (une-bévue),
interpretação.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012 85


Gianesi, Ana Paula Lacorte

abstract
The  Lacanian  proposition,  found in  The knowledge of
the  Psychoanalyst, according to which  the definition of  in-
terpretation would be: the intervention of an analyst  in the
discourse  of a subject,  looking out there for  a supplement
of significant,  has served of inspiration for  this text.  Here,
Lacan  has warned us that  the analyst  would not be,  in any
way, a nominalist. One analyst, in his/her practice, would not
seek  the representations  of the subject.  Something  from this
position, ethics, we can find, since the beginning of Lacan’s tea-
ching. Some of his comments are to follow, in accordance with a
certain chronology, until this notion of supplement is reached,
what it points to us a “femininizing’ orientation to an analysis.
That at  a possible  end of analysis there can be no equivalen-
ce  there can be no equivalence between a man and woman, this
points to a supplementary jouissance compared to the phallic
jouissance. 

keywords
Significant, supplement, object little a, equivocal (une-bévue),
interpretation.

recebido
16/02/2012

aprovado
28/03/2012

86 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.77-86 novembro 2012


Existe a neurose e há pessoas
que se curam. Qual é o truque?

Bárbara Guatimosim

De um certo ponto adiante não há mais retorno.


Esse é o ponto que deve ser alcançado. (F. Kafka)

Então como pode ocorrer que pela operação do significante, haja pessoas que
se curem? Pois é exatamente disso que se trata. É um fato que há pessoas que se
curam. Freud salientou bem que não era necessário que o analista fosse possuído
pelo desejo de curar: mas é um fato que há pessoas que se curam (...) Como isso é
possível? Apesar de tudo o que eu disse na ocasião, não sei nada sobre isso. É uma
questão de trucagem. Como é que se sussurra ao sujeito que se tem em análise
alguma coisa que tem como efeito curá-lo; essa é uma questão de experiência na
qual desempenha um papel, o que eu chamei de sujeito suposto saber. Um sujeito
suposto é um redobramento. O sujeito suposto saber é alguém que sabe. Ele sabe
o truque, já que falei de trucagem, no caso: ele sabe o truque. A maneira pela qual
se cura uma neurose.
Devo dizer que no passe, nada anuncia isso; devo dizer que, no passe, nada dá
testemunho de que o sujeito saiba curar uma neurose. Fico sempre esperando que
alguma coisa me esclareça sobre isso. Gostaria muito de saber por alguém que
desse testemunho disso no passe, que um sujeito – já que é de um sujeito que se
trata – é capaz de fazer mais do que aquilo que eu chamarei de tagarelice habitual;
pois é disso que se trata. Se o analista não faz mais do que tagarelar, pode-se estar
certo de que ele erra sua jogada, a jogada que é de efetivamente remover (lever) o
resultado, isto é, o que se chama de sintoma. Tentei falar mais longamente sobre o
sintoma (symptôme). Até mesmo o escrevi em sua ortografia antiga. Por que razão
eu a escolhi? “S-i-n-t-h-o-m-e”, seria evidente um pouco demorado explicar-lhes.
Escolhi essa maneira de escrever para sustentar o nome sintoma (symptôme), que
hoje em dia é pronunciado, não se sabe bem por que, “symptôme”, isto é, algo que
evoca a queda de alguma coisa, já que “ptoma” quer dizer “queda”.
O que cai junto é alguma coisa que não tem nada a ver com o conjunto. Um
sintoma (sinthome) não é uma queda, embora pareça. A tal ponto que considero
que vocês todos aí, como estão, têm como sinthoma, cada um, sua cada uma. Há
um sinthoma ele e um sinthoma ela. É tudo o que resta do que se chama de relação

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012 87


Guatimosim, Bárbara

sexual. A relação sexual é uma relação intersinthomática. É por isso que o signifi-
cante, que é também da ordem do sinthoma, opera. É bem por isso que suspeitamos
a maneira pela qual ele pode operar: é por intermédio do sinthoma. Como então
comunicar o vírus desse sinthoma sob a forma do significante? Foi o que tentei ex-
plicar ao longo de meus seminários. Creio que hoje não posso dizer mais nada sobre
isso (LACAN, Conclusões – Congresso sobre transmissão, 1978, p. 66).

Do ceder do desejo à cessão de gozo na queda da neurose

Nessa pequena comunicação no Congresso sobre a transmissão, Lacan percorre


do começo ao fim a travessia analítica. Parte da afirmação da existência da neuro-
se, passa pelo jogo analítico que a faz ceder e chega à possibilidade da emergência
e também transmissão, do que chamará de Sinthome. Lacan afirma aqui que a
conclusão da análise leva à cura da neurose. Como o discurso do analista pro-
move este desfecho? Qual é o truque?, é a pergunta que o conduz. A partir dessas
observações que faz Lacan em suas “conclusões” e sob sua orientação, pretendo
levantar e trabalhar algumas questões sobre a interpretação e o ato.
Quando o mal-estar de um sujeito se anuncia como demanda ao analista, fa-
zendo sintoma analítico, desde o início de uma análise lidamos com a atitude, a
qual Lacan em A ética da psicanálise (1988/1959-1960, p. 382) designa como “ce-
der do desejo”; cessão que produz angústia e, para o autor, a verdadeira culpa. A
não sustentação do desejo é o correlato inevitável do evitamento da castração, esta
que viriliza, dá vigor ao desejo. Se na nossa escuta verificamos e acompanhamos a
cessão do desejo que se apresenta nas posições e escolhas do sujeito no desfiar do
trabalho analítico, o que se pode produzir na análise como queda da paixão, do
sofrimento? Uma queda onde se queda (cai e fica)? Qual a lógica da interpretação,
o truque que reconfigura o fantasma e faz a queda do sintoma que aí se sustenta?
Pretendemos investigar o que envolve o “truque” no que tange às intervenções,
pontuações, interpretações, cortes que adquirem a função do ato do analista –
sempre verificada no a posteriori – nessa contrapartida analítica que tomamos
como “queda”, cessão de gozo.

O ato analítico como função e discurso

Um parêntese que não me parece desnecessário: proponho pensar o ato ana-


lítico como ato da função e do discurso analíticos e não como o ato da pessoa
do psicanalista. Realizar atos e ditar um saber leva o analista para longe de seu

88 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012


Existe a neurose e há pessoas que se curam. Qual é o truque?

lugar. Pode ser tão somente impostura e pregnância narcísica o psicanalista se


colocar como fazedor de atos (o que em si é um paradoxo, já que o analista no
lugar de causa do desejo é atravessado pelo ato) e detentor do discurso analítico
(o que imediatamente o reverte em seu avesso, o discurso do mestre). O trabalho
analítico é, muitas vezes, comparado a um jogo. Freud foi o primeiro a sugerir a
analogia com o jogo de xadrez. Entretanto, jogar verde para colher maduro nem
sempre é um bom truque. A provocação artificiosa que ostenta saber para obter
efeitos de real, pedaços de saber legítimos, pode ter seu lugar e valor, desde que
não precipite a queda vertiginosa da transferência, pois nessa tática, que toca de
perto o manejo, a estratégia, corre-se o risco de se obter a destituição selvagem
do analista, que cai verde, de véspera, antes de ser pelo uso maturado, em vez de
colher uma objeção iluminada e distintiva do sujeito, ou mesmo a aquiescência
subserviente e alienada ao suposto saber – o que não deixa de indicar o ponto em
que a análise se encontra.1 Analiticamente falando, interessa mais a surpresa que
acomete o analista e/ou analisando, quando um suposto “erro”, um lapso, ou ato
falho, que pode ir do sutil ao grosseiro e tocar mesmo o absurdo, fisga o peixe da
verdade.2 E quantas vezes, a partir da convocação ao inconsciente, agenciada pela
presença do analista, intervenções decisivas e mesmo o mais preciso e incisivo ato
analítico vêm de lugares e pessoas os mais inesperados e ficam na dependência,
no só depois da leitura, dos efeitos de escrita que se constatam no analisando
para efetivar-se como ato analítico. Esses efeitos da análise que se estendem para
além do tempo-espaço do consultório, que se desprendem da figura do analista,
condizem com o que se verifica como ato final, ato destacado do analista, ato
separador, que conclui uma análise, e que não pode ser poupado ao analisante,
mesmo que do analista venha o aguilhão que acossa na direção da saída. Mesmo
porque é com esse ato que o sujeito faz a virada em sua posição analisante ao
tornar-se analista. O ato não é somente acéfalo, não intencional, atravessando
e “desrespeitando” dessa forma o sujeito – sujeito que ao ser assim atravessado,
marca presença em sua função de suporte – e o eu do analista, que é do ato des-
possuído. A surpresa surpreende atestando sua origem made in real, emergindo
sempre do mesmo lugar estrangeiro, ao mesmo tempo podendo provir do topos
mais diverso e, para ser ato propriamente dito, tem sempre como destino e con-

1  “Eis por que uma vacilação calculada da ‘neutralidade’ do analista pode valer, para uma histé-
rica, mais do que todas as interpretações, com o risco de transtorno enlouquecido que disso pode
resultar. Desde, é claro, que esse transtorno enlouquecido não acarrete o rompimento e que a
sequência convença o sujeito de que o desejo do analista não teve nada a ver com isso.” Ver mais
sobre essa questão em Lacan, Subversão do sujeito e dialética do desejo, Escritos, p. 839.
2  Falando sobre o que se pode obter dos erros e construções falsas do analista, Freud cita as
palavras de Polônio a Reinaldo, em Hamlet: “(...) frequentemente ficamos com a impressão de
que, tomando de empréstimo as palavras de Polônio, nossa isca de falsidade fisgou uma carpa de
verdade”. Construções em análise, p. 296.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012 89


Guatimosim, Bárbara

sequência, atingir em cheio o vazio da causa do desejo. O ato e a interpretação se


sustentam na transferência e no sujeito suposto saber, mas a cada dizer analítico
eficaz, faz emergir um sujeito dividido menos alienado no amor, que se distancia
de um saber suposto não apenas ao analista, mas também a outros sabichões que
povoam a vida cotidiana do analisante. Isso tem como efeito suspender certezas
consolidadas, produzir saberes de migalhas do real, até o ato de separação dar o
golpe final de destituição no sujeito suposto saber.

A interpretação e suas variantes

A interpretação em Direção do tratamento e os princípios de seu poder (LACAN,


1998/1958, p. 594) é o procedimento tático no qual o analista transita com mais
liberdade. Coerentemente, Lacan não encoraja nenhuma neutralidade ou apatia
na função analítica, justo porque ele, o analista, é “possuído por um desejo mais
forte. Ele está autorizado a dizê-lo enquanto analista, enquanto produziu-se para
ele uma mutação na economia de seu desejo” (LACAN, 1992/1960-1961, p. 186-
187), e acrescentaríamos, de seu gozo. Quanto menos o analista tenha contas a
acertar com seu desejo, quanto mais esteja ele plantado em sua função, mais tem
condições táticas de se movimentar, de se deslocar nas intervenções e na interpre-
tação. A interpretação não se reduz a uma decifração que acredita em uma corres-
pondência entre significante e significado, objeto e representação, na proporção,
na simetria sexual, o que jogaria a interpretação, na falta disso por estrutura, à
infinitização da análise ou a outros impasses como interrupções, e ainda saídas
suspeitas que se concluem pela identificação a ideais. A partir de O aturdito (LA-
CAN, 2003/1972) ganha-se uma certa sistematização da interpretação que não
se reduz a regras de aplicação. A interpretação, que surge como um dizer, uma
enunciação, se distingue pela homofonia, gramática, e, para “não ser imbecil”,
pela lógica – todas se fazendo na via da equivocação, mantendo sua virtude alusi-
va, seu meio dizer que a situa “entre o enigma e a citação”.3
É por meio do equívoco (do latim: mesmo vocativo, mesma voz, mesma chama-
da) que, fazendo corte na significação única (palavra vazia), promove a expansão
dos sentidos (palavra plena), a polifonia das vozes e das chamadas, abrindo-se ao
ab senso, ao fora do sentido e ao pas de sens, passo de sentido. Se a interpretação,
em meio ao equívoco, nunca imperativa, sugerir identificatoriamente uma sig-
nificação, pode, no entanto, levar à asserção apofântica quando iluminar positi-
vamente (e inequivocamente) o vazio da causa do desejo, não restando a menor

3  Lacan, Seminário XVII, O avesso da psicanálise, p. 34-35. A citação também é um meio dizer, e
ainda uma enunciação que apela ao nome, chama pela autoria.

90 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012


Existe a neurose e há pessoas que se curam. Qual é o truque?

dúvida ao sujeito, por deixar a neurose desarmada, sem recursos, e impotente ao


querer retomá-los. No início, temos um objeto encoberto pela transferência amo-
rosa “(...) um objeto dito ‘latente’, no final um objeto revelado, portanto ‘patente’”
(SOLER, 1984, p. 46). O ato analítico opera no après coup uma mutação radical na
posição do sujeito, ele opera a separação, que destaca um antes e um depois. É ele
que está na base da iluminação apofântica que faz com que o sujeito depare com a
determinação de seu gozo e com sua condição de sujeito marcado pelo significan-
te. Desse encontro litorâneo com seu gozo e sua marca emerge a potência da letra,
que ao se sustentar na causa nodal, pode avançar no sentido de um savoir y faire
acordado com seu desejo, fazendo acontecer aquilo que lhe cai bem: sinthoma.

A interpretação e o ato na topologia

Depois da virada, nos anos 1970, no ensino de Lacan, nem o sujeito, nem o
desejo podem ser concebidos sem o nó borromeano. Com o suporte da topologia
pode ser mais interessante vermos como se dão os efeitos lógicos e subjetivos na
materialidade das operações de interpretação e do ato analíticos.
O convite à associação livre faz a fala puxar um fio, de modo geral contínuo, e
segue tomando a coloração imaginária, que é a dimensão da transferência espe-
cular amodiosa convocada pela tarefa analisante. Para que a análise não se feche
nesse registro, o analista, apoiado na estrutura nodal, deve se encontrar no campo
de obstaculização, produzindo os pontos de castração, pontos de corte, que são
também pontos de amarração, ou seja, pontos de engajamento e enodamento,
onde entram em jogo e em cena os registros simbólico e real. A associação livre
convoca no analista a interpretação e o ato, pois toda vez que a fala analisante ten-
ta passar incólume pelos pontos de castração, a intervenção do analista deve ser
acionada, desde que sua atenção esteja topologicamente orientada para os pontos
de corte e não para ele exibir a performance de sua atuação.
Em RSI, Lacan nos dá a frase enxuta que reduz o mito de Édipo à estrutura
da castração: “O buraco é a interdição do incesto” (lição de 15/04/75). O nome
do pai, não só como nome, mas como nomeador, atua em sua função não só na
historieta de cada um, não apenas como personagem, mas enquanto operador
estrutural: aquele que faz buraco. Os judeus, segundo Lacan, sabem dizer isso:
“Eu sou o que sou, isto é, um buraco” (Ibid.). Nesse buraco o nome que operou
pode ser engolido no turbilhonamento do nó, mas também pode ser cuspido de
volta. Vemos isso na clínica quando, aparentemente para um sujeito, o pai e o
enodamento borromeano parecem não estar operando – o que coloca em ques-
tão a estrutura como, por exemplo, em casos graves de inibição. Eis que alguma

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012 91


Guatimosim, Bárbara

intervenção vinda diretamente do analista ou via uma contingência real produz


a fagulha como resposta: o “Basta!” ou o “Alto lá!”, o “Não” – e o sujeito cospe “Le
Non” do pai, esfregando-o na cara de quem o pediu. “Não” que porta a objeção
firme da significação fálica, bastão que impede a boca do crocodilo de se fechar,
para usar a imagem de Lacan no Seminário O Avesso da Psicanálise, (1992/1969-
1970, p. 105). Na psicose, diferentemente, o sujeito responde com a crise delirante
e/ou com alucinações, que não deixam de ser seus recursos.
As interpretações e os cortes nos intervalos nodais da cadeia revelam, desnu-
dam, refazem os buracos produzidos pela castração inerente à estrutura. Dessa
forma, os pontos de enodamento ao longo da trajetória analítica vão repassando
e desvelando ou refazendo o nó borromeano, escondido no emaranhado, ou nos
escombros da neurose.

Sinthoma, estilo e transmissão

Quase toda criança pode saber fazer uma trança, e, uma vez feita, o gesto é au-
tomático (fig. 1); mas mesmo tendo a trança como base, saber fazer o nó é outra
história. Nesse sentido, a amarração nodal é o próprio percurso analítico, cami-
nho que revela a não proporção sexual e ao mesmo tempo perfaz um modo, para
cada um próprio, de lidar com essa impossibilidade. O quarto elo na neurose não
está no nó como suplência (que supre uma falta) ligando elos superpostos (fig. 2).

Fig. 1

Fig. 2

O Sinthoma como a quarta consistência, que vem reatar o Real, o Simbólico e o Imaginário dispersos.

92 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012


Existe a neurose e há pessoas que se curam. Qual é o truque?

O quarto elemento, ou quarto termo, é o próprio gesto de trançar os elos,


gesto que ao longo da travessia analítica acaba por definir e desenhar o nó bor-
romeano de modo suplementar, que acrescenta um estilo, um modo próprio de
fazer (fig. 3). O estilo é, portanto, o que se produz na análise como o modo de
entrelaçar os três registros.
Fig. 3

Nó Borromeu: (R) Real, (S) Simbólico e (I) Imaginário

O estilo é um saber lidar que não mais pede, nem cede à interpretação, por ser não
mais uma formação de compromisso conflituosa (sintoma), mas um acordamen-
to pacífico (sinthoma) entre as três dimensões de R.S.I. Desse acordo topológico, a
consequência central é o recorte e a queda do objeto a: “como causa do desejo em
que o sujeito se eclipsa e como suporte do sujeito entre verdade e saber”, diz-nos
Lacan na abertura de seus Escritos (1998/1966, p. 11). O objeto a entra em cena para
designar o que faz estilo na psicanálise: a singularidade do desejar de cada um. A
emergência do objeto a é correlativa à falha irremediável do Outro S(A/) que, sem
custear e preencher o sujeito com respostas abre-se-lhe o recurso da invenção.4
Assim, o estilo não é o “homem” ou o “próprio homem” como queria Buffon,
mas o mais próprio do homem, o objeto a. Em seu artigo O Estilo, o Analista e a
Escola (http://www.oocities.org/), Quinet distingue sintoma do final da análise e
estilo, precisando: “Em suma, o sintoma-verdade comporta dois destinos: o estilo,
que é da ordem da enunciação por onde circula a verdade; e o sintoma, como real.
A verdade se desvincula do sintoma para estar a serviço do estilo”. Um estilo é,
pois, o que se destaca do acordamento borromeano sinthomático e se transmite
como um modo próprio de amarrar os elos, as letras, como um jeito único de es-
crever, de enunciar, uma maneira de viver, de tratar os significantes. “Como então
comunicar o vírus desse sinthoma sob a forma do significante?” Prolongamos
então esta pergunta de Lacan em outra: não seria o estilo, não o sinthoma, mas o
vírus do sinthoma, o objeto a a se transmitir?

4  Em seu artigo “O Estilo, o Analista e a Escola”, Quinet pergunta: “Se o estilo advém do sem
recurso (do apelo ao Outro), como se dá em uma análise esse processo em que advém o estilo? E
qual sua relação com o sintoma?”.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012 93


Guatimosim, Bárbara

Transmissão da lei ética do desejo

Lacan, em RSI, elabora uma teorização in progress do quarto termo do nó ao


longo do seminário. Inicialmente com Freud, Lacan concebe o quarto elemento
como a realidade psíquica, o complexo de Édipo5 ou ainda como o Nome do Pai.
Desde o Seminário 3, de As psicoses lemos:

[...] se tentamos situar num esquema o que faz manter-se de pé a concepção


freudiana do complexo de Édipo, não é de um triângulo pai-mãe-criança de que
se trata, é de um triângulo (pai)-falo-mãe-criança. Onde estará o pai ali dentro?
Ele estará no anel que faz manter-se tudo junto (1988/1955-1956, p. 359).

No Seminário 4, A relação de objeto, Lacan deixa ainda mais clara a posição do


pai como quarto termo:

[...] vocês viram esboçar-se uma linha de busca que se referia à tríade ima-
ginária mãe-criança-falo, como prelúdio à posta em jogo da relação simbólica,
que se faz com a quarta função, a do pai, introduzida pela dimensão do Édipo
(1995/1956-1957, p. 81).

Voltando ao R.S.I., Lacan situará o Nome-do-Pai no nó borromeano em sua fun-


ção de enodamento e nomeação simbólica dos registros.6 Como ele mesmo diz:

[...] nosso Imaginário, nosso Simbólico e nosso Real estão talvez para cada um
de nós ainda num estado de suficiente dissociação para que só o Nome do Pai
faça nó borromeano e mantenha tudo isso junto, faça nó a partir do Simbólico,
do Imaginário e do Real (lição de 11/02/75).

Ao mesmo tempo, Lacan aí se questiona: afinal, não é o Simbólico que tem o


privilégio desses Nomes do Pai? Se o simbólico faz furo, ao esburacar o real ele

5  “Foram necessários a Freud, não três, o mínimo, mas quatro consistências para que isso se
sustentasse, a supô-lo iniciado na consistência do simbólico, imaginário e real. O que ele chama
de realidade psíquica tem perfeitamente um nome, é o que se chama complexo de Édipo. Sem
o complexo de Édipo, nada da maneira como ele se atém à corda do Simbólico, do Imaginário e
do Real se sustenta. Donde eu ter insistido, com o tempo, em proceder, vem de eu acreditar que,
do que Freud anunciou, não é o complexo de Édipo que se deve rejeitar.” (LACAN, idem, lição de
14/01/75).
6  “Certo é que, quando comecei a fazer o seminário dos ‘Nomes do Pai’, (...) não é por nada que
chamara isso de ‘Os Nomes do Pai’ e não o Nome do Pai, eu tinha algumas ideias da suplência que
o campo toma, o discurso analítico que faz com que essa estreia, por Freud, dos Nomes do Pai, não
é porque essa suplência não é indispensável que ela não tem vez” (LACAN, RSI, lição de 11/02/75).

94 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012


Existe a neurose e há pessoas que se curam. Qual é o truque?

escreve e dá lugar ao imaginário. No nó borromeano, a interdição, a castração se


propaga, se transmite, no entrecruzamento dos elos. Cada um puxa pelos outros.
Todas as dimensões participam do Simbólico, Imaginário e Real. Todas têm bu-
raco, consistência e ex-sistência, dimensões nomeadas por Freud como Inibição,
Sintoma e Angústia.
Quando, na travessia analítica, o Nome do Pai, quarto elemento, torna-se lei
implícita, propagada, no plural, Nomes do Pai, das dimensões enodadas, o nó de
três se sustenta na lei ética do desejo dispensando, porque perde o sentido se man-
ter, o imperativo moral do Supereu. É essa a queda, feita de cessões de gozo, que
promove o discurso analítico e que reverbera em outros tombos identificatórios,
efeitos de perda (efeitos terapêuticos) nos sintomas neuróticos.
Se “o desejo articula sem ser articulável”, ele também realiza sem ser realizável,
quando dele não se cede. Talvez isso explique porque o desejo do analista, apesar
de não se realizar na análise como desejo de curar, realize em ato o efeito de cura,
quando se cede do gozo. Se no início de uma análise o sujeito que sabe é aquele
que é suposto saber o “truque”, aquele que sussurra no ouvido a palavra da salva-
ção, a experiência da análise avança revelando ser o efeito de cura, não uma pres-
tidigitação, mas uma experiência de trabalho e repetição que conta ainda com o
real dos bons encontros, sorte contingente, que pode acionar tanto a queda dos
sintomas como o traçado do sinthoma.

Por que não encontraríamos, com o discurso analítico, algo que desse uma
ideia de um truque preciso? E afinal, o que é a energética, senão também um tru-
que matemático? Este não será matemático, é por isso mesmo que o discurso do
analista se distingue do discurso científico. Enfim, essa chance, vamos colocá-la
sob o signo da boa sorte, ainda (encore) (LACAN, 2010/1972, p. 237).

Ao se contar com o Nome do Pai como quarto elemento, pode-se dele pres-
cindir, pois o pai – no plural, Nomes do Pai – torna-se nó borromeano a três, ou
seja, os três registros R, S e I enodados. Isto corresponde à conquista do que foi
herdado e então é possível, ao sujeito, operar uma mutação na posição subjetiva
e abrir-se para o espaço de invenção. Reinventar o pai, a lei, não seria reinventar
a roda? Não, talvez pior. Mais radicalmente, nesse lugar, reinventam-se as condi-
ções mesmas da invenção da roda. Reinventa-se no próprio movimento, o sintho-
me que aí ganha rodinhas!

“Não foi o mar Juan, mas seu movimento, que nos foi dado em herança.”
(M. G. LLANSOL – A terra fora do sítio, 1998)

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012 95


Guatimosim, Bárbara

referências bibliográficas
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Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Zahar, 1995, 456p.
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Teixeira Ribeiro. Rio de Janeiro: Edição não comercial da Escola Letra Freu-
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<http://www.oocities.org/hotsprings/villa/3170/AntonioQuinet.htm. Acesso em

96 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012


Existe a neurose e há pessoas que se curam. Qual é o truque?

05/07/2012>. Versão impressa em coletânea: Comunidade analítica de Escola.


Rio de Janeiro: Palea, 1999.
RIBEIRO, M. A. A travessia do Rubicão. Preliminar às XIII Jornadas de Forma-
ções Clínicas do C.L, RJ: A clínica do ato. Texto recebido pela rede da EPFCL
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Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S1516-14982010000100003>. Acesso em: 05/02/2012.

resumo
Na pequena comunicação no Congresso sobre a transmissão de
julho de 1978, Lacan vai da afirmação da existência da neurose,
passa pelo jogo analítico que a faz ceder, e chega à possibilida-
de da emergência, e também transmissão, do que chamará de
Sinthome: o que fica resta ímpar de cada um e, paradoxalmente,
algo que vem como um novo laço social ao final de uma análi-
se. Como o discurso do analista promove este desfecho? Qual
é o truque? É a pergunta que o conduz. A partir dessas obser-
vações que faz Lacan em suas “conclusões” e sob sua orienta-
ção,  pretende-se levantar e  trabalhar  algumas questões sobre
interpretação e ato.

palavras-chave
Interpretação, ato, final de análise, sinthoma, nó borromeu.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012 97


Guatimosim, Bárbara

abstract
In the short communication at the Congress About the Trans-
mission, in July 1978, Lacan moves from the affirmation of the
existence of neurosis, passes through the analytical game that
makes it give in, and reaches the possibility of emergence, and
also transmission, of what he would call sinthome: what is left is
unique to each patient and, paradoxically, it is something that co-
mes as a new social bond at the end of an analysis. How does the
analyst’s discourse provoke this outcome? What is the trick? That
is the question which leads him. From these observations made by
Lacan in his “conclusions” and under his guidance, the objective
here is to raise and discuss questions on interpretation and act.

keywords
Interpretation, act, end of analysis, sinthome, borromean knot.

recebido
16/02/2012

aprovado
31/03/2012

98 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.87-98 novembro 2012


Construção e interpretação em
construções em análise (1937),
de Sigmund Freud

Rosanne Grippi

A questão “o que os analistas fazem quando fazem análise?” foi colocada por
Lacan (1953-54/1983) no início do seu Seminário, livro 1: os escritos técnicos de
Freud, no qual são trabalhados os escritos técnicos de Freud, que vão de 1904
a 1919. Em 1937, no texto Construções em análise, Freud (1937/1975) toma essa
questão interrogando sobre a maneira como a psicanálise vinha sendo praticada,
e enfatiza o fato de que faltava ao analista interrogar seu próprio saber. No modo
como conduziam a direção do tratamento, sublinha Freud, os analistas pareciam
estar “sempre com a razão contra o pobre e desamparado infeliz que estamos
analisando, não importando como ele reaja ao que lhe apresentamos” (Ibid., p.
291). Como podemos ler, Freud chama a atenção para as práticas equivocadas da
clínica psicanalítica.
Construções em análise é tão técnico quanto quase todos os textos freudianos,
pois, “em certo sentido”, Freud nunca cessou de “falar da técnica” (Seminário,
livro 1, op. cit., p. 17). Nele, a visada de Freud, segundo assinala Lacan, é tratar “do
modo de ação e de intervenção na transferência”, o que não é pouco (Ibid., p. 16).
Uma análise visa à reconstrução da história do sujeito, sendo esta a maneira
pela qual um analisante poderá fazer progressos, mas, evidentemente, o analis-
ta também deverá estar implicado com seu desejo. Reconquistar as recordações
perdidas, permitir suspender o recalque é dirimir os sintomas e as inibições pre-
sentes, que são substitutos do que foi esquecido. Freud insiste nesse ponto na ex-
tensão de toda a sua obra, comenta Lacan.
Lacan assinala que a “apreensão de um caso singular” (Ibid., p. 21) é o que está
em jogo para um analista quando há uma demanda de análise. À parte o manejo
de alguns, “O progresso de Freud, sua descoberta, está na maneira de tomar o
caso na sua singularidade” (Ibid., p. 21). Para isso, Freud diz textualmente em
Construções...: “a relação de transferência, que se estabelece com o analista, é es-
pecificamente calculada para favorecer o retorno dessas conexões emocionais. É
dessa obra-prima – se assim podemos descrevê-la – que temos de reunir aquilo de
que estamos à procura” (Construções em análise, op. cit., p. 292). Sem transferên-

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012 99


Grippi, Rosanne

cia não há possibilidade de interpretação, o analista não ocupa o lugar de suposto


saber para o sujeito, então não acontece uma psicanálise.
Mas não basta, pois para alguns analistas a psicanálise; a reconstrução do caso
clínico é entendida como um saber construído pelo analista sobre o passado do
sujeito analisante, tendo sido estabelecida, inclusive, a “sessão de devolução” pelas
chamadas “psicologias de base psicanalítica”. Nelas, há transferência, mas o ana-
lista acredita no saber que lhe é suposto.
Podemos nos perguntar: por que, em 1937, Freud se debruça sobre o tema das
construções em análise se ele sempre pareceu ter dado mais importância à inter-
pretação? Talvez o tenha feito justamente porque sabia que para fazer uma cons-
trução os efeitos de interpretação devem ter ocorrido a priori. Sabemos que não
há como “devolver” nada ao paciente sem antes ter escutado os elementos sim-
bólicos trazidos por ele. A partir desses elementos linguísticos, o analista poderá
pontuar o texto que lhe é apresentado. Dito de outro modo, construção é o ato
de pontuar a história que está sendo lembrada, e não ser deduzida por um saber
superior.
Na clínica psicanalítica, não se trata de conhecer exatamente o que se sucedeu
em determinado evento da vida do sujeito, mas escutar sobre o ser do sujeito que
se realiza no tempo, isso que é verbalizado na sua singularidade por meio da re-
cordação e do relato de suas lembranças. “A realidade do acontecimento é uma
coisa, mas não é tudo. Há algo mais: a historicidade do acontecimento”, diz Lacan,
em 1952, em seu Seminário sobre o Homem dos lobos (Lacan, 1952, s/p.). Segundo
Lacan, que retoma essa questão no Seminário 1: “a história não é o passado. A
história é o passado na medida em que é historiado no presente – historiado no
presente porque foi vivido no passado” (Seminário, livro 1, op. cit., p. 21). O essen-
cial em uma análise é a reconstrução; se trata mais de reescrever a história do que
rememorá-la: o passado é o que eu teria sido.
Freud compara o trabalho de reconstrução em análise com o trabalho do ar-
queólogo, passagem clássica desse texto, em que diz que ambos os trabalhos são
idênticos, mas a psicanálise estaria em maior vantagem, “já que aquilo com que
está tratando não é algo destruído, mas algo que ainda está vivo” (Construções
em análise, op. cit., p. 293). A comparação se dá no sentido de que o analista “ex-
trai suas inferências a partir dos fragmentos de lembranças, das associações e
do comportamento do sujeito da análise” (Ibid., loc. cit.). Paradoxalmente, o que
é vantagem para a psicanálise em seu trabalho de reconstrução da história do
sujeito é justamente o que Freud (1937/1975, p. 294) aponta como também sendo
a maior dificuldade, pois: “(...) os objetos psíquicos são incomparavelmente mais
complicados do que os objetos materiais do escavador, e possuímos um conheci-
mento insuficiente do que podemos esperar encontrar, uma vez que sua estrutura

100 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012
Construção e interpretação em construções em análise (1937), de Sigmund Freud

mais refinada contém tanta coisa que ainda é misteriosa”. Uma introdução para
o que ele vai retomar – pois já havia tratado do tema desde 1901 e 1922 – sobre a
dialética entre a realidade histórica e a realidade material.1
Segundo Lacan, no Seminário 1, nessa passagem Freud acentua e insiste sobre a
reconstrução da história do sujeito e coloca em jogo “qual o valor do que é recons-
truído?” (Seminário, livro 1, op. cit., p. 22). Freud sublinha que o importante não
é aquilo que o sujeito revive, rememora, “o que conta é o que ele disso reconstrói”
(Construções em análise, op. cit., p. 294). Freud equivoca, dizendo que o trabalho
de reconstrução em análise é apenas um trabalho preliminar, e que são dois, esses
trabalhos, “executados lado a lado, o do analisante e o do analista, cada um com
sua tarefa específica” (Ibid., p. 295). Ele o descreve: “O analista termina um frag-
mento da construção e o comunica ao sujeito da análise, de maneira que exerça
um efeito sobre ele; constrói então um outro fragmento a partir do novo material
que sobre ele se derrama, lida com este da mesma maneira e prossegue, desse
modo alternado, até o fim” (Ibid., loc. cit.).
Ao processo descrito acima, Freud vai chamar “interpretação e seus efeitos”,
mas afirma que “‘construção’ é de longe a descrição mais apropriada” (Ibid., loc.
cit.). O interessante nessa passagem é a retomada que Freud faz sobre o conceito
de interpretação em face da construção. Cito-o: “‘Interpretação’ aplica-se a algo
que se faz a algum elemento isolado do material, tal como uma associação ou um
ato falho. Trata-se de uma ‘construção’, porém, quando se impõe perante o sujeito
da análise um fragmento de sua história primitiva, que ele havia esquecido” (Ibid.,
loc. cit.). Desse modo, podemos dizer, a construção é efeito de interpretação.
Em uma das sessões de análise que vem realizando, Anaïs diz o quanto é im-
possível separar-se do marido com quem está casada há trinta e três anos; ela
se queixa de que se sente obrigada a fazer sexo com ele, que não sente nenhuma
vontade, mas se ela não ceder, ele pode pensar que ela tem outro. E completa: “Ele
não consegue manter a ereção, é uma dificuldade; é chato fazer sexo com ele, nem
sequer olha para mim, não me beija na boca...”. Algumas sessões depois, Anaïs
comenta que marcou uma hora com uma massagista mulher, “jovenzinha”, para
o marido, pois este estava com o pescoço duro, “parecia um pedaço de pau”. A
analista pergunta: “O pescoço dele está duro? Nada como uma mulher jovem para
dar um jeito, não é mesmo?”. Tal interpretação tem efeitos, pois imediatamente
Anaïs diz: “Nossa! Isso foi a maior prova de desamor que eu podia dar a ele”. E
lembra-se do “pescoço engessado, todo duro”, devido a um acidente de moto, do
vizinho de sua infância, pai de sua amiguinha, o qual fazia brincadeiras sexuais

1  Tal assunto já vinha sendo elaborado desde “Psicopatologia da vida cotidiana (1901)” e investi-
gado em “Mecanismos de defesa da neurose (1922)”. Mais adiante em sua obra, Freud volta a traba-
lhar sobre o tema em “Moisés e o monoteísmo (1939 [1934-38])”.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012 101
Grippi, Rosanne

com ela todos os dias. Lembra-se justamente quando deixou de ir à sua casa, “na-
quele dia eu vi o pau dele, e saí correndo, não sei como!”. Do amante, homem que
lhe dá atenção, quem ouve o que ela tem a dizer e olha para ela na cama, adora
quando ele lhe chama de “minha menina, minha criança”. Anaïs diz que sabe que
sentia prazer em ser bolinada quando menina pelo pai de sua amiga.
Anaïs conta, em sua primeira entrevista, que havia se consultado com outra
analista que disse a ela que seu problema era a “síndrome do ninho vazio” e que
por isso não prosseguiu em seu tratamento. Podemos afirmar, com Freud e Lacan,
que o analista coloca uma análise em movimento quando oferece um pedaço de
sua construção, feita a partir dos elementos trazidos pelo sujeito e verifica, a pos-
teriori, se de fato sua construção funcionou, colhendo os efeitos provocados por
ela. Lendo Freud com Lacan, só sabemos da interpretação a partir de seu efeito,
pois ela é da ordem de um saber sobre a verdade do sintoma. Freud (1937/1975, p.
295) afirma que, situando o analista no lugar da falta, os analistas não pretendem:

(...) que uma construção individual seja algo mais do que uma conjectura que
aguarda exame, confirmação ou rejeição. Não reivindicamos autoridade para ela,
não exigimos uma concordância direta do paciente, não discutimos com ele, caso
a princípio a negue. Em suma, conduzimo-nos segundo modelo de conhecida fi-
gura de uma das farsas de Nestroy – o criado que tem nos lábios uma só resposta
para qualquer questão ou objeção: ‘Tudo se tornará claro no decorrer dos futuros
desenvolvimentos’.

Seguindo a elaboração sobre os efeitos da construção em análise, Freud im-


prime uma verdadeira discussão sobre a distinção entre a verdade histórica e a
verdade material, nos brindando com reflexões sobre a alucinação e o delírio, fi-
cando claro, inclusive, estes não serem exclusivos da estrutura psicótica. A recor-
dação por parte do analisante após uma interpretação bem-sucedida apresenta
uma “anormal nitidez” (Ibid., p. 301) de rostos de pessoas, por exemplo, assim
como detalhes da decoração dos ambientes, aos quais a construção estava referida
e que, obviamente, o analista não tem acesso, podendo ocorrer tanto em sonhos
imediatamente após uma construção, “quanto em estados de vigília semelhantes
a fantasias” (Ibid., loc. cit.), o que poderia ser descrito como alucinações. Inte-
ressante destacar o assombramento da analisante do caso acima citado quando
se lembra dos detalhes do vestido que estava usando nas vezes em que ia à casa
do homem que lhe fazia carícias quando criança, perguntando a analista: “Estou
louca? Como pode alguém se lembrar assim, é como se eu pudesse vê-la ali!”
O interessante nessa passagem, a meu ver, é o destaque que Freud dá à ocor-
rência de alucinações em pacientes não psicóticos, afirmando ser esse “o meca-

102 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012
Construção e interpretação em construções em análise (1937), de Sigmund Freud

nismo familiar dos sonhos, o qual, desde tempos imemoriais, a intuição igualou
à loucura” (Ibid., p. 302). Freud afirma que “há não apenas método na loucura,
como o poeta já percebera, mas também um fragmento de verdade histórica, sen-
do plausível supor que a crença compulsiva que se liga aos delírios derive sua
força exatamente de fontes infantis desse tipo” (Ibid., loc. cit.). No caso de minha
paciente, uma neurótica, observou-se que ao rememorar um fragmento de sua
verdade histórica, remeteu-a a uma cena traumática vivida em sua infância.
A transposição de material do passado esquecido para o presente, ou para uma
expectativa de futuro, é, na verdade, ocorrência habitual nos neuróticos, não me-
nos do que nos psicóticos. Freud (Ibid., p. 303) vai equivaler os delírios às cons-
truções em análise, dizendo que “tal como nossa construção, (...) o delírio deve
seu poder convincente ao elemento de verdade histórica que ele insere no lugar da
realidade rejeitada”.
Para concluir, em uma análise o que está em jogo são as recordações e a rees-
crita da história do sujeito, sempre singular. Desse modo, quando Freud se refere
“às nossas construções”, alguns analistas o tomaram ao pé da letra, no sentido de
que seria o analista quem faz a construção da história do analisante. Entendo, por
outro lado, que ao se referir à “nossa construção” é à direção do tratamento que
ele parece querer enfatizar como aquilo que um analista deve promover para que
uma análise possa ser realizada em sua real singularidade.

referências bibliográficas
FREUD, S. (1937). Construções em análise. In: ______. Moisés e o monoteísmo,
esboço de psicanálise e outros trabalhos. Tradução sob a direção de Jayme Sa-
lomão. Rio de Janeiro: Imago, 1975. (Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 23, p. 289-304).
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brasileira de Betty Milan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983. 336p.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012 103
Grippi, Rosanne

resumo
Com base no texto freudiano Construções em análise (FREUD,
1934) e em O Seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud,
de Jacques Lacan, o presente trabalho pretende demonstrar cli-
nicamente a interdependência dos conceitos de “construção” e
“interpretação”. Em seu texto, Freud questiona o que os ana-
listas fazem em sua clínica e aponta que uma análise tomada
a partir de um saber soberano do analista é, no mínimo, uma
impostura clínica. Usar do poder da transferência para persua-
dir ou mesmo convencer um analisante sobre sua história é o
que não se pode esperar de uma análise. Em Construções..., o
tema da realidade histórica e da realidade material é explici-
tado, e podemos verificar, dentre outras coisas, que o delírio e
as alucinações não são restritos à psicose. O texto Construções
em análise confirma que uma construção não ocorre sem uma
interpretação. A diferença reside no fato de que a interpretação
se dá a partir de um dado isolado, como um lapso, enquanto
que a construção confronta o sujeito com um fragmento de sua
história primitiva. Lacan afirma, no O Seminário, livro 1, que
Construções... abarca toda a teoria freudiana, o que nos instigou
a investigá-lo.

palavras-chave
Construção, interpretação, clínica psicanalítica.

104 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012
Construção e interpretação em construções em análise (1937), de Sigmund Freud

abstract
Based on Freud’s Constructions in Analysis (1934) and The Se-
minar, Book 1: The technical writings of Freud, by Jacques Lacan,
this study aims to demonstrate clinically the interdependence
of the concepts of “construction” and interpretation. In his text,
Freud questions what analysts do in their clinic and states that
an analysis taken from an arrogant knowledge of the analyst is,
to say the least, a clinical imposture. Making use of the power
of transference to persuade or even convince an analyzed about
his/her history is what cannot be expected from an analysis.
In Constructions, the historic and material reality themes are
made explicit and we can verify, among other things, that the
delirium and the hallucinations are not restricted to psychosis.
Constructions in analysis confirms that a construction does
not occur without an interpretation. The difference resides in
the fact that interpretation takes place from an isolated fact, as
a lapse, whereas the construction confronts the subject with
a fragment of his/her primitive history. Lacan affirms in The
Seminar, Book 1 that Constructions… encompasses the entire
Freudian theory, which has instigated us to investigate it.

keywords
Construction, interpretation, psychoanalytic clinic.

recebido
17/02/2012

aprovado
27/02/2012

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.99-105 novembro 2012 105
Interpretação em Psicanálise e
em Ciência: contrapontos1

Raul Albino Pacheco Filho

O tema da interpretação e as diferentes maneiras de concebê-la têm demarcado


fronteiras importantes entre concepções distintas, tanto no campo da Psicanálise
quanto no da Ciência.
Na Filosofia da Ciência, os diferentes entendimentos sobre as conexões entre in-
terpretação e observação, ou entre fato e teoria (outra face da questão), se opõem,
p. ex., a concepção de ciência dos positivistas lógicos à de Popper (1934/1993,
1956-1957/1985, 1963/1994, 1970/1979); e a de ambos à de Koyré (1939/1986,
1957/2006, 1966/1982), Bachelard (1934/1996, 1938/1996, 1940/1984) e Kuhn
(1962/1982, 1970/1979, 1977/2011, 2000/2006).
Na Psicanálise, constatamos que a preeminência da interpretação surgiu já na
sua origem, com A interpretação de sonhos (1900/1980): a obra com que Freud
marca a ruptura que inaugura seu campo e aponta o foco do que então conside-
rava a “via régia” de acesso ao inconsciente. E sabemos como essa importância só
fez por aumentar à medida em que evolui sua obra, com a interpretação sendo a
via da busca de sentido também para as demais formações do inconsciente: sin-
tomas, atos falhos, chistes etc. E lembremos como essa importância da interpre-
tação irá prosseguir também na obra de Lacan, ainda que com desdobramentos
que o levarão, em um primeiro momento, a criticar um trabalho interpretativo
baseado no signo ou na busca de qualquer ‘simbolismo verdadeiro’ (1960/1988a,
p. 719) e, mais tarde, a questionar o próprio valor do sentido como finalidade úl-
tima do trabalho analítico.
No que diz respeito à interlocução entre Psicanálise e Filosofia da Ciência, o
tema da interpretação também é fundamental. Tanto que a pluralidade de in-
terpretações para um mesmo fato clínico (p. ex., um sonho) está subjacente a al-
gumas das mais importantes críticas à cientificidade da Psicanálise: entre elas a
de Popper (1956-1957/1985), ainda que a sua crítica seja mais geral e dirigida à
própria atividade de busca de apoio em fatos para as teorias (o que ele chama de

1  Uma versão bastante reduzida do conteúdo deste artigo foi apresentada no XII Encontro Na-
cional da EFPFCL – Brasil “A lógica da interpretação”, realizado de 4 a 6 de novembro de 2011, em
Salvador (BA). O autor agradece a Ana Laura Prates Pacheco as relevantes sugestões feitas por
ocasião da preparação do artigo.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 107
Pacheco Filho, Raul Albino

“verificacionismo”), contra o que ele propõe a “ falsificabilidade” ou “refutabilida-


de” ou “testabilidade” das teorias científicas. De todo modo, é a Psicanálise que
lhe serve de instrumento para argumentar a favor de sua concepção de ciência,
exatamente pelo fato de os argumentos de Freud em A interpretação dos sonhos
terem desempenhado, como ele diz, “um papel importante no desenvolvimento
das minhas concepções sobre a demarcação” (p. 204).
O argumento popperiano dirige-se contra a pretensão freudiana “de que as
suas teorias estavam ‘baseadas na experiência’, do mesmo modo que as teorias
das outras ciências”:

O que quero assinalar é que Freud não discute em lugar algum uma te-
oria alternativa (tal como a esboçada aqui) que tome nota do simples fato,
agora admitido, de que os sonhos de angústia constituem uma refutação
da fórmula geral de satisfação de desejos, como sugerem há muito tempo
os leitores “obstinados” e os críticos “mal informados”. Em lugar algum
Freud compara a sua teoria com uma rival promissora, avaliando uma em
relação à outra, à luz das evidências; e nunca a critica: ele tem a sua teoria
e trata de verificá-la; ele a faz se encaixar a elas, na medida do possível –
como mostra o exemplo do sonho de angústia – mais além do que ele mes-
mo pensou ser possível quando publicou pela primeira vez o seu grande
livro, A Interpretação dos Sonhos. (...) Rechacei as suas pretensões [de que
as suas teorias estavam “baseadas na experiência”] porque vi que as suas
teorias não satisfaziam o critério de contrastabilidade ou refutabilidade ou
falseabilidade (p. 212-213).

Com base nessa argumentação, Popper pretende fundamentar sua opinião de


que a teoria freudiana dos sonhos “possui um caráter mais parecido com o do
atomismo anterior a Demócrito – ou talvez ao da coleção de relatos de Homero
sobre o Olimpo – do que o de uma ciência contrastável” (p. 212).
O objetivo desta apresentação é estabelecer alguns contrapontos entre as dis-
cussões nesses dois campos, trazendo para o foco algumas questões relativas à
interpretação. Existe uma especificidade da interpretação na Psicanálise, em rela-
ção à interpretação em outros campos científicos? Como a temática do real se liga
a isso? E a pluralidade interpretativa, na Psicanálise: é apenas decorrência da falta
de rigor e exterioridade de suas teorizações em relação à Ciência? Ou isso deve ser
concebido de outra maneira?
Buscando atingir este objetivo, apresentarei razões para me opor à crítica de
Popper à Psicanálise, confrontando sua concepção de Ciência com a de outros
autores em Filosofia da Ciência. É verdade que na aula de 15/11/77 do Seminário

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Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos

25, Lacan afirmou que, “como Karl Popper mostrou com insistência”, a Psicaná-
lise “não é absolutamente uma ciência porque é irrefutável. É uma prática, uma
prática que durará o que durar. É uma prática de tagarelice” (LACAN, 1977/2000,
p. 1). Mas isso não me demoveu da minha intenção, pois entendo que, como sem-
pre, as palavras de Lacan precisam ser cuidadosamente meditadas. E o fato de ele
citar outros pensadores – seja Popper, Hegel, Kant, Heidegger, Sócrates ou Spino-
za –, não aconselha a imprudência de incluí-lo entre seus discípulos: seja como
kantiano, hegeliano, heideggeriano ou outra denominação qualquer. Antes de se
rotular Lacan precipitadamente como um popperiano, é preciso lembrar que na
mesma aula ele também afirmou: “Gostaria de observar que o que se chama de
racionalidade é uma fantasia” (Id.). E a frase com que concluiu essa aula serviria
como golpe definitivo contra quem pretendesse alinhar sua concepção de Ciência
à de Popper: “O importante é que a própria ciência não é mais que uma fantasia,
e a ideia de um despertar é, para falar propriamente, impensável” (Ibid., p. 3).
Lembre-se, além disso, as incontáveis ocasiões em que o próprio Lacan dedicou-
-se a refutar, com argumentos científicos, por meio da elaboração de sua obra, os
desvios na teoria e na prática de psicanalistas pós-freudianos, como, por exemplo,
no trecho a seguir de Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente
freudiano:

O que nos qualifica para proceder por essa via é, evidentemente, nossa expe-
riência dessa práxis. O que nos determinou a isso, como atestarão os que nos se-
guem, foi uma carência da teoria, reforçada por um abuso em sua transmissão, os
quais, por não deixarem de ser perigosos para a própria práxis, resultam, tanto
um quanto o outro, numa ausência total de status científico. Formular a questão
das condições mínimas exigíveis para tal status não era, talvez, um ponto de
partida desonesto. Constatou-se que ele leva longe (LACAN, 1960/1998b, p. 808).

Dadas as reduzidas dimensões de um artigo de periódico, me limitarei a apre-


sentar, de modo sucinto, apenas a estrutura da argumentação.
1o Ponto: a concepção de lógica da investigação científica apresentada por Pop-
per (em especial no que se refere ao uso da interpretação) é falsa e não coincide
com o que, de fato, ocorre nos campos científicos:
Para defender esta proposição, recorrerei à concepção de corte epistemológi-
co – revolução, ruptura –, defendida por pensadores como Koyré, Bachelard e
Kuhn, lembrando que: em A ciência e a verdade, Lacan afirmou: “Koyré é nosso
guia aqui” (1966/1998a, p. 870); e que, em uma referência autobiográfica, Kuhn
apresentou Alexandre Koyré como “aquele que, mais do que qualquer outro his-
toriador, tem sido meu maître” (1977/2011, p. 46).

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 109
Pacheco Filho, Raul Albino

Popper não é um positivista radical nem um empirista ingênuo, já que concor-


da com o “fato da observação ‘pura’ jamais ser neutra”: “ela é necessariamente o
resultado de uma interpretação” (1956-1957/1985, p. 204). Contudo, Popper, para
usar as palavras de Kuhn, “caracterizou a totalidade da empreitada científica em
termos aplicáveis apenas aos períodos revolucionários ocasionais” (KUHN, 2011,
p. 289). “Valer-se de testes como sinal distintivo de uma ciência é não considerar
o que os cientistas fazem na maioria das vezes e, com isso, ignorar a caracterís-
tica mais típica de sua atividade. (...) Sua concepção de ciência torna obscura até
mesmo a existência de uma pesquisa normal” (Ibid., p. 295-296). A investigação
de fatos relevantes cuja interpretação comprove a teoria, mais do que a refute, que
Popper atribui a uma “atitude defensiva” de Freud, é parte essencial dos períodos
chamados por Kuhn de “ciência normal”, que se contrapõem aos chamados perío-
dos de “revolução científica”.

Tal como um carpinteiro que em seu ofício não pode se desfazer de sua
caixa de ferramentas só porque ela não contém o martelo certo para fixar
um prego em particular, o cientista não pode descartar a teoria estabeleci-
da em razão de uma inadequação observada. Ao menos não até que surja
outro meio de realizar sua tarefa (Ibid., p. 227).

Confrontados com falhas em suas predições, o usual é que os cientistas pro-


curem explicações para as incongruências sem trocar de teoria. Kuhn denomina
essa atividade de resolução de “enigmas de pesquisa” ou “quebra-cabeças”, já que
nos empreendimentos dos períodos de “ciência normal” o pesquisador não pro-
duz rupturas nas concepções fundamentais de sua área “e os enigmas em que
se concentra são apenas aqueles que ele acha que pode enunciar e solucionar no
âmbito da tradição científica existente” (Ibid., p. 250). Consequentemente, os re-
sultados esperados das pesquisas permanecem no interior de uma certa margem
de predizibilidade – daí a alegoria do quebra-cabeças –, não extrapolando as in-
ferências que podem ser extraídas das proposições fundamentais do paradigma
vigente. Essas pesquisas, se bem-sucedidas, fortalecem e consolidam o prestígio
do referencial teórico-epistemológico-metodológico do campo: ampliando o co-
nhecimento dos fatos apontados por ele como relevantes; aumentando a conexão
entre esses fatos e as predições do referencial; e articulando melhor o arcabouço
conceitual e teórico, ao oferecerem versões melhor desenvolvidas, mais unifor-
mes, mais amplas, ou menos equívocas. O que os estudos históricos das investiga-
ções nos campos científicos mostram, como assinala Kuhn, é que, nesses períodos
não revolucionários de uma disciplina científica, os resultados totalmente inespe-
rados de uma pesquisa atestam antes o insucesso dessa pesquisa do que a falência

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Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos

e abandono dos fundamentos do campo, como pretenderia Popper. É somente


o fracasso continuado dessa atividade de tentar articular os fatos à teoria, por
meio de interpretações dos resultados de investigações, que pode conduzir even-
tualmente a uma crise no campo e ao que Kuhn denomina períodos de “pesquisa
extraordinária”, os quais oferecem, então, as condições para a busca de novos
fundamentos e de um novo paradigma.

As revoluções científicas consistiriam nesses episódios extraordinários,


em que investigadores extraordinários conduziriam a comunidade da dis-
ciplina a um novo conjunto de compromissos de investigação, que subver-
teriam a tradição de pesquisa da área ditada pelo paradigma anteriormen-
te vigente. Eles implicariam transformações radicais, tanto da concepção
do universo em estudo e dos objetos de pesquisa, quanto das regras que
ditam a prática científica na disciplina (PACHECO FILHO, 2000, p. 242).

Os campos científicos incluem tanto os períodos revolucionários, quanto os pe-


ríodos de ciência normal, ao longo de sua história. E ambos são parte importante
do que se entende por atividade científica.
2o Ponto: os aspectos essenciais das atividades que caracterizam um campo como
científico (aí incluído o modo como a interpretação articula fatos à teoria, podendo
ou não conduzir à alteração da mesma) são encontrados no campo da Psicanálise.
Conferir-se à Psicanálise o estatuto de uma revolução no campo do pensamento
não parece ser o mais polêmico, ainda que Lacan não gostasse muito do termo
revolução, como bem lembrou Foucault (1981). Aliás, Bourdieu também preferia
enfocar os conflitos no campo da ciência a partir dos embates entre “dominantes”
e “subversivos”.2 Mas no sentido kuhniano do termo revolução, em que ele está
sendo empregado aqui, creio que dificilmente se encontraria quem argumentasse
em favor da ideia da Psicanálise ser enquadrada no âmbito do que Kuhn deno-
mina “ciência normal”: como mera continuação dos corpos de conhecimento e
dos modos de investigação do ser humano e de seu psiquismo que a precederam.
“Revolução”, no sentido kuhniano, é evidentemente mais apropriado do que o seu
polo oposto, correspondente à “ciência normal”, do mesmo modo que faz mais
sentido empregar o termo “subversivo”, ao polo oposto “dominante”, quando se
trata de definir a posição de Freud no campo da Psiquiatria e da ciência de sua
época. Como diz Althusser: “Que eu saiba, no transcorrer do século XIX, duas ou
três crianças nasceram sem ser esperadas: Marx, Nietzsche, Freud. Filhos ‘natu-
rais’, no sentido em que a natureza ofende os costumes (...) [filhos de] mãe solteira

2  Veja-se Bourdieu (1976/1994).

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Pacheco Filho, Raul Albino

(...). [E] a Razão Ocidental faz pagar caro a um filho sem pai” (1964-1965/1985,
p. 51-52). Ou ainda, como diz Lacan no Seminário 11, “o inconsciente freudiano
nada tem a ver com as formas ditas do inconsciente que o precederam” (p. 29).
Mais controversa é a questão de se a Psicanálise apresenta as atividades que
caracterizam o chamado período de “ciência normal”. Não me deterei aqui em
detalhar meus argumentos favoráveis a essa posição, apresentada no meu capítulo
do livro Ciência, pesquisa, representação e realidade em Psicanálise (PACHECO
FILHO, 2000), ao qual remeto os que se interessarem em conhecê-los. Freud foi
indubitavelmente um revolucionário (ou um subversivo, se tivermos preferência
pelo termo): mas não o tempo todo! Em boa parte de suas investigações, dedi-
cou-se a consolidar o revolucionário aparato teórico, conceitual, metodológico,
epistemológico, clínico e ético por ele instituído. E, como procurei argumentar,
isso é parte legítima das atividades em um campo científico. Acrescento a seguir
algumas considerações, que vão contra as críticas de Popper a Freud, no texto
mencionado anteriormente.
A primeira delas é que o próprio exemplo usado por Popper, pretendendo dar
substância à sua argumentação mostra em um exame detido exatamente o oposto
do que ele pretende provar. Senão, vejamos. Um dos seus argumentos-chave é o de
que, ao se propor a oferecer interpretações dos sonhos de angústia que compro-
vem que eles não constituem refutações à sua teoria dos sonhos como realizações
de desejos recalcados, Freud se desviaria o tempo todo de sua promessa: “Freud
jamais leva a cabo o seu projeto e, no final, renuncia por completo a ele, embora
sem dizê-lo explicitamente” (POPPER, 1956-1957/1985, p. 205). Freud terminaria
por limitar-se a rechaçar as críticas, acusando os discordantes de não entenderem
sua proposta ou de ‘resistirem’ a ela. Ou então tergiversaria sobre a questão, trans-
ferindo a busca de interpretação dos fatos desviantes para um âmbito diferente do
circunscrito pela teoria de realização de desejos nos sonhos: “Desse modo, o so-
nho de angústia se converte[ria] em um problema de angústia: agora, é mais uma
‘parte da psicologia das neuroses’ do que propriamente da teoria dos sonhos” (p.
207). Com isto, “todo caso concebível se converterá em um exemplo verificador”
da teoria dos sonhos, que embora “mostre que uma teoria metafísica é infinita-
mente melhor do que a ausência de teorias” (p. 212), não se apresenta refutável/
testável/falsificável, como se espera das teorias científicas (p. 208).
Ora, no Congresso Psicanalítico Internacional de Haia, de 1920, Freud fez uma
comunicação sobre uma certa classe de sonhos que lhe “pareceu apresentar uma
exceção mais séria à regra de que os sonhos são realizações de desejo. Tratava-se
dos sonhos ‘traumáticos’ (...)” (STRACHEY, 1966/1980, p. 15), que exigiriam um
ajuste teórico a ser apresentado no mesmo ano, em Além do princípio de prazer
(1920/1980). E todo o resto do arcabouço conceitual da Psicanálise (a tópica, a

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Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos

teoria das pulsões, a teoria da angústia) também deveria ser revisto: “O exemplo
menos dúbio é talvez o dos sonhos traumáticos. Numa reflexão mais amadureci-
da, porém, seremos forçados a admitir que, mesmo nos outros casos, nem todo o
campo é abrangido pelo funcionamento das familiares forças motivadoras. Resta
inexplicado o bastante para justificar a hipótese de uma compulsão à repetição,
algo que parece mais primitivo, mais elementar e mais instintual do que o princí-
pio de prazer que ela domina” (FREUD, 1920/1980, p. 37).
Aí está! Freud não apenas tinha disponibilidade para considerar os fatos cuja
interpretação não se harmonizavam com sua teoria, e modificá-la, como de fato o
fez. Popper é que não considerou isto em sua argumentação.
Além do mais, mostrou seu desconhecimento do campo psicanalítico também
na falta de entendimento do que é a trama complexa do seu arcabouço teórico.
Não se trata de um punhado de relações funcionais independentes umas das ou-
tras, nem de um conjunto de teorias regionais específicas, limitadas a circuns-
crições particulares da vida do sujeito e desconectadas entre si. As formulações
teóricas sobre os sonhos, as pulsões, as instâncias tópicas, a angústia, e assim por
diante, mantêm, todas, íntimas e complexas relações entre si. As diferentes partes
desse arcabouço não são passíveis, muitas vezes, de verificação ou refutação inde-
pendentes, na medida em que formam parte de um sistema amplo e articulado.
Freud não mostrava precipitação em modificar suas teorias. Mas isto não quer di-
zer que se aferrasse indefinidamente a elas, mesmo se apresentassem contradições
evidentes. Falando sobre o que o conduziu às formulações do Além do princípio
do prazer, que poderia ser “o ponto de partida para novas investigações”, conclui
o texto afirmando:

Isso, por sua vez, levanta uma infinidade de outras questões, para as quais,
no presente, não podemos encontrar resposta. Temos de ser pacientes e aguar-
dar novos métodos e ocasiões de pesquisa. Devemos estar prontos, também,
para abandonar um caminho que estivemos seguindo por certo tempo, se pa-
recer que ele não leva a qualquer bom fim. Somente os crentes, que exigem que
a ciência seja um substituto para o catecismo que abandonaram, culparão um
investigador por desenvolver ou mesmo transformar suas concepções (FREUD,
1920/1980, p. 84-85).

Alterações substanciais da teoria, movidas por fracassos reiterados na busca


de interpretações articulando fatos a ela, não estão de modo algum ausentes da
história da Psicanálise. Mas tudo indica que elas mostram o padrão de ativida-
de científica postulado por Kuhn e não o imaginado por Popper. Aliás, é uma
curiosidade que não deve passar despercebida, o fato de Freud ter empregado a

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 113
Pacheco Filho, Raul Albino

alegoria da solução de “enigmas” ou “quebra-cabeças”, para se referir às atividades


de interpretação de sonhos em seu texto Observações sobre a teoria e prática da
interpretação de sonhos (FREUD, 1923/1980, p. 131-132): ou seja, os mesmos ter-
mos mais tarde empregados por Kuhn, para se referir a uma parcela da atividade
dos cientistas, que inclui a busca de explicação para as incongruências teóricas e
falhas em suas predições, antes da opção pela alternativa mais radical de troca da
teoria.
Acrescento ainda, à contra-argumentação a Popper, a menção à obra de Lacan,
que foi buscar seus instrumentos em fontes distintas das procuradas por Freud
para alimentar sua metapsicologia: no caso de Lacan, a Linguística, a Lógica, a
Matemática e a Topologia. É mais uma evidência de que o diálogo contínuo e
profícuo entre práxis e teoria, no campo da Psicanálise, tem produzido vastas e
profundas reformulações no seu arcabouço teórico-conceitual, nas ‘ferramentas’
usadas para construí-lo e na concepção da prática clínica.
3o Ponto: o tema das relações entre a Psicanálise e Ciência não se esgota na aná-
lise do que ela compartilha com os demais campos científicos, devendo-se incluir
também a consideração do que ela apresenta de distintivo em relação a eles (em
particular, o que diz respeito a seus dispositivos de acesso à ‘experiência’ e a como a
interpretação articula os fatos, entre si, e à teoria).
Aqui, estamos no terreno abrangido “pela pergunta que torna nosso projeto
radical; aquela que vai de ‘É a psicanálise uma ciência?’ até ‘O que é uma ciência
que inclua a psicanálise?’” (LACAN, 1965/2003, p. 195).
Para começar, destaquemos o que existe de específico na Psicanálise, exatamen-
te no âmbito da interpretação. Nos outros campos científicos, a interpretação é
instrumento do cientista para conectar o fato à teoria e assim apossar-se do saber.
Em Psicanálise, embora a interpretação seja a “resposta do analista”, a suposição
de que este disponha da posse do saber sobre o inconsciente do analisante é ape-
nas uma ilusão instaurada pela transferência: é isto que subjaz à noção de ‘sujeito
suposto saber’.
Sabemos, contudo, que as diferenças não se limitam a esta (que, aliás, já não é
pequena). A inclusão da causa material e do sujeito foracluído nos demais cam-
pos científicos foi diversas vezes apontada por Lacan como relevante para se
“qualificar sua originalidade na ciência” (por exemplo, em A ciência e a verdade,
1966/1998, p. 890).
E à medida que a Psicanálise avança definidamente para o campo propriamente
lacaniano (o campo do gozo), a delimitação rigorosa da noção de real vai reve-
lando uma opacidade para a busca de sentido das interpretações, uma margem
de liberdade para o sujeito e uma finalidade para a busca de saber, que mostram
diferenças ainda maiores em relação ao que acontece nos demais campos cientí-

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Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos

ficos. A opacidade do real agora está posta no interior do campo como um ele-
mento conceitual necessário, não eliminável, uma vez que se mostra intrínseca ao
próprio objeto que se trata de investigar. Não se trata de um resíduo provisório,
passível de eliminação por meio de aperfeiçoamentos teóricos e metodológicos
futuros.

A interpretação – aqueles que a usam se dão conta – é com frequência estabele-


cida por um enigma. Enigma colhido, tanto quanto possível, na trama do discur-
so do psicanalisante, e que você, o intérprete, de modo algum pode completar por
si mesmo, nem considerar, sem mentir, como confissão. Citação, por outro lado,
às vezes tirada do mesmo texto, tal como foi enunciado. Que é aquele que pode
ser considerado uma confissão, desde que o ajuntem a todo o contexto. Mas estão
recorrendo, então, àquele que é seu autor3 (1969-1970/1992, p. 35).

Seja no sonho, no ato falho, no chiste, o que chama a atenção no funcionamen-


to do inconsciente é o “modo de tropeço” de suas produções. “Tropeço, desfale-
cimento, rachadura. Numa frase pronunciada, escrita, alguma coisa se estatela.
Freud fica siderado por esses fenômenos, e é neles que vai procurar o inconscien-
te” (LACAN, 1964/1985, p. 29-30). Esta estrutura de descontinuidade, é sempre
ela que nos põe seu enigma “no nível em que tudo que se expande no inconsciente
se difunde, tal o micelium, como diz Freud a propósito do sonho, em torno de um
ponto central. Trata-se sempre é do sujeito enquanto que indeterminado”4 (Ibid.,
p. 31).
É verdade que o tema da indeterminação em ciência imediatamente volta nossa
atenção para o Princípio da Incerteza de Heisenberg (1927/1983). Sem intenção de
aprofundar a análise aqui, ressalto apenas o fato de que, neste caso, a opacidade
diz respeito a um limite à precisão na determinação do objeto; e, além do mais,
decorrente da interação entre investigador e objeto. Já no caso do real lacaniano,
a opacidade vai além de um limite à precisão das interpretações. Decorre dos li-
mites da estrutura simbólica e remete ao tempo lógico da própria constituição do
sujeito. Como nos diz Colette Soler, “[trata-se aqui] do sujeito reduzido ao corte
no campo do Gozo. (...) O inconsciente é composto de elementos discretos, cada
um diferente dos outros. Primeiro, Lacan disse que era composto de significantes;
em seguida, de traços unários; e depois, dos elementos de lalíngua” (2010).
Isto define uma nova estrutura para a interpretação, mas, diferentemente do que
pensa Popper, “a interpretação não é aberta a todos os sentidos. Ela não é de modo
algum, não importa qual” (1964/1985, p. 237). No que se refere à lógica da interpre-

3  Grifos meus.
4  Grifos meus.

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Pacheco Filho, Raul Albino

tação, a consideração do real e do gozo, na última parte da obra de Lacan, implicou


mudanças radicais. Como disse Ana Laura Prates Pacheco em seu texto que serviu
de prelúdio 1 ao XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil – A lógica da interpre-
tação –, “quanto ao sentido, o que encontramos é uma proliferação tão grande, que
ele perde o valor, apontando para o ab-sens (o sem sentido e a ausência da relação
sexual)” (2011). Aqui, a análise é o lugar da experiência do impossível de tudo colo-
car em palavras. Citando novamente Soler: “(...) o gozo é incomensurável a tudo o
que se pode dizer ou se ver dele. Incomensurável, portanto, à dialética intersubjetiva
e aos debates com o Outro. A experiência, ressalto isto, não se imagina: ela trans-
torna os equilíbrios, transforma o ser e não se compartilha” (2010). E note-se que
ela usa o termo incomensurável, cunhado por Kuhn para se referir ao fato de que os
proponentes de teorias científicas distintas “falam línguas diferentes” e apropriadas
a “diferentes mundos”. “Sua capacidade para se colocar do ponto de vista do outro
é, portanto, inevitavelmente limitada pelas imperfeições dos processos de tradução
e de determinação de referências” (KUHN, 1977/2011, p. 23).
Antes de terminar, quero lembrar que embora Lacan tenha feito afirmações
contraditórias, principalmente ao final do seu ensino, no que diz respeito à arti-
culação da Psicanálise aos campos científicos, aqui, nesta ocasião, prefiro deixar
isso subsumido ao terceiro ponto que abordei, sobre a necessidade de se consi-
derar seus aspectos distintivos; e não a uma reversão radical e completa da sua
posição anterior. Reconheço que a discussão é complexa e requer um aprofunda-
mento bem maior de aspectos não abordados neste artigo. Por ora, acho apenas
oportuno lembrar as proposições de Milner, no livro em que aborda as relações da
obra de Lacan com a Ciência e a Filosofia:

Serei, por exemplo, levado a dar certa importância à questão da ciência. Sabe-
mos que Lacan a abordou com alguma insistência; entretanto, não é verdade que
a partir dela possamos deduzir, em detalhe, o conjunto dos conceitos fundamen-
tais da psicanálise. Ademais, Lacan, nessa questão, não cessa de não se autorizar
por si mesmo. Como se a questão da ciência fosse decisiva – a ponto de ser preciso
a ela voltar de forma repetitiva (...).
A doutrina lacaniana da ciência é derivada de Koyré, mas ela submete Koyré a
fins que lhe são alheios. Por conseguinte, ela manifesta propriedades da doutrina
de Koyré, por vezes mantidas em estado latente nos textos de referência. Da mes-
ma forma, Lacan revela propriedades da doutrina estrutural, na medida exata
em que se mantém em relação a ela numa paradoxal posição de inclusão externa5
(1995/1996, p. 8-9).

5  Grifos meus.

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Interpretação em Psicanálise e em Ciência: contrapontos

O tema da “inclusão externa” da obra lacaniana, seja em relação ao Estrutura-


lismo, seja em relação à concepção de Koyré sobre ciência – e, por que não?, seja
em relação à própria obra de Freud –, é algo que ainda precisa ser muito mais
debatido. Mas isso terá que esperar por uma outra ocasião.
Finalizo afirmando minha opinião de que a Psicanálise não é uma filosofia nem
uma arte, pois neste caso os psicanalistas seriam maus filósofos ou artistas sem
talento. Também não a considero apenas mais uma prática com eficácia mera-
mente simbólica, o que, aliás, é uma sorte: sempre haveria xamãs mais convin-
centes. “Mas, se a história da ciência, em sua entrada no mundo, ainda é para nós
suficientemente palpitante para que saibamos que nessa fronteira algo se mexeu
naquele momento, talvez seja aí que a psicanálise se destaca, por representar o
advento de um novo sismo” (LACAN, 1960/1998b, p. 811).

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resumo
O tema da interpretação sempre esteve na ordem do dia, seja
no campo da Psicanálise ou dos debates em Epistemologia. E
as diferentes maneiras de concebê-la têm demarcado frontei-
ras importantes entre concepções distintas, tanto no interior de
um quanto de outro desses dois campos. No campo da Filosofia
da Ciência, os modos de se estabelecer conexões entre interpre-
tação e observação, ou entre fato e teoria se opõem, p. ex., a
concepção de ciência dos positivistas lógicos à de Popper; e a
de ambos à de Koyré, Bachelard e Kuhn. E, no que diz respeito
à conexão entre Filosofia da Ciência e Psicanálise, lembre-se, p.
ex., que a pluralidade de interpretações para uma mesma ob-
servação está subjacente à crítica de Popper à cientificidade da
Psicanálise. O objetivo desta apresentação é estabelecer alguns
contrapontos entre essas discussões nesses dois campos. Existe
uma especificidade da interpretação na Psicanálise, em relação
à interpretação em outros campos científicos? Como as temáti-
cas do real, da verdade e da causa material ligam-se a isso? E a
pluralidade interpretativa, na Psicanálise: é apenas decorrência
da falta de rigor ou extimidade de suas teorizações em relação à
Ciência? Ou isso deve ser concebido de outra maneira?

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012 119
Pacheco Filho, Raul Albino

palavras-chave
Interpretação, psicanálise, ciência, filosofia, epistemologia.

abstract
Interpretation has always been a current issue, be it in the field
of psychoanalysis or in the debates in epistemology. And the
different forms of conceiving it have established important bor-
ders among specific conceptions in the interior of both fields. In
the field of philosophy of science, the ways of establishing con-
nections between interpretation and observation, or between
fact and theory, oppose, for instance, the logical positivists’
conception of science to that of Popper’s; and that of both to
that of Koyré, Bachelard and Kuhn. And in what it is related
to the connection between philosophy of science and psychoa-
nalysis, for instance, that the plurality of interpretations to the
same observation is subjacent to Popper’s criticism to the scien-
tificity of the psychoanalysis. This presentation aims to esta-
blish some counterpoints between these discussions in the two
fields. Is there a specificity of interpretation in psychoanalysis,
in relation to the interpretation in other scientific areas? How
do issues of the real, the truth, and the material cause relate to
this? And the interpretative plurality in psychoanalysis: Does it
happen only because of the lack of rigor or extimity of its theo-
rizations in relation to science? Or should this be conceived in
another way?

keywords
Interpretation, psychoanalysis, science, philosophy,
epistemology.

recebido
16/02/2012

aprovado
27/02/2012

120 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.107-120 novembro 2012
direção do
tratamento
O Manejo da Transferência

Carlos Eduardo Frazão Meirelles

A transferência como fenômeno

A transferência é um fenômeno que ocorre em todas as relações sociais, estan-


do na decorrência da condição falante do ser humano. As primeiras referências
ao termo transferência na obra de Freud, por exemplo em A Interpretação dos
Sonhos (1900/1996), referem-se ao transporte realizado pelas representações, isto
é, o fato da estrutura de linguagem dos processos psíquicos, normais ou patoló-
gicos, operar com deslocamentos de sentido e afeto. Esta condição de transporte
está implicada na acepção da transferência como relação ao outro. As cadeias
simbólicas formadas pelos deslocamentos não são as mesmas para dois sujeitos.
A disparidade entre as cadeias que estruturam cada sujeito implica um hiato na
relação entre os falantes. As identificações de reciprocidade e semelhança, tão
necessárias às funções sociais, encobrem a disparidade existente no registro sim-
bólico inconsciente, conferindo todos os riscos para que se implique o outro em
conexões inconscientes prévias do sujeito.
No início do tratamento psicanalítico, em continuidade com a experiência hu-
mana em geral, há uma transferência já presente, espontânea, em relação à qual
incidirá o manejo especificamente psicanalítico, distinto das demais formas cultu-
rais de se lidar com o fenômeno. Freud caracterizou esta transferência inicial como
repetição de “clichês estereotípicos” (1912/1996, p. 112), a inclusão do analista nas
séries das imagos constituídas nos primeiros anos de vida do sujeito. É um fenô-
meno que ocorre já nas entrevistas iniciais, ainda que muitas vezes só possa ser
reconhecido como tal a posteriori. Freud comenta que a transferência inicial tende
a se manifestar como repetição em ato na sessão, e não como recordação:

[...] O paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas
expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele o reproduz não como lem-
brança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo.
Por exemplo, o paciente não diz que recorda que costumava ser desafiador em
relação à autoridade; em vez disso, comporta-se dessa maneira para com o médi-
co. [...] Não se recorda de ter-se envergonhado intensamente de certas atividades
sexuais e de ter tido medo de elas serem descobertas; mas demonstra achar-se
envergonhado do tratamento que agora empreendeu e tenta escondê-lo de todos.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 123
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão

E assim por diante. Antes de mais nada, o paciente começará seu tratamento por
uma repetição deste tipo (1914a/1996, p. 165-6).

O laço particular que cada sujeito institui com o analista antecipa um Outro ao
qual o sujeito se relaciona de modo inconsciente, e que, constata-se no decorrer
das análises, está implicado na própria questão que o faz buscar tratamento. Se
esta antecipação ocorre em qualquer relação social, no laço psicanalítico ela se
distingue por ser a própria matéria de que se deve tratar, e o que fornece a condi-
ção de sua operação.
Sendo os clichês estereotípicos formados na primeira infância os protótipos dos
outros fundamentais do complexo edípico, o móvel erótico desse complexo mani-
festa-se na transferência. Cada um, “[...] durante os primeiros anos, conseguiu um
método específico próprio de conduzir-se na vida erótica — isto é, nas precondi-
ções para enamorar-se, nas pulsões que satisfaz e nos objetivos que determina a si
mesmo” (FREUD, 1912/1996, p. 111).
Esta estratégia libidinal estaria sempre apta a se transferir a cada nova relação
do sujeito. Freud considera, ainda, que é na medida em que o sujeito encontra-
-se castrado de sua satisfação que as ideias antecipadas estão mais suscetíveis de
serem transferidas: “Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente
satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que
encontra com ideias libidinais antecipadas [...]” (Ibid., p. 112). O mesmo fenômeno
incluiria o psicanalista: “Assim, é perfeitamente normal e inteligível que a catexia
libidinal de alguém que se acha parcialmente insatisfeito, uma catexia que se acha
pronta por antecipação, dirija-se também para a figura do médico” (Ibid., p. 112).
O fundamento sexual da transferência é uma descoberta decisiva de Freud para
o início da investigação propriamente psicanalítica do inconsciente, e pode ser
datada no desfecho do caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer. É um exemplo
paradigmático da transferência como fenômeno, ainda sem o manejo propria-
mente psicanalítico e com as consequências que isso implicou. Serviu justamente
para Freud decidir por uma determinada orientação de manejo em todos os casos
posteriores. Os detalhes são contados por Ernest Jones.
Após cerca de dois anos de tratamento, tendo a esposa de Breuer se tornado
“ciumenta” (1961/1970, p. 237) por “não ouvir do marido mais nada senão esse
assunto” (Ibid., p. 237), Breuer decidiu encerrar o tratamento de Anna O., estando
ela já em melhores condições.

Mas nessa mesma tarde foi chamado à casa da paciente e encontrou-a num
estado de grande excitação, aparentemente mais grave do que nunca. A paciente,
que, segundo ele, parecia ser um ser assexual e que nunca fizera qualquer alusão

124 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência

a esse tópico proibido ao longo de todo tratamento, mostrava-se agora no um-


bral de uma crise de parto histérica (pseudociese), culminação lógica de uma
gravidez fantasística que se vinha desenvolvendo invisivelmente em reação às
atenções médicas de Breuer (Ibid., p. 237).

Breuer, envolvido em “[...] forte contratransferência diante da sua interessan-


te paciente” (Ibid., p. 237), ficou profundamente perturbado com a revelação
do impulso erótico que, agora se notava, viria já de longa data nas sessões de
hipnose e conversa. Freud retroagiu o impulso erótico ao histórico clínico da
analisante e interpretou, acompanhando o campo sexual não analisado dos sin-
tomas de então – “[...] O simbolismo nele existente – as cobras, o enrijecimento,
a paralisia do braço – e, levando em conta a situação da jovem à cabeceira do
pai enfermo, facilmente chegará à verdadeira interpretação dos sintomas [...]”
(1914a/1996, p. 22). Apesar de Breuer ter reconhecido a motivação sexual da
transferência desta analisante, a “natureza universal deste fenômeno inespera-
do lhe escapou” (Ibid., p. 22). O clichê estereotípico da transferência de Anna
O. é sugerido por Ernest Jones: “A Senhorita Bertha (Anna O.) era não somente
inteligente, mas também extremamente atraente quanto ao físico e à persona-
lidade; quando foi removida para o sanatório, inflamou os sentimentos amo-
rosos do psiquiatra que a atendia” (1961/1970, p. 238). Ainda que não se possa
contestar “o caráter de um amor genuíno” (FREUD, 1915/1996, p. 185) nesta
repetição, pois as escolhas amorosas de fato ocorrem com repetições deste tipo,
a escuta do dizer inconsciente só se tornou possível na posição de abstinência
em que estava Freud, constituindo uma regra que torna possível o manejo psi-
canalítico da transferência: “[...] A experiência de se deixar levar um pouco por
sentimentos ternos em relação à paciente não é inteiramente sem perigo. [...] O
tratamento deve ser levado a cabo na abstinência” (Ibid., p. 182). Localizando o
episódio de Anna O. na História do Movimento Psicanalítico (1914b/1996, p. 23),
Freud indica a importância do saber que dele extraiu.

O surgimento da transferência sob forma francamente sexual – seja de afeição


ou de hostilidade –, no tratamento das neuroses, apesar de não ser desejado ou
induzido pelo médico nem pelo paciente, sempre me pareceu a prova mais irrefu-
tável de que a origem das forças impulsionadoras da neurose está na vida sexual.
A este argumento nunca foi dado o grau de atenção que ele merece [...] mais de-
cisivo do que quaisquer das descobertas mais específicas do trabalho analítico.

Lacan, em continuidade com a descoberta de Freud, formula que “[...] é na transfe-


rência que devemos ver inscrever-se o peso da realidade sexual” (1964/1998, p. 147),

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 125
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão

ou ainda, que “[...] a transferência é aquilo que manifesta na experiência a atualização


[mise en acte] da realidade do inconsciente, no que ela é sexualidade” (Ibid., p. 165).

O manejo da transferência

O termo manejo da transferência é utilizado por Freud para indicar como agir
com a transferência que se manifesta no início do tratamento.

Todavia, o instrumento principal para reprimir a compulsão do paciente


à repetição e transformá-la num motivo para recordar reside no manejo
da transferência. Tornamos a compulsão inócua, e na verdade útil, con-
cedendo-lhe o direito de afirmar-se num campo definido. Admitimo-la à
transferência como a um playground no qual se espera que nos apresente
tudo no tocante a impulsos patogênicos, que se acha oculto na mente do
paciente (1914a/1996, p. 169).

Freud propõe que o acting out inicial seja admitido à análise para que se trans-
forme em motivo à rememoração. Os “fenômenos da transferência [...] prestam o
inestimável serviço de tornar imediatos e manifestos os impulsos eróticos ocultos
e esquecidos do paciente” (1912/1996, p. 119). O manejo consistiria em fazer com
que os impulsos despertados sirvam para causar a associação livre e a interpre-
tação dos sintomas. O termo playground é sugestivo na medida em que pode se
referir ao parque infantil, metaforizando a análise como lugar de pôr em movi-
mento, pela fala, o infantil que permanece atuante no adulto. Confere também
algo de lúdico para a análise. Mas Freud não deixa de considerar, na metáfora
do químico que “maneja substâncias explosivas” (1915/1996, p. 187), os impulsos
sexuais recalcados como “forças altamente explosivas” (Ibid., p. 187), e “os mais
perigosos impulsos mentais” (Ibid., p. 188). Também utiliza a metáfora de luta:
“Esta luta [...] é travada, quase exclusivamente, nos fenômenos da transferência.
É nesse campo que a vitória tem de ser conquistada – vitória cuja expressão é a
cura permanente da neurose” (1912/1996, p. 119). Neste sentido, Freud chega a
afirmar que “[...] as únicas dificuldades realmente sérias que [o psicanalista] tem
de enfrentar residem no manejo da transferência” (Ibid., p. 177).
Com Lacan encontramos um avanço de formalização do manejo da transferên-
cia, com o conceito de sujeito suposto saber e seu algoritmo.

[...] Algo que não foi isolado antes que eu o fizesse, especificamente a propósito
da transferência: a função que tem, nem mesmo na articulação, mas nos pressu-
postos de todo o questionamento sobre o saber, o que eu chamo ‘o sujeito suposto

126 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência

saber’. As questões são colocadas a partir de que existe esta função em algum
lugar, chamem-na como quiserem, aqui ela aparece em todas as suas faces, evi-
dente por ser mítica, que há em algum lugar algo que desempenha a função de
sujeito suposto saber (1967-1968, p. 53).

Com o conceito de sujeito suposto saber, Lacan isola algo presente na experiên-
cia comum, a referência, de todo questionamento, a um lugar em que se supõe ha-
ver um saber. Ainda que não se saiba, a possibilidade de saber sendo antecipada,
em algum lugar, ou encarnada em alguém, ou suposta em algum procedimento
para se obtê-lo. Esta função permite, no campo do tratamento psíquico, localizar
a transferência que torna atuante a análise. A investigação dessa função pode ser
considerada a partir da questão da entrada em análise, da diferença entre a che-
gada ao consultório de um psicanalista e o início da abertura do inconsciente, a
mudança que aí ocorre no lugar do sujeito suposto saber.
A apresentação inicial do sintoma é uma queixa, uma descrição do que ocorre,
diante da qual o analista não tem condição de saber sobre os significantes recal-
cados e os objetos de gozo. É necessária a associação livre do analisante, regra
fundamental. Mas, a rigor, não basta apenas falar, pois para que a fala livre se
torne operativa como análise é preciso que se enganche como investigação, como
pergunta que anseia uma resposta: “É preciso que essa queixa se transforme numa
demanda de análise endereçada àquele analista e que o sintoma passe do estatuto
de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este seja instigado a
decifrá-lo” (Quinet, 1993/1998, p. 20-1). Quando se abre a via de questionamen-
to do sintoma instaura-se a perspectiva de que há respostas a se obter, e a trans-
ferência passa a atuar na precipitação de interpretações ao enigma do sintoma.
A indicação de Quinet de que algo precisa ser endereçado especificamente
àquele analista distingue o que ocorre de suposição de saber antes de se conhecer
o analista, e o que ocorre em presença dele articulado ao questionamento do sin-
toma. Pois quando se procura um psicanalista, de algum modo já se supõe que ele
possa curar o mal-estar, ou, mesmo que se tenha certa dúvida disso, a função de
suposição de saber está dada. Ainda que o que se produza mesmo nessa suposição
seja o próprio inconsciente, ele não é reconhecido enquanto tal e não trabalha
com fins de análise, mas repete-se em ato, como nos exemplos freudianos. Em
presença do analista o sintoma será conduzido ao questionamento por meio do
reconhecimento do Outro que fala nas formações do inconsciente, nas divisões
em que o sujeito pode notar falar mais do que costuma considerar. Quando a
função do sujeito suposto saber passa de uma suposição genérica de que um psi-
canalista pode tratar, para a suposição de que o sintoma tem uma verdade a ser
alcançada, ocorre simultaneamente a uma especificação da suposição de saber

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 127
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão

àquele analista. Não necessariamente que ele saiba, mas que de algum modo por
sua presença alguma forma de acesso à verdade do sintoma se realiza. Esta passa-
gem é correlata a uma mudança na relação transferencial, de uma “transferência
selvagem” (Lacan, 1962-1963/2005, p. 140), uma “mostração” (Ibid., p. 138), a
um “amor que se dirige ao saber” (1973/2003, p. 555).
Lacan (1967/2003, p. 253) elabora um matema para a transferência analítica,
formalizando a função do sujeito suposto saber.

S Sq
s(S , S2,... Sn)
1

Fig. 1

O significante sobre a barra (S) é um significante do analisante, o chamado


significante da transferência. Sua conexão com um significante qualquer que par-
ticulariza o analista (Sq) produz como significado, sob a barra, um sujeito (s) ar-
ticulado aos significantes do saber inconsciente (S1, S2,... Sn).1 O saber está do lado
do sujeito, sob a barra do recalque, mas é experimentado como sendo um saber do
analista – “a ilusão [...] pela qual o sujeito crê que sua verdade já está dada em nós,
que a conhecemos [...], erro subjetivo [...] imanente ao fato de ele haver entrado
em análise” (Lacan, 1953/1998, p. 309). É o passo em que a suposição relaciona-
da ao analista se realiza como saber algo específico, sobre determinado assunto,
segundo tal forma de entendimento; ou o passo em que um traço específico do
analista se impõe ao analisante, e com ele os significantes relativos à própria ma-
téria em análise. Formas variadas, a cada caso, em que o analista se fazendo de
objeto concede campo ao engano que precipita um saber. “O que constitui o ato
psicanalítico como tal é muito singularmente esta simulação [...], simular que a
posição do sujeito suposto saber seja sustentável” (Idem, 1967-1968, p. 57). Isso
sustenta a associação livre, o trabalho de interpretação dos sonhos, lembranças,
pensamentos espontâneos; torna presente a hipótese de que da fala advirá a ver-
dade do sintoma. “O ato psicanalítico é, evidentemente, o que dá suporte, autoriza
a realização da tarefa psicanalisante. É na medida em que o psicanalista dá a esse
ato sua autorização, que o ato psicanalítico se realiza” (Ibid., p. 233).
O sujeito suposto saber, tal como formalizado no matema é, em uma análise,
deduzido, construído, e não exatamente encontrado diretamente na experiência
como o acting out da transferência inicial. Anuncia-se em formações de lingua-
gem, na fala, mas concerne antes ao lugar a partir do qual as falas se orientam.

1  “[...] O s representa o sujeito resultante, que implica dentro dos parênteses o saber, suposta-
mente presente, dos significantes que estão no inconsciente [...]” (Lacan, 1967/2003, p. 254).

128 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência

Quando podemos construir o matema é porque a suposição de saber inconsciente


já se estabeleceu. Sua instauração pode ser deduzida a partir dos seus efeitos, a
ocorrência de associação livre e interpretações, e construída, a partir dos signifi-
cantes colhidos neste processo, privilegiadamente nas formações do inconsciente.
A realidade sexual inconsciente, que se manifesta na transferência, sofre a in-
cidência do manejo que direciona o amor ao saber. “Porém, sua finalidade, como
todo amor, não é o saber, e sim o objeto causa do desejo. Esse objeto (o objeto a) é o
que confere à transferência seu aspecto real: de real do sexo” (QUINET, 1993/1998,
p. 34). As forças sexuais não se resolvem inteiramente na relação de amor ao saber,
restando algo quanto ao desejo: “É o objeto a que, ao vir obturar a falta constituti-
va do desejo, se torna esse objeto maravilhoso do qual, para Alcebíades, Sócrates
é o continente” (Ibid., p. 34). Essa dimensão sexual da transferência, do sujeito
analisante encontrar seu objeto obturador da falta no analista, torna presente a
estrutura fantasmática que confere lastro ao inconsciente, definida por Lacan na
relação do sujeito barrado com o objeto a. Em relação ao manejo transferencial
por essa via, Lacan considera que o analista deve “suportar, em um certo processo
de saber, esse papel de objeto de demanda, de causa de desejo, que faz com que o
saber obtido não possa ser tomado senão pelo que é, ou seja realização significante
conjugada a uma revelação da fantasia” (Seminário do Ato analítico, op. cit., p. 245).
A abstinência do analista, seu apagamento como sujeito, permite que venha a se
prestar a objeto a do analisante. É deste lugar que “se apresenta como a substância
da qual ele é jogo e manipulação no fazer analítico” (Ibid., p. 97).
Uma questão que pode ser formulada é sobre o que cabe ao analista nesta pas-
sagem da transferência inicial à transferência propriamente analítica, pois Lacan
é bastante claro: a transferência “ali está graças àquele que chamaremos, no des-
pontar desta formulação, o psicanalisante. Não temos que dar conta do que a con-
diciona. Pelo menos aqui. Ela está ali no começo” (Lacan, 1967/2003, p. 252). O
encadeamento significante da transferência é uma formação que o inconsciente
do analisante estabelece ou não, no tempo que lhe cabe. Mas algo como um “apelo
do vazio no centro do saber” (Idem, 1960-1961/1992, p. 158), que Lacan comenta
em relação à posição de Sócrates, é necessário para que o sintoma se torne uma
questão e a transferência analítica possa se estabelecer.

Construção de uma entrada em análise

Uma mulher queixa-se de que o casamento vai mal. Brigas com o marido
todos os dias, ausência de desejo sexual por ele, irritação, ao ponto de não con-
seguir olhar-lhe na cara.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 129
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão

Muitas das brigas surgem por ciúme dela – ciúme da sobrinha do marido, jo-
vem magra e bela que o solicita a todo instante; do interesse do marido pelo com-
putador, preterindo a ela; do marido encontrar a irmã dela sem que ela soubesse.
Ciúmes que ela considera descabidos, por serem mulheres da família e objetos
inanimados, mas com os quais não consegue deixar de se transtornar, irritada.
Nas entrevistas iniciais alternava algumas explicações para seu mal-estar: tal-
vez o problema tenha sido ser muito mimada quando criança, tal que agora quer
tudo feito do seu jeito, quando, por exemplo, insiste em algo mesmo sabendo
que está errada, apenas para não deixar o marido cheio de si; ou talvez o seu
problema seja não gostar mais do marido, e ter falta de coragem de se separar
dele, já que ele seria um acomodado, sem pretensões na vida, e sem a pegada
sexual que a satisfaça; ou talvez o problema fosse ela ser muito dependente dos
outros, não conseguindo fazer nada sem o marido, e ser muito preocupada com
o que os outros pensam dela; ou ainda talvez tudo não passe de efeito do ciclo
menstrual, ou do remédio para emagrecer que começara a tomar.
De certa forma, todos os fios associativos que surgiram nas primeiras sessões se
prestariam a um início de análise de seu sofrimento. Contudo, não se ordenavam
como um enigma. Cada associação servia antes para desconsiderar a anterior, de
uma sessão para outra, de um momento para outro na sessão, em uma mesma
frase, uma fuga do sentido pelo deslocamento, sem que se enunciasse um sujeito
com o sintoma. O desgaste diário com o que chama de suas dúvidas indica a
energia despendida na solução metonímica. As entrevistas iniciais caberiam em
uma frase como: “Não sei se o problema é eu ser ciumenta, ou ser mimada, ou ser
dependente do que pensam, ou se é meu marido que é sem pegada, ou se sou eu
que não tenho coragem, tanta coisa que já nem sei de mais nada”.
Diante de uma formação como essa é necessária uma intervenção, sem o que
permanece o deslizamento, e não há análise. Que algo se interprete fica por graça
da transferência inconsciente da analisante, mas algo como um apelo do vazio
no centro do saber é necessário para que a transferência de saber inconsciente
encontre lugar. A intromissão analítica ocorreu, nesse momento, com a interpre-
tação freudiana em relação aos meios de representação nos sonhos, de substituir
a alternativa (ou... ou...) pela adição (e).

Quando, no entanto, ao reproduzir um sonho, seu narrador se sente inclinado


a utilizar ‘ou... ou’ – por exemplo, ‘era ou um jardim ou uma sala de estar’ –, o que
estava presente nos pensamentos do sonho não era uma alternativa, e sim um ‘e’,
uma simples adição. ‘Ou... ou’ é predominantemente empregado para descrever
um elemento onírico que tenha uma característica de imprecisão – que, contudo,
é passível de ser desfeita. Em tais casos, a norma de interpretação é: trate as duas

130 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência

aparentes alternativas como se fossem de igual validade e ligue-as por um ‘e’


(Freud, 1900/1996, p. 342).

Como se dissesse à analisante: “Para ouvir o seu desejo talvez devamos subs-
tituir o ou por e, e considerar todas as alternativas como válidas: ciumenta, mi-
mada, marido sem pegada, dependência, opinião dos outros, falta de coragem
– talvez sejam todas verdadeiras. O que isso diz?”.
Inicia a sessão seguinte considerando que suas dúvidas servem para evitar o
que ela sabe ser a verdade, e o que ela sabe que deve fazer. Como que para falar
do que considera a verdade, diz que tem estado irritada por não suportar beijar o
marido, mas precisar fazê-lo por ser casada. Seguindo um fio associativo – “como
se fosse a primeira vez”, “primeiro namorado”, “primeiro beijo” –, com pontua-
ções tropeça em dois esquecimentos – “o que eu ia mesmo dizer?” –, para então
lembrar de modo especialmente nítido uma cena: “Meu primeiro beijo foi com
meu primo, quer dizer, primo do meu primo. O meu outro primo viu. Estávamos
na praça. A família toda ficou sabendo, foi aquela confusão. Hoje eu não aguento
olhar na cara desse meu primo, fui ficando irritada com ele”. As palavras em itá-
lico foram ditas com certa surpresa, como algo curioso, notando a relação certeira
ao que vinha falando sobre o marido.
Enquanto narrava, dizia lembrar com muita nitidez, tal que podia ver a cena
acontecendo na sua frente; e, de fato, seus olhos percorriam o espaço vazio da
sala como se percorressem a imagem de um quadro, apontando com a mão isso
e aquilo da cena. Apontavam no espaço virtual a ela, ao primo que beijou, e ao
primo que testemunhou, de onde se deduz sua posição de olhar de fora da cena, e
não olhando do lugar do banco da praça, ao lado do primo, o que seria a imagem
da realidade de então. “No campo escópico, o olhar está do lado de fora, sou olha-
do, quer dizer, sou quadro” (Lacan, 1964/1998, p. 104); “o objeto a, no campo
visível, é o olhar” (Ibid., p. 101).
Corte da sessão, e na seguinte inicia no divã.
O não olhar na cara e a irritação mudam de estatuto ao se articularem em uma
cena sexual que interpreta o sintoma. Não que ela tenha se lembrado de uma cena
havia muito esquecida, pelo contrário, nunca a esqueceu; o que lhe é novo é ler a
cena, encontrá-la como uma representação simbólica, metafórica, do drama atual
que sofre, o efeito de sentido de substituir a cena atual pela do passado. O que se
queixa torna-se algo a ser decifrado, por uma relação curiosa entre os eventos
de sua vida, significantes que se repetem, algo que parece conduzir a um saber
sobre o sintoma. É uma questão de análise. Não é necessário formular uma frase
com o ponto de interrogação no final para se ter uma questão de análise. Neste
caso clínico, inclusive, as frases interrogativas tiveram antes a função de despiste,

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 131
Meirelles, Carlos Eduardo Frazão

deslocamento. A lembrança encobridora é dita em frases afirmativas, mas institui


uma investigação, orientada por termos que não são quaisquer, e que orientam o
tempo subsequente de sua análise. A lembrança é composta também por metoní-
mias, destacadamente a do primo. “Beijei meu primo, quer dizer, primo do meu
primo. Meu outro primo viu.” Há uma perturbação com o fato de ser um homem
da família, se seria imoral ou não, se seria mais vergonhoso ou não ser vista em
gozo, o que ecoa no seu ciúme, agora já não tão irracional, do marido com as
mulheres da família. O que se ouve é a reiteração do significante, como um eco,
primo, primo, primo..., e então a prima, que certa vez expôs à família assuntos
íntimos contados em confiança, razão pela qual não lhe olha na cara.
O valor desta lembrança está no que se pode anunciar da relação do sujeito di-
vidido ao seu objeto de desejo e gozo, uma primeira localização de sua posição na
fantasia. O corte do olhar com o divã, nesse momento em que se ilumina o olhar
como objeto a na fantasia, esvazia a pregnância imaginária da figura humana do
analista, deixando a analisante com as imagens produzidas pelos significantes de
sua associação livre, permitindo “isolar a transferência” (Freud, 1913/1996, p.
149), “distingui-la no momento de sua pura emergência nos dizeres do analisan-
te” (Quinet, 1993/1998, p. 45).
Após esta interpretação de entrada em análise, foi possível construir algo do lu-
gar do significante do analista que estaria implicado com os significantes do saber
inconsciente da analisante. Em uma das sessões anteriores havia se surpreendido,
com certa vergonha, que apesar de passar toda a semana sem pensar em sexo,
nas sessões de análise sempre lhe ocorriam assuntos sexuais. Alguns significan-
tes que participavam de seus assuntos sexuais poderiam servir para descrever
traços específicos do analista. É uma transferência inconsciente, de pensamentos
que surgem independentemente da sua vontade, e que se revelaram concernentes
ao mal-estar de que se queixava. Uma suposição inconsciente de que precisaria
contar sobre tais assuntos. É um lugar a partir do qual os ditos da analisante se
orientam, e não uma atuação obscena dos assuntos sexuais.
Na sessão seguinte, conta animada que pela primeira vez em muitos anos ela e
o marido passaram uma semana inteira sem brigar, embora não soubesse muito
bem localizar a razão de assim ter sido. Também procurou a prima para conversar
sobre sua vida, descobrindo que todos a veem como fria e fechada, repercutindo
como questão à sua satisfação sexual. Os efeitos terapêuticos, imprevisíveis, que in-
terpretações comumente acarretam, devem ser avaliados com parcimônia em uma
perspectiva mais ampla do tratamento, porque se por um lado há que se esperar que
a análise reduza o sofrimento, por outro, um alívio significativo do sintoma-queixa
muito prematuramente em uma análise pode pôr em risco sua continuidade.

132 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência

A força motivadora primária na terapia é o sofrimento do paciente e o desejo


de ser curado que deste se origina. [...] Cada melhora efetua uma sua diminuição.
Sozinha, porém, esta força motivadora não é suficiente para livrar-se da doença.
[...] O tratamento analítico [...] fornece as quantidades de energia necessárias [...]
pela mobilização das energias que estão prontas para a transferência (Freud,
1913/1996, p. 157).

A transferência permite conduzir o tratamento para além do alívio pontual ad-


vindo da interpretação de formações do inconsciente. Conduzir a uma transfor-
mação da condição do desejo pela travessia da fantasia tal que, pela “disjunção do
sujeito em relação ao a, a experiência da fantasia fundamental se torna a pulsão”
(Lacan, 1964/1998, p. 258). Encontram-se assim melhores condições para que
o sofrimento neurótico deixe de acrescentar-se aos demais sofrimentos de uma
existência. “O que se torna o sujeito suposto saber? [...] Seguramente ele cai. [...]
O objeto pequeno a é a realização desse tipo de-ser que atinge o sujeito suposto
saber” (Lacan, 1967-1968, p. 97).

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resumo
Este artigo investiga o conceito de manejo da transferência no
campo clínico da neurose. Acompanha as formulações inaugu-
rais de Sigmund Freud sobre o fenômeno da transferência, no
que implica de repetição e realidade sexual, utilizando como
referência o caso Anna O., conduzido por Joseph Breuer, assim
como as formulações de Freud sobre a utilização da transferên-
cia para o tratamento da neurose, no que diz respeito à produ-
ção de saber inconsciente e à sustentação do trabalho analítico.
Com Jacques Lacan, o termo freudiano de manejo da transfe-
rência é retomado a partir da noção de sujeito suposto saber e
de sua formalização matêmica. Por fim, é discutido o manejo da
transferência no momento de entrada em análise com a apre-
sentação de um fragmento de um caso clínico.

134 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012
O Manejo da Transferência

palavras-chave
Transferência, sujeito suposto saber, clínica psicanalítica, neu-
rose, interpretação.

abstract
The article investigates the concept of management transfer in
the clinical field of neurosis. It follows Sigmund Freud’s inaugu-
ral formulations on the phenomenon of transfer, what it implies
of repetition and sexual reality, using as reference the Anna O.
Case conducted by Joseph Breuer, and also how Freud’s formu-
lations about the use of the transfer in the treatment of neu-
rosis, regarding the production of unconscious knowledge and
the support of the analytical work. With Jacques Lacan, the
Freudian term, management of the transfer, is resumed from
the notion of the subject supposed knowledge and its mathe-
mic formulation. Finally, the author discusses management of
transfer at initial moment of the analysis with the presentation
of a fragment of a clinical case.

keywords
Transfer, subject supposed to know, psychoanalytic clinic, neu-
rosis, interpretation.

recebido
16/02/2012

aprovado
30/03/2012

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.123-135 novembro 2012 135
Corte e costura: a interpretação
na neurose obsessiva

Roberta Luna da Costa Freire Russo

Inicialmente, preciso dizer que este não é um texto de estilista, embora seja de
um estilo que ele trata. Um estilo inaugurado por Freud e formalizado por Lacan,
de apelar para o equívoco, servindo-me dos efeitos do significante. É, precisamen-
te, em torno do equívoco que tratarei da interpretação na neurose obsessiva, desen-
volvendo a ideia de que, do lado do analista, o corte, como intervenção, encontra
seu contraponto: um sujeito que busca incessantemente a costura como garantia.
O equívoco e o corte, entre outros, são exemplos de interpretação dados por La-
can e organizados por Soler (1991) nos Artigos Clínicos. Tanto o equívoco como o
corte são designados em função da fala: trata-se de um dizer nada, na medida em
que o analista responde com o equívoco, portanto não responde no nível do sig-
nificado, da nomeação do objeto, para suturar a falta. O dizer nada provoca uma
equivocidade no discurso do analisando e provoca também efeitos. Privilegiei o
corte, por operar no nível de S1 e S2, ou seja, por operar nos intervalos da cadeia
significante e, como diz Lacan (1953, p. 315) “interromper a conclusão para a qual se
precipitava o discurso do analisante”; e o equívoco, por estar do lado da enunciação.
E privilegiei ambos por serem, em minha experiência clínica com a neurose obses-
siva, os operadores que têm provocado maiores efeitos de escansão e deslizamentos
no discurso dos analisantes, no segundo caso, quando há inibição associativa.
Estudar a neurose obsessiva pôs-se para mim como um grande desafio, não só
teórico, mas também clínico, pois enquanto tentamos nos aproximar do “texto” de
um neurótico obsessivo, ele se esconde. Seu texto parece preso no significado, pois
o significante tem um grande peso para a neurose obsessiva: texto-dicionário, sem
poesia e sem vacilo. Suas palavras são expressas de maneira descritiva, precipitadas
em engenhosos detalhes, ou, ao contrário, o obsessivo perde as conexões1 com algo
que possa dissipar suas dúvidas ou, ainda, resolver alguma situação, restringindo,
assim, seu discurso. Este é inibido, recuado, e é recusado pelo próprio sujeito, cuja
censura anima a procrastinação, que lhe é tão peculiar. Eis minhas impressões so-
bre a clínica com neuróticos obsessivos. Como intervir ali onde ele não se mostra,
onde insiste... resiste em permanecer morto, morto para o desejo?

1  Freud refere-se a essa característica no obsessivo, no Homem dos Ratos (1909). Obras Comple-
tas, v. X, pp.172, 201 e 202.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.137-142 novembro 2012 137
Russo, Roberta Luna da Costa Freire

Em sua posição politicamente correta, o obsessivo anda na linha, na borda,


equilibrando-se para não cair e esvair-se no esgoto. Em seu funcionamento sa-
cerdotal, ele faz votos de pobreza e de castidade. Sem objeto e sem prazer, ele se
situa como aquele que só quer o bem dos outros, e em sacrifício se põe a obedecer,
pagando por todos os pecados, o que não o livra do inferno – o inferno da dúvida,
do dever e da dádiva.
Em sua persistente e árdua tarefa de estar a serviço do outro, o que o obsessivo
busca é o testemunho do Outro, no qual, segundo Lacan (1957-1958, p. 431) “se re-
gistra a façanha, onde se inscreve sua história”. Sua relação com o Outro consiste,
segundo Lacan, em pedir permissão, colocando-se na mais extrema dependência
dele para ter acesso ao desejo.
Assim, o obsessivo paga pedágio para ter acesso ao desejo. Ele se dispõe ao sa-
crifício para ganhar o perdão dos pecados e alcançar o reino dos céus. Mas, para
sustentar essa promessa, sua relação com o desejo é de amortecimento, ao tentar
aproximar-se dele (LACAN, 1957-1958). Daí decorre toda sorte de proibições e re-
núncias em nome do prometido, as quais se desdobram naquilo que Freud (1907)
assinalou como uma religião particular.
No seminário A Angústia (1962-1963), Lacan fala da fantasia do Todo-Podero-
so, esse Deus onipresente no qual o obsessivo

[...] procura e encontra o complemento do que lhe é necessário para se consti-


tuir como desejo, a saber, a fantasia ubiquista [...] sobre a qual saltita a multiplici-
dade de seus desejos, a serem empurrados cada vez mais longe. (p.335)

É nessa investidura que o obsessivo é aprisionado a um texto da ordem do dito,


o qual, forjado pela intelectualização do que ele pronuncia, atesta seu caráter de-
fensivo em relação àquilo que o próprio deslizamento significante denuncia: a
falta no Outro. É disso que o obsessivo não quer saber, por não saber onde está
pisando; afinal, sua pergunta seria: o que o Outro quer de mim? Do contrário, o
significante, por si só, apreenderia o objeto, o que ele tenta fazer.
Contudo, é por não querer saber sobre a falta do Outro, e consequentemente so-
bre seu desejo, que o obsessivo fala para não dizer. Ele não quer deixar furos em seu
texto: busca preenchê-lo a qualquer custo, inclusive à custa da própria morte. Ele
procura servir-se do significante com toda a cerimônia. Em sua religião particular,
o obsessivo não pode pecar: seu texto é impecável. Ele tenta descrever os fatos de
modo literal. Comporta-se como a criança que não suporta que se mude uma pa-
lavra da historinha, a qual já conhece. Isso o faz, por vezes, um sujeito de poucas
palavras, ou de palavras sob medida, e por não querer ficar em falta, ele busca a
exatidão como garantia, ali, como diz Lacan (1998, p. 22) “onde o sujeito nada pode

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Corte e costura: a interpretação na neurose obsessiva

captar senão a própria subjetividade que constitui um Outro como absoluto”.


Sabemos por Lacan que, ao nos servirmos da língua, há sempre palavras que
caem; ou seja, não podemos dizer tudo: há sempre palavras que nos escapam. A
propósito disso, na neurose obsessiva, testemunhamos o sujeito funcionar como
um pesca-dor, o qual, com sua rede, captura as palavras obliterando o texto, para
que não se revelem as falhas no dito, para que não se revele o dizer como um
meio-dizer. Não se trata de uma fala desarticulada ao Outro, como na psicose; ao
contrário, é para se poupar da emergência do desejo do Outro, tão mortal para
o obsessivo, que ele assim se defende. Defende-se numa “certa articulação com o
significante”, como diz Lacan (1957-1958 p. 483). Nessa articulação, ele preserva
o Outro, embora, por meio dela, aspire à destruição do Outro. Lacan deixa clara
a diferença que existe entre o obsessivo e o psicótico: “O obsessivo é um homem
que vive no significante. Está muito solidamente instalado nele. Não tem absolu-
tamente nada a temer quanto à psicose” (LACAN, 1957-1958, p. 483).
Anulando o desejo do Outro, o obsessivo anula o próprio desejo, abrindo alas
ao gozo do Outro. O obsessivo é aquele que identificamos como sendo “do con-
tra”. Ele diz não ao Outro, e é por causa dessa contraposição que terá que pagar
sua dívida. Ele deve, por não se permitir desejar. O dever constitui-se como im-
perativo: ele deve fazer isso ou aquilo. Se não o fizer, seu saldo se tornará cada vez
maior e sua dívida, mais volumosa. Isso se impõe recheando o pensamento do
obsessivo como enunciado, como um dito – “está dito”–, e ele se põe a trabalhar
para pagar seu tributo costurando, costurando qualquer rasgo que indique uma
falha, um menos-um, uma exclusão.
Aqui se desdobra minha questão: como se interpreta na neurose obsessiva, uma
vez que a interpretação está mais do lado do corte e o obsessivo do lado da costu-
ra? Nessa oposição, a que visa a interpretação na neurose obsessiva?
Ali, onde se constitui um im/passe, o obsessivo se oferece em transferência a
uma interpretação. Seu texto está ali e não está ali: é nesse jogo de esconde-es-
conde que o analista se põe a escutar. Isto é, além e aquém do dito. Ali, onde ele
escapa, derrapa sem o saber, onde ele não paga, como diz um analisante meu:
“não quero pagar pra ver. Sempre paguei caro toda vez que quis ver”.
Por mais camuflada que possa parecer a fala do obsessivo, é na miséria das vie-
las do dito dele que o analista encontra o esconderijo em que se aloja o dizer. Em
sua posição de semblante de a, o analista serve-se dos significantes falados por seu
analisante e aguarda sua indiscrição, em cuja máscara de inde/cisão o analista faz
corte, faz uma cisão.
Na análise, o amor vela o desejo, desejo mandado à merda pelo obsessivo em
sua fantasia. Lacan (1960-1961), no seminário A Transferência, afirma que, na
neurose obsessiva, o que se tem a fazer é restituir a função do desejo. Em outras

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.137-142 novembro 2012 139
Russo, Roberta Luna da Costa Freire

palavras, esvaziar o gozo. Situado no aquém e no além da demanda, o analis-


ta desvela o desejo com sua interpretação ali onde o obsessivo goza de ter que
ter para dar. Recusando o encontro com a demanda, o analista, como diz Lacan
(Ibid., p. 207), não deve “dar nenhum encorajamento, desculpabilização, até mes-
mo comentário interpretativo que avance um pouco demais”.
O analista, no lugar de semblante de objeto a, comparece como aquele que con-
voca o analisante a des-fiar os fios do texto deste. Diante da renúncia do obsessivo,
de sua oposição, expressa na análise por meio de variações diferentes – nega-
ção, fala-dicionário, entre outras –, o analista, com seu meio-dizer, se situa numa
equivocidade produzida no dizer nada da interpretação, nada de saber, o que per-
mite fazer aparecer e desaparecer o significante. Portanto, ele está lá e não está,
o que é uma subversão da tradução. Isso o que permite dar ao obsessivo o que é
do obsessivo, seu desejo, e o convoca a acatar esta proposta indecente: o desejo,
por se opor ao Todo-Poderoso, é fonte de todos os pecados. É uma afronta ao pai.
Contudo, o obsessivo resiste e, diante do corte, do equívoco, que rasga o signifi-
cante em diversas significações, ele se põe a restituí-lo costurando... costurando. É
assim que ele trabalha: é um costureiro que não deixa um furo no pano, com o qual
se veste sem escolher, anulando o desejo e a si próprio. Isto porque ele amarra os
significantes de modo a deixar de fora o um a mais introduzido na interpretação.
Esse um a mais de produção constitui o um a menos de gozo do dito do anali-
sando. Lacan (1972), em O Aturdito, diz que, nos ditos do analisante, há um di-
zer que ex-siste. Ou seja, enquanto o analisante fala, ele o faz para além de uma
intersubjetividade imaginária, mesmo sem sabê-lo. Em outras palavras, falando,
dizendo, o sujeito situa-se além e aquém daquilo que o determina, a estrutura da
linguagem. Essa é a lógica do neurótico, e por mais que esteja o obsessivo em pron-
tidão para suturar a falta no Outro, ele falha, por sua condição de afetado pelo
significante, promoção franqueada pelo analista em sua intervenção. O que busca
a interpretação, diz Soler (Artigos clínicos, op. cit.,), é justamente esse sujeito.
A análise do obsessivo é regida por toda a liberdade que o discurso analítico
condiciona. Animado pela transferência, o dito, como valor de demanda, inscreve
a ação do analista num pleito por ele coordenado, cuja eleição obedece ao voto de
não dizer qualquer coisa. Isso nos lembra Lacan (1963-1964, p. 237), no Seminário
11: “a interpretação não está aberta a qualquer sentido”. Dessa maneira, mesmo
que o obsessivo coloque o analista no lugar de mestre à espera da morte deste,
identificado a ele, como morto, o analista em sua falta-a-ser interpreta escutando
e equivocando o dito para ter como efeito o dizer do analisante, para que ele se
diga para além dos ditos, pois, do contrário, a análise irá para o esgoto.

140 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.137-142 novembro 2012
Corte e costura: a interpretação na neurose obsessiva

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______. Interpretação: as respostas do analista. [Editorial]. Opção Lacaniana.
Vol. 13. 1995. 159p.

resumo
O presente trabalho trata da interpretação na neurose obsessi-
va, desenvolvendo a ideia de que, do lado do analista, o corte,
como intervenção, encontra seu contraponto: um sujeito que
busca incessantemente a costura como garantia. Isto, porque ele
amarra os significantes de modo a deixar de fora o um a mais
introduzido na interpretação. Aqui se desdobra a questão nor-
teadora deste trabalho: como se interpreta na neurose obsessi-
va, uma vez que ela está mais do lado do corte do que do lado da
costura? Nessa oposição, a que visa a interpretação na neurose

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.137-142 novembro 2012 141
Russo, Roberta Luna da Costa Freire

obsessiva? O equívoco e o corte, entre outros, são exemplos de


interpretação dados por Lacan. Privilegiei o corte, por operar
no nível de S1 e S2, ou seja, por operar nos intervalos da cadeia
significante; e o equívoco, por estar do lado da enunciação. E
ambos, por serem, em minha experiência clínica com a neurose
obsessiva, os operadores que têm provocado maiores efeitos de
escansão e deslizamentos no discurso dos analisantes.

palavras-chave
Interpretação, neurose obsessiva, corte, equívoco

abstract
This paper deals with the interpretation in the obsessive neu-
rosis, developing the idea that on the analyst’s side, tailoring as
intervention, finds its counterpoint: a subject who incessantly
seeks the sewing as warranty. This happens because he/she ties
up the significant as to leave out the one too much introduced
in the interpretation. Here the guiding question of the work
unfolds: How is the obsessive neurosis interpreted once it sits
closer to the tailoring than to the sewing? In such opposition,
what does the interpretation of the obsessive neurosis aim at?
Are the misunderstanding and the tailoring, among others,
examples of interpretation provided by Lacan? I have privile-
ged the tailoring, as it operates at the level of S1 and S2, that
is, as it operates in the intervals of the significant chain; and
the misunderstanding, for being on the side of the enunciation.
And both, for being, in my clinical experience with obsessive
neurosis, the operators which have provoked the biggest effects
of scansion and slides in the discourse of the analyzed.

keywords
Interpretation, obsessive neurosis, tailoring, misunderstanding.

recebido
07/02/2012

aprovado
28/03/2012

142 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.137-142 novembro 2012
Espaço da interpretação
e inconsciente real

Ângela Mucida

Introdução

Qual é a atualidade da interpretação e em que sentido seu debate pode avançar


em formalizações sobre a direção da cura? A primeira resposta, mais imediata e
óbvia, é que não existe análise sem interpretação e que, portanto, há que interro-
gar e atualizar este conceito oferecendo-lhe nova força operacional.
Mas podemos supor outro motivo: as indicações de Lacan advindas do final
de seu ensino, concernentes ao inconsciente real e sinthoma, com efeitos sobre
as maneiras de se conceber os finais de análise e o passe, só puderam ter efeitos
de transmissão no a posteriori da própria clínica, ou seja, na medida em que as
análises avançaram e uma experiência significativa com o dispositivo do passe
pudesse ser recolhida. É a insistência do Real que permitiu a invenção do dispo-
sitivo analítico e obriga os analistas a revisitarem sua prática e os conceitos com
os quais operam.
Freud sustentou sua clínica e com ela forjou seus conceitos a partir do Real in-
crustado no sintoma, que se interpunha aos propósitos da hipnose de erradicá-lo.
Mesmo que o Real não tenha os mesmos desdobramentos em Freud e Lacan, to-
mado como impossível e limite ao sentido, ele une a clínica freudiana e lacaniana
aos dias atuais por meio de uma questão central: como operar com a interpreta-
ção tendo em vista o Real fora do sentido?
A partir dessa questão extrairemos algumas lições da prática freudiana da in-
terpretação e o tratamento ao real, para retomar com Lacan o que nomeamos o
espaço da interpretação e sua relação com o Real fora do sentido.

O real na interpretação freudiana

Apesar de Freud não ter articulado o conceito de Real, ele encontra-se em sua
obra em diferentes momentos e com diferentes nomes, como limite e impossível
de ser traduzido. Nessa direção podemos cunhar diferentes nomes que indicam
seu encontro com esse conceito: barra ao sentido (1896/1977, p. 317-324), ponto

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012 143
Mucida, Angela

nodal, núcleo patogênico, umbigo do sonho, ponto de fixação, fixação libidinal,


resistência terapêutica negativa e rochedo da castração são alguns dos termos que
definem na prática freudiana o real como impossível. Foi a partir disso que não se
modifica e resiste que Freud fora obrigado a rever sua prática em cada momento,
inventando maneiras de operar com o tratamento do mal-estar subjacente aos
sintomas. O Real incrustado no sintoma ofereceu-lhe as coordenadas à invenção
do dispositivo analítico. Ao tentar extrair o sintoma, Freud se deparou com algo
resistente levando-o a abandonar a hipnose e a inventar estratégias de condução
do tratamento com um uso inédito da interpretação dos sonhos. Aprende-se com
ele que a interpretação, aliando-se ao inconsciente e ao sintoma, implica sempre o
discurso do sujeito e, portanto, não opera sem considerar a noção de Real em jogo
também na transferência.
É frequente igualar a interpretação freudiana à busca do sentido. Mesmo que
isto toque a verdade, essa relação não nos parece tão simples, já que o próprio
Freud alertou em diferentes momentos de sua obra para os riscos de intervenções
que ofereçam sentido aos sonhos e aos sintomas. Já nos primórdios de sua clínica
ao destacar a confluência de vários sintomas em um mesmo núcleo patogênico,
Freud acentua:

Se tivermos que iniciar uma análise desse tipo, na qual temos razão em esperar
uma organização de material patogênico como esse, seremos ajudados pelo que
a experiência nos ensinou, ou seja, que é inteiramente irrealizável penetrar dire-
to no núcleo da organização patogênica. Mesmos que nós próprios pudéssemos
adivinhá-lo, o paciente não saberia o que fazer com a explicação oferecida a ele
e ele não seria psicologicamente modificado por ela (1893-95/1974, p. 348-349).

Ao longo de sua experiência clínica ele não cessa de indicar inúmeras vezes
os limites da interpretação e seus efeitos sobre a resistência ao tratamento e o
acirramento do sintoma. Por exemplo, sua obra princeps sobre a interpretação,
A interpretação dos sonhos (1900-1901/1972), nos dois volumes que a compõem
encontramos inúmeros indicativos sobre sua maneira inédita de operar com a
interpretação. A primeira lição foi de apreender o sonho como um texto que só
toma sentido a partir das associações do sonhador. Nessa direção o inconsciente
iguala-se à interpretação, e a função do analista é, a partir da associação livre,
abrir novos sentidos, mas com o cuidado de não exceder na valorização e inter-
pretação dos sonhos.
Em O manejo de sonhos na Psicanálise (FREUD, 1911/1969, p. 119-127) lemos
que quando o analista se dedica demais à interpretação dos sonhos, o analisante
traz cada vez mais sonhos enigmáticos, ofertando-os a ele à espera de mais senti-

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Espaço da interpretação e inconsciente real

do, o que leva à resistência e ao fechamento do inconsciente. Tentar esgotar rapi-


damente a análise de um sonho ou do sintoma, oferecendo-lhes sentido, é fechar o
espaço à intervenção do analista. Dessa forma, se uma análise não se faz sem a in-
terpretação, esta pode funcionar contra a própria análise. Freud nos deixa a lição
de que os sonhos se constituem em sua própria interpretação. Dessa forma, ele se
interessou muito mais do que verificar o conteúdo latente ou manifesto do sonho,
escutar o funcionamento do inconsciente a partir do campo da linguagem.
Os sonhos, como produção do inconsciente, da mesma forma que os sintomas,
contêm um núcleo resistente à interpretação. Essa fixidez, nomeada nos sintomas,
de núcleo patogênico; e nos sonhos, de “umbigo do sonho”, demonstra que nem tudo
pode ser interpretado. Freud percebe que havia uma interpretação primeira ofereci-
da pelo próprio inconsciente. Nessa direção, no caso Schreber é acentuado que:

Mesmo nos estádios posteriores da análise, tem-se de ter cuidado em não for-
necer ao paciente a solução de um sintoma ou a tradução de um desejo até que
ele esteja tão próximo delas que só tenha de dar mais um passo para conseguir a
explicação por si próprio (FREUD, 1911/1969).

De modo similar ao que ele afirmara sobre os sintomas,1 ele acentua que a análi-
se de um único sonho, levada ao seu limite, equivale à análise inteira. Aprende-se
com ele que a via régia de acesso aos sonhos e as trilhas que formam os sintomas
não são totalmente transitáveis pela interpretação. Seguindo esse ponto resistente
à interpretação, ele acentua o valor clínico da resistência terapêutica negativa e
aquilo que opera contra a interpretação e a cura; a força da repetição aliada ao
recalque originário e a força da satisfação obtida pelo sintoma.
Na Conferência XVIII (1916-17/1976), ao associar a neurose a uma espécie de
ignorância, e acentuando que não se trata de qualquer ignorância que possa ser
suplantada pelo saber ou o conhecimento, Freud nos abre outra via ao estatuto
da interpretação na direção do tratamento; algo no sujeito já sabe, mas não quer
saber. Com efeito, esse não saber não pode ser tratado por uma interpretação que
vise ao sentido, pois:

Saber nem sempre é a mesma coisa que saber: existem diferentes formas de
saber, que estão longe de serem psicologicamente equivalentes. (...) Se o médico
transferir seu conhecimento para o paciente, na forma de informação, não se
produz nada. (...) o conhecimento deve basear-se numa modificação interna do
paciente ( p. 332).

1  “(...) fazer um relato da resolução de um único sintoma equivaleria, de fato, à tarefa de relatar
um caso clínico inteiro (FREUD, Etiologia da histeria [1896 a], 1976, p. 223).

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012 145
Mucida, Angela

Tudo isso demonstra que, não apenas ele estivera atento aos usos da interpre-
tação e seus limites, mas soubera indicar por meio da resistência terapêutica ne-
gativa, por exemplo, o real resistente à interpretação e ao sentido, interrogando
o que resta ao analista quando o sintoma leva a melhor. Perseguindo essa via ele
descobre que o sintoma constituía uma solução que o sujeito não queria, ou não
podia se livrar facilmente e que, portanto, qualquer interpretação que incidisse
diretamente nesse laço sintomático só levaria a análise ao pior.

O espaço do lapso

Partindo-se da frase de Lacan que se tornou um paradigma para se pensar a


tese de inconsciente real: “Quando o espaço de um lapso não comporta mais ne-
nhum sentido (ou interpretação), somente aí se pode estar seguro de estar no
inconsciente” (LACAN, 1976/2001, p. 571), propomos discutir essa indicação com
o que nomeamos espaço da interpretação. Antes de nos atermos a essa hipótese
de leitura, torna-se necessário destacar alguns dos possíveis desdobramentos da
noção do “espaço de um lapso”.
Se o inconsciente apresenta-se apenas quando “o espaço de um lapso não en-
contra mais nenhum sentido (ou interpretação)”, conclui-se de imediato um corte
entre interpretação e inconsciente real; este está onde a interpretação não pode
chegar; são avessos, já que o real aí em causa, fora do sentido, constitui-se corte
à função interpretativa, pondo termo à satisfação atrelada à verdade. Mas, se o
inconsciente real não é algo que surja apenas no fim de uma análise, mas faz
irrupções em todo seu curso, isto impõe ao analista saber operar com essa barra
ao sentido, bem como saber conduzir a análise a esses pontos fora do sentido. Por
conseguinte, faz-se necessário entender melhor essa junção entre espaço e lapso.
Encontramos no ensino de Lacan diferentes usos desse conceito, sejam no sen-
tido usual, físico, filosófico ou acoplado a diversos conceitos dentro da psicanáli-
se, impedindo uma leitura unívoca do mesmo. Não procederemos a uma pesquisa
exaustiva desse conceito, mas destacaremos apenas alguns indicativos, tomados
em períodos diferentes, que possam nos auxiliar a análise da frase de Lacan su-
pracitada.
No Seminário 1 (1953-1954/1986, p. 168-186), por exemplo, Lacan faz uso de
diferentes noções de espaço, aliadas aos conceitos de real, imaginário e simbólico,
bem como ligadas à noção de vazio, virtual e de história. Chama-nos à atenção a
relação entre espaço e as categorias de real, imaginário e simbólico, já que estas
se constituem os pilares que sustentam a realidade psíquica e tomam em seu en-
sino o caráter de Real; o nó como Real. Nesse sentido, é importante salientar que

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Espaço da interpretação e inconsciente real

essas categorias percorrem o ensino de Lacan desde muito cedo, apresentando-se


em vários seminários em meados dos anos 1950. Mesmo que nesse momento ele
não tenha articulado a ideia de nó borromeano enlaçando-as, já é afirmado nes-
sa época uma “interseção” necessária – termos utilizados por ele –, entre o real,
imaginário e simbólico.2
Em As formações do inconsciente (LACAN, 1957-1958/1999), a noção de espaço
conjuga-se à de campo da linguagem; o inconsciente estruturado como lingua-
gem é definido também como espaço do insconsciente. Outro termo que surge
nesse momento é o de “espaço psicológico” que se desdobra em espaço da metá-
fora e da metonímia (Ibid., p. 153), além da noção de espaço topológico. Alguns
anos depois, no Seminário 11 (1964/1993), Lacan retoma a noção de espaço para
nomear a outra cena do inconsciente, enquanto fenda, corte, algo de não realiza-
do. Observa-se uma concepção de espaço atravessada também pelo Real.
Nessa direção, em Mais ainda (1972-1973/1982), temos o “espaço do gozo” –
definido por ele como o campo lacaniano –, constituído por três dimensões (dit-
-mansions) determinadas pelo enodamento entre real, imaginário e simbólico.
A ideia de um espaço constituído de três dimensões repete-se em todos os semi-
nários subsequentes nos quais Lacan faz uso desse conceito. Em Les non-dupes
errent (1973-1974), lição de 13 novembro, por exemplo, ao retomar essa ideia ele
acrescenta que esse espaço habitado por seres falantes implica que as três catego-
rias real, imaginário e simbólico estejam estritamente semelhantes. Lemos que
“semelhantes” não implica ser iguais, mas como é definido posteriormente em
R.S.I. (1974), uma dessas dimensões contém o buraco do simbólico, a consistência
do imaginário, e é atravessada, podemos pensar, pelo espaço da ex-sistência.3 O
espaço enquanto sensível, ao mínimo de três dimensões, é novamente discutido
em R.S.I. (Lição 10, de dezembro).
Vale destacar, por fim, a referência ao seminário O sinthoma (1975-1976/2005),
da mesma época do Prefácio à edição inglesa do Seminário 11 (1976). Nesse mo-
mento, ao discutir a questão do verdadeiro e do real, e afirmando que este se en-
contra nos “emaranhados do verdadeiro” levando-o à ideia de nó, Lacan acentua
que: “Não há nenhum espaço real. Trata-se de uma construção puramente verbal
soletrada em três dimensões (...)” (p. 83).
Sobre a coabitação, vamos dizer assim, entre espaço e lapso, nos valemos mais
uma vez de uma indicação de Mais ainda (op. cit.):

2  A propósito, remetemos o leitor a Lacan, “Resposta a Jean Hyppolite sobre a Verneigung de


Freud”. In: Escritos, 1998, p. 385.
3  De forma simplificada, a ex-sistência, implica isto que gira ao redor da consistência fazendo
intervalo, ou seja, delimita algo sem ordem e impossível de ser dito.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012 147
Mucida, Angela

É a título de lapso que aquilo que significa alguma coisa, quer dizer, que aquilo
pode ser lido de uma infinidade de maneiras diferentes. Mas é precisamente por
isso que aquilo se lê mal, ou que se lê través, ou que não se lê (p. 51-52).

Dessa rápida retomada podemos extrair algumas consequências. Primeiro, a


noção de espaço em três dimensões implica pensar não apenas o campo do sen-
tido dado pelo par significante S1-S2, mas também os efeitos de consistência e o
atravessamento do real sobre o espaço da interpretação. Por outro lado, o espaço
do lapso comporta, no dizer de Lacan, uma infinidade de leituras diferentes que
têm como efeito uma má leitura. Mas, lemos que não é o conceito de espaço em si
que se atrela ao campo interminável do sentido e da historicidade, já que este con-
tém as três dimensões e é atravessado pelo corte do Real, mas é a própria estrutura
do lapso que demanda mais e mais sentido.
A escolha de Lacan, do paradigma do lapso, e não de outra formação do in-
consciente, como os sonhos, e sobretudo do sintoma tomado no singular, ocorre
porque neste, ao contrário de outras formações do inconsciente, persiste algo du-
radouro, primário ou fixado, efeito do recalque originário, que impõe limites pre-
cisos à interpretação. Os lapsos, ao contrário, são abertos ao sentido e a infinitas
leituras, se prestando melhor, a nosso ver, para sinalizar o inconsciente verdade e
colocar em causa isso que é da ordem do inconsciente real; o limite à interpreta-
ção e à cadeia de sentido.
Desse modo, enquanto o espaço do lapso é o espaço onde se veicula a abertura
do inconsciente, necessária a uma análise, o inconsciente real apresenta-se nos
pontos de fechamento do inconsciente. O espaço da interpretação deve trabalhar
abrindo o inconsciente para levar o analisante aos pontos nos quais nenhuma in-
terpretação seja possível. E mais, se a interpretação só é interpretação pelos efeitos
que ela produz, podemos supor que ela só opera ao considerar as três dimensões
imbricadas no espaço.
Supor que só se entra no inconsciente quando o espaço de um lapso “não com-
porta mais nenhum sentido (ou interpretação)” (1976, op. cit. p. 567) é afirmar
ainda o tempo necessário de uma análise que vai dos infinitos sentidos ao fora do
sentido. Isto só ocorre porque a interpretação, enquanto espaço, acentuamos no-
vamente, opera pelas três dimensões. Na realidade, podemos ler com Lacan que o
analista trabalha com as formações do inconsciente para chegar ao inconsciente e
que não há outra maneira de operar com o Real.
Mas, “estar seguro de estar no inconsciente” não implica que ali seja o fim de
uma análise, pois, além de muitas idas e vindas passando pelo inconsciente real,
faz-se necessário que o ser falante possa extrair desse percurso um saber lidar
com o Real fora de qualquer sentido e que isto tenha efeitos sobre o espaço de seu

148 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012
Espaço da interpretação e inconsciente real

gozo e a satisfação obtida com seu sintoma.


Resta-nos pensar ainda como valer-se do espaço da interpretação para levar
uma análise ao inconsciente real e a uma análise finita. Ensaiemos pequenos in-
dicativos a essa questão tão complexa.

Espaço da interpretação e inconsciente real

Primeiro, vale acentuar que a tese do inconsciente real tem desdobramentos


sobre o conceito de real, simbólico e imaginário bem como incide sobre todos os
conceitos fundamentais com os quais operamos. No que tange à nossa reflexão,
tomemos inicialmente a questão do sentido e do fora do sentido.
Pode-se ler com Lacan a existência de um simbólico aliado à representação, ao
sentido ou à verdade no qual um significante chama por outro, como é disposto
no discurso do mestre: S1à S2. Ou seja, são Uns que entram na cadeia signifi-
cante demandando outros significantes. Todavia, temos outra indicação em Mais
ainda que define a interpretação como o saber no lugar da verdade, tal como se lê
no discurso do analista:

Agente Outro a $
Verdade Produto S2 // S1

De que S2 (cadeia de saber): pode-se indagar sobre qual saber (S2) se trata nesse
discurso, já que ele se encontra sob a barra do recalque e sem acesso ao sujeito?
Para entender essa definição de interpretação, devemos cotejá-la com a tese de-
senvolvida nesse mesmo seminário, que nos leva a pensar a existência também
de uma noção de simbólico acossada ao real da alíngua.4 Trata-se, nesse caso, da
existência de S1s que não se associam a nada. Os Uns da alíngua – língua original,
arcaica ou fundamental – são fora do sentido, em estado bruto, que não formam
cadeia e são arredios ao campo da verdade e da historicidade.
Se do discurso do mestre pode-se extrair a concepção de um sujeito como efeito
dos significantes, efeito dos discursos, representado por pelo menos dois signifi-
cantes, S1 e S2, temos a partir das teses desenvolvidas no seminário supracitado,
a concepção também de um ser que fala e que se encontra fora da representação
e os dois não se anulam.

4  Conforme Lacan, “Alíngua serve para coisas inteiramente diferentes da comunicação. É o


que a experiência do inconsciente mostrou, no que ele é feito de alíngua, essa alíngua que
vocês sabem que eu escrevo numa só palavra, para designar (...) alíngua dita materna(...)” ( Mais
ainda, op. cit., p. 188).

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012 149
Mucida, Angela

Nesse sentido, Soler (2009), tomando a estrutura do discurso do mestre, dispõe


de maneira interessante essas duas maneiras dos S1s se apresentarem.

O sujeito Seu insconsciente


S1 S2, saber inconsciente
$ (S1(S1(S1 (S2)))))

S2 decifrável S2 da alíngua

Verifica-se, pois, que o saber no lugar da verdade implica nesse momento um


saber sem sujeito, diferentemente do S2 decifrável dispostos no discurso do mes-
tre. “De onde a alíngua aparece como a grande reserva de onde a decifração extrai
apenas alguns fragmentos” (SOLER, 2009, p. 24).
Isto exibe de maneira clara porque a interpretação encontra seus limites na
alíngua ou no que Lacan denomina de inconsciente real. Entretanto, é pela exis-
tência da alíngua que alguns fragmentos são extraídos de uma análise e o ser
falante pode se nomear identificando-se ao seu sinthoma.5 Isso esclarece porque
o passe foi a solução lacaniana para demonstrar que o produto de uma análise é
um saber sem sujeito e se trata sempre de uma transmissão não integral.
A noção de fora do sentido incide também sobre diferentes versões de Real. Este
pode ser analisado como interno ao simbólico da linguagem na medida em que
esta se liga a “alguma coisa que no real faz furo” (LACAN, 1975-1976/2005, op.
cit., p. 3). Intrínseco à linguagem, esse real “(...) faz acordo” (Ibid., p. 40), pode-
mos dizer faz nó ou é o próprio nó. Mas a noção de Real fora do sentido foraclui,
termo de Lacan, a copulação entre o simbólico e o imaginário (campo do sentido),
assim o “real é” (Ibid. p. 117). Esse real não se liga a nada, “(...) é sem Lei” (Ibid. p.
133) ou seja, ele é aquilo que “(...) parasita o gozo” (Ibid. p. 71) e apresenta-se sob
forma de afetos enigmáticos.6
O Real fora do sentido, como sinaliza Badiou (2010), distingue-se do não sentido.
Pressupor um não sentido implica colocar ainda em cena um sentido, enquanto o
fora do sentido implica a inexistência de sentido que toca a inexistência da relação
sexual, quer seja, o fora do sentido, ab-sens, traduzido por Lacan como ab-sexe.
Lembramos que depois de 1973 o sentido é abordado por ele como um nó que
inclui o sentido, o não-sentido e o efeito de sentido. Há um saber como efeito de

5  Esse conceito tem diversas leituras ao longo do seminário O sinthoma (1975-1976), mas em
termos gerais ele implica o quarto nó que enoda R.S.I., possibilitando que eles fiquem juntos,
enodados. Ele se define, sobretudo, por seu caráter de singularidade e foi isso que interessou a
Lacan a escrita singular de Joyce.
6  A propósito, remetemos o leitor a Lacan. O seminário. Livro 20. Mais ainda (op. cit., p.188-197).

150 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012
Espaço da interpretação e inconsciente real

sentido e permite ser decifrado. O não-sentido é o que permite o equívoco e não


apenas o que se contrapõe ao sentido, mas isso se difere ainda do fora do sentido.
Tudo isto toca o espaço da interpretação.
Nessa lógica do sentido e do fora do sentido Lacan distingue diversas modali-
dades de interpretação: pontuação, semidizer, enigma, corte, apofântica dentre
outras. Todas elas tocam, de alguma forma, o espaço da interpretação, mesmo
que não exatamente o Real fora de sentido.
A propósito, ao discutir a questão de como seria uma sessão ajustada ao incons-
ciente real, Soler (2009) nos traz algumas reflexões a uma prática que pretenda ser
sem (barvadage) verborreia; para além do blá-blá-blá. Ela acentua que a questão
não é em si a durabilidade da sessão analítica ou mesmo se ela é curta ou variável,
mas o seu fim. Com efeito, há interpretações conclusivas sinalizando um ponto
de amarração da sessão bem como aquelas que questionam relançando o senti-
do, mas há também fins suspensivos que não concluem e nem questionam, mas
cortam a cadeia associativa (SOLER, 2009, p.87-88). Enquanto as duas primeiras
fazem parte da historicidade necessária de uma análise, somente as duas últimas
tocam o Real e podem ser pensadas com Lacan como apofânticas no sentido do
oráculo: “(...) não revela nem esconde, mas faz signo” (Ibid. p. 88).
Se o analista trabalha na tentativa de atingir o dizer, ou seja, isto que surge por
detrás do dito ou da cadeia significante para chegar ao inconsciente real, isto im-
plica a passagem pelo sentido e a historicidade, mas nessa passagem há irrupções
do real fora do sentido e que pode levar, inclusive, o analisante a saídas da análise
por tudo que isso monopoliza de horror ao saber ou horror ao que Freud nomeou
como resistência terapêutica negativa.
Para finalizar e tendo em mira a questão de como trabalhar com o inconsciente
real ou com afetos enigmáticos, arredios à interpretação, com uma prática que
pressupõe também o sentido e a interpretação, nos valemos de uma indicação de
Lacan ao distinguir orientação e sentido. O sentido inclui um real que copula com
o simbólico e o imaginário, mas a orientação é outra coisa, ela é da ordem do real
fora do sentido. Todavia, se a orientação de uma análise é o fora do sentido, ela
não se processa sem o sentido, mas este é furado pelo real.
Nesse mesmo seminário, O sinthoma, a psicanálise é definida como “(...) um
curto-circuito passando pelo sentido” (op. cit., p. 118), curto-circuito que passa,
pois, pela linguagem. É interessante esse termo, pois o curto-circuito implica a
passagem de corrente elétrica acima do normal e que, geralmente, causa alguns
danos nos elementos envolvidos. O curto-circuito não deixa o sistema impune, e
isto tange de perto o que sinalizamos sobre o espaço da interpretação ao cingir
sentidos e consistências, ele abre também inúmeras dissonâncias que permitem à
análise chegar a pedaços do Real.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012 151
Mucida, Angela

Lacan acentua que os joycianos se ocupam dos enigmas, tentando decifrá-los.


Sabemos que a obra de Joyce colocou enigmas, porque foi escrita como alíngua.
Mas os analistas, diferentemente dos joycianos, não podem se ater à decifração
dos enigmas, o que levaria a análises infinitas ou ao espaço infinito do lapso.
Com efeito, “Encontrar um sentido implica saber qual é o nó, e emendá-lo bem
graças a um artifício” (Ibid. p. 71). O que supõe saber suportar o real fora do sen-
tido. Contudo, Lacan nos alerta que “(...) corremos o risco de tartamudear, se não
soubermos onde a corda termina, ou seja, no nó da não-relação sexual” (Ibid., p.
70), ou seja, no real fora do sentido.
A análise tem de suportar o espaço dos lapsos onde a historicização abre alguns
sentidos para levar o sujeito aos efeitos da alíngua, ao real fora do sentido, pro-
movendo, como proferiu Lacan em 1977, um “saber e fazer” algo com o real que
parasita o gozo, com efeitos sobre a satisfação. Ou, de outra maneira, trata-se de
ajudar o ser falante a se desembaraçar no mundo que “não é definitivamente um
mundo de representação, mas um mundo de escroqueria” (LACAN, 26/02/1977).

referências bibliográficas
BADIOU, A.; CASSIN, B. Il n’ya pas de rapport sexuel. Deux leçons sur L’Étourdit
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152 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012
Espaço da interpretação e inconsciente real

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Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012 153
Mucida, Angela

resumo
Foi a insistência do Real incrustado no sintoma que ofereceu
a Freud as coordenadas à invenção do dispositivo analítico. É
pela existência do Real fora do sentido que Lacan forjou a tese
do inconsciente Real, abrindo novas maneiras de se pensar o
campo da interpretação. Nessa direção, a partir da referência
de Lacan sobre o “espaço do lapso”, o artigo discute a hipótese
de um espaço da interpretação como forma de contextualizar
o estatuto da interpretação e o inconsciente real, tendo como
suporte a questão: como operar com a interpretação com um
Real fora do sentido?

palavras-chave
Real, inconsciente real, espaço, lapso, interpretação.

abstract
It was the insistence of the Real embedded in symptom that
offered Freud the coordinates to the invention of the analytical
device. It is through the existence of the Real outside the sense
of what Lacan coined the theory of the unconscious Real, crea-
ting new forms of thinking about the field of interpretation. In
this direction, departing from Lacan’s reference to «the space
of the lapse», the article discusses the hypothesis of a space of
interpretation as a way to contextualize the statute of the inter-
pretation and the unconscious real, founded on the question –
how to deal with the interpretation with a Real out of the sense?

keywords
Real, real unconscious, space, lapse, interpretation.

recebido
16/02/2012

aprovado
27/03/2012

154 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.143-154 novembro 2012
entrevista
Entrevista com Ana
Laura Prates Pacheco

por Silvana Pessoa

A Equipe de Publicação da Stylus (EPS 2011-12), sob minha coordenação, deci-


diu concluir sua gestão entrevistando a atual diretora da EPFCL – Brasil por con-
siderar um momento oportuno de transmissão de uma experiência, haja vista que
em breve haverá uma nova permuta da Comissão de Gestão de nossa comunidade
de Fóruns. Não só por isso, mas também para homenagear a recém-criada Rede
de Psicanálise & Criança e, last but not least, para acolher e divulgar o recém-lan-
çado livro de Ana Laura pela Letra Viva, que trata da direção do tratamento na
análise com crianças. A ela, e a todos os colegas da EPFCL – Brasil, agradecemos
a confiança e apoio na realização de nosso trabalho.
Silvana Pessoa: Prezada Ana Laura, sabemos que você já esteve numa comis-
são de gestão como Secretária no início da nossa Associação em 2002, e, agora,
mais uma vez, está na Comissão de Gestão (CG), desta vez como diretora da EPF-
CL –Brasil. Poderia nos falar dos principais avanços e impasses da nossa institui-
ção desde então?
Ana Laura Prates Pacheco: Sim, eu fui Secretária da Comissão de Gestão da
AFCL (EPFCL-Brasil) com Ângela Mucida (FCL-BH) como Diretora, e Eliane
Schermann (FCL-RJ), como Tesoureira. São dois momentos bem distintos, tanto
no nível pessoal, quanto no da nossa associação. De fato, naquela época vivíamos
um tempo de construção de uma nova associação nacional no Brasil. Era ainda
um momento bastante reativo às dificuldades institucionais enfrentadas no Cam-
po Freudiano, com o qual havíamos rompido para criar o Campo Lacaniano.
Não havia consenso, muito menos unanimidade a respeito da necessidade de nos
associarmos em nível nacional. Muitos preferiam priorizar o funcionamento dos
Fóruns em suas cidades e estados, como resposta a uma experiência institucional
anterior bastante centralizadora. A criação da AFCL como associação de mem-
bros e não de fóruns, dessa forma, foi uma solução de compromisso, que preser-
vava a autonomia dos fóruns locais. Isso possibilitou sua existência, por um lado,
mas por outro nos trouxe várias questões com as quais estamos nos havendo até
hoje, embora nos últimos anos tenhamos avançado muito. O fato é que naquela
época, no início dos anos 2000, a confiança entre os membros da AFCL ainda
estava em processo de construção, uma construção que só um tempo de traba-

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.157-165 novembro 2012 157
Pessoa, Silvana

lho comum possibilita. Nossa candidatura representava um grupo maior, com


colegas de vários fóruns, que vinha debatendo a importância de não recairmos
em erros passados, e não repetirmos a primazia de um discurso único em nossa
associação. Havia, eu diria, uma espécie de fobia do Um, tendendo, às vezes, a
certa paranoia: víamos o Um em todos os lugares (risos). Mas, ao mesmo tempo,
estávamos legitimamente preocupados em garantir a democracia e a expressão de
múltiplos estilos e sotaques. Fizemos uma chapa composta por membros de três
fóruns distintos, um arranjo muito difícil em termos administrativos, mas que
na ocasião tinha um intuito de pontuar essa pluralidade. Para mim, foi uma ex-
periência importante, um aprendizado institucional. Trabalhamos muito, como
todos os colegas que já passaram por essas funções. Atualmente, penso que há
vários avanços notáveis em nossa associação, fruto justamente desse trabalho co-
mum, principalmente em relação à articulação entre os fóruns locais e o nacional,
de modo que a EPFCL – Brasil represente hoje o conjunto dos fóruns no Brasil,
ou seja, configure-se como um fórum nacional. Como eu disse no relatório que
apresentei no primeiro ano da minha gestão atual como Diretora: “A comunidade
brasileira da EPFCL – Brasil é ampla, heterogênea e complexa. É composta de
colegas oriundos de diversas filiações transferenciais e experiências formativas
incomensuráveis, que geram uma dificuldade crônica de reconhecimento mútuo
(quando não uma desconfiança recíproca e paralisante). Uma associação nacional
precisa tentar conseguir – sem a pretensão benthaniana ingênua de uma lógica
distributiva sem restos – contemplar essas diversas representações locais, supor-
tando essa diversidade (que é ao mesmo tempo nosso maior problema e nossa vir-
tude mais frutífera). Não precisamos de panópticos ou regras estanques, burocrá-
ticas e engessadas, que proclamem a inútil tentativa de administrar o real, mas de
princípios coerentes com nossa orientação pelo real, que não exclua, entretanto, a
decisão e o ato diante de cada situação que se apresenta”. Essa foi a nossa tentativa
com a atual Comissão de Gestão.
Silvana Pessoa: Tenho escutado de forma recorrente, durante os nossos encon-
tros institucionais, comentários elogiosos a essa gestão formada por você, Sandra
Berta e Beatriz Oliveira, e, por vezes, interrogam-nos se vocês não pensam em
continuar. Sabemos que a reeleição estatutariamente não é possível. Todavia, que
legado você, como diretora, gostaria de passar para os demais que a sucederão?
De outra maneira, quais foram as importantes decisões que precisam ser passadas
adiante?
Ana Laura Prates Pacheco: Gostaria de aproveitar essa oportunidade ofereci-
da pela revista Stylus para agradecer os elogios e incentivos que temos recebido
durante a nossa gestão. Para mim, está muito claro que só pudemos fazer esse
trabalho porque temos – Sandra, Beatriz e eu – uma afinidade pessoal, política e

158 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.157-165 novembro 2012
Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco

institucional muito grande; além da incrível disposição ao trabalho de minhas co-


legas de gestão. Foi uma conjuntura muito favorável, as três estarem disponíveis
naquele momento para montar uma chapa. Nem sempre isso é possível, depende
de muitas variáveis. É evidente que não podemos fazer disso um universal, muito
menos uma regra, mas de fato, a partir dessa experiência, considero desejável, e
talvez até recomendável que as comissões de gestão possam trabalhar assim. A
gestão de uma associação como a nossa é algo muito complexo, que exige muito
trabalho, dedicação e esforço. Não somos administradores, nem contadores, nem
políticos. Somos psicanalistas. Isso nos traz inúmeras dificuldades, e está longe
de ser um problema apenas brasileiro. Vimos recentemente na última Assembleia
da IF, no Rio de Janeiro, as dificuldades para encontrarmos uma organização
internacional. Além disso, a responsabilidade é enorme, pois temos que lidar com
a questão do gerenciamento financeiro, jurídico etc. Mas as maiores dificuldades
estão em outro lugar, estão exatamente no tratamento da diversidade e dos inú-
meros impasses que surgem daí, o que é mais do que natural e não deve de modo
algum ser eliminado. Os impasses são intrínsecos ao laço social e espera-se que
os psicanalistas possam lidar com isso de um modo que não leve ao pior. Bem,
no nosso caso, optamos por oferecer um tratamento formal. Não podemos nos
esquecer de que somos um país que viveu muitos anos sob uma ditadura militar
e que ainda sofremos as consequências disso no plano da sociedade civil. Há uma
tendência crônica de gerir a coisa pública (república) como se fosse algo privado,
particular, e sem querer passamos a achar isso natural. Essa confusão entre o
público e o privado, que nem sempre é mal intencionada, cria um estilo que ora
tende ao antigo coronelismo, ora ao individualismo. Ora, as associações psicana-
líticas não estão imunes a isso, e Lacan chama a atenção para o risco de o psica-
nalista “autoritualizar-se” – que é diferente do autorizar-se. Então o tratamento
formal foi o modo que encontramos para lidar com esses impasses. Veja: não se
trata de burocracia, até porque nossos Princípios Diretivos e nossos Estatutos são
muito enxutos. Eles nos fornecem princípios e diretrizes que nos orientam, mas
o tempo todo foi preciso interpretá-los para aplicá-los ao dia a dia institucional.
Quanto à reeleição: até pela minha história e trajetória pessoal, sou uma defen-
sora intransigente da democracia e da pluralidade. Sabemos que a democracia por
si mesma não garante a psicanálise, longe disso. Mas por outro lado, sem ela, não
vamos muito longe. Embora, seria ainda preciso nos perguntar de qual democra-
cia estaríamos falando. É toda uma discussão política muito complexa, que talvez
em algum momento precisássemos abrir. Nesse caso específico, não sou favorável
à reeleição. Pode ser que algum dia eu mude de ideia quanto a isso, a depender dos
rumos que a situação da psicanálise irá tomar no Brasil e na EPFCL. De qualquer
forma, acho que a permutação é um dos princípios mais importantes da Escola

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.157-165 novembro 2012 159
Pessoa, Silvana

de Lacan. E nossa associação não deixa de ser o suporte da Escola. Além disso,
apostar mais no funcionamento do que nas pessoas, é outro legado que Lacan nos
deixou, e é preciso levar isso a sério. Por isso fizemos questão de deixar princípios,
de formalizar os trabalhos que fomos construindo com a comunidade, pensando
sempre nas funções e não nas pessoas que as ocupam, e isso em vários âmbitos:
na Comissão de Acolhimento e Intercâmbio, na Equipe de Publicação e Divulga-
ção, no Conselho Fiscal, na Revista Stylus, na relação com os Fóruns, e assim por
diante. Espero, sinceramente, que as próximas gestões possam dar continuidade
a esse trabalho.
Silvana Pessoa: Conhecendo de perto seu trabalho, constatamos que é uma
trabalhadora decidida da causa analítica. Sabemos que, além da implantação da
Rede Clínica do Fórum São Paulo, você participou ativamente da implantação da
Rede de Pesquisa de Psicanálise e Infância neste Fórum. Também temos conheci-
mento de iniciativas tão importantes quanto essa em outros Fóruns, como a Rede
de Psicanálise com crianças no Rio de Janeiro e a Rede Pião, em Salvador. Qual a
importância da criação da Rede Nacional de Psicanálise e Criança?
Ana Laura Prates Pacheco: A implantação da Rede Clínica do Fórum São Pau-
lo foi fruto do esforço de muitos colegas, principalmente aqueles envolvidos nas
coordenações das redes de pesquisa, que já existiam há muitos anos. Minha con-
tribuição foi a de ajudar a coordenar esse trabalho e colocar a Rede em funciona-
mento. Hoje, estamos colhendo frutos muito interessantes e importantes em rela-
ção à construção do caso clínico, e espero que em algum momento isso possa ser
publicado. Quanto à Rede de Pesquisa de Psicanálise e Infância, foi uma iniciativa
que tomei logo no início da criação do Fórum São Paulo. No início, contei com a
ajuda de Ana Cláudia Fossen, e quando ela foi para a Espanha, convidei Beatriz
Oliveira, que coordena a Rede comigo até hoje. Esse trabalho já havia se iniciado
antes, ainda no Campo Freudiano. Em São Paulo, especificamente, destaco, so-
bretudo, a iniciativa de Helena Bicalho. Nós demos continuidade a essa trilha que
já estava aberta. O mesmo ocorreu em outros Fóruns do Brasil, como você men-
cionou, na Rede de Psicanálise com Crianças do Rio de Janeiro – onde há inclu-
sive a revista Marraio – e na Rede Pião em Salvador. Nessas cidades, Maria Anita
Carneiro Ribeiro e Sonia Magalhães, assim como outros colegas, também já de-
senvolviam um trabalho no Campo Freudiano. Em outras cidades, mesmo sem a
criação de uma rede de pesquisa específica, há vários colegas trabalhando com a
questão. Daí a importância da criação da Rede Brasil de Psicanálise & Criança da
EPFCL – Brasil. No fundo, trata-se de algo bastante paradoxal. Há algo de sinto-
mático no fato de termos que criar uma rede com a finalidade de debatermos as
questões relativas à Psicanálise com crianças. Aliás, essa é a razão pela qual opta-
mos por denominá-la “Rede de Psicanálise & Criança”. Trata-se de um conectivo

160 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.157-165 novembro 2012
Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco

lógico que aponta a um só tempo para uma conjunção e uma disjunção, já que
criança não é um conceito psicanalítico e não existe uma especificidade chamada
“Psicanálise de crianças”. Assim, não deixa de ser irônico que ainda seja neces-
sário criar uma rede própria para sustentar a unidade da clínica, como diziam
Rosine e Robert Lefort. É o mesmo paradoxo da inclusão, que é tão atual: se fala-
mos em inclusão, é porque há exclusão, trata-se de pares ordenados. Da mesma
forma, só podemos falar em criança, se consideramos a oposição criança-adulto,
o que não faz sentido para a psicanálise, já que desde Freud o desejo é sexual e
infantil e, desde Lacan “não existe gente grande”. Constatamos, portanto, que a
novidade da psicanálise ainda não foi suficientemente assimilada pela cultura, e
mesmo pela comunidade analítica. Penso que a resistência à sexualidade infantil
é a resistência à própria Psicanálise.
Silvana Pessoa: Certamente a sua vasta experiência na pesquisa e na clínica
com crianças foi determinante para a escrita do seu recém-lançado livro na Ar-
gentina pela Letra Viva: De la fantasía de infancia a lo infantil de la fantasía: la
dirección de la cura en el psicoanálisis con niños. Podemos ter esperança de vê-lo
lançado aqui também no Brasil?
Ana Laura Prates Pacheco: Sua pergunta aponta para algo bastante delicado,
que diz respeito ao mercado editorial brasileiro, especialmente no campo das Hu-
manidades e, mais especificamente, no campo da Psicanálise. Essa questão é tão
complexa, que excederia muito os limites dessa entrevista. Apenas comento que
não deixa de ser irônico que trabalhos de psicanalistas brasileiros estejam sendo
publicados primeiro no exterior. Meu livro não é o único caso. Por outro lado,
há um movimento novo, de interesse internacional pela produção feita no Brasil,
escrita em português, que infelizmente não é uma língua muito conhecida, nem
sequer por nossos irmãos latino-americanos. Acho que isso se deve não apenas
ao inegável avanço da Psicanálise no Brasil nas últimas décadas, mas também
ao lugar que o Brasil passou a ocupar no cenário político internacional de dez
anos para cá. Por esse ângulo, vejo como uma coisa muito positiva o lançamento
desse livro, e não só no plano pessoal. Mas é claro que para mim, especialmente,
está sendo um momento muito gratificante, um reconhecimento inestimável de
meu trabalho. E sou muito grata aos colegas da FARP que me convidaram em
2007, num momento muito especial da minha vida e da minha formação analíti-
ca, para apresentar meu trabalho lá: o amigo Gabriel Lombardi, Cristina Toro e
Silvia Migdalek. Foi a partir dessas apresentações que Pablo Peusner, a quem sou
extremamente grata, começou a se empenhar para que meu livro fosse publicado
pela Letra Viva. E agora, cinco anos depois, voltarei a Buenos Aires para lançar o
livro na FARP, desta vez a convite do novo amigo Marcelo Mazzuca. Estou muito
feliz! Quanto ao lançamento no Brasil, está previsto para novembro de 2012, pela

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.157-165 novembro 2012 161
Pessoa, Silvana

coleção Ato analítico, da Editora Annablume.


Silvana Pessoa: No quinto capítulo do seu livro você trata do título escolhido,
ou seja, da direção do tratamento psicanalítico de forma vetorial: “da fantasia de
infância ao infantil da fantasia”. O que poderia nos dizer neste momento sobre a
“fantasia de infância”?
Ana Laura Prates Pacheco: Essa é uma questão muito interessante, que me
mobiliza bastante. Por um lado, temos o ideal moderno, que Lacan chama no Se-
minário 7 de “ideal da não dependência”. Trata-se da ideia de progresso, de desen-
volvimento, tributária da Modernidade e do advento do Discurso Universitário.
É o ideal do adulto pronto, acabado, maduro, desenvolvido. Ou, em vocabulário
psicanalítico: o sujeito neurótico bem constituído. Lacan adverte os psicanalistas
que atendem crianças a respeito dos riscos desse ideal. A esse ideal corresponde,
por outro lado, a fantasia da infância como adulto inacabado. Como eu disse an-
tes, o par ordenado criança/adulto.
Silvana Pessoa: E sobre o “infantil da fantasia”?
Ana Laura Prates Pacheco: O problema é que sabemos que o neurótico é jus-
tamente aquele que, em sua fantasia fundamental inconsciente, se coloca como
objeto diante do Outro: infans, aquele que não fala. Então, acreditar na infância
como uma fase da vida em que se era inocente, e sustentar essa tese no laço social,
é um recurso que o neurótico usa para não ter que entrar em contato com sua
responsabilidade em seu gozo e em sua fantasia. Se o par ordenado adulto/criança
é criação do Discurso Universitário e não do Discurso Analítico, o conceito de
infantil é freudiano, e Lacan não o rejeita. O infantil é estrutural no ser falante.
Ele reaparece na fantasia pela via da versão imaginária do trauma que cada um
constrói. Assim, na fantasia, o trauma é o infantil. Mas, uma vez atravessada essa
fantasia, o infantil pode ser somente a “ascensão ao feto dos nomes”, como diz
nosso poeta Manoel de Barros, ou como diria Lacan, se deixar afetar por lalíngua.
Silvana Pessoa: O tema do próximo encontro internacional, que acontecerá em
Paris, será sobre o desejo. Em um dos seus capítulos você fala da infância e do
despertar do desejo. O que poderia nos dizer disso?
Ana Laura Prates Pacheco: Esse foi outro ponto muito interessante que encon-
trei em minha pesquisa: a antinomia entre Rousseau e Freud em relação ao tema
do desejo, embora partam de premissas bastante próximas. Rousseau considera
haver uma desproporção radical entre nossos desejos e nossas faculdades, pois há
uma inadequação do desejo em relação ao objeto, o qual é fruto de nossa imagi-
nação e não da necessidade. É uma afirmação surpreendente e perturbadora, pois
parece antecipar Freud. Mas Rousseau crê na educação como algo que faria uma
suplência bem-sucedida a essa desproporção. Sabemos que para Freud isso não
acontece de modo algum. Não há esperanças de que a educação promova o final

162 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.157-165 novembro 2012
Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco

feliz. Eis, aliás, o engodo do Discurso Universitário – escrita lacaniana para o


“educar”, um dos impossíveis freudianos. Voltamos à antinomia entre o Discurso
Universitário e o Discurso Analítico. Para a Psicanálise, a infância não é o sono da
razão, mas o despertar do desejo. Com todos os seus paradoxos, para usar o termo
escolhido para o tema do VIII Encontro: “Os paradoxos do desejo”.
Silvana Pessoa: Dentre muitas outras coisas, na clínica com crianças, muitos
têm dificuldade de lidar com diversas demandas dos pais das crianças, que nun-
ca vêm sozinhas. Parodiando o artigo de Freud, Recomendações aos médicos que
exercem a psicanálise, de 1912, você poderia dar alguma recomendação àqueles
que exercem a psicanálise com crianças?
Ana Laura Prates Pacheco: Esse é mais um aspecto muito importante, e agra-
deço a pergunta, pois é uma oportunidade de esclarecer algumas confusões. Em
primeiro lugar, acho que esse mantra que costumamos repetir: “a criança nunca
vem sozinha” contém certo preconceito de classe. Sim, é verdade que raramente
ela vem sozinha em nossos consultórios. Mas, isso já não é verdade para quem
trabalha em instituições. Há sim, uma condição legal da criança no mundo con-
temporâneo, que é a condição de ser tutelada. Assim, se não é a família, é o Estado
seu responsável legal. Mas em termos da análise propriamente dita, eu diria que
a presença dos pais na realidade é mais conjuntural do que estrutural. Aliás, o
movimento lacaniano teve uma importância muito grande na explicitação dessa
diferença, e isso se deve em grande medida aos atendimentos realizados em ins-
tituições e abrigos de crianças, onde os pais não estavam presentes. A experiência
da Rede Clínica do FCL – SP, nesse ponto, tem sido um grande aprendizado, pois
tenho supervisionado muitos casos de crianças de abrigo. Há um caso, inclusive
já publicado em Marraio. Isso posto, é claro que podemos debater o manejo dos
pais quando recebemos crianças em nossos consultórios. Costumo dizer que se
trata de um debate tático. É preciso manejar as demandas dos pais, o que se torna
bem mais difícil se o analista se identifica com o lugar da criança, ou sobrepõe
o ambiente familiar à estrutura. Escutamos os pais, basicamente, para que nos
deixem trabalhar. Quanto à recomendação, acho que há uma, bem simples, que
é na verdade uma recomendação claríssima de Lacan, no Seminário 8. Ele diz
mais ou menos assim: à pergunta “que sou eu?”, jamais responda: uma criança!
Essa é a pior resposta que, aliás, já estaria dada a priori. É comum os supervisio-
nandos dizerem: “Mas eu não entendo o que ela (a criança) está fazendo, só fica
brincando, jogando, não consigo entender”. Talvez seja preciso perguntar se está
entendendo o que os analisantes adultos estão dizendo. Se a resposta for sim, é
bom começar a se preocupar. A clínica com criança não nos deixa esquecer que
escutamos as formações do inconsciente, tendo em vista a construção da fantasia
e seu atravessamento. Então, suspenda tudo o que sabe a priori sobre crianças,

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.157-165 novembro 2012 163
Pessoa, Silvana

dispa-se de suas fantasias de infância e das supostas especificidades da infância.


Deixe-se surpreender, escute, simplesmente, o que aquele sujeito tem a dizer sobre
seu sofrimento.
Silvana Pessoa: Uma das epígrafes utilizadas no seu livro é a de Hermann Hes-
se, que diz: “O homem não é de modo algum, um produto firme e duradouro, é
mais um ensaio e uma transição...”. Entendo que queira destacar que a transfor-
mação está para todos e que a criança não é uma “meia-dose” do homem – ela é
uma “dose inteira”, nada firme ou duradoura como qualquer um de nós. Entre-
tanto, o que esperar do tratamento psicanalítico com criança que ainda passa por
grandes transformações corporais e por vezes ainda está às voltas com a aquisição
da linguagem e da escrita? Nesses casos, podemos falar em final de análise com
crianças no estrito senso? De outro modo, podemos falar em travessia da fantasia
e identificação ao sintoma?
Ana Laura Prates Pacheco: Lembro-me de uma canção de Caetano Veloso que
começava com a frase: “Meia lua inteira”. É isso, somos sempre ensaio e transição,
independentemente da idade. Freud dizia que o que enlaçava o passado, o presente
e o futuro era o fio do desejo. Lacan, na mesma direção, elenca os momentos nos
quais as questões narcísicas e sexuais do sujeito se atualizam: desmame, Édipo,
puberdade, maternidade e, inclusive, o declínio, ou seja, o envelhecimento. Então
vemos que não é só a criança que passa por grandes transformações corporais, e
basta começarmos a envelhecer para constatarmos esse fato. Quanto à aquisição
da linguagem, penso que a partir de Lacan, sabemos que se trata de um tudo ou
nada de traço. Não tomamos a linguagem como instrumento de comunicação, o
que faz toda a diferença. A escrita é um ponto que mereceria todo um desenvol-
vimento que não poderei fazer aqui. Estou pesquisando essa questão da letra e da
escrita em meu pós-doutorado na UERJ, com a supervisão da nossa colega Sonia
Alberti, e espero que seja o tema do meu próximo livro. No Seminário 12, Lacan
tece algumas considerações sobre a alfabetização, lembrando que a escrita é uma
hiperestrutura. Ali, ele lembra que uma proporção muito grande da humanidade
é, ainda hoje, ágrafa ou analfabeta. Há autores, como Postman, que consideram,
inclusive, que a popularização da grafia e da escrita na Europa ajudou a criar a
noção moderna de infância tendo como parâmetro exatamente a alfabetização.
A Psicanálise, entretanto, não pode se aliar aos que infantilizam o analfabeto.
Então, é preciso redobrar o rigor quando estamos falando de letramento a partir
da Psicanálise. Eu lanço a questão: por que um analfabeto não poderia terminar
uma análise? Talvez aprender a ler poderia ser um efeito, talvez não. São questões
que a experiência clínica nos ajude a responder. E há, finalmente, a questão do en-
contro sexual com o que alguns colegas chamam de real do sexo e do gozo. Aqui,
multiplicam-se os preconceitos, e penso que eis um aspecto que os psicanalistas

164 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.157-165 novembro 2012
Entrevista com Ana Laura Prates Pacheco

brasileiros podem colaborar muito para avançar. Quando estive em Belém, após
minha conferência sobre “O que pode o dispositivo analítico frente ao dispositivo
de infantilidade”, duas psicólogas que atendem as meninas ribeirinhas vieram
falar comigo. Elas me contaram das meninas a partir de sete, oito anos, que são
prostituídas pelas próprias mães, as quais as oferecem aos barqueiros da região.
E do quanto é difícil abordar a questão a partir de nossa “moral civilizada” para
usar ironicamente o termo de Freud, já que esse “comércio”, digamos assim, é
fator importante na economia doméstica dessas famílias. É apenas um exemplo,
que mostra a complexidade da questão. Espero que daqui a alguns anos essas
colegas possam nos trazer suas conclusões, para que possamos avançar. Quanto
ao final da análise, penso que precisamos definir o que estamos chamando de
“estrito senso”. Sabemos que não há a última palavra, mas há balizas: travessia da
fantasia, identificação ao sintoma etc. A questão é que sabemos que é preciso tem-
po. Nossas análises são longas, até porque há muito estrago para se arranjar. Nor-
malmente, quando começamos uma análise, já deu tempo de nos complicarmos
bastante na vida. Sujeitos mais novos, em geral, conseguem se rearranjar mais
rapidamente e frequentemente decidem que têm mais o que fazer. É muito co-
mum retornarem depois; tenho vários casos em minha clínica. Mas há exceções,
e penso que não cabe a nós decidirmos a priori até onde vai uma análise. O desejo
do analista é de conduzi-la até o impasse e, de preferência, ao passe. Resta ainda
a questão do ato, e de sua relação com a lei, lembrando, como dissemos anterior-
mente, que a criança, em nossa sociedade, é tutelada. Deixo isso apenas indicado.
Mas gosto de lembrar, como nos ensina Ariès, que na Idade Média, algumas Cru-
zadas foram lideradas por pessoas de apenas doze anos. Haja identificação!
Silvana Pessoa: Finalizando esta entrevista, gostaria de agradecer, em nome da
Equipe de Publicação da Stylus (EPS/2011-2012), sua disponibilidade, o cuidado-
so tratamento dado às essas questões, além de recomendar fortemente a leitura do
seu livro para aqueles que desejam saber mais da formação do [eu], da constitui-
ção do sujeito, da extração do objeto, do diagnóstico estrutural e de tantas outras
questões dessa tão instigante clínica com crianças.
Ana Laura Prates Pacheco: Gostaria de agradecer imensamente aos colegas da
revista Stylus, especialmente a Silvana Pessoa o trabalho excelente na condução
editorial da revista. Agradeço também a oportunidade de falar sobre temas que
me são tão caros, aproveitando para me despedir da função de Diretora da EPFCL
– Brasil. Obrigada a todos!

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.157-165 novembro 2012 165
resenhas
Resenha do livro
Os outros em Lacan

Andréa Rodrigues

Os outros em Lacan, de Antonio Quinet, faz parte da coleção PASSO-A-PASSO


da Editora Zahar com direção de Marco Antonio Coutinho Jorge, cujo objetivo é
fazer o leitor conhecer, de “maneira gradual e interdisciplinar os mais importan-
tes pensadores, ideias e obras”. Escritos por especialistas e em linguagem acessível
a todos, esses pequenos volumes oferecem uma visão atualizada e abrangente dos
temas. E esse “pequeno volume” de Quinet cumpre perfeitamente seu papel, pois
o autor consegue apresentar, da forma clara e rigorosa já conhecida por todos nós
e que lhe é peculiar, as modalidades do outro em Lacan. Ele realiza com maestria
o desafio de falar introdutoriamente de um tema tão fundamental na teoria laca-
niana, e o faz atravessando o conjunto da sua obra, desde Os complexos familiares
na formação do indivíduo até os últimos seminários.
Essa travessia se faz necessária pois, como ele nos esclarece, a própria questão
da alteridade percorre toda a obra citada. Em seguida ele nos adverte que, pelo
fato de ser um trabalho introdutório, vai nos apresentar essas modalidades de for-
ma incompleta e condensada. Quinet, no entanto, não refaz um percurso linear
e cronológico, mas nem por isso as modalidades do outro que isolou – e que são
cinco – são mostradas de maneira menos encadeada. As modalidades são: 

1. O outro, meu semelhante;


2. O Outro, a alteridade do inconsciente;
3. O objeto a, causa do desejo;
4. O outro dos discursos, do laço social;
5. E Heteros, o Outro gozo.

Esse percurso é feito a partir do ponto de vista ético de que não há sujeito sem outro.
O outro, meu semelhante, é apresentado através do estádio do espelho e do
complexo de intrusão, passando ainda pelo mito de Narciso. “Quem é você que
está diante de mim”, ele pergunta, “feito à minha imagem e semelhança, feito de
uma corporalidade que me faz crer até que somos irmãos?” Isto é, a meu ver, uma
fina ironia, pois o argumento que se inicia com a pergunta conclui-se ao dizer que
o eu e o outro se confundem, sim, mas “esse próximo que se assemelha a mim e

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.169-171 novembro 2012 169
Rodrigues, Andréa

a quem me ensinaram dever amar é, antes, um intruso”. Quinet explica de forma


compreensível ao leitor como a instância do eu é fundamentalmente paranoica,
pois está sempre acompanhada do outro, seu ideal – que é ao mesmo tempo aque-
le que a qualquer momento pode tomar meu lugar.
Depois de afirmar que a bipolaridade – termo tão em voga nos nossos dias – é a
do eu, dividido entre eu e outro (a-a’) e que é a repercussão da polaridade pulsio-
nal no imaginário, ele encerra essa parte sobre o pequeno outro discorrendo sobre
o que chamou de Paixão da mirada, quando nos apresenta o olhar como objeto a.
O olhar em cena no estádio do espelho é o olhar daquele que vem a ocupar o lugar
do Outro, que é ao mesmo tempo o espelho no qual a criança se vê e se admira, e
lugar do Ideal do eu.
A experiência da alteridade se desdobra, então, no outro do espelho – registro
do imaginário – e Outro simbólico. Assim ele nos introduz ao grande Outro,
grafado com maiúscula, pois o outro é sustentado por uma relação distinta, a do
sujeito com a alteridade do inconsciente. O Outro do discurso inconsciente nunca
está ausente na relação do sujeito com o outro, o pequeno, chamado próximo,
demonstrando mais uma vez aquilo que afirmei acima ser o fio ético condutor
que percorre o livro: não há sujeito sem outro. O Outro, também escrito A, é uma
heteronomia radical, que se presentifica nas formações do inconsciente. Isso, po-
rém, não desresponsabiliza o sujeito, pois se é nesse retorno do recalcado onde ele
apreende essa alteridade, é, ao mesmo tempo, nele que se apossa dos seus desejos
mais escondidos.
Quinet desenvolve sua argumentação de tal maneira, que nos faz perceber que
o Outro, sendo ao mesmo tempo o Outro da linguagem e aquele que possibilita
o pacto da fala, e sendo presença de mediação em relação ao desdobramento do
eu consigo mesmo, é também o Outro do amor, aquele a quem dirijo minha de-
manda (uma vez que toda demanda, como dizia Lacan, é de amor). O Outro, no
entanto, é barrado, e se existe uma falta inscrita no Outro simbólico, do amor, é
possível a emergência do desejo. O outro, com minúscula, que ocupa o lugar do
Outro do amor, ao se tornar o objeto sexual, é reduzido ao objeto a.
E assim somos introduzidos ao que já nos habituamos a definir como a contri-
buição de Lacan à psicanálise: o objeto a, causa de desejo, que se aloja no Outro
do amor. Quinet discorre sobre o assunto de forma a apontar os pontos principais
sobre o tema: o lugar do objeto na fantasia, no nó borromeano e na topologia;
como causa de desejo; a relação com a Coisa, das Ding; o objeto agalmático; a re-
lação com Eros e Tânatos. Conclui esse item discorrendo sobre o supereu, quando
então chega a algumas das formas com as quais a “civilização atual se apropria da
estrutura desse outro pulsional que é o objeto a”.
Dessa maneira, chegamos ao outro do laço social, mais uma vez demonstran-

170 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.169-171 novembro 2012
Resenha do livro Os outros em Lacan

do – insisto – que não há sujeito sem outro: “... o homem é um ser social que não
prescinde do outro e cria regras e condutas de convivência com finalidades espe-
cíficas”. Encontramos aqui, de forma clara, a exposição dos chamados discursos
como laços sociais, com a descrição dos seus lugares e elementos. Não falta um
espaço sobre o discurso do capitalismo e uma crítica à civilização atual. Ele nos
ensina como, para Lacan, trata-se de um enquadramento do gozo e de um esqua-
drinhamento do campo do gozo pelos laços sociais que o compõem.
Finalmente, temos a quinta modalidade do outro, que é o Outro gozo referido
por Lacan ao gozo que se encontra do lado feminino da partilha dos sexos, e que
foi qualificado como Heteros. Quinet faz parecer simples as complicadas fórmulas
da sexuação e sua lógica do não-todo, contrária à lógica aristotélica. Demonstra
a complexidade da sexualidade humana e afirma que “é o Heteros que suporta o
sexo, seja ele como for. Para haver sexo é necessária a diferença do outro – não
se faz sexo com o mesmo”. Sem cair no “politicamente correto”, ele nos dá uma
lição, a partir de Lacan, sobre como o psicanalista deve evitar cair na segregação e
deve estar aberto à diferença mais radical, sem impor ao Outro seu modo de gozo.
Concluindo meu comentário, gostaria apenas de acrescentar que Os outros em
Lacan evidencia também a maturidade de Antonio Quinet como escritor, pois ele
alia a objetividade requerida por esse tipo de obra a uma linguagem, às vezes, co-
loquial (como ao explicar das Ding: “Aquela pessoa é uma Coooooisa! Ela é uma
Coooooisa de louco!”), e muitas vezes poética (como “Esse Ding! que soa quando
passa uma garota de Ipanema a caminho do mar (...) é o que proporciona a ‘coisi-
cidade’ desejosa ao outro como corpo e que serve ao sujeito de guia no caminho
do mar do desejo.” Ou quando transcreve um trecho da sua peça X, Y e S. Por
essas e por outras é que considero a leitura desse pequeno volume imprescindível
para todos os que desejem se iniciar na teoria lacaniana – mas não só.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.169-171 novembro 2012 171
Apresentação da coletânea
A Lógica da Interpretação.

Andréa Hortélio Fernandes

A Lógica da Interpretação, tema escolhido pelo Campo Psicanalítico de Salva-


dor e de Ilhéus e Itabuna para seus estudos e pesquisas durante o ano de 2011, foi
também o tema do XII Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do
Campo Lacaniano (EPFCL – Brasil) e da XI Jornada do Campo Psicanalítico – Fó-
rum Salvador realizadas em Salvador, de 4 a 6 de novembro de 2011.
A presente coletânea traz, também, os trabalhos apresentados por membros e
convidados do Campo Psicanalítico durante o Seminário do Campo Psicanalítico,
que ocorreu durante os dois semestres de 2011. E, ainda, alguns trabalhos apre-
sentados na Jornada de Cartéis pelos membros do Campo Psicanalítico Salvador,
Ilhéus e Itabuna e de convidados durante o evento nacional sediado pelo Campo
Psicanalítico/ Fórum Salvador.
O tema A Lógica da Interpretação despertou a discussão e o interesse de muitos,
sendo que o XII Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo
Lacaniano (EPFCL – Brasil)/XI Jornada do Campo Psicanalítico – Fórum Salva-
dor teve a exposição de 87 trabalhos. A Jornada de Cartéis fez-se também presente
no Encontro Nacional com 19 trabalhos apresentados. Em uma articulação com
esta publicação, serão lançados, por meio digital, os anais, com todos os trabalhos
apresentados no Encontro Nacional.
Optamos por fazer a abertura da apresentação desta coletânea referenciando a
imagem da capa, intitulada Homenagem à cultura popular, tela gentilmente cedi-
da pelo artista plástico baiano Leonel Mattos. A tela traz em si o equívoco tomado
como princípio lógico da interpretação na psicanálise que, ao visar o objeto causa
de desejo, pode atingir o real próprio à sonoridade da alíngua falada em análise e
que se faz presente, também, em alguns poemas.
Assim, o poema Ode Marítima de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando
Pessoa, foi escolhido na tentativa de enodar a sereia da imagem da tela (imagi-
nário), com o dispositivo da interpretação na análise, evocada no poema pelo
silêncio, pela “sereia chorando, chamando”, com o que continua, em outra estrofe,
“meu passado ressurge como se esse grito marítimo, fosse um aroma, uma voz,
o eco duma canção”, que podem servir para ilustrar o tratamento do real pelo

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012 173
Fernandes, Andréa Hortélio

simbólico (real/simbólico). Lacan, no Seminário R.S.I., nos diz que seria essencial
que a análise levasse o analisando a atar-se de outra forma. Para tanto, a inter-
pretação, cuja estrutura é o saber no lugar da verdade, poderia vir a tratar do que
resta de real no sintoma que traz o sujeito para análise
Um recorte do poema Ode Marítima nos mostra uma forma poética de enlaçar
o real, o simbólico e o imaginário. Álvaro de Campos nos transmite algo nessa
direção nas cinco últimas linhas do poema. Deixamos a cada leitor a tarefa de
fazer a leitura do dito poema conforme a interpretação que lhe for passível, já que
a interpretação é sempre singular.

Ode Marítima1
Fazei de mim qualquer coisa como se eu fosse
Arrastado – ó prazer, ó beijada dor!
Arrastado à cauda de cavalos chicoteados por vós...
Mas isto no mar, isto no ma-a-a-ar isto no MA-A-A-AR!
Eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! EH-EH-EH-EH-EH-EH-!
No MA-A-AR! Tudo canta a gritar!
[...]
Parte-se em mim qualquer coisa. O vermelho anoiteceu.
Senti demais para poder continuar a sentir.
Esgotou-se-me a alma, ficou só um eco dentro de mim.
Decresce sensivelmente a velocidade do volante.
Tiraram-me aos poucos as mãos dos olhos os meus sonhos.
Dentro de mim a um só vácuo, um deserto, um mar noturno.
E logo que sinto que há um mar noturno dentro de mim,
Sobe dos longes dele, nasce do seu silêncio,
Outra vez, outra vez o vasto grito antiqüíssimo.
De repente, como um relâmpago de som, que não faz barulho, mas ternura,
Subitamente abrangendo todo o horizonte marítimo
Úmido e sombrio marulho humano noturno,
Voz de sereia longínqua chorando, chamando.
Vem do fundo do Longe, do fundo Mar, da alma dos Abismos
E à tona dele, como algas, bóiam meus sonhos desfeitos
Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó---yy...
Schonner Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó---yy...
Ah, o orvalho sobre minha excitação!
Oh frescor noturno no meu oceano interior!

1  PESSOA, Fernando. Obra Poética em um volume. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.328-329.

174 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012
Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação.

Eis tudo em mim de repente ante uma noite no mar


Cheia de enorme mistério humaníssimo das ondas noturnas.
A lua sobe no horizonte
E a minha infância feliz acorda, como uma lágrima, em mim.
O meu passado ressurge, como se esse grito marítimo
Fosse um aroma, uma voz, o eco duma canção
Que fosse chamar o meu passado
Por aquela felicidade que nunca mais tornarei a ter.

Desse poema, gostaríamos de dizer que, tal qual o canto das sereias, a interpreta-
ção na psicanálise aponta para o equívoco próprio ao dizer vão, dire vain, em fran-
cês, da análise, ou seja, a associação livre. Tal qual o ato analítico, a interpretação
não é programável; trata-se, aí, de um savoir-y-être sustentado por savoir-y-faire.
Analista e analisando são, portanto, convocados a saber fazer com alíngua onde
começa tudo que diz respeito ao falasser, ou ao ser falante.
A conferência O Unívoco da Interpretação do psicanalista francês Marc Strauss
abre esta coletânea. Trata-se da versão resumida das conferências proferidas por
ele durante o Encontro Nacional. A começar pelo título, que é feito para provo-
car equívoco, o texto trata, de fato, do equívoco próprio da interpretação dita
dos psicanalistas lacanianos. Marc Strauss desenvolve, ao longo do artigo, que a
interpretação é certamente equívoca no nível das significações, mas seu sentido é
unívoco e busca examinar se este sentido mudou no ensino de Lacan.
A primeira seção de artigos traz três textos dedicados ao tema A interpretação
na psicanálise: precisão de conceitos. Sonia Magalhães, com o texto Psicanálise
e Interpretação, retoma Freud, desde o momento em que este supunha ser a psi-
canálise uma arte de interpretação e avança com Lacan no que a interpretação
interroga a relação do homem, do falasser, com a linguagem. Então, recorre a Júlia
Kristeva e a Michel Foucault para precisar a atualidade do que fora dito sobre a
interpretação por Freud e Lacan. Em A Interpretação: além do conceito psicanalí-
tico, Carlos Pinto argumenta que o conceito de interpretação mostra que, debai-
xo de uma aparente universalização, existem lacunas e armadilhas que merecem
revisão do conceito de interpretação na psicanálise. Com o texto intitulado Psi-
canálise: Interpretação?, Andréa H. Fernandes indaga-se sobre a máxima comu-
mente proposta pelo senso comum de que Freud explica e atrela isso à tentativa
de se transmitir a psicanálise, passando um tom tranquilizador do inconsciente,
contrário aos fundamentos do inconsciente propostos por Freud desde “A Inter-
pretação dos Sonhos”. Do livro dos sonhos, a autora extrai os indícios de que a
interpretação do analista na psicanálise deve ser apofântica, como propôs Lacan,
pois na linguagem, tomada como condição do inconsciente, existe alguma coisa

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012 175
Fernandes, Andréa Hortélio

que não se esgota ao admitirmos que uma proposição seja verdadeira ou falsa.
A segunda seção A Interpretação em Freud traz três trabalhos. Em A arte in-
terpretativa na psicanálise, Juliana Cunha retoma “A interpretação dos Sonhos”
de Freud e declara que a questão da interpretação em psicanálise reabre todo o
campo sobre o funcionamento do inconsciente, tendo a pulsão de morte um pa-
pel fundamental nisso, e também revela como o psicanalista pode operar numa
psicanálise. Já Cristiane Oliveira, em Inscrição, Memória e Interpretação: a escri-
ta psíquica em Freud, por meio do negativo da proposição de uma aporia entre
inscrição-memória-interpretação, que seria apagamento-esquecimento-silêncio,
problematiza em torno da ideia de uma escrita psíquica em Freud e seus des-
dobramentos na experiência psicanalítica, apontando para uma precariedade
do simbólico na solução dos impasses subjetivos. Para Elaine Starosta Foguel,
no artigo O sonho da interpretação: Ausflösung/Lösung, a interpretação não her-
menêutica da psicanálise, desde 1900, se funda a partir do desenho do primeiro
aparelho psíquico no Capítulo VII de “A Interpretação dos Sonhos” e ressalta que
uma esfera importante da tradição científica é mantida por Freud, podendo ser
descrita pelo par quase homofônico Auflösung/Lösung, no qual a decomposição
seria a solução.
A seção seguinte – O dizer e a Interpretação – traz outros cinco textos. No
primeiro deles, Desconstruções em psicanálise – Lógica e Topologia da Interpre-
tação, Helson Ramos propõe que a tarefa do analista é mais de desconstrução do
já construído que de produzir construções ou reconstruções, porque esta última
é tarefa do analisando. E afirma que a lógica da interpretação é sua topologia to-
mada como uma lógica de lugares onde há uma forma lógica da prática do dizer.
Angélia Teixeira, com o texto O dizer da interpretação, retoma a interpretação em
Freud, que parecia ter um lugar secundário em relação à transferência, e mostra
que os avanços na teoria de Freud e Lacan revelaram a importância deste concei-
to, uma vez que o dizer da interpretação presentifica o desejo do analista, pois o
desejo do analista é sua interpretação. Para a autora, o desejo do analista é a fron-
teira que une e separa transferência e interpretação. Com No impossível de dizer,
Jairo Gerbase, partindo de Lacan, que teria situado a sua prática no impossível
de dizer, propõe que o analisando fala e o analista diz, onde dizer é corte. Jairo
declara que o analisando, ao falar em análise, diz mais do que quer dizer, e o ana-
lista, ao ler esse mais, corta, e isso pode levar a uma nova forma de se atar nos nós
borromeanos. José Antônio Pereira da Silva, com o texto Interpretação, Pontua-
ção e Citação, faz um recorte do conceito de interpretação em Freud a partir do
seu texto “Construções em Análise” (1937) e em Lacan no Seminário o Avesso da
Psicanálise (1969/1970). Na visão de José Antônio, tendo Lacan situado a interpre-
tação “entre enigma e citação”, e também como pontuação, pretende esclarecer o

176 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012
Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação.

tipo de enunciado que poderia responder pela estrutura da interpretação, na qual


o saber está no lugar da verdade. Em Interpretação e Repetição, Maria de Fátima
Alves Pereira propõe que aquilo que se escreve em uma análise é o efeito do dizer
da fala e que o efeito terapêutico de uma análise implica remanejar o efeito de
sentido, reorganizar-se em função do sentido próprio da insistência da repetição
do gozo.
A interpretação e a transferência é o título da quarta seção, composta por três
trabalhos. Olga Sá intitula seu texto com uma questão – Quem sabe? consideran-
do logo de início que é da escuta do dito do analisando que a presença do psica-
nalista se impõe no inconsciente. Olga destaca que o inconsciente é estruturado
como uma linguagem que não tem função de informação, mas de evocação, pois
o que o analista busca na fala do analisando é fazer-se causa do desejo para que
o analisando possa, a partir do desejo de saber do seu desejo, deslocar-se de uma
posição de gozo para uma posição desejante movida pela transferência. No texto
Quando há a interpretação?, Célia Fiamenghi discorre sobre a entrada em análise,
a interpretação e o ato analítico. Propõe que a interpretação inclui a transferência
e, consequentemente, o ato analítico, que dá partida, em uma análise, ao sujeito
do inconsciente. Para tanto, Célia, através de um recorte clínico, mostra ser ne-
cessário trabalhar a demanda de análise, pois ela não deve ser aceita de imediato,
necessitando ser interrogada, para assim introduzir a dimensão do desejo, da de-
manda do sujeito, da associação livre e, consequentemente, o surgimento de um
sujeito sob o efeito da transferência. Clarice Gatto, no texto Retificação subjetiva,
interpretação e transferência, discute o lugar da retificação subjetiva enquanto
interpretação na direção do tratamento sob transferência. Ela examina esse as-
pecto no caso Dora e no Homem dos Ratos de Freud e questiona-se acerca das
transmutações que as palavras do analista podem sofrer na operação analítica,
que revelam o seu efeito de interpretação, e se elas podem mostrar que a primeira
localização da posição do sujeito em relação ao real, na análise, seja in initio efeito
de uma interpretação.
A sexta seção da coletânea é intitulada Interpretação e Discurso e contempla
dois textos. Soraya Carvalho, em A interpretação no discurso melancólico, ques-
tiona de que lugar deve operar o analista na melancolia diante de um discurso
destinado a mascarar a falta que não se abre ao equívoco do sentido e onde a
enunciação se esgota no enunciado. Através de um recorte clínico, Soraya aponta
para a distinção entre a clínica com melancólicos e com neuróticos. Em A inter-
pretação nos discursos: efeitos em uma instituição de tratamento para o uso de
drogas, Cynara Teixeira Ribeiro e Andréa Hortélio Fernandes apresentam, em
coautoria, um texto no qual discutem as modalidades de laço social que circulam
em uma instituição que oferece tratamento para usuários de drogas e o os efeitos

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012 177
Fernandes, Andréa Hortélio

subjetivos suscitados nos sujeitos que nesta são atendidos.


A seção A interpretação e o irredutível é composta por três textos. Marcus do
Rio Teixeira, em Do significante irredutível, examina a mudança no conceito de
interpretação no ensino de Freud e Lacan que, de início, incidiria sobre o sentido,
para uma forma de intervenção que privilegia o significante e o non-sens. Já no
texto O interpretável do sintoma, Madaleine Reis discute o que interpretar, uma
vez que o sintoma mantém um sentido no real, que é o sentido sexual do sintoma,
que faz limite à interpretação, apesar de o sintoma ter também uma dimensão de
sentido. Em Percurso do concerto ao desconserto: um trabalho de interpretação,
Ana Aparecida Martinelli Braga busca articular o conceito de interpretação na
sua relação com o equívoco, que promove efeitos para o sujeito. Toma como pre-
missa que a interpretação, na psicanálise, busca trabalhar o discurso do sujeito,
apontando para o que nele há de indizível e, assim, produzir efeitos de des-razão
no sujeito, desconsertando-o num percurso que vai do concerto, como arranjo,
ao desconcerto, na medida em que o sintoma é o que há de mais singular em cada
sujeito e com o que o sujeito, na análise, é convidado a lidar.
Na seção intitulada Interpretação, significante e poesia, três trabalhos enlaçam
a interpretação na psicanálise ao trabalho da criação artística e da escrita poética.
Raquel Prudente da Silva, no texto A psicanálise e a voz de Valdelice Pinheiro,
toma o livro Expressão Poética de Valdelice Pinheiro2 para mostrar que a psica-
nálise, assim como a poesia, faz uso das figuras de linguagem: metáfora e meto-
nímia. Já Ida Freitas, no texto Po(a)tar, toma Freud, Lacan e alguns poetas para
mostrar algumas aproximações e distinções entre psicanálise e poesia, para daí
examinar o que a psicanálise pode extrair desse cruzamento. Já Thaine Mendes
Araújo Albuquerque, no texto Onde vivem os monstros, faz um comentário do
filme com o mesmo título de Maurice Sendak, como forma de aproximar a psi-
canálise e a criação artística no que diz respeito a alguns pontos difíceis de serem
transpostos em palavras, dada a fixação de gozo própria ao sujeito. Ela propõe que
o personagem principal Marx tem um encontro traumático com um significante
“monstro” vindo do Outro, no caso sua mãe. Este dizer vindo do Outro afetou de
alguma forma Max, promovendo um efeito de interpretação, que fez com que ele
recorresse à fantasia, levando o seu inconsciente a trabalhar, produzir significan-
tes em torno do ponto do impossível de dizer marcado pelo encontro com o real.
A última seção da coletânea é intitulada Interpretação e o trabalho de cartel,
e dois artigos dela fazem parte: Simey Soeiro, em O mais-um no cartel, discorre
sobre o Mais-Um, interrogando, em paralelo, o que faz com que trabalhar em
cartel gere tanta resistência. Para tanto, vai tratar da lógica dos discursos na psi-

2  SIMÕES, Maria de Lourdes Netto. Expressão Poética de Valdelice Pinheiro. Ilhéus: Editus, 2002.

178 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012
Apresentação da coletânea A Lógica da Interpretação.

canálise. Maria da Conceição Vita, no texto O amor que salva é o amor que não
salva, apresenta uma produção de um cartel na qual ela discute a possibilidade da
existência do amor fora do discurso da histérica e do discurso capitalista, para daí
vislumbrar o amor como ponto de encontro que introduz a dimensão da verdade
e não do engano. Verdade que revela que o desejo de um não é igual ao desejo do
Outro, pois o amor em causa reintroduz a falta, a descontinuidade, e não a com-
plementaridade, a salvação.
Os leitores desta coletânea poderão encontrar, aqui, uma série de textos sobre
a lógica da interpretação na psicanálise desde Freud e com Lacan. Mesmo se tra-
tando de um agrupamento de textos, é perceptível a singularidade da escrita de
cada autor e da contribuição de cada um no que diz respeito ao tema em comum.
Desejamos aos leitores que encontrem prazer e alento na leitura desta coletânea;
que ela represente um livro a ser recomendado aos amigos e colegas que se inte-
ressam pela psicanálise e, em especial, pela lógica da interpretação na psicanálise.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.173-179 novembro 2012 179
Orientações Editoriais

Stylus é um periódico semestral da ESCOLA DE PSICANÁLISE DOS FÓ-


RUNS DO CAMPO LACANIANO - BRASIL e se propõe a publicar artigos iné-
ditos das comunidades brasileiras e internacional do Campo Lacaniano, e os
artigos de outros colegas que orientam sua leitura da psicanálise principalmente
pelos textos de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Revista que aceita artigos prove-
nientes de outros campos de saber (a arte, a ciência, a matemática, a filosofia, a
topologia, a lingüística, a música, a literatura, etc.) que tomam a psicanálise como
eixo de suas conexões reflexivas. Aos manuscritos encaminhados para publica-
ção, recomendam-se as seguintes Orientações Editoriais. Serão aceitos trabalhos
em inglês, francês e/ou espanhol. Se aceitos, serão traduzidos para o português.
Todos os trabalhos enviados para publicação serão submetidos a apreciação de,
no mínimo, dois pareceristas, membros do Conselho Editorial de Stylus
(CES). A Equipe de Publicação de Stylus (EPS) poderá fazer uso de consulto-
res ad hoc, a seu critério e do CES, omitida a identidade dos autores. Os autores
serão notificados da aceitação ou não dos artigos. Os originais não serão devol-
vidos. O texto considerado aceito será publicado na íntegra. Os artigos assinados
expressam a opinião de seus autores. A EPS avaliará a pertinência da quantidade
de textos que irão compor cada número de Stylus, de modo a zelar pelo propósi-
to dessa revista: promover o debate a respeito da psicanálise e suas conexões com
os outros discursos.

Fluxo de avaliação dos artigos:

1. Recebimento do texto por e-mail pelos membros da EPS de acordo com a data
divulgada na rede-epfclbrasil@yahoogrupos.com.br e na if-epfcl@champlaca-
nien.net
2. Distribuição para parecer.
3. Encaminhamento do parecer para a reunião da EPS para decisão final.
4. Informação para o autor: se recusado, se aprovado ou se necessita de reformu-
lação (neste caso, é definido um prazo de vinte dias, findo o qual o artigo é
desconsiderado, caso o autor não o reformule apropriadamente).
5. Após a aprovação o autor deverá enviar à EPS no prazo de sete dias úteis um
e-mail contendo um arquivo de seu texto, definido para impressão.
6. Direitos autorais: a aprovação dos textos implica a cessão imediata e sem ônus

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 181
dos direitos autorais de publicação nesta revista, a qual terá exclusividade de
publicá-los em primeira mão. O autor continuará a deter os direitos autorais
para publicações posteriores.
7. Publicação.

Nota: não haverá banco de arquivos para os números seguintes. O autor que
desejar publicar deverá encaminhar seu texto a cada número de Stylus.

Serão aceitos trabalhos para as seguintes seções:

Artigos: análise de um tema proposto, levando ao questionamento e/ou a novas


elaborações (aproximadamente 12 laudas ou 25.200 caracteres, incluindo referên-
cias bibliográficas e notas). Ensaios: apresentação e discussão a partir da expe-
riência psicanalítica de problemas cruciais da psicanálise no que estes concernem
à transmissão da psicanálise (aproximadamente 15 laudas ou 31.500 caracteres,
incluindo referências bibliográficas e notas). Resenhas: resenha crítica de livros
ou teses de mestrado ou doutorado, cujo conteúdo se articule ou seja de interesse
da psicanálise (aproximadamente 60 linhas (3.600 caracteres). Entrevistas: entre-
vista que aborde temas de psicanálise ou afins à psicanálise (aproximadamente
10 laudas ou 21.000 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Stylus
possui as seguintes seções: ensaios, trabalho crítico com os conceitos, direção do
tratamento, entrevista e resenhas; cabendo a EPS decidir sobre a inserção dos
textos selecionados no corpo da revista.

Apresentação dos manuscritos:

Formatação: Os artigos devem ser digitados em Word for Windows, versão


6.0 ou superior, com extensão (.doc), em fonte Times New Roman, tamanho 12,
em folha de formato A4, com espaçamento 1,5 entre linhas, margens superior,
inferior e laterais de 2 cm.

Ilustrações: o número de figuras (quadros, gráficos, imagens, esquemas) deve-


rá ser mínimo (máximo de 5 por artigo, salvo exceções, que deverão ser justifica-
das por escrito pelo autor e avalizadas pela EPS) e devem vir separadamente em
arquivo JPEG nomeados Fig. 1, Fig. 2 e indicadas no corpo do texto o local dessas
Fig.1, Fig. 2., sucessivamente. As ilustrações devem trazer abaixo um título ou
legenda com a indicação da fonte, quando houver.

182 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
Resumo/Abstract: todos os trabalhos (artigos, entrevistas) deverão conter um
resumo na língua vernácula e um abstract em língua inglesa contendo de 100 a
200 palavras. Deverão trazer também um mínimo de três e um máximo de cinco
palavras-chaves (português) e key-words (inglês) e a tradução do título do traba-
lho. As resenhas necessitam apenas das palavras-chaves e key-words.

Envio dos manuscritos:

Ao enviar o artigo para a revista, o autor compromete-se a não o encaminhar


para outro(s) veículo(s) de publicação, pelo prazo de seis meses, a contar da data
do envio. Preferencialmente, as propostas de publicação devem ser enviadas via
Internet, como anexo, para o e-mail revistastylus@yahoo.com . Alternativamen-
te, podem ser enviadas em mídia digital, acompanhadas de três cópias impressas,
para o seguinte endereço:

Fórum do Campo Lacaniano –São Paulo


Revista Stylus: Revista de Psicanálise da Associação de Fóruns do Campo La-
caniano Brasil
Rua Lisboa, 1163. CEP 05413-001 – Pinheiros (São Paulo – SP)

Os artigos devem conter os seguintes elementos:

Normas para publicação:

• Primeira lauda contendo apenas o título do artigo, nome(s) do(s) autor(es), da-
dos do(s) autor(es) [titulação, filiação institucional e referências acadêmicas e
profissionais, em 10 linhas, no máximo] e endereço completo (com e-mail).
• Demais laudas, numeradas consecutivamente a partir de 1 (um), repetindo o
título, sem o(s) nome(s) do(s) autor(es), e contendo o texto da publicação.
• No caso de investigações/desenvolvimentos teóricos, relatos de pesquisas, de-
bates e entrevistas, deve ser incluído um resumo de no máximo trezentas
palavras, ao final, na mesma língua do trabalho, acompanhado de palavras-
-chave (no mínimo três e no máximo sete). Após esse resumo, deve-se incluir
também uma tradução do mesmo, em inglês (abstract), acompanhada da tra-
dução do título e das palavras-chave.
• No caso de entrevista, devem ser incluídos, ao final, os seguintes dados: data da
entrevista, nome do entrevistador, nome do entrevistado e dados completos
de identificação de ambos (titulação, filiação institucional e referências acadê-

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 183
micas e profissionais). Opcionalmente, podem ser incluídos dados relevantes
sobre o contexto em que foi realizada a entrevista.
• No caso de resenhas, deve-se incluir, ao final, a referência completa da obra
resenhada. As ilustrações devem ter seu lugar indicado no texto e devem ser
enviadas também em anexos separados, em formato de arquivo JEPG. Devem
ser nomeadas Fig. 1, Fig. 2, sucessivamente, podendo ainda ter um título su-
gestivo do seu conteúdo.

Sobre citações e referências bibliográficas:

Indicamos a NBR 6023 da Associação Brasileira das Normas Técnicas, lançada


em 2002, disponível nos seguintes endereços eletrônicos, ambos oriundos do sítio
(http://www.ip.usp.br/portal/) da Biblioteca Dante Moreira Leite, do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo:
Citações: (http://www.ip.usp.br/portal/images/stories/manuais/citacoesabnt.pdf)
Referências bibliográficas: (http://www.ip.usp.br/portal/images/stories/manuais/
normalizacaodereferenciasabnt.pdf)

Citações no texto:

1. As citações diretas (ou textuais) devem reproduzir fielmente as palavras do


autor ou o trecho do texto utilizado. Exemplo: Dessa maneira, Quinet (1991,
p. 87) adverte que “não há duas pessoas que lidem com o dinheiro da mesma
forma.”
2. Já as citações diretas (ou textuais) que excederem três linhas devem vir em
parágrafo separado, com recuo de quatro cm da margem esquerda (além do
parágrafo de 1,25cm) com letra menor do que a do texto e sem utilização de
aspas. Os títulos de textos citados devem vir em itálico (sem aspas), os nomes e
sobrenomes em formato normal (Lacan, Freud). Exemplo: Freud (1910, p. 130)
em As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica, destaca um aspecto
importante:

Agora que um considerável número de pessoas está praticando a psicanálise e,


reciprocamente, trocando observações, notamos que nenhum psicanalista avan-
ça além do quanto permitam seus próprios complexos e resistências internas; e,
em conseqüência, requeremos que ele deva iniciar sua atividade por uma auto-
-análise e levá-la, de modo contínuo, cada vez mais profundamente, enquanto

184 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
esteja realizando suas observações sobre seus pacientes. Qualquer um que falhe
em produzir resultados numa auto-análise desse tipo deve desistir, imediata-
mente, de qualquer idéia de tornar-se capaz de tratar pacientes pela análise.

3. As citações indiretas devem contar as idéias daquele que escreve o texto, mas
também devem referendar as ideais originais do autor citado, em letras maiús-
culas. Exemplo: Lacan sempre deixou claro sua posição sobre os psicanalistas
que se acomodavam frente aos mecanismos institucionais das escolas psica-
nalíticas daquela época, com suas burocracias e rituais questionáveis (LA-
CAN, 1956).
4. As citações de obras antigas e reeditadas devem ser feitas da seguinte maneira:
Kraepelin (1899/1999).
5. No caso de citação de artigo de autoria múltipla, as normas são as seguintes:
A) até três autores – o sobrenome de todos os autores é mencionado em todas
as citações, por exemplo: (Alberti e Elia, 2000). B) de quatro a seis autores – o
sobrenome de todos os autores é citado na primeira citação, como acima. Da
segunda citação em diante só o sobrenome do primeiro autor é mencionado,
como abaixo (Alberti, et al, 2009, p. 122). C) mais de seis autores – no texto,
desde a primeira citação, somente o sobrenome do primeiro autor é mencio-
nado, mas nas referências bibliográficas os nomes de todos os autores devem
ser relacionados.
6. Quando houver repetição da obra citada na seqüência deve vir indicado Ibid.,
p. (página citada.).
7. Quando houver citação da obra já citada porém fora da seqüência da nota, deve
vir indicado o nome da obra em itálico, op. cit., p. (Kant com Sade, op. cit., p.
781-783).
8. Caso a fonte seja um website ou página eletrônica, deve-se explicitar o ende-
reço eletrônico de acesso, entre parentêses, após a informação, (http://www.
campolacanianosp.com.br/).

Notas de rodapé:

1. As notas não bibliográficas, indicações, observações ou aditamentos ao texto


feitos pelo autor ou editor, devem ser reduzidas a um mínimo indispensável,
ordenadas por algarismos arábicos e organizadas como nota de rodapé, ao
final da página em questão.

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 185
Referências Bibliográficas:

Os títulos de livros, periódicos, relatórios, teses e trabalhos apresentados em


congressos devem ser colocados em itálico. O sobrenome do(s) autor(es) deve vir
em caixa alta, seguido do prenome abreviado.

1. Livros, livro de coleção:

1.1 LACAN, J. (1955) A coisa freudiana. In: LACAN, J. Escritos. Tradução de


Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 402-437.
1.2 FREUD, S. (1920). Além do princípio de prazer. Tradução sob a direção de
Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 18, p. 17-88).
1.3 LACAN, J. (1960-61) O seminário, livro 8: A transferência. Tradução de
Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Zahar, 1992. 386 p.
1.4 Lacan, J. O seminário: A Identificação (1961-1962): aula de 21 de março de
1962. Inédito.
1.5 Lacan, J. O seminário: Ato psicanalítico (1967-1968): aula de 27 de março
de 1968. (Versão brasileira fora do comércio).
1.6. Lacan, J. Le séminaire: Le sinthome (1975-1976). Paris: Association freu-
dienne internationale, 1997. (Publication hors commerce).

Obs. O destaque é para o título do livro e não para o título do capí-


tulo. Quando se referencia várias obras do mesmo autor, substitui-se
o nome do autor por um traço equivalente a seis espaços.

2. Capítulo de Livro: Foucault, Michel.  Du bon usage de la liberté. In: Foucault,


M. Histoire de la folie à l’âge classique (p.440-482). Paris: Gallimard, 1972.

3. Artigo em periódico científico ou revista: PACHECO, A.L.P. O livro de cabe-


ceira: da escrita como sintoma ao sintoma como letra. Stylus. Rio de Janeiro:
Associação Fóruns do Campo Lacaniano, n.23, p. 37-43, 2011

4. Obras antigas com reedição em data posterior: Alighieri, D. Tutte le opere.


Roma: Newton, 1993. (Originalmente publicado em 1321).

5. Teses e dissertações: Teixeira, A. A teoria dos quatro discursos: uma elabora-


ção formalizada da clínica psicanalítica. Rio de Janeiro, 2001. 250 f. Disserta-
ção. (Mestrado em Teoria Psicanalítica) – Instituto de Psicologia. Universida-

186 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
de Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.

6. Relatório técnico: Barros de Oliveira, M. H. Política Nacional de Saúde do


Trabalhador. (Relatório Nº). Rio de Janeiro. CNPq., 1992.

7. Trabalho apresentado em congresso e publicado em anais: Trabalho apresen-


tado em congresso e publicado em anais: FINGERMANN, D. Os tempos do
sujeito do inconsciente. Trabalho apresentado no V Encontro Internacional da
IF/EPFCL. Os tempos do sujeito do inconsciente. A psicanálise no seu tempo
e o tempo da psicanálise. 2008, julho; São Paulo, Brasil.

8. Obra no prelo: No lugar da data deverá constar (No prelo).

9. Autoria institucional: American Psychiatric Association. DSM-III-R, Diag-


nostic and statistical manual of mental disorder (3rd edition revised.) Washing-
ton, DC: Author, 1998.

10. CD ROM – Lacan, J. Le Séminaire de Caracas. X Encuentro Internacional


del Campo Freudiano. Barcelona: Edicions Albert Moraleda, 1998. CD-ROM.  

11. Home Page: LACAN, J. (1977). L’insu-que-sait de l’une-bévue s’aile à mourre.


In: BIBLIOTECA DO CAMPO PSICANALÍTICO. Disponivel em: < www.
campopsicanalitico.com.br >. Acesso em: 04 de fev. 2012.

12. Fontes eletrônicas: LERAY, P. (2011). Le reel après la passe. In: Wunsch 10.
Disponível em: <http://www.champlacanien.net/public/docu/4/wunsch10.
pdf>. Acesso em: 05 de abril de 2012.

Outras dúvidas poderão ser sanadas consultando-se a versão original da


ABNT 6023, como dito anteriormente, ou eventualmente endereçadas à Equi-
pe de Publicação da Revista Stylus (EPS) para o e-mail revistastylus@yahoo.
com.br

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 187
Sobre os autores

Ana Laura Prates Pacheco


Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica pela USP. Pós-Doutorado em Psi-
canálise na UERJ. Psicanalista. Membro e atual Diretora da EPFCL – Brasil
(2010-2012). Membro do FCL – SP. AME da EPFCL. Coordenadora da Rede
de Pesquisa de Psicanálise e Infância. Autora de “Feminilidade e experiência
psicanalítica” (2001).
Email: analauraprates@terra.com.br

Ana Paula Lacorte Gianesi


Psicanalista. Doutora pelo Instituto de Psicologia da USP e Membro da Escola de
Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano/ Fórum São Paulo.
Email: anapaulagianesi@yahoo.com.br

Andrea Hortélio Fernandes


Psicóloga. Doutora em Psicopatologia e Psicanálise (Paris 7), Professora Adjunta
da Graduação e Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade Federal da Ba-
hia. AME da EPFCL - Brasil/ Fórum Salvador. Membro da Associação Científica
Campo Psicanalítico em Salvador.
E-mail: ahfernandes@terra.com.br

Andréa Rodrigues
Psicanalista, Membro da EPFCL-Brasil e Coordenadora do Fórum de Fortaleza.
E-mail: andreahr@secrel.com.br

Ângela Mucida
Doutora em Psicologia/psicanálise, Mestre em Filosofia. AME da Escola de Psicanáli-
se dos Fóruns do Campo Lacaniano. Professora universitária. Autora dos livros: O su-
jeito não envelhece- Psicanálise e Velhice e Escrita de uma memória que não se apaga.
E-mail: angelamucida@gmail.com

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 189
Antonio Quinet
Psicanalista, Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VII (Vincennes), Pro-
fessor do Mestrado de Psicanálise (UVA). AME da Escola de Psicanálise Fóruns do
Campo Lacaniano - Fórum Rio de Janeiro. Dramaturgo e Diretor da Cia. Incons-
ciente em Cena (RJ).
E-mail: quinet@openlink.com.br 

Bárbara Maria Brandão Guatimosim


Psicanalista, Membro da EPFCL – Brasil. Organizadora do livro “Em torno do
cartel” – Edição da AFCL, 2004. Artigos publicados em várias revistas e coletâ-
neas de psicanálise. Mestranda em Estudos literários na linha de pesquisa Litera-
tura e Psicanálise, UFMG / FALE.
E-mail: bguatimosim@bol.com.br

Bernard Nominé
Psicanalista. Psiquiatra à Pau. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Cam-
po Lacaniano. Ensinante no Colégio Clínico de Psicanálise do Sudoeste da França.
E-mail: ber.nomine@free.fr

Carlos Eduardo Frazão Meirelles


Psicanalista, Membro do Fórum do Campo Lacaniano São Paulo. Psicólogo, com
Graduação e Mestrado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
E-mail: frazaomeirelles@gmail.com

Luis Izcovich
Psicanalista, Psiquiatra em Paris. Doutor em Psicanálise pela Universidade de Pa-
ris VIII. A.M.E. da EPFCL. Ensinante no Colégio Clínico de Paris.
E-mail: alizco@wanadoo.fr

Luis Guilherme Coelho Mola


Psicanalista, doutor em Psicologia pelo IPUSP e pesquisador do Núcleo de Psicaná-
lise e Sociedade da PUC-SP. Membro do Fórum do Campo Lacaniano – São Paulo
Email: lgcoelho@uol.com.br

190 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
Maria Claudia Formigoni
Psicóloga pela PUC-SP. Especialista em Psicologia Clínica e Psicanálise e Lin-
guagem pela PUC-SP. Especialista em Psicologia Hospitalar pelo HC-FMUSP.
Mestranda do Núcleo Psicanálise e Sociedade do Programa de Estudos Pós-Gra-
duados em Psicologia Social da PUC-SP.
E-mail: mclaudiaformigoni@yahoo.com.br

Marcelo Mazzuca
Psicanalista. Docente e investigador na Faculdade de Psicologia da Universidade
de Buenos Aires. AE da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano.
Coordenador do Espaço-Escola do Fórum Analítico de Río de la Plata e ensinante
no Colégio Clínico de Río de la Plata. Autor dos livros “Uma voz que se faz letra:
uma leitura psicanalítica da biografia de Charly García (2009)”, “Ecos do passe”
(2011) e “A histérica e seu sintoma” (2012), publicados por Editorial Letra Viva.
E-mail: memazzuca@gmail.com

Raul Albino Pacheco Filho


Psicólogo com especialização em Psicologia Clínica. Psicanalista Membro da Es-
cola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL - Brasil) e da In-
ternacional dos Fóruns do Campo Lacaniano (Fórum de São Paulo). Professor
Titular da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), atuando na graduação e na pós-graduação, onde
coordena o Núcleo de Pesquisa Psicanálise e Sociedade.
E-mail: raulpachecofilho@uol.com.br

Roberta Luna da Costa Freire Russo


Psicanalista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano –
Brasil/ Fórum Natal. Professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
E-mail: lunarobe@yahoo.com.br

Rosanne Grippi.
Psicóloga. Psicanalista Membro da IF-EPFCL/Fórum Rio de Janeiro.
E-mail: rogrippi@yahoo.com.br

Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012 191
Silvana Pessoa
Especialista em Psicologia Clínica. Mestre em Educação pela Universidade de São
Paulo. Psicanalista. Membro Honorário da Associação Científica Campo Psica-
nalítico – Salvador. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo La-
caniano – Brasil/ Fórum São Paulo. Ensinante em Formações Clínicas do Fórum
do Campo Lacaniano – São Paulo.
E-mail: silvanapessoa@uol.com.br

Sonia Borges
Doutora em Psicologia da Educação PUC/SP. Professora do mestrado “Psicanáli-
se, Saúde e Sociedade” na Universidade Veiga de Almeida. Psicanalista da Escola
de Psicanálise do Campo Lacaniano Brasil- Fórum Rio de Janeiro.

Suzana Rosa Ramos


Graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo com Pós-graduação “lato
sensu» nível de especialização em ARH pelo Centro Universitário Sant›Anna.
Email: suzanarosaramos@yahoo.com.br
 

192 Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 25 p.1-196 novembro 2012
stylus, m. 1. (Em geral ) Instrumento formado de
haste pontiaguda. 2. (Em especial ) Estilo, ponteiro de
ferro, de osso ou marfim, com uma extremidade afia-
da em ponta, que servia para escrever em tabuinhas
enceradas, e com a outra extremidade chata, para
raspar (apagar) o que se tinha escrito / / stilum verte-
re in tabulis, Cic., apagar (servindo-se da parte chata
do estilo). 3. Composição escrita, escrito. 4. Manei-
ra de escrever, estilo. 5. Obra literária. 6. Nome de
outros utensílios: a) Sonda usada na agricultura; b)
Barra de ferro ou estaca pontiaguda cravada no chão
para nela se estetarem os inimigos quando atacam as
linhas contrárias.

193
Pareceristas do número 24
Ana Paula Gianesi (EPFCL - São Paulo)
Andréa Franco Milagres (EPFCL- Belo Horizonte)
Angela Diniz Costa (EPFCL- Belo Horizonte)
Angela Mucida (Newton Paiva / EPFCL- Belo Horizonte)
Angélia Teixeira (UFBA / EPFCL – Salvador)
Conrado Ramos (PUC-SP/ EPFCL - São Paulo)
Gabriel Lombardi (UBA/ EPFCL- Buenos Aires)
Graça Pamplona (EPFCL – Petrópolis)
Eliane Schermann (UFRJ/ EPFCL-Rio de Janeiro)
Kátia Botelho (PUC-MG / EPFCL- Belo Horizonte)
Sonia Borges (EPFCL - Rio de Janeiro)
Vera Pollo (PUC–RJ / UVA / EPFCL- Rio de Janeiro)
Zilda Machado (EPFCL- Belo Horizonte)

194
Stylus Revista de Psicanálise Rio de Janeiro no. 23 p.1-196 novembro 2012 195
“Lembro-me que é pela lógica que esse discurso toca o real,
ao reencontrá-lo como impossível, donde é esse que a eleva a
sua potencia extrema: ciência, disse eu, do real.”

Jacques Lacan
O aturdito (1972)

“Esse algo em que o psicanalista, ao interpretar, produz a


intrusão do significante, esfalfo-me para que ele não o tome
por uma coisa, já que se trata de uma falha, e estrutural.”

Jaques Lacan
R adiofonia (1970)

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