Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
~ ..... ~:EGREGA
t
!1
~
GOZO
.)
1
1
l ) .' ·1
l )d111 , 1·~1q ;11 \ .\11 r >t11 : ,, l l1 t,t. 1111 ,.1d111 ,•-. \\ 11111 , \nd, ,, ,
l{,,1111ltl,, ,l,1 H,-r,11 1\,\1 111 .. U1,1 d, · J 111,· 11 ,1 """ \· l '\11 Ili
.',' ·1 jl
l'-1 1\N ,, ,'X tt ', t,.'llh .' (1 ' 1 t, th1 Il i h )
1 l ll 1 1 11 l 1
1 f l( 1 1 )f 1
ÜDIO, UM SENTIMENTO LÚCIDO
p51·colocria Clínica -
1. Correspondente da EBP-Rio, Mestre em t>
PUC-Rio.
2. Psicólogo. .
_ ., [l 9 lS] Em: ObrasPszco-
3. Freud, S." Pulsões e destinos da pu Isao · · ·. l60.
, . de Sigmund Freud. Rw
[ogzcas •.. Imago' 2004. v. 1, P·
. de .Janeuo.
83
Essas duas pistas - as origens diversas e O <lese
. om-
p asso temporal - orientaram esta nossa investiga ..
. . d b çao
sobre O ódio, não se constltu1n o, o viamente, como
conclusões. São, na verdade, grandes problemas com os
quais nos deparamos. Qyestões que podem aparecer em
algumas perguntas: como situar essa anterioridade do
ódio? Como encarar a ambivalência, partindo, entretan-
to, da dissimetria e não da complementaridade? Qyal 0
sujeito desse ódio e, principalmente, qual seu objeto? Já
começamos a falar sobre objeto na mesa anterior.
Uma importante fonte teórica dessa afirmação so-
bre a anterioridade do ódio é ambígua e nos lança ao
encontro de várias questões decisivas sobre a própria
farmação do eu. Referimo-nos ao texto freudiano "Pul-
sões e seus destinos", no qual essa delicada temporali-
dade do ódio é abordada. A afirmação de Freud é preci-
samente a seguinte: tEnquanto relação com o objeto, o
ódio é mais antigo que o amor".4j
Apresenta-se, logo na primeira metade dessa frase
freudiana, um complicador que não pode ser deixado de
lado, justamente por se referir à relação com o objeto. A
rigor, não é verdade que Freud suponha, pura e simples-
mente, uma anterioridade do ódio em relação ao amor.
Seu ponto de partida, pelo contrário, é o momento em
que "o eu só ama a si mesmo e permanece indiferente
para com o mundo".5
Chamamos de ambígua essa referência porque 0
texto de Freud parece permitir, a todo instante, duas lei-
turas._A primeira aponta para uma unidade egoica pri-
mor<lial, fechada no amor de si mesma e no repúdio ao
que é externo e, portanto, odiado. A segunda leitura su-
gere que Freud produz uma série de abalos nessa visão
4. Ibidem, p. 16 1.
5. Ibidem, p. 158 _
84
de narcisismo p~im~io e insist~ em uma relação mais
complexa entre 1ntenor e e>..rtenor. O texto oscila entre
essas du as ,·ertentes, mas~ com base na leitura de outros
textos de Freud e de Lacan, toma-se mais fácil privi-
legiar uma das leituras. Imaginando, porém, um leitor
q;e tenha acesso a Freud pela primeira Yez. é provável
que ele perceba, m ais claramente e apenas, uma grande
oscilação, n o texto, entre essas duas vias .
Sabemos que Lacan recusa a ideia de uma unida-
de primordial e podemos propor, com ele, a seguinte
objeção: como afirmar que um sujeito ama a si mesmo
antes que qualquer distinção entre dentro e fora tenha
permitido o isolamento de um objeto? Parece razoável,
portanto, fazer uma ressalva sobre o emprego do termo
''amor" para qualificar o afeto próprio a esse momento
mítico.
Essa ressalva encontra apoio no próprio te::-..'to de
Freud, quando observa que a suposição de uma unidade
primordial plena tem algo de insustentável - já que,
desde sempre, as moções pulsionais internas podem ser
percebidas como desprazerosas, e os objetos externos
podem ser fontes de prazer.
Em resumo, em vez de apostar em uma situação
inicial de perfeita satisfação do eu consigo mesmo, op-
tamos por perceber como Freud situa uma instabilida-
de essencial e sempre presente do eu, que serve como
motor para uma relação mais permeável entre dentro e
fora, descrita por ele da seguinte forma:
6. Ibidem, p. 159.
85
Para abordar o ódio, essa passagem é capital. Ela
aponta para um ato, uma expulsão fundadora, a partir d
qual surge tanto a estra~a alter~dade interna, quant:
a internalização do exterior. Precisamente nesse ponto
de surgimento do eu, a presença hostil expelida, a parte
afastada com ódio, é integrante do próprio sujeito, não
do mundo externo. Ou seja, o primeiro intercâmbio do
sujeito mítico com o mundo depende da expulsão de
um excesso interno inominável, a partir da qual a sepa-
ração entre dentro e fora deixa de ser mítica, ou abso-
luta, .e permite a instituição de um eu apoiado em uma
função simbólica, necessariamente externa.
É claro que isso se trata apenas de um recorte da te-
orização de Freud, extraído de um texto anterior ao "Mais
além do princípio do prazer", 7 à introdução da pulsão de
morte - que, obviamente, vai ser muito importante para
o tema do ódio. A ideia é nos determos especialmente
nessa passagem, uma indicação de que o ódio não deve
ser pensado simplesmente como uma reação ao que é
externo, ao que é desprazeroso, nem como um simples
avesso do que seria um amor primordial.
Lança-se a questão de como aproximar essa expul-
são mítica e estrutural dos fenômenos do ódio. Dito de
outra forma: de que maneira a "parte hostil expelida"
perfaz seu retorno?
11 . Ibidem, p . 315.
88
essa, mas perceber que uma coisa por t , d
ras a outra p 0 d
apontar para um excesso, para uma n ~ e
'd d ao complementa-
na e.
É justa1nente por essa razão que
. . , como observa
Lacan. o s1n1ples desaparecimento dessa fi
gura tende a
não representar un1a solução eficaz Pelo c t , .
. · on rano, a
P resença imaculada de sua ausência poderi·a · •
. , servir Jus-
ta1nen te para eterniza~ o o~io. Talvez por isso seja tão ~
co1nu1n buscar a hum1lhaçao pública ou a degradação
do sujeito ou do povo odiado, como forma de destituí-
lo, de destituir essa figura capaz de significar para um
sujeito, mais do que a sua derrota, a sua dejeção. Nos
termos de Lacan:
13. Ibidem, p. 30 1.
90
Para melhor compreender a superposição lacania-
na entre erro e ódio, usaremos como apoio ~rna tese de
Marcus André Vieira) presente tm A. ética da paíxã.o.:~
Ali, ele tr~ta do erro como a aparição, na fala, de algo
não planeJado, de uma presença que, justamente por
ser insensata, introduz a dimensão da verdade : "O erro
diz respeito a um significante que é o não poder ser'.
1
l6. Lacan,J. O Seminário - livro 20: mais, ainda [1972/ 1973]. Rio
de Janeiro: Zahar, 1985. p.164.
91
noine para um excesso universal, mas para um excesso
particular, ou singular.
l9. Lacan J o
' ·
s •,. . d Freud
· emmarzo - livro 1: os escritos técnicos e
[ 195 3/ 1954] Ri 0 d .
· e Janeiro: Zahar, 1983. p. 316.
94