Você está na página 1de 7

Eliana Rodrigues Pereira Mendes

Sobre a supervisão
Eliana Rodrigues Pereira Mendes

Resumo
O texto traça o percurso histórico da Supervisão, desde Freud até Lacan, apresentando ainda os
pontos de vista de alguns dos principais autores que se dedicaram a este assunto.

Palavras-chave
Supervisão, Contratransferência, Formação analítica permanente, Saber não sabido, Aprender
a aprender.

O tema supervisão é um dos mais polêmi- “Embora se saiba que o movimento


cos dentro da transmissão da Psicanálise, inconsciente nunca cessa, e que não
uma vez que encontramos mais de uma há procedimento capaz de revelar, por
abordagem para a supervisão, de acordo completo, aquilo que determina a tônica
com o desenvolvimento teórico-clínico da relação do sujeito com o mundo, a
que se segue. Apesar disso, a literatura so- prática da supervisão tem sido reconhe-
bre Supervisão não é das mais vastas, prin- cida como um dos alicerces capazes de
cipalmente se comparada à quantidade e à complementar o suporte que a análise
diversidade de outros assuntos trabalhados pessoal fornece ao trabalho do analista”
e publicados pelos psicanalistas. Este dado (GARRAFA, 2006, p.83).
justifica a recorrência aos autores desse
tema, mesmo entre si. Mas ficam as perguntas: afinal, em
Porém, percebemos que a importância que consiste e para que serve a supervi-
da Supervisão é sempre enfatizada, consi- são? Quais são seus fundamentos? O que
derada como um dos pilares da formação leva um psicanalista a procurar outro
do psicanalista, junto à análise pessoal e fora do contexto da análise pessoal, para
aos estudos teóricos da Psicanálise. Esses falar de sua prática? O que caracteriza a
três itens formam o chamado tripé da demanda para supervisão? Qual é o seu
transmissão da Psicanálise. As publicações efeito formador? Qual foi a sua origem
existentes se ocupam, muitas vezes, de histórica?
aspectos burocráticos de sua formalização Para abordarmos a última pergunta,
institucional ou de problemas de ordem vemos que o nascimento formal da Super-
técnica, como, por exemplo, a discussão visão aconteceu no primeiro instituto de
de quem estaria habilitado a fornecê-la, ou formação de analistas, fundado por Karl
dos procedimentos que deveriam presidir Abraham e Max Eitington em 1920, em
a aceitação de sua demanda, mas pouco se Berlim. Segundo Eitington (Congresso
discute sobre seus aspectos mais relevantes. de Bad Hombourg. International Journal
No entanto, sua prática é importante, of Psychoanalysis, v.VII, 1925), citado por
a tal ponto que ela é sempre procurada pe- Catherine Millot (2006), “tivemos a opor-
los jovens analistas, estejam eles vincula- tunidade de constatar a que ponto o analista
dos ou não a uma instituição psicanalítica. que sai de sua análise supostamente termi-
Reverso‡%HOR+RUL]RQWH‡DQR‡Q‡S²‡'H] 49
Sobre a supervisão

nada acha-se desamparado ao se encontrar analistas pouco experientes tomassem


diante de um paciente” (EITINGTON apud pacientes em análise. A supervisão era
MILLOT, 2006, p. 31). Nesse momento, a então exercida para limitar os riscos des-
supervisão deveria se endereçar, sobretu- se trabalho. Sua função era exercer um
do, à aprendizagem da técnica analítica. O controle sobre o atendimento, a fim de
termo supervisão aparece escrito por Max garantir a qualidade. Daí vem o nome de
Eitington, pela primeira vez, no relatório análise de controle, que é também usado
da clínica, em 1922, cf artigo de M.Moreau para se referir à supervisão. Essa posição,
(1977), Análise quarta, supervisão, forma- porém, nunca foi admitida sem qualquer
ção. In Jornal de Psicanálise, v.34(62/63), crítica por parte dos próprios analistas
p.39-67, 2001. supervisores. Embora a discussão sobre
No entanto, sabe-se que, antes dessa o controle ainda exista nos dias de hoje,
data, a procura de uma interlocução para um autor como Conrad Stein, citado por
o trabalho clínico ocorria de forma espon- Garrafa (2006), afirma que
tânea, independentemente da existência
de uma prática sistematizada, na qual esse “principalmente entre os autores france-
dispositivo pudesse ser usado. ses, (...) muito se flexibilizou a respeito
Freud, por exemplo, como fundador dessa prática, à medida que as condições
da Psicanálise, não podia contar com o de transmissão da Psicanálise puderam
auxílio de um supervisor; contudo, pode- ser compreendidas como diferentes das
mos ver que era frequente, em sua prática, de outras aprendizagens. Percebeu-se,
a reavaliação de seu trabalho junto a seus portanto, que as extensas narrativas
pacientes. Sabe-se que o lugar do terceiro das sessões informam mais a respeito do
entre ele e seus analisandos era, muitas analista, e de sua própria análise, do que
vezes, desempenhado pela escrita de sua de seu paciente, pois os atendimentos
obra. Sua extensa correspondência com são relatados tal como o analista pode
Fliess deixa ver que Freud, em alguns escutá-los. Essas constatações não pas-
momentos, avalia tanto sua autoanálise saram, contudo, imunes às divergências
quanto sua relação com um dado paciente. presentes no movimento psicanalítico”
Ao lado disso, vemos que ele próprio foi, (STEIN apud GARRAFA, 2006,
muitas vezes, procurado por seus discí- p.84-85).
pulos, para um trabalho que se aproxima
muito do formato do que se entende hoje Para a International Psychoanalytic
por uma supervisão. Association (IPA), um candidato só pode
Voltando à clínica de Berlim, ela foi receber um paciente se estiver sendo
criada para tornar o tratamento analítico supervisionado e depois de ter recebido
acessível a um grande número de pessoas, autorização por uma comissão. Essas exi-
independentemente de sua condição gências institucionais, além de limitarem a
sociofinanceira, tendo-se constituído um possibilidade do analista se autorizar pelo
Centro de Formação em Psicanálise, onde seu trabalho, produzem os atravessamen-
havia um grupo de ensino dirigido por Karl tos inerentes a uma aprendizagem, na qual
Abraham. se exige uma avaliação constante, o que
O trabalho prático era considerado se assemelha a uma prática de controle.
como parte importante da formação. Mas A adoção da supervisão pela IPA, como
Eitington, nesse mesmo relatório de 1922, parte essencial da formação, assim como
relata sua dificuldade em definir como se as outras determinações dessa instituição,
daria essa prática clínica, o que parece trouxe à tona acirradas discussões nas di-
estar relacionado ao fato de permitir que versas associações psicanalíticas. Algumas
50 Reverso‡%HOR+RUL]RQWH‡DQR‡Q‡S²‡'H]
Eliana Rodrigues Pereira Mendes

considerações divergentes surgiram dessas Foi somente depois da segunda década


discussões, entre as quais se encontram do século XX, com o aprofundamento
as ponderações da escola psicanalítica da teoria de Lacan, que a temática da
da Hungria, cujo representante máximo supervisão vai ganhar mais peso teórico.
foi Sándor Ferenczi, que valorizava a Ao se separar da IPA, Lacan funda a Es-
supervisão como um instrumento para cola Freudiana de Paris (EFP), onde, sem
analisar a contratransferência do candi- limitação institucional, procura instaurar
dato a analista. A contratransferência se seu laboratório de Psicanálise, anulando
define como o “conjunto das manifestações todas as regras de uso clássico até então
do inconsciente do analista relacionadas com e explorando as diversas formas possíveis
as da transferência de seu paciente” (ROU- de tratamento, supervisão, seminários,
DINESCO, PLON, 1998, p.133). Logo, o etc. Em sua ruptura doutrinária e jurídica
pensamento de Ferenczi diferia daquele da com a IPA, Lacan fez um estatuto simples
IPA. Uma seguidora sua, Vilma Kovács, e democrático, com o qual anunciava seu
pertencente à IPA, em 1936 manifestou-se desejo de construir uma instituição ver-
contra um modelo de supervisão que julga- dadeiramente freudiana, que preservasse
va superficial: a instrução e o aprendizado a liberdade e a política do inconsciente.
da técnica. Dessa forma, os membros da Escola não
Segundo o modelo da IPA, o candi- teriam contas a prestar – podiam escolher
dato deveria passar por diferentes super- seus analistas, não se submeter ao divã
visores, pois assim poderia aprender uma nem solicitar garantias à instituição – o
variedade de métodos. Para Kovács, citada que romperia com a necessidade de o
por Garrafa (2006, p.85), a supervisão de- membro ter sua prática clínica reconhe-
veria ser conduzida pelo próprio analista cida e avalizada.
do candidato, o qual poderia lhe ensinar o Lacan, no seu retorno a Freud, man-
manejo de sua contratransferência, ponto teve fidedignidade grande em relação à
sobre o qual a supervisão deve incidir. proposta inerente à própria psicanálise,
Segundo seu ponto de vista, a supervisão isto é, a de ser um discurso que mantém
funciona como outro lugar da análise. Em estreita relação com a verdade do sujeito,
suas palavras, sua posição pode ser assim e quis estender essa relação particular ao
definida: “o reconhecimento dos afetos na edifício teórico e prático da psicanálise.
contratransferência é o essencial do ponto No dizer de Marco Antonio Coutinho
de vista da formação” (KOVÁCS apud Jorge (2006, p.285), pode-se dizer que
GARRAFA, 2006, p.85). Essa concepção Lacan quis “psicanalisar” a própria teoria
de supervisão, no entanto, não encon- analítica. Dessa forma, a retomada dos
trou sustentação no meio psicanalítico processos da base da psicanálise incidiu
da época. Na verdade, dois problemas se exatamente sobre a instituição psicanalí-
verificam nessa posição: o primeiro é a tica, sua estrutura e seu modo de funcio-
manutenção da dificuldade em caracte- namento. Lacan evidenciou a necessidade
rizar as especificidades da supervisão e as de se manter a autonomia do analista para
da análise pessoal; em segundo lugar, está autorizar-se por sua formação e apresentou
a introdução do conceito pouco preciso a passagem do psicanalisando para psica-
de contratransferência, que tende a trazer nalista como um momento fecundo de um
confusão entre o que podemos chamar de possível término da formação didática. O
infortúnios ou desventuras do ato analí- preceito lacaniano de que o psicanalista só
tico – ponto central da supervisão – e o se autoriza por si mesmo exemplifica essas
que se entende geralmente por atuação modificações que se deram na instituição
do analista. psicanalítica, tornando-a minimamente
Reverso‡%HOR+RUL]RQWH‡DQR‡Q‡S²‡'H] 51
Sobre a supervisão

compatível com a experiência que está na surda, que se refere ao que ele chama de
sua própria base: a de acesso à verdade do “resto de início de análise” – algo que se
desejo do sujeito. A formulação do “pas- coloca desde o princípio e que se mantém
se”, para Lacan, dá margem a “um outro silenciado até o fim, mas que poderá ter
lugar da análise” que não é o divã nem a interferências diretas na contratransferên-
supervisão, mas um lugar que permite o cia do analisando em posição de analista.
questionamento do sujeito sobre o fim de A análise quarta viria prevenir essa surdez
sua análise. Não se trata de um lugar que em relação a si próprio, o desconhecimen-
depende de um exame do tipo universi- to do conteúdo latente que age sobre a
tário, nem de um doutorado ou de outro relação do analista com seu paciente.
diploma qualquer, mas de uma política Vê-se, então, que, diferentemente de
especificamente freudiana da formação. ser apenas uma prática de controle e vigi-
Lacan, dessa forma, em se tratando lância exercidos no âmbito da formação do
da supervisão, se distancia do modelo de analista, a supervisão ocupa um lugar de
ensino e controle e se aproxima de um mo- fundamental importância para a transmis-
delo analítico, centrado no inconsciente, são da Psicanálise. As propostas de Kovács,
devendo, então, ser exercida pelo próprio Lacan e Valabrega contribuíram para fazer
analista do candidato. No entanto, essa com que essa vigilância deixasse de ser um
nova forma não foi aceita por unanimi- objetivo, para se tornar um risco que se
dade pelos membros da EFP, o que, junto corre quando as burocracias institucionais
a outras novas configurações da Escola, assumem a frente da formação.
gerou fortes reações entre seus analistas, Na atualidade, podemos observar três
sendo que alguns a deixaram e fundaram formas de supervisão: a supervisão como
uma nova associação, com novas regras e uma parte do processo analítico empreen-
modelos de supervisão. dida por outro analista, a supervisão com
Esse novo modelo, denominado de o próprio analista e a supervisão centrada
análise quarta, fez parte de um movimento no caso e no seu manejo clínico, onde se
de oposição a algumas das práticas da EFP. favorece a escuta. Nesse último modelo,
No que tocava à supervisão, Valabrega, quando aparecem questões pessoais do
líder desse movimento de ruptura, declara: analista em relação a seu cliente, ele é
encorajado pelo supervisor a procurar seu
“é impossível falar da própria análise com próprio analista para reelaborar os pontos
alguém que seja designado para essa fun- que revelam sua dificuldade ou impedi-
ção.(...) A única maneira de falar sobre a mento na escuta.
própria análise é a propósito de um objeto Na Escola Lacaniana, embora a Su-
terceiro. E a situação mais indicada para pervisão não seja uma prática controlada,
ouvir alguma coisa sobre isso existe: é não havendo carga horária obrigatória,
a supervisão” (VALABREGA apud nem uma lista de analistas didatas que
GARRAFA, 2006, p.86-87). devam ser procurados como supervisores,
a Supervisão não é imposta, mas se impõe
O modelo proposto por Valabrega como dever ético. A busca do analista
supõe quatro elementos que devem ser por mais de um supervisor possibilita que
levados em conta: o analista – o próprio ele experimente diversas modalidades de
supervisionado – e seu paciente; o analista supervisão e diferentes estilos de condução
desse analista; e o supervisor, que seria o de tratamento.
quarto termo – daí o nome análise quarta. Segundo Quinet (2009, p.125), a
Valabrega considerava que a super- supervisão é uma superaudição (como
visão incide, justamente, sobre uma zona falou Lacan) do caso do analisando e do
52 Reverso‡%HOR+RUL]RQWH‡DQR‡Q‡S²‡'H]
Eliana Rodrigues Pereira Mendes

manejo do analista. Carmem Gallano, ci- cena o objeto de sua fantasia, numa atua-
tada por Quinet (2009, p.125), compara a ção, e não faz semblante de objeto a para
supervisão, enquanto superaudição, a uma seu analisando. Quando isso acontece, o
ouvidoria psicanalítica em que o analista- analista está afetado por seu analisando
supervisor escuta e remete ao praticante como um sujeito dividido. O analisando,
as falhas do saber (dimensão epistêmica) por sua vez, terá sua transferência prolon-
e do ato analítico (dimensão do desejo do gada, pois a interrupção da análise por um
analista), tanto em sua condução quanto acting out não deixa operar a dissolução do
em seu dizer. Segundo Lacan, o supervisor sujeito suposto saber, que é o sustentáculo
tem uma visão panorâmica do caso trazido da transferência na análise.
e da relação do analista com o analista sob Nessa situação, cabe ao supervisor
supervisão, assim como dos impasses deste não só orientar o analista na direção do
na condução do tratamento. A supervisão tratamento e na retomada do ato, reme-
pode trazer à luz as obscuridades relativas tendo-o à destituição subjetiva operada
às estruturas ou ao tipo clínico do paciente em sua análise, como até mesmo indicar
e levar o supervisionando a uma conclu- a retomada da análise, se esta já estiver
são diagnóstica para orientar a direção terminada ou se tiver sido interrompida.
do tratamento. É também o lugar onde No caso de o supervisor ser também o ana-
podem ser levadas as questões relativas ao lista, a análise também deve ser mantida.
sintoma, à fantasia, às passagens ao ato, A supervisão é um lugar de elaboração
aos acting-outs, etc. Na supervisão podem de saber do analista: antes, durante, e de-
ser levadas questões do amor de transfe- pois de cada encontro com o supervisor.
rência que é endereçado ao analista e as O próprio ato de marcar uma supervisão
vacilações dele em relação à orientação do já desencadeia a elaboração de saber: a
caso. É ainda o lugar do sujeito-analista se retomada do “caso”, o recolhimento dos
confrontar com seu desejo de curar, seu dados históricos, transferenciais e fanta-
desejo de reconhecimento, de responder sísticos, os relatos dos sonhos etc, como
à demanda, seu desejo sexual, que pode estamos sempre vendo em nossa prática
ser despertado eventualmente, e sua de- clínica. O momento de supervisão não é
manda de amor. Onde o analista aparece uma aula, o supervisor não está no lugar de
como sujeito – o que se chamou de con- mestre, nem no lugar do professor. Antes
tratransferência – a análise empaca e sai ele é o momento de elaboração de saber
do discurso analítico. Onde surge o desejo e de confronto com a elaboração de outro
do sujeito-analista, desaparece o desejo do analista, não como uma prova ou exame,
analista. E falha o ato do analista. mas de confrontação de sua pertinência e
A angústia do analista é seu sinal de coerência sob a prova da clínica. A super-
alarme. Quando ela aparece, o analista visão não é uma sucessão de encontros,
não está na posição de objeto, e sim na po- mas sim um processo.
sição de sujeito dividido. Nesse momento Segundo Coutinho Jorge (2006,
está aberta a porta para a passagem ao ato p.287-288), tudo isso nos leva à ideia de
ou para a atuação por parte do analista- uma formação analítica permanente, que é
sujeito com seu analisando. O acting out, efeito de um trabalho contínuo. A super-
sendo uma mensagem dirigida ao Outro, visão estabelece uma ponte entre a expe-
implica sempre o sujeito suposto saber. riência clínica da psicanálise e seu estudo
Pode-se dizer que se a interrupção de teórico. Tendo isso em mente, percebe-se
uma análise se deu por um acting out ou que a função da supervisão pode surgir de
por uma passagem ao ato do analista, em forma bem nítida. Em sua formação, o psi-
vez de um ato analítico, o analista traz à canalista se acha continuamente dividido
Reverso‡%HOR+RUL]RQWH‡DQR‡Q‡S²‡'H] 53
Sobre a supervisão

entre o saber da teoria psicanalítica, que outras vezes, certamente, com Freud e sua
lhe é oferecido pelos seminários, grupos de paciente Emmy von N., quando ela lhe
estudo, leituras pessoais etc, e o não saber diz que ele não deveria perguntar de onde
por meio do qual a experiência clínica se provinha isso ou aquilo, mas que deveria
produz. Essa divisão corre o risco de deso- deixar que ela contasse o que tinha para
rientar o analista em sua prática, fazendo dizer-lhe. A paciente orientou o analista
com que o saber da teoria interfira na a fazer o que tinha a fazer.
posição de não saber sem a qual a clínica é Relata ainda Coutinho Jorge uma
impossível. A supervisão é um dispositivo passagem de Octave Mannoni (JORGE,
que se insere precisamente nesse lugar 2006, p.289), quando dava uma supervisão
intersticial de articular o saber ao não em Buenos Aires. Um jovem psicanalista
saber, pelo qual se revitaliza a experiência levou à supervisão a sessão de uma ana-
clínica e reabre-se o seu campo particular lisanda, na qual, em dado momento, ele
de ação. A supervisão articula o universal fizera uma intervenção usando um ele-
da teoria ao particular da clínica e reabre o mento teórico. Mannoni perguntou então
lugar de escuta, isto é, o lugar do analista ao jovem em que ele achava que aquela
para a subjetividade em questão. intervenção teria ajudado a paciente. O
Coutinho define a supervisão, re- jovem arregalou os olhos e disse: “Mas foi
tomando uma expressão de Moustapha exatamente isso o que ela me perguntou!”.
Safouan, citado por Coutinho Jorge (2006, Diante disso, Mannoni encerra seu relato,
p.288), como sendo a posição de aprender não sem dizer que não tivera a presença
a aprender, ou seja, uma aprendizagem de espírito suficiente para dizer ao seu
cujo objetivo é destacar a própria estru- supervisionando que ele não precisaria ter
tura que está em jogo na escuta analítica, tido uma supervisão com ele, Mannoni,
que é justamente a do próprio aprender, e pois esta já havia ocorrido com sua própria
torná-lo possível. analisanda.
A supervisão é o único dispositivo da Esse fato ocorre com certa frequência.
formação do analista que traz em si uma Isso só mostra a importância de aprender a
dimensão estritamente didática. Todavia, aprender que está no núcleo da formação
trata-se de uma didática muito singular, na do analista e é uma das formas pelas quais
qual se deve mostrar que o saber precisa se manifesta o desejo do analista, o desejo
ser jogado fora na experiência analítica, de saber.M
pois esta é uma experiência de apreensão
da verdade em seu estado nascente, e não
de referência a um saber sabido. Trata- ON SUPERVISION
se, em vez disso, de um saber-não-sabido
no cerne da psicanálise, e se é verdade Abstract
que há um saber do analista, este talvez The article follows the historical trajectory
possa assim ser definido: o psicanalista of Supervision, since Freud till Lacan. It still
sabe que o sujeito sabe sem saber que sabe. presents the view point of some of the most
Seria este o saber que permite ao analista important psychoanalytical authors, who have
sustentar seu desejo de analista e insistir dedicated themselves to this theme.
na experiência. Seria então, resumindo,
um saber-não-saber. Keywords
Coutinho Jorge fala também de uma Supervision, Countertransference, Permanent
dimensão pouco explorada da supervisão, analytical formation, Not-Known-Knowled-
que traz o analisando como o primeiro ge, Learning to learn.
supervisor. Isso teria acontecido, entre
54 Reverso‡%HOR+RUL]RQWH‡DQR‡Q‡S²‡'H]
Eliana Rodrigues Pereira Mendes

VALABREGA, J. P. A formação do psicanalista. São


Bibliografia Paulo: Martins Fontes, 1985. Citado por FON-
TENELE, L. B. In JORGE, MAC (org.) Lacan e a
FONTENELE, L. B. Caminhos e descaminhos formação do psicanalista. Idem.
da supervisão em psicanálise In JORGE, M. A.
Coutinho (org.) Lacan e a formação do psicanalista.
Rio de Janeiro: Contra Capa, 2006, p.263-276. R ECEBI DO EM : 15/ 09/ 2012
A P R OVA DO EM : 20/ 09/ 2012
GALLANO, C. Cuatro camiños de la formación
psicoanalítica. Como se forma un psicanalista? S OB RE A AUT ORA
Espaço Escola Del FPB. Madri, 2007. In QUINET,
A. A estranheza da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Eliana Rodrigues Pereira Mendes
Zahar, 2009, p.125. Psicóloga. Psicanalista. Presidente do CPMG
nos biênios: 1997/1999 e 2011/2013.
GARRAFA, T. C. O lugar da supervisão na
formação do analista. In revista Percurso, n.36, Endereço para correspondência:
São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae, 2006, Rua Araguari, 1541/7º andar – Santo Agostinho
p.83-92. 30190-111 – BELO HORIZONTE/MG
Tel.: (31)3337-1583
JORGE, M.A.C. Surpervisão: Aprender a apren- E-mail: elianarpmendes@hotmal.com
der. Lacan e a Supervisão Psicanalítica. In JOR-
GE, M. A. Coutinho (org.) Lacan e a formação do
psicanalista. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2006,
p.285-289.

MANNONI, O. Sur l’interprétation. In.: Ça n’em-


pêche pas d’exister. Paris: Seuil, citado por M.A.C.
Jorge, p.289, idem.

MILLOT, Catherine. Sobre a história da formação


dos analistas. In JORGE, M. A. Coutinho (org.)
Lacan e a formação do psicanalista. Rio de Janeiro:
Contra Capa, 2006, p.29-42.

QUINET, A. A estranheza da psicanálise: a Escola de


Lacan e seus analistas. Cap. A escola de Lacan, da
formação à destituição “suficiente”: A supervisão.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p.124-129.

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psi-


canálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

SAFOUAN, M. O ato analítico. In SAFOUAN,


M.; HOFFMANN, C.; JULIEN, P. (orgs). O
mal- estar na psicanálise: o terceiro na instituição
e a análise de controle. Campinas: Papirus, 1996,
citado por FONTENELE, L. B., idem..

SAFOUAN, M. Respostas a algumas questões


relativas à supervisão. In JORGE, M. A. Coutinho
(org.) Lacan e a formação do psicanalista. Rio de
Janeiro: Contra Capa, 2006, p.277-284.

STEIN, C. A supervisão na psicanálise(1979). São


Paulo: Escuta, 1992. Citado por FONTENELE, L.
B, in JORGE, MAC (org.) Lacan e a formação do
psicanalista. Idem..

Reverso‡%HOR+RUL]RQWH‡DQR‡Q‡S²‡'H] 55

Você também pode gostar