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Sobre a supervisão
Eliana Rodrigues Pereira Mendes
Resumo
O texto traça o percurso histórico da Supervisão, desde Freud até Lacan, apresentando ainda os
pontos de vista de alguns dos principais autores que se dedicaram a este assunto.
Palavras-chave
Supervisão, Contratransferência, Formação analítica permanente, Saber não sabido, Aprender
a aprender.
compatível com a experiência que está na surda, que se refere ao que ele chama de
sua própria base: a de acesso à verdade do “resto de início de análise” – algo que se
desejo do sujeito. A formulação do “pas- coloca desde o princípio e que se mantém
se”, para Lacan, dá margem a “um outro silenciado até o fim, mas que poderá ter
lugar da análise” que não é o divã nem a interferências diretas na contratransferên-
supervisão, mas um lugar que permite o cia do analisando em posição de analista.
questionamento do sujeito sobre o fim de A análise quarta viria prevenir essa surdez
sua análise. Não se trata de um lugar que em relação a si próprio, o desconhecimen-
depende de um exame do tipo universi- to do conteúdo latente que age sobre a
tário, nem de um doutorado ou de outro relação do analista com seu paciente.
diploma qualquer, mas de uma política Vê-se, então, que, diferentemente de
especificamente freudiana da formação. ser apenas uma prática de controle e vigi-
Lacan, dessa forma, em se tratando lância exercidos no âmbito da formação do
da supervisão, se distancia do modelo de analista, a supervisão ocupa um lugar de
ensino e controle e se aproxima de um mo- fundamental importância para a transmis-
delo analítico, centrado no inconsciente, são da Psicanálise. As propostas de Kovács,
devendo, então, ser exercida pelo próprio Lacan e Valabrega contribuíram para fazer
analista do candidato. No entanto, essa com que essa vigilância deixasse de ser um
nova forma não foi aceita por unanimi- objetivo, para se tornar um risco que se
dade pelos membros da EFP, o que, junto corre quando as burocracias institucionais
a outras novas configurações da Escola, assumem a frente da formação.
gerou fortes reações entre seus analistas, Na atualidade, podemos observar três
sendo que alguns a deixaram e fundaram formas de supervisão: a supervisão como
uma nova associação, com novas regras e uma parte do processo analítico empreen-
modelos de supervisão. dida por outro analista, a supervisão com
Esse novo modelo, denominado de o próprio analista e a supervisão centrada
análise quarta, fez parte de um movimento no caso e no seu manejo clínico, onde se
de oposição a algumas das práticas da EFP. favorece a escuta. Nesse último modelo,
No que tocava à supervisão, Valabrega, quando aparecem questões pessoais do
líder desse movimento de ruptura, declara: analista em relação a seu cliente, ele é
encorajado pelo supervisor a procurar seu
“é impossível falar da própria análise com próprio analista para reelaborar os pontos
alguém que seja designado para essa fun- que revelam sua dificuldade ou impedi-
ção.(...) A única maneira de falar sobre a mento na escuta.
própria análise é a propósito de um objeto Na Escola Lacaniana, embora a Su-
terceiro. E a situação mais indicada para pervisão não seja uma prática controlada,
ouvir alguma coisa sobre isso existe: é não havendo carga horária obrigatória,
a supervisão” (VALABREGA apud nem uma lista de analistas didatas que
GARRAFA, 2006, p.86-87). devam ser procurados como supervisores,
a Supervisão não é imposta, mas se impõe
O modelo proposto por Valabrega como dever ético. A busca do analista
supõe quatro elementos que devem ser por mais de um supervisor possibilita que
levados em conta: o analista – o próprio ele experimente diversas modalidades de
supervisionado – e seu paciente; o analista supervisão e diferentes estilos de condução
desse analista; e o supervisor, que seria o de tratamento.
quarto termo – daí o nome análise quarta. Segundo Quinet (2009, p.125), a
Valabrega considerava que a super- supervisão é uma superaudição (como
visão incide, justamente, sobre uma zona falou Lacan) do caso do analisando e do
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Eliana Rodrigues Pereira Mendes
manejo do analista. Carmem Gallano, ci- cena o objeto de sua fantasia, numa atua-
tada por Quinet (2009, p.125), compara a ção, e não faz semblante de objeto a para
supervisão, enquanto superaudição, a uma seu analisando. Quando isso acontece, o
ouvidoria psicanalítica em que o analista- analista está afetado por seu analisando
supervisor escuta e remete ao praticante como um sujeito dividido. O analisando,
as falhas do saber (dimensão epistêmica) por sua vez, terá sua transferência prolon-
e do ato analítico (dimensão do desejo do gada, pois a interrupção da análise por um
analista), tanto em sua condução quanto acting out não deixa operar a dissolução do
em seu dizer. Segundo Lacan, o supervisor sujeito suposto saber, que é o sustentáculo
tem uma visão panorâmica do caso trazido da transferência na análise.
e da relação do analista com o analista sob Nessa situação, cabe ao supervisor
supervisão, assim como dos impasses deste não só orientar o analista na direção do
na condução do tratamento. A supervisão tratamento e na retomada do ato, reme-
pode trazer à luz as obscuridades relativas tendo-o à destituição subjetiva operada
às estruturas ou ao tipo clínico do paciente em sua análise, como até mesmo indicar
e levar o supervisionando a uma conclu- a retomada da análise, se esta já estiver
são diagnóstica para orientar a direção terminada ou se tiver sido interrompida.
do tratamento. É também o lugar onde No caso de o supervisor ser também o ana-
podem ser levadas as questões relativas ao lista, a análise também deve ser mantida.
sintoma, à fantasia, às passagens ao ato, A supervisão é um lugar de elaboração
aos acting-outs, etc. Na supervisão podem de saber do analista: antes, durante, e de-
ser levadas questões do amor de transfe- pois de cada encontro com o supervisor.
rência que é endereçado ao analista e as O próprio ato de marcar uma supervisão
vacilações dele em relação à orientação do já desencadeia a elaboração de saber: a
caso. É ainda o lugar do sujeito-analista se retomada do “caso”, o recolhimento dos
confrontar com seu desejo de curar, seu dados históricos, transferenciais e fanta-
desejo de reconhecimento, de responder sísticos, os relatos dos sonhos etc, como
à demanda, seu desejo sexual, que pode estamos sempre vendo em nossa prática
ser despertado eventualmente, e sua de- clínica. O momento de supervisão não é
manda de amor. Onde o analista aparece uma aula, o supervisor não está no lugar de
como sujeito – o que se chamou de con- mestre, nem no lugar do professor. Antes
tratransferência – a análise empaca e sai ele é o momento de elaboração de saber
do discurso analítico. Onde surge o desejo e de confronto com a elaboração de outro
do sujeito-analista, desaparece o desejo do analista, não como uma prova ou exame,
analista. E falha o ato do analista. mas de confrontação de sua pertinência e
A angústia do analista é seu sinal de coerência sob a prova da clínica. A super-
alarme. Quando ela aparece, o analista visão não é uma sucessão de encontros,
não está na posição de objeto, e sim na po- mas sim um processo.
sição de sujeito dividido. Nesse momento Segundo Coutinho Jorge (2006,
está aberta a porta para a passagem ao ato p.287-288), tudo isso nos leva à ideia de
ou para a atuação por parte do analista- uma formação analítica permanente, que é
sujeito com seu analisando. O acting out, efeito de um trabalho contínuo. A super-
sendo uma mensagem dirigida ao Outro, visão estabelece uma ponte entre a expe-
implica sempre o sujeito suposto saber. riência clínica da psicanálise e seu estudo
Pode-se dizer que se a interrupção de teórico. Tendo isso em mente, percebe-se
uma análise se deu por um acting out ou que a função da supervisão pode surgir de
por uma passagem ao ato do analista, em forma bem nítida. Em sua formação, o psi-
vez de um ato analítico, o analista traz à canalista se acha continuamente dividido
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Sobre a supervisão
entre o saber da teoria psicanalítica, que outras vezes, certamente, com Freud e sua
lhe é oferecido pelos seminários, grupos de paciente Emmy von N., quando ela lhe
estudo, leituras pessoais etc, e o não saber diz que ele não deveria perguntar de onde
por meio do qual a experiência clínica se provinha isso ou aquilo, mas que deveria
produz. Essa divisão corre o risco de deso- deixar que ela contasse o que tinha para
rientar o analista em sua prática, fazendo dizer-lhe. A paciente orientou o analista
com que o saber da teoria interfira na a fazer o que tinha a fazer.
posição de não saber sem a qual a clínica é Relata ainda Coutinho Jorge uma
impossível. A supervisão é um dispositivo passagem de Octave Mannoni (JORGE,
que se insere precisamente nesse lugar 2006, p.289), quando dava uma supervisão
intersticial de articular o saber ao não em Buenos Aires. Um jovem psicanalista
saber, pelo qual se revitaliza a experiência levou à supervisão a sessão de uma ana-
clínica e reabre-se o seu campo particular lisanda, na qual, em dado momento, ele
de ação. A supervisão articula o universal fizera uma intervenção usando um ele-
da teoria ao particular da clínica e reabre o mento teórico. Mannoni perguntou então
lugar de escuta, isto é, o lugar do analista ao jovem em que ele achava que aquela
para a subjetividade em questão. intervenção teria ajudado a paciente. O
Coutinho define a supervisão, re- jovem arregalou os olhos e disse: “Mas foi
tomando uma expressão de Moustapha exatamente isso o que ela me perguntou!”.
Safouan, citado por Coutinho Jorge (2006, Diante disso, Mannoni encerra seu relato,
p.288), como sendo a posição de aprender não sem dizer que não tivera a presença
a aprender, ou seja, uma aprendizagem de espírito suficiente para dizer ao seu
cujo objetivo é destacar a própria estru- supervisionando que ele não precisaria ter
tura que está em jogo na escuta analítica, tido uma supervisão com ele, Mannoni,
que é justamente a do próprio aprender, e pois esta já havia ocorrido com sua própria
torná-lo possível. analisanda.
A supervisão é o único dispositivo da Esse fato ocorre com certa frequência.
formação do analista que traz em si uma Isso só mostra a importância de aprender a
dimensão estritamente didática. Todavia, aprender que está no núcleo da formação
trata-se de uma didática muito singular, na do analista e é uma das formas pelas quais
qual se deve mostrar que o saber precisa se manifesta o desejo do analista, o desejo
ser jogado fora na experiência analítica, de saber.M
pois esta é uma experiência de apreensão
da verdade em seu estado nascente, e não
de referência a um saber sabido. Trata- ON SUPERVISION
se, em vez disso, de um saber-não-sabido
no cerne da psicanálise, e se é verdade Abstract
que há um saber do analista, este talvez The article follows the historical trajectory
possa assim ser definido: o psicanalista of Supervision, since Freud till Lacan. It still
sabe que o sujeito sabe sem saber que sabe. presents the view point of some of the most
Seria este o saber que permite ao analista important psychoanalytical authors, who have
sustentar seu desejo de analista e insistir dedicated themselves to this theme.
na experiência. Seria então, resumindo,
um saber-não-saber. Keywords
Coutinho Jorge fala também de uma Supervision, Countertransference, Permanent
dimensão pouco explorada da supervisão, analytical formation, Not-Known-Knowled-
que traz o analisando como o primeiro ge, Learning to learn.
supervisor. Isso teria acontecido, entre
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