Bruce Fink
to pensamento( ... ) evita sempre ( ... ) a mesma coisa. O real é aqui o que
retoma sempre ao mesmo lugar - a esse lugar onde o sujeito, na medida
em que ele cogita a res cogitans, não o encontra. (5 1-2)
A repetição envolve algo de que, por mais que se tente, não se consegue
lembrar.
O pensamento não consegue encontrá-lo; o que é isso? Isso é o que
está excluído da cadeia significante, mas em tomo de que a cadeia gira.
O analisando dá voltas e mais voltas numa tentativa de articular o que
parece estar em questão, mas não consegue localizá-lo, a menos que o
analista aponte o caminho. Consideremos o simbolismo do mais/menos
(+/-) que Lacan desenvolve no Seminário 2 e no seu posfácio ao
"Seminário sobre a carta roubada,"! pois este simbolismo descreve o
funcionamento do pensamento - pensamento inconsciente - na teoria
lacaniana.
No exemplo de Lacan, a cadeia não consegue atingir o número 3
num certo ponto. Ela permite retornos ao 1 e ao 2, mas não ao 3.
Obviamente, essa é uma analogia, mas que ajuda a ilustrar a idéia de
que o real é o que sempre volta ao mesmo lugar: o número ou letra
excluídas. Volta ao mesmo lugar onde o sujeito, na medida em que
pensa, a res cogitans ou coisa pensante, não o encontra - isto é, não
cruza seu caminho, já que ele está radicalmente excluído ali. Logo, a
repetição envolve o "impossível de pensar" e o "impossível de dizer".
Autômaton, descrito por Lacan no capítulo 5 do Seminário 1 1 ,
corresponde ao desdobramento automático no inconsciente da cadeia
significante (como o alinhamento dos signos que aparecem na rede a,
�. y, 8). Envolve "o retomo, a volta, a insistência dos signos aos quais
nos vemos comandados pelo princípio do prazer" (56). Logo, aquilo a
que nos referimos comumente como repetição nada mais é que "insis
tência dos signos". Isso também corresponde ao nível da estrutura na
obra de Lacan.
A tiquê, por outro lado, envolve o encontro com o real, que está para
além do autômaton.
O real é o que vige sempre por trás do autômaton e do qual é evidente,
em toda a pesquisa de Freud, que é do que ele cuida.
Lembrem-se do desenvo lvimento, tão central para nós, do Homem
dos Lobos, para compreender qual é a verdadeira ocupação de Freud à
medida que se destaca para ele a função da fantasia. Ele se empenha ( ... )
em interrogar qual é o encontro primeiro, o real, que podemos afirmar
haver por trás da fantasia. (56)
O real aqui é o nível de causalidade, o nível daquilo que interrompe o
funcionamento tranqüilo do autômaton, da seriação automática, sujeita
242 Bruce Fink
A re-presentação
Em "Além do princípio do prazer", Freud revê sua dupla teoria do
princípio do prazer e do princípio de realidade, devido a sua experiência
com traumas de guerra, experiências que parecem ser inassimiláveis.
Lacan menciona os sonhos nesse contexto, sonhos que, embora supos
tamente encarnando o desejo do sonhador - e portanto, geralmente
associados com o princípio do prazer autômaton - introduzem ainda
assim a cena traumática sob uma forma velada ou disfarçada. Seu
comentário aqui é muito revelador:
Concluamos que o sistema de realidade, por mais que se desenvolva,
deixa prisioneira das redes do princípio do prazer uma parte essencial
do que é, no entanto, e muito bem, da ordem do real. (57)
Em primeiro lugar, isso indica que o real lacaniano não pode ser
equacionado ao princípio de realidade. Lacan reitera sua equação do
processo primário com o inconsciente - o desenvolvimento automá
tico da cadeia significante - e propõe que situemos o inconsciente entre
a percepção e a consciência (5 8) :
/1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1�
Para chegar à consciência, uma percepção deve atravessar o filtro da
ordem simbólica, ou do Outro.
No sonho de Lacan, e que ele conta nesse capítulo, as batidas na porta
são envolvidas pelo processo primário constitutivo do sonho, de modo
a permitir que Lacan continue dormindo e sonhando. Algo do real
a causa real dn repetição 243
Repriisentanz - Simbólico
Vorstellung - Real
Lacan nos diz que o que a criança está tentando fazer com essa
brincadeira é atingir "aquilo que, essencialmente, não está lá enquanto
representado" (63). A criança está visando a uma Vorstellung que não
está ali, e a oposição binária dos fonemas surge para tomar o lugar
daquela Vorstellung particular. O que é aquela Vorstellung? Ela parece
ter a ver com as idas e vindas da mãe da criança (e Freud vê o jogo como
uma tentativa de dominar ou controlar as idas e vindas da mãe), mas
Lacan frisa que é a constituição da própria criança como sujeito que
está em jogo.
Temos aqui, nessa brincadeira, o nascimento do significante (sob a
forma de uma oposição entre dois significantes, S1 e S2), do sujeito
barrado, do objeto a etc.
S 1 (Fort) � S2 (Da)
� a
A Vorstellung faltosa parece ser o sujeito dividido e o objeto perdido -
que Lacan iguala aqui: o carretel e ao mesmo tempo o sujeito e o objeto
a (62). Esses dois terão sido cada um dividido e perdido, res
pectivamente, uma vez que Da tenha seguido Fort, o real nada mais
sendo que um pensamento a posteriori.
NOTA
1 . Para uma discussão muito mais ampla desse simbolismo, ver meu artigo "The
Nature of Unconscious Thought or Why No One Ever Reads the Postface to Lacan's
Seminar on "The Purloined Letter", no volume desta mesma série, Reading Seminars l
and li: úican s Retum to Freud, Albany: SUNY Press. Ver também os Apêndices I e II de
meu livro Subject, Object and Other; Crucial Concepts of úicanian Psychoanalysis.
Princeton: Princeton University Press, 1995.