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São Gabl iei

-
O PAI E SUA FUNÇAO ~

EM PSICANALISE
JoelDor

N.Cham 159.964.2 D693p.Pe


utor: Dor, Joel

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02381905
rue Minas - SG
1\ Transmissão da Psicanálise Joel Dor
diretor: Marco Antonio Coutinho Jorge
V
1 A Exceção Feminina, Gérard Pommier
2 Gradiva, Wilhelm Jensen
3 Lacan, Bertrand Ogilvie
4 A Criança Magnífica da Psicanálise, J.-D. Nasio
5 Fantasia Originária, Fantasias das Origens, Origens da Fantasia,
Jean Laplanche e J.-B. Pontalis
6 Inconsciente Freudiano e Transmissão
Alain Didier- Weill
da Psicanálise, o Paie sua Função
7
8
Sexo e Discurso em Freud e Lacan, Marco A. Coutinho Jorge
O Umbigo do Sonho, Laurence Bataille em Psicanálise
9 Psicossomática na Clínica Lacaniana, Jean Guir
10 Nobodaddy - A Histeria no Século, Catherine Millot
11 Lições Sobre os 7 Conceitos Cruciais da Psicanálise,
J.-D. Nasio
12 Da Paixão do Ser à "Loucura" de Saber, Maud Mannoni Tradução:
13 Psicanálise e Medicina, Pierre Benoit
14 A Topologia de Jacques Lacan, Jeanne Granon-Lafont
Dulce Duque Estrada
15 A Psicose, Alphonse de Waelhens
16 O Desenlace de uma Análise, Gérard Pommier
17 O Coração e a Razão, Léon Chertok e lsabelle Stengers
18 O Mais Sublime dos Histéricos, S/avo) Zizek
19 Para que Serve uma Análise?, Jean-Jacques Moscovitz
20 Introdução à Obra de Françoise Dolto, Michel H. Ledoux
21 O Conceito de Renegação em Freud, André Bourguignon
22 Repressão e Subversão em Psicossomática, Christophe De)ours
23 O Pai e sua Função em Psicanálise, Joil Dor

24 A Neurose Infantil da Psicanálise, Gérard Pommie;


25 A Ordem Sexual, Gérard Pommier

Jorge Zahar Editor


Rio de Janeiro
;L3g1905_
i.• O~ O oy_
CIP-Bras i 1. Cata logação-na- fonte
SindicClto Nacional

Dor. Jot!l
dos Editores de Livros.

O pai e sua função em psicanã,


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Dor; tradução. Dulce Duque Estrada; revi-


são tecnica, Marco Antonio Coutinho Jorge.
_ Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991
(Coleção Transmissão da psicanãlise ; 23)

Tradução de: Le pere et sa fonction en


psychana lyse.
Bibliografia.
Indices
ISBN B5-7110-184-1

COO - 616.B917
COU - 159.964.1

I. Introdução: a função do pai em psicanálise


lI. Natureza-Cultura: a proibição do incesto
e o pai da "horda primitiva" .....
IlI. Do homem ao pai e do pai ao homem
IV. O Pai real, o Pai imaginário e o Pai simbólico:
Título original:
a função do pai na dialética edipiana 43
Le pire ersafoncrion en psychana/yse
V. A função paterna e seus avatares . . 57
Tradução autorizada da primeira edição francesa
publicada em 1989 por Point Hors Ligne, de Paris, França VI. A" gênese" freudiana da noção de foraclusão 93
VII. A função paterna e seu fracasso . 101
Copyright © 1989, Point Hors Ligne
Copyright © 1991 da edição em lingua portuguesa:
Jorge Zahar Editor Uda. Bibliografia . 113
rua México 31 sobreloja
20031 Rio de Janeiro, RI Índice de autores citados 119
Todos os direitos reservados.
Índice termino lógico 121
A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação do copyrighl. (Lei 5.988)

Ilustração da capa: Giorgio de Chirico


retrato do poeta Apollinaire, 1914 '

Editoração eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Lida.

Impressão: Tavares e Tristão Lida.

ISBN: 2-904821-27-9 (ed. orig.)


ISBN: 85-7110-184-1 (JZE, RI)
Prefácio

Por mais recorrente que seja a problemática do pai no


campo da experiência psicanalítica, só excepcionalmente é
que se tem que abordá-Ia logo de início. Se bem que fique
permanentemente subjacente, nem por isso ela deixa de ser,
com freqüência, fugaz, por pouco que se enfatize precisa-
mente esta função.
Tal evitamento sem dúvida se explica tanto melhor quan-
to afunção paterna constitui um epicentro crucial na estru-
turação psíquica do ;ujeito. Quando mais não seja, pel;
menos, pela razão de que a Identidade sexual de cada um
só tem como saída sofrer por meio dela a sua própria
inscrição subjetiva, às vezes em detrimento da predetermi-
nação biológica dos sexos.
Isso significa o quanto esta referência à função do pai se
define como uma ordenação princeps, com relação à qual
nenhuma complacência pode permanec~r sem efeito. Con-
vém, ainda, que seja judiciosamente observada sua incidên-
cia, para além dos comentários psicologizantes, das pres-
crições "pedago-Iógicas" e outras ortopedias reeducativas
de todas as obediências, cujo furor atual não se esgota
quanto a esta questão do pai.
Fixar as balizas fundamentais, que circunscrevem e Sa-
turam as diferentes valências da função paterna, tomou-se
uma tarefa tanto mais oportuna quanto me foi permitido
avançar no terreno de um ensino proposto a clínicos preo-
cupados em esclarecer algumas eventualidades de sua prá-
tica. Tomei deliberada mente o parti&> de expor, sob uma
perspectiva sinóptica, a infra-estrutura suscetível de orde- Da mesma maneira, mais do que visar alguma contribui-
nar seus pormenores, de tal modo que estafunção apareça, ção original sobre a questão do pai no campo da psicanálise,
sobretudo, na sua lógica interna, expurgada de todas as o texto que se segue tem antes a preocupação de esclarecer
implicações metapsicológicas e clírucas que inevitavel- certas noções canôrucas, com freqüência armazenadas de-
mente convoca. masiado apressadamente na escarcela psicanalítica de di-
Essas implicações não deixaram de ser evocadas e vigo- versos clírucos.
rosa mente discutidas no decorrer deste ensino. Dele
conservo a lembrança de um enriquecimento pessoal parti-
cularmente espinhoso. Por isso, para mim foi importante
guardar seu testemunho em meu íntimo, em vez de lastrar
o relatório irucial que o tinha suscitado, quando se tratou de
transpor por escrito o seu essencial para publicação.
A sobriedade do texto que se segue deixa, assim, certa-
mente em suspenso um bom número de questões e comen-
tários que conservam toda a sua legítima acuidade. Em
compensação, esta concisão me perrrutiu restituir o espírito
e a letra do projeto original: esboçar uma via teórica rigo-
rosa que se esforce por propor uma orientação segura no
espaço de uma topografia psíquica complexa, altemada-
mente real, imaginária e simbólica, na qual consiste a fun-
ção do pai diante do inconsciente.

Já há algum tempo, tomou-se uma regra acolher todo texto


analítico de caráter didático como um conjunto de banali-
dades mais ou menos ordenadas, com relação às quais é
habitual, na melhor das hipóteses, saudar a coragem meri-
tória de sua exposição. Pude me assegurar, desde longa
data, de que este procedimento de ccmiseração freqüente-
mente escondia um outro, pelo menos na medida em que
alguns desses lugares comuns fundamentais da psicanálise
eram generosamente indigentes em mais de um desses
comentaristas benévolos.
1. Introdução:
a função do pai em psicanálise

No campo psicanalítico, a noção de pai é investida de uma


conotação bem particular. O pai a que nos referimos per- ..
manece, sob certos aspectos, excluído da acepção comum
) que dele fazemos, de saída e quotidianamente, enquanto
"\ agente da paternidade comum. Também não se trata de
buscar apreender sua incidência na perspectiva de uma
evolução histórica que permaneceria, ela também, estranha
ao contexto no qual esta noção é operatória em psicanálise.
Contra toda expectativa, até mesmo contra toda idéia
recebida, a/noção de pai intervém no campo conceitual da
psicanálise como um operador simbólico a-históricoJ Va- <::-
I.-mos entendê-Ia, então, como um refer~nte que apresenta
esta particularidade essencial de não estar sujeito à ação de
uma história, pelo menos no sentido de um ordenamento
cronológico.
Todavia, ficando fora da história, ele não deixa de estar
paradoxalmente inscrito no ponto de origem de toda histó-
ria. A única história que lhe podemos logicamente supor é
uma história mítica ..Mito necessário, se é que existe, já que
esta suposição é universal.
Além disso, qualquer que seja a aparente provocação que
daí resulta com relação aos pais inscritos na realidade e em
sua história singular, essa noção de pai em psicanálise
também não remete exclusivamente à existência de algum
pai encarnado. De fato, nada pode garantir antecipadamen-
te que esta encarnação corresponda seguramente à con-
sistência de um pai investido d~ seu legítimo poder de
Até o momento, se não foi feito qualquer conluio entre
intervenção estruturante do ponto de vista do inconsciente. o pai e o genitor, isso significa o quanto a entidade paterna
Nesse sentido, por pouco que tenhamos entretanto que que estamos abordando parece depender apenas de uma
considerá-Ia como um ser, trata-se menos de um ser encar- pura representação simbólica. Como tal, esta função se
nado do que de uma entidade essencialmente simbólica que encontra, assim, potencialmente aberta a todo "agente di-
ordena umafunção. plomático" da realidade, por pouco que sua intercessão
Devido à preeminência desse modo de existência simbó- simbólica seja logicamente significante perante a economia
lica, tal é então o seu caráter fundamentalmente operante e do desejo do filho, às voltas com o desejo da mãe. Quanto
estruturante para cada um, isto é, qualquer que seja o sexo mais o genitor é capaz de postular, legitimamente, o título
daquele que a ele se acha referido. Em outras palavras, é
de embaixador privilegiado, mais ele não passa de um caso
porque esse pai simbólico é universal - daí a essência de
de figura possível requeri da pela exigência desta missão de
sua necessidade -, que nós não podemos deixar de ser
representação.
tocados pela incidência de sua função, que estrutura nosso
Todavia, no terreno desse ministério essencialmente sim-
ordenamento psíquico na qualidade de sujeitos. Com efeito,
bólico, um "agente diplomático" qualquer não é, necessa-
nenhuma outra saída é proposta ao ser falante a não ser
riamente, o representante mais adequado para poder
curvar-se ao que lhe é imposto por esta função simbólica
negociar essa missão. Nem todos'são suscetíveis de desem-
paterna que o assujeita numa sexuação. De resto, é na
medida dessa especificacão que se propõe ao sujeito um penhar este papel igualmente. Não podemos desconhecer
espaço de identidade sexual que não tem, necessariamen- que o simbólico permanece fundamentalmente assujeitado
te, adequação biunívoca com a bipartição biológica dos à instância da linguagem. Nessas condições, assim como
sexos. um diplomata goza de maior crédito se falar a língua estran-
Nessas condições, sob que insígnias vêm se alojar os pais geira do país onde é embaixador, também o embaixador
encarnados, ou seja, os homens colocados empiricamente paterno se desincumbe melhor de sua delegação simbólica
em situação de se designarem como pais? se praticar a língua do desejo dos protagonistas junto aos
No máximo, eles aparecem como diplomatas, até mes- quais deve assumir sua função. É sob este aspecto, e apenas
mo, de um modo mais geral, como embaixadores sob este aspecto, que os pais da realidade se revelam me-
comuns. No sentido habitual do termo, o embaixador re- lhores ou piores embaixadores.
presenta seu governo junto ao estrangeiro, a fim de assu- Para além dessas metáforas pleni potenciárias, destaca-se
mir a função de ali negociar todas as operações entre eles. uma primeira conclusão: nenhum pai, na realidade, é deten-
Não poderia haver uma definição mais adequada no que tor e, a fortiori,fundador da função simbólica que repre-
diz respeito aos pais, compreendidos na sua realidade e senta. Ele é o seu vetor. Esta distinção instaura, sob alguns
na sua história. Aproximando-nos da metáfora, designe- aspectos, o desvio que existe entre a paternidade e afilia-
mos então o pai, no real de sua encarnação, como deven- ção. Por se desenvolver num nível prioritariamente sim-
do representar o governo do pai simbólico, encarregado bólico, a filiação, do ponto de vista de suas incidências
por ele de assumir a delegação desta autoridade junto à próprias, é prevalente sobre a paternidade real. Não obstan-
comunidade estrangeira mãe-filho.
te toda apreciação qualitativa, trata-se aqui de tomar a Para isso, a prescnçao simbólica desta lei supõe uma
medida exata de um fato de estrutura que transcende a negociação imaginária prévia que se desenrola entre os
dimensão empírica e contingente da paternidade. diversos protagonistas familiares: Pai-mãe-filho, reunidos
Impõe-se uma segunda conseqüência, relativa agora à comunitariamente sob a égide da triangulação edipiana.
qualidade do pai. No caso, importa menos questionar as Não pode haver uma enumeração mais desastrada, no sen-
virtudes do próprio pai do que arrazoar esta qualidade na tido em que os três protagonistas não conseguem se discri-
acepção aristotélica do termo, ou seja, como Lacan nos minar nesta triangulação, a não ser na medida em que estão
incita, no sentido de uma natureza. Em primeíro lugar, todos referidos a um quarto elemento: ofalo.2 Só este quarto
convém distinguir a soberania da função paterna que elemento constitui o parâmetro fundador suscetível de in-
habitualmente decorre da apelação genérica de Pai sim- ferir a investidura do Pai simbólico a partir do Pai real, pela
bólico, da sua existência concreta e histórica de ser en- via do Pai imaginário.
carnado enquanto Pai real. Em segundo lugar, é comum Devemos a Lacan, a partir de sua leitura de Freud, ter
levar em consideração o Pai imaginário, entidade fanta- insistido na incidência explícita desse quarto elemento na
sística, se é que existe, I sem a qual nenhum Pai real triangulação dos desejos recíprocos do pai, da mãe e do
poderia receber a investi dura de Pai simbólico. Toda a filho, já que não poderia existir outra triangulação edipiana
transcendência do Pai simbólico só resulta de um simbo- senão a do desejo com relação ao falo. Por não tê-Ia regis-
lismo legalista. De fato, a instância do Pai simbólico é trado estruturalmente nesse espaço de configuração, nume-
antes de mais nada a referência à Lei da proibição do rosos comentários duvidosos precipitaram-se, assim, na
incesto, a qual é, portanto, prevalente sobre todas as contestação clássica da uni versalidade do complexo de
regras concretas que legalizam as relações e trocas entre Édipo,3 ou ainda na vertente de uma revisão salutar do mito
os sujeitos de uma mesma comunidade. Em conseqüên-
cia, é porque o Pai simbólico é apenas o depositário legal
de uma lei que lhe vem de outro lugar, que nenhum Pai
real pode se vangloriar de ser seu detentor ou fundador.
2 A acepção rigorosa do termofalo é desenvolvida no tomo I da minha
Mas, em compensação, recai sobre ele o ter que se fazer obra InTroducTion à Ia lecTure de Lacan, Paris, DenoeJ, 1985, capo 11:
valer de ser seu representante. "La prévalence du phallus" pp. 89/96. (InTrodução à leiTura de Lacan,
Artes Médicas. Porto Alegre, 1989, pp. 71/76.)
3 A mais famosa delas é a de Malinowski, em época contemporãnea
à de Feud. Tanto por sua explicação pessoal dos tabus quanto por sua
crítica ao complexo de Édipo, Malinowski se opôs em tudo às teorias
1 A qualidade do pai imaginário recobre ao máximo a noção freudiana freudianas; notadamente, a partir de seus trabalhos sobre os habitantes
de imago no sentido em que, por exemplo, Laplanche a define como um das ilhas Trobiand na Melanésia, que lhe permitiram contestar a univer-
"protótipo inconsciente de personagem (...] elaborado a partir das salidade do complexo de Édipo. Cr. B. Malinowski, La vie sexuelle des
primeiras relações intersubjetivas reais ou fantasísticas com o ambiente suuvuges du Nord-OuesT de Ia Melal/ésie, Paris, Payot, 1930. As teses
familiar". Cf. 1. Laplanche, 1.B. Pontalis, Vocabulaire de Ia Psycha- de B. Malinowski seriam vivamente criticadas por C. Lévi-Strauss em
nalyse, Paris, PUF, 1973, p. 195.4". ed. (Vocabulário da Psicanálise, sua célebre obra: Les STruCTuresélémenTaires de Ia parel/Té, Paris/Haia,
Lisboa, Moraes Editores, 1976, 3! edição, p. 305.) Mouton de Gruyter, 1971.
edipiano tributário do antifalocratismo generosamente ali-
figura-limite e na preocupação de ter que significá-Ias de
mentado pelo imaginário feminista. maneira oportuna, a função do Pai simbólico permanece, de
Com muita razão, numa tirada bem conhecida, Lacan
fato, fundamentalmente indutora dessa promoção estrutu-
repetia a quem quisesse ouvir que só se podia praticar a
rante, em razão de seu caráter de radical exterioridade em
psicanálise na medida em que se soubesse contar até três.
relação ao Pai real.
Ora, para dominar uma via aritmética tão mínima, devemos
Em outro extremo, a ênfase é dada ao alcance inexpug-
saber dispor de quatro elementos; o quarto é a unidade: o nável destajimção simbólica que constitui a pedra angular
Vm que não é um número, propriamente falando, mas a da problemática paterna na psicanálise. O caráter estrutu-
embreagem da construção de todos os outros.4 rante desta função se funda unicamente no fato de ela se
O mesmo se dá com a triangulação edipiana pai-mãe-fi- apoiar num princípio estrutural. Não há, aí, pura e simples
lho, a qual só tem sentido, estruturalmente, se for com- redundância. Trata-se de realizar que esta função se aplica
preendida em referência a esta unidade fundadora que a no quadro de uma estrutura, ou seja, o conjunto de um
ordena: o falo, entidade tanto mais irredutível quanto é a sistema de elementos governados por leis internas.6 Num
unidade significante do real da diferença dos sexos. En- tal sistema, basta que um único elemento se mova para que
quanto tal, o falo constitui assim o centro de gravidade a a lógica reguladora do conjunto de todos os outros também
função paterna, que vai permitir a um Pai real chegar a se modifique. Como a lógica dessas diferentes regulações
assumir a sua representação simbólica. Para isso será sufi- constitui precisamente a expressão da função paterna, com-
ciente que ele saiba dar provas, num dado momento, de que preende-se que ela possa permanecer operante na ausência
é suscetível, precisamente, de atualizar a incidência fálica de todo Pai real.
como o único agente regulador da economia do desejo e de Porque a dimensão do Pai simbólico transcende a contin-
sua circulação com referência à mãe e ao filho. gência do homem real, não é pois necessário que haja um
A fim de exorcizar as proposições "pedago-lógicas" e homem para que haja um pai. Seu estatuto sendo o de puro
os lugares-comuns psicologizantes ainda muito genero- referente, o papel simbólico do pai é sustentado, antes de mais
samente difundidos nos meios educacionais em tomo da nada, pela atribuição imaginária do objeto fálico. Nessas
carência do Pai,s asseguremo-nos de que a função paterna condições, basta que um terceiro, mediador do desejo da mãe
conserva sua virtude simbólica inauguralmente estruturante e do filho, dê argumentos a esta função para que seja signifi-
na própria ausência de todo Pai real. Sob a reserva de certas cada sua incidência legalizadora e estruturante. Ora, dar argu-
condições particulares inevitavelmente exigidas no caso da mentos a esta função não implica absolutamente, em última
instância, a existência hic et nunc de um Pai real. .
A aplicação desta função resulta essencialmente da de-
4 Trata-se aí de uma referência lacónica aos trabalhos de G. Frege terminação de um lugar terceiro na lógica da estrutura que
sobre a construção do número cardinal. Cf. 1. Dor, L 'a-scientijicité de
ia psycha/la~yse, tomo 11, Paris, Éd. Universitaires, 1988, pp. 157 a 164.
5 Quanto a questão da carência paterna, ver adiante, capo IV, pp. 44 e
6 A propósito da -estrutura", cf. 1. Dor, Strueture et Perversio/ls,
segs.
Paris, Denoel, 1987, capo 4, pp. 69 sq.
confere, de volta, uma consistência exclusivamente sim-
bólica ao elemento que o ocupa. Nesse sentido, o estatuto
do pai simbólico pode, pois, ser legitimamente remetido,
como menciona Lacan, ao estatuto de um sig.nificante que
ele designa, então, de Nome-do-Pai. Estatuto desconcer-
lI. Natureza-Cultura: a proibição do
tante, se é que existe, pois que não exige em nada a incesto e o pai da "horda primitiva"
presença de um homem em situação de se designar como
Pai na realidade.
É justo porque o pai é investido de uma contextura É ao mito simbólico do pai da horda primitiva que devemos
puramente significante que ele pode vetorizar uma certa nos referir p'ara ~tar circunscrever de maneira mais apro-
homogeneidade que encontra ela própria sua base lógica run ada a essência coneeitual da noção de pai que acaba-
numa operação simbólica: a metáfora do Nome-do-Pai. mos de introduzir.
Semelhante operação, durante a qual a criança substitui o Freud expõe este mito ao fim de numerosas análises
significante do desejo da mãe pelo significante Nome-do- antropológicas que constituem o próprio corpo de sua céle-
Pai, contribui assim para conferir ao pai um estatuto perfei- bre obra: Totem e Tabu.l Sem retomar o curso desses ricos
tamente original. Com efeito, ao fim desta substituição desenvolvimentos, vamos nos deter na tese do pai primiti-
significante, tudo se passa justamente como se o pai com vo, tal como ele a desenvolve ao cabo de seu estudo.
que lidamos nada mais fosse, como formula Lacan, que uma Devemos compreender esse_mito como aquele sem o qual_
pura metáfora.7 não poderíamos abordar a teoria do pai em psicanálise, já
que é dele que esta recebe, precisamente, toda a sua consis-
tência.
Para isso, parece oportuno, todavia, situar muito rigoro-
samente essa questão diante do problema epistemológico
que ela vem levantar: o problema natureza-cultura que nos
remete em linha direta, como veremos, ao estatuto do pai
primitivo.

o problema natureza-cultura só foi formulado muito recen-


temente no campo da reflexão filosófic::a, sob a forma de

1 S. Freud, Totem und Tabu (1912/1913), G.W. IX, S.E. xm, 1/161.
7 Cf. J. Lacan, Les formatiO/ls de I'i/lco/lscie/lt 1957-58, inédito, Tradução francesa de Jankélévitch, Totem et Tabou, Paris Payot n277
seminário de 15/1/58. ' 1973. ' , ,
uma dualidade. Podemos situar sua articulação, aproxima- A idéia de uma ficção necessária introduzida por J.-J.
damente, no século XVIII. Certamente o que está em causa, Rousseau merece que lhe concedamos uma atenção ex-
aqui, é tão antigo quanto o próprio homem, já que é toda a trema. Ela supõe, com efeito, que já desde o século XVIII
questão da origem do homem como tal que é levantada pela o estado de natureza não mais podia ser pensado a não
problematização desse par natureza-cultura. ser sob a espécie de um conceito operatório. De resto, o
Tradicionalmente, o par natureza-cultura se apresenta próprio Rousseau insistia como convinha, já que apresen-
como um par de entidades opostas. O cuLturaL, que diria tava esta referência à ficção como uma exigência neces-
respeito antes de mais nada ao adquirido, ao social, ao sária da razão. E isso, por dois motivos, ao menos. Por
construído e ao instituído, se oporia de saída a tudo o que . um lado, parecia-lhe evidente que jamais se poderia co-
dependesse da ordem do inato. Nesse sentido, pode-se, nhecer o estado de natureza. Por outro, acrescentava ele,
pois, supor a idéia de uma progressão ordenada e hierarqui- esse estado de natureza talvez nunca houvesse existido.
zada entre o estado da natureza e o estado da cultura. Em A ficção parecia-lhe, assim, tanto mais imperiosa quanto
conseqüência, a cultura seria também colocada como o era sobre ela que deveria fundar todas as teses de seu
produto resultado de um progresso. famoso contrato social.3
Semelhante concepção da passagem da natureza à cultu- Se a passagem do estado de natureza ao estado de cultura
ra sempre se manteve praticamente insolúvel enquanto foi não pode, portanto, constituir o objeto de uma formulação
problematizada sob esta forma, por falta de uma estratégia objetiva, como conceitualizá-Ia? Rousseau sugere conce-
epistemológica conseqüente, suscetível de vetorizá-Ia. De bê-Ia •'peLa imaginação". Só o homem próximo do estado
fato, a instituição de tal modo de relação entre a natureza e de natureza conseguirá, por sua pureza moral, fazer revi ver
a cultura conduz necessariamente a impasses racionais, até tal estado.
mesmo a aporias lógicas. Vamos encontrar, assim, essa tese, cara a Rousseau, do
Se um filósofo como Jean-Jacques Rousseau, no entanto, homem como •.animaL depravado", a qual ele só pode
pressentiu notavelmente esta dificuldade, nem por isso sou- susteptar ao preço de algumas equivalências discursivas.
be tirar partido dela. Temos disso a prova mais manifesta Em primeiro lugar, ela supõe que a moralidade é inerente
em seu célebre estudo: O Discurso sobre a origem e os ao estado de natureza. Em segundo lugar, implica que a
fundamentos da desiguaLdade entre os homens.2 depravação é própria do estado de cultura. No estado de
Nessa reflexão, Rousseau parte da seguinte idéia geral: natureza, o homem é suposto ignorar valores axiológicos
a natureza do homem teria sido pervertida, corrompida pela como o bem e o mal. Mas, se é um bruto amoral, não deixa
sociedade. Por esta razão, apenas umaficção do homem no de ser um bruto feliz.
estado de natureza permitiria re-situar aquilo que a cultura Como toda a sua infelicidade provém do fato de que ele
destruiu completamente. pode se aperfeiçoar, deve a esta aptidão a potencialidade de

2 ,1.-1. Rousseau, Discours sur l'origine et les fondements de /'inéga- 3 1.-1. Rousseall, Du colltrat social ou principes du droit politique,
l/te entre les hommes, Paris, Gallimard, 1965. Paris, Marabollt Université, 1974.
se tomar verdadeiramente homem, isto é, um "animal reducionistas, amplamente sobredeterminados, com fre-
dotado de razão". Da mesma maneira, o homem natural qüência, por aproximações ideológicas duvidosas.·
entra na ordem propriamente humana pela via deste a- Devemos, no entanto, reconhecer em Rousseau o mé-
perfeiçoamento que o insere, pouco a pouco, na ordem rito de ter situado as bases da antropologia contemporâ-
cultural. nea, em seu tempo e à sua maneira. Não sugeria ele, desde
Para Rousseau, é pois o movimento que, fazendo advir então, recorrer à experiência para tentar encontrar o na-
o homem, ao mesmo tempo o perde, de certa forma. Se a tural do homem através do cultural? Se algumas observa-
natureza porta em si os germes de sua superação, estes ções experimentais deram lugar a reduções ideológicas
germes estão, contraditoriamente, na origem da infelicida- inaceitáveis, outras, em compensação, atingiram resulta-
de do homem. Assim, a idéia de um progresso que estaria dos muito mais positivos. Em particular, as investigações
ligado à cultura aparece radicalmente recusada por Rous- antropológicas de Lévi-Strauss permitiram abordar o pro-
seau. É uma utopia pensar que a cultura seja fonte de blema natureza-cultura em bases operatórias surpreenden-
progresso, já que ela tira do homem toda possibilidade de temente novas.
escapar à corrupção e à depravação. Daí a-!!ecessidade Lévi -Strauss não se esforçou para imaginar um estado de

--
im erativa de um contrato social destinado a reconciliar a
sociedade (a cultura) com as exigências da felicidade (a
moralidade). -
Sem aprofundar as grandes linhas que animam esta re-
natureza tão hipotético quanto inacessível, cujo projeto
heurístico lhe parecia estar em completa oposição com o
rigor da pesquisa científica. Pelo contrário, dedicou-se a
tentar definir um critério que permitisse distinguir rigoro-
samente o que é natural no homem do que é cultural. Esse
flexão, podemos, ainda assim, tirar alguns elementos de
conclusão a propósito desta concepção clássica natureza- critério não lhe parecia poder ser estabelecido a não ser
cultura. obedecendo a certas exigências.
Sob certos aspectos, tudo se passa como se, nesse con- Por um lado, o natural deve poder, por definição, obe-
texto clássico, o homem pertencesse ao estado de natureza decer a leis universais. Por outro, o sultural, este parece só
por seu corpo, isto é, o biológico; logo, de certa forma, pela poder ser instituído a partir de regras particulares de
ordem da necessidade. Mas ele só parece poder ultrapassar funcionamento. Portanto tudo o que houver de universal no
esse estado de natureza através do advento da razão e da homem constituirá sua natureza devendo todo o resto, ne-
liberdade que o fazem aceder à cultura. A cultura nasce c~mente, ser considerado como um roduto da cultura.
portanto, da natureza do homem. Devido ao fato de que Aliás, todas as sociedades humanas, sendo normativiza-
-;;la é sempre, nesta concepçã~ colocada implicitamente das e regulamentadas, devem ser consideradas em estado
como o fruto de um progresso, segue-se logicamente que
se puderam considerar as sociedades ditas primitivas como
outras tantas etapas antropológicas transitórias que condu- 4 Por exemplo, vamos lembrar certas conclusões antropológicas de
Lucien Lévy Bruhl quanto à menralidade primitiva. Cf. L. Lévy Bruhl,
zem à sua aquisição. Compreendemos então por que foram
Les fOllctions mellrales dans les sociétés illférieures, Paris, 1910, e La
feitos numerosos estudos, em campos conceituais muito melltalité primitive, Paris, 1922.
duas ordens exclusivas: constitui uma regra, mas uma
de cultura, inclusive as sociedades ditas primitivas. Eis aí
regra que, única em todas as regras sociais, possui ao
uma completa oposição às sociedades animais que, por sua
mesmo tempo um caráter de universalidade.'
parte, não são em nada coextensivas a uma cultura. É
preciso, pois, conseguir identificar, através de todas essas
culturas, o substrato comum ao conjunto dos homens, do
qual se poderá então dizer que constitui seu estado de
A proibição do incesto não é nem puramente de ori-
natureza.
gem cultural nem puramente de origem natural; e tam-
Com Lévi-Strauss, o problema se coloca, assim, dê ma-
bém não é uma dosagem de elementos compósitos par-
neira absolutamente nova. Já que todo homem participa de
cialmente tomados de empréstimo à natureza e parcial-
uma cultura, a cultura só pode aparecer como a única
mente à cultura. Ela constitui a trajetória fundamental
natureza do homem. O substrato comum procurado será,
graças à qual, mas sobretudo na qual, se realiza a passa-
então, ao mesmo tempo:
gem da natureza à cultura. Num sentido, ela pertence à
1) aquilo que define uma cultura;
natureza, pois é uma condição geral da cultura, e conse-
2) aquilo que, sendo universal, participa de uma natu-
qüentemente não devemos nos surpreender de vê-Ia man-
reza.
ter da natureza O seu caráter formal, isto é, a univer-
É nas regras que ordenam as trocas matrimoniais ue
salidade. Mas, num sentido, também, ela já é a cultura,
Lévi-Strauss consegue pôr em evidência o substrato co-
mum. Çom efeito, nessas regras, fi ura sempre uma le' agindo e impondo sua regra no seio de fenômenos que
. -~ ~ em nada dependem originalmente dela.6
~llve::.sal que é a da proibição do inceito. Logo, ela cons-
titui o critério rigoroso que permitirá separar a cultura da
natureza. Este fato incontestável, que não é nem puramente' Com esta precisão epistemológica formulada por Lévi-
cultural nem puramente natural, é sublinhado por Lévi- Strauss, descobrimos a confirmação mais certa do caráter
Strauss nos seguintes termos: . anistórico do pai, adiantado anteriormente.7 Por que o pai
pode estar ao mesmo tempo fora de toda história e ser o
Por toda a parte onde se manifesta a regra, sabemos ponto de origem daquilo que a constitui?
com certeza estar no estágio da cultura. Simetricam«nte, Admitamos a lei da proibição do incesto como aquilo que
é fácil reconhecer o universal critério da natureza ( ..] permite distinguir estritamente o cutural e o natural no
Coloquemos, portanto, que tudo o que é universal, no homem. Para que esta distinção seja aceilável, deve-se
homem, depende da ordem da natureza e se caracteriza supor logicamente que possa existir um illvariante natural
pela espontaneidade, que tudo o que tem relação com
uma norma pertence à cultura e apresenta os atributos do
relativo e do particular [...] 5 C. Lévi-Strauss, Les structures éiémentaires de ia parenté, op. cit.,
A pro!bi~ão do incesto apresenta, sem o menor equí- pp.9/10.
voco, e mdIssoluvelmente reunidos, os dois caracteres 6 Ibid., p .. 29.
7 Cf. supra, p. 13.
nos quais reconhecemos os atributos contraditórios de
e universal específico a todos os homens. Como colocar a ordem edípica pode, legitimamente, apresentar-se como
objetivamente em evidência este invariante? A coisa não é o substrato universal que designa a dimensão do natural no
tão fácil, e alguns argumentos parecem constituirobsláculo, homem.(
notadamente certos fatos de observação psicológica que Tomando-se coextensiva à ordem edípica, a problemáti-
tenderiam a provar que a existência de tal invariante é ca natureza-cultura desloca seu espaço de oposição insolú-
vel para o de um conflito passível de uma saída{De fato, a
apenas pura ficção.
A argumentação crítica mais clássica nos é fomecida ordem edípica se define como o lugar de tal conflito, sus-
cetível de acabar permitindo ao sujeito aceder ao registro
pelo fato de experiência das ••crianças selvagens". Esses
simbólico, ou seja, à cultura. )
casos-limites parecem, com efeito, estabelecer que, sem
Em resumo, a cultura é, pois, gerada pela expressão de
cultura, o homem não é nada, nem mesmo um animal, na
uma falta. Porque o natural no homem é isomorfo à ordem
medida em que aparece como menos do que um animal.
edípica, a cultura se toma, então, legitimamente, a verda-
Além do fato de que a criança selvagem não é um homem
deira natureza do homem que nasce da proibição originária
natural, ela não possui, por otitro lado, nenhum dos com-
do incesto. Neste sentido, a problemática natureza-cultura
portamentos naturais e adaptativos dos animais. Assim já
volta a centrar, de pleno direito, a questão do pai em
se encontra invalidada a idéia de que o homem, por regres-
psicanálise, de vez que é precisamente dessa proibição
são, possa voltar a um estado qualquer de natureza. O estado originária do incesto que tenta dar conta o mito freudiano
d.e natureza apareceria, então, tanto mais como uma pura e do pai da horda primitiva.
SImples ficção quanto o isolamento socia"i não constitui em
nada uma condição favorável ao desenvolvimento de um
estado natural, mas, ao contrário, uma condição de desen-
volvimento aberrante. Daí a concluir que tudo no homem é
O mito freudiano do pai primitivo se apóia principalmente
necessariamente produto de cultura e que se deve afastar a
na concepção darwiniana de "um pai violento, enciumado,
idéia de um invariante natural, o passo é dado rapidamente.
guardando todas as fêmeas e expulsando seus filhos à
Por certos aspectos, a teoria psicanalítica vai permitir,
medida que cresciam".8 Esta horda primitiva é, pois, antes
sob determinadas condições, reintegrar o conceito de natu-
de tudo, um bando de irmãos vivendo sob uma tirania sexual
reza no homem, em conformidade com o critério dado pela
forçada. Excluídos, nem por isso deixam de acabar se
antropologia. O substrato procurado pode ser definido co-
constituindo numa força suficiente para contestar o despo-
mo um substrato psicológico que manifesta sua expressão
tismo paterno. Como observa Freud, sua união lhes permi tia
mais significativa na ordem edípica. O homem, com efeito
assim' 'realizar aquilo que cada um deles, individualmente,
participa da natureza por sua inscrição incontomável n~
teria sido incapaz de fazer".9
d~nâ~ica edipiana que é fundamentalmente ordenada pela
dIaletlca do desejo em face da diferença dos sexos. ~m
outras palavras, é porque a lei da proibição do incesto é 8 S. Freud, Totem et Tabou, op. cit., p.162.
capaz de estabelecer o limite entre o natural e o cultural que 9 lbid., p. 163.
Fortes por sua certeza, terminam decidindo a condenação
virtude dessa" obediência retrospectiva", característica
à morte do tirano, matam-no e o consomem no decorrer de
de uma situação psíquica com a qual a psicanálise nos
um repasto canibalesco. E Freud prossegue:
familiarizou. Eles renegavam seu ato proibindo a morte
do totem, substituto do pai, e renunciavam a recolher os
Que tenham comido o cadáver do pai, ryada tem isso
frutos de seus atos recusando-se a manter relações se-
de espantoso, dado que se trata de canibais primitivos. O
xuais com as mulheres que haviam libertado.11
ancestral violento era certamente o modelo invejado e
temido de cada um dos membros des·sa associação fra-
---- Assim se vê justificada por Freud uma das componentes
terna. Ora, pelo ato de absorção, realizavam sua identi-
e~senciais do complexo de Édipo. Com efeito, o sentimento
ficação com ele, apropriando-se cada um de uma parte
de culpa que engendra originariamente esses dois interditos
Je sua força. 10
volta a atuar na situação edípica através dos dois desejos
fundamentalmente reprimidos:* a morte do pai e as exigên-
Freud insiste então no caráter ambivalente dessa festa
cias sexuais dirigidas à mãe.
canibalesca:

Basta admitir que o bando fraterno, em estado de


rebelião, era animado perante o pai de sentimentos con-
A necessidade sexual, longe de unir os homens, os
traditórios que, pelo que sabemos, formam o conteúdo
divide. Se os irmãos estavam associados quando se tra-
ambivalente do complexo paterno em cada um de nossos
tava de suprimir o pai, tornaram-se rivais desde que se
filhos e nossos neuróticos. Eles odiavam o pai, que se
tratou de se apossar das mulheres. Cada um deles teria
opunha tão violentamente a sua necessidade de poder e
querido, a exemplo do pai, tê-Ias todas para si, e a luta
a suas exigências sexuais, mas ao mesmo tempo em que
geral que daí resultaria teria acarretado a ruína da socie-
o odiavam, amavam-no e admiravam-no. Depois de tê-l~
dade. Não havia mais UJl1 homem que, supcrando os
suprimido, depois de haver aplacado seu ódio e realizado
demais por seu poder, pudesse assumir o papel do pai.
sua identificação com elé, entregaram-se a manifesta-
Assim os irmãos, se quisessem viver juntos, só tinham
ções afetivas de uma ternura exagerada. Fizeram-no sob
uma coisa a fazer: depois de ter, talvez, superado graves
a forma de arrependimento; experimentaram um senti-
discórdias, instituir a i11lerdição do incesto, pela qual
mento de cul pa que se confunde com o sentimento de
todos renunciavam à posse das mulheres cobiçadas,
remorso comumente experimentado. O morto tornava-se
quando era principalmente para assegurar essa posse que
mais poderoso do que jamais fora em sua vida [...]
haviam assassinado o pai. 12
"-.J O que o pai havia impedido antes, pelo próprio fato de
sua existência, os próprios filhos se impediam agora em

11 Ibid., pp. 164/165 (o grifo é nosso).


* No original, réprimés. (N.R.)
12 S. Freud, Torem cr Tabou, op. cit., p. 165 (o grifo é nosso).
Ao final desta apresentação sinóptica do tema freudiano
da horda primitiva, um último ponto exige ainda alguns
esclarecimentos. Ainda que possamos nos queixar de Freud
pelo aspecto precisamente mítico de sua incursão pela an-
tropologia, vamos mencionar em seu favor que este caráter
llI. Do homem ao pai
mítico não lhe parece haver escapado. O que é mais, ficou e do pai ao homem*
claramente estabelecido para ele que se tratava de um mito
necessário, como observa desde as primeiras linhas de
Totem e Tabu:
A descoberta freudiana nos familiarizou com o fato de que,
Tentamos, neste livro, deduzir o sentido primitivo do do ponto de vista do inconsciente, não existe nem masculi-
totemismo de seus traços e sua sobrevivência infantil, no nem feminino. Esta constatação, largamente corrobora-
dos aspectos pelos quais ele se manifesta durante o da pela prática quotidiana, não deixa de interrogar
desenvolvimento de nossos próprios filhos. As relações seriamente a questão da identidade sexual.
estreitas que existem entre o totem e o tabu parecem Sem abordar aqui, em detalhes, o problema geral colo-
oferecer novas bases a esta hipótese; mas, supondo mes- cado pela identidade sexual, I vamos nos ater, ao menos, a
mo que esta se revelejinalmente como inverossímil, nem este aspecto particular que se refere diretamente à incidên-
por isso deixo de avaliar que ela terá contribuído, numa
cia paterna. Podemos introduzi-Io, sem desvios, a partir
certa medida, para nos aproximar de uma realidade de-
desta interrogação:
saparecida, e tão difícil de ser reconstituída.13
Será preciso que haja necessariamente um homem
para que haja um pai?

Todas as implicações desse mito necessário da horda pri- Por terrível que pareça a proposição à primeira vista,
mitiva se revelam como outros tantos argumentos suscetí- vai caber, no entanto, à resposta que se lhe puder dar,
veis de elucidar essa noção do pai, tal como podemos produzir a exata especificação da função paterna. A dis-
apreender sua função no campo da investigação do incons- crimit:tação que a questão levanta supõe, em troca, que
ciente.

* Alguns aspectos deste tema foram objeto de uma ex~s!ção, a 17 de


janeiro de 1987, num colóquio organizado pelo Pr.of. Phlhppe G.utton,
dedicado a "A questão do pai na adolescência", Umversidade Pans VII,
U.F.R. Ciências Humanas Clínicas. Publicada em Adolescence, 1988,
tomo 6, n2 1, pp. 131/141. .
1 Desenvolvo esta questão de uma maneira sintética em minha obra
Structure et Perversions, op. cit., capo 16, pp. 217/233.
seu domínio de aplicação seja sancionado tão rigorosa- ele introduz a idéia de um arrependimento, associado a um
mente quanto possível. Esse domínio, vamos d~firrr-.lo sentimento de culpa.e .
pelas duas fórmulas seguintes, que vão delimitar sua õ -!fodas essas indicações devem nos colocar ~o C~tnl~O
extensão e compreensão: ~ uma dívida contraída para com o tirano, díVIda lnscnta
para todo o sempre, que nada poderá apagar completam~n-
I) O homem, enquanto Pai, tem que dar provas, num - talvez - como formula Freud - honrando-o
te, senao, " slm-I
dado momento, de que possui aquilo de que todo Izome'!1 ~ bolicamellte daí por diante, ao preço?e u~ mterdlto a~ qu,~
é desprovido. se dedicará o culto de uma "obedIêncIa re~rospect1va :
2) O Pai, enquanto homem, jamais pode dar outra l O ra, e' com relação a essa dívida retrospectiva que , o . paI
prova senão dar aquilo de que é desprovido. morto se toma, assim, "mais poderoso do que JamaIs o
fora enquanto vivo". Mais poderoso, como testemunha a
Essas duas proposições não são, absolutamente, enuncia- continuação do mito, na medida em que é o P~I mor~o que
) dos sibilinos, sob a condição de que seja claramente desig- impõe retrospectivament~ a instituição do InterdIto do
..,J- nado este objeto enigmático que se pode ao mesmo tempo 'llcesto. d
possuir e do qual se é igualmente desprovido: o falo. É por Baseado em algumas observações, é fácil compr,een .~r
essa razão, e apenas por ela, que a função paterna será sob que condições precisas se institui a ~d!.fica!ão.slm~~ll-
estruturalmente identificada à função fálica. ca do Pai a partir do pai primitivo. Edlflcaçao slmbóh,ca
que constitui a pedra angular da função paterna para alem
de todos os pais da realidade.

A fonte desta identificação pode ser observada na própria


lógica que anima o desenvolvimento do mito da horda
primitiva, As condições precisas que governam cst~ c~irica,ção sim
bólica estão com efeito, implícitas no tnlto trcudlano, por
Em várias ocasiões, Freud insiste na natureza dos senti-
menos que ~e tome cuidado em reavaliar s~a a~iculação_ à
mentos contraditórios expressos pelo bando fraterno com
luz de certas contribuições lacanianas relativas a sexuaç_ao
relação ao tirano; ambivalência cujos vestígios ele reencon-
e à atribuição fálica.2 Com esta reserva podemos, entao,
tra alhures, nas crianças e nos neuróticos, e que vai especi-
ficar sob a acepção de complexo paterno. O amor e o ódio
mobilizados em face do déspota (" Ao mesmo tempo em
2 No que se refere à sexuação com relação à atribuição fálica, cL
que o odiavam, amavam-no e o admiravam") ressoam notadamente os seguintes trabalhos de Lacan: a) L 'ellvers de lapsycl;-
novamente no momento do repasto canibalesco onde, de- lIal}'se, 1969/70, seminário inédito; b) VII d,scours qUllle seralt p'a~ ,u
pois da explosão de um ódio assassino, Freud constrói a sen',blallr, 1970/71, seminário inédito; c) 011 p"e, 19: 1(72, .se,mmar~o
inédito' d) Le samir du psychallalysre, 1971/72, semmano medito, )
hipótese de um transbordamento de manifestações afetivas. .. L' ér~lIrdir", in Scilicer nQ 4, Paris, Seuil, 1973, pp. 5/52; f) Ellco;e,
Vamos recordar também que é a propósito desta efusão que livro XX, 1972/73, Paris, Seuil, 1975. (MaiS. A/lida, Zahar, RIo, 198 .)
destacar a infra-estrutura lógica em torno dos quatro pontos
seguintes:

Para possuir as mulheres cobiçadas, é necessário então ser


provido dos atributos do tirano. Os filhos concordam em
Vamos partir da rupótese de que existisse um homem que matá-Io a fim de se apropriar das marcas de sua onipotência
possuísse todas as mulheres, o qual se asseguraria ciumen- e assumir seu lugar. Matam o tirano e em seguida o conso-
tamente desta posse eliminando seus descendentes à medi- mem durante um repasto canibalesco.
\,.;
da que fossem crescendo. Tratar-se-ia, então, desse "ao
menos um" homem de que fala Lacan, para o qual nada
limita suas exigências sexuais. Este caso modelo é expresso
por Lacan mediante o algoritmo:
A mediação de repasto canibalesco evocada por Freud é
fundamental. Buscando apropriar-se dos atributos da oni-
potência do tirano, o bando de excluídos realiza uma
identificação, cujo processo é posteriormente descrito por
Freud, em 1921, em Psicologia das massas e análise do
ego.3 Trata-se da identificação da primeira espécie, judi-
Existe, então, "ao menos um"x tal que a propriedade <j> ciosamente denominada identificação por incorporação:
(atribuição fálica) não se aplica a x, ou seja, que não é
castrado. É por isso mesmo que, em compensação, este "ao O menino observa que o pai constitui um obstáculo
menos um" imporia à horda de rivais excluídos exigências junto à mãe; sua identificação com o pai assume agora
sexuais necessariamente limitadas. . uma tonalidade hostil e se torna idêntica ao desejo de
substituir o pai também junto à mãe. A identificação é,
aliás, ambivalente desde o início, podendo tanto se orien-
tar para a ternura quanto para o desejo de expulsão. Ela
sc comporta como um rebento da primeira fase oral da
A onipotência deste "ao menos um" só poderia; portanto, organização Iibidinal na qual se incorporava, pelo comer,
suscitar uma certa ambivalência. A horda de rivais vai ,pois ,
desenvolver sentimentos inevitáveis de amor e de ódio.
3 S. Freud, Massenpsychologie und Ich-Ana/yse (1921), G.W. XIII.
Com efeito, se eles cultivam ódio e votos de morte com 73/161. S.E. XVIII, 65/143. Nova Tradução: P. Colei, A. Bourguignon,
relação a este' 'ao menos um", não podem evitar invejá-lo J. Altonnian, O. Bourguignon, A. Rauzy, Psych%gie des fou/es et
em razão de seus atributos que lhe permitiam ter todas as ana/yse du /1/oi (1921), in Essays de psychana/yse, Paris, PBP, nQ 44,
1984, pp. 117/217. [Trad: Psicologia de Grupo e Análise do Ego, ESB,
mulheres. Daí a seqüência lógica do mito. lmago, vol. XVlII.j
(o objeto cobiçado e apreciado e, fazendo isso, o aniqui- Mas este luto é seguido pela festa mais alegre e ruido-
lamento enquanto tal. O canibal, como se sabe, perma- sa, quando se desencadeiam todos os instintos e se acei-
nece ali. Ele ama seus inimigos a ponto de devorá-Ias, e tam todas as satisfações. [...] Mas, o que significa o luto
/] só devora aqueles a quem pode amar, de uma maneira ou que se experimenta pela morte do animal totêmico e que
de outra.4 serve de introdução para esta festa tão alegre? Se estão
"--' se regozijando pela morte do totem, que é um ato ordi-
Voltemos ao repasto canibalesco identificatório que nariamente proibido, por que é que o lamentam igual-
celebra a morte desse "ao menos um" que possuía todas mente?
as mulheres. A explicação simbólica desse repasto cani- Sabemos que os membros do clã se santificam pela
balesco é retrospectivamente fortalecida pelo rito do re- absorção do totem e reforçam, assim, a identidade exis-
pasto totêmico que Freud não hesita em designar como tente entre eles, e a identidade que têm com ele. A
"a reprodução e [... ] a festa comemorativa deste ato disposição jubilosa e tudo o que daí decorre poderia ser
memorável e criminoso que serviu de ponto de partida explicada pelo fato de que os homens absorveram a vida
para tantas coisas" .5 sagrada da qual a substância do totem era a encamação,
Vamos nos deter ainda nesse comentário freudiano sur- ou antes, o veículo.
preendentemente perspicaz:

Numa ocasião solene, o clã mata cruelmente seu ani-


A psicanálise nos revelou que o animal totêmico ser-
mal totêmico e o consome cru [...]. Os membros do clã
via, na realidade, de substituto para o pai, e isso nos
estão vestidos de maneira a se assemelharem ao totem,
explica a contradição: [...] por um lado, a proibição de
do qual imitam o som e os movimentos, como se quises-
matar o animal; por outro lado, a festa que se segue à sua
sem ressaltar sua identidade com ele. Sabem que reali-
morte, precedida por uma explosão de tristeza. A atitude
zam uma ação que é proibida a cada um deles,
afetiva ambivalente que, ainda hoje, caracteriza o com-
individualmente, mas que é justificada a partir do mo-
plexo paterno em nossos filhos e o prolonga, por vezes,
mento em que todos tomam parte nela; ninguém, aliás,
até a vida adulta, se estenderia igualmente ao animal
tem o direito de abster-se. Executada a ação, o animal
totêmico que serve de substituto ao pai.6
morto é chorado e lamentado. As queixas provocadas por
essa morte são ditadas e impostas pelo temor de um
Deste comentário freudiano se destaca uma conseqüên-
castigo e têm por objetivo, sobretudo [...], eliminar do cia absolutamente fundamental: só a morte, ao mesmo
clã a responsabilidade pela morte executada. tempo celebrada e pranteada, institui o defunto devorado
como Pai. De fato, ao fim da celebração canibalesca, o

4 S. Freud, Psychologie desfoules et a/lalyse du moi, op. cit., p. 168.


5 S. Freud, Totem et Tabou, op. cit., p. 163.
homem que possuía todas as mulheres não aparece mais assuTTÚdapor todo homem, na medida em que este se apre-
como o tirano a ser eliTTÚnado.O arrependimellfo e a culpa sente, num dado momento, como quem poderá dar provas
que acompanham o luto instauram-o defunto num lugar- de que só ele possui o atributo que o faz ao mesmo tempo
Gnico, no qual se deverá daí por diante assegurar um culto. ser odiado e adTTÚrado.Nesse sentido, ele será reconhecido,
Este culto terá por meta edificar simbolicamente o homem em função de tal atributo, como alguém que tem o direito
que possuía todas as mulheres como um deus a ser amadq.. ao olhar da mulher cobiçada. Enquanto homem real, isto é,
é em relação ao qual todos nutrirão uma dívida sem fim. Por enquanto tirano, ele será então simbolicamente condenado
esta razão, apenas, o morto se toma então "mais poderoso à morte a fim de ser investido tanto quanto admitido como
&;" que jamais o fora em vida". Pai garantidor da manutenção da Lei.
;- A dívida será daí por diante honrada mediante o culto Em última instância, esta investi dura simbólica funda
retrospectivo rendido à instituição simbólica da proibição toda a diferença entre o Pai real e o Pai simbólico. O Pai
do incesto, pela qual todos os homens renunciarão às mu- real jamais se reveste de outras insígnias que não as do
( lheres cuja posse seria de [un IÍnico homem, então simboli- homem real que, para ser um Pai, deve ser investido e se
, camente reconhecido neste lugar de Pai. fazer reconhecer como Pai simbólico. É necessário, assim,
---t-~ Em outras palavras, o homem que tinha todas as mulhe- ./ que a ele seja suposto deter este atributo imaginário fálico,
V res só advém como Pai a partir do instante em que está fonte de ódio e inveja, que o institui como o IÍnico a ter
morto enquanto homem. A edificação do homem em Pai se direito. Em conseqüência:
realiza, pois, ao preço de uma promoção simbólica que só
se pode manter sustentando-se por um interdito que tem o homem,' enquanto Pai, tem que dar provas, num
força de Lei. momento dado, de que realmente possui aquilo de que
Daí este segundo algoritmo proposto por Lacan: todo homem é desprovido.

Todavia, fazendo prevalecer sua posição de ter direito a


uma mulher que é proibida a sua descendência, este Pai só
é Pai simbolicamente. Diante dessa mulher ele não deixa de
Todos os homens são submetidos à função <1>, ou seja, ser homem pura e simplesmente, isto é, ex"filho, desprovi-
são castrados. É, portanto, a exceção do "ao menos um" do do falo, por ter tido ele mesmo de aceitar ser castrado,
subtraído à função fálica7 (à castração) que funda a Lei que reconhecendo sua atribuição a um Pai. Segue-se daí que:
impõe a castração a todos os outros.
A edificação do Pai simbólico só poderia ser constituída o Pai, enquanto homem, jamais pode dar outra prom
a este preço. Em compensação, é este preço que investe esse senão a de dar aquilo de que é desprovido.
Pai como referente de uma função que poderá, em troca, ser
Assim, a dimensão simbólka do Pai transcende em muito
a contingência do homem real. O estatuto de Pai é um puro
referente cuja função simbólica é sustentada pela atribuição
do objeto imaginário fálico. Todo terceiro que responder a
esta função mediatizando os desejos respectivos da mãe e
do filho vai instituir, por sua incidência, o alcance legaliza-
dor da interdição do incesto. Ora, responder a esta função IV. O Pai real, o Pai~imaginário
implica unicamente que seja convocado, em posição de e o Pai simbólico:
referente terceiro, o sign(ficallte do Pai simbólico, isto é, o
significante fático enquanto simbolizando o objeto da
a função do pai na dialética edipiana
falta desejado pela mãe. Desse ponto de vista, esta fun-
ção mediatizante não exige de forma alguma, em última A demarcação da f~fJ-Simb6lica do pai no que diz
instância, a existência hic et nUllc de um Pai real, em respeito à existência contingente do Pai real detennina uma
outras palavras, de um homem. Podemos, pois, responder das bases mais fundamentais da clínica psicanalítica. Não
à questão inaugural: seria necessária outra prova mais convincente do que lem-
brar que a edificação do Pai simbólico a partir do Pai real
Não é preciso que haja Ilecessariamellte um homem constitui a própria dinâmica que regula o curso da dialética
para que haja um pai. edipiana e, com ela, todas as conseqüências psíquicas que
dela dependem.
Esta necessidade só é concebível originariamente, ou Importa igualmente examinar os principais momentos
seja, miticamente, já que se tratava do homem que possuía que contribuem, nessa dialética, para tal edificação, sem a
todas as mulheres. Mas, como tal, já que não castrado, era qual a função paterna permanece inadequada para promo-
apenas um homem mítico. Em contrapartida, quanto à acep- ver a estruturação psíquica da criança na direção de um
ção do homem inscrito numa contingência histórica, por- limiar de potencialidades novas.
tanto, relativamente à única realidade de homem que nos Trata-se menos de percorrer os arcanos que ordenam o
foi jamais dada e conhecida, esta necessidade não se impõe. curso da própria dialética edipiana1 do que de enfatizar a
No máximo, é necessário c suficiente que p desejo de cada problemática paterna tal como esta aí intervém. Esta "pro-
um seja referido e mediatizado pela única consistência blemática paterna", vamos entendê-Ia como a sucessão
desse significante do Pai simbólico que é o Nome-1o-Pai. lógica dos diferentes investimentos que têm por objeto a
Não há outra discriminação coerente que se possa põr em figura paterna. Investimentos que pontuam a dinâmica
evidência entre a dimensão do Pai e a do homem. edipiana de outras tantas incidências decisivas para a estru-
turação psíquica da criança. Tal é, sobretudo, o aspecto desta
metamorfose simbólica do pai que estamos acentuando.

1 No que se refere ao desenvolvimento detalhado da dialética edip~a-


na, ver minha obra Introduction à ia iecture de Lacan, tomo I, op. Cll.,
principalmente os capítulos 11, 12 e 13, pp. 89/122.
Algumas fórmulas lapidares de Lacan fixam notavel- No que concerne à carência, desejaria simplesmente
mente a ascendência dessa problemática paterna no com- fazê-Ias observar que quando o pai é carente e na medida
plexo de Édipo. A partir de ] 958, apoiando-se nas obras de em que se fala em carência, jamais se sabe do quê [...]
Freud, Lacan articula inicialmente a noção do pai com Entreviu-se o problema de sua carência, não de uma
aquela do complexo de Édipo, sob a forma de uma impli- forma direta [...] mas como ficou evidente a partir da
cação lógica: primeira abordagem. É enquanto membro do trio funda-
mental, ternário da família, isto é, enquanto mantendo
Não se coloca a questão do Édipo se não houver pai; seu lugar na família, que se poderia começar a dizer
inversamentc, falar de Édipo é introduzir como essencial coisas um pouco eficazes a respeito da carência [...] Falar
a função do pai.2
de sua carência na família não é o mesmo que falar de
sua carência no complexo. Porque, para falar de sua
Prosseguindo sua renexão, Lacan faz depois uma colo-
carência no complexo, é preciso introduzir uma outra
cação capital, referente à distinção entre o Pai simbólico e
dimensão que não a realista.4
a presença do pai contingente, ou seja, real, nesses termos:
Colocada esta distinção, e por ela reforçada a diferença
Será que um Édipo pode se constituir de maneira
existente entre o Pai simbólico e o Pai real, Lacan precisa,
normal quando não há pai? [... J Percebemos que não é
enfim, o estatuto autêntico do pai estruturalmente implica-
assim tão simples, que um Édipo poderia muito bem se
constituir mesmo que o pai não estivesse lá [...]. Os do no complexo de Édipo:
complexos de Édipo inteiramente normais, normais nos
dois sentidos, tanto normativizantes, por um lado, quanto O pai não é um objeto real, então o que é ele? [...] O
normais enquanto desnormativizam, quero dizer, por pai é uma metáfora. Uma metáfora, o que é isso? .. É um
exemplo, quanto a seus efeitos neurotizantes, seriam significante que vem no lugar de um outro significante.
estabelecidos de uma maneira exatamente homogênea [...] O pai é um si~nificante que substituiu outro signifi-
aos demais casos, mesmo que o pai não estivesse ali.3 cante. E é este o motor, e o iÍnico motor essencial do pai
enquanto interventor no complexo de Édipo.5
Continuando a circunscrever a incidência do pai no com-
plexo de Édipo, Lacan sc esforça então por especificar, não Essas diferentes elucidaçães formuladas por Lacan podem,
mais os infortúnios inerentes a sua ausência, mas, mais pois, se ordenar segundo quatro linhas mestras essenciais
precisamente, a innuência induzida pelas eventualidades de que dão conta, perfeitamente, da função exata desempe-
sua presença - a famosa carência patema: nhada pela instância paterna no processo edipiano.

2 J. Lacan, Les formations de ['illconscient, op. cil., seminário de 4 J. Lacan, Les formations de ['illcollscient, op. cil., seminário de
15/1/195R. 22/1/1958.
3 Ihid. 5 Ibid. (o grifo é meu).
está nesse momento identificado ao seu falo. Ora, vimos
1) A noção de função paterna institui e regula a dimensão que esta função simbólica só tinha um caráter operatório na
do complexo de Édipo (dimensão conflitual). medida em que o pai se achasse investido da atribuição
2) O desenvolvimento da dialética edipiana requer cer- fálica.
tamente a instância simbólica da função paterna, sem no Como o falo não está lá onde se o deveria supor, a
entanto exigir a presença necessária de um Pai real. criança, neste limiar do Édipo, mantém uma relação com o
falo aparentemente estranha à castração, já que ela é, ela
3) A carência do Pai simbólico, isto é, a inconsistência própria, o objeto fálico. Ora, semelhante objeto, em sua
de sua função no decorrer da dialética edipiana, não é essência, é precisamente o objeto imaginário da castração.
absolutamente coextensiva à carência do Pai real em sua Resulta daí que a identificação fálica da criança é uma
dimensão realista. identificação estritamente imaginária. Nada há de surpre-
4) A instância paterna inerente ao complexo de Édipo é endente no fato de que esta identificação fálica, que só
exclusivamente simbólica, posto que é metáfora. imaginariamente subtrai a criança à castração, a convoque
de volta a ela.
Por esta razão, o Pai real, previamente estranho à relação
mãe-filho, dificilmente poderia se manter durante muito
tempo em tal exterioridade. Enquanto Pai real, sua presença
Paradoxalmente, o limiar do processo edipiano se caracte-
vai aparecer inevitavelmente como cada vez mais embara-
riza precisamente pelo eclipse da instância paterna. Não que
çosa para o filho, a partir do momento em que assumir uma
o pai real não se manifeste como tal. Ao contrário, tudo se
certa consistência significativa diante do desejo da mãe e
passa mesmo como se ele só interviesse ali exclusivamente
daquilo que o filho está apto a apreender dele.
em sua contingência realista, a qual permanece sem inci- A consistência do Pai real quanto ao desejo da mãe vai,
dência preponderante ao nível de uma mediação qualquer então, começar a questionar a economia do desejo do filho
dos móbeis edí picos. sob esta forma de intrusão. Essa interpelação suscita nele,
A criança está, com efeito, cativa num certo modo de assim, um requestionamento de sua identificação imaginá-
relação com a mãe, diante da qual o pai, como Pai real, é ria com o objeto do desejo da mãe. A criança entra, a partir
estranho. De resto, esta relação é chamada, apropriadamen- daí, num momento de incerteza psíquica quanto à questão
te, de relação fusional, na medida mesma em que nenhuma de seu desejo relativamente à certeza que antes tinha dele
instância exterior é suscetível de poder mediatizar seus diante do desejo da mãe. Só esta incerteza permite com-
móbeis do desejo. A indistinção fusional entre filho e mãe re- preender como a criança começa a se confrontar com o
sulta, pois, essencialmente do fato de que o filho se constitui registro da castração pela instância paterna.
como o único objeto que pode satisfazer o desejo da mãe. Devido a esse confronto sub-reptício com a castração,
Ficando fora do circuito da relação mãe-filho, o pai real esboça-se um novo móbil na dinâmica desejante da criança,
não pode, então, pretender de maneira alguma assumir sua que será daí em diante explicitamente vetorizada pela ins-
função simbólica. E isso acentuado pelo fato de que o filho, tância paterna. Cada vez mais, o Pai real surge diante da
enquanto objeto suscetível de satisfazer o desejo da mãe,
criança como alguém que tem direito quanto ao desejo da outro (heteros) relativamente à díade fusional mãe-criança.
mãe. Todavia, esta figura daquele que tem direito não Entretanto, se essa rivalidade fálica incita a criança a viver
poderia, num primeiro tempo, atualizar-se junto à criança a imaginariamente a presença paterna sob o aspecto de um
não ser no terreno da rivalidade fálica diante da mãe. tirano totalitário, nem por isso deixa de atestar um deslo-
Rivalidade fálica na qual a figura paterna será triplamente camento significativo do objeto fálico. Apresentando-se à
investida pela criança, sob os ornamentos de um pai priva- criança como um hipotético objeto do desejo da mãe, o pai
dor. interditar e frustrador. se mostra aos olhos daquela como um falo rival. Assim, em
O Pai real não precisa, de forma alguma, mostrar-se torno da interrogação da criança: ser ou não ser o falo da
deliberadamente privador, interditor e frustrador para apa- mãe, efetuou-se um deslizamento que é o do próprio falo.
recer como tal diante da criança. Apenas a incerteza da Desde que se suspeita que o pai é um falo rival - ainda que
identificação fálica da criança torna esta última, a partir de hipotético -.esboça-se a atribuição fálica paterna. Mas, se
então, mais sensível a esta presença paterna intrusiva. Além isso acontece, é sob o modelo do "ser", já que o pai ainda
disso, ameaçada em seus investimentos libidinais arcaicos não é suposto" ter" o falo.
junto à mãe, a criança começa a pressentir insensivelmente Além disso, tendo se deslocado o falo para o lugar da
alguma coisa que sempre esteve ali: a incidência do desejo instância paterna - mesmo que o pai não seja ainda pres-
da mãe em relação ao desejo do pai. Por mais desconfortá- sentido senão como sendo ele próprio um falo -, a criança
vel que seja, esta descoberta só pode mobilizar a criança é daí em diante conduzida, implicitamente, ao encontro com
para pressentir o Pai real a uma luz cada' vez mais imagi- a Lei do pai. Através da rivalidade fálica orquestrada sob o
nária. É, pois, essencialmente na qualidade de Pai imagi- modo da privação, da interdição e da frustração, a criança
nário que a criança vai perceber daí por diante este intruso descobre igualmente que a mãe é dependente do desejo do
que detém o direIto, que priva. interdita e frustra: ou seja, pai. Em conseqüência, o desejo da criança pela mãe não
as três formas de investimento que contribuem para media- mais pode evitar de chocar-se com a lei do desejo do outro
tizar a relação fusional da criança com a mãe. (o pai) através do desejo da mãe. De sorte que a criança
por ser suposto opor à mãe a possibilidade de ser satis- deve fazer sua esta nova prescrição que irá regular a eco-
feita pelo único objeto de desejo que é seu filho, o pai nomia de seu desejo: o desejo de cada um é sempre subme-
sobrevém, inevitavelmente, como um intruso priva40r no tido à lei do desejo do outro. Mas, tendo em vista a opressão
~ investimento psíquico da criança Além disso, impedindo-a
narcísica implicada por esta prescrição, ela tem a oportuni-
de te- ãtõda para si, o pai. descoberto como um que tem dade de entrever um novo deslocamento do objeto fálico.
direito à mãe, manifesta-se então à criança como interditar. Se o desejo da mãe é submetido de certa maneira à
A privação unida ao interdito só pode, enfim, suscitar na instância paterna, suposta privar, i~terditar e frustrar, disso
criança a representação de um paifrustrador, que lhe impõe resulta que a mãe reconhece também a lei do pai como
ser confrontado com a falta imaginária desse objeto real que aquela que mediatiza seu próprio desejo. Uma única con-
é a mãe e da qual ela necessita. clusão se impõe, portanto, à criança: o reconhecimento que
De um modo mais geral, o pai é pressentido como um ela tem desta lei é apenas o daquela que regula o desejo que
objeto rival junto ao desejo da mãe. desde que aparece como ela tem de um objeto que não é mais a criança, mas que o
pai, em compensação, é suposto possuir. A criança acede, sujeito, e não mais na dimensão passiva de objeto do
assim, a um estádio no qual, como formula Lacan: desejo do outro, que até então fora a sua. Por outro lado,
a criança dá provas de uma autêntica renúncia psíquica
Alguma coisa que destaca o sujeito de sua identifica- à sua identificação primordial ao objeto que satisfaz o
ção o ata, ao mesmo tempo, à primeira aparição da lei desejo do outro.
sob a forma do fato de que, neste ponto, a mãe é depen- No entanto, o signo mais espetacular deste domínio
dente; dependente de um objeto que não é mais, simples-
reside, propriamente falando, no processo de acesso ao
mente, o objeto de seu desejo, mas um objeto que o outro
próprio simbólico, pelo qual Lacan nos mostra como a
tem ou não tem.6
criança vai a partir daí se constituir como sujeito mediante
essa operação inaugural a que ele chama metáfora paterna
Com este novo deslocamento do objeto fálico vai se
e seu mecanismo correlativo, o recalque originário.
inaugurar o tempo decisivo do complexo de Édipo, no
Na ordem do discurso, realiza-se uma construção meta-
qual a instância paterna vai se desfazer de seus ouropéis
fórica pela substituição de um símbolo de linguagem por , I
imaginários para advir ao lugar de Pai simbólico, isto é,
um lugar no qual ele será investido como aquele que tem
1 um outro símbolo de linguagem. Na medida em que a
~
operação consiste em designar uma coisa pelo nome de
o falo.
outra coisa, a metáfora se desenvolve com base numa
Para apreender este momento crucial do advento do Pai
substituição significante no decorrer da qual um signifi-
simbólico, vamos recordar de forma sucinta a referência
freudiana ao fort-da7 que dá testemunho incontestável da /' cante (o significante de origem) é provisoriamente recal-
instituição desse processo de simbolização. A reviravolta cado em benefício do surgimento de um outro (o signifi-
simbólica operada através do jogo do fort-da atesta, com cante substituto). 8
efeito, a atualização de um certo processo de domínio* na Podemos facilmente compreender a colocação do pro-
criança: o domínio sobre a ausência materna. Expulsando- cesso da metáfora paterna a partir do princípio desta subs-
a e fazendo-a retomar simbolicamente através desse jogo tituição significante, na qual um significante novo virá
do carretel, a criança se revela em duas atitudes inteiramen- tomar o lugar do significante originário do desejo da mãe.
te novas. Por um lado, numa atitude psíquica ativa 'de Este último, recalcado em benefício do novo, vai se tomar
daí em diante inconsciente. Só este recalque originário é
suscetível de provar que a criança renunciou ao" objeto
6 J. Lacan, Les formations de I'inconscient, op. cit., seminário de inaugural de seu desejo, Em outras palavras, ela só pode
22/1/1958. renunciar a ele na medida em que aquilo que o significa
7 S. Freud, "Jenseits des Lustprinz.ips" (1920), G.W. XIII, 3/69, S.E.
8
XVIII 1/64. Trad. francesa de J. Laplanche e J.B. Pontalis (2 • edição), tomou-se inconsciente para ela.
"Au-delà du principe de plaisir", in Essais da Psychanalyse, op. cit.,
pp. 52 sq. (Mais Além do Princípio de Praz.er, ESBIVol. XVIII.) Cf.
também minha obra: lntroduction à Ia lecture de Lacan, tomo I, op. cit.,
8. O princípio dessa substituição significante na metáfora é desenvol-
pp.114 sq.
Vido em detalhe em lntroduction à Ia lecture de Lacan, tomo I, op. cit.,
* Em francês, maitrise, que significa igualmente mestria. (N.T.)
capítulo 6, p. 54 sq.
o algoritmo desta substituição nos é proposto por Lacan daquilo que mobiliza o desejo da mãe. Assim, ela associa
da seguinte maneira: um significante novo, o Nome-da-Pai (S2),ao significado
falo (sI). A introdução deste novo significante S2 que
substitui SI faz então com que este último passe ao
S2 inconsciente. Ao final da substituição metafórica, o pai é
TI doravante referido ao falo pela criança, enquanto objeto do
desejo da mãe.
Por convenção, coloquemos o algoritmo
SI como a É apenas nessa medida que o Pai real foi investido como
sI Pai simbólico, pela mediação do Pai imaginário. Entretan-
expressão significante do desejo originário da criança:
to, esta referência ao pai, daí por diante associada à idéia
do desejo da mãe, é apenas um puro significante, o Nome-
~ (~~====:;> Significante do desejo da mãe do-Pai, como insiste, muito justamente, Lacan:
sI Idéia do desejo da mãe: falo
rf A função do pai no complexo de Édipo é de ser um
É a partir dessa expressão significante do desejo originá- significan,te que substituiu o significante, ou seja, o pri-
rio que a criança vai introduzir um significante novo para meiro significante introduzido na simbolização, isto é, o
designá-lo metaforicamente. significante materno. 10
Na dialética edipiana, vimos que a criança era levada a .~

abandonar a posição do ser (ser o falo) para aceder à do ter. A saída deste processo de simbolização está plena de
Esta" passagem" , todavia, só se poderá efetuar a partir do potencialidades estruturantes para a criança.
momento em que a criança tiver estabelecido uma associa- Significando o pai como causa desejante das ausências
ção significativa entre a ausência da mãe e a presença do da mãe, a criança continua, de fato, a designar o objeto
pai. Mas, desde que se evoca uma associação significativa, fundamental do seu desejo. Mas ela o faz sem saber, dado
supõe-se, necessariamente realizada, uma designação sim- que o significante originário do desejo da mãe foi recal-
bólica, já que uma coisa nunca faz sentido a não ser através cado. Em conseqüência, produzindo o significante Nome-
de uma tal designação. Ora, aquela de que se trata aqui do-Pai, a criança nomeia de forma igualmente metafórica
resulta, como veremos, de um processo metafórico. o objeto fundamental de seu desejo. Daí resulta que o
Designando o pai como causa das ausências da mãe, a símbolo da linguagem tem por função principal perpetuar
criança o nomeia como o que significa a idéia que ela tem o objeto originário do desejo numa designação, sem que
o sujeito daí por diante saiba alguma coisa sobre isso. A
divisão do sujeito pela ordem significante (Spaltung) é,
9 Cf. J. Lacan, ~D 'une question préLiminaire à tout traitemellt possi-
hle de Ia psychose, in Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 557. A fórmula
explícita de Lacan é a seguinte: S $' I 10 J. Lacan, Les formarions de l'inconsciellt op. cito seminário de
T·-.- -. S(s') 15/1/58. ' ,
portanto, uma conseqüência direta de seu acesso à ordem falo, ela não pode traduzir outra coisa que não a perda
simbólica.11 simbólica de um objeTo imaginário.12
A renúncia da criança ao objeto fundamental de seu
desejo, se é, antes de mais niida, uma renúncia simbólica,
não é no entanto derrisória. Abrindo para ela, propria-
mente falando, o acesso ao simbólico, essa renúncia lhe Por desconcertante que seja, a emergência do pai, enquanto
assegura a possibilidade de poder se manifestar aí, ela metáfora pura e simples, não deixa de subsistir como a
mesma, como sujeito, a partir do momento em que é ela única investidura estruturante para a criança. Mas, da mes-
quem designa. A primeira designação, inaugural, que ma maneira, ela permanece rica em avalares irreversivel-
testemunha o seu estatuto de sujeito, é a do Nome-do-Pai, mente determinantes quanto ao seu porvir.
seguindo-se daí que o sujeito se produz nesta designação
como sujeito desejante, já que só fará, sempre, continuar
a significar, na linguagem, o objeto primordial de seu
desejo.
Além disso, fazendo-a advir como sujeit~ desejantc,
essa renúncia traduz explicitamente a expressão de sua
própria castração. O advento do Pai simbólico como
Nome-do-Pai atesta, com efeito, o reconhecimento de um
Pai castrador pela criança, não apenas em razão da atri-
buição fálica que lhe é conferida, mas ainda pelo próprio
fato de que a mãe é suposta encontrar junto a ele o objeto
desejado que ela não tem. O Pai simbólico, pois, só surge
para a criança como Pai castrado r estritamente na medi-
da em que a criança o investe igualmente como um Pai
doador diante da mãe. Assim, a metáfora do Nome-do-
Pai, que atualiza a castração, é necessariamente isomór-
fica à simbolização da Lei. Em conseqüência, a castração
só poderia intervir no complexo de Édipo sob o aspecto
de uma castração simbólica, à falta da qual permaneceria
12 Essa definição é uma referência direta à problemática da falta de
radicalmente ininteligível. De fato, tendo por objeto o objeto, sobre a qual Lacan nos mostra que ela só pode se manifestar em
três ocorrências específicas: afrustração, que é a falta imaginária de um
objeto real; a privação, que é a falta real de um objeto simbólico; e a
castração, que é a falta simbólica de um objeto imaginário.
Cf. La relation d'objet et les structuresfreudiennes, 1956/57, iné-
11 Sobre a divisão do sujeito, cf. Illtroducrioll à Ia lecture de Lacall,
dito, seminários de 5 e 12 de dezembro de 1957.
tomo I, op. cit., capítulo 15 e 16, pp. 128/144.
~ A função paterna e seus avatares

o papel princeps desempenhado pela metáfora do Nome-


do-Pai na estruturação psíquica da criança permite com-
preender, retrospectivamente, em que o estatuto do Pai real
é secundário na medida em que a criança não chega a
investi-l o, num momento dado, como Pai simbólico. Em
outras palavras, a presença ou ausência do Pai real cedem
a vez diante da incidência mediadora do Pai simbólico.
Como o Pai simbólico tem PQr estatuto uma existên .
sigflificante, apenas, este_significante Nome-da-Pai pruk,
pois, ser sempre potencialmente resentificado como ins-
tância mediadora na ausência do Pai real. Basta ue ele o
seja no discurso da mãe_,de ta forma 9ye a criat.!Ça ~
entender que o desejo da mãe se encontra., ele mes~,
referido a ele - ou, em caso extremo, que o tenha estado, ao
menos durante certo tem{Kh
A instituição da função paterna é diretamente tributária
da circulação do falo na dialética edipiana. Todavia, esta
circulação supõe, por sua vez, que diferentes protagonistas
sejam levados a ocupar lugares específicos nesse espaço de
configuração edipiana. Ainda que se trate de lugares, isso
não implica que os protagonistas sejam, no entanto, elemen-
tos situáveis indiferentemente entre eles. Um pai não pode
ser uma mãe; da mesma forma, uma mãe não pode substituir
um pai. Isso não está em contradição com o fato de que uma
mãe pode sempre identificar-se com um pai, e vÍce-versa.
No primeiro caso, costumamos dizer que uma mãe está
numa posição paterna com relação a seu filho. De resto, é
esta a única ocorrência em que é possível falar em mãe na ausência do Pai real, o significante Nome-do-Pai pode
fálica. No segundo caso, o pai é dito estar numa posição ter todo o seu alcance simbólico. Por essa razão, é claro que
materna. Todavia, num como noutro caso, trata-se apenas não pode existir função materna no sentido de uma equiva-
de problemas identificatórios, isto é, dispositivos imaginá- lência simetricamente substituível àfunção paterna.
rios. Por essa razão, semelhantes posições identificatórias A fantasia de uma tal função remete, evidentemente, ao
não têm, pois, o alcance simbólico que lhes é, respectiva- mito da horda primitiva e a suas conseqüências. Instituindo a
mente, atribuído. No máximo, constituem parâmetros per- castração simbólica, este mito inscreve simbolicamente a
turbadores e invalidantes, quanto à demarcação do falo pela problemática da diferença dos sexos com relação ao falo. De
i~riança, em sua trajetória edipiana. modo que o falo, ou, mais exatamente, o significantefálico,
Pode-se sempre questionar: por que tais casos modelos só tem uma função: a de simbolizar a própria diferença
não induzem efeito's simbólicos da mesma maneira que a sexual. E é justamente essa função de referência que impõe a
vetorização habitual da função paterna? todo sujeito ter que negociar sua própria identidade sexual
Para reter apenas um caso modelo deliberadamente exem- perante este significante fálico. Assim, não é por acaso que
plar, vamos evocar a amplitude dos tormentos imaginários Lacan insiste em designar esta incidência do significante
com que sc defrontam os casais de mulheres homossexuais fálico como significante dafalta no Outro: S(A).1
que têm filhos. Num casal como esse, por que uma das Da mesma maneira, Lacan inscreve a primazia desse
parceims femininas não poderia jamais assumir a função significante em suas famosas fórmulas da sexuação, pro-
paterna, por mais que se esforçasse para isso junto à criança? pondo algoritmos lógicos radicalmente diferentes para sim-
A solução deste problema, por mais que as homossexuais bolizar a sexuação das mulheres.2 Essa diferença de
experimentem sofrimento ao tentar resolvê-Ia, é infeliz-
inscrição significa apenas que não existe, para as mulheres,
mente bem mais simples: está ligada, fundamentalmente,
outra referência à castração além daquela que opera para os
ao real da diferença entre os sexos. Ora, quer se queira
homens: o Nome-da-Pai, ou seja, este "ao menos um" Pai
sabê-Ia ou não, esta é irredutíve1. O papel matemo é inex-
simbólico, não castrado e detentor do falo.
pugnável, no sentido em que é instituído e sustentado pela
questão da diferença dos sexos aos olhos da criança. Por
sua vez, a função paterna só é operatória simbolicamente
por proceder diretamente dela. Em outras palavras, é a lei
do falo que é determina!lte. Sob certos aspectos, todos os avatares da função paterna
Certamente, basta que o significante Nome-da-Pai seia permanecem, portanto, suspensos no destino que é reserva-
convocado pelo discurso matemo para que a função media- do ao significante dafalta no Outro: S(A).
dora do Pai simbólico seja estruturante. Mas é necessário
ainda que este signHicantc Nome-da-Pai seja explicitamente,
1 Cf. J. Dor, lntroductioll d ia iecture de Lacall, tomo I, op. cit., capo
e sem ambigüidades, referido à existência de um terceiro, 25, p. 245.
marcado em sua diferença sexual relativamente ao protago- 2 3x ~x e Vx Q>x.Cf. Joe\ Dor, Structure et Perversiolls, op. cit.,
nista que se apresenta como mãe. É só nessas condições que, capo 16, pp. 217/227.
O significante da falta no Outro especifica, antes de mais seu falo. Nesse sentido, se a criança se vê confrontada com
uma inevitável estase do desejo diante da função fálica -
nada, a prevalência da castração. É neste lugar que o desejo
ser ou não ser o falo do Outro? -, nem por isso ela deixa de
da criança vai encontrar a lei do desejo do outro, a do pai.
ser solicitada a um reconhecimento do real da diferença dos
Nessas circunstâncias, a mãe irá se revelar como uma ocor-
sexos, daí por diante subentendida pelafalta do desejo que
rência barrada enquanto objeto de gozo.
prefigura, para ela, a assunção da castração.
Vimos que isso não poderia advir como processo de
Da mesma maneira, o discurso da mãe que deixa em
simbolização estruturante para a criança, a não ser na me-
suspenso o questionamento da criança quanto ao objeto do
dida em que o pai lhe aparecesse como suposto ter o falo.
desejo matemo vai incitá-Ia a conduzir sua interrogação
O que equivale a dizer que a função paterna só é operatória
para além do lugar onde sua identificação fálica conhece
sob a condição de que seja investida do estatuto de instância
um ponto de parada, isto é, a instância paterna da qual a mãe
simbólica mediadora.
se assinala então como dependente. Esta proposição aberta
A sorte dessa atribuição fálica escande, assim, a dialética
em benefício de um investimento simbólico no pai pode, no
edipiana abrindo caminho para potencialidades de "crista-
entanto, dar lugar a um avatar do móbil fálico que se
lizações" significativas, das quais dependerá diretamente
enquista naquilo que Lacan designa como "o ponto de
a organização das principais estruturas psíquicas: a estru-
ancoramento das perversões".
rura perversa, a estrutura obsessiva, a estrutura histérica,
De fato, por pouco que essa promoção psíquica no inves-
e até mesmo, por sua falta, as esrruturas psicóticas, como
timento da figura do pai encontre então qualquer substrato
veremos mais adiante.
favorável a alimentar o equívoco através dos significantes
matemos e paternos, nada mais é preciso para que tal ponto
FUNÇÃO PATERNA E ESTRUTURA PERVERSA
3 de ancoramento encontre a base que lhe convém numa
identificação perversa, a qual perpetua, sob o modo de uma
A intrusão da figura do Pai imaginário, fantasiado pela fi~ação particular, a identificação fálica primordial da
criança, tal como um concorrente fálico junto à mãe, esboça cnança.
a passagem da dialética do ser para a do ter. Todavia, essa Assim" capturada" na fronteira da dialética do ser e do
passagem só pode se efetuar logicamente sob a condição de ter, a criança vai se fechar então na representação de uma
que o pai apareça claramente à criança, num dado momento, falta não simbolizável que traduz o desmentido· permanen-
como aquele que é suposto deter o objeto que a mãe deseja. te que ela irá a partir daí manter quanto à castração da mãe.
Daí resulta que a mãe deve saber se significar para a Posto que o pai não pode ser destituído de sua investidura
criança como uma mãe faltosa que não seria de forma como rival fálico, fora da intercessão do significante da
alguma satisfeita pela criança, identificada ela própria ao falta no Outro, a passagem do registro do ser para o do ter
só será efetuada, neste caso, num espaço psíquico marginal.

3 A problemática da estruturação perversa só será evoeada aqui de


modo sucinto. Ela foi sistematicamente desenvolvida em minha obra
Srrllcrllre er Perversiolls, op. cil., à qual eu remeto.
Assim, a atribuição fálica do pai que lhe confere a autori- Um avatar da função paterna é pressentido, inelutavelmen-
dade de Pai simbólico (representante da Lei) nunca será te, por trás das lamentações passivas que o obsessivo des-
reconhecida, aqui, exceto para melhor ser incansavelmente dobra, repetidamente, com relação à invasão do amor da
contestada. Daí o exercício incapaz de ser superado de dois mãe. Gemendo sobre seu estatuto de objeto privilegiadq, do
estereótipos estruturais que atuam regularmente nas perver- desejo matemo, o obsessivo testemunha, sem saber, o in-
sões: o desafio e a transgressão. vestimento fálico preponderante que se operou sobre ele.
Não é preciso dizer que a ambigüidade indutora das Assim como convém designar os sujeitos histéricos como
estruturações perversas só é capaz de vytorizar a função militantes do ter, o obsessivo já se apresenta como um
paterna nessa vertente marginal sustentando-se em vários nostálgico do ser, que comemora, incansavelmente, os ves-
fatores favorecedores. Nesse sentido, para fazer aqui ape- tígios de um modo particular de relação que a mãe manteve
nas uma referência sucinta, vamos mencionar o apelo sedu- com ele. Não há romance familiar obsessivo em que o
tor e a cumplicidade libidinal da mãe, associados à interessado não se remeta a este privilégio de ter sido
complacência silenciosa do pai.4 pressentido como o filho preferido pela mãe. Nos móbeis
do desejo mobilizados pela lógica fálica, esse" privilégio"
não deixa de despertar na criança um investimento libidinal
precoce. Ela se encerra igualmente, de boa vontade, numa
crença psíquica que lhe confere um lugar de objeto junto ao
qual a mãe seria suscetível de encontrar aquilo que é supos-
A experiência clínica tende a corroborar a observação cor- to esperar do pai.
rente segundo a qual o sujeito obsessivo teria se sentido Identificamos aí, posta em causa, esta articulação deci-
demasiadamente amado pela mãe. Alguns, aliás, não hesi- siva da passagem do ser ao ter, na qual a mãe deve se
tam em explorar esta particularidade fenomenológica como significar como dependente do pai, enquanto aquele que lhe
um elemento de diagnóstico diferencial com relação à his- .. faz a lei" (Lacan) do ponto de vista de seu desejo. Apenas
teria, onde é de praxe registrar-se uma queixa circunstan- a significação desta "independência" mobiliza a criança
cialmente inversa. Mas, na medida em que a histérica se na dimensão do ter. Em conseqüência, toda ambigüidade do
compraz com mais freqüência numa reivindicação repara- discurso matemo pode favorecer a instalação imaginária da
dora quanto a um amor matemo considerado falho, nem criança num dispositivo de suplência à satisfação do desejo
por isso esta oposição é menos sujeita a reservas. Toda- da mãe.
via, esse bosquejo fenomenológico constitui um elemen- A lógica da organização obsessiva se apóia neste dispo-
to precioso para abordar as incidências determinantes da sitivo de suplência. Impõe-se uma precisão. Não se trata,
estrutura obsessiva. no caso, de uma suplência ao objeto do desejo da mãe.
Neste caso, estaríamos na presença de determinações pro-
pícias à organização de estruturas perversas, até mesmo
psicótieas. No presente caso, a criança só é convocada
Este encargo prematuro permite compreender o caráter
imaginariamente a suprir a satisfação do desejo materno na
particular do desejo do obsessivo que carrega sempre o selo
medida em que esta satisfação lhe é significada comofalha
exigente e imperativo da necessidade. Disso resulta uma
pela mãe, à qual, à sua revelia, consolida assim sua adesão
enfermidade do lado da demanda que o inscreve numa
equívoca à função paterna. Se a criança percebe correta-
passividade masoquista, impondo-lhe ter que fazer com
mente a dependência desejante da mãe em relação ao pai,
que o outro adivinhe e articule aquilo que ele mesmo não
nem por isso deixa de reter a mensagem de uma insatisfação
consegue demandar. De modo geral esta enfermidade
materna a propósito daquilo que ela é suposta esperar dele.
estrutural se traduz pela servidão voluntária do obsessi-
Trata-se, portanto, de uma vacância parcial da satisfação do
vo, que o obriga a dever assumir todas as conseqüências
desejo materno que suscita, na criança, a necessidade de
de sua atitude passiva. Do mesmo modo, ele se compraz
preenchê-Ia.
em ocupar, de bom grado, o lugar de objeto de gozo do
Assim como o desejo da mãe faz referência à investi dura
outro, que o remete ao estatuto fálico infantil, no qual se
do Pai simbólico, convocando a criança a assumir a castra-
encontrou precocemente encerrado como filho privile-
ção que daí resulta, igualmente a satisfação insuficiente
desse desejo materno constitui um apelo regressivo à ma- giado pela mãe. Igualmente a queixa repetitiva da qual se
nutenção da identificação fálica da eriança.~Daí--a "nostal- beneficia, sobre este fundo de sadização, lhe permite, em
gia" de um retorno ao ser, vivamente cobiçado, mas nunea troca, assumir plenamente seu próprio gozo.
plenamente realizado. A culpa vai então tomar-se a expressão mais direta
É por essa inscrição singular pen:nte a função paterna desse privilégio quase incestuoso da criança quanto à
que a criança negocia sua transação psíquica entre o ser e castração. Fixado eroticamente na mãe, o obsessivo per-
o ter. Daí resulta, pois, uma problemática específica do manece continuamente cativo do temor da castração, o
obsessivo em relação a seu acesso ao universo de desejo e qual ele vai negociar, sintomaticamente, no terreno da
da Lei, eujos vestígios mais notáveis não cessam de se perda.
.exercer sobre o modo de gozo passivo c na revolta compe- Da mesma forma que o obsessivo apresenta uma tendên-
titiva com relação ao lugar de qualquer figura d~ª-!Jlo.ci.dade cia a se constituir como tudo para o outro, assim também
que reative a imago paterna. ele deve, despoticamente, tudo controlar e dominar para
Ali onde, logieamcnte, a criança deveria ser confron- que o outro não lhe escape de forma alguma. Semelhante
tada com a insatisfação, o futuro obsessivo está, em vez ambivalência cultivada com relação ao estatuto fálico e à
disso, cativo da satisfação na relação de suplência que perda inerente à castração induz no obsessivo uma proble-
mantém diante do investimento desejante materno. En- mática específica no que diz respeito ao pai, e, mais além,
quanto que ordinariamente o desejo se separa da necessida- perante qualquer figura que remeta, metonimicamente, à
de para entrar no processo da demanda, no caso presente, autoridade paterna.
em lugar de se chocar com a falta e se escoar na expectati va É por ser onipresente que a imago paterna alimenta e
da demanda, o desejo é curto-circuitado pela mãe insatis- mantém a dimensão da rivalidade e da competição em tais
feita que encontra aí um objeto de suplência. sujeitos. O obsessivo não cessa de desdobrar uma atividade
contínua para substituir o pai - e seus representantes - e
ocupar seu lugar junto à mãe. Os mais arcaicos votos de
morte inconscientes ressurgem assim constantemente ao
encontro de toda figura paterna cujo lugar convém tomar.
Esta preocupação em "tomar o lugar" do outro abre uma via
para todas as lutas de prestígio, todos os combates grandio- Ainda uma vez, é em tomo do modo de encargo psíquico
sos e dolorosos nos quais, paradoxalmente, o obsessivo não da passagem do ser ao ter que podemos demarcar os pontos
perde uma opot1unidade de se confrontar com a castração. de cristalização determinantes da organização histérica no
Inversamente à histérica, quanto mais o Mestre é insu- que diz respeito à função paterna. No presente caso, convém
portável ao obsessivo por ser suposto deter aquilo que ele insistir, antes de mais nada, na inversão dialética do ser para
cobiça, tanto mais este Mestre lhe deve aparecer enquan- o ter, a propósito da qual Lacan traz o seguinte esclareci-
to tal e assim permanecer. Se o obsessivo tem necessida- mento:
de de um Mestre, não se deve perder de vista que todas
as estratégias de rivalidade e competição destinadas a Para tê-lo (o falo), é preciso inicialmente que tenha
desafiá-lo surgem sempre apenas para melhor assegurar sido colocado que não se o pode ter, que essa possibili-
que este lugar é inconquistável. Com efeito, é justamente dade de ser castrado é essencial para que se assuma o fato
porque o pai está em seu lugar que sua colocação à prova de ter o falo. É este o passo que deve ser dado; t:. aí que
reiterada tem por objetivo assegurar-se da existência sal- deve intervir em algum momento, eficazmente, realmen-
vadora da castração, temperando, dessa maneira, a eroti- te, efetivamente o pai.6
zação incestuosa com a mãe na qual o obsessivo está
inconscientemente encerrado. O móbil histérico representa, por excelência, a questão
Tal como um herói, o obsessivo sofre deste despeda- desse" passo a ser dado". A assunção da conquista do falo
çamento épico entre a Lei do Pai, à qual é preciso tudo só. é fundamental na medida em que é através dela que a
sacrificar, e esta mesma Lei que se deve, além disso, cnança se esquiva à rivalidade fálica na qual se instalou tão
derrotar e dominar por sua própria conta. Essa luta im- imaginariamente quanto nela convocou o pai. Sob certos
perturbável se desloca sobre múltiplos objetos de inves- aspectos, essa assunção fálica atesta, pois, este momento
timento, contribuindo assim para definir esse perfil decisi,:o designado por Freud como o "dec1ínio do comple-
específico da personalidade obsessiva que Freud definia xo de Edipo".7
sob a designação de .. caráter anal" . j

6 J. Lacan, Les formations de l'inconscient op cit seminário de


22/1/1958. ' . .,
5 S. Freud, "Charakter ulld allalerotik" (1908), G. W. VII, 203/209,
S. E. IX, 167/175. Tradução francesa: D. Berger, P. Bruno, G. Guéri- ~mS' Freud, "Der Untergang des Odipuskomplexes" (1923). G.W.
neau, F. Oppenot, "Caractere et érotisme anal", in Névrose, psychose L ' 395-405, S.E. XIX, 171/179. Tradução francesa de D. Berger e J.
et perversioll, Paris, PUF, 1973, pp. 143/149 (Caráter e Erotismo Anal, P a~lanche, "La disparition du Complexe d'CEdipe", in La vie sexuelle,
ESB voI. IX). . arSB1s
PUF,
, 1969, pp. 116/122. ("A Dissolução do Complexo de Édipo"
E voI. XIX.) ,
A lógica do desejo histérico se inaugura, assim, no in- Nesse sentido, qualquer ambivalência cultivada pela mãe
vestimento psíquico da atribuição fálica do pai. Se o pai e pelo pai quanto à exata inscrição da atribuição fálica pode,
deve .. fazer a prova" (Lacan) dessa atribuição, veremos nesse momento, concorrer favoravelmente para a organiza-
que toda a economia desejante histérica não vai cessar de ção de uma estrutura histérica.
se esforçar para pôr à prova cste "fazer a prova". Com efeito, os traços estruturais mais notáveis da histe-
ria estão enraizados no terreno da reivindicação do ter.
É na media em que ele (o pai) intcrvém como aquele Conforme a histérica seja mulher ou homem, essa reivindi-
que tem o falo, e não que o é, que pode se produzir cação 'irá assumir contornos fenomelógicos diferentes. To-
alguma coisa que reinstaure a instância do falo como davia, o processo não deixará de se desenvolver numa
objeto desejado pela mãe e não mais somente como dinâmica idêntica: conquistar o atributo do qual o sujeito se
objeto do qual o pai a pode privar.8 considera injustamente desprovido. Quer se trate para a
mulher histérica de "se fazer de homem" (Lacan), ou ao
A histérica vai, assim, interrogar c contestar sem des- contrário, para o homem, de se atormentar em dar as provas
canso a atribuição fálica, numa oscilação psíquica cons- de sua virilidade, a coisa não muda em nada. Tanto de um
tante em torno dessa "alguma coisa" sublinhada por lado como do outro, subsiste uma adesão fantasística idên-
Lacan. Podemos traduzir essa posição psíquica como tica ao objeto fálico e a sua posse suposta, traduzindo, por
uma indeterminação que se desenvolveria entre as duas aí mesmo, a confissão de que o sujeito não poderia tê-Io.
opções seguintes: por um lado, o pai tem o falo por Daí a existência de um traço inaugural que satura toda a
direito, o que explica que a mãc possa desejá-Io junto a economia psíquica da estrutura do histérico: sua alienação
ele; por outro lado, o pai só tem o falo na medida em que subjetiva ao desejo do Outro. -
dele privou a mãe. Evidentemente que é sobretudo em É justamente porque o histérico se sente injustamente
torno da segunda vertente dessa oscilação que a histé- p?~ad? do objeto do desejo edipiano - o falo - que a
rica vai manter esta colocação à prova da atribuição dmamIca do desejo vai essencialmente ressoar ao nível do
fálica. ter. De fato, o histérico não tem outra saída senão delegar
Aceitar que o pai apareça como o único depositário legal a,questão de seu próprio desejo junto ao Outro que é suposto
te-Io, o qual, em conseqüência, é sempre pressentido, então,
do falo é engajar seu desejo junto a ele sob o modo de não
como detentor da resposta para o enigma do desejo.
tê-lo. Em contrapartida, contestar o falo paterno na medida
, Semelhante estratégia serve de suporte privilegiado à
em que ele só o tem por tê-Io tomado da mãe é promover
Identificação histérica que observamos de maneira onipre-
uma reivindicação permanentc relativa ao fato de que a mãe
sente tanto nas mulheres quanto nos homens.
também poderia tê-Io por direito.
Por exemplo, uma mulher histérica vai se identificar de
b~m grado, com uma outra mulher, desde que esta última
saIba se apresentar como alguém que não tem o falo mas
8 J. Lacan, Les formations de /'inconscient, op, cit., seminário de pode contudo desejá-Io num outro. Neste caso, tal mulher
22/1/1958. aparece como alguém que soube resolver o enigma do
santificam a abnegação sacrificial consentida ao desejo do
desejo: como desejar, quando se foi privado daquilo a que
Outro, tudo isso perpetua seu ponto de ancoramento estru-
se supõe ter direito? Daí a subseqüente identificação da
turalmente sintomático quanto à função paterna.
histérica a uma tal mulher desejante.
A identificação histérica também pode se constituir ini-
cialmente sob o modelo daquela que, não o tendo, reivindi-
ca-o como podendo, apesar de tudo, vir a tê-Io. Trata-se aí
de um processo identificatório a que chamaríamos de iden- Por mais que essas diversas ocorrências determinantes na
tificação militante, ou ainda, identificação de soLidarieda- orgllnização psíquica dos sujeitos permaneçam todas, de
de, o que testemunha, uma vez mais, a cegueira sintomática uma maneira ou de outra, dependentes da sorte destinada à
que consiste em ocultar que só se pode desejar o falo sob a atribuição fálica do Pai simbólico, isso jamais implicou que
única condição de ter previamente aceito o não tê-Io. Em haja realmente o falo, e, a jortiori. que um pai deva se
todos os casos, esses processos identificatórios dão teste- esforçar para demonstrar à criança que o detém de verdade.
munho da alienação subjetiva da histérica em sua relação Contraditoriamente, qualquer manobra paterna que se de-
senvolva nesse sentido se toma alarmante, visto que conduz
com o desejo do outro.
Não é preciso mais para compreender essa disposição a criança a perder o marco essencial em tomo do qual
quase fatal da histérica a assujeitar seu próprio desejo intervém o falo para ela.
àquilo que imagina ou pressente ser o desejo do Outro, e a De fato, este marco lhe permite, em primeiro lugar,
dedicar-se a responder a ele anteci padamente. Além do fato re-situar o lugar exato do desejo da mãe. É preciso, portan-
to, que esse falo seja suposto ao pai pela própria criança, a
de esse excesso de delegação imaginária se prestar favora-
partir daquilo que ela pressente do desejo do Outro (a mãe).
velmente a toda a sorte de sugestionamentos, observamos
Toda demonstração do pai que tenda a fornecer à criança a
mais comumente, nessa dinâmica de assujeitamento, a elei-
prova de que ele o tem na realidade está necessariamente
ção privilegiada do lugar do Mestre, do qual a histérica não
destinada ao fracasso. Por um lado, porque tal prova per-
poderia se afastar para cultivar sua aptidão ao desconheci-
manecerá para todo o sempre imaginária. Por outro lado,
mento da questão de seu desejo e à insatisfação que disso
porque ~Ia invalida as virtudes estruturantes da demarcação
resulta. No caso, não é indispensável, necessariamente, que
do desejO da mãe para a criança.
o eleito apresente quaisquer disposições comprovadas ao
Ademais, tentar dar a prova de que se tem realmente o
exercício da mestria. Importa, porém, antes de mais nada,
falo é, ao contrário, demonstrar que não se o tem, ou ao
que a histérica o entronhe, à sua revelia, em tal lugar, na
menos de que não se está certo de o ter. Não pode ser de
sua economia psíquica. O interesse desse investimento fan-
~utra maneira, devido ao caráter intrinsecamente imaginá-
tasístico jamais excede a estratégia inconsciente que a con-
?o d.oobjeto fálico. Além disso, tal demonstração concorre
some: pôr à prova, inexoravelmente, a atribuição fálica
ln~vltavelmente para manter a criança na idéia de que não
assim suposta ao Mestre, para melhor poder destituí-lo dela.
hajalta. Sem o saber, o pai atribui à criança, então, um
O fervor das histéricas em praticar a mascarada do dar a
~ugar onde posteriormente ela só poderá se submeter ao
ver, do fazer valer o outro identificado a um objeto que ela
Imaginário da onipotênciajálica.
deve fazer reluzir, e até mesmo as cruzadas masoquistas que
Enfim, um pai que se lança numa tal problemática de Ao fim de um certo tempo, invariavelmente irritado pela
prova diante do filho confirma diante deste, se~ o saber, que desatenção de seu pequeno ouvinte, o pai punha um termo
é vítima da mesma coisa. Imaginando que é precIso realmente ao banho pedagógico, contando eternamente ao filho a
tê-lo e recusando a castração, ele significa dessa maneira que mesma história de fadas.
contesta a dimensão da falta por sua própria conta. Uma fada aparecia a um menino quando ele estava na
escola. Mandava-o fazer um pedido em segredo e prome-
tia-lhe que o pedido seria realizado assim que ele chegasse
em casa. Depois a fada desaparecia. No final do conto, o
Vamos ilustrar um desses avatares mediante um fragmento pai se dirigia então ao filho - em meio a suas longas
clínico onde veremos como certas ambigüidades induzidas tagarelices sapientes, este momento era provavelmente o
quanto' à demarcação do falo são suscetíveis ~e cristalizar único em que lhe falava com autenticidade - e perguntava:
o ordenamento da economia psíquica no camInho de uma - Se fosse você o menino da história, que desejo teria
organização histérica. formulado?
Durante uma sessão, um jovem paciente me contou essa Em geral, em seu foro íntimo, por estar inteiramente
historieta de sua infância.9 fascinado pelo tamanho do pênis paterno, o menino deseja-
Quando tinha cinco ou seis anos, seu pai tinha o hábito va evidentementç se tomar proprietário, ele próprio, de um
de convidá-Io a partilhar um ritual de aparência bastante objeto tão avidamente cobiçado. Mas, não podendo expli-
inocente. Toda vez que ia tomar banho, pedia ao filho para car-se, costumava ficar mudo por alguns instantes e depois,
assisti-l o nessa operação que assumia, invariavelment~, o expulsando com violência de seu pensamento o seu desejo
aspecto de uma ablução pedagógica. Do fundo.da banh~lta, mais íntimo, deixava-se dizer que gostaria de ganhar um
o pai instruía doutamente o filho sobre as COlsas da VIda, saco de guloseimas, ou um bocado de dinheiro. Consterna-
com grande erudição. . . do pela falta de originalidade do filho, o pai saía então do
Apesar dos magistrais esforços educatl:,os de se~ ~al, o banho e envolvia sua dignidade ofendida num roupão, dei-
menino, completamente subjugado pela VIsão do pe~l:, d~- xando o filho plantado ao lado da banheira.
quele, permanecia bastante surdo aos assaltos ~e eloquencla Um dia, impaciente com a indigência intelectual da
com os quais lhe era dispensado um saber preclOso. Dura~te criança, o pai, tal como Arquimedes, possuído por um
essas sessões de sapiência paterna, ele ficava sempre mUlto clarão de perspicácia engenhosa no fundo da banheira,
angustiado pelo tamanho daquele sexo que,. não apenas cometeu uma variação no seu conto de fadas.
parecia impressionante aos seus olhos de cn~nça,_ co~o A fada vem, como sempre, visitar o garotinho na escola,
ainda o transportava, ipso facto, a mudas rummaçoes m- mas nessa manhã este está com dificuldades para escolher
quietantes quanto ao futuro de seu próprio pênis. o seu desejo. A fada insiste. Durante a discussão, o menino
alimenta, secretamente, este desejo singular: "Que eu já
es.teja em casa para receber o que pedi, quando tiver esco-
9 A história que narro aqui, com o consentime~to do ~ntere~do, foi lhIdo. " Imediatamente, ele se encontra em casa, pois a fada
voluntariamente cortada de referências anamnéslcas mais precIsas. concedera-lhe o desejo de ali estar, assim que ele o formu-
o do pai. Daí as suas mudas tergiversações, para estancar a
lara em pensamento. O menino fica bastante aborrecido de escolha do desejo.
nada encontrar, já que não soubera escolher. .Nesse ~entido, o pai era bom conhecedor do assunto, pois
Diante do espanto do filho, o pai, inesgotável, não pôde fOI o mutlsmo prolongado do filho que lhe sugeriu incons-
evitar, para aperfeiçoar sua educação, de lhe ensinar a moral cientemente a modificação do curso da história. De maneira
dessa história: que só poderia acontecer ao menino, silencioso como o da
_ Meu filho - disse ele -, quando se deseja muita coisa história, o mesmo que aconteceu a este: por desejar demais
ao mesmo tempo, fica-se sem nada. na~ obte;re. De fato, não obteve aquilo que achava que o
A pobreza dessa conclusão foi salutar para o menino. O paI possma, e através do qual lhe era possível ter direito à
pai se absteve dali por diante de incomodá-lo com as virtu- intimidade da mãe: o falo. Mas não o obteve, na medida
des de seus ensinamentos aquáticos. Todavia, esse efeito exata em q~e o pai se preocupava em lhe demonstrar que
salutar foi só provisório. A historieta inocente estava, de ele o possma de verdade, na realidade, exibindo-lhe perver-
fato, inscrita no terreno de uma vivência edipiana já ampla- samente o seu grande pênis velado pela mascarada do conto
mente minada por outras ocorrências "pedago-lógicas" de fadas.
paternas do mesmo tipo, as quais contribuíram, sem dúvida . Com~ toda moral veicula um fundo de verdade, a prova
alguma, para induzir e cultivar posteriormente uma sólida dISSO.fOl a e~bição do grande pênis: por tê-lo desejado
histeria masculina no filho. demaIS, o meruno nunca o obteria. E com efeito, depois de
Este jovem veio me consultar l'evido a um problema de adulto, esse homem se comportava junto às mulheres como
ejaculação precoce tão grave quanto incapacitante. Foi a algué~ que não o tinha. Continuava, assim, prisioneiro da
propósito da análise desse sintoma que essa lembrança fantaSIa na qual seu pai o havia encerrado: é preciso tê-Io
infantil voltou no decorrer de uma associação. ~ara .ass~gurar a posse de uma mulher. O que deixava,
Devido à conjuntura edi piana na qual este acontecimento lmagmanamente, supor que uma mulher só poderia gozar
infantil se desenvolvia, o conto só poderia assumir, por sucumbindo à onipotência fálica de um homem. Da mesma
deslocamento, um certo modo de significação metafórica. maneira, capturado pela fantasia de não tê-lo esse homem
Completamente identificado com o menino visitado pela res~ndia com convicção ao desejo de ~a mulher da
fada, essa criança ficou capturada num impasse psíquico segmnte maneira: "eu não tenho o pênis", até mesmo "só
inevitável. o tenho parcialmente" , o que testemunhava sua ejaculação
Por mais tentado que ficasse a fazer o voto de ter um precoce.
pênis como o do pai, era-lhe no entanto impossível subscre- Esta análise impõe que nos questionemos, além do mais
vê-lo em razão da Lei. Ter o pênis paterno tomava-se sob re ~ aUtu
. d e paterna para com a criança. Qual era o gozo'
equivalente a suprimir esse pai para assumir seu lugar ao do paI durante seus banhos pedagógicos? Podemos com-
lado da mãe. Compreende-se por que o menino expulsava ~reender disso, no mínimo, que ele gozava com a questão
esse mau pensamento, culposo, com a maior energia, em mconsciente do filho a respeito do falo, procurando provar-
benefício do desejo de um saco de balas ou um bocado de l~e, regularmente, que ele tinha, na realidade, aquilo de que
dinheiro tranqüilizadores. Mas nenhuma fortuna ou gulo- nao estava muito certo de ter sido investido. Esse pai,
seima poderia exercer a mesma atração de um pênis como
manifestamente cativo, por sua vez, numa oscilação entre A inscrição de cada um na função fálica constitui um
o ser e o ter, prosseguia inconscientemente sua busca pes- evento suficientemente singular na estruturação psíquica
soal da demarcação do falo num percurso de evitamento para que essa referência à função paterna seja objeto de
imaginário da castraçã(). Procurando assegurar-se quanto à múltiplas interferências, às vezes impossíveis de serem
posse do objeto que obtura a falta, só conseguia se iludir circunscritas de imediato no contexto de uma antecipação
quanto ao significante fálico exibindo o órgão. clínica unívoca.
Vê-se como a natureza dessa confusão órgão/falo ex- A prova disso seria a interação, às vezes muito espetacu-
pressa ao máximo a posição subjetiva de um pai confronta- lar, de manifestações sintomáticas ambíguas na dinâmica
do com uma falta da qual nada quer saber, a partir do psíquica de alguns sujeitos, nos quais é possível, no entanto,
momento em que é interpelado pelo desejo de uma mulher. delimitar a causalidade estrutural que os situa relativamen-
Devido a essa ameaça, tomou-se impossível para ele per- te à função do pai.
mitir ao filho completar o périplo que poderia levá-Io, Como exemplo disso, daremos a atuação de manifesta-
progressivamente, a supor nele a existência do falo e assim ções perversas num caso de histeria masculina. 10
renunciar à convicção imaginária que o fazia permanecer
identificado ao falo da mãe. Em suma, identificado demais
ele mesmo com o falo do Outro, esse pai permanecia pri-
sioneiro de uma lógica psíquica que obturava sua capacida-
A economia desejante do histérico é atingida por uma
de de se deixar supor pela criança como o detentor de um.
ambivalência fundamental, da qual podemos especificar as
Arrasava, assim, antecipadamente, o encaminhamento ne-
duas vertentes antagonistas pela seguinte alternativa: exis-
cessário a essa suposição. Colocando o órgão em primeiro
tir por si ou aparecer aos olhos do outro. Da mesma maneira,
plano na cena, ele preservava inconscientemente a possibi-
poderíamos dizer: desejar por si mesmo ou desejar à própria
lidade de se manter na posição de ser o falo do Outro,
revelia, isto é, em vista daquilo que o outro é suposto
evitando, pois, ter que assumir a castração. Em contrapar-
esperar em seu desejo. II
tida, subjugava o filho no terreno do móbil fálico que se
Logo, não é surpreendente encontrar os vestígios dessa
ordena, como sabemos, em tomo da problemática do pênis
ambivalência no próprio centro da problemática sexual do
nas teorias sexuais infantis.
homem histérico. Todavia, para além dessa ambivalência,
Conclusão: a criança, tomada adulto, permaneceu vítima
a questão da relação com o outro feminino é, por antecipa-
do imaginário edipiano que O pai se esforçou por perpetuar
ção, alienada num certo tipo de representação da mulher
para si mesmo através da encarnação do órgão.

10 Esta observação já foi publicada em Perspectives psychiatriques,


1989, n2 16/1, pp.19/24.
Vamos nos abster, no entanto, de aceitar os marcos dessa 11 ef. L. Israel, L 'hystériques, le sexe et le médecin, Paris, Masson,
lógica fálica como índices se mio lógicos estáveis, capazes 1976.
de apoiar com certeza alguma avaliação diagnóstica.
e a virilidade. Essa confusão tem sua origem numa inter-
como mulher idealizada in(lcessível, o que não deixa de
pretaçãO particular que o histérico mobiliza no lugar da
recordar o investimento do ideal feminino tal como este é
demanda de toda mulher:. Esta última, de fato, jamais é
visto operando nos perversos. Entretanto, não se trata aí da
percebida como uma solicitação desejante que se dirigiria,
mulher erigida em virgem intocável e pura de todo desejo,
legitimamente, a um outro desejo. Em contra partida, ela é
tal como o perverso a cultiva em sua fantasia. 12
sempre ouvida pelo histérico como uma injunção de ter que
De fato, no homem histérico, a mulher só é inacessível,
dar provas de sua virilidade. Ele, o homem histérico, jamais
na maioria das vezes, na medida em que ele mantém um poderia ser desejado por uma mulher, a não ser na medida
certo tipo de conduta de evitação no que diz respeito a um apenas em que ela é suposta esperar dele a demonstração
confronto direto e pessoal no terreno da sexualidade com de que é viril. Em outras palavras, tudo se passa, então,
ela. Esse modo de evitação é essencialmente predetermina- como se a relação desejante se fundasse, na histeria, sobre
do no histérico pela relação ambivalcntel3 que é a sua diante a necessidade de deverjustificar que tem, realmente, aquilo
da função fálica.'4 Se a mulher é, por excelência, aquilo que que a mulher lhe demanda, isto é, o falo. Alimentando a
lhe permite se situar relativamente à posse do objeto fálico, convicção imaginária de não ser seu depositário, ele só lhe
o histérico nem por isso está menos cativo de um modo de pode responder dessa maneira: .. eu não tenho o pênis" .
atribuição fálica negativizado pela fantasia crucificante do Sem entrar nos detalhes da dialética pênis/falo no homem
"não tê-Ia". histérico,IS é, pois, marcada por essa confusão quanto à
Essa desinvestidura imaginária do atributo fálico permite natureza do objeto que vem se instalar a impotência, ou seja,
não apenas compreendera confusão sintomatológica pênis/fa- o último meio de adiar qualquer encontro sexual com uma
lo que obseda sua relação descjante com a mulher, sob o modo
mulher.
característico de impotência e/ou ejaculação precoce, mas Na medida em que a ejaculação precoce depende de um
ainda a instituição acessória de manifestações perversas processo um pouco diferente da impotência, esse sintoma
que podem, à primeira vista, dar a impressão, do ponto se inscreve na histeria masculina sobre o fundo de uma
de vista diagnóstico, de autênticos casos de perversões. mesma confusão. Se, no caso presente, o ato sexual se verifica
No homem histérico, a relação desejante com a mulher possível com uma mulher, assim mesmo ele comporta um
é minada por uma elaboração inconsciente que tem por risco: não conseguir demonstrar-lhe que tem o falo, assumin-
conseqüência manter uma completa confusão entre o desejo do o ato até seu termo. Ora, nessa perspectiva, este termo
se inscreve, ainda aí, tal como uma injunção fantasística,
esti pulando que uma mulher só pode gozar se o homem sou-
12 Cf. J. Dor, Structure et Perversions, op. cil., p. 153 sq.
ber dar provas de sua mestria fálica. Compreende-se que
13 Cf. S. Freud, "Hysterische phantasien und ihre Beziehung zur Bise-
xualitat" (1908), G.W. VII, 191/199, S. E. IX, 155/166. Tradução semelhante performance imaginária seja particularmente
francesa de J. Laplanche, "Les fantasmes hystériques et leur relation à
Ia bisexualité" in Névrose, psychose et perversioll, op. cil., pp. 149/155.
(As fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade, ESB vaI. 15 Cf. a) _ L. Israel, L 'Hystérique, le sexe et le médecill, op. cil., pp. 63
IX.) ~ 119/128; b) F. Perrier, "Structure hystérique et dialogue analytique",
14 Com relação à "função fálica", cf. 1. Dor, Inrroduction à Ia lecture
tn La Chaussée d'Antill, tomo lI, Paris, 10/18, 1978, pp. 74/78.
dt! Lacall, tomo I, op. cil., capo 11 e 12, pp. 97 sq.
/
Nesse sentido, as manifestações perversas se apresentam
ansiogênica, de sorte que é a própria angústia que vai preci-
como outras tantas mediações favoráveis a esta distância
pitar e causar um curto-circuito em todo o processo sexual.
Sob tais condições, o objetivo esperado, isto é, o gozo das mulheres, sem a qual o seu encontro se tornaria insu-
portável porque, de antemão, voltado ao fracasso sexual.
feminino, só pode ser ameaçador. Só aquele que dispõe da
Mencionamos desde já a passagem ao ato homossexual
mestria absoluta do falo é capaz de assumi-lo, ou seja, é
como procedimento radical de evitação do parceiro femini-
suscetível de dominá-Ia. O que equivale a dizer que o gozo
no.17 Todavia, trata-se bem mais, na histeria masculina, de
da mulher é sempre percebido como uma derrota diante do
uma máscara homossexual do que de uma homossexuali-
poder fálico vitorioso. Não dispondo do atributo que lhe
dade verdadeira, fundada numa escolha de objeto de amor
poderia permitir esta vitória, o histérico não tem, portan-
exclusivamente masculino.18 De fato, essas paródias ho-
to, outra solução a não ser assujeitar-se ele mesmo ao
mossexuais são capazes de induzir compensações secundá-
poder daquele que o tem. Assim, ele se encerra volunta-
rias tranqüilizadoras, já que o outro, igual a si, protege
riamente na situação de alguém que vai capitular diante
contra a diferença do feminino.
de um tal poder. Para fazê-Io, o histérico masculino se
Freqüentemente, essa mediação se sustenta por uma
identifica inconscientemente com o parceiro feminino, de
compulsão à masturbação, sustentada por encenações fan-
modo que sua ejaculação precoce se torna o testemunho
tasísticas perversas, notada mente por roteiros eróticos de
mais imediato de sua capitulação. Ele goza, então, tal
mulheres homossexuais.
como imagina que uma mulher goze ao sucumbir ela
Da mesma maneira, o exibicionismo e sua forma eletiva
mesma ao poder fálico.
de inversão em seu contrário, o voyeurismo,19 podem en-
A conjunção desses dois tipos de falhas sintomáticas
contrar pontos de ancoramento favoráveis na histeria mas-
induzidas pela confusão entre o desejo e a virilidade cons-
culina. Como na homossexualidade, trata-se mais de dar
titui freqüentemente no histérico um verdadeiro apelo à
livre curso à dimensão do fingir, do fazer de conta, que de
atualização perversa dos componentes sexuais. Este cami-
nho aberto a certas figurações da perversão é tanto melhor
explicado quanto permite adiar a possibilidade de um en- 17 Cf. S. Freud, "Uber infantile Sexualtheorien" (1908), G.W.VIl
contro sexual direto com as mulheres inacessíveis, subscre- 171/188, S.E. IX, 205/226. Tradução francesa de D. Berger e J. Laplan-
vendo ao mesmo tempo a estratégia tão cara às histéricas, che, "Les théories sexuelles infantiles", in La vie sexuelle, op. cil., pp.
14/27 (ESB vol IX, Sobre as teorias sexuais das crianças).
que consiste em manter um limiar constante de insatisfação. 18 Cf. S. Freud, "Uber einen besonderen Typus der Objektwah1 beim
Em acréscimo, a ambigüidade fundamentalmente alimen- Manne" (1910), G. W. vm 66/77, S.E. Xl, 163/175. Trad. francesa de
tada pelo histérico em relação à sua própria identidade J. Laplanche, "D'un type particulier de choix d'objet chez l'homme" in
ibid., pp. 47/55 ("Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos
sexual'6 impõe facilmente ao seu desejo assumir fomias de
homens", ESB vol. Xl).
expressão que irão acusar este perfil perverso. 19 Cf. S. Freud, "Triebe und Triebschicksale" (1915), G.W. X,
210/232, S.E. XIV, 109/140. Trad. francesa de 1. Laplanche e J.B.
Pontalis. "Pulsions et destin des pu1sions", in Métapsychologie, Pa-
ris, Gallimard, 1968, pp. 25 sq. ("Os instintos e suas vicissitudes",
16 Cf. S. Freud, "Les fantasmes hystériques et leur relation à Ia bise-
ESB vol. XIV).
xua1ité", in Névrose, psychose et perversion, op. cil.
se outorgar as liberdades do gozo de uma verdadeira per- sintomática que pode conduzir o Iústérico tI1asculino a
versão. De fato, ofazer de conta, por ser sempre sustentado atualizações perversas em suas relações com as mulheres.
pelo olhar do outro, toma-se o instrumento apropriado pelo Vamos abordar, inicialmente, a recordação das premis-
qual o histérico pode gozar fantasisticamente com seu jul- sas etiopatogênicas que parecem ter contribuído para o
gamento suposto desaprovador ou hostil. Para conseguir ancoramento decisivo de uma organização Iústérica num
isso, o sujeito histérico mantém notavelmente seu papel, jovem do Magreb, amplamente reforçada pelo contexto do
iludindo-se a si mesmo numa inflação de transbordamen- ambiente familiar.
tos perversos de caráter compulsivo que exigem, inevita- Como pertencente a essas premissas, evocarei um pri-
velmente, uma intervenção do outro. Todavia, deixando-se meiro acontecimento ocorrido na África do Norte, quando
o paciente tinha cerca de oito anos.
capturar por esta paródia, o outro assegura então, plena-
mente, o gozo do histérico que vê nessa intervenção a prova Ele vai ao banho das mulheres com a mãe, como está
acostumado a fazer há anos. Naquele dia, alguém diz a sua
mesma de que sua própria encenação mentirosa funcionou
mãe, na sua presença, que ele já está grande demais para
bem. Nesse sentido, toda denúncia, todo escândalo, prisão
continuar a acompanhá-Ia. Sem dar uma palavra, a mãe o
e qualquer outro tipo de clllpabilização serão tanto mais
dispensa brutalmente, e manda-o voltar para casa. Ele se
bem-vindos na medida em que trarão como lucro adicional
lembra desse acontecimento do modo como à época lhe
o gozo convocado pela inextinguível busca de limites que
significara: uma dispensa tão injustificada quanto ininteli-
a histérica põe à prova em sua relação problemática com a
gível, prescrita sob o modo de uma punição.
castração. No entanto, se o desafio e a transgressão têm uma
Da mesma forma, ele vai se sentir daí em diante conti-
oportunidade privilegiada de serem exercidos nesse terre- nuamente culpado na presença de mulheres, culpa que não
no, nem por isso deixam de estar enfermos do que constitui vai cessar, aliás, de redobrar sob o império dos fatos que se
seu motor e sua consistência nos perversos autêntieos.20 A sucederão.
prova, no caso, seria, como se dá nos outros capítulos da Alguns dias depois dessa "exclusão", seu pai o conduz,
histeria, que as melhores intrigas - mesmo as perversas - sem dar uma palavra, ao banho dos homens. Qual não é o
não poderiam resistir il indiferença do outro, por menos que seu espanto ao descobrir seu pai nu entre os outros. Ele fica
este outro se dedique a se afastar do papel de cúmplice estupefato diante desse espetáculo novo e inesperado. Mas
imaginário onde o histérico se esforça para instalá-lo. sua sideração lhe vale desde logo uma observação severa
O fragmento clínico que se segue21 parece-me ilustrar de do pai, proibindo-o de olhar para os homens nus com tanta
maneira exemplar os diferentes aspectos dessa dialética insistência.
É provável que a conjunção dessas duas proibições,
acerbas mas silenciosas, tenha fixado nesse homem toda
20 Cf. J. Dor, Structure et Perversiolls, op. cil., capo 13, pp. 173 sq. uma economia desejante lábil na vertente da histeria. De
21 Esta observação é publicada com o consentimento do interessado. resto, um grande número de lembranças da adolescência só
Numerosos elementos de anamnese foram mantidos em sigilo, sem que
isto em nada prejudique a apresentação clínica propriamente dita, nem
faz confirmar isso. Todavia, é na idade de dezoito anos, por
a sua lógica interna. oca~ião de suas primeiras experiências sexuais, que ele vai
assumir a exata amplitude das perturbações sintomáticas de totalmente "coberto" sempre que seu corpo for oferecido
que é objeto, principalmente quando de uma pequena cena ao olhar do outro, ou seja, em toda parte exceto em sua casa
familiar que parece ter catalisado, bruscamente, uma série quando está só ali. Assim, uma série de ocorrências ordiná-
de elementos complexuais latentes. rias da vida quotidiana vai insensivelmente se transformar
Aos dezessete anos, durante uma brincadeira muito ani- num longo e doloroso cal vário, condenado que estava a
mada com sua irmã (dois anos mais velha), ele se agarra ao permanecer agasalhado em qualquer circunstância, e em
seu penhoar, que se rasga, e ela lhe aparece nua. Desde o qualquer estação do ano.
episódio da infância, no banho das mulheres, nenhuma Ao mesmo tempo ele desenvolve uma ambivalência cada
outra ocasião lhe havia sido dada de estar em presença de vez maior para com as mulheres, cuja signif:cação, no
uma mulher despida. Surpreso com o incidente, ele fica sem entanto, não lhe escapa. Ao dizer que as detesta ele reco-
reação enquanto a irmã, em compensação, o dispensa com nhece detestar a si mesmo por não poder ter relações com
gracejos inocentes, divertindo-se muito com sua vergonha. elas. Mas, da mesma maneira, ele não pode suportar o
A partir desse dia, durante muitos anos seguidos, ele não menor olhar de uma mulher sobre si, perseguido pela fan-
poderá mais se despir diante de uma mulher. Este sintoma tasia atenazadora de estar sendo deliberadamente examina-
organizou-se sob o modo típico da inversão no seu contrá- do, porque já se percebeu a natureza do sintoma que o
rio,22 A nudez da irmã remeteu-o, justamente, à nudez da inca paci ta.
mãe no banho, isto é, àquele universo de gozo infantil que Sobre o fundo de uma existência tão infernal, dois even-
só lhe apareceu como "gozo" no dia em que lhe foi signi- tos sexuais vão precipitar sua problemática histérica para
ficado como proibido. É, portanto, no só-depois que a visão um terreno de expressão perversa.
freqüente de corpos femininos nus toma-se traumática e Por ocasião de uma volta de férias, ele viaja num com-
culposa, porque proibida ela própria. partimento de trem só com uma compatriota da sua mesma
província. Iniciam uma conversa amigável, durante a qual
Confrontado, por deslocamento, com a revelação do
ele se surpreende ao ver-se envolvido num diálogo com sua
corpo matemo proibido ao olhar, o processo se inverte em
interlocutora sem qualquer angústia. Mas, sub-repticiamen-
seu contrário, para neutralizar a culpa associada ao gozo da
te, é possuído por uma fantasia inquietadora: ao final da
percepção do corpo feminino. Ele vai então, a partir daí,
conversa, essa mulher pode muito bem estar esperando que
castigar-se antecipadamente por esse gozo e pelo desejo
ele lhe proponha fazer amor, o que lhe parece tão imp~nsá-
que o sustenta, não revelando nunca mais o seu corpo diante
vel quanto impossível.
de mulheres.
Tarde da noite, a dita compatriota mostra ser mais em-
Esse sintoma vai assumir, muito rapidamente, propor-
preendedora. Ela explicita, sem rodeios, o objeto de sua
ções espetaculares .. Para além da questão das mulheres
expectativa, que se verifica ser,em seu conteúdo, bastante
propriamente ditas, ele se sentirá obrigado a permanecer
perverso. Acometido de angústia, ele executa o ato, ainda
que a experiência acabe muito rapidamente. Mortificado
pelo fracasso, ele fica no entanto apaziguado sintomatica-
22 Cf. S. Freud, "Pulsions el destin des pulsions", in Métapsychologie,
op. cil. mente pela idéia de que uma mulher não tenha conseguido
gozar dele. Em contrapartida, não esperava é que sua com- mulher possa invadir o único lugar onde se sente protegido
panheira de viagem, para a qual não havia dificuldades, lhe dos olhares alheios logo se torna intolerável para ele. Re-
impusesse ser testemunha visual e passiva de uma experiên- solve, ainda assim, acolher o casal, apesar das condições
cia de prazer que ela havia julgado indispensável adminis- materiais precárias.
trar a si própria, com insistência e volúpia. Ao anoitecer ele é presa de uma crise de angústia, ima-
Depois de uma longa insônia, de manhãzinha, ele aban- ginando que talvez seus hóspedes façam amor durante a
dona o compartimento antes que sua companheira desperte. noite. A fantasia desse acasalamento furtivo deixa-o acor-
Essa cena sexual, violentamente traumática, vai se impor dado até de manhã. O que não acontece durante a primeira
a ele depois disso sob a forma de uma fantasia obsedante, noite acaba acontecendo na segunda.
absolutamente torturadora. Só muito mais tarde é que ele Completamcnte aterrorizado pelo fato de ser uma teste-
vai compreender que a tortura residia principalmente no munha tão próxima dessa cena de amor que se desenrola na
fato de que fora testemunha de uma descoberta: uma mulher escuridão, ele vai se lembrar por muito tempo da raiva que
podia gozar sem homem. Pode-se supor que, muito prova- o acometeu por não poder resolver-se quanto ao que lhe
velmente, essa descoberta recalcada foi submetida a uma teria sido menos insuportável em tais circunstâncias: teria
elaboração secundária, ao fim da qual a fantasia obsedante sido preferível escutar sem ver nada? Ou, ao contrário, não
organizou-se sob o modo de uma fantasia perversa, ou seja, teria sido melhor se pudesse ver sem ouvir? Algum tempo
a união homossexual entre a companheira do trem e uma depois, os vestígios dessa alternativa atualizaram-se numa
outra mulher, que ele posteriormente irá identificar sob a série de fantasias e realizações perversas.
aparência de sua irmã mais velha. Todavia, o essencial das dificuldades levantadas pela
Uma segunda ocorrência sexual quase contemporânea da ambigüidade daquela coabitação ainda não tinha surgido.
anterior vai, solidária com esta, dinamizar sua organização Na manhã seguinte, o amigo lhe diz que terá que partir por
histérica no caminho dos ganhos secundários perversos. quarenta e oito horas, e pede que continue a hospedar sua
Um de seus amigos de infância, que ele não vê há anos, companheira durante sua ausência. Esta proposta deixa-o
informa-o de que passará alguns dias em Paris e lhe pede completamente mudo. Aceita, mais uma vez, apesar da
hospedagem. Embora não disponha de muitos recursos para apreensão que o invade à perspectiva de se encontrar só com
isso,já que só ocupa um quarto na Cidade Universitária, ele uma mulher em seu próprio quarto.
aceita, no entanto, recebê-Io. Qual não é sua surpresa ao ver Na hora de partir, o amigo acha útil dar-lhe o seguinte
o amigo chegar em companhia de uma jovem! Assaltado conselho: "Não se preocupe com ela. É bom que aprenda
por uma angustiante perplexidade, entre a iniciativa de a virar-se sozinha!" De maneira singular, ele escuta essa
mandar embora os dois imediatamente, ou aceitar sua pre- frase com uma acepção sexual que não deixa de inquietá-Io;
sença sem nada dizer, ele não consegue se decidir por como se fosse um convite a se deixar usar passivamente por
nenhuma das duas soluções. Por um lado, sente-se culpado aquela mulher. Preso, assim, na armadilha de seu próprio
por dever recusar hospitalidade ao amigo, possivelmente sintoma, ele mesmo vai promover, inconscientemente, seu
devido à atuação de toda uma problemática homossexual desenvolvimento. Na defensiva, pronto a fugir ao menor
inconsciente. Por outro lado, a perspectiva de que uma sinal de sedução que ~ moça pudesse lhe demonstrar, ele
mesmo vai seduzi-Ia, sem o saber, mediante um redobra- sem que ele escute inexoravelmente as seqüências selecio-
ment~ de atenções e uma solicitude constante, que ele nadas, pontuando sua audição por sessões de masturbação
acredItava serem, precisamente, destinados a neutralizar frenética.
quaisquer veleidades eróticas. Mostra-se com efeito tão Rapidamente esgotado pelas sucessivas noites de vigi-
atencioso que, à noite, a moça se deita, s~m mais rod~ios, lância auditiva, ele decide abandonar seu posto de observa-
em sua cama. A empreitada logo assume, de ambas as ção acústica para surpreender visualmente aquilo que até
partes, um caráter catastrófico o bastante para não ser então se contentara em escutar. Tem a oportunidade de
repetida. Seu amigo volta, despede-se e toma a partir levan- notar, num pavilhão, um par de mulheres homossexuais que
do a companheira, e aparentemente tudo volta ao normal. se encontram freqüentemente à noite. No momento oportu-
no, ele alcança seu novo posto de observação estratégica e,
Alguns dias depois, esse homem desenvolve uma formi-
morrendo de medo de ser surpreendido, espia no entanto
dável compulsão à perversão. Começa a passar noites intei-
pelo buraco da fechadura alguns trechos do encontro, em
ras tentando surpreender, através das janelas ou pelo buraco
parte fora de seu campo visual. Irritado por não poder ver
das fechaduras, os encontros amorosos dos residentes da
Cidade Universitária. Diante do sucesso, bastante variável mais, resolve vingar-se. Algumas horas mais tarde, intro-
duz-se no quarto onde as duas mulheres dormem e rouba-
de suas iniciativas, decide utilizar daí por diante um métod~
mais científico. Ihes todas as roupas de baixo.
Ao mesmo tempo em que se desenvolve esta compulsão
Empregando os conhecimentos técnicos adquiridos du-
às efrações visuais ele é cada vez mais obsedado por fanta-
ran~esua :o~ação profissional/3 ele imagina as estratégias
sias homossexuais masculinas. Esta invasão assume pro-
maIS SofIstIcadas para escutar os casais fazendo amor.
porções tais que ele alimenta imaginariamente a esperança
C_om~lica?os dispositivos eletrônicos de emissão e recep-
de dar fim a ela, passando ao ato. Executa-o pouco tempo
çao sao dIscretamente instalados nos cômodos mais favo-
depois, indo perambular à noite em certos lugares públicos
ráveis às ocorrências amorosas, que são visitados por ele
parisienses apropriados.
graças a uma chave-mestra roubada de uma camareira.
Quanto mais se repetem suas experiências homosse-
Assim, encerrado em seu quarto, comandando uma autên-
xuais, mais elas o repugnam, e mais aumenta, em compen-
tica mesa de som, ele passa a maior parte de suas noites
sação, sua compulsão ao voyeurismo. Arrasado pela
recolhendo os produtos sonoros das diferentes fontes de
angústia, acalenta o projeto de se fazer surpreender delibe-
captação indiscretas que instalou ao acaso em suas investi-
radamente, a fim de que uma denúncia salvadora o leve a
gações noturnas. Disperso, e ao mesmo tempo dilacerado
um tribunal e ponha termo, assim, a sua inextinguível
pela quantidade de ecos acústicos que lhe são oferecidos
ele se irrita por não poder gravá-Ios a todos, simultanea~ necessidade de ver.
De fato, ele não recua diante de nada para que essa oca-
mente. Entretanto, qualquer que seja a cacofonia amorosa
sião surja. Multiplicando os riscos que corre em locais
registrada em seu gravador, não se passa uma única noite
públicos, faz numerosos orifícios nos banheiros dos bares,
para observar; fotografa, à noite, os diversos embates das
prostitutas no Bois de Boulogne; suborna um travesti para
que permita discretamente que ele observe o exercício de uma mulher na medida em que preferiria, sem dúvida, ser
seu comércio com os parceiros arranjados furtivamente, nos como aquelas mulheres que gozam sem homem.
bancos traseiros de um automóvel; acaba mesmo por esca- Essa nova intervenção, muito mal recebida inicialmente,
lar as fachadas de diversos cabarés parisienses para sur- abriu um caminho. Ele terminou entendendo como estava,
preender as strip-teasers se despindo em seus camarins, ele próprio, identificado inconscientemente com uma mu-
pelas janelas externas. lher em seu fantasiar das relações amorosas. Da mesma
Como sua compulsão se tomava ilimitada, pondo em maneira, sua passividade, sua quase impotência e suas
perigo sua saúde e sua segurança pessoal, observei-lhe ejaculações precoces apareceram-lhe rapidamente como
prudentemente, durante uma sessão de análise, que todas tributárias dessa elaboração inconsciente.
essas "façanhas" por mais arriscadas, não pareciam real- Pouco tempo depois, um acontecimento de tedo inespe-
mente interessá-Io. A prova disso é que ele nunca parecia rado ia permitir-lhe metaforizar, sem que ele o soubesse,
aproveitá-Ias tanto quanto desejaria. Enfatizei, assim, o fato sua relação com a castração, pelo viés de um acting-out
de que todo esse frenesi permanecia manifestamente desti- estrondoso.
nado a interpelar alguém que não ele mesmo. Mais especi- Alguns minutos depois de encerrar uma das ses~~es
ficamente, tudo se passava como se o que lhe importasse desse paciente, ouvi tocar a campainha de meu consultono.
acima de tudo fosse ir cada vez mais longe em seus extra- Abrindo a porta, fiquei surpreso, por um instante, ao vê-Io
vasamentos perversos, a fim de gozar deles melhor ao vir solidamente cercado por dois policiais. Mas seu ar de júbilo
restituí-Ios a um interlocutor, na esperança secreta de exci- extraordinário deu-me a compreender, instantaneamente, o
tar sua curiosidade sexual. que estava em jogo para ele, ao dar-se assim a ver, sob meu
Ele ficou muito desconcertado com essa intervenção, não olhar. Seu júbilo estava ligado ao fato de que me tomava
tendo pensado por um só instante no ganho secundário por testemunha do caráter incontornável. da ~i .que imp~
desses comportamentos perversos que eu acabava de su- que o desejo de um está sempre submetIdo a leI do desejo
blinhar. Manifestamente desencorajado por essa revelação do outro.
súbita, suas mobilizações perversas se encerraram em pou- Apenas confirmei aos policiais que ele acabava de sair
co tempo, dando lugar a uma fase depressiva sustentada por de meu consultório e voltei a fechar a porta, indicando-Ihes
longas queixas. Jamais poderia encontrar-se com mulheres. que ele era grande o bastante para poder explicar por si
E, se isso acontecesse, jamais conseguiria fazê-Ias gozar. E mesmo o que viera fazer ali.
assim por diante ... Resignava-se a ter que sofrer o martírio A sessão seguinte trouxe todos os esclarecimentos espe-
ocasionado por sua funesta enfermidade. rados. Algumas horas antes, ocorrera um roubo no prédio.
A reiteração desse monólogo doloroso e cheio de quei- Ao deixar meu ,consultório e sendo informado da presença
xumes levou-me a dizer-lhe que uma mulher podia, certa- de dois policiais, que revistavam as dependências com a
mente, gozar com um homem, mas ele não devia esquecer, porteira, ele foi presa de uma vontade irresistível de p~ssar
no entanto, que ela também podia gozar sem ele. Além diante deles correndo. Como era de se esperar, segulU-se
disso, arrisquei-me a fazê-Io observar que talvez ele não uma curta perseguição. Com a consciência tranqüila, co~-
conseguisse encarar uma relação sexual satisfatória com vinha-lhe antes de tudo despertar suficientemente a atençao
da polícia para ser devidamente interpelado. Uma coisa
importava: a intervenção da lei. Outra coisa, além disso, era
que eu chegasse a saber de algo sobre isso. Assim, seu
acting-out significava a mim, implicitamente, que a lei VI. A "gênese" freudiana da noção
existia mesmo, e que ele pretendia dali por diante subme- de foraclusão
ter-se a ela. De onde sua jubilação, e a conseqüente libera-
ção catártica.
Algumas semanas mais tarde, uma trabalhosa elaboração
É um pouco delicado falar em ••gênese" a propósito de
permitiu-lhe compreender até que ponto, na transferência,
um conceito cuja denominação resulta mais diretamente
ele me havia colocado inconscientemente no lugar de sua
de um efeito de tradução. Aquilo de que se trata, a
mãe e, neste lugar, me tomado testemunha, imaginariamen-
Verwerfung, figura, no léxico freudiano, sob o termo
te cúmplice de sua epopéia perversa. Com a ajuda da sus-
rejeição. Aforaclusão é apenas um nome genérico intro-
pensão do recalque, ele encontrou, algum tempo depois,
duzido posteriormente por Lacan. Se não podemos dizer
uma mulher com quem pôde, enfim, desfrutar de algumas
que a Verwerfung freudiana é estritamente coextensiva à
liberdades serenas nas relações amorosas.
foraclusão lacaniana, esta última acepção, no entanto, se
inscreve no prolongamento lógico da Verwerfung de
Freud. Logo, parece legítimo abordar esta ••gênese" da
noção de foraclusão no próprio terreno das elaborações
freudianas.
Encontramos os primeiros traços dessa idéia de uma
rejeição desde 1894 no estudo intitulado As neuropsicos~s
de defesa. 1 Freud retoma seu princípio, dois anos maIS
tarde, em Novas observações sobre as neuropsicoses de
defesa.2 A idéia principal que se destaca desses dois traba-
lhos, a propósito da rejeição, é, esquematicamente, a se-

1 S. Freud, Die Abwelrr-Neuropsychosen (1894), G.W. I, 59/74, S.E.


m, 41/61. Tradução francesa de J. Laplanche, "Les psychonévroses de
défense", in Névrose, psychose et perversion, op. cit., pp. 1/14 (As
Neuropsicoses de Defesa, ESB vol. IlI): .
2 S. Freud, "Witere Bemerkungen Ober dle Abwehr-neuropsycho-
sen" (1896), G.W. I, 379/403, S.E. IlI, 157/185. Trad. franc~sa de,~'
Laplanche, "Nouvelles remarques sur les psychonévroses de ~efense ,
in ibid., pp. 61/81 (Novos comentários sobre as Neuropslcoses de
Defesa, ESB vaI. III).
Além disso, a inserção lacaniana da Verwerfung na pro-
guinte: Freud distingue três tipos possíveis de defesa do eu
blemática psicótica encontra seu ponto de ancoramento
em face de representações inaceitáveis.
precisamente nesse terreno. Como explicar a evolução de
O eu pode substituir a representação intolerável por uma
tal conceito que se origina então, em Freud, no registro de
outra representação tolerável, mas sob a condição de que
uma simples rejeição psíquica observável nas neuropsico-
esta permaneça insignificante. Este processo de defesa é o
ses de defesa, e que encontra seu desfecho em Lacan, como
que observamos operar de modo exemplar na neurose ob-
mecanismo indutor das organizações psicóticas?
sessiva.
Esta evolução da noção de Verwerfung já é amplamente
A representação inaceitável pode ainda ser objeto de u~a
prefigurada na própria obra de Freud. O começo dessa
conversão do tipo histérico.
inflexão da Verwerfung em direção à problemática psicóti-
Ou, enfim, a representação é pura e simplesmente rejei-
ca encontra um de seus primeiros marcos significativos a
tada junto com seu afeto pelo eu:
propósito do caso do Homem dos lobos. Nesse estudo,
Freud convoca, por diversas vezes, a incidência dessa re-
Existe uma espécie de defesa bem mais enérgica e bem
jeição, sem que se possa, todavia, observar que a concepção
mais eficaz que consiste em que o eu rejeite a repre-
desse mecanismo se destaque do caso da figura geral de um
sentação insuportável ao mesmo tempo que seu afeto, e
processo de defesa do eu.
se conduza como se a representação jamais tivesse che-
Por um lado, a Verwerfung está diretamente associada à
gado até o eu.J
temática da castração:
Diante deste processo de rejeição, Freud indica, porém,
A terceira vertente, a mais antiga, a mais profunda,
que se o eu se separa da representação, não se pode perder
que havia pura e simplesmente rejeitado a castração ... 4
de vista que esta é sempre associada a um fragmento da
realidade. De modo que, rejeitando a representação, o eu se
Por outro lado, tudo se passa como se a Verwerfung,
separa, logo, também, de uma parte da realidade. Essa
nesse contexto, já prefigurasse alguma coisa bastante pró-
dinâmica é, aliás, coerente, no sentido de que, se a repre-
xima da renegação que Freud iria introduzir mais tarde.
sentação é inaceitável, isso é porque a realidade que lhe está
Nesse sentido, a análise do Homem dos lobos parece
ligada é ela própria inadmissível.
marcar uma virada significativa, tanto mais decisiva quanto
Trata-se aí de um ponto particularmente importante, cuja
Freud, a partir dessa época, começa a desenvolver investi-
linha de força vai se insinuar de maneira implícita, a partir
gação cada vez mais sistemática no campo das psicoses,
daí, na obra de Freud, principalmente em correlação com
as investigações que ele irá conduzir a propósito da proble-
mática psieopatológica das psicoses.
4 S. Freud, "Aus der Geschichte einer infantilen Neurose" (1918)
G.W. XII, 29/157, S.E. XVII, 1/122. Trad. francesa de M. Bonaparte ~
R. Loewenstein, "Extrait de l'histoire d'une névrose infantile" (L'hom-
3 S.Freud, ~Les psychonévroscs de défense", in Névrose, psychose er me aux l?ups), in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, p. 389 (Uma
perversioll,op. cil., p. 12. neurose Infantil - O homem dos lobos, ESB XVII).
principalmente numa direção que ele não deixará de explo-
dessa problemática que vem se impor, sub-repticiamente, a
rar até sua morte. Podemos formular esquematicamente sua
função da Verwerfung.
trajetória da seguinte maneira: buscar um mecanismo per-
Todavia, por mais inovadora que tenha sido a sua con-
tinente no plano teórico e operatório no plano clínico para
cepção psicanalítica das psicoses, Freud não chegou, mani-
discriminar os processos neuróticos dos processos psicóti-
festamente, a promover uma especificação pertinente de
coso Como prova disso, bastaria essa observação inaugural
sua etiologia, pelo menos com relação ao projeto que era o
expressa já em 1915, em seu texto O inconsciente:
seu. Com efeito, ele não pôde evidenciar um critério me-
tapsicológico suficientemente operatório para diferenciar
Pode-se duvidar se o processo chamado recai que nas
estruturalmente as neuroses das psicoses.
psicoses tenha alguma coisa em comum com o recai que
A investigação freudiana das psicoses permaneceu, sob
nas neuroses de transferência.5
certos aspectos, sobredeterrninada pelas concepções psi-
quiátricas de sua época. O aspecto mais evocado r dessa
O problema levantado pela identificação de um mecanis-
reminiscência parece se destacar segundo a linha de força
mo de defesa que intervenha espccificamente nas psicoses
seguinte: trata-se de um eixo principal que se refere à
não é realmente novo no momento em que Freud se defronta
relação de compreensão lógica que Freud estabelece entre
com ele. Este tema percorrc de modo bastante contínuo toda
o sujeito e a realidade no campo das psicoses. De início,
a rcflexão psicopatológica desde os últimos anos do século
como testemunham principalmente os dois estudos de 1924
XIX. Todavia, Freud pensa nisso desde o começo de uma
- Neurose e psicose e A perda da realidade na neurose e
maneira absolutamente original: inicialmente, situando-o
na psicose 6 -, ele é tentado a circunscrever a natureza dos
de saída num registro essencialmente psicogenético; em
processos psicóticos no campo da perda da realidade.
seguida, procurando circunscrevê-Io à luz, apenas, dos ar-
Por um lado, Freud observa que os processos psicóti-
gumentos desenvol vidos pela teoria psicanalítica. A espe-
cos sempre traduzem de certa maneira uma "perda de
cificidade da abordagem freudiana é, pois, dupla. Em
realidade" por parte do sujeito. Por outro lado, ele men-
primeiro lugar, ela tenta abordar a singularidade dos pro-
ciona que uma certa perda induz, no sujeito, a necessida-
cessos psicóticos por meio de um aparelho conceitual ini-
de de uma reconstrução delirante da realidade da qual
cialmentc destinado a dar conta da etiologia das neuroses.
ele está então cortado.
Em segundo lugar, cssa abordagem se funda, de saída, sobre
considerações estruturais, e não apenas sobre considera-
ções quantitativas e diferenciais. Portanto, é no contexto
6 S. Freud, a) "Neurose und Psychose" (1924), G.W. XIII 387/391,
S.~. ~V, 1,47/153. Trad. francesa de D. Guérineau, "Névrose et psycha-
se ,m Nevrose, psychose et perversion, ap. cil., pp. 283/286. h) "Der
Re~lilãlsverlusl hei Neurose und Psychose" (1924), G.W. xn, 363/368,
5 S. Frcud, "Das Unbcwusstc" (1915), G.W. X, 264/303, S.E. XIX,
S;E .. ~IX, 181/187. Trad. francesa de D. Guérineau, "La parte de Ia
159/215. Trad. francesa de J. Laplanche/J.B. Pantalis, "L'Incans-
realt~e dans Ia névrose ella psychose", in ihid., pp. 299/303. (a) Neurose
cienl", in Mérapsychologie, Paris, Gallimard, 1968, p. 159 (O Incons-
e pSicose, ESB vaI. XV; h) A perda da realidade na neurose e na
ciente, ESB. vaI. XIV).
psicose, ESB vaI. XIX).
Através deste tema da perda da realidade encontramos,
também essa análise do fetichismo que o incita a abandonar
implicitamente, a problemática da Verwerfung, ao menos
sua hipótese da renegação da realidade como mecanismo
sob o aspecto inicialmente pressentido por Freud, ou seja,
indutor das psicoses.
um processo de defesa do eu. Entretanto, mesmo que abor-
O fetichismo e, mais geralmente, as perversões põem
de esses dois fatos psicopatológicos - perda da realidade e
Freud no caminho da clivagem do eu. Desde então, a
reconstrução delirante - num corpo de explicações essen-
c1ivagem do eu virá esclarecer, em última instância, a
cialmente metapsicológicas, ele permanece aprisionado por
função da renegação e seus limites indutores. Em 1938,
um estereótipo semiológico próprio à psiquiatria de sua
uma reflexão aprofundada da noção da Ichspaltung acaba
época. De fato, ele tende a associar a perda da realidade e
impondo a Freud essa revisão, cujos vestígios encontra-
a reconstrução delirante sob o modo de uma relação de
mos nesses dois textos fundamentais: A clivagem do eu
causa e efeito. Tudo se passa um pouco como se existisse
nos processos de defesaS e o Esboço de psicanálise, 9
um certo caráter de implicação lógica entre esses dois sinais
principalmente no capítulo VIII. Através desses dois es-
do quadro psicótico; de tal modo que quase se tomaria
tudos, vê-se claramente que a perda da realidade não
possível situar a reconstrução delirante como o índice diag-
surge mais para Freud senão como um corte parcial no
nóstico mais manifesto do estado psicótico.
sujeito: nas psicoses, uma parte do eu, apenas, seria
O c~ráter eminentemente problemático dessa hipótese
efetivamente cortada da realidade.
semiológica conduz Freud a modificar muito rapidamente
Além disso, a clivagem do eu sobre a qual Freud havia
essa concepção. Ele se esforça para experimentar uma nova
fundado algumas esperanças demonstra não estar presente
distinção metapsicológica entre as neuroses e as psicoses
exclusivamente nos sujeitos psicóticos. Além dos perver-
fundada sobre a base empírica de certas observações clínicas.
sos, ele acaba observando sua incidência em todos os neu-
Observa que assim como o neurótico tentaria fugir da reali-
róticos, como menciona no Esboço de psicanálise.
dade, do mesmo modo o psicótico seria levado a renegá-la.
~d~mais, no fim desta última obra, Freud substitui, quase
Mais uma vez, esta hipótese clínica remete à Verwer-
mdlferentemente, o termo renegação por Verwerfung:
fung, principalmente na acepção de "rejeição", tal como
Freud a evocava em sua análise do Homem dos lobos, em
1918, quer seja ela evocada no registro da rejeição da Semelhantes renegações se produzem freqüentemen-
castração, ou no comentário mais preciso desenvolvido a te, e não apenas nos fetichistas. Em toda a parte onde nos
respeito da alucinação do "dedo cortado". De resto, essa é possível estudá-Ias, aparecem como meias-medidas ,
aproximação implícita entre a Verwerfung e a renegação
chega quase a uma colisão em tomo da questão dofetichis-
8 S. Freud, "Die Ichspaltung im Abwehrvorgang" (1938), G.W.
mo,7 que Freud aborda em 1927. Mas, paradoxalmente, é ;VII, .59/.~2. S.~. XXIII, 27~{278. Trad. francesa de R. Lewinter{J.B.
ontalis, Le chvage du mOI dans les processus de défense" in Nou-
velle Revue de Psychanalyse, nº 2, 1970. pp. 25{28 (A divisão do ego no
processo de defesa, ESB vol. XXIII).
7 S. Freud, "Fetischismus" (1927), G.W. XIV, 311{317, S.E. XXI,
~ S. Freud, "Abriss der Psychoanalyse" (1938), G.W. XVIII, 67{138,
147{157. Trad. francesa de D. Berger, "Le fétichisme" , in La vie
.E. XXIII, 139/207. Trad. francesa de A. Berman, Abrégé de psycha-
sexuelle, op. cil., pp. 133{138 (O feticJlismo, ESB vaI. XXI).
nalyse, Paris, PUF, 1967 (Esboço de psicanálise, ESB vol. XXIII).
como tentativas imperfeitas de separar o eu da realidade.
A rejeição é sempre redobrada por uma aceitação [...] o
que leva à clivagem do eu.\O
VII. A função paterna e seu fracasso

Torna-se, portanto, impossível para Freud concluir a favor


de um mecanismo operatório conseqüente para discriminar o processo da metáfora do Nome-do- Pai só assegura sua
as psicoses das neuroses. Nem a perda ou a renegação da função estruturante com relação ao desenvolvimento psí-
realidade, nem tampouco a clivagem do eu demonstram ser quico da criança na medida em que puder se desenvolver
satisfatórias sob esse ponto de vista. sobre a base do recalque originário do significante do
Ao fim das investigações freudianas, podemos ao menos
desejo da mãe. Se esse recalque originário não se dá, todo
a
tirar as duas seguintes conclusões: por um lado, noção dc
o processo da metáfora do Nome-do-Pai é comprometido,
Verwerfung, inscrevendo-se progressivamente num campo de
até mesmo fracassado.
explorações cada vez mais referidas à problemática psicótica,
é posta diretamente em correlação com a clivagem psíquica.
Por outro lado, o invalidamento sucessivo das hipóteses
freudianas sobre os mecanismos indutores do fato psicótico
contribui para modificar o estatuto da construção delirante Com a divisão do sujeitol e a foraclusão, Lacan enfatiza
compensatória. Inicia-se um movimento de báscula na se- deliberadamente a função principal das estruturas simbóli-
qüência lógica dos termos presentes, isto é, no nível da cas na compreensão dos processos psicopatológicos. A
relação causal inicialmente pressentida por Freud, entre divisão do sujeito exprime uma relação de dependência
perda da realidade e reconstrução delirante. A elaboração explícita do sujeito em relação à ordem simbólica, no sen-
delirante aparece cada vez menos como um processo com- tido em que toda a estrutura subjetiva é dividida pela ordem
pensatório e, ao contrário, cada vez mais como o parâmetro significante. Esta preeminência da estrutura simbólica no
indutor da própria perda da realidade. Esta inversão anuncia curso de todo acontecimento psíquico (patológico ou não)
todo um recentramento sobre a prevalência das estruturas é, muito precisamente, significada por uma categoria laca-
simbólicas que vão, assim, ser situadas em primeiro plano niana original: o grande Outro que, sob muitos aspectos,
na organização dos processos psicóticos. É esse recentra- circunscreve o campo da ordem simbólica enquanto tal.
mento, devido a Lacan, que vai, assim, contribuir para Além disso, não devemos perder de vista que a divisão do
promover a transferência da denominação do termo rejei- sujeito aparece como a conseqüência mais imediata do
ção sob a conotação genérica de foraclusão.

1 Cf. lntroduction à Ia lecture de Lacan, tomo I, op. cit., capo 15, pp.
128/135.
processo da metáfora 'do Nome-do-Pai. Logo, é essen- ficante Nome-do-Pai constitui "a falha que dá à psicose sua
cialmente com relação a essas três referências lacanianas condição essencial que a separa das neuroses".4 É neste
fundamentais - a preeminência do simbólico, metá-a ponto preciso que reside, comparado a Freud, a contribui-
fora do Nome-do-Pai e a divisão do sujeito - que pode- ção explícita de Lacan que consiste, justamente, em fazer
mos compreender a função da foraclusão nó campo das valer o caráter crucial da ordem simbólica e de sua função
psicoses. na etiopatogenia das psicoses.
Notemos desde já que, se a Verwerfung freudiana vai se Dizer que quando o Nome-do- Pai é foracluído a metáfora
beneficiar, daí por diante, dessa "denominação controla- paterna fracassa é inferir igualmente que a etiopatogenia
da" , não é de forma alguma devido a uma pura preocupação das psicoses esTá submetida à dimensão do acesso ao
com a originalidade da tradução. Muito pelo contrário, é simbólico. Em outras palavras, neutralizando a emergência
para insistir quanto à preeminência da ordem simbólica do recalque originário, a foraclusão do Nome-do-Pai com-
como um lugar de exercício legítimo da Verwerfung. promete gravemente a assunção da castração simbólica.
Etimologicamente a foracLusão é um termo saído do Em caso extremo, essa abolição faz falhar toda a função
corpo da terminologia jurídica, que significa a abolição paterna. Portanto, a problemática da foraclusão está direta-
simbólica de um direito que não foi exercido no prazo mente dependente da sorte que cabe ao significante fálico
prescrito. Portanto, é principalmente essa idéia de uma no decorrer da dialética edipiana. Entretanto, se o destino
anulação simbólica que Lacan subscreve, ao utilizar o psicótico parece, assim, se dar em torno dessa operação
conceito de foraclusão. Trata-se, para ele, de enfatizar a
simbólica inaugural que é a metáfora do Nome-do-Pai,
abolição de um significanTe. Todavia, é só na medida em
convém mostrar-se particularmente vigilante quanto ao
que essa abolição incide sobre um significante particular
sentido e ao alcance desse móbil.
- o significante Nome-do-Pai - que ela pode especificar
Assim como podemos, legitimamente, reconhecer em
a indução dos processos psicóticos; ou seja, o significante
Lacan o avanço que lhe é devido quanto à compreensão
que é convocado a vir substituir o significante originário
da indução dos processos psicóticos, do mesmo modo a
do desejo da mãe.
mais elementar honestidade exige que não se atribua ao
É ao comentar a análise do caso Schreber, em seu semi-
conceito de foraclusão do Nome-do-Pai um valor de
nário As psicoses,2 que Lacan é conduzido, progressiva-
desempenho e competência universais que Lacan jamais
mente, a essa conclusão. Ele retoma, aliás, essa análise sob
reconheceu nele. No máximo, a foraclusão do Nome-do-
uma forma mais condensada, num estudo de 1957: De uma
Pai é apresentada por Lacan como uma hipótese meta-
quesTão preliminar a Todo TratamenTOpossível da psicose, 3
psicológica estruturalmente operatória. Além de sugerir
onde formula, de maneira radical, que a abolição do signi-
um avanço explicativo sobre a indução dos processos
psicóticos, ela permite igualmente que se compreenda em
2 J. Lacan, Les Psychoses, livro m, 1955/1956, Paris, Seuil, 1981
(Seminário m, As psicoses, Jorge Zahar Editor, Rio, 1985).
3 1. Lacan, "O'une queslion préliminaire à loul lraitemenl possible de 4 J. Lacan, "O'une queslion préliminaire à loul lraitemenl possible de
Ia psychose", in Écrits, op. cit., pp. 531/583. Ia psychose", in Écrits, op. cil., p. 575.
que certos mecanismos atuantes nos processos neuróticos são múltiplos. Como lembra J .D. Nasio,5 eles existem, no
_ o recalque, em particular - não permitem dar conta da míTÚmo,na mesma quantidade dos significantes suscetíveis
etiologia das psicoses. de se sucederem nesse lugar ao qual são convocados num
Essa hipótese mctapsicológica permite, aliás, que se dado momento. A foraclusão se produz, propriamente fa-
proponha uma orientação coerente às estratégias terapêuti- lando, quando nenhum significante vem se apresentar a essa
cas, no sentido de uma restauração da inserção falha do convocação. Logo, ela não se dá de uma vez por todas. Ao
sujeito no registro simbólico. Sob esse ponto de vista, e contrário, não cessa de se reproduzir sucessivamente. Isso,
apenas esse, o conceito de foraclusão do Nome-do-Pai tanto mais que é em termos de estrutura que se deve tentar
constitui um epicentro metapsicológico heurístico e fecun- apreender o mecanismo desta foraclusão do Nome-do-Pai
do. Podemos, portanto, ao menos por essa razão, tomar nota isto é, em termos de movimento e de regulação. '
disso a título de um progresso conseqüente. Mas em caso Para que a estrutura se mantenha, é necessário, constan-
algum podemos concluir que dispomos, com a foraclusão temente, quc um significante venha ocupar esse lugar de
do Nome-do-Pai, de uma panacéia etiológica à toda prova. substituição do sigTÚficantedo desejo da mãe. Em troca, se
O próprio Lacan sempre se mostrou particularmente pru- nenhum significante substituto adequado vier ocupar este
dente quanto a essa questão. lugar, a lógica simbólica se organiza diferentemente e, com
Se a foraclusão do Nome-do-Pai aparece como uma ela, a realidade psíquica do sujeito. É isso que podemos
explicação radical - para não dizer totalitária - dos pro- designar, como faz Ginette Michaud,6 pela agenesia do
cessoS psicóticos, é principalmente devido ao fato da simbólico e do imaginário nos psicóticos. Em outras pala-
existência do imperialismo de uma certa submissão da vras, assim como o paranóico se esforça para simbolizar o
Escola, alimentada essencialmente em tomo de alguns imaginário, o esquizofrênico, ao contrário, tenta imagina-
pontos cegos. Para citar apenas este, que parece ter gras- rizar o simbólico.
sado com a maior violência, vamos evocar o culto de uma A foraclusão do Nome-do-Pai parece afetar, antes, a
forma de ontologismo mantido igualmente quanto à dinâmica que preside à substituição metafórica, não se
foraclusão e ao Nome-do-Pai enquanto tal. Para al- referindo ao próprio elemento dessa substituição. Assim, a
guns, essas categorias foram realmente elevadas à digni- idéia de abolição que está implícita no conceito de foraclu-
dade de seres, com base num mal-entendido qualitativo ção marca bem uma evolução radical na accpção do termo
e quantitativo. Verwerfung. Se a concepção freudiana inicial da Verwer-
O Nome-da-Pai não é um significante particular. Ele só
fung estava assujeitada principalmente à idéia de uma re-
é significante primordial na medida em que, num dado
jeição do registro simbólico, com Lacan a Verwerfung
momento, vem ocupar um lugar de destaque. Enquanto tal,
ele nunca é predeterminado antecipadamente. Como só o
lugar aberto à substituição metafórioa é predeterminado,
o significante Nome-do-Pai é um significante qualquer que 5 J .-D.Nasio, Les yeux de Laure, Paris, Aubier, 1987, pp. 123/124.
~ G. Michaud, Seminário de clínica psicanalítica sobre" As persona-
virá ocupar este lugar decisivo. Nesse sentido - Lacan o lIdades psicopáticas", 1974/1975 (inédito). Ensino ministrado na
formulou diversas vezes - os significalltes Nome-da-Pai U.F.R. Ciências Humanas Clínicas, Universidade Paris VII.
cia do pai é tomada impossível, barrando, assim, para a
remete antes à idéia de um não-advento à ordem deste criança a simbolização da Lei paterna que instaura a castra-
registro simbólico. ção simbólica?
Formalmente, essas circunstâncias invalidantes podem
ser referidas a essa ocorrência decisiva: o Nome-do-Pai está
foracluído quando este significante é renegado no discurso
Tentemos conceber agora uma circunstância da posição da mãe, como lembra, explicitamente, Lacan:
subjetiva onde, ao apelo do Nome-do-Pa~ va.i r~spo~der,
não a ausência do Pai real, pois esta ausencIa e maIS do Aquilo sobre o que queremos insistir é que não é
que compatível com a presença do significante, mas a apenas a maneira pela qual a mãe se acomoda à pessoa
carência do próprio significante.7 do pai que nos deve ocupar, mas a importância que ela
dá à sua fala, digamos, à sua palavra, à sua autoridade,
Não se poderia demarcar melhor do que faz Lacan acima em outras palavras, o lugar que ela reserva ao Nome-do-
a própria essência da foraclusão em sua dinâmica indutora Pai na promoção da Lei.8
dos processos psicóticos.
De fato, na medida em que a foraclusão seja passível de A problemática da renegação do Nome-do- Pai no discur-
tal eficácia, é preciso que ela incida sobre o significante so matemo levanta, fatalmente, uma questão clínica impor-
Nome-do-Pai. É apenas quando o significante Nome-do- tante: sob que condições pode uma mãe se apresentar como
Pai está foracluído que o recalque originário é fracassado, mãe psicotizante? Em conseqüência, uma segunda dificul-
neutralizando a emergência da metáfora paterna. Não emer- dade surge imediatamente: as mães dos psicóticos são elas
gindo este processo metafórico, segue-~e que o ace~so ao próprias psicóticas?
simbólico fica gravemente comprometido para a cn~nça. Além dessas interrogações serem cruciais, elas recebem
Sob tais condições, todo um registro novo da economIa do freqüentemente respostas clínicas muito desconcertantes.
desejo lhe é barrado. Permanecendo assujeita~. a uma No entanto, seu caráter de radicalidade não permite demar-
relação arcaica com a mãe, ela continua a se constitUIr como car com grande circunspecção o problema dos processos
seu único objeto de desejo, isto é, como seu falo. indutores das psicoses. A prova disso seria um caso bastante
Evocar a foraclusão do Nome-do-Pai como processo freqüente: como compreender, numa prole saída de uma
indutor de psicoses é enfatizar o fato da impossibi.lidade em. mesma mãe e um mesmo pai, que apenas uma das crianças
que se encontra a criança de poder se referir ao. Pa~ seja psicótica? No máximo, isso supõe que ocorrências
simbólico. Em conseqüência, dizer que o Nome-do- PaI está imprevisíveis demonstram ser patologicamente determi-
foracluído é dizer que o Pai real não emergiu na qualidade nantes em certos momentos da história da família.
e lugar de Pai simbólico. Sob que condições essa emergên-

8 J. Lacan, "D'une question préliminaire à tout traitement possible de


7 J. Lacan, "D'une question préliminaire à tout traitement possible de Ia psychose",in Écrits, op. cit., p. 579 (o grifo é meu).
Ia psychose," in Écrits, op. cil., p. 557.
. Maud Mannoni evoca notavelmente bem esta particula-
Um dos sinais precursores precoces que nos é dado ndade em sua obra L 'enfant arriéré et sa mire (A criança
apreender, nesses espaços de potencialidades psicóticas, retardada e sua mãe):
refere-se principalmente ao investimento matemo da crian-
ça quanto ao problema de seu nascimento. É clinicamente _A partir da con~epção, o sujeito desempenha para a
manifesto que um sujeito psicótico foi, na maior parte do mae um papel mUlto preciso no plano fantasístico' seu
tempo, investido pela mãe antes de seu nascimento, de uma de~ti~o já es~á t~a?ado; ele será esse objeto sem de~ejos
maneira especificamente notável. É, pois, no investimento
propnos, cUJo UnICOpapel será preencher o vazio ma-
matemo fantasístico da criança que já se toma possível
temo [... ] Recordemos inicialmente de que é feita essa
observar alguns índices significativos da potencialidade de
relação fantasística. Existe para a mãe, real ou adotiva
incidências psicóticas.
De acordo com uma observação muito justa de Piera ~.m prim~iro e~,tado vizi~o do sonho no qual ela desej~
Aulagnier,9 uma criança, com seu nascimento, é investi da ~a.cnança . Esta cnança é, em primeiro lugar, uma
fantasisticamente pela mãe como um ser destacável desta, ~sPAecI~de evocação alucinatória de alguma coisa da
isto é, um ser imaginariamente representado independente mfancla ~e!~ ~~sma, que foi perdida. Essa criança
de amanha e InICIalmente colocada sob os vestígios de
da existência da própria mãe.
Em algumas futuras mães, acontece, ao contrário, que a lembrança em que se acham incluídos todos os sofri-
criança seja investi da como uma dependência de seu pró- ~entos experime~tados, expressos na língua do cora-
prio corpo. Nessas condições, a separação da criança e da çao ?U do corpo. E assim que, nas mães de psicóticos,
mãe é antecipadamente intolerável. ~s dI~er~~tes etapas do embrião serão vividas no plano
Em toda mãe há um trabalho de luto a ser feito depois do I~agm~no, .como um desenvolvimento corporal par-
nascimento da criança. Encontramos sua expressão mais cIal no mtenor delas mesmas.
significativa nos estados depressivos encontrados pela Quando chega essa criança tão desejada, ou seja,
maioria das mulheres algum tempo depois do parto (depres- quando a demanda se realiza, cria para a mãe sua primei-
são pás-parto). Todavia, este trabalho de luto só é possível ra decepção: aí está, pois, este ser de carne, mas separado
na medida em que a criança tenha sido investi da, antes de dela; ora, num nível inconsciente, é com uma espécie de
nascer, como um ser independente da mãe. Nas mães que fusão que a mãe sonhava. E é a partir desse momento
não conseguem fazer isso, o trabalho de luto fica grave- .
com essa cnança separada dela, que ela vai tentar recons-
'
mente comprometido, até mesmo quase impossível de se truir s~~ sonho. A essa criança de carne vai ser superpos-
reali~ar. Assim, para neutralizar esta perda, essas mães
ta uma Imagem fantasística que terá como papel reduzir
vão instituir um modo particular de relação com seus
a decepção fundamental da mãe. 10
filhos, relação estritamente fusional, que não dará lugar
a nenhuma intercessão mediadora.

10 M. Mannoni, L 'enfant arriéré et sa mire Paris Seuil 1964 pp


66/67. ,.., , ,.
9 P. AuIagoier, "Remarques sur Ia structure psychotique", in La
psychanalyse, 028, Paris, PUF, 1964, pp. 47/67.
Desde o início, a criança é encerrada, portanto, nu~a cas dos perversos se situa, precisamente, na apreciação
relação de logro por sua mãe, já que é para ela, como dl,z dessa confusão. Mas é também este deslocamento do lugar
Maud Mannoni, sempre a "significação de uma ou~ra ~01: no qual a Lei é significada que dá conta da proximidade
sa". O mal-ent~ndido trágico e cativante que se msutm estrutural entre as psicoses e as pervetsões.12
então entre a mãe e a criança reside precisamente nessa Para essas mães "psicotizantes" , a Lei de que se trata é
"outra coisa": uma lei perfeitamente pessoal, de pura conveniência indi-
vidual, como assinala Piera Aulagnier. 13 Ela é fadada a uma
A criança é destinada a preencher.a falta-a-ser da mobilidade imaginária, imprevisível, o que é, precisamen-
mãe, não há outra significação senão existir para ela e te, contraditório com a essência de toda lei simbólica. Para
não para si... . . retomar a fórmula de Lacan, essas mães estão, falando
A toda pretensão da criança à autonornla vai corres- propriamente, "fora-da-lei"; já que nenhum lugar vago é
ponder imediatamente o desaparecimento, para a mãe, jamais deixado à intercessão de uma Lei terceira, que viria
desse suporte fantasístico do qual ela precisa. 11 mediatizar a fusão entre a mãe e a criança.
Existe assim uma complementaridade lógica entre a re-
Sobre o fundo de uma captura tão decisiva a função construção fusional e a instituição de uma lei pessoal.
paterna é destituída antecipadament~, ~la medida em q~e.a Jamais investida enquanto sujeito diferente do corpo da
relação fusional mãe/criança neutralIza toda ~sua poSSI?I- mãe, a criança permanece integralmente submetida à oni-
lidade de inserção. De fato, essas mães mantem, na m~lOr potência materna, já que não lhe parece necessário que o
parte das vezes, uma relação muito esp~cífic~ ~om a Lei do pai surja como "fazendo a lei para a mãe" (Lacan). Em
pai, sob o modelo de uma renegação slstematlca da repre- outras palavras, é porque a onipotência materna reina que
sentação do Pai simbólico. Aliás, tudo leva a crer, na a função paterna não tem lugar nenhum para existir. O
prevalência desta renegação, .que essas. mãe~ perderam o desejo da mãe não sendo jamais referido ao pai, o da criança
sentido do alcance significaUvo da Lei, ate mesmo, em permanece circunscrito à mãe, sob o modo imaginário e
alguns casos, que elas jamais puderam simbolizá-Ia para si arcaico que conhecemos bem: ser o único objeto do desejo
mesmas. do outro, ou seja, ser o seu falo imaginário.
A ambigüidade mantida quanto à questão da renegação Em caso extremo, a criança cativa dessa relação fusional
da função paterna se explica pelo fato, apenas, de q~e essas patológica sofre de uma falta de filiação. Aprisionada pela
mães têm a intenção de atualizar elas mesmas a Lei para a
criança. O desprezo patológico vem de que esta ~i que ~las
querem representar não é absolutamente a LeI do paz, a 12 A proximidade estrutural entre as psicoses e as perversões se expli-
saber, aquela que se funda na diferença dos sexos. Toda a ca, certamente, a partir do lugar matemo onde a Lei é significada, tanto
distinção que é necessária estabelecer quanto às mães fáli- de um lado como de outro. Sua diferença é medida pelo desvio que pode
existir entre uma "mãe psicotizante" e uma "mãe fálica". ef. Structure
et perversions, op. cit., capo 15, pp. 207/214.
13 P. Aulagnier, "Remarques sur Ia structure psychotique", in La
psychanalyse, op. dt.
renegação materna da função paterna, ela não pode, portan-
to, ser jamais reconhecida e designada como a filha ou o
filho de um pai. Não existe, talvez, definição mais evocati va
para aquilo que Lacan entende como foraclusão do Nome-
do-Pai.
Bibliografia

o problema subsiste, evidentemente: o de saber por que e P. :",ulagnier, "Remarques sur Ia structure psychotique",
como um pai se deixa assim destituir da função simbólica m La psychanalyse, n 8, Paris, PUF, 1964, pp. 47/67.
Q

J. Dor, Introduction à Ia lecture de Lacan, Paris, Denoel,


que lhe cabe representar. Esse" eclipse" não deixa de ser
1985, tomo I: L'inconscient structuré comme un langa-
acompanhado por um certo gozo complacente com ser
ge. (Edição brasileira: Introdução à leitura de Lacan,
dispensado. A questão permanece em aberto.
tomo I: O inconsciente estruturado como uma lingua-
gem, Artes Médicas, Porto Alegre, 1989.)
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S.E. XIV, 109/140. Trad. J. Laplanche/J.B. Pontalis, XV.)
"Pulsions et destin des pulsions", in Métapsychologie, - "Der Realitãtsverlust bei Neurose tind Psychose"
Paris, Gallimard, 1968, pp. 11/44 ("Os instintos e suas (1924), G.W. XIII, 363/368, S.E. XIX, 181/187. Trad.
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_ "Aus der Geschichte siner infantilen Neurose" (1918), 147/157. Trad. D. Berger, "Le fétichisme", in La vie
G.W. XII, 29/157, S.E. XVII, 1/122. Trad. M. Bonapar- sexuelle, Paris, PUF, 1969, pp. 133/136 ("O fetichis-
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seminário inédito.
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- Le savoir du psychanalyst'e, 1971/1972, seminário iné-
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nário XX, Mais, Ainda, Zahar, Rio, 1982).
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Q

J. Laplanche/J.-B. Pontalis, Vocabulaire de la psychanaly-


se, Paris, PUF, 4i!edição, 1973 (Vocabulário da psica-
nálise, 3i!ed., Moraes Editores, Lisboa, 1976).
Indice de autores citados

J. Laplanche, 16
C. Levi-Slrallss, 17, 25- 7
J. Dor, 17, 18, 19,33,43,49,50,58,59, L. Levy-Bmhl, 25
61,77,78,82, 101, 110
B. Malinowsld, 17
G. Frege, 18
M. Mannoni, 108-111
S. Frelld, 17,21, 29, 30-32, 34, 37, 38, G. Michalld, !O5
39,44,49,67-8,77,80,81,84,93_100,
103

F. Perrier, 79
J.-8. Pontalis, 16

J. Lacan, 16, 17, 19,20,35,36,40,44-5,


49-55,58, 60, 67-9, 93, 100-107, III
Índice terminológico

Abolição do significante Nome-do-Pai: significante do, 20; 51-3


Ver Nome-do-Pai suplência ao, 63-5, 101, 102
Abolição simbólica: Ver Simbólico Desejo do pai, 47-8
Acesso ao simbólico: Ver Simbólico Dialética do ser: Ver Ser
Agenesia do imaginário, 105 Dialética do ter: Ver Ter
Agenesia do simbólico, 105 Diferença dos sexos, 14, 18, 28, 58-61,
Alienação no desejo do Outro, 69, 70, 71 81-2, 110-11
Ambivalência, 34, 38, 39, 65, 68, 77, 85 Dinâmica edipiana: Ver Édipo
Amor ..30, 34, 36 Dívida, 34, 39, 40
Ao-m'1:lIos-lIm, 36, 38, 40, 59 Divisão do sujeito, 53-4, 101-2
Alribllição fálica: Ver Falo Doador: Ver Pai
Ausência da mãe: Ver Mãe
Ausência do pai: Ver Pai Edipiano(a),
dinâmica, 28, 43, 46, 51, 103-4
Canibalesco, 30 ordem, 28, 29
festim, 30 triangulação, 16-8
repasto, 30, 34, 37, 38 Édipo, 31, 44-7, 49,52-4,59,73
Caráler anal, 66 declínio do Complexo de, 68
Carência do pai: Ver Pai universalidade do Complexo de, 17
Castração, 36, 40-2, 47-8, 54-5, 59-62, Ejaculaçâo precoce, 73, 75-6, 78-9, 90
64-6,72, 75-6, 82, 91, 95, 98 Esquizofrênico, 105
Castração simbólica, 54, 59, 103, 107 Estado de Cultura: Ver Natureza/Cultura
Clivagem do Eu, 99, 100 Estado de Natureza: Ver Natureza/Cultu-
Clivagem psíquica, 100 ra
Complexo de Édipo: Ver Édipo Estrutura, 16, 19,59,76, 105
Complexo paterno, 30, 3,4, 39 histérica: Ver Histeria
Crianças selvagens, 28 obsessiva: Ver Neurose obsessiva
Culpa, 31, 40, 65, 74, 84, 84-5 perversa: Ver Perversâo
sentimento de, 30, 31, 35, 83 psicótica: Ver Psicose
Cultura: Ver Natureza/Cultura simbólica: Ver Simbólico
Exibicionismo, 81-2
Defesa do Eu, 93-5, 98
Demanda, 64, 65, 79 Falo/Fálico, 17-8, 34, 46, 48, 49, 52, 55,
Desafio, 62 58-9, 60, 69, 70-1, 74-6, 78-80, 106,
Desejo da mãe, 42, 46, 47-50, 53, 57, 111
63-4,71, II1 atribuição fálica, 35-6, 41, 46, 48, 53,
objeto do, 42, 46-8, 51, 53, 54, 61, 68, 59, 61, 68-70, 78-9
106, II1 circulação do falo, 48-9, 57
sat isfação do, 63-4 função fálica, 34, 40, 60, 76, 78
identificação fálica, 46, 47,50,60,63 Interdito, 31 Ódio, 30, 34, 36
renegação da: Ver Renegação
mãe fálica, 58, 110 Interdito do incesto: Ver Lei Outro, 49, 65, 69, 82, 101
Recalque, 50, 92, 96, 103
objeto fálico, 19,41,46,48,49,69,71, Inversão no seu contrário, 84
originário, 50-I, 10I, 103, 106
75 Patemidade, 15
Reconstrução delirante, 97-8, 100
onipotência fálica, 71, 75, 80 Lei, 16, 26, 40-1, 49, 60-3, 74, 91, 107, Paranóico, 105
Rejeição: Ver Foraclusão
rivalidade fálica, 47, 48, 59, 61, 65,67 110-11 Pênis, 72, 74-7, 79-80
Relação fusional, 46-7, 108-111
significante fálico, 42, 59, 75, 103 da proibição'do incesto, 16,21,26-9, Pai,
Renegação, 95, 98, 99, 110, I11
Falta, 29, 42, 48, 55, 60, 64, 71, 75, 110- 31, 34-5, 40-1 ausência do, 44, 57, 58-9
da realidade, 98, 100
li do desejo do Outro, 48, 59, 91 carência do, 18, 45, 46
do pai, 48, 62-3, 65-6, 106, 110 castrador,53 do Nome-do-Pai, Ver Nome-do-Pai
significal)te da, no Outro, 58-60, 61-2
Fetichismo, 98-9, 100 simbólica, 16,53-4, 111 doador, 53
fora-da: Ver Mãe frustrador, 47-60 Satisfação do desejo da mãe: Ver Desejo
Filiação, 15, 101-102
Ser (dialética do), 48, 51, 59 60 61 62
Foraclusão, 93- 102, 103-6 Luto, 38, 39,108 imaginário, 16-7, 43,47,52,59 67,75 ' , , ,
do Nome-do-Pai, 103-6, 111-12 trabalho de, 108 interditor, 48-50
Servidão voluntária 64
Fora-da-Iei (mãe): Ver Mãe morto, 48-50
Sexos (diferença en;re os): Ver Diferença
Fort-da, 49-51 Mãe, ' Nome-do: Ver Nome-do-Pai
Sexuação, 14, 35,58
Frustração: Ver Pai frustrador ausência da, 50-3 presença do, 44, 46, 47, 51, 57 Significante,
Fuga da realidade, 98 desejo da: Ver Desejo primitivo, 21,29,42
do desejo da mãe: Ver Desejo da mãe
Função fálica: Ver Falo fálica: Ver Falo privador, 47, 49,50, 68
do ~esejo originário: Ver Desejo da
Função paterna, 18-9,33-5,40,42-4,46, . faltosa, 60 real, 13, 14-19,41-3,44-8,52,57,58 n13e
52-3,58-62,67,70, 76, 103-4 fora-da-Iei, 111-12 106 '
fálico: Ver Falo
Função simbólica, 14, 15, 18, 41, 43, onipotente, 111 simbólico, 14, 16, 17, 19,35,40-5,49, da falta no Outro: Ver Falta
46-7,58-60, 112 psicotizante, 107-8, 110-12 52-3,57-9,60-3, 70, 106, 110 Simbólico, 14,58, 102
Mentalidade primitiva, 25 Perda, 55, 64, 108
abolição do, 102-3, 105
Genitor, 15 Mestre, 65, 69-7 I da realid~de, 94, 97-100
acesso ao, 50, 53, 103, 106
gozo, 63, 64, 75, 79, 80-1,84-6,90 Metáfora, 20, 45, 46, 50-2, 55 Perversão, 59, 61, 77-83, 88, 98-9, 110
Metáfora do Nome-do-Pai: Ver Nome- estrutura simbólica, 19, 100, 101
estmtura perversa, 59, 61, 63
ord~m simbólica, 53, 10I, 102, 103
Histeria, 59, 61-3, 65, 67-71, 73, 76-84, do-Pai manifestações perversas, 76, 78, 80-3,
regIstro simbólico, 29, 104, 105
85 Mito da horda primitiva: Ver Horda pri- 85-8,90,92
Sociedade primitiva, 24, 26
Histérica, mitiva ponto de ancoragem das perversões
60 ' Substituição metafórica, 52, 104, 105
conversão, 94 Mulher idealizada, 77-8
Substituição significante 20 45 50-2
identificação: Ver Identificação Posição materna, 58 105 ' ,~, ,
Homem dos lobos, 95, 98 Natureza/Cultura, 21-9 Posição paterna, 57
Sujeito desejante, 53
Homossexualidade, 58, 80-2, 86-90 Necessidade, 65 Presença da mãe: Ver Mãe
Suplência (à satisfação do desejo): Ver
Horda primitiva, 21, 29, 31, 32, 34, 36, '58 Neuropsicos'e de defesa, 93, 95 . Privação: Ver Pai privador
Desejo
Neurose, 97-8, 100 Proibição do incesto: Ver Lei
lchspaltung: Ver Clivagem do Eu de transferência, 96 Psicoses, 59, 94-100, 103 106 107-8,
110 ' , Ter (dialética do), 40, 50, 52, 60-2 64
Identidade sexual, 9, 14,33,58, 80-1 estrutura obsessiva, 61-3
67-72,75, 76, 78, 80 ' ,
Identificação, 30, 34, 37, 49-51,57,58 obsessiva, 59, 62-7, 94 estrutura psicótica, 59, 63
Transgressão, 61, 82-3
ao pai, 37 Nome-do-Pai, 19, 20, 42, 52-4, 57-9, processo indutor da psicose, 95, 98,
Triangulação edipiana: Ver Édipo
canibalesca, 30, 34, 38 103-04, 106 100, 102, 103, 106, 107
Trocas matrimoniais, 26
fálica: Ver Falo foraclusão do: Ver Foraclusão processo psicótico, 94-8, 100, 104, 108
histérica, 69, 70 metáfora do, 20, 50, 53,57, 101-04, 106
Verweifung: Ver Foraclusão
perversa, 60-1 renegação do, 107 Realidade, 97
Virilidade, 69, 78, 80
por incorporação, 37 significante do, 20, 52,57-9, 102, 124, fuga da: Ver Fuga
Votos de morte, 36, 63
Imago, 16,63,65 126 perda da: Ver Perda
Voyeurismo, 81, 88-9
Impotência, 78
Incesto: Ver Lei Objeto do desejo da mãe: Ver Desejo da
Indistinção fusional: Ver Relaçãofusional mãe
Interdição: Ver Pai interditor Objeto fálico: Ver Falo

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