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O PAI E SUA FUNÇAO ~
EM PSICANALISE
JoelDor
Dor. Jot!l
dos Editores de Livros.
ise I Jo~n
.J
3J.553
COO - 616.B917
COU - 159.964.1
1 S. Freud, Totem und Tabu (1912/1913), G.W. IX, S.E. xm, 1/161.
7 Cf. J. Lacan, Les formatiO/ls de I'i/lco/lscie/lt 1957-58, inédito, Tradução francesa de Jankélévitch, Totem et Tabou, Paris Payot n277
seminário de 15/1/58. ' 1973. ' , ,
uma dualidade. Podemos situar sua articulação, aproxima- A idéia de uma ficção necessária introduzida por J.-J.
damente, no século XVIII. Certamente o que está em causa, Rousseau merece que lhe concedamos uma atenção ex-
aqui, é tão antigo quanto o próprio homem, já que é toda a trema. Ela supõe, com efeito, que já desde o século XVIII
questão da origem do homem como tal que é levantada pela o estado de natureza não mais podia ser pensado a não
problematização desse par natureza-cultura. ser sob a espécie de um conceito operatório. De resto, o
Tradicionalmente, o par natureza-cultura se apresenta próprio Rousseau insistia como convinha, já que apresen-
como um par de entidades opostas. O cuLturaL, que diria tava esta referência à ficção como uma exigência neces-
respeito antes de mais nada ao adquirido, ao social, ao sária da razão. E isso, por dois motivos, ao menos. Por
construído e ao instituído, se oporia de saída a tudo o que . um lado, parecia-lhe evidente que jamais se poderia co-
dependesse da ordem do inato. Nesse sentido, pode-se, nhecer o estado de natureza. Por outro, acrescentava ele,
pois, supor a idéia de uma progressão ordenada e hierarqui- esse estado de natureza talvez nunca houvesse existido.
zada entre o estado da natureza e o estado da cultura. Em A ficção parecia-lhe, assim, tanto mais imperiosa quanto
conseqüência, a cultura seria também colocada como o era sobre ela que deveria fundar todas as teses de seu
produto resultado de um progresso. famoso contrato social.3
Semelhante concepção da passagem da natureza à cultu- Se a passagem do estado de natureza ao estado de cultura
ra sempre se manteve praticamente insolúvel enquanto foi não pode, portanto, constituir o objeto de uma formulação
problematizada sob esta forma, por falta de uma estratégia objetiva, como conceitualizá-Ia? Rousseau sugere conce-
epistemológica conseqüente, suscetível de vetorizá-Ia. De bê-Ia •'peLa imaginação". Só o homem próximo do estado
fato, a instituição de tal modo de relação entre a natureza e de natureza conseguirá, por sua pureza moral, fazer revi ver
a cultura conduz necessariamente a impasses racionais, até tal estado.
mesmo a aporias lógicas. Vamos encontrar, assim, essa tese, cara a Rousseau, do
Se um filósofo como Jean-Jacques Rousseau, no entanto, homem como •.animaL depravado", a qual ele só pode
pressentiu notavelmente esta dificuldade, nem por isso sou- susteptar ao preço de algumas equivalências discursivas.
be tirar partido dela. Temos disso a prova mais manifesta Em primeiro lugar, ela supõe que a moralidade é inerente
em seu célebre estudo: O Discurso sobre a origem e os ao estado de natureza. Em segundo lugar, implica que a
fundamentos da desiguaLdade entre os homens.2 depravação é própria do estado de cultura. No estado de
Nessa reflexão, Rousseau parte da seguinte idéia geral: natureza, o homem é suposto ignorar valores axiológicos
a natureza do homem teria sido pervertida, corrompida pela como o bem e o mal. Mas, se é um bruto amoral, não deixa
sociedade. Por esta razão, apenas umaficção do homem no de ser um bruto feliz.
estado de natureza permitiria re-situar aquilo que a cultura Como toda a sua infelicidade provém do fato de que ele
destruiu completamente. pode se aperfeiçoar, deve a esta aptidão a potencialidade de
2 ,1.-1. Rousseau, Discours sur l'origine et les fondements de /'inéga- 3 1.-1. Rousseall, Du colltrat social ou principes du droit politique,
l/te entre les hommes, Paris, Gallimard, 1965. Paris, Marabollt Université, 1974.
se tomar verdadeiramente homem, isto é, um "animal reducionistas, amplamente sobredeterminados, com fre-
dotado de razão". Da mesma maneira, o homem natural qüência, por aproximações ideológicas duvidosas.·
entra na ordem propriamente humana pela via deste a- Devemos, no entanto, reconhecer em Rousseau o mé-
perfeiçoamento que o insere, pouco a pouco, na ordem rito de ter situado as bases da antropologia contemporâ-
cultural. nea, em seu tempo e à sua maneira. Não sugeria ele, desde
Para Rousseau, é pois o movimento que, fazendo advir então, recorrer à experiência para tentar encontrar o na-
o homem, ao mesmo tempo o perde, de certa forma. Se a tural do homem através do cultural? Se algumas observa-
natureza porta em si os germes de sua superação, estes ções experimentais deram lugar a reduções ideológicas
germes estão, contraditoriamente, na origem da infelicida- inaceitáveis, outras, em compensação, atingiram resulta-
de do homem. Assim, a idéia de um progresso que estaria dos muito mais positivos. Em particular, as investigações
ligado à cultura aparece radicalmente recusada por Rous- antropológicas de Lévi-Strauss permitiram abordar o pro-
seau. É uma utopia pensar que a cultura seja fonte de blema natureza-cultura em bases operatórias surpreenden-
progresso, já que ela tira do homem toda possibilidade de temente novas.
escapar à corrupção e à depravação. Daí a-!!ecessidade Lévi -Strauss não se esforçou para imaginar um estado de
--
im erativa de um contrato social destinado a reconciliar a
sociedade (a cultura) com as exigências da felicidade (a
moralidade). -
Sem aprofundar as grandes linhas que animam esta re-
natureza tão hipotético quanto inacessível, cujo projeto
heurístico lhe parecia estar em completa oposição com o
rigor da pesquisa científica. Pelo contrário, dedicou-se a
tentar definir um critério que permitisse distinguir rigoro-
samente o que é natural no homem do que é cultural. Esse
flexão, podemos, ainda assim, tirar alguns elementos de
conclusão a propósito desta concepção clássica natureza- critério não lhe parecia poder ser estabelecido a não ser
cultura. obedecendo a certas exigências.
Sob certos aspectos, tudo se passa como se, nesse con- Por um lado, o natural deve poder, por definição, obe-
texto clássico, o homem pertencesse ao estado de natureza decer a leis universais. Por outro, o sultural, este parece só
por seu corpo, isto é, o biológico; logo, de certa forma, pela poder ser instituído a partir de regras particulares de
ordem da necessidade. Mas ele só parece poder ultrapassar funcionamento. Portanto tudo o que houver de universal no
esse estado de natureza através do advento da razão e da homem constituirá sua natureza devendo todo o resto, ne-
liberdade que o fazem aceder à cultura. A cultura nasce c~mente, ser considerado como um roduto da cultura.
portanto, da natureza do homem. Devido ao fato de que Aliás, todas as sociedades humanas, sendo normativiza-
-;;la é sempre, nesta concepçã~ colocada implicitamente das e regulamentadas, devem ser consideradas em estado
como o fruto de um progresso, segue-se logicamente que
se puderam considerar as sociedades ditas primitivas como
outras tantas etapas antropológicas transitórias que condu- 4 Por exemplo, vamos lembrar certas conclusões antropológicas de
Lucien Lévy Bruhl quanto à menralidade primitiva. Cf. L. Lévy Bruhl,
zem à sua aquisição. Compreendemos então por que foram
Les fOllctions mellrales dans les sociétés illférieures, Paris, 1910, e La
feitos numerosos estudos, em campos conceituais muito melltalité primitive, Paris, 1922.
duas ordens exclusivas: constitui uma regra, mas uma
de cultura, inclusive as sociedades ditas primitivas. Eis aí
regra que, única em todas as regras sociais, possui ao
uma completa oposição às sociedades animais que, por sua
mesmo tempo um caráter de universalidade.'
parte, não são em nada coextensivas a uma cultura. É
preciso, pois, conseguir identificar, através de todas essas
culturas, o substrato comum ao conjunto dos homens, do
qual se poderá então dizer que constitui seu estado de
A proibição do incesto não é nem puramente de ori-
natureza.
gem cultural nem puramente de origem natural; e tam-
Com Lévi-Strauss, o problema se coloca, assim, dê ma-
bém não é uma dosagem de elementos compósitos par-
neira absolutamente nova. Já que todo homem participa de
cialmente tomados de empréstimo à natureza e parcial-
uma cultura, a cultura só pode aparecer como a única
mente à cultura. Ela constitui a trajetória fundamental
natureza do homem. O substrato comum procurado será,
graças à qual, mas sobretudo na qual, se realiza a passa-
então, ao mesmo tempo:
gem da natureza à cultura. Num sentido, ela pertence à
1) aquilo que define uma cultura;
natureza, pois é uma condição geral da cultura, e conse-
2) aquilo que, sendo universal, participa de uma natu-
qüentemente não devemos nos surpreender de vê-Ia man-
reza.
ter da natureza O seu caráter formal, isto é, a univer-
É nas regras que ordenam as trocas matrimoniais ue
salidade. Mas, num sentido, também, ela já é a cultura,
Lévi-Strauss consegue pôr em evidência o substrato co-
mum. Çom efeito, nessas regras, fi ura sempre uma le' agindo e impondo sua regra no seio de fenômenos que
. -~ ~ em nada dependem originalmente dela.6
~llve::.sal que é a da proibição do inceito. Logo, ela cons-
titui o critério rigoroso que permitirá separar a cultura da
natureza. Este fato incontestável, que não é nem puramente' Com esta precisão epistemológica formulada por Lévi-
cultural nem puramente natural, é sublinhado por Lévi- Strauss, descobrimos a confirmação mais certa do caráter
Strauss nos seguintes termos: . anistórico do pai, adiantado anteriormente.7 Por que o pai
pode estar ao mesmo tempo fora de toda história e ser o
Por toda a parte onde se manifesta a regra, sabemos ponto de origem daquilo que a constitui?
com certeza estar no estágio da cultura. Simetricam«nte, Admitamos a lei da proibição do incesto como aquilo que
é fácil reconhecer o universal critério da natureza ( ..] permite distinguir estritamente o cutural e o natural no
Coloquemos, portanto, que tudo o que é universal, no homem. Para que esta distinção seja aceilável, deve-se
homem, depende da ordem da natureza e se caracteriza supor logicamente que possa existir um illvariante natural
pela espontaneidade, que tudo o que tem relação com
uma norma pertence à cultura e apresenta os atributos do
relativo e do particular [...] 5 C. Lévi-Strauss, Les structures éiémentaires de ia parenté, op. cit.,
A pro!bi~ão do incesto apresenta, sem o menor equí- pp.9/10.
voco, e mdIssoluvelmente reunidos, os dois caracteres 6 Ibid., p .. 29.
7 Cf. supra, p. 13.
nos quais reconhecemos os atributos contraditórios de
e universal específico a todos os homens. Como colocar a ordem edípica pode, legitimamente, apresentar-se como
objetivamente em evidência este invariante? A coisa não é o substrato universal que designa a dimensão do natural no
tão fácil, e alguns argumentos parecem constituirobsláculo, homem.(
notadamente certos fatos de observação psicológica que Tomando-se coextensiva à ordem edípica, a problemáti-
tenderiam a provar que a existência de tal invariante é ca natureza-cultura desloca seu espaço de oposição insolú-
vel para o de um conflito passível de uma saída{De fato, a
apenas pura ficção.
A argumentação crítica mais clássica nos é fomecida ordem edípica se define como o lugar de tal conflito, sus-
cetível de acabar permitindo ao sujeito aceder ao registro
pelo fato de experiência das ••crianças selvagens". Esses
simbólico, ou seja, à cultura. )
casos-limites parecem, com efeito, estabelecer que, sem
Em resumo, a cultura é, pois, gerada pela expressão de
cultura, o homem não é nada, nem mesmo um animal, na
uma falta. Porque o natural no homem é isomorfo à ordem
medida em que aparece como menos do que um animal.
edípica, a cultura se toma, então, legitimamente, a verda-
Além do fato de que a criança selvagem não é um homem
deira natureza do homem que nasce da proibição originária
natural, ela não possui, por otitro lado, nenhum dos com-
do incesto. Neste sentido, a problemática natureza-cultura
portamentos naturais e adaptativos dos animais. Assim já
volta a centrar, de pleno direito, a questão do pai em
se encontra invalidada a idéia de que o homem, por regres-
psicanálise, de vez que é precisamente dessa proibição
são, possa voltar a um estado qualquer de natureza. O estado originária do incesto que tenta dar conta o mito freudiano
d.e natureza apareceria, então, tanto mais como uma pura e do pai da horda primitiva.
SImples ficção quanto o isolamento socia"i não constitui em
nada uma condição favorável ao desenvolvimento de um
estado natural, mas, ao contrário, uma condição de desen-
volvimento aberrante. Daí a concluir que tudo no homem é
O mito freudiano do pai primitivo se apóia principalmente
necessariamente produto de cultura e que se deve afastar a
na concepção darwiniana de "um pai violento, enciumado,
idéia de um invariante natural, o passo é dado rapidamente.
guardando todas as fêmeas e expulsando seus filhos à
Por certos aspectos, a teoria psicanalítica vai permitir,
medida que cresciam".8 Esta horda primitiva é, pois, antes
sob determinadas condições, reintegrar o conceito de natu-
de tudo, um bando de irmãos vivendo sob uma tirania sexual
reza no homem, em conformidade com o critério dado pela
forçada. Excluídos, nem por isso deixam de acabar se
antropologia. O substrato procurado pode ser definido co-
constituindo numa força suficiente para contestar o despo-
mo um substrato psicológico que manifesta sua expressão
tismo paterno. Como observa Freud, sua união lhes permi tia
mais significativa na ordem edípica. O homem, com efeito
assim' 'realizar aquilo que cada um deles, individualmente,
participa da natureza por sua inscrição incontomável n~
teria sido incapaz de fazer".9
d~nâ~ica edipiana que é fundamentalmente ordenada pela
dIaletlca do desejo em face da diferença dos sexos. ~m
outras palavras, é porque a lei da proibição do incesto é 8 S. Freud, Totem et Tabou, op. cit., p.162.
capaz de estabelecer o limite entre o natural e o cultural que 9 lbid., p. 163.
Fortes por sua certeza, terminam decidindo a condenação
virtude dessa" obediência retrospectiva", característica
à morte do tirano, matam-no e o consomem no decorrer de
de uma situação psíquica com a qual a psicanálise nos
um repasto canibalesco. E Freud prossegue:
familiarizou. Eles renegavam seu ato proibindo a morte
do totem, substituto do pai, e renunciavam a recolher os
Que tenham comido o cadáver do pai, ryada tem isso
frutos de seus atos recusando-se a manter relações se-
de espantoso, dado que se trata de canibais primitivos. O
xuais com as mulheres que haviam libertado.11
ancestral violento era certamente o modelo invejado e
temido de cada um dos membros des·sa associação fra-
---- Assim se vê justificada por Freud uma das componentes
terna. Ora, pelo ato de absorção, realizavam sua identi-
e~senciais do complexo de Édipo. Com efeito, o sentimento
ficação com ele, apropriando-se cada um de uma parte
de culpa que engendra originariamente esses dois interditos
Je sua força. 10
volta a atuar na situação edípica através dos dois desejos
fundamentalmente reprimidos:* a morte do pai e as exigên-
Freud insiste então no caráter ambivalente dessa festa
cias sexuais dirigidas à mãe.
canibalesca:
2 J. Lacan, Les formations de ['illconscient, op. cil., seminário de 4 J. Lacan, Les formations de ['illcollscient, op. cil., seminário de
15/1/195R. 22/1/1958.
3 Ihid. 5 Ibid. (o grifo é meu).
está nesse momento identificado ao seu falo. Ora, vimos
1) A noção de função paterna institui e regula a dimensão que esta função simbólica só tinha um caráter operatório na
do complexo de Édipo (dimensão conflitual). medida em que o pai se achasse investido da atribuição
2) O desenvolvimento da dialética edipiana requer cer- fálica.
tamente a instância simbólica da função paterna, sem no Como o falo não está lá onde se o deveria supor, a
entanto exigir a presença necessária de um Pai real. criança, neste limiar do Édipo, mantém uma relação com o
falo aparentemente estranha à castração, já que ela é, ela
3) A carência do Pai simbólico, isto é, a inconsistência própria, o objeto fálico. Ora, semelhante objeto, em sua
de sua função no decorrer da dialética edipiana, não é essência, é precisamente o objeto imaginário da castração.
absolutamente coextensiva à carência do Pai real em sua Resulta daí que a identificação fálica da criança é uma
dimensão realista. identificação estritamente imaginária. Nada há de surpre-
4) A instância paterna inerente ao complexo de Édipo é endente no fato de que esta identificação fálica, que só
exclusivamente simbólica, posto que é metáfora. imaginariamente subtrai a criança à castração, a convoque
de volta a ela.
Por esta razão, o Pai real, previamente estranho à relação
mãe-filho, dificilmente poderia se manter durante muito
tempo em tal exterioridade. Enquanto Pai real, sua presença
Paradoxalmente, o limiar do processo edipiano se caracte-
vai aparecer inevitavelmente como cada vez mais embara-
riza precisamente pelo eclipse da instância paterna. Não que
çosa para o filho, a partir do momento em que assumir uma
o pai real não se manifeste como tal. Ao contrário, tudo se
certa consistência significativa diante do desejo da mãe e
passa mesmo como se ele só interviesse ali exclusivamente
daquilo que o filho está apto a apreender dele.
em sua contingência realista, a qual permanece sem inci- A consistência do Pai real quanto ao desejo da mãe vai,
dência preponderante ao nível de uma mediação qualquer então, começar a questionar a economia do desejo do filho
dos móbeis edí picos. sob esta forma de intrusão. Essa interpelação suscita nele,
A criança está, com efeito, cativa num certo modo de assim, um requestionamento de sua identificação imaginá-
relação com a mãe, diante da qual o pai, como Pai real, é ria com o objeto do desejo da mãe. A criança entra, a partir
estranho. De resto, esta relação é chamada, apropriadamen- daí, num momento de incerteza psíquica quanto à questão
te, de relação fusional, na medida mesma em que nenhuma de seu desejo relativamente à certeza que antes tinha dele
instância exterior é suscetível de poder mediatizar seus diante do desejo da mãe. Só esta incerteza permite com-
móbeis do desejo. A indistinção fusional entre filho e mãe re- preender como a criança começa a se confrontar com o
sulta, pois, essencialmente do fato de que o filho se constitui registro da castração pela instância paterna.
como o único objeto que pode satisfazer o desejo da mãe. Devido a esse confronto sub-reptício com a castração,
Ficando fora do circuito da relação mãe-filho, o pai real esboça-se um novo móbil na dinâmica desejante da criança,
não pode, então, pretender de maneira alguma assumir sua que será daí em diante explicitamente vetorizada pela ins-
função simbólica. E isso acentuado pelo fato de que o filho, tância paterna. Cada vez mais, o Pai real surge diante da
enquanto objeto suscetível de satisfazer o desejo da mãe,
criança como alguém que tem direito quanto ao desejo da outro (heteros) relativamente à díade fusional mãe-criança.
mãe. Todavia, esta figura daquele que tem direito não Entretanto, se essa rivalidade fálica incita a criança a viver
poderia, num primeiro tempo, atualizar-se junto à criança a imaginariamente a presença paterna sob o aspecto de um
não ser no terreno da rivalidade fálica diante da mãe. tirano totalitário, nem por isso deixa de atestar um deslo-
Rivalidade fálica na qual a figura paterna será triplamente camento significativo do objeto fálico. Apresentando-se à
investida pela criança, sob os ornamentos de um pai priva- criança como um hipotético objeto do desejo da mãe, o pai
dor. interditar e frustrador. se mostra aos olhos daquela como um falo rival. Assim, em
O Pai real não precisa, de forma alguma, mostrar-se torno da interrogação da criança: ser ou não ser o falo da
deliberadamente privador, interditor e frustrador para apa- mãe, efetuou-se um deslizamento que é o do próprio falo.
recer como tal diante da criança. Apenas a incerteza da Desde que se suspeita que o pai é um falo rival - ainda que
identificação fálica da criança torna esta última, a partir de hipotético -.esboça-se a atribuição fálica paterna. Mas, se
então, mais sensível a esta presença paterna intrusiva. Além isso acontece, é sob o modelo do "ser", já que o pai ainda
disso, ameaçada em seus investimentos libidinais arcaicos não é suposto" ter" o falo.
junto à mãe, a criança começa a pressentir insensivelmente Além disso, tendo se deslocado o falo para o lugar da
alguma coisa que sempre esteve ali: a incidência do desejo instância paterna - mesmo que o pai não seja ainda pres-
da mãe em relação ao desejo do pai. Por mais desconfortá- sentido senão como sendo ele próprio um falo -, a criança
vel que seja, esta descoberta só pode mobilizar a criança é daí em diante conduzida, implicitamente, ao encontro com
para pressentir o Pai real a uma luz cada' vez mais imagi- a Lei do pai. Através da rivalidade fálica orquestrada sob o
nária. É, pois, essencialmente na qualidade de Pai imagi- modo da privação, da interdição e da frustração, a criança
nário que a criança vai perceber daí por diante este intruso descobre igualmente que a mãe é dependente do desejo do
que detém o direIto, que priva. interdita e frustra: ou seja, pai. Em conseqüência, o desejo da criança pela mãe não
as três formas de investimento que contribuem para media- mais pode evitar de chocar-se com a lei do desejo do outro
tizar a relação fusional da criança com a mãe. (o pai) através do desejo da mãe. De sorte que a criança
por ser suposto opor à mãe a possibilidade de ser satis- deve fazer sua esta nova prescrição que irá regular a eco-
feita pelo único objeto de desejo que é seu filho, o pai nomia de seu desejo: o desejo de cada um é sempre subme-
sobrevém, inevitavelmente, como um intruso priva40r no tido à lei do desejo do outro. Mas, tendo em vista a opressão
~ investimento psíquico da criança Além disso, impedindo-a
narcísica implicada por esta prescrição, ela tem a oportuni-
de te- ãtõda para si, o pai. descoberto como um que tem dade de entrever um novo deslocamento do objeto fálico.
direito à mãe, manifesta-se então à criança como interditar. Se o desejo da mãe é submetido de certa maneira à
A privação unida ao interdito só pode, enfim, suscitar na instância paterna, suposta privar, i~terditar e frustrar, disso
criança a representação de um paifrustrador, que lhe impõe resulta que a mãe reconhece também a lei do pai como
ser confrontado com a falta imaginária desse objeto real que aquela que mediatiza seu próprio desejo. Uma única con-
é a mãe e da qual ela necessita. clusão se impõe, portanto, à criança: o reconhecimento que
De um modo mais geral, o pai é pressentido como um ela tem desta lei é apenas o daquela que regula o desejo que
objeto rival junto ao desejo da mãe. desde que aparece como ela tem de um objeto que não é mais a criança, mas que o
pai, em compensação, é suposto possuir. A criança acede, sujeito, e não mais na dimensão passiva de objeto do
assim, a um estádio no qual, como formula Lacan: desejo do outro, que até então fora a sua. Por outro lado,
a criança dá provas de uma autêntica renúncia psíquica
Alguma coisa que destaca o sujeito de sua identifica- à sua identificação primordial ao objeto que satisfaz o
ção o ata, ao mesmo tempo, à primeira aparição da lei desejo do outro.
sob a forma do fato de que, neste ponto, a mãe é depen- No entanto, o signo mais espetacular deste domínio
dente; dependente de um objeto que não é mais, simples-
reside, propriamente falando, no processo de acesso ao
mente, o objeto de seu desejo, mas um objeto que o outro
próprio simbólico, pelo qual Lacan nos mostra como a
tem ou não tem.6
criança vai a partir daí se constituir como sujeito mediante
essa operação inaugural a que ele chama metáfora paterna
Com este novo deslocamento do objeto fálico vai se
e seu mecanismo correlativo, o recalque originário.
inaugurar o tempo decisivo do complexo de Édipo, no
Na ordem do discurso, realiza-se uma construção meta-
qual a instância paterna vai se desfazer de seus ouropéis
fórica pela substituição de um símbolo de linguagem por , I
imaginários para advir ao lugar de Pai simbólico, isto é,
um lugar no qual ele será investido como aquele que tem
1 um outro símbolo de linguagem. Na medida em que a
~
operação consiste em designar uma coisa pelo nome de
o falo.
outra coisa, a metáfora se desenvolve com base numa
Para apreender este momento crucial do advento do Pai
substituição significante no decorrer da qual um signifi-
simbólico, vamos recordar de forma sucinta a referência
freudiana ao fort-da7 que dá testemunho incontestável da /' cante (o significante de origem) é provisoriamente recal-
instituição desse processo de simbolização. A reviravolta cado em benefício do surgimento de um outro (o signifi-
simbólica operada através do jogo do fort-da atesta, com cante substituto). 8
efeito, a atualização de um certo processo de domínio* na Podemos facilmente compreender a colocação do pro-
criança: o domínio sobre a ausência materna. Expulsando- cesso da metáfora paterna a partir do princípio desta subs-
a e fazendo-a retomar simbolicamente através desse jogo tituição significante, na qual um significante novo virá
do carretel, a criança se revela em duas atitudes inteiramen- tomar o lugar do significante originário do desejo da mãe.
te novas. Por um lado, numa atitude psíquica ativa 'de Este último, recalcado em benefício do novo, vai se tomar
daí em diante inconsciente. Só este recalque originário é
suscetível de provar que a criança renunciou ao" objeto
6 J. Lacan, Les formations de I'inconscient, op. cit., seminário de inaugural de seu desejo, Em outras palavras, ela só pode
22/1/1958. renunciar a ele na medida em que aquilo que o significa
7 S. Freud, "Jenseits des Lustprinz.ips" (1920), G.W. XIII, 3/69, S.E.
8
XVIII 1/64. Trad. francesa de J. Laplanche e J.B. Pontalis (2 • edição), tomou-se inconsciente para ela.
"Au-delà du principe de plaisir", in Essais da Psychanalyse, op. cit.,
pp. 52 sq. (Mais Além do Princípio de Praz.er, ESBIVol. XVIII.) Cf.
também minha obra: lntroduction à Ia lecture de Lacan, tomo I, op. cit.,
8. O princípio dessa substituição significante na metáfora é desenvol-
pp.114 sq.
Vido em detalhe em lntroduction à Ia lecture de Lacan, tomo I, op. cit.,
* Em francês, maitrise, que significa igualmente mestria. (N.T.)
capítulo 6, p. 54 sq.
o algoritmo desta substituição nos é proposto por Lacan daquilo que mobiliza o desejo da mãe. Assim, ela associa
da seguinte maneira: um significante novo, o Nome-da-Pai (S2),ao significado
falo (sI). A introdução deste novo significante S2 que
substitui SI faz então com que este último passe ao
S2 inconsciente. Ao final da substituição metafórica, o pai é
TI doravante referido ao falo pela criança, enquanto objeto do
desejo da mãe.
Por convenção, coloquemos o algoritmo
SI como a É apenas nessa medida que o Pai real foi investido como
sI Pai simbólico, pela mediação do Pai imaginário. Entretan-
expressão significante do desejo originário da criança:
to, esta referência ao pai, daí por diante associada à idéia
do desejo da mãe, é apenas um puro significante, o Nome-
~ (~~====:;> Significante do desejo da mãe do-Pai, como insiste, muito justamente, Lacan:
sI Idéia do desejo da mãe: falo
rf A função do pai no complexo de Édipo é de ser um
É a partir dessa expressão significante do desejo originá- significan,te que substituiu o significante, ou seja, o pri-
rio que a criança vai introduzir um significante novo para meiro significante introduzido na simbolização, isto é, o
designá-lo metaforicamente. significante materno. 10
Na dialética edipiana, vimos que a criança era levada a .~
abandonar a posição do ser (ser o falo) para aceder à do ter. A saída deste processo de simbolização está plena de
Esta" passagem" , todavia, só se poderá efetuar a partir do potencialidades estruturantes para a criança.
momento em que a criança tiver estabelecido uma associa- Significando o pai como causa desejante das ausências
ção significativa entre a ausência da mãe e a presença do da mãe, a criança continua, de fato, a designar o objeto
pai. Mas, desde que se evoca uma associação significativa, fundamental do seu desejo. Mas ela o faz sem saber, dado
supõe-se, necessariamente realizada, uma designação sim- que o significante originário do desejo da mãe foi recal-
bólica, já que uma coisa nunca faz sentido a não ser através cado. Em conseqüência, produzindo o significante Nome-
de uma tal designação. Ora, aquela de que se trata aqui do-Pai, a criança nomeia de forma igualmente metafórica
resulta, como veremos, de um processo metafórico. o objeto fundamental de seu desejo. Daí resulta que o
Designando o pai como causa das ausências da mãe, a símbolo da linguagem tem por função principal perpetuar
criança o nomeia como o que significa a idéia que ela tem o objeto originário do desejo numa designação, sem que
o sujeito daí por diante saiba alguma coisa sobre isso. A
divisão do sujeito pela ordem significante (Spaltung) é,
9 Cf. J. Lacan, ~D 'une question préLiminaire à tout traitemellt possi-
hle de Ia psychose, in Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 557. A fórmula
explícita de Lacan é a seguinte: S $' I 10 J. Lacan, Les formarions de l'inconsciellt op. cito seminário de
T·-.- -. S(s') 15/1/58. ' ,
portanto, uma conseqüência direta de seu acesso à ordem falo, ela não pode traduzir outra coisa que não a perda
simbólica.11 simbólica de um objeTo imaginário.12
A renúncia da criança ao objeto fundamental de seu
desejo, se é, antes de mais niida, uma renúncia simbólica,
não é no entanto derrisória. Abrindo para ela, propria-
mente falando, o acesso ao simbólico, essa renúncia lhe Por desconcertante que seja, a emergência do pai, enquanto
assegura a possibilidade de poder se manifestar aí, ela metáfora pura e simples, não deixa de subsistir como a
mesma, como sujeito, a partir do momento em que é ela única investidura estruturante para a criança. Mas, da mes-
quem designa. A primeira designação, inaugural, que ma maneira, ela permanece rica em avalares irreversivel-
testemunha o seu estatuto de sujeito, é a do Nome-do-Pai, mente determinantes quanto ao seu porvir.
seguindo-se daí que o sujeito se produz nesta designação
como sujeito desejante, já que só fará, sempre, continuar
a significar, na linguagem, o objeto primordial de seu
desejo.
Além disso, fazendo-a advir como sujeit~ desejantc,
essa renúncia traduz explicitamente a expressão de sua
própria castração. O advento do Pai simbólico como
Nome-do-Pai atesta, com efeito, o reconhecimento de um
Pai castrador pela criança, não apenas em razão da atri-
buição fálica que lhe é conferida, mas ainda pelo próprio
fato de que a mãe é suposta encontrar junto a ele o objeto
desejado que ela não tem. O Pai simbólico, pois, só surge
para a criança como Pai castrado r estritamente na medi-
da em que a criança o investe igualmente como um Pai
doador diante da mãe. Assim, a metáfora do Nome-do-
Pai, que atualiza a castração, é necessariamente isomór-
fica à simbolização da Lei. Em conseqüência, a castração
só poderia intervir no complexo de Édipo sob o aspecto
de uma castração simbólica, à falta da qual permaneceria
12 Essa definição é uma referência direta à problemática da falta de
radicalmente ininteligível. De fato, tendo por objeto o objeto, sobre a qual Lacan nos mostra que ela só pode se manifestar em
três ocorrências específicas: afrustração, que é a falta imaginária de um
objeto real; a privação, que é a falta real de um objeto simbólico; e a
castração, que é a falta simbólica de um objeto imaginário.
Cf. La relation d'objet et les structuresfreudiennes, 1956/57, iné-
11 Sobre a divisão do sujeito, cf. Illtroducrioll à Ia lecture de Lacall,
dito, seminários de 5 e 12 de dezembro de 1957.
tomo I, op. cit., capítulo 15 e 16, pp. 128/144.
~ A função paterna e seus avatares
1 Cf. lntroduction à Ia lecture de Lacan, tomo I, op. cit., capo 15, pp.
128/135.
processo da metáfora 'do Nome-do-Pai. Logo, é essen- ficante Nome-do-Pai constitui "a falha que dá à psicose sua
cialmente com relação a essas três referências lacanianas condição essencial que a separa das neuroses".4 É neste
fundamentais - a preeminência do simbólico, metá-a ponto preciso que reside, comparado a Freud, a contribui-
fora do Nome-do-Pai e a divisão do sujeito - que pode- ção explícita de Lacan que consiste, justamente, em fazer
mos compreender a função da foraclusão nó campo das valer o caráter crucial da ordem simbólica e de sua função
psicoses. na etiopatogenia das psicoses.
Notemos desde já que, se a Verwerfung freudiana vai se Dizer que quando o Nome-do- Pai é foracluído a metáfora
beneficiar, daí por diante, dessa "denominação controla- paterna fracassa é inferir igualmente que a etiopatogenia
da" , não é de forma alguma devido a uma pura preocupação das psicoses esTá submetida à dimensão do acesso ao
com a originalidade da tradução. Muito pelo contrário, é simbólico. Em outras palavras, neutralizando a emergência
para insistir quanto à preeminência da ordem simbólica do recalque originário, a foraclusão do Nome-do-Pai com-
como um lugar de exercício legítimo da Verwerfung. promete gravemente a assunção da castração simbólica.
Etimologicamente a foracLusão é um termo saído do Em caso extremo, essa abolição faz falhar toda a função
corpo da terminologia jurídica, que significa a abolição paterna. Portanto, a problemática da foraclusão está direta-
simbólica de um direito que não foi exercido no prazo mente dependente da sorte que cabe ao significante fálico
prescrito. Portanto, é principalmente essa idéia de uma no decorrer da dialética edipiana. Entretanto, se o destino
anulação simbólica que Lacan subscreve, ao utilizar o psicótico parece, assim, se dar em torno dessa operação
conceito de foraclusão. Trata-se, para ele, de enfatizar a
simbólica inaugural que é a metáfora do Nome-do-Pai,
abolição de um significanTe. Todavia, é só na medida em
convém mostrar-se particularmente vigilante quanto ao
que essa abolição incide sobre um significante particular
sentido e ao alcance desse móbil.
- o significante Nome-do-Pai - que ela pode especificar
Assim como podemos, legitimamente, reconhecer em
a indução dos processos psicóticos; ou seja, o significante
Lacan o avanço que lhe é devido quanto à compreensão
que é convocado a vir substituir o significante originário
da indução dos processos psicóticos, do mesmo modo a
do desejo da mãe.
mais elementar honestidade exige que não se atribua ao
É ao comentar a análise do caso Schreber, em seu semi-
conceito de foraclusão do Nome-do-Pai um valor de
nário As psicoses,2 que Lacan é conduzido, progressiva-
desempenho e competência universais que Lacan jamais
mente, a essa conclusão. Ele retoma, aliás, essa análise sob
reconheceu nele. No máximo, a foraclusão do Nome-do-
uma forma mais condensada, num estudo de 1957: De uma
Pai é apresentada por Lacan como uma hipótese meta-
quesTão preliminar a Todo TratamenTOpossível da psicose, 3
psicológica estruturalmente operatória. Além de sugerir
onde formula, de maneira radical, que a abolição do signi-
um avanço explicativo sobre a indução dos processos
psicóticos, ela permite igualmente que se compreenda em
2 J. Lacan, Les Psychoses, livro m, 1955/1956, Paris, Seuil, 1981
(Seminário m, As psicoses, Jorge Zahar Editor, Rio, 1985).
3 1. Lacan, "O'une queslion préliminaire à loul lraitemenl possible de 4 J. Lacan, "O'une queslion préliminaire à loul lraitemenl possible de
Ia psychose", in Écrits, op. cit., pp. 531/583. Ia psychose", in Écrits, op. cil., p. 575.
que certos mecanismos atuantes nos processos neuróticos são múltiplos. Como lembra J .D. Nasio,5 eles existem, no
_ o recalque, em particular - não permitem dar conta da míTÚmo,na mesma quantidade dos significantes suscetíveis
etiologia das psicoses. de se sucederem nesse lugar ao qual são convocados num
Essa hipótese mctapsicológica permite, aliás, que se dado momento. A foraclusão se produz, propriamente fa-
proponha uma orientação coerente às estratégias terapêuti- lando, quando nenhum significante vem se apresentar a essa
cas, no sentido de uma restauração da inserção falha do convocação. Logo, ela não se dá de uma vez por todas. Ao
sujeito no registro simbólico. Sob esse ponto de vista, e contrário, não cessa de se reproduzir sucessivamente. Isso,
apenas esse, o conceito de foraclusão do Nome-do-Pai tanto mais que é em termos de estrutura que se deve tentar
constitui um epicentro metapsicológico heurístico e fecun- apreender o mecanismo desta foraclusão do Nome-do-Pai
do. Podemos, portanto, ao menos por essa razão, tomar nota isto é, em termos de movimento e de regulação. '
disso a título de um progresso conseqüente. Mas em caso Para que a estrutura se mantenha, é necessário, constan-
algum podemos concluir que dispomos, com a foraclusão temente, quc um significante venha ocupar esse lugar de
do Nome-do-Pai, de uma panacéia etiológica à toda prova. substituição do sigTÚficantedo desejo da mãe. Em troca, se
O próprio Lacan sempre se mostrou particularmente pru- nenhum significante substituto adequado vier ocupar este
dente quanto a essa questão. lugar, a lógica simbólica se organiza diferentemente e, com
Se a foraclusão do Nome-do-Pai aparece como uma ela, a realidade psíquica do sujeito. É isso que podemos
explicação radical - para não dizer totalitária - dos pro- designar, como faz Ginette Michaud,6 pela agenesia do
cessoS psicóticos, é principalmente devido ao fato da simbólico e do imaginário nos psicóticos. Em outras pala-
existência do imperialismo de uma certa submissão da vras, assim como o paranóico se esforça para simbolizar o
Escola, alimentada essencialmente em tomo de alguns imaginário, o esquizofrênico, ao contrário, tenta imagina-
pontos cegos. Para citar apenas este, que parece ter gras- rizar o simbólico.
sado com a maior violência, vamos evocar o culto de uma A foraclusão do Nome-do-Pai parece afetar, antes, a
forma de ontologismo mantido igualmente quanto à dinâmica que preside à substituição metafórica, não se
foraclusão e ao Nome-do-Pai enquanto tal. Para al- referindo ao próprio elemento dessa substituição. Assim, a
guns, essas categorias foram realmente elevadas à digni- idéia de abolição que está implícita no conceito de foraclu-
dade de seres, com base num mal-entendido qualitativo ção marca bem uma evolução radical na accpção do termo
e quantitativo. Verwerfung. Se a concepção freudiana inicial da Verwer-
O Nome-da-Pai não é um significante particular. Ele só
fung estava assujeitada principalmente à idéia de uma re-
é significante primordial na medida em que, num dado
jeição do registro simbólico, com Lacan a Verwerfung
momento, vem ocupar um lugar de destaque. Enquanto tal,
ele nunca é predeterminado antecipadamente. Como só o
lugar aberto à substituição metafórioa é predeterminado,
o significante Nome-do-Pai é um significante qualquer que 5 J .-D.Nasio, Les yeux de Laure, Paris, Aubier, 1987, pp. 123/124.
~ G. Michaud, Seminário de clínica psicanalítica sobre" As persona-
virá ocupar este lugar decisivo. Nesse sentido - Lacan o lIdades psicopáticas", 1974/1975 (inédito). Ensino ministrado na
formulou diversas vezes - os significalltes Nome-da-Pai U.F.R. Ciências Humanas Clínicas, Universidade Paris VII.
cia do pai é tomada impossível, barrando, assim, para a
remete antes à idéia de um não-advento à ordem deste criança a simbolização da Lei paterna que instaura a castra-
registro simbólico. ção simbólica?
Formalmente, essas circunstâncias invalidantes podem
ser referidas a essa ocorrência decisiva: o Nome-do-Pai está
foracluído quando este significante é renegado no discurso
Tentemos conceber agora uma circunstância da posição da mãe, como lembra, explicitamente, Lacan:
subjetiva onde, ao apelo do Nome-do-Pa~ va.i r~spo~der,
não a ausência do Pai real, pois esta ausencIa e maIS do Aquilo sobre o que queremos insistir é que não é
que compatível com a presença do significante, mas a apenas a maneira pela qual a mãe se acomoda à pessoa
carência do próprio significante.7 do pai que nos deve ocupar, mas a importância que ela
dá à sua fala, digamos, à sua palavra, à sua autoridade,
Não se poderia demarcar melhor do que faz Lacan acima em outras palavras, o lugar que ela reserva ao Nome-do-
a própria essência da foraclusão em sua dinâmica indutora Pai na promoção da Lei.8
dos processos psicóticos.
De fato, na medida em que a foraclusão seja passível de A problemática da renegação do Nome-do- Pai no discur-
tal eficácia, é preciso que ela incida sobre o significante so matemo levanta, fatalmente, uma questão clínica impor-
Nome-do-Pai. É apenas quando o significante Nome-do- tante: sob que condições pode uma mãe se apresentar como
Pai está foracluído que o recalque originário é fracassado, mãe psicotizante? Em conseqüência, uma segunda dificul-
neutralizando a emergência da metáfora paterna. Não emer- dade surge imediatamente: as mães dos psicóticos são elas
gindo este processo metafórico, segue-~e que o ace~so ao próprias psicóticas?
simbólico fica gravemente comprometido para a cn~nça. Além dessas interrogações serem cruciais, elas recebem
Sob tais condições, todo um registro novo da economIa do freqüentemente respostas clínicas muito desconcertantes.
desejo lhe é barrado. Permanecendo assujeita~. a uma No entanto, seu caráter de radicalidade não permite demar-
relação arcaica com a mãe, ela continua a se constitUIr como car com grande circunspecção o problema dos processos
seu único objeto de desejo, isto é, como seu falo. indutores das psicoses. A prova disso seria um caso bastante
Evocar a foraclusão do Nome-do-Pai como processo freqüente: como compreender, numa prole saída de uma
indutor de psicoses é enfatizar o fato da impossibi.lidade em. mesma mãe e um mesmo pai, que apenas uma das crianças
que se encontra a criança de poder se referir ao. Pa~ seja psicótica? No máximo, isso supõe que ocorrências
simbólico. Em conseqüência, dizer que o Nome-do- PaI está imprevisíveis demonstram ser patologicamente determi-
foracluído é dizer que o Pai real não emergiu na qualidade nantes em certos momentos da história da família.
e lugar de Pai simbólico. Sob que condições essa emergên-
o problema subsiste, evidentemente: o de saber por que e P. :",ulagnier, "Remarques sur Ia structure psychotique",
como um pai se deixa assim destituir da função simbólica m La psychanalyse, n 8, Paris, PUF, 1964, pp. 47/67.
Q
J. Laplanche, 16
C. Levi-Slrallss, 17, 25- 7
J. Dor, 17, 18, 19,33,43,49,50,58,59, L. Levy-Bmhl, 25
61,77,78,82, 101, 110
B. Malinowsld, 17
G. Frege, 18
M. Mannoni, 108-111
S. Frelld, 17,21, 29, 30-32, 34, 37, 38, G. Michalld, !O5
39,44,49,67-8,77,80,81,84,93_100,
103
F. Perrier, 79
J.-8. Pontalis, 16