Você está na página 1de 7

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/329550275

O ENSINO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE NOS CURSOS DE ENFERMAGEM:


DESAFIOS PARA CONSTRUIR UMA PEDAGOGIA LIBERTADORA

Conference Paper · January 2018


DOI: 10.17648/paulofreire-2018-89548

CITATIONS READS

0 20

5 authors, including:

Kenia Silva bruna franca


Federal University of Minas Gerais Federal University of Minas Gerais
111 PUBLICATIONS   964 CITATIONS    8 PUBLICATIONS   23 CITATIONS   

SEE PROFILE SEE PROFILE

Izabela Thaís de Magalhães Neto


Federal University of Minas Gerais
2 PUBLICATIONS   0 CITATIONS   

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Izabela Thaís de Magalhães Neto on 10 October 2020.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


O ENSINO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE NOS CURSOS DE ENFERMAGEM:
DESAFIOS PARA CONSTRUIR UMA PEDAGOGIA LIBERTADORA

Kênia Lara Silva 1


Bruna Dias França 2
Michelle Melo Ledo3
Izabela Thaís de Magalhães Neto 4
Bárbara Jacome Barcelos5

Modalidade: Resumo expandido

Tema Gerador: Formação dos profissionais da área da saúde na perspectiva


freireana, ensino da promoção da saúde e educação hospitalar.
Resumo: O objetivo do estudo foi analisar o discurso sobre o ensino da promoção
da saúde, identificando os desafios para a construção de um modelo libertador.
Trata-se de um estudo qualitativo, ancorado no referencial da dialética. Participaram
do estudo 46 professores e 82 estudantes; seis escolas públicas e cinco privadas de
enfermagem no país. Os resultados do estudo indicam o método culturalmente
imposto pelas academias, no qual os professores são colocados como os detentores
do saber. Com isso há prejuizos para o desenvolvimento do pensamento crítico
pelos estudantes. Por outro lado, é possível reconhecer as possibilidades de
superação com a construção critica do ensino sobre promoção da saúde.
Palavras-chave: Promoção da saúde; Educação em Enfermagem; Política de
Saúde.

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) foi implantada em 2005 pelo


Ministério da Saúde e redefinida em 2014, como um marco para incorporação da
promoção da saúde como política pública no Brasil.
A construção da promoção da saúde ainda é incipiente, mesmo após sua
implantação, e tem pequena visibilidade no cenário das práticas em saúde. A não
percepção dessa prática como estratégia para transformação desse cenário se dá
tanto no âmbito do ensino, quanto no da gestão e do controle social (SILVA et al.,
2009, 2010).
Estudos desenvolvidos com foco nessa temática apontam que a formação dos
profissionais de saúde limita-se às metodologias tradicionais baseadas na
transmissão de conhecimento, que não privilegiam a formação crítica (BRASIL,
2005; CECCIM, FERLA, 2009). O exposto afirma o desafio que será enfrentado na
formação, a partir da tentativa de mudança desse modelo.
1
Universidade Federal de Minas Gerais 1 – UFMG. E-mail: kenialara17@gmail.com
2
Universidade Federal de Minas Gerais 2 – UFMG. E-mail: brunadiasfranca@gmail.com
3
Universidade Federal de Minas Gerais 3 – UFMG. E-mail: michellemelo.184@gmail.com
4
Universidade Federal de Minas Gerais 4 – UFMG. E-mail: izabelatmn@gmail.com
5
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 5 –PUC Minas E-mail:
bbarbarabarcelos@gmail.com
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Educação
Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha
31.270-901 | Belo Horizonte - MG | Brasil

https://proceedings.science/p/89548 DOI: 10.17648/paulofreire-2018-89548


O modelo assistencial dominante, biomédico, tem se mostrado insuficiente para lidar
com o cenário das práticas de promoção da saúde, devido ao enfoque ainda
predominantemente biologicista, curativo, médico-centrado e desarticulado das
práticas em saúde (BRASIL, 2005; CHIESA, 2007; SILVA et al., 2007). Pode-se
inferir que esse modelo assistencial é influenciando por um ensino conservador e
hegemônico, pautado no corpo biológico, por meio da estratégia de transmissão de
conhecimentos, no qual o estudante assume papel passivo e acrítico da situação de
saúde e da realidade em que está inserido. Dessa forma, esse ensino torna-se
reducionista, na medida em que desmotiva o aluno a refletir e, consequentemente,
transformar a realidade, pois esta é passada por quem educa, e os educandos são
objetos que apenas recebem informações.
A pedagogia libertadora supera os paradigmas hegemônicos do ensino. Tanto o
educador quanto o educando participam do processo de aprendizagem e são
sujeitos transformados e transformadores no e do processo. Além disso, orientados
pela pedagogia libertadora, as estratégias de formação devem permitir e aguçar a
curiosidade do estudante, sendo esta o motor para a reflexividade. O pensamento
reflexivo permite enxergar os problemas de saúde, reconhecendo não apenas os
determinantes sociais de saúde, mas também a historicidade e dinâmica da
população.
Com base no exposto, esse estudo justifica-se pela necessidade de reafirmar a atual
realidade do ensino da promoção da saúde no país, para que seja identificado os
desafios que ainda permeiam essa temática.
O objetivo do estudo foi analisar o discurso de estudantes e professores sobre o
ensino da promoção da saúde, identificando os desafios para a construção de um
modelo libertador.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo, ancorado no referencial teórico metodológico da


dialética, resultante da pesquisa “Competências para a promoção da saúde na
formação do enfermeiro: experiências, resultados e desafios no contexto brasileiro”,
realizada em três fases.
A primeira fase foi caracterizada por um levantamento sobre as competências para a
promoção da saúde em cursos de graduação em enfermagem no Brasil. Deste
levantamento, foram definidos cursos para análise em profundidade.
No total, foram selecionadas 27 escolas de enfermagem para a segunda fase, das
quais 11 compuseram o cenário do estudo. Em 16 escolas, não foi possível realizar
a coleta de dados por recusas.
Os dados da segunda fase foram obtidos da realização de grupos focais com
professores e estudantes das instituições cenários, no período de novembro de 2015
a maio de 2017. O grupo focal foi orientado pela pergunta norteadora: “Que
competências para a promoção da saúde são trabalhadas na formação do
enfermeiro nesta instituição?”.
Participaram do estudo seis escolas públicas e cinco privadas, sendo uma
representante da região nordeste, uma da centro-oeste, uma do sul e oito do
sudeste do país. Foram realizados 20 grupos focais. Participaram dos grupos 46

Universidade Federal de Minas Gerais


Faculdade de Educação
Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha
31.270-901 | Belo Horizonte - MG | Brasil

https://proceedings.science/p/89548 DOI: 10.17648/paulofreire-2018-89548


professores e 82 estudantes. Os dados foram analisados na perspectiva da Análise
de Discurso Crítica.
Respeitou-se a Resolução 466/12 do Ministério da Saúde, que regulamenta a
pesquisa com seres humanos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa sob o parecer CAAE- 22830812.5.0000.5149. Todos os participantes
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADO

Os resultados indicam o discurso hegemônico no campo da saúde que orienta o


ensino baseado em um modelo verticalizado, no qual o estudante é submetido a
uma metodologia na qual o professor assume o papel de dominador/ detentor do
conhecimento. Essa cadeia favorece um aprendizado acrítico, no qual o estudante
torna-se apenas um receptor passivo do conteúdo. Isso é evidenciado no discurso
dos professores:

Cultural. Infelizmente o Brasil é cultural. As pessoas não são


voltadas para isso. Nós estudamos em uma época, que o
professor ele chegava em uma sala de aula, falava e ia
embora né? (Grupo Focal Professor - Escola 9)

Agora, uma outra dificuldade que eu vejo pra gente conseguir


tirar, trazer o estudante do decoreba ali, é a questão mesmo
da interpretação e da formação básica estudantil que esse
estudante vem com um história, com várias limitações e que,
né, a faculdade de uma forma em geral e hoje até o MEC
reconhece isso (...) eh, a dificuldade também social quando a
gente pega dois cursos, né, de uma história financeira e
cultural, por exemplo, de um estudante de Medicina e com
estudantes de Enfermagem, que a gente vê que é um
estudante que às vezes ele chega aqui sofrido, que pra ele
conseguir entrar aqui, ele tem que romper muitas barreiras
(...) (Grupo Focal Professor – Escola3)
A pedagogia da transmissão contribui para a reprodução de um processo em que o
estudante é considerado “desanimado”, pois não precisa necessariamente pensar
sobre a sua realidade. Assim, as metáforas presentes no discurso evidenciam um
processo em que o estudante recebe tudo de mão beijada e não precisa “correr
atrás” e pensar criticamente, conforme exposto pelos professores.

(...) me parece que essa geração Y que nós estamos


trabalhando, ela não tem tanta, porque tudo sempre foi dado
de mão beijada. (Grupo Focal Professor – Escola 1)

Olha, inicialmente, assim, eu acho que um grande desafio


(...) é despertar esse interesse nesses estudantes porque
muita das vezes, eh, trazer essa consciência do quão

Universidade Federal de Minas Gerais


Faculdade de Educação
Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha
31.270-901 | Belo Horizonte - MG | Brasil

https://proceedings.science/p/89548 DOI: 10.17648/paulofreire-2018-89548


importante é o que eles vão aprender, às vezes eles não têm
nem interesse em ouvir o que você vai falar. (Grupo Focal
Professor – Escola 5)

Eles querem o data show, eles querem um material de apoio


e esse material de apoio muitas das vezes eles querem uma
apostila. Se você pedir "não, tá no livro", eles não tem hábito
de pegar livro "tá no capítulo tal", entendeu? (Grupo Focal
Professor – Escola 5)

Estes achados encontram relação com a discussão estabelecida por Paulo Freire na
obra "Pedagogia do Oprimido" (1987). Para o autor, os oprimidos - no caso os
estudantes - devem buscar libertar a si e aos opressores, de um modelo de ensino
verticalizado. Em seu livro evidencia que:

“A violência dos opressores, que os faz também


desumanizados, não instaura uma outra vocação – a do ser
menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os
oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra que os fez menos. E
esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao
buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de
cria-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se
tornam, de fato, opressores dos opressores, mas
restauradores da humanidade em ambos.” (FREIRE, 1987,
p.16)

Os estudantes, em seus discursos, demonstram desenvolver o pensamento crítico, a


partir da busca pelo conhecimento, além do exposto em sala de aula, como
expresso nos excertos a seguir:

Então, isso possibilitou é... desenvolver a questão da


autonomia. Não é um estudo, assim "ah.. a professora quer
esse estudo de caso" assim não. Eu tive que... ir lá, buscar,
pesquisar vê aonde que tem, descobrir (...). (Grupo Focal
Estudante – Escola 10)

(...) então o fórum é esse espaço que a gente dialogue com


outros cursos, pra pensar pra trazer outras reflexões pra
nossa formação né. Porque na maioria das vezes não é um
espaço conclusivo, é um espaço contínuo que você vai e vai
construindo, desconstruindo, leva reflexões pra sua formação
né, contribuí com sua formação, contribuí com seu
crescimento pessoal, com construção do seu caráter
também. (Grupo Focal Estudante – Escola 11)

Os estudantes relatam experiências fora da universidade, como estágio de vivências


e em movimentos estudantis, a partir do emprego da metáfora "além dos
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Educação
Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha
31.270-901 | Belo Horizonte - MG | Brasil

https://proceedings.science/p/89548 DOI: 10.17648/paulofreire-2018-89548


muros da universidade", como possibilidade de desenvolver um pensamento critico
sobre a realidade.

O que seria um bom funcionário, né, entre aspas, e.... no


caso, a gente pensar essa formação para além dos muros da
universidade e essa formação também que vai parar além
das nossas, para além das nossas aulas, pelo contato com,
com.... com a realidade, do nosso dia a dia, com o mundo
também. Então, como que tipo... é, é essa formação, no
caso, ela é vista como algo com maus olhos, sabe? O
enfermeiro que ele tem crítica, ele.... que tem a crítica da...
do contexto social, econômico, financeiro, que ele tá inserido
ali, ele tem uma ferramenta de mudança daquela lógica de
mercantil, né, do trabalho e tudo. Então, isso é perigoso pro
Estado. Então, até que ponto que a universidade ela também
corrobora para, quais são as estruturas que tão ali, movendo
a roda da nossa formação. (Grupo Focal Estudante –
Escola10)

A universidade não é sala de aula, nem formação, nem


curso, nem aula prática. A universidade é a convivência com
outros grupos, a universidade é um universo de
possibilidades, que o tempo todo a gente tá se aprimorando
né. A participação no movimento estudantil também é uma,
uma outra universidade, você tá numa universidade vivendo
2 universidades se você tá no movimento estudantil. (Grupo
Focal Estudante – Escola 11)
O discurso dos professores indica a necessidade de se construir a “rebelião”, ou
seja, a libertação dos estudantes do modelo de transmissão e opressor.

(...) hoje o professor ele ainda tem aquela visão de que ele é
o passador de conteúdo, ele é o detentor do saber e ele tem
que ir lá e cumprir o plano de ensino e passar todo aquele
conteúdo e cobrar aquilo que são as provas. Esse modelo
não tá dando certo e não é de hoje, é do meu tempo que já
não tá dando certo, só que a geração de hoje está se
rebelando, a minha geração não se rebelava, eu chegava no
estágio e não lembrava mais o que tinha de anatomia, mas
eu não tinha coragem de falar. (Grupo Focal Professor –
Escola 4)

Assim, os discursos de professores e estudantes indicam que há possibilidades para


o ensino da promoção da saúde orientado pela pedagogia libertadora. Contudo,
osdesafios para essa construção também estão presentes e se referem à
predominância de um discurso hegemônico sustentado no modelo tradicional de
ensino. Assim, há que se superar essa realidade.
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Educação
Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha
31.270-901 | Belo Horizonte - MG | Brasil

https://proceedings.science/p/89548 DOI: 10.17648/paulofreire-2018-89548


Segundo Freire (2002, p.15), a superação se dá a partir da curiosidade e da
criticidade, diferentemente da ruptura "A superação e não a ruptura se dá a medida
em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário,
continuando a ser curiosidade, se criticiza". A liberdade se constrói conscientemente
por meio da reflexão de uma prática ou não prática, no qual o sujeito se transforma e
é transformado sem se romper com o passado. Além disso, Freire (1987, p.18)
ressalta que liberdade "é condição indispensável ao movimento de busca em que
estão inscritos os homens como seres inconclusos".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados do estudo indicam que o método culturalmente imposto pelas


academias, no qual os professores são colocados como os detentores do saber,
prejudica o desenvolvimento do pensamento crítico pelos estudantes. Ressalta-se
que isso contribui para o desinteresse dos estudantes frente aos desafios e
dificuldades enfrentadas na sua realidade.Por outro lado, é possível reconhecer as
possibilidades de superação com a construção critica do ensino sobre promoção da
saúde.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Pró-saúde: programa
nacional de reorientação da formação profissional em saúde. Brasília: MS/MEC,
2005.
BRASIL. Ministério da Saúde Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília.
Aprovada pela Portaria n° 687 de 30 de março de 2006.
CECCIM, R.B.; FERLA, A.A. Educação e saúde: ensino e cidadania como travessia
de fronteiras. Trab. educ. saúde. 2009; 6(3): 443-456, nov. 2008-fev. 2009.
CHIESA, A.M. et al. A formação de profissionais da saúde: aprendizagem
significativa à luz da promoção da saúde. Cogitare Enferm. 2007 Abr/Jun;
12(2):236- 40.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Tradução: Izabel Magalhães.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987;
107p.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002; 54p.
SILVA, K.L. et al. Promoção da saúde como decisão política para a formação do
enfermeiro. Rev Esc Enferm USP, 2007; 41(Esp): 826-9.
SILVA, K.L, et al. Educação em Enfermagem e os desafios para a promoção da
saúde. Rer Bras Enferm. Brasília jan-fev 2009; 62 (1): 82-91.
SILVA, K.L, SENA, R.S. Poder, autonomia & responsabilização: Promoção da
Saúde em espaços sociais da vida cotidiana. São Paulo: Hucitec, 2010, 174 p.

Universidade Federal de Minas Gerais


Faculdade de Educação
Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha
31.270-901 | Belo Horizonte - MG | Brasil

https://proceedings.science/p/89548 DOI: 10.17648/paulofreire-2018-89548


View publication stats
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

Você também pode gostar