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Aula Especialização -2014

Fátima Sarmento

A pergunta e o grafo do desejo

Vocês já tiveram oportunidade de estudar que o último ensino de Lacan não parte do Outro,
mas do Um, do real, do sem-sentido. O impacto do Um no corpo causa o sinthoma. Estamos
aqui no registro do gozo que pode ser caracterizado como a solidão do Um.

Hoje trataremos do primeiro ensino que parte exatamente da experiência do Outro, do


desejo, do desejo do Outro. A neurose é o resultado do mergulho do Um no Outro. Trataremos
da articulação do Um com o Outro que é denominada por Lacan como história. Lacan cria um
neologismo – histoeria- para fazer equivaler à histeria que vem a ser o nome dessa articulação.

Comecemos pelo signo de pergunta que é na verdade uma pergunta sobre o desejo. Lacan
insiste que é da natureza do desejo como tal necessitar do apoio do Outro, pois o Outro é o
lugar onde o significante ordena o desejo. O fato do desejo ter que ser interpretado implica
ambiguidades. A pergunta supõe uma resposta. Até o momento da questão ficamos na
ignorância, na tolice.

A que essa pergunta remete?

Remete a fantasia, ao desejo, ao grafo do desejo, ao Édipo, pois o Édipo é o lugar onde se
organiza a posição do desejo. A estrutura da pergunta consiste na neurose, embora haja
pergunta na psicose, ou melhor, há uma resposta antes que se possa desenvolver a pergunta.

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O aparelho conceitual que melhor explora o terreno da clínica da pergunta é o grafo do desejo.
A versão do grafo está animada pela pergunta: “Che Vuoi”? “Que queres?”

Essa é a pergunta que interroga o desejo do Outro, que anima o sujeito neurótico. O grafo do
desejo pode ser considerado como a primeira entrada da topologia no ensino de Lacan e foi
elaborado ao longo de dois seminários sucessivos: “As Formações do Inconsciente”
(1957/1958) e o “Desejo e sua Interpretação” (1958/1959). Em 1960 na “Subversão do Sujeito”
ele alcança sua escritura final. Podemos ainda admitir que o grafo do desejo é a introdução do
objeto (a) no ensino de Lacan. Apesar do objeto (a) não estar formalizado nessa época, o grafo
se chama grafo do desejo, porque aí se introduz o objeto causa do desejo. Se considerarmos
que o efeito do objeto causa do desejo é o desejo não há como pensar o grafo fora da
possibilidade do objeto causa de desejo. Daí a figura sobre a pergunta para alguns estudiosos
da obra de Lacan pode ser formalizada tomando como apoio o objeto:

Em torno desse grafo se ordena o embricamento das 3 principais dimensões que estruturam a
subjetividade: o desejo, a linguagem e o inconsciente.

Lacan dá essa denominação de grafo do desejo porque um pouco antes no seminário IV ele
percebe que o eixo imaginário não basta, não é suficiente para situar os fenômenos do desejo.
Foi preciso fazer uma articulação mais complexa para que ocorresse um giro que vai desde o
objeto do desejo como sendo imaginário até o objeto do desejo se posicionando no simbólico.
A pergunta do seminário IV é: Como se constitui o objeto do desejo? O que o desejo visa?

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No seminário V (p 206) Lacan salienta que o desejo visa o falo. O falo é o significante do desejo
e do desejo do Outro conforme esquema abaixo:

Um pouco antes, no seminário 4 (p28) Lacan já havia lançado a tríade imaginária, enfatizado
que a noção da relação de objeto é impossível se não pusermos nela o falo como um
elemento.

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No seu último ensino Lacan dá um novo lugar ao falo. O falo é o significante do gozo Um,
impossível de negativar, “um objeto privilegiado sobre o qual a gente não se engana”. Nessa
perspectiva, o falo se isola em uma análise como o que resta, resíduo verificador, configurando
como um modo de gozo mais singular no final de uma análise.

Vejamos o grafo completo:

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O nível inferior do grafo é o nível imaginário. O primeiro andar é do simbólico- o Outro,
tesouro dos significantes. Quando o sujeito “por vir” se encontra com o Outro- não é um
sujeito barrado porque está por vir- aí se produz um efeito de significação que provém do
simbólico. Nesse primeiro andar o sintoma está como significado do Outro. O sintoma passa a
ser um efeito especial do significado do Outro. Especial em que? O sintoma deixa de ser um
sentido normal, habitual quando se conecta com a fantasia. Porque o circuito pulsional passa a
ser articulado ao circuito semântico. O segundo andar mostra o fantasma na formação do
sintoma. O gozo se situa aqui no fantasma. Logo acima encontramos a pulsão e o significante
da falta do Outro. O terceiro andar é real. É por meio dessa quarta linha- que é simbólica, do
sujeito e do Ideal do eu que se entrelaçam Imaginário, Simbólico e Real. Nieves enfatiza que o
simbólico como uma trama, uma construção, dura a vida toda. Assim, trata-se de estar em
construção permanente. A vida de um ser falante é feita de uma construção que não termina.
Um work in progress. Uma construção permanente do simbólico que cada vez vai orientar o
ser falante a respeito do que ele deve fazer com o Outro.

A fórmula do fantasma é a que nos ensina sobre isso porque ela aponta para o fato de que não
se tem uma relação dada, direta e imediata entre o sujeito e o objeto. No ser falante, há um
abismo entre o sujeito e o objeto. A escritura do discurso do mestre ou discurso do
inconsciente dá conta desse problema. No discurso do mestre o sujeito está sempre
identificado ao Outro. Para se constituir o sujeito toma um traço, um significante, um S1 do
Outro. O que fisga é aquilo que é dito e o singulariza. O S1 nesse discurso está no lugar do
comando, de agente.

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S1 → S2
↑ $ // a ↓
O sujeito do inconsciente é efeito da relação entre dois significantes, SI-S2. O SI, que é o
significante do NP, encarna a frase bíblica “eu sou o que sou”. É o significante primeiro, o
axioma a partir do qual se constrói o edifício da lógica significante. Todos os outros
significantes- S2- vão constituir um saber, um conjunto que terá como referência esse SI. O
sujeito, o inconsciente fica dividido por essa operação. Não há uma seta entre o sujeito e o
objeto. Há uma barra dupla que indica um impasse, uma impossibilidade. A relação entre o
sujeito e o objeto no ser falante é impossível porque falta o instinto. No animal essa relação é
direta, imediata. No ser falante há um abismo onde é possível colocar a barra dupla.

O fantasma é uma construção topológica que vai permitir uma relação onde não há relação.
Na neurose o sujeito vai se alienar no sentido dado pela fantasia que passa pela questão: “
Que sou para o Outro”? O losango do fantasma ($ ◊ a) inventa uma relação nesse abismo,
mas não é uma relação simples, fácil, direta. Trata-se de uma relação complexa que consta de
operações lógicas contraditórias entre si; a alienação e a separação são operações lógicas que
são contraditórias entre si.

A alienação implica a união e a separação a disjunção. Isto quer dizer que no ser falante, o
sujeito está ao mesmo tempo em união e em disjunção com o objeto. Apenas a topologia pode
dar conta dessa relação paradoxal que existe entre o sujeito e o objeto na estrutura do ser
falante.

Voltemos ao grafo

O grafo é um desenho, um conjunto de caminhos que Lacan constrói para dar conta do desejo.
Para ele havia uma conexão entre o real e o desenhar. Em algum momento o “real se
desenha”. Para Lacan o grafo é um discurso já que não se pode dizer tudo ao mesmo tempo.
O lado direito do grafo (conforme figura abaixo) corresponde ao que impulsiona, a pergunta
enquanto o esquerdo corresponde as respostas. Qual o meu lugar no desejo do Outro? A
resposta vai se encontrar na fantasia. É na fantasia que o sujeito vai se colocar como um
objeto de gozo do Outro.

Vejamos o que diz Brousse sobre a constituição da fantasia:

“A posição de gozo de todo sujeito é algo que se constitui bem cedo na história de cada um e que consiste na
seguinte operação: desde a tenra infância, o sujeito se constitui como objeto em sua relação com o Outro. Ele faz-se
objeto do Outro, o objeto de gozo do Outro. Isso é a fantasia, pelo menos no caso dos neuróticos. É com esse óculos
que se observa o mundo, tentando incessantemente fazer-se objeto para o Outro, sob diferentes modalidades,
sempre perversas, masoquistas, sádicas, fetichistas. Pois bem, a Psicanálise é o avesso da fantasia. Daí esse duplo
processo de desobjetivar o sujeito, ou seja, fazer com que ele abandone esta posição de objeto de gozo do Outro”.

(Brousse, Marie-Hélène- O inconsciente é a política- Escola Brasileira de Psicanálise, SP, maio 2003- p. 75)

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A fantasia vem sustentar esse outro que goza e ao mesmo tempo é uma resposta a esse
enigma sobre o sujeito. Na neurose o sujeito vai se alienar ao sentido dado pela fantasia que
passa pela questão: “Que sou para o Outro?”. A resposta “Eu sou isso aos olhos do Outro” vai
determinar a vida do sujeito. O resultado disso é que a realidade será sustentada pelo
fantasma, garantindo uma satisfação regulada. Essa é conforme Hebe Tizio a função
civilizadora, ou seja, a inclusão do gozo no laço social de maneira sintomatizada.

Lacan enfatiza no seminário V (p.410) que a fantasia sustenta e realiza o desejo.

($◊a) d

i (a) m

Os quatro vértices são representados pelo eu, pela imagem do outro, pela relação do sujeito
já constituído com o outro imaginário e pelo desejo. O sujeito histérico está aqui, em frente ao
desejo do Outro. É possível dizer que nesse sujeito a linha de retorno da fantasia para i(a) é
mais apagada. É justamente por essa razão, que a histérica tem toda sorte de dificuldades com
seu imaginário, aqui representado pela imagem do outro i(a) e que é suscetível de ver
produzirem-se ali efeitos de despedaçamento, de desintegrações diversas. Esses são os quatro
pés que normalmente pode sustentar-se um sujeito humano. Na neurose histérica o sujeito faz
uso da fantasia para encontrar seu lugar de objeto. Lacan assinala ainda no seminário V que o
desejo da histérica não é o desejo de um objeto, mas o desejo de um desejo, um esforço de se
manter em frente ao ponto onde está o desejo do Outro. Por sua vez, ao contrário, ela se
identifica com um objeto. Dora se identifica com o Sr K. Elizabeth Von R se identifica com
diferentes personagens da sua família ou do seu círculo. Esse alguém que a histérica se
identifica torna-se para ela seu outro eu.

Na perversão o sujeito determina a si mesmo como objeto. Não há nesse caso nenhum enigma
na relação com o Outro. Enquanto o sujeito neurótico utiliza-se da fantasia para interrogar o
desejo do Outro, o perverso, ao contrário, atua a fantasia, oferece-se como objeto, fixa-se a
uma posição e tem certeza sobre o gozo do Outro. Na constituição do sujeito neurótico a

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angústia surge quando o sujeito não sabe o que é no desejo do Outro. Na sua pesquisa ele
quer saber o que é para o Outro.

Lacan no seminário 5 declara que não há sujeito se não houver um significante que o funde. A
criança se esboça como assujeito. Trata-se de um assujeito porque, a princípio ela se
experimenta e se sente como profundamente assujeitada, conforme mostra a figura abaixo:

A própria noção de sujeito implica na submissão ao Outro. O sujeito, no contexto da demanda,


é o primeiro estado. Esse sujeito não é outra coisa que o sujeito da necessidade porque é o
que ele exprime na demanda. Essa demanda é modificada pelo fato de que a necessidade deve
passar pelos desfiladeiros do significante. Como pensar essa submissão do sujeito ao Outro?
No incondicional da demanda; há submissão ao Outro no incondicional da demanda do Outro.
O sujeito, como tal, não pode colocar limite à demanda do Outro porque para o sujeito a
demanda do Outro é incondicional. É por isso que Lacan diz que a condição absoluta do desejo
é uma condição que não se fique submetido ao incondicional da demanda do Outro. Há de se
separar o sujeito do incondicional da demanda do Outro.

Os sujeitos neuróticos têm a mesma teoria do desejo que tem Freud: o sujeito deseja aquilo
que é marcado pela lei: o proibido. Porém, a proposta de Lacan é que o desejo como desejo do
proibido, é somente uma forma de velar a verdadeira estrutura do desejo. Desejar o proibido é
velar, ocultar que há uma falta na estrutura. . Ficar nesse lugar é ficar na dialética
identificatória. Lacan mostra isso tomando uma parte do grafo:

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O que caracteriza a significação quando está estabilizada pela metáfora paterna é que sempre
remete a outra significação. É aqui que se constitui um circuito que sai de s(A) para A, daí baixa
para i(a), daí vai para moi (m) e vai retornar em círculo para a significação do Outro s(A).

Essa dialética identificatória conduz à petrificação própria do Ideal do Outro- é o curto circuito-
ou senão- o sujeito ligado na dialética significante- a metonímia incessante da significação, o
circuito, o círculo. O sujeito, então fica ligado na dialética da identificação, ou é vítima de um
deslizamento infinito da significação. É um processo que se distingue do desejo porque esse
deve articular-se ao intervalo, ao mais além da demanda e especificamente mais além da
petrificação ou do circuito fechado da metonímia da significação.

O mais além dos ideais que Lacan desenvolve, é, para a Psicanálise um postulado ético ( não
moral) porque é o único caminho com saída para o sujeito. O mais além dos ideais é
imprescindível na direção da cura do sujeito barrado. Os ideais possibilitam duas vias sem
saída. São duas vias que nunca dão, verdadeiramente, um lugar para a dialética do sujeito. Há
que ir mais além dos ideais porque o ideal implica sempre um ponto de detenção mortífera ou
o metonímia infinitizada.

A saída do impasse (livro do grafo p.106)

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Esse grafo é um recurso didático para mostrar a saída. Aqui, o desejo (d) fica inscrito em um
mais além do Outro (A), saindo dessa forma dos circuitos sem saída do imaginário que falamos
anteriormente. Este mais além do Outro, implica um mais além de toda demanda porque não
se localiza em nenhuma linha, mas nas entrelinhas. Vemos também que a pergunta Che Vuoi?
está entre linhas enquanto que o fantasma ($ ◊ a), se localiza como o tampão que fecha a
abertura das entrelinhas. Esse grafo tendo a forma de signo da pergunta (?) indica a função da
pergunta como tal, não o conteúdo de nenhuma pergunta. Apresenta simultaneamente: a) o
desejo como mais além da demanda. b) o Che Vuoi? , a forma como o desejo se distingue do
inefável e c) o fantasma como suporte do desejo. O desejo, sua pergunta e seu suporte se
apresentam como deve ser. Fica evidente aqui que o objeto implica uma saída e que na
neurose temos o mais além da demanda (o desejo) enquanto na psicose o sujeito fica no
círculo infernal da demanda.

Na prática analítica, a manobra proposta por Lacan de não responder à demanda é para fazer
surgir a dialética do objeto. Mediante esta manobra o analista leva a análise como experiência
da palavra, ao horizonte do mais além da demanda, através, mediante, o objeto da frustração.

A pergunta e o Édipo

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A pergunta “Que queres?” que anima o grafo tem também a ver com o Édipo, uma vez que o
Édipo é o lugar onde se organiza a posição do desejo.

Freud inventou o complexo de Édipo tomando o mito da dramaturgia grega. O Édipo é desde o
início um mito do pai e tem a ver com a influência da lenda do Édipo rei e o drama de Sófocles.
Na tragédia grega Édipo mata o próprio pai sem saber e se casa com sua mãe. Assim, para
Freud no nível do inconsciente, vamos encontrar um desejo de matar o pai e ficar com a mãe.

A primeira vez que fala sobre o Édipo é numa carta a Fliess de 15 de outubro de 1897. Ele
afirma verificar também no seu caso o apaixonamento pela mãe e o ciúme do pai,
considerando esse fato como um evento universal do ínicio da infância. De que se trata o
Mito?

Comecemos por Laio- o pai de Édipo- foi condenado pelos deuses a não poder ter mais filhos,
não poder ter coito vaginal com mulher nenhuma, pois ele feriu a lei da hospitalidade. Ao ser
hospedado por Crisipo, ele seduz o filho deste. Daí a punição pelos deuses- ele jamais teria
uma descendência. Um dia chegando bêbado ele teve uma relação com Jocasta. Nasce o filho
de Laio rei de Tebas e de Jocasta que passa a chamar-se Édipo. Assim que a criança nasce os
pais consultam o oráculo de Delfos que diz: “essa criança matará seu pai e dormirá com sua
mãe”. Diante disso os pais mandam um pastor matar o filho. O pastor se compadece e entrega
a criança para os reis de Corinto que não tinham filhos. Quando Édipo cresce toma
conhecimento desse oráculo que ele mesmo vai consultar e ouve a confirmação sobre seu
destino. Como Édipo tem a certeza de que seus pais são os reis de Corinto, para evitar isso ele
se dirige a Tebas e no meio do caminho se encontra com Laio, e não sabendo que é seu pai o
mata.

Édipo chega em Tebas que está sendo devastada pela esfinge. Há um enigma a ser decifrado e
quem conseguisse decifrar esse enigma teria como prêmio a mãe de Jocasta. O enigma que a
Esfinge propõe a Édipo se trata disso: qual é o ser que é ao mesmo tempo dipus, tripus e
tetrapus? Édipo caiu na armadilha da verdade pois ao responder que é o homem como solução
do enigma o que foi descartado por ele é a verdade do sujeito. Édipo é um ser ao mesmo
tempo com 2,3 e 4 pés pois é ao mesmo tempo filho da mãe, esposo da mãe e pai de seus
filhos. São três gerações que estão em jogo: Édipo que é adulto com 2 pés, é com efeito
idêntico ao seu pai o velho de três pés que usa o bastão para andar, de quem ele tomou o
lugar no trono de Tebas, indo até o leito de Jocasta, sendo por isso igual a seus filhos que
andam de quatro, que engatinham e que são ao mesmo tempo seus filhos e seus irmãos.

Ao desvendar o enigma, a esfinge se mata e o enigma em princípio foi terminado. Mas ele não
foi destruído porque ele volta no mito, sob a forma de peste. Um novo enigma é, portanto
constituído para ser desvendado. É aí que começa a peça de Sofócles, eles vão chamar Tirésias
e vão desvendar o que está acontecendo.

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Se Édipo mata Laio e acaba se casando com sua mãe Jocasta, é porque a função do pai e é isso
que Freud vai defender é uma função interditora em relação à mãe. Mais tarde, em Totem e
Tabu Freud vai corrigir isso. Se no mito do Édipo o filho mata o pai e assedia sexualmente a
mãe, em Totem e Tabu, o filho mata o pai mas a mãe continua sendo proibida.

Quando Édipo descobre o que estava na cara de todos ele chama o pastor que o identifica com
o pé inchado- sua marca de origem. Oedipus significa pé inchado. Quando ele descobre que
era culpado por aquela peste que se manifestava como um mal-estar na cultura, como
significado do crime que ele cometera, o preço que ele paga pela violação do tabu do incesto é
a própria castração. Na verdade Jocasta percebeu primeiro o que estava acontecendo,
juntando as peças do quebra cabeça e vendo que casara com seu filho, dando origem a filhos
do seu filho, ela se enforca e Édipo arranca-lhe o broche da sua túnica e fura os seus próprios
olhos. Freud faz equivaler o arrancamento dos olhos de Édipo à castração. Então o preço da
violação do tabu do incesto é a sua própria castração ou seu equivalente simbólico. Essa
articulação da lei com a castração é o que a psicanálise descobre como o fundamento da
subjetividade humana e do desejo.

A vinculação Falo, Édipo e Castração

Na clínica Freud vai perceber uma íntima relação entre o Falo, o Édipo e a Castração a partir
dos textos: A organização Genital Infantil de 1923, A Dissolução do Complexo de Édipo de 1924
e Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos de 1925.

A primeira formulação freudiana sobre o Édipo apresentava uma concepção evolucionista ao


subordinar o desenvolvimento psíquico à maturação biológica do corpo. Nesse primeiro tempo
o processo edipiano seguia uma inclinação “natural”: a mulher deve dirigir-se para o homem e
vice-versa. O exemplo disso é o caso Dora. Vem daí a interpretação errônea de que o Sr. K é o
objeto de desejo de Dora.

Em um segundo tempo Freud modifica a sua opinião. O Édipo não é mais do registro da
natureza. O Édipo passa a ser uma estrutura cujo correlato é o complexo de castração, que por
sua vez é definido como sendo ligado à ausência ou à presença do falo.

Em 1923 no texto “A Organização Genital infantil” Freud descobre o falo, definindo a


sexualidade a partir da função fálica, abandonando a simetria que vinha perseguindo. O efeito
mais importante dessa descoberta incidiu sobre a teoria da sexualidade feminina. A psicanálise
só pôde avançar quanto à teoria do Édipo e da castração com a criação do falo como conceito.

A partir do momento em que Freud fala da primazia do falo e não mais da primazia genital, a
sexualidade se diferencia da do adulto. Freud deixa claro que para as crianças de ambos os

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sexos, um só órgão genital, o órgão masculino tem um papel. Se o falo tem uma relação íntima
com o órgão masculino é na medida em que designa o pênis enquanto faltoso ou suscetível de
vir a faltar. O órgão masculino pode ser dito falo menos pela sua forma do que pelo gozo
privilegiado do qual ele é a sede.

Todas essas considerações apontam para o falo como objeto central do desejo. A criança
supõe a mãe todo-poderosa e vai atribuir-lhe um falo na sua fantasia. Em Lacan isso
corresponde ao falo imaginário, o que está em qualquer lugar e em lugar nenhum. É o que
mostra Hans fazendo-o aparecer e desaparecer à vontade nos diálogos que tem com sua mãe.

Freud parte para definir o falo de forma precisa: o falo não é um órgão, nem um objeto, nem
uma fantasia, é um pênis que falta à mãe. É na medida em que falta que em termos lacaniano
pode ser definido como o falo simbólico. Aliás, é na seguinte afirmação freudiana que Lacan
vai localizar o que denominará de falo simbólico: fezes, bebê e pênis formam, assim, uma
unidade, um conceito inconsciente- a saber, o conceito de um ‘pequeno’ que se separa do
corpo de alguém. ( Freud - História de uma neurose infantil, 1917, Vol XVII p,107).

No seu primeiro ensino Lacan considera que a vinculação falo, Édipo, castração pode ser
pensada através da metáfora paterna já que esta reúne essas três vertentes da teoria
freudiana: o mito, o Édipo e a castração. Na fórmula da metáfora paterna a significação fálica é
um efeito solidário da função paterna.

Temos assim:

_Nome do Pai_
Desejo da Mãe
_Desejo da Mãe_ →NP
X
( ) _A_
Falo

Em 1957/1958 no seminário V e em um texto contemporâneo “De uma questão preliminar a


todo tratamento possível da psicose”, Lacan introduz o conceito de metáfora paterna. A idéia
dominante nesse conceito é que a função paterna consiste em metaforizar o DM, sendo o
próprio desejo do pai uma metáfora de sua presença. Na metáfora paterna trata-se de
substituir o desejo da mãe por um nome, que vai ocupar o lugar do desejo. É justamente
quando a mãe encarna um vazio, quando não responde, que ocorrerá o que Lacan considera

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como privação. Nesse momento se institui a metáfora paterna: substituição de uma ausência
por uma palavra que venha cobrir a ausência.

Essa é a primeira tentativa de formalizar o Édipo, de passar do mito à estrutura. Estrutura que
coloca pai e mãe como significantes. O pai como nome e a mãe como desejo. Essa operação
não trata dos destinos do gozo que está incluído no desejo materno. O que aparece no campo
do Outro não é o gozo e sim o falo. Enquanto para Freud a castração vem regularizar o Édipo,
para Lacan nesse momento do seu ensino o complexo de Édipo é a metáfora paterna.

O Édipo em Freud

Para Freud o menino entra no Édipo pela angústia de castração, e sai pelo complexo de
castração. O complexo de castração desempenha portanto um papel dissimétrico: tende a
fazer desaparecer o Édipo no menino, ao contrário, é a origem do Édipo na menina, ou seja, a
origem da renúncia à mãe e da eleição ao pai.

Assim, para o menino a castração é a causadora da saída do Édipo, enquanto para a menina o
descobrimento da castração da mãe permite a passagem para o pai. Nesse sentido o Édipo faz
o homem, mas não faz a mulher.

Freud situa três linhas de desenvolvimento possíveis para a mulher:1-renúncia à sexualidade- a


menina rejeita seu amor à mãe e recalca a sexualidade. É a posição da Virgem comportada.
Pode-se ver aí a frigidez. 2- complexo de masculinidade- temos aí um elemento estrutural que
é a identificação ao pai. Isso pode chegar a um extremo de conduzir a homossexualidade. Aí
temos a homossexualidade na histeria e o desmentido na castração. 3-Feminilidade normal- a
passagem para o pai passa pelo desejo do pênis que vai assumir o desejo de um bebê.

Os tempos do Édipo em Lacan

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No seminário 5 Lacan analisa os tempos do Édipo à luz do grafo do desejo. Miller considera
que esse seminário mostra que o pai lacaniano, ao contrário do que se crê, é o pai que diz
“sim”. E seu “sim” é muito mais importante, mais promissor que seu “não”. O “não” é
necessário já que sem ele não pode existir o “sim”. Mas o “sim” é o que permite o novo, é o
amável Nome-do-Pai. O Nome-do-Pai lacaniano é transgressor, é o que estabelece a lei, mas
também o que a transgride. Miller chama a atenção para o fato de que Lacan não se coloca
como um devoto do Nome-do-Pai. A partir desse seminário o pai não é um ser, mas um
instrumento.

Visualizemos os tempos do Édipo no grafo do desejo:

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Primeiro tempo:

O que está em jogo no primeiro tempo é a identificação especular do sujeito com o objeto do
desejo da mãe, quer dizer, com o falo imaginário. A criança introduz sua demanda no Δ, e o
resultado desta aparecerá ali, no Δ’ . No primeiro tempo trata-se disto: Para agradar à mãe é
necessário e suficiente ser o falo. A identificação fálica na relação com a mãe é considerada

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por Lacan como o primeiro tempo normal, básico. Evidentemente, é do que o sujeito terá que
se desfazer. Miller chama a atenção para o fato de que Lacan tem muita simpatia por essa
etapa, já que no fundo, o sujeito tem o que quer. E contrariamente ao que imaginamos, Lacan
é favorável a isso, a que se obtenha a satisfação que se possa ter. Não fala da identificação ao
falo materno em termos pejorativos, diz inclusive que é bastante enriquecedor. É evidente que
o sujeito não pode se deter aí. Conforme a maneira mais ou menos satisfatória de a mensagem
se realizar em M, pode fundar-se um certo número de distúrbios e perturbações, dentre eles
as identificações perversas.

Segundo tempo

É o estádio nodal e negativo uma vez que desvincula o sujeito de sua identificação. A relação
aqui não é com o pai mas com a palavra do pai. O pai está menos velado que no primeiro
tempo, é suporte da lei. Nessa etapa, o pai intervém a título de mensagem para a mãe. É na
medida em que o objeto do desejo da mãe é tocado pela proibição paterna que o círculo não
se fecha completamente em torno da criança e ela não se torna, pura e simplesmente, objeto
do desejo da mãe. Essa segunda etapa é um pouco menos feita de potencialidades do que a
primeira. Nem por isso é menos capital, pois ela é, afinal de contas, que constitui o âmago do
que se pode chamar de momento privativo do complexo de Édipo. É na medida em que a
criança é desalojada, para seu grande benefício, que pode se estabelecer a etapa seguinte.

Terceiro Tempo

Essa etapa é fecunda pois permite uma identificação ao pai. Aqui o pai vai entrar em jogo
como aquele que tem. É a etapa das provas- o pai dá provas que tem o falo. A mensagem do
pai aqui torna-se a mensagem da mãe na medida que agora ele permite e autoriza. O pai
carrega, o título da posse no bolso. Essa etapa corresponde ao declínio do complexo de Édipo.
A criança passa da condição de ser o falo para ter o falo. A experiência da castração é
experimentada pela criança a partir da descoberta da ausência de pênis na mãe. Lacan ressalta
que o desfecho do complexo de Édipo é diferente na mulher. Para ela, essa terceira etapa é
muito mais simples. Ela não tem de fazer essa identificação nem guardar esse título de direito
a virilidade. Ela sabe onde o falo está, sabe onde deve ir buscá-lo, e vai em direção àquele que
tem. Lacan ainda distingue o terceiro tempo do Édipo feminino da maternidade. Para ele a
mãe é uma mulher. Há de se considerar a mãe enquanto sujeito correlativo a uma falta.
Enfatiza que nas verdadeiras mulheres há sempre algo extraviado.

Em seguida Lacan vai nos falar do Édipo invertido. Ele vai situar o acidente homossexual no
segundo tempo do Édipo. A homossexualidade masculina aparece relacionada a uma
disfunção do segundo tempo, no qual, por falta do pai, não se realiza a separação da criança e
da mãe, a dissolução da captura imaginária do falo como objeto do desejo da mãe. A disfunção
é essencialmente a inversão da metáfora paterna. Nesses casos a mãe dita a lei ao pai. No
momento em que o pai teria que intervir como privador, sua operação de privação fracassa.
Em lugar da privação da mãe, o resultado: “é a mãe quem o tem”.

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Conclusão

Para Freud a castração vem regularizar o Édipo. Lacan critica a idealização freudiana do pai e
considera que o mito do Édipo esconde o gozo do pai. À medida que a concepção da função
paterna vai se transformando , passa a ocorrer uma desvinculação entre esses três conceitos:
falo, Édipo e Castração. Lacan no seminário X inicia um movimento denominado Mais Além do
Édipo, que consistiu na depreciação e pluralização do significante do Nome-do-Pai. É um mais
além do falo e da castração em direção ao objeto (a). Um mais além do significante rumo ao
gozo, um mais além do pai freudiano. Lacan inventará a categoria do significante-mestre como
S1 que pode suportar a função do Nome-do-Pai, permitindo uma disjunção definitiva entre
mito, Édipo e castração. Sendo a castração um efeito da linguagem retira-se do pai essa
função, resultando em uma separação entre o Nome e o Pai. O Nome-do-Pai derivado do
Édipo é um semblante que tenta passar como real. A função do pai não é mais de representar
a lei mas unir desejo com a lei.

No seu último ensino Lacan traz o pai como função de gozo. Isso tem consequências na clínica:
levar a psicanálise mais além do Édipo. O NP como único significante da lei faz com que a
Psicanálise tenha uma afinidade com a religião. Foi preciso todo um percurso para transformar
a função do pai num operador lógico a partir de um gozo.

No seminário 22 temos a última versão de Um pai: “Um pai só merece o respeito e inclusive o
amor, se o dito respeito e o dito amor está perversamente orientado. Quer dizer, se ele faz de
uma mulher o objeto a que causa o seu desejo”. Trata-se, portanto de um pai e não do pai. O
que o pai transmite nesse caso não é uma proibição e sim como se virar com um gozo não
inteiramente fálico. Nesse seminário a solução de um pai não é gozar de todas as mulheres,
mas desejar uma e se virar com ela, virar-se não apenas com o capricho dela, mas com o gozo.
Virar-se com o próprio gozo é mais fácil, mas a questão é se virar com esse gozo que escapa ao
significante. É nesse sentido que o pai é um sintoma, pois também o sintoma é uma maneira
de se virar com um gozo sem nome e sem lei. Graças ao sintoma que se tornou sinthoma, um
ser falante se serve do pai como de uma amarração topológica. A partir disso pode-se
prescindir do NP e de seus efeitos de metáfora porque ele adquiriu um uso borromeano do
pai, quer dizer, sintomático. Lacan faz disso o signo de uma análise bem sucedida.

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